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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES

Sessão de 8 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

ABERTA a Sessão, meia hora depois do meio dia, verificou-se a presença de 35 Srs. Secadores.

Leu-se e foi approvada a Acta da Sessão antecedente.

Mencionou-se a correspondencia:

1.º Um Officio do Sr. Conde de Avillez, pedindo licença para ír por algumas semanas ás Caldas de Cabeço de Vide, a fim de se tractar.

2.° Um dito do Sr. Macedo Pereira, participando precisar ír a sua casa, nos Campos de Coimbra, em razão de molestia de pessoa de sua familia.

Não se achando a Camara em numero, ambos estes Officios ficaram sobre a Mesa.

Foram distribuidos exemplares impressos da Conta da receita e despeza da Casa-Pia de Lisboa, relativa a Março do corrente anno; para esse fim enviados pelo Sr. Conde de Porto Côvo.

O Sr. Pacheco Telles: — Mando para a Mesa uma Representação dos Lavradores do Termo de Lisboa, em que pedem seja approvado Projecto de Lei, apresentado pejo Sr. Luiz. José Ribeiro, sobre a refórma do Terreiro Publico.

O Sr. Presidente: — Como a Representação versa sobre a materia do Projecto que hoje deve entrar em discussão, não tem logar mandar-se á Commissão; fica sobre a Mesa em quanto julgar essa discussão, e depois será remettido para a Secretaria.

A Camara conveio.

Por parte da Mesa, apresentou o Sr. Secretario Machado uma Proposta para a admissão dos dous Praticantes de Tachygraphia.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sena bom que essa. - Proposta se mande imprimir, para entrar em discussão quando lhe competir; então cada um dos Senadores dirá o que convier, porque me parece não será muito regular, e entrar já em discussão logo depois de apresentada.

O Sr. Presidente: — Não ha duvida nenhuma nisso, até mesmo porque a Camara não está em numero sufficiente para poder votar: entretanto, não é costume mandar imprimir taes Propostas. Esta é feita em consequencia de um Requerimento dirigido á Mesa anterior, que sendo examinado pela actual, julgou que sobre elle devia dar o seu Parecer.

O Sr. Bergara: — Como V. Ex.ª fallou na Mesa anterior, eu vou esclarecer a Camara do que se tem passado a esse respeito. Esse Requerimento sendo presente á Mesa, foi a informar ao Tachygrapho-Mór; eu não vi a informação, mas creio que é favoravel aos Suplicantes: quando se tractar da materia, eu direi qual é a minha opinião a este respeito.

O Sr. Presidente: — A Proposta fica sobre a Mesa para que os Srs. Senadores a possam vêr, assim como a informação (apoiado), e depois se tractará deste assumpto.

A Camara se conformou com ele arbitrio.

Havendo entrado o Sr. Ministro dos Negocios do Remo, e bem assim, alguns Srs. Senadores, passou-se á Ordem do dia.

Foi pôsto em discussão, na sua generalidade, o Parecer da Commissão de Agricultura, a qual tendo examinado os dous Projectos de Lei apresentados pelos Sis. Bergara, e Luiz José Ribeiro, sobre a refórma do Terreiro Publico de Lisboa, em resultado offerece um novo Projecto de Lei (*)

Teve primeiro a palavra, e sobre a materia disse

ordem do dia.

O Sr. Bettencourt: — A materia que fez hoje o objecto da Ordem do dia é por certo, Srs. Senadores, a mais importante que tem vindo a este Senado; ella por si mesma se recommenda, por isso mesmo, que tractando da refórma de uma tão ponderosa Repartição, qual é o Terreiro Publico de Lisboa, tem uma relação intima com a subsistencia de uma grande capital, qual é Lisboa, é todas as suas vizinhanças, suburbios e dependencias; e demais a subsistencia de uma população ambulante que é porto de Lisboa, aonde vem immensas embarcações, que não só costumam abastecer-se para a sua sustentação em quanto aqui existem, mas tambem para quando passam a regiões remotas, levando daqui a sua sustentação para um, dous, tres, e quatro mezes, e mais, conforme a distancia para onde navegam, sendo a principal biscoutos de que fazem grande provimento, e deposito em calculo de Sobejo: esta igualmente tem relações com os productores, isto é, com a Agricultura, esta Mãe fecunda que dá vida a toda a industria, que faz produzir a terra os generos cereaes para o abastecimento da Capital, pois que se os não houverem nossos, isto é, do nosso paiz, do nosso Reino, de certo hão de vir de fóra, isto é, dos estrangeiros, pois não se póde viver, sem comer pão, alimento da primeira necessidade; e se isto é um bem os illustres Senadores o dirão. Lembrem-se da epocha de 1817, 1818, e 1819. Tem relações com o Commercio, por isso mesmo que não produzindo Lisboa generos cereaes para seu consumo, e do porto de Lisboa, que deve entrar muito em conta, é preciso que elles venham das Provincias da Estremadura e do Alemtéjo, celleiro da Capital, e então qual é o agente para trazer os generos Cereaes para sustentação?.... É por certo o Commercio, isto é, esses Negociantes, que exclusivamente se deram a entreter seus capitaes neste ramo de Cereaes, fundados na Legislação que regula o Terreiro Publico, e que faz que elles tendo a certeza da exclusivo local da venda no mesmo, façam os depositos, que affiança a subsistencia da grande Capital de Lisboa, no que fazem um serviço muito importante, e que faz descançar o Governo, seguro da subsistencia dos habitantes de Lisboa, supprindo estes Negociantes, o que o Governo em París tem a seu cuidado: lá iremos. Em consequencia temos, que esta materia é importantissima, porque se tracta de tres objectos assás recommendaveis pelas suas circumstancias, por sua natureza muito transcendentes: a sustentação da Capital, e do porto de Lisboa; a Agricultura productora, e o Commercio de generos Cereaes para os conduzir ao Terreiro Publico

Eu sinto muito ter de emittir as minhas opiniões ácerca da generalidade deste Projecto, que tanta connexão tem com a Agricultura do nosso Paiz, e que é preciso que todos os mais ramos de industria, que são fonte da riqueza, e prosperidade publica, se harmonizem entre si, para se tirar um bem geral; porém as minhas opiniões, são resultado de experiencia, e tenho conhecido, que as theorias não têem logar neste ramo de generos cereaes, e que a liberdade de Commercio em thesis, é prejudicial nesta hypothesis de cereaes; póde ser em thesis, admittida nas Nações constituidas, que têem todas as Repartições Publicas organisadas, que têem segurança pessoal, e de propriedade; e estaremos nós nessa posição!? Digam os Srs. Senadores: desta magica palavra, Liberdade, tem-nos vindo muitos males!! Desgraçadamente, ou felizmente, sendo combatidas minhas opiniões, o resultado tem mostrado, que theorias vagas, e não applaudidas, não sendo applicadas com conhecimento de causa, e em applicação ás nossas circumstancias, teem tido um máo effeito. Sinto muito, que apresentando-se dous Projectos, e igualmente um Parecer da Commissão, sendo estes Projectos apresentados por Senadores tão respeitaveis, e com quem tenho muitas relações de amizade; e vendo igualmente que os Srs. Senadores que hoje compõem a Commissão de Agricultura, com quem tenho a honra de ter amizade, pela sua sabedoria, capacidade, e probidade se fazem credores da minha consideração: torno a repetir, que sinto muito o ver-me obrigado a expender a minha opinião, que é contra o principio, que foi ma a base do Parecer da Commissão, pois entenda, que o Mercado livre de Cereaes em Lisboa, abolindo-se o exclusivo da venda dos Cereaes no Terreiro Publico, é a ferida mortal daquelle Estabelecimento.

O Projecto n.° 8, no seu primeiro Artigo, é coherente com as minhas idéas, porém o outro n.° 20, e o Parecer da Commissão é de certo contrario na minha opinião, mas de muito boa fé; e pacificamente eu exporei as minhas idéas, e razões, sem querer, nem ter a presumpção, nem a esperança de que ellas tenham mais força do que a convicção dos illustres Senadores que formam a Commissão de Agricultura; mas não posso entrar ainda na Categoria do seu Parecer e Projecto sem fazer algumas reflexões historicas deste Estabelecimento, que por certo muita ligação têem com a discussão da generalidade do Projecto n.° 48.

Tracta-se do Terreiro Publico de Lisboa: este Estabelecimento que marca uma epocha muito além dos tempos, por quanto, segundo o Alvará de 24 de Janeiro de 1777, lhe dá dous seculos de existencia, e o Alvará de 12 de Junho de 1779 ainda lhe accrescenta mais, porque diz que tinha o seu principio ha mais de tres seculos; já se vê por esta antiguidade, que um Estabelecimento que tem esta duração, e que tem passado per baixo de tantas tempestades politicas, de diversidades de circumstancias, de reformas, segundo as idéas que reclamam as necessidades, as variedades, e as mudanças dos tempos, elle tem constantemente grava, do em si o cunho indelevel de utilidade, porque a sua duração deveria ter acabado se não tivesse sido preenchido o fim da sua instituição; mas a final sobreveio o fatal terremoto de 1755, de cuja epocha é que hei de principiar, por isso mesmo que tudo que até alli existia ficou destruido debaixo das ruinas daquelle terremoto calamitoso. Existiam umas vendedeiras que estavam debaixo da Inspecção do Senado, e que occupavam desde o terreiro do Paço até quasi ao principio da fundição, com immensas casas de madeira, telheiros e barracas; mas era o que servia então de Terreiro, tudo isto estava incumbido ao Senado de Lisboa, de quem todas as semanas haviam varias posturas, que umas muitas vezes destruíam ás outras, e o Marquez de Pombal, junto com o terremoto, deitou em esquecimento tudo isso; e então entraram aquelles vendedoras a espalhar-se por toda a Cidade e Termo, deixou de haver um local centralisado, exclusivo, e em consequencia a commodidade dos padeiros, moleiros, e consumidores encontrarem n'um ponto, mui circumscripto, todas as qualidades de generos, e de poderem conseguintemente, cotejando-os em preço e qualidade, preferir o que mais conta lhe fizesse; accrescendo a difficuldade da fiscalisação, e da sanidade dos Cereaes, e mesmo da existencia, tudo consequencia do vago do local; e então conheceu aquelle grande Estadista, a quem abrasava o zêlo do bem publico, que era necessario, e util fazer um edificio a que se podesse chamar a venda de todos os Cereaes, evitando os inconvenientes que se experimentavam, tudo consequencia do disperso, e incerto do local das vendas dos Cereaes, e dando a essa venda uma direcção uniforme, e regular, como garantia dos proprietarios, que se queixaram de serem muito lesados pela vendedeiras, que, não eram affiançadas, e ao mesmo tempo, como segurança do abastecimento desta Capital. O Senado não tinha dinheiro para a construcção da obra, a que se deu o nome de Terreiro Publico, a qual foi feita desde o alicerse, e debaixo de um risco, para preencher o fim da sua edificação; então o Marquez de Pombal, em nome do Senhor D. José 1, por um Decreto cego, e com segredo, ordenou, que os fundos necessarios se tirassem do Cofre do Deposito Publico, que devia ser indemnisado pelo rendimento do Terreiro, proveniente das vendagens, que passariam a pertencer-lhe. O pagamento deste emprestimo foi progressivamente effectuado, pois era então costume cumprir o que se ajustava, e tanto, que quando em 1779 o Terreiro passou a ser Repartição Publica, independente do Senado da Camara de Lisboa, ainda se devia algum saldo, que eram 50:000$000 réis, que foi pago por Decreto de 30 de Outubro de 1780: é por tanto falsa a tradição de que o Senado fez com dinheiro seu o Terreiro. Por se conhecer, que o Senado não era capaz e proprio para dirigir um Estabelecimento, que começava a ser de tanta importancia, já por Decreto de 6 de Novembro de 1777, tinha Luiz de Vasconcellos e Sousa, então Desembargador da Relação de Lisboa, e depois Vice-Rei do Rio de Janeiro, sido nomeado Inspector do Terreiro Publico, e logo Sua Magestade, por aviso de 7 do mesmo mez, lhe havia mandado remetter um Regimento, que se imprimio, mas que nunca chegou a ter força de Lei, incumbindo-o de dar-lhe execução, na parte que fôsse possivel sem vexame nem prejuizo dos interessados, e encarregando-o de propôr as alterações que parecessem convenientes, assim como toda e qual

(*)Acha-se inserido no Diario N.° 105, a pag. 608, col. 1.ª - Os Projectos dos Srs. Bergara, e L. J. Ribeiro, estamparam-se, o 1.º no Diario N. 64, a pag. 348, col. 1.ª (addicionado no Diario N.º 80, a pag 443, col. 1.ª); e o 2.° no Diario N.° 78. a pag. 427, col. 1.ª

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quer medida que tendesse a consolidar o novo Estabelecimento.

É a este Inspector Geral, e ao Administrador Antonio José Amado, vulgarmente conhecido pelo Surdo; que morreu pobre, que, em quanto houverem Portuguezes que saibam a historia do seu Paiz, e presarem a honra, probidade, e capacidade, lhe hão de fazer elogios, se devem os primeiros ensaios de ordem e andamento regular do Terreiro Publico. Até esse tempo não consta como se fazia o serviço, nem como se arrecadavam as vendagens, que foi ao principio 10 réis por alqueire que vendiam, o que pelo andar do tempo subiu a 20 réis. Esta é a origem da vendagem que o Regimento de 1779 reconheceu e mandou arrecadar, e que subsiste ainda hoje a respeito de todos os generos nacionaes; porém eu vi uma memoria de que farei logo menção, que tudo era confusão, e tanta, que pareceu indispensavel proceder ás nomeações mencionadas, e á concessão de extraordinaria authoridade que facilitasse a refórma, e désse logar á proposta de uma nova ordem de cousas.

Parece que o Inspector, e Administrador satisfizeram á confiança que tinham merecido ao seu Soberano; e que tendo dado muitas providencias uteis, propozeram o Regimento de 12 de Junho de 1779, sendo já Reinante a Senhora D. Maria I, de saudosa Memoria.

Será pois desta epocha de 1779 em diante, que com mais conhecimento de causa, á vista dos Alvarás e Avisos, poderei fallar mais positivamente, pois em 1819 os examinei com vagar quando se tractou na Junta do Commercio e Agricultura desta renhida questão do Terreiro Publico; que sempre foi contemplado, não só para arrecadar o producto das vendagens em proveito da Fazenda da Camara Municipal, hoje de Lisboa, e então Senado da Camara, que recebe 9:000$000, do Hospital de S. José 26:000$000, da Casa-Pia 4:800$000, e do Hospital de S. Lazaro 4:600$000, para provêr e segurar a subsistencia da Capital; mas tambem para proteger a Agricultura do Reino; o que inculcam todas as providencias com que os Soberanos, repetidas vezes em todos os tempos, e mesmo as Côrtes de 1821, protegeram os Proprietarios, os Lavradores da Estremadura e Alemtejo, e de todo o Reino; tendo-se conhecido nos ultimos tempos que as providencias dadas pela Regencia de 11 de Maio de 1819, até de 18 de Junho do mesmo anno, a de 14 de Setembro do mesmo, a de 9 de Janeiro de 1820, e 18 de Março do mesmo anno, impondo Direitos provisorios nos Cereaes estrangeiros, apenas indicavam o conhecimento e gravidade do mal, e o desejo de lhe dar remedio, e tudo em consequencia dos clamores de toda a Nação, pelas representações dos Lavradores e Proprietarios; que se decretou em 18 de Abril de 1821 a prohibição absolutamente da importação de Cereaes estrangeiros em circumstancias ordinarias. Esta é a Lei do preço regulador, e della começou a nossa Agricultura a receber muitas vantagens; assim como emprestimos e adiantamentos que se fizeram pelo Cofre do Terreiro Publico aos Proprietarios e Lavradores, e do emprego dos Direitos, em pontes e estradas, principiaram a resultar beneficios incalculaveis em proveito igualmente da subsistencia da Capital, que se sustentava com pão nosso, isto é, do nosso Reino: os bens que resultaram da Administração do Terreiro incumbida a homens probos e intelligentes, como os que formaram essa Commissão (um dos quaes se assentou nestas cadeiras, e cujo patriotismo e independencia foi bem conhecido, e honra sua memoria) todos o sabem.

Neste estado permaneceram os negocios do Terreiro Publico até os fins de 1823, em que se conheceu a conveniencia de novas providencias e nomeações, e se reformou a Lei do preço regulador; e por Decreto de 18 de Fevereiro de 1824 foi nesta parte supprimido o seu effeito.

Creou-se uma Junta para propôr a refórma do Terreiro, e merecendo a Real approvação, publicou-se o Alvará de 15 de Outubro de 1824, no tempo em que, Sr. Presidente, V. Ex.ª era Ministro d'Estado dos Negocios do Reino.

Esta Lei veio motivar a maior alteração que tem experimentado o Terreiro Publico, que sendo até então uma Repartição, unicamente encarregada de provêr á subsistencia da Capital e de arrecadar os Direitos estabelecidos, e de dar os soccorros e adiantamentos aos Proprietarios e Lavradores, accumulou a estas obrigações (e com bem justificada razão) a de superintender nas colheitas nacionaes, para calcular o estado provavel da existencia dos Cereaes, para o seu provavel consumo. Passaram-se os acontecimentos bem conhecidos desde 1824 até 1838, em que a necessidade fez apparecer a refórma de 12 de Julho de 1838, promulgada por authorisação dada ao Governo em Carta de Lei de 7 de Abril de 1837, que hoje se pretende refundir e reformar, como contrario á liberdade do Commercio, e oppressivo ao direito de propriedade.

Eis-aqui, Srs. a historia material e legislativa do Terreiro Publico, que eu julguei necessaria para fundamentar a minha opinião, e torno a repetir, que a edificação daquelle edificio foi effeito da necessidade de ser um local exclusivo para a venda dos generos cereaes, pois della resultam os fins para que foi edificado aquelle edificio, e que intendo ainda hoje existem; e debaixo deste ponto de vista são todas as Leis, reformas, e Regulamentos, que em todas as epochas se tem dado áquelle Estabelecimento, e que é preciso muda-las todas, quando se adopte a liberdade em que se basêa este Projecto; principio opposto é o do Projecto do Sr. Bergara, no seu primeiro Artigo, que é coherente com a minha opinião (leu), e que admitte o Terreiro, local exclusivo para a venda de todos os Cereaes em Lisboa.

Agora entro na materia em geral, e vou dizer e repetir, que o Mercado livre, isto é, a faculdade de poder vender quem quizer, onde quizer, fóra do Terreiro, é uma ferida mortal naquelle Estabelecimento. O que se diz, relativamente ao deposito para que se julga servir o Terreiro, tambem não é exacto; porque, o local não contém senão a possibilidade de alojar quatro até cinco mil moios ensacados, e o deposito necessario para o abastecimento de Lis boa deve ser de doze a dezeseis ou vinte mil moios para quatro mezes, porque Lisboa gasta tres, quatro, ou cinco mil moios cada mez, segundo a maior ou menor população e movimento do seu porto; de modo que o que se tem de consumir no mez de Fevereiro é preciso que já esteja em Janeiro, o que ha do consumir-se em Março deve cá estar em Fevereiro etc. etc. Por consequencia, o deposito não póde ser no Terreiro; o deposito são as tercenas; o deposito são os armazens ao noite, ou sul do Téjo, onde os Commissarios têem os generos cereaes á espera de occasião favoravel para os vender segundo a ordem e processo ordinario. Só os mandam para o Terreiro, quando lhes faz conta, alli os estão beneficiando, para em bom estado os conservarem, e quando lhes chega a distribuição, que sempre, em conformidade da Legislação novissima, é quantitativa, não por antiguidade, e que hoje se faz no 1.° de cada mez entram então com os seus generos armazenados para o Mercado do Terreiro Publico. Mas que se seguirá de ser livre o Mercado dos Cereaes? Um côrte immediato na Lavoura, ou nos Lavradores e Proprietarios, que é de quem se deve aqui fallar, porque, se os Lavradores o são de terras proprias, são Proprietarios; se são Rendeiros de terras alheias, hão de pagar as rendas aos Proprietarios; hão de fazer o custeamento nas suas lavouras, hão de ter dinheiros empatados nos seus gados, hão de preencher immensas necessidades que estão todos os dias a apparecer; e é preciso servir-se do producto dos seus generos para todos estes objectos. E por ventura podem elles vi-los vender a Lisboa livremente? Não podem: ou hão de vende-los lá nas suas terras, ou hão de vir a Lisboa tractar aqui com quem lhos compre. Chegam, e não podendo vendê-los logo, infallivelmente hão de procurar quem lhos tome, porque as suas necessidades estão urgindo todos os Sabbados, para ter com que pagar as suas ferias que nunca deixam de se pagar no proprio local; chegando o Sabbado ou o Domingo o Lavra, dor ha de pagar a feria; é uma Letra á vista, que nunca foi protestada, é sacada pelo suor, e trabalho do Jornaleiro, que ha de ser pago por quem recebe a utilidade do seu trabalho, que não lhe importa com cousa nenhuma, nem saber que os generos estejam baratos, nem que estejam caros, nem se se vendem, nem se deixam de vender; ha-de-se-lhes infallivelmente pagar: a Lavoura é representada na pessoa do Lavrador, este ha de servir-se do producto dos seus fructos para os amanhos, por que são hoje muito poucos Lavradores e Proprietarios em Portugal que tenham burras com um capital que possa chegar-lhes para todo o continuado costeamento do anno, visto que as suas despezas são semanaes. Mas, chega o Lavrador a Lisboa, e vai ter com o Negociante com quem quer contractar; tanto este como o Padeiro, como o Moleiro, ou qualquer consumidor, dizem-lhe — eu em quanto o Terreiro estava alli, que era o meu Mercado, podia comprar-lhe o seu genero, agora não posso por que é livre a todo o mundo vender, e tantas são as vendas de generos cereaes, como são as lojas de Lisboa. Ora este infeliz acontecimento já existe, e só bastou pôr-se em Projecto; o que será quando se decida pela liberdade da venda fóra do exclusivo local do Terreiro, que de tempo immemorial tem durado por Leis, até agora!..

O Lavrador, o Negociante concorrendo nó Terreiro, e sendo local privativo da venda, está em iguaes condições nas despezas; a concorrencia dos consumidores áquelle local, garante a facilidade da venda, a quem quer vender, por mais, ou por menos, o que não acontece sendo variados os locaes da venda. Não vejo nisto nenhuma vantagem, desapparece a liberdade que tinha o Lavrador de mandar o seu genero para o Terreiro, e de poder tirar d'alli algum interesse, por isso mesmo que não póde entrar com elle senão quando fôr conveniente; e então o Terreiro fica em circumstancias de não ter fundos para podér prestar aos Lavradores os soccorros que elles alli achavam; e então que hão de fazer? Eis aqui porque ao mesmo tempo que esta liberdade em theoria é boa, relativamente ao Terreiro não a acho eu admissivel. E tambem não julgo que seja conveniente ao proprio commerciante do genero, visto que fica livre a cada um ser Negociante de graos, mas não sei se todos se quererão sujeitar ás circumstancias: tenha cada um a liberdade de negociar no que bem quizer, mas com as restricções que havia no Terreiro desde tempo immemorial. Não é só este Estabelecimento entre nós: estando na livraria do Marquez de Pombal, em Oeiras, por ter alguma curiosidade li uma historia, escripta pela mão propria letra em que tinha as notas que fez quando estabeleceu o Terreiro Publico de Lisboa, e dava as razões porque; dizia que nas suas viagens indo elle a uma Cidade da Suissa, chamada Zurich, cuja Cidade deu nome a um Cantão, viu lá um Estabelecimento igual ao Terreiro; dizia mais, que este Edificio tinha uma legenda em cima da porta correspondente, na qual se lia — Isthoc moles, in lernagi ripa, quam vides asservanda; dividendae que frumentaria annonce distinatur. Quer dizer = Este Edificio que tu aqui vês sobre a margem do Lago Lima, é destinado para conservar, e vender os generos cereaes: = accrescenta elle, que esta viagem, lhe suggerira a idéa de fazer o mesmo em Portugal, quando o Terremoto destruiu, e cobriu de cinzas os logares de venda do trigo, e mais grãos. Um homem que tinha tanta retentiva, que assim conservava o que via em suas viagens, parece que deve merecer alguma contemplação o que elle escreveu; o que elle fez em todos os ramos d'Administração publica assás mostram que o Marquez de Pombal tinha grandes e vastos conhecimentos, e sobretudo promptidão em conceber os projectos, e facilidade e meios de os levar á execução: os motivos, que elle pondera na sua Memoria, eu os tenho expendido — ainda hoje os reconheço existentes. Mas voltemos á liberdade da venda, e aos seus effeitos.... Como se ha de inspeccionar a sanidade do genero, pois que é uma das obrigações de quem governa fiscalisar, e mandar examinar que os generos postos á venda, principalmente os de primeira necessidade, sejam de boa qualidade, sãos, e bem conservados: vejamos o que se diz na Lei de 24 de Novembro de 1795 a este respeito: =E porquanto a conservação da saude publica, constitue per si só um objecto de tal consideração, que se não devem omittir ou desprezar todos, e quaesquer meios, que a experiencia tenha feito descobrir, que possam ser conducentes para aperfeiçoar; e consistindo sem duvida o primeiro, e mais efficaz meio, em que os grãos destinados para o pão commum de todos os dias sejam sãos, bem sasonados, e acondicionados, e que pelo contrario, não padeçam corrupção, avaria, ou outra qualquer nociva infecção, etc. etc. etc. Ora depois delles sahirem da inspecção do Terreiro, para cada um os ir Vender onde quizer, como é possivel que se faça uma inspecção de modo que o Publico não compre pão feito de grao avariado, e farinha já meia podre? Vê-se por tanto que esta é uma das condições que deve ser muito bem ponderada. A liberdade de quem quizer vender trigo, uma vez que não seja em local certo como tem sido até agora, isso julgo eu que tem grandes inconvenientes.

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Vamos a outro Artigo. — O Commercio, vendo que não tem aquelle local exclusivo, e que não póde fazer um calculo da compra e da venda, poroso mesmo que uma e outra hão de ser tão variadas, e tão regateadas pelas necessidades dos possuidores do genero que não se podéra comprehender q„a[ seja o preço sufficiente; então que acontece? Naquelle local onde todos os padeiros e moleiros veem fazer seus sortimentos, escolher o trigo molle, e o rijo, quanto de um é necessario para lotar o outro, tudo alli existe patente a todas as vistas; parece que por esta razão fará outro negocio do que estando ora n'uma rua ora n'outra, ora neste bairro ora naquelle, ora em S. Sebastião da Pedreira ora ao pé de Santa Apollonia; isto por força ha de fazer alguma confusão.

No Terreiro tem já havido umas poucas de reformas; eu não poderia deixar de me lembrar que em 1819 já houve diversas medidas sobre isto, no tempo em que a Regencia Decretou muitas cousas relativamente ao pão: os clamores que então levantaram os Lavradores em consequencia da introducção dos Cereaes Estrangeiros, tornaram a fazer-se pela innovação que agora se propõem, isto é, tirar o exclusivo da venda ao Terreiro Publico, pondo-a em inteira liberdade: os clamores de 1819 são bem sabidos, e logo não poderei deixar de apresentar um documento que mostra bem quanto naquelle tempo esses clamores se tornavam verdades, e tão desgraçadas que vieram a produzir o movimento politico que houve em 1820; eu mostrarei que esta foi consequencia daquella causa. Mas a venda livre é contraria a Agricultura, e contraria aos interêsses dos Commerciantes, e jamais que tudo á sanidade do genero; estas tres causas importantissimas vem a ser muito prejudicadas com a liberdade absoluta que se quer dar á venda. Mas o que mais me admira neste Projecto da Commissão, é vêr que, sendo ella tão ciosa pela liberdade de Commercio, apresenta um Artigo em que faz reviver a Estiva. A Estiva é seguramente um objecto que póde, e deve servir ao Governo para calcular o preço e existencia do genero; mas nem por isso deixa ella de atacar o tão decantado principio da liberdade da venda. Pois ha de ser livre a todos venderem onde quizerem, e não ha de tambem ser livre ao padeiro e ao moleiro venderem como quizerem? Acho aqui uma contradicção. Mas admittindo mesmo o principio; pergunto eu: como se poderá calcular essa Estiva? Não é possivel, sendo livre a venda, e por que? Porque aqui estão os proprios originaes por que se Jazia esse calculo, no tempo em que eu era o Procurador de todos os Proprietarios de Portugal; por que eu foi seu Procurador, e o digo neste logar bem alto, por que aqui está quem muitas vezes concorreu comigo assignando supplicas e Representações a favor delles. V. Ex.ª, Sr. Presidente, é um delles, o Sr. Visconde do Sobral é outro, e mais alguns se assentam nesta Camara, que eu não sei se por ahi estarão agora; hão de ouvir estes documentos, por que delles se vê o modo por que se fazia a Estiva, quando ainda não tinham apparecido estes principios de liberdade. (O Orador leu, explicou e proseguio: —) Disse eu que os clamores dos Proprietarios fizeram a Revolução de 1820; a razão é esta. Os nossos paens estavam no Terreiro; como então havia o absolutismo (esse cancro que tanto nos arruinou) a protecção do Administrador e Inspector do Terreiro fazia com que se vendessem todos os Cereaes Estrangeiros, e os Lavradores e Proprietarios Nacionaes não podiam vender os seus. Eu apresentei nas Côrtes das Necessidades os documentos que tenho na mão; quem m'os deu foi o digno Patriota Principal Sousa, homem que olhava para as cousas como se devia olhar; eu os conservo para se vêr ía historia do tempo. Os clamores foram taes que nem mesmo a Regencia deixou de os ouvir; e como tratou de os minorar? Deste modo: (Leu umas Portarias da Regencia, expedidas em 1819; e continuou:) Não obstante isto, andei requerendo dois annos, e afinal se deu a providencia de que ficasse prohibida a entrada dos Geraes Estrangeiros; e então começou a lavoura a resuscitar alguma cousa, e nunca houve fome, porque os celleiros de todas as Provincias estavam cheios, e se os generos não vinham á Capital, era porque não tinham consumo, nem podiam concorrer com os generos Cereaes estrangeiros, e os que vinham não tinham venda, pela concorrencia dos trigos Gregos: na semana de 4 de Outubro de 1819 se venderam 991: Moyos; foram do Reino 170, das ilhas 3, Estrangeiro 971 como se vê dêste Mappa Original — Disse isto, e apresentei estes documentos para provar que os clamores dos Proprietarios têem uma solidez, e qualidade de voto muito importante neste objecto, e que taes foram as causas da Revolução de 1820.

Resumindo mais as minhas idéas, digo que não posso approvar em geral o Parecer da Commissão; não posso tambem approvar o Projecto do Sr. Luiz José Ribeiro, bem entendido que por agora não entro senão no principio geral de ser livre a venda dos Cereaes em Lisboa, e approvo nesta parte o Projecto do Sr. Bergara: os outros dous tem cousas que são dignas de se aproveitarem, e eu tenho toda a consideração pelos seus illustres Auctores. — De passagem fallarei ainda sobre outra idéa, isto é os clamores dos Lavradores e Proprietarios do Termo de Lisboa. Elles se têem resentido muito da ultima refórma do Terreiro, e confesso que algum bem se lhes deve fazer nesta parte: eu tambem tenho propriedades no Termo de Lisboa, é preciso que neste logar eu falle a verdade; os Proprietarios do Termo estavam, no uso (não de Lei) de venderem os seus generos Cereaes aos Moleiros, e Padeiros, a maior parte delles tinham Fabricas de Pão fóra das portas, e traziam o pão para a Capital sem pagarem nada; e mesmo em farinha: houve muito abuso dos Padeiros, e Moleiros, cobrindo muito contrabando, pois Paço d'Arcos e Belem, bem como Poço do Bispo, e Villa Franca, eram Depositos, reduzia-se ou a farinha ou a pão, e o consumo do Terreno era muito diminuto: quando se chegar a este ponto, eu farei alguma reflexão sobre isto. O meu parecer, finalmente, é que o principio do livre mercado em Lisboa não póde admittir-se n'uma Lei de Cereaes, em resumo digo, que tirando-se a venda exclusiva no mercado do Terreiro, é a ferida mortal daquelle Estabelecimento. = O local privativo de venda de Cereaes, é o principio unico, que sempre caracterisou o Terreiro Publico de Lisboa = é por esta qualidade restricta, que elle habilita o Governo a conhecer exactamente a quantidade de Cereaes existente na Capital, e provêr com segurança ao abastecimento dos seus habitantes, com attenção aos interesses d'Agricultura Nacional: é em virtude de tal qualidade, que o Governo exerce com a maior facilidade, e clareza a inspecção sanitaria, de tanta utilidade, e necessidade publica, e de tanta responsabilidade para o Governo em attenção para os consumidores, por esta qualidade restricta, é que finalmente o Lavrador, e Proprietario é posto a par do Negociante, do Commissario, tendo casa de venda, e garantias ao seu genero, dinheiro; e então póde com elle competir em concorrencia no mercado.

O Sr. Tavares de Almeida: — Sr. Presidente um Artigo do Regimento diz, que a discussão em geral deve versar sobre o principio, espirito e opportunidade do objecto que se discute: ora o illustre Senador estendeu-se demasiadamente sobre os Artigos do Projecto, entretanto convém na generalidade delle, e em parte de alguns Artigos, para que se faça alguma refórma no Terreiro; por tanto, conveio no principio, espirito e opportunidade do Parecer da Commissão. Rogo pois a V. Ex.ª queira fazer restringir a questão á generalidade do Projecto, e o que diz respeito á especialidade delle depois se tractará, e a Commissão não terá duvida em annuir a qualquer emenda razoavel que se offereça no logar competente.

O Sr. Presidente: - A discussão estava aberta sobre a generalidade do Projecto; entretanto quando algum Sr. Senador faz uso da palavra, não posso eu atalhar o seguimento das suas idéas.

O Sr. Miranda: — Em uma das Sessões passadas, fallando em geral sobre este objecto, manifestei quaes eram as minhas idéas ácerca da permanencia do Terreiro Publico de Lisboa, e apesar de quanto acaba de dizer o meu illustre Collega, não me posso convencer da utilidade, e muito menos da necessidade dêste Estabelecimento. Talvez, como em outra occasião disse o meu Collega, eu ande pelas estrellas ou que os meus principios tenham demasiada generalidade, ou sejam abstracções puras, que não podem ser applicaveis ao commercio dos Cereaes; porque os Cereaes tem, em sua particular natureza, alguma qualidade especial que os põem fóra das regras communs e dos principios geraes da theoria do commercio, que achei são admittidos pelo meu Collega. Porém quando se querem estabelecer excepções a principios universalmente admittidos, e que além disso se acham consignados na Constituição, taes como a liberdade de Commercio interno, e á livre exercicio da industria, é necessario provar a necessidade, e a utilidade da excepção. Mas isto é o que não se tem feito; e então mais seguro é seguir estes principios do que limitar o pensamento a factos isolados, abstraindo de todas aquellas relações em vista das quaes é que podêmos julgar se delles resulta, ou não, utilidade ou conveniencia publica. Em conformidade destas considerações, digo eu que não ha necessidade, nem utilidade alguma, na conservação do Terreiro, porque este Estabelecimento é opposto á liberdade do commercio interior, principio, eminentemente liberal; porque entendo, que liberal é todo o principio de que resulta alguma utilidade ou bem geral. Não posso deixar de considerar como vicioso e funesto um Estabelecimento que tende a empecer a livre communicação entre os productores e consumidores de Cereaes, e que effectivamente é uma tutella fiscal, que, sob o pretexto do bem publico, é sempre nociva aos interesses geraes do Paiz, e aos dos proprios Lavradores.

Nenhum dos Projectos que se apresentam tem por fim a extincção deste Estabelecimento, e sómente a refórma dos seus abusos; que é mui especialmente comprehendida no Projecto da Commissão. Por conseguinte, despejando eu concorrer para um grande beneficio que, desde já, póde fazer-se aos Lavradores, aos consumidores desta Capital, e ao Commercio, approvo o Projecto na soa generalidade, e quando se discutirem os Artigos na sua especialidade, direi o que me occorrer sobre cada um delles; dando desde já a minha approvação a algumas das idéas da Commissão, por me parecerem muito justas, e de utilidade manifesta.

O Sr. Trigueiros: - Não hei de certamente ser muito tenaz na defensão daquillo que me parecer, poderá admittir alguma modificação, porque o meu fim, e o fita de todos os meus illustres Collegas na Commissão, não foi outro, nem o será, senão cortar os abusos a que dá logar a Legislação que rege o Terreiro Publico de Lisboa; por conseguinte se no calor da discussão, se na extensão della, apparecer alguma idéa que aproveitar, não só das que apresentar o Sr. Bettencourt, mas qualquer dos illustres Senadores que se oppozerem a» Projecto da Commissão, estejam certos que da boa fé aproveitaremos, e abraçaremos o que por elles fôr suggerido. Por ora não vejo que as razões até aqui produzidas tenham a força de nos fazer mudar de opinião: não sei se no extenso discurso de um illustre Senador, discurso aliàs luminoso, e que bem mostra os conhecimentos profundos que elle tem desta materia, não sei, digo, se poderei seguir em todas as suas partes os seus differentes argumentos, mesmo se, seguindo-os, poderei responder-lhes; vou tenta-lo.

Quanto ao primeiro argumento, reduziu-se elle á parte historica do Terreiro, e á sua antiguidade: não sei em que possa colhêr este argumento: a antiguidade só por si é cousa de tão pouco pêso, que muitas vezes é menos que nada; bem antigos eram os Frades e os Jejuns, e uns e outros desappareceram: por tanto, sempre que aos olhos do Legislador se apresenta uma razão forte, para mudar o que existia, esse deve ser o principio que o oriente, e se nenhuma Lei se podesse emendar, o homem devia tambem permanecer, porque andando elle, ç ficando ella em meio seculo, appareceria talvez o disparato de uma Lei sobre cousa que ninguem entendesse; a mais antiga seria a melhor, e o officio de Legislador se reduziria ao de examinador de chronicas velhas para desenterrar uma Lei bem corcomida: mas ellas devem andar a par dos costumes, dos habitos e dos interesses que se alteram todos os dias.

O segundo argumento, foi para mostrar a -necessidade do Terreiro pela sua origem; isto é, os motivos que presidiram ao Marquez de Pombal para juntar em um só logar o que estava disperso por differentes, que as vendedeiras de Lisboa se haviam disseminado por toda a parte, e que aquelle grande Ministro, vendo esta desordem, fizera juntar n'um só local a venda dos Cereaes. Não me parece que o Marquez de Pombal tivesse só esta razão para fundar o Terreiro, mas creio que teve outra que depois appareceu na livraria onde esteve o illustre Senador, a qual eu desenvolverei no logar em que o fez o Sr. Senador parece-me mesmo que o haver vendedeiras por toda a Cidade não seria um mal porque não emendo, que difficulte a sustentação, e o consumo, a multiplicidade das vendas; (apoiado) entendo antes que a principal razão que houve, para edificar

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aquelle Estabelecimento, seria a segurança da subsistencia da Capital naquelle tempo muito precaria, mal que (louvado Deos) hoje não existe.

Quanto á Legislação do Terreiro, fonte donde o illustre Senador divisou outros argumentos para provar a insufficiencia ou mesmo a inutilidade do Parecer da Commissão, tambem isto me não parece satisfatorio. Disse o illustre Senador que o principio de toda a Legislação, ou da existencia e fundação do Terreiro, vinha do exclusivo daquelle Estabelecimento, isto é, daquelle pelo qual elle queria que em mais parte alguma se vendessem generos Cereaes senão no Terreiro, e que concorrendo para este fim todas as Leis do mesmo Estabelecimento, alterando uma só dellas se perdia esta harmonia, e que por tanto não era dado ao Legislador mudar um só artigo dessa Legislação sem fazer baquear lodo o systema della. Sr. Presidente, quando um systema é entre si ligado de tal maneira, que suas partes jogam inteiramente na dependencia umas das outras de sorte, que umas são consequencias das outras, e tirada uma se destroe infallivelmente o effeito da outra, eu então conheço que as partes deste systema não podem ser tocadas, sem derribar o systema; então será exacta a theoria porque uma vez destruida uma parte se destroem todas, mas, nem eu vejo essa harmonia na Legislação do Terreiro, nem vejo que o Parecer faça baquear tudo o mais que tiver relação com elle; por exemplo, dizia o Regimento do Terreiro = só no Terreiro se venderá trigo =, e dizia mais a respeito de vendagem, e a respeito de medida: fallava em numeristas, etc. etc. diz agora o Parecer da Commissão = venda-se trigo no Terreiro, e fóra delle. = Em que se altera com isto toda a Legislação do Terreiro, em que se prejudica a que fica existindo? Não fica subsistindo o Terreiro? Não ficam todas as Leis que dizem respeito a este Terreiro? Não ficam todos os objectos, a que ellas diziam respeito! A differença é que estas Leis não hão de vigorar, depois de certo ponto, senão para aquelles que trouxerem o seu trigo ao Terreiro, mas sómente para aquelles que lá o quizerem vender; em consequencia não fica desharmonisada a Legislação do Terreiro.

Disse mais o illustre Senador que o Terreiro não póde ser deposito; logo para que diz o Parecer da Commissão = será deposito publico = isto é, uma expressão inutil ou falsa. Digo eu: a Commissão não faz questão da palavra deposito, e muito mais se se quizer entender Por esta palavra que o Terreiro ha de conter todo o espaço necessario para receber dezeseis ou dezesete mil moios de trigo; mas terá o Terreiro por este Parecer menos capacidade do que antes tinha? Não se dizia elle edificado para contêr vinte mil moios de trigo, pelo Regimento, e deixava de se considerar. O deposito gera de Cereaes, porque os não podia conter? Creio que não. — Quando eu fallo como a Commissão fallou, entendo não só aquelle local, mas todos os depositos que estiverem debaixo da sua inspecção: eu agora hei de tirar uma differente conclusão; se o Terreiro até aqui não tinha a capacidade necessaria para armazenar todo o trigo, e se lhe chamava mercado exclusivo, e deposito geral, agora diga eu, que, elle está em melhor condição para se poder chamar deposito dos que o quizerem, porque o Parecer dá liberdade de cada um poder levar o seu trigo para casa, e então mais desembaraçado fie:» o Terreiro para guardar os generos daquelles que ía os quizerem ter, e melhor corresponde, ao que lhe chama a Commissão.

Diz mais o illustre Senador, que é da utilidade dos Lavradores a sua existencia, porque de hoje em diante não acharão as commodidades que achavam até aqui, e quererão vender o seu trigo, e não acharão quem lho compre; não posso conceber semelhante razão, confesso que tendo ouvido, minhas idéas ficam em surpreza; até aqui venda-se só no ferreiro, agora vende-se em toda a parte, e não achará o Lavrador quem lhe compre o genero; não achará o Lavrador comprador pelos muitos locaes em que o trigo se venda? Eu entendia que os Lavradores deviam achar mais facilidade pela multiplicidade dos logares de venda. — Se eu disser, = eu não quero que se venda azeite se não em um ponto; e se outro disser = nada, venda-se por toda a parte, poderá algum productor deste genero julgar-me mais seu favorecedor, do que aquelle que em toda a parte expunha ao publico o seu genero? Dizer que haverá menos quem compre porque ha mais quem renda? Contradição exquisita, opposta ao bom senso, e á ordem das cousas. — Agora quanto á facilidade que parecia ser o melhor argumento; quanto á facilidade de o armazenar que o Lavrador encontra em Lisboa quando traz o seu genero; eu concordo, porque um Lavrador gostará de achar um local aonde pôr o seu trigo para o vendar: mas não teve a Commissão esta mesma idéa? Não providenciou ella tudo, para evitar este inconveniente? Quiz conservar a liberdade de Commercio compativel com as circumstancias do Lavrador, com o bem, e prosperidade da agricultura, mas attendendo igualmente á fiscalisação: logo não se nos póde fazer esta arguição sem injustiça. O Terreiro Publico lá está, lá tem as portas abertos, alli póde o Lavrador encontrar quem se lhe encarregue do seu trigo, quem lhe responda por elle, tanto nós não quizemos destruir suas commodidades, lá está a medida, nós quizemos conserva-la alli para o pagamento dos direitos, a fim de melhor provêr á fiscalisação. Em consequencia, por este lado não vejo que se possa pôr de melhor condição o Lavrador, ou o Negociante, quem quer deposita alli, quem não quer leva para sua casa. Ora, era possivel que o nobre Senador entendesse que o Lavrador ficaria de melhor condição não podendo receber sobre os seus generos algum dinheiro se o precisasse; eu não sei o que o nobre Senador teve em vista, quando usou do argumento que eu tenho refutado, mas deve ficar som susto, porque elle tem as mesmas vantagens que tinha a este respeito.

Outra razão do nobre Senador, é que o Marquez de Pombal tinha lá em Oeiras uma Obra que o illustre Senador leu, e que lhe indicara o motivo da creação do Terreiro, e a sua necessidade, e agora já a razão das vendedeiras, que no principio assignou por causa, fica em minoria; foi um exemplo que elle tirou da Suissa, porque nas suas viagens tinha visto alli um estabelecimento destes, concebeu a idéa de fazer um igual em Portugal; essa foi a razão, essa sim, essa era digna do grande Legislador; um Paiz que como nós carecia dos generos de primeira necessidade produzindo poucos Cereaes, tinha necessidade de um Estabelecimento que lhe assegurava a sua existencias e elle o transplantou para cá por identidade de circumstancias; esta razão foi fortissima para o Marquez de Pombal; mas se elle existisse hoje, e visse todos os depositos entulhados de Cereaes sem haver quem os queira, se visse uma tal producção de generos que já não é possivel consumir no nosso Paiz, não queria tal Estabelecimento, elle o julgaria desnecessario, se o não suppozesse nocivo. — É a para conservar, e para dividir, dizia o distico ou legenda desse portico, porque o Orador de tudo tirou argumentos; pois bem, é dahi mesmo que eu os tirarei, para mostrar a desnecessidade do Terreiro qual existe. Quando ha muita abundancia não se tem muito cuidado de conservar, nem muita precisão; e quando superabunda pouca difficuldade ha para repartir; os Suissos queriam conservar, porque receiavam não ter, e queriam ter um modo, e um meio de repartir para lhes chegar, e que escassamente tinham; e estas razões, que eram as nossas, que foram as do Marquez de Pombal acabaram cá.

Outra razão do illustre Senador, a mais forte á primeira vista, mas que me parece não vale mais que aquellas que tem produzido para conservar as cousas no estado em que estão, é a sanidade dos generos. — Sr. Presidente, não ha nada na Sociedade mais transcendente do que a saude publica; a Sociedade é feita para os homens vivos, e não para os defunctos; se a vida, e a saude dos homens não occupasse o Legislador, o que o occuparia? Em consequencia, tudo o que fôr conducente a conservar a saude, é transcendente; mas pergunto eu, não ficam conservados para isso os necessarios meios? Ficam todos, e não vejo nenhum destruido; é preciso vêr que cinco homens reunidos que têem uma razão, e um coração que palpita pelo bem publico, deixariam de ter isto em vista. Qual é a razão por que se marcaram tres porias para entrar a farinha? Esta foi uma das razões; todo o trigo vai do Terreiro, todo o trigo ha de ser alli medido, e então não podem os Regimentos do Terreiro ser proficuos a este respeito? As farinhas admittem muito mais vicio do que o trigo; neste, depois de desfeito, é muito mais difficultoso conhecer o defeito: ora pergunto eu, haverá nada mais facil do que levar do Terreiro com guia um meio detrito bom, e introduzir um meio de farinha avariada. Eu creio que não haverá nada mais facil; e entendendo tambem que agora haverá muito mais garantias do que até aqui, porque era assim que se fazia: as providencias porém que houvessem para evitar este mal todas ficam intactas.

Sr. Presidente, ainda que talvez não fôsse este o logar, por que estâmos na generalidade do Projecto; com tudo como o nobre Senador se fez cargo de tractar da estiva; eu me farei tambem de lhe responder. — Com effeito, se a Commissão tivesse adoptado o principio invariavel, no qual não podesse influir circumstancia alguma da liberdade absoluta do commercio, sem respeito a conveniencias sociaes, o nobre Senador teria razão de tachar a Commissão de contradictoria; mas a Commissão não julga que é preciso seguir invariavelmente, sem a menor quebra, um qualquer principio por mais luminoso que este possa julgar-se: a liberdade de commercio é um principio luminoso, mas a liberdade de commercio bem entendida, com referencia ás circumstancias de qualquer Paiz, ou mesmo de qualquer Cidade; a mim parece-me que não será difficil mostrar, que esta liberdade para os Lavradores e Negociantes, no caso em questão é prejudicial, e aproveita unicamente aos padeiros com grave prejuizo de todos. Como se ha de esperar, que os Lavradores de differentes municipios, que pela maior parte senão viram, nem ouviram uns aos outros para fazerem um monopolio de trigo, elles que quasi se não conhecem Elles que vendem por antecipações o seu trigo, porque andam sempre em mingoa de dinheiro, como se póde pensar, que elles se colliguem para sustentar preço ao seu genero? — Vejamos agora que differença fazem os padeiros dos Lavradores. Os Lavradores estão espalhados por um grande territorio; e os padeiros vivem dentro do recinto d'esta Cidade, ou quando muito em um pequeno raio fóra d'ella, aonde todos os dias lêem a ordem do dia -(Algumas vozes: — Isso é impossivel.) Impossivel não ha nada n'este mundo na ordem moral — Demais, Sr. Presidente, como existe o effeito, a causa ha de tambem existir necessariamente: o trigo barato, o pão caro, ou mais caro comparativamente, não póde ter outra origem. Lembra-me que quando em 1834 e 1835 se vender o trigo a 800 réis, e amais, não se vendia então o arratel de pão, por mais de dois vintens; a hoje que estão os padeiros comprando trigo a tres tostões, e a dezeseis vintens, vende-se o pão a trinta réis! Note-se porém a grande differença que ha entre o preço por que o compram: e aquelle por que o vendem, e indague-se a razão disso, e conhecer-se-ha depois que essa theoria só vinha a ser util aos padeiros, e prejudicial para todas as outras classes da Sociedade. — Mas, disse um illustre Senador como póde haver Estiva, se está destruido o mercado? (E forneceu-me um mappa para eu vêr, e para saber que para haver Estiva, era necessario saber o estado do mercado). Pouca idéa tinha eu do que era Estiva, mas até aqui já eu chegava; isto é, que o preço do pão cozido havia de ser regulado pelo estado do grao no mercado: e creio que é d'aqui que a palavra Estiva tira a sua ethymologia. E se nós conservamos o mercado publico no Terreiro para os generos Cereaes, como é que se diz que se extingue? Além de que, para a Camara saber a como se vendia o grao não era necessario Terreiro; em Lisboa sabe-se o preço de tudo sem mercado exclusivo de nada. Não se extingue, Sr. Presidente, o Terreiro Publico fica, e lá ha de haver necessariamente, e sempre, o maior mercado de trigo; por que, como já disse, o Lavrador que aqui não tem relações nem casa, não quererá por certo alugar um armazem para recolher o seu trigo; e por isso não deixará por certo de preferir antes o leva-lo ao Terreiro para alli o depositar. Não me parece pois que tal argumento se possa produzir com vantagem contra a Estiva. (Apoiados.)

Por ultimo, apresentou o illustre Senador um argumento, com o qual quiz mostrar que o Terreiro deve ficar como está, por que tem a seu favor a antiguidade (razão esta a que eu já respondi), e que além disso tam tambem as sympathias de muitos proprietarios, e lavradores. — Sr. Presidente, até aqui não está o illustre Senador de melhor partido do que eu estou; por que, se por um lado ha muito quem o quer, pelo outro lado tambem ha muito quem o não queira; e eu não posso conhecer que a maioria de razões tenham uns sobre os outros. — Concluo pois dizendo, que eu de bom grado me sujeitarei ao que a Camara assentar ser o melhor, por que nada mais desejo que acertar.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, é necessaria uma medida Legislativa que ponha termo aos abusos e vexames que actualmente se

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praticam, no Terreiro Publico, maximé depois da ultima Legislação ou refórma, é questão que ninguem poderá pôr em duvida. (Apoiados.) A minha posição especial nesta discussão é por certo muito desvantajosa, porque tenho que contender com Oradores abalisados, que possuem vastos conhecimentos sobre a materia, e que além disto são ha muitos annos meus particulares amigos: farei todavia diligencia para pôr a questão nos seus verdadeiros termos, porque me parece que ella ainda não foi encarada pelo lado por que o devia ser.

Sr. Presidente, tem-se dito, e apregoado, não sei com que fundamento, que eu desejo a extincção do Terreiro Publico; porém isso não é verdade. Eu reconheço que o Terreiro, nas actuaes circumstancias, nem é util, nem é necessario; e todavia não desejo a sua extincção; o que desejo é extirpar-lhe os abusos porque seio grandes, e intoleraveis. Desejo que se façam as reformas, e as economias; mas que se façam com juizo, e prudencia, para que o remedio não seja pior do que o mal. Nem permitia Deos, que eu profira no sanctuario das Leis palavra alguma que leve as lagrimas ou a consternação ao centro de alguma familia. Se porém os illustres Senadores que pugnam pela conservação do Terreiro, o quizerem com os abusos e odioso que elle tem, então eu direi que são elles, e não eu, quem concorre para a extincção do Terreiro. (Apoiados.) — Não me farei cargo de refutar circumstanciadamente os argumentos do primeiro Orador que abrio a discussão, e de quem eu me honro de ser particular amigo, não só porque em parte já o foram, mas tambem porque não tinham muita relação com, a materia sujeita. A questão, Sr. Presidente, reduz-se ao seguinte: — Será util o Terreiro Publico nas circumstancias actuaes? Concorrerá elle para augmentar a Agricultura? Evitará elle á introducção de generos Cereaes Estrangeiros? Eu creio que nenhum dêstes fins preenche; e se alguem me demonstrar que da maneira que o Terreiro está constituido os preenche, ou satisfaz, eu serei o primeiro á mudar de opinião; mas creio que não poderão provar.

Sr. Presidente, nem a Legislação actual, nem as providencias consignadas no Parecer da Commissão pódem conseguir que o Terreiro satisfaça ao que é impossivel; porque contra factos não ha argumentos. Eis-aqui está o Orçamento do Terreiro Publico, o qual não direi que é falso, mas posso affirmar que em parte é illusorio; porque a receita figurada nesse Orçamento é tirada do termo medio dos ultimos tres annos: — diz elle o seguinte: (leu). Já se vê pois que estando absolutamente prohibida a entrada dos Cereaes Estrangeiros, é impossivel a receita destes 38 contos que dellas se esperavam; e então já se vê que em logar de haver um saido, existirá um deficit. A vista disto como poderá o Terreiro applicar dinheiro para Estradas, ou para emprestar aos Lavradores? Não é possivel (Apoiados.) Está provado pois que o Terreiro Publico não serve para beneficiar a Agricultura; nem para evitar a introducção dos Cereaes Estrangeiros, por contrabando; e muito menos para emprestar dinheiro aos Lavradores, ou para applicar algum ás Estradas: e tudo isto porque, Sr. Presidente? Porque não tem dinheiro! De tudo isto se conclue, que o Terreiro hoje serve unicamente para cobrar esses miseraveis e oppressivos impostos!

Vamos agora vêr o que no Terreiro se pratica, e depois não será muito difficultoso demonstrar que a continuação do Terreiro é mais nociva aos Lavradores, do que util. (Apoiados) Sr. Presidente, no Terreiro exigem-se 30 réis por alqueire como direito, ou imposição, e nisto creio eu que ha má intelligencia; porque imposição legal não conheço eu outra senão a de 11) réis em alqueire applicada para a Junta do Credito Publico pela Lei de 31 de Março de 1827, porque os 20 réis de vendagem só os devia pagar quem vendesse dentro do Terreiro; mas eu para conciliar vontades, e obter algum bem para o Publico, não vou fóra de que se continuem a pagar esses 30 réis pelos generos Cereaes que entrarem pelas portas da Cidade: além disto paga-se mais o seguinte, a titulo de braçagens, e outras alcavalas, que anda por 780 rs. em moio; e que junto ao valôr dos dois alqueires que tambem se perdem em moio pela differença da medida da Fanga, por que entram os generos, e á do alqueire vem a dar uns quinze e meio por cento contra o Lavrador, e o consumidor; accrescendo demais a mais as despezas da conducção em barcos, carros, bestas, e outros incommodos, sem que esqueça a perda de dois ou de tres dias que os conductores alli perdem; o que reunido tudo dá, a meu vêr, um prejuizo para o Lavrador, de metade talvez do custo primitivo do genero.

Agora, Sr. Presidente, aproveitarei a occasião de estar aqui presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, para pedir a S. Ex.ª que queira ter a bondade de nos mandar ornais breve possivel uma nota que declare a quantidade, e qualidade dos generos Cereaes entrados mensalmente pelas portas da Cidade, desde a promulgação dos Decretos de 12 de Julho, e 4 de Agosto de 1838, bem como a importancia dos direitos por elles recebidos; porque eu estou persuadido que talvez a importancia desses chamados direitos não chegue 4:800$000 réis, para pagar aos empregados que se crearam de novo para fazer essa fiscalisação ás portas.

Já se vê, pois, que nesta parte não posso concordar com as idéas do primeiro illustre Senador que abrio a discussão, o que ainda acho inefficazes as providencias corridas no Projecto da Commissão. Os Lavradores do Termo de Lisboa, fazem muito maiores despezas com a cultura e custeio da Lavoura de suas terras, do que os da maior parte das Provincias do Reino. Atites da promulgação dos Decretos de 12 de Julho, e 4 de Agosto de 1838, não pagavam cousa alguma os generos Cereaes que entravam pelas portas da Cidade, nem eram sujeitos ás alcavalas a que hoje estão, a titulo de Companhias, armazens, saccaria, etc.; e alguma razão poderosa deveria haver para se conservar esta pratica por tantos annos. Nem se diga que as oppressivas providencias contidas naquelles Decretos, vieram igualar a condição dos Lavradores do Além-Téjo com os do Termo, porque essa razão não colhe. Os generos Cereaes produzidos fóra do Termo de Lisboa, são conduzidos para a Cidade por agua, quando os elo Termo são conduzidos em carros, e cavalgaduras, que fazem uma despeza immensa; e eu desejo que a Lei proteja a todos com igualdade relativa, e não absoluta, porque isso é impossivel. E demais, que direito terão os Lavradores para imporem aos consumidores da Capital a obrigação de comerem o Pão pelo preço que a elles lhes convier vender-lho?.. Eu não o conheço, nem o admittirei jámais. O interesse dos Lavradores consiste em que haja quem lhes consuma a maior quantidade possivel dos generos que produzem; e pelo que respeita aos preços, a abundancia, ou a escassez dos generos é que os hão de determinar, e não as manobras indirectas e violentas do Terreiro; o contrario do que digo seria violento, ou conceder um privilegio aos productores agricolas, á custa dos outros productores de industria, ou dos consumidores, o que seria injusto, e prejudicial á prosperidade geral da Nação que todos devemos desejar. Repito outra vez, que o unico meio de conservar o Terreiro Publico, é torna-lo menos odioso, ou toleravel, quero dizer, é determinar que os conductores dos generos paguem ás portas as imposições estabelecidas, que não são pequenas, e que depois tenham a liberdade de levarem os generos para onde quizerem, sem terem obrigação de os levarem ao Terreiro. Objecta-se, porem, a isto dizendo: e como ha de o Terreiro verificar qual é a verdadeira quantidade de generos Cereaes que existem na Capital? Ao que eu respondo: e que tem o Terreiro com isso? Que utilidade teem os Lavradores, ou os consumidores, com esse conhecimento que tanto se inculca? Nenhuma.

Se houver falta de generos Cereaes na Capital (o que é moralmente impossivel) póde o Terreiro obrigar alguem a que os traga aqui por força? Não. Quem os ha de trazer ha de ser o Commercio, que, conhecendo os seus interesses melhor que as authoridades do Terreiro, está sempre alerta para saber aonde ha falta, e aproveitar a occasião de melhorar os seus interesses, porque é esse o seu officio. Desenganemo-nos, Srs. ninguem é melhor Juiz em materias taes, do que os productores e os consumidores; os primeiros hão de empenhar-se em vender pelo mais que poderem; e os segundos em comprar pelo menos que lhes fôr possivel: deixemo-nos por tanto a uns e outros ampla liberdade para regularem as suas transacções, ou permutações; porque o contrario será um ataque ao direito de propriedade garantido pela Constituição.

Disse alguem que não sendo a venda dos generos Cereaes, exclusivamente feita no Terreiro, poderia havei monopolio, pelo conloio dos Negociantes que traficara nestes generos. Sr. Presidente, confesso a V. Ex.ª que me admirou ouvir proferir nesta Assembléa tão grande absurdo Monopolio, a ser possivel have-lo, só poderia existir vendendo-se os generos exclusivamente em um local determinado; e não sendo livre a todos a compra e venda, como eu desejo que o seja. Quando ha abundancia de generos, como acontece com os Cereaes, e ha liberdade ampla de comprar e vender, ha sempre mais quem offereça do que quem procure; e se ha algum meio conhecido de evitar Monopolios, é este.

No estado de prosperidade a que felizmente tem chegado a Agricultura Nacional, pela abundancia dos productos, o que convém aos Lavradores é estender o consumo, e procurar novos mercados aonde se levem esses generos por preços commodos. Este anno deparou o acaso um em Inglaterra que deveria ser aproveitado com todo o cuidado e empenho, enviando-se áquelle Paiz Estrangeiro os generos Cereaes da melhor qualidade que houvesse em Portugal, e por um preço razoavel, ainda mesmo que os especuladores ganhassem pouco, ou cobrissem só as suas despezas. Porém que succedeu? Envergonho-me de o referir como Portuguez, mas não posso deixar de o declarar como Legislador. Esses especuladores, dominados pela avareza, e desconhecendo os seus verdadeiros interêsses, mandaram para Inglaterra os peiores trigos em qualidade, o demais a mais sem os mandarem limpar, separando-lhes a grande quantidade de impuridades que de ordinario tem os generos de Sanefa em Portugal. O resultado foi, como era natural, perderem os especuladores Inglezes que manaram ir generos Cereaes de Portugal, e perder-se, talvez para sempre, aquelle mercado, que tão util poderia ser á Agricultura Nacional. Na presença dêste facto recente, e de muitos outros analogos, como querem os Lavradores e os Negociantes que o Corpo Legislativo, ou o Governo suppram por meio de Leis injustas e oppressivas a sua ignorancia, ou avareza? Isso não póde ser.

O que succedeu este anno com os generos Cereaes, succede ha mais alguns com os vinhos do Douro (a que geralmente se chamam do Porto.) Aboliu-se a Companhia (e ainda bem), e todos ficaram com liberdade de expoliar vinhos para os mercados de Inglaterra. Em vez de levarem alli os vinhos mais generosos, e vende-los como taes; procuraram enganar os consumidores, vendendo-lhes vinhos ordinarios por vinhos generosos; e a final os enganados têem sido aquelles que obraram de má fé, dominados pela avareza; sem se lembrarem que o unico Juiz, no preço dos generos, é o consumidor, e que sendo este enganado uma vez, foge de quem o enganou procurando tractar com diversas pessoas. Eis aqui o que tem arruinado o Commercio dos vinhos; e agora pedem alguns Lavradores a resurreição da Companhia, cuidando que ahi está o remedio para seus males; quando aliàs elles e os Negociantes pouco sincero é que são os culpados.

Resumindo pois o meu discurso, que já vai longo de mais, direi que o Projecto da Commissão deve ser admitido na sua generalidade, sem que com isto eu o approve em Lodos os seus Artigos, porque alguns delles hei de combater. Por esta fórma tenho motivado o meu voto, e peço desculpa á Camara por ter abusado da sua paciencia por tão longo espaço de tempo.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu sempre farei algumas observações sobre a generalidade do Projecto. Apoio inteiramente as idéas do meu illustre amigo o Sr. Miranda; e as do Sr. Luiz José Ribeiro: póde ser que ainda não esteja chegada a occasião de abolir de lodo o Terreiro Publico; mas espero ao menos que este seja o primeiro choque para sua extincção final.

Eu tenho existido a maior parte da minha vida era Paizes aonde se não toleram monopolios, e aonde comtudo prospera o commercio, e a agricultura muito mais, sem comparação, que entre nós, sem que para isso se julgue preciso ampara-los com alcavalas. Do estabelecimento e existencia do Terreiro Publico, não tem, na minha opinião, resultado senão effeitos contra-producentes e ruinosos, tanto aos interesses da Agricultura como nos dos consumidores, e do Commercio em geral. O Terreiro Publico para hoje satisfazer a fins uteis, era necessario que tivesse um capital consideravel e efficaz, que não possue, para como um Banco agricolo ou rural, podesse sempre adiantar aos Lavradores que viessem alli depozitar os seus generos, até dous terços do provavel liquido del-

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les, para lhes ir assim ministrando promptamente os meios indispensaveis de poderem cultivar as suas terras. Assim fazem os Bancos Provinciaes agricolas, que abundão em todas as Cidades e Villas d'Inglaterra; mas nem esse fim se consegue pelo Terreiro porque não tem os fundos para isso, pois que na satisfação d'esses encargos municipaes e philantropicos se absorve todo o seu rendimento, de sorte que em quasi nenhum anno deixa de ficar alcançado; e então demonstrado está que o Terreiro não preenche o seu fim, tão decantado, de prestar soccorros á Lavoura. Nós todos sabemos bem, que na vida commercial aquelle correspondente que é mais pontual, activo, e liberal no adiantamento que faz aos seus constituintes. É aquelle que obtem mais negocios e consignações. Ora por esta regra infallivel, immediatamente que fôr livre a todos a venda dos Cereaes em Lisboa, muitos homens de capitaes hão de procurar esse ramo de industria. O commercio ha de convidar os Lavradores já por adiantamentos, já por boas contas, a negociarem em preferencia com elles hão de fazer muito mais, levados pelo espirito de rivalidade e emulação, do que faz o Terreiro Publico organisado como actualmente está, porque não tem fundos. A profissão que faz o Terreiro Publico de adiantar dinheiros sobre os generos alli consignados, torna-se assim completamente illusoria porque não tem taes dinheiros disponiveis, nem capital algum paraíso; de mais é contra-producente nos seus effeitos, por que sendo o interêsse geral consumir sempre pelo mais barato preço possivel, os vendedores quanto mais forem restrictos em numero, mais podem fazer monopolio, e conspirar para elevar os preços artificialmente. Sr. Presidente, V. Ex.ª que tem estado em Inglaterra, sahe de que vantagem são os Bancos ruraes nas differentes Villas e Cidades do interior prestando, efficaz e opportunamente, adiantamentos aos Lavradores para que possam costear as suas terras: mas vêmos nós por ventura que o Terreiro satisfaça esses fins? Não decerto, porque nem essa é a sua organisação, nem elle tem meios ser á sua disposição. Como um grande Banco rural, e agente agricola, com amplos fundos, levantados sobre acções, sempre accessiveis aos Lavradores pelo juro da Lei, assim, reputaria eu de d'immensa utilidade o Terreiro Publico, e grandes beneficios, inquestionavelmente havia de prestar á Agricultura, assim constituido elle; mas dá fórma que o está, e com as attribuições que exerce, não o reputo senão como o garrote e flagello da nossa Agricultura, e da conveniencia Publica.

Agora passando ao Projecto, não vejo nem, me occorre motivo pelo qual a Commissão elliminou o Artigo 5.° do excellente, e mui preferivel Projecto do Sr. Luiz José Ribeiro, pois que no Projecto substituido pela Commissão não vejo providencia alguma a respeito da materia a que o mesmo se refere, sendo aliàs da maior importancia para que do porto de Lisboa se exporte livremente a maior somma possivel de cereaes para as outras Provincias do Reino. — Segundo está consignado no Projecto da Commissão, os generos todos que dão entrada no Terreiro, hão de pagar logo alli os direitos de consumo; se o Terreiro é Alfandega de Cereaes deve possuir as attribuições e exercer as funcções como tal, admittindo os Cereaes a deposito, para que uma vez que s' exportem, do porto de Lisboa, taes cereaes para quaesquer portos do territorio Portuguez, tal direito de vendagem e consumo não paguem no Terreiro. — Deve haverá livre faculdade de se lhes dar entrada para Depozito, como se faz em Inglaterra (Ware-housing ou Bond) e conceder exportar-se livremente de Lisboa para todos os portos Nacionaes, embora fiquem depositados debaixo da inspecção do Terreiro, mas isentos de todo o imposto fiando reexportados; em consequencia falta, quanto a mim, esta disposição no Projecto da Commissão, que mui providentemente tinha introduzido no seu Projecto o Sr. Luiz José Ribeiro, e não vejo que motivo podia ter a Commissão para fazer esta exclusão. Concluindo por agora, digo que approvo o Projecto na sua generalidade, salva a redacção e emendas; e reservo-me ainda, para fallar na especialidade de alguns dos seus Artigos.

O Sr. Bettencourt: — Sómente quero dar uma explicação, sobe um ponto em que fallou o illustre Senador. Sr. Luiz José Ribeiro; estou certo que não tenho força para fazer mudar a opinião da Camara, nem tenho tal presunção, e parece-me que cada um dos Srs. Senadores quando sabe de sua casa, sabe o que ha de votar nesta Sala; pois como se dá com antecedencia para Ordem do dia, a tem estudado, e meditado profundamente; se me tenho estendido mais sobre este assumpto, foi porque assim o julguei necessario para desenvolver as minhas idéas. Em 1819 fui eu chamado pelo Governo para uma Commissão, de que tambem foi Membro um dos mais illustres Patriotas, um dos Cidadãos mais honrados e uteis ao seu Paiz, e um grande Proprietario, e Lavrador, que se assentou nestas Cadeiras: já se vê que quando assim fallo vou resuscitar a honrosa memoria do illustre Par do Reino, José Francisco Braamcamp que existe em melhor vida; que deixou naquelle Terreiro Publico, e na Repartição das Obras Publicas, um padrão eterno da sua probidade, da sua independencia, e dos seus importantes serviços, sempre gratuitos — outro Membro dessa Commissão, foi Francisco Antonio dos Santos, Deputado em 1821 das Côrtes Constituintes das Necessidades, homem muito entendido, e com todos os conhecimentos Commerciaes e até grande Mathematico: o Parecer dessa Commissão está escripto, e é preciso sustenta-lo (o Orador leu.) No paragrapho dissemos, no seguimento das providencias que expozemos para remediar os clamores dos Proprietarios. = Que se ponha na mais exacta observancia o paragrapho primeiro do Regimento aonde mora, que tudo seja vendido no Terreiro, e não em outros logares. = Ambos eram de opiniões de liberdade de Commercio, porém neste Artigo de Cereaes, eram restrictos, e na sua Administração depois de 1821, e 1822 até Junho de 1823 sustentaram á risca este principio, de que resultaram muitos bens á Agricultura do Paiz; eu ainda não mudei; antes cada vez me convenço da realidade desta opinião. Porém levantei-me agora para dizer alguma cousa sobre as Representações dos habitantes do Termo de Lisboa, em que o meu illustre amigo, que ha pouco fallou, fez consistir uma das boas partes do seu discurso. As Côrtes Constituintes conheceram a necessidade que havia de uma refórma no Terreiro; o contrabando tinha chegada a um ponto que já pouco se vendia naquelle Estabelecimento; introduziam-se os Cereaes Estrangeiros por Cascaes, Paço d'Arcos e Outrabanda, e depois entravam pelas porias reduzidos a farinha, sem pagarem os Direitos, que são devidos ao Cofre do Terreiro, com gravissimo prejuizo de todos os encargos a que está sujeito aquelle: fallo diante de quem o sabe, porque neste logar é preciso que fallemos conscienciosamente, e com verdade de factos, segundo as circumstancias que existiram, para se tomarem aquellas medidas. Eu tambem sou Proprietario no Termo de Lisboa, sei muito bem o que elles pertendem; mas sei igualmente que elles são Membros de uma Sociedade, onde deve haver igualdade para com todos. A coberto dos cultivadores do Termo entravam em Lisboa (como sabe o illustre Senador Secretario, que foi Membro da Commissão, e ha de confirmar a verdade destes factos) moios e móis de trigo e de farinha, que não pagavam Direito nenhum, e esta era uma das razões porque os rendimentos do Terreno vinham a ser nullos; a sustentação de Lisboa fazia-se com o trigo Estrangeiro que entrava pelas portas já reduzido a farinha, e ninguem perguntava nada a quem o conduzia; aqui estão alguns Srs. Senadores que foram Deputados nas Côrtes Constituintes, e viram o que alli se fez; nomeou-se uma Commissão que ouviu publicamente quem lá quiz ir, vinte e sete Camaras que alli foram representadas todas disseram a sua opinião, e segundo esta, assim como em vista do que expoz o Corpo da Associação Mercantil, que foi consultada, bem como a Companhia da Lezirias, como Representante de uma grande Propriedade, a Commissão deu o seu Parecer. E que havia de fazer a Commissão? O que acabo de dizer existe em documentos. Têem-se feito arguições contra as pessoas que compunham a Commissão, quando ellas não tractaram de outra cousa senão de cumprir o que se lhes tinha encarregado. Foi o seu Parecer para o Governo, e este o mandou para as Côrtes Constituintes; ellas examinaram-no, e a final deram um voto de confiança ao Governo, e o Governo estabeleceu o que actualmente se executa no Terreiro. Queixam-se da Commissão Inspectora, mas ella não faz mais nada do que executar a Legislação que lhe deram. Os Lavradores do Termo de Lisboa, e eu tambem sou um delles, porque razão haviam de gosar de um privilegio que a Lei lhes não dava? Eu mandava fazer o meu trigo em farinha, mandava-o para minha casa, e nada pagava, e agora pago; mas eu tambem tenho casa em Coruche que é distante quatro legoas do Téjo, e faço a despeza da conducção por terra, o que acontece aos Lavradores da Provincia do Além-Téjo, que são do centro, e distantes doze, e mais legoas do local do embarque, embarco os generos para Lisboa, e que me acontece? Pago. Os do Termo de Lisboa devem pagar os Direitos do trigo que entra para consumo, porque todos os outros da Estremadura, e Além-Téjo os pagam, se elles os não pagavam era por abuso de que eu me aproveitava quando haviam as isenções, e as liberdades de que gosavam os Proprietarios residentes em Lisboa, e mesmo os habitantes, que mandavam vir generos para gasto da sua casa; nada pagavam = prohibiram-se por Leis, e todos pagavam = e porventura, teriam razão para se queixar. Por certo a tinham, pois eram, estas liberdades do Foral de Lisboa!! Entretanto, depois da Lei promulgada, não ha remedio senão soffrer, e executa-la.

Já os Proprietarios têem adoçado o rigor da Lei, quando querem fazer conduzir 03 seus generos Cereaes para gasto da sua casa, e da sua produção, no Artigo 6.º das instrucções dadas pela Commissão Administrativa, em Circular aos Chefes dos Registos das Portas; pois apresentando no Terreiro, do Administrador uma attestação do que quer mandar vir para gasto da sua casa ou em generos, ou em farinha, se lhe dá despacho, que serve para o conductor apresentar nas portas, onde paga as imposições e vem immediatamente em direitura para sua casa, e se regista no mesmo despacho, que lhe serve de guia, a quantidade que entrou, e até se concluir a entrada, serve o mes me despacho: eis aqui salvo esse vexame de vir ao Terreiro voltar para fóra, e tornar em farinha para dentro de Lisboa; eu me sirvo já deste expediente, e todos os Proprietarios o podem fazer. Portanto os Proprietarios do Termo de Lisboa, não têem mais direito que os do Além-Téjo ou de Santarem para não pagarem, porque é Lei. Mas diz-se que só depois da nova refórma do Terreiro, é que elles são obrigados a pagar: e porque? Porque ella anivellou a todos, e o abuso e o contrabando, é que fez com que se tomassem as ultimas medidas Legislativas. Diz se que o rendimento das portas não dá para o pagamento dos Empregados: mas note-se que é um estabelecimento que principiou em Julho de 1838, e que ainda se não póde saber o resultado que ha de produzir; esperemos Os esclarecimentos que o illustre Senador pediu do Governo, e talvez não seja exacta a desconfiança que tem. = Veremos os factos = e então á vista delles, seremos justos, e imparciaes.

A Lei temem vista evitar o contrabando, que era immenso, entrava em farinha, todo o trigo que desembarcava, e se alojava em Paço d'Arcos, e Belem, bem como em Poço de Bispo, e Villa Franca, e Alhandra, sem pagar Direitos, e debaixo do pretexto, que era trigo do Termo, este escandaloso procedimento bem patente é, que me privou, e aos mais Lavradores, e Proprietarios do Termo, dessa vantagem que gosavamos, de vender aos Moleiros, e Padeiros, que os reduziam a farinha, e os traziam para dentro das portas de Lisboa sem pagarem os Direitos; eu bem desejaria, como Lavrador e Proprietario, continuar a gosar dessa regalia, porém como Legislador, entendo que a Lei deve ser executada = se é boa, ou má, as duas Camaras o decidirão. = A Commissão Administrativa, não é senão Executora; em quanto não houve a liberdade de qualquer desembarcar os generos Cereaes onde quizesse, não se fazia tanto contrabando, nem entrava tanta farinha pelas portas, que se julgava ser de trigo, que tinha sahido do Terreiro; porém foi tanto, e tão escandalosamente feito, que o Termo de Lisboa foi victima, e tem de queixar-se, e deve remediar-se o seu vexame. Quaes são os encargos do Terreiro? A minha conta não e igual ao que disse o illustre Sr. Luiz José Ribeiro, Camara de Lisboa 9:000$, Hospital de S. José 26:000$, Casa Pia 4:800$, Hospital de S. Lazaro 4:600$ vem a ser tudo 44:400$. Agora para que este Senado conheça quão util aquelle estabelecimento tem sido, bem entendido, não entrando a despeza pessoal daquella Repartição, nem o custo do Edificio, nem a conservação delle, que tudo é fóra do que vou a lêr; applicando-se os seus rendimentos, não só para objectos da sua restricta applicação designada por Lei; porém para outros objectos, alguns muito importantes e uteis, mas, que não estavam designados por Lei: tenho aqui a relação de todos os rendimentos do Terreiro, desde 1779 até ao ultimo dia de 1838; passo a lê-los,

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e vêr-se-ha se o Estabelecimento é ou não digno de ser conservado — é a seguinte:

Relação de despezas feitas pélas Cofres do Terreiro Publico, desde o anno de 1779 até 1838, em objectos externos ao mesmo Terreiro, para as quaes têem precedido sempre as necessarias Ordens do Governo, e em virtude dellas se tem remettido o seguinte:

[Ver diário original]

De modo que tudo somma 6.893:314$634 réis. Ora aqui está a razão por que o Cofre do Terreiro, não tem dinheiro para ajudar os Lavradores.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Tomei nota do que disse o illustre Senador o Sr. Luiz José Ribeiro, quando mostrou o desejo que tinha de lhe serem remettidos pelo Ministerio certos esclarecimentos, que me parece são os seguintes: (leu.) Eu satisfarei a esta exigencia do illustre Senador, com a maior brevidade possivel, e apesar de que poderia já dizer alguma cousa a este respeito, para maior segurança di-lo-hei por escripto, depois de estar eu mesmo mais esclarecido. Em quanto porém ao Projecto em si, direi que alguma medida Legislativa poderá ser precisa tanto para melhorar a instituição do Terreiro Publico, como, e principalmente, para melhor se combinarem os interesses dos Lavradores com os dos consumidores; mas este Senado ha de permittir que eu diga que já temos muita Legislação a este respeito, como é por exemplo, o Regimento de 1779, o Alvará de 1824, a Lei de 1837, e Decretos de 1838. Daqui nasce muito confusão; e digo que a ha na Legislação publicada sobre esta materia, porque muitas duvidas se suscitam sobre saber-se a que está em vigor, como vejo na Repartição a meu Cargo. O que eu entendia pois ser o mais conveniente, e que melhor resultado produziria, era o estabelecer uma medida geral para todos os casos, fazendo-se uma collecção das Leis em vigor, e propondo se lhe juntassem as outras disposições, que se julgassem necessarias, porque assim todo o mundo poderia saber o que regulava no Terreiro. (Apoiados.)

Todavia, vendo eu a impossibilidade que ha em se fazer este trabalho, ou antes a de poder o Governo apresenta-lo nesta Sessão, por estar já muito adiantada, limitar-me-hei a dar sobre este Projecto quaesquer esclarecimentos de facto, que possa fornecer, e que possam concorrer para habilitar os nobres Senadores a adoptarem as medidas, que tiverem por mais convenientes: e é isto, Sr. Presidente, o que por agora tenho a dizer, ou declarar.

O Sr. Bergara: — Eu não tinha tenção de fallar sobre este objecto na generalidade, mas o Sr. Bettencourt feriu um ponto que eu não posso deixar de tocar. A Commissão, Sr. Presidente, teve a habilidade de pôr o Terreiro no estado em que elle se achava em 1837, épocha em que houve um clamor geral dos Lavradores, contra o abuso da venda dos Cereaes, fóra do Terreiro, contra a disposição das Leis então em vigor, que abusivamente eram illudidas.

O Sr. Presidente, é necessario que nos convençamos de que devemos Legislar para Portugal, e para as cousas taes quaes ellas são, e que nos convençamos tambem de que ha mil meios de illudir a fiscalisação fóra do Terreiro, o que pelo Projecto em questão não vejo curados. (Apoiados.) E para o provar apontarei um exemplo. Imagine V. Ex.ª que um homem vai ao Terreiro despachar um pouco de trigo, e que pagando os direitos delle, lhe dão um recibo pelo qual mostra que os satisfez alli: bem; agora perguntarei eu, se este recibo não poderá servir a esse homem para vender á sombra delle quanto trigo queira? Certamente; porque a fórma por que está redigido o Artigo 5.° do Projecto não obsta a isto; porquanto não impõe pena alguma áquelles que faltam á verdade. Eu desejaria pois que a Commissão désse esclarecimentos sobre a natureza de fiscalisação que quer estabelecer, a fim de evitar esse mal, porque não vejo que pela Legislação actual possam desapparecer para o futuro taes extravios; bem pelo contrario, o mercado livre enfraquecerá consideravelmente a acção fiscal, (apoiados.) — Agora desejaria eu tambem que o Sr. Trigueiros me mostrasse o modo facil como se podem combinar tantos padeiros que ha; porque eu confesso que não o concebo. Pertende-se a liberdade do commercio dos Cereaes, e ataca-se na sua essencia ao mesmo tempo, estabelecendo a Estiva. (Apoiados.) Não se entenda porém que eu estou aqui defendendo os padeiros, não estou, Sr. Presidente, porque eu não defendo classes; pugno pela razão, e apresento as minhas idéas tal qual as entendo. Ainda hontem, Sr. Presidente, eu vi estampado no Diario do Governo o seguinte: (Leu, e mostrou que o trigo dentro do Terreiro se vendia de 400 a 500 réis) Já se vê que os padeiros não compram o pão a 300 réis, como disse o illustre Senador; porque é dentro do ferreiro que elles compram, e não abordo dos Barcos.

O Sr. Trigueiros: — É a bordo dos barcos.

O Sr. Bergara: — Perdoe o meu illustre Collega, e permitta que eu lhe diga que está enganado. A razão porque o pão está mais caro do que devia estar é pelo monopolio que se faz na comprado trigo, em que é prejudicado o Lavrador, e o consumidor. (Apoiados.) — Sr. Presidente, se a Commissão reformasse o Terreiro Publico nesta parte, talvez concordasse no 1.° Artigo, apesar de eu querer com preferencia a conservação do Terreiro; mas no caso contrario votarei antes pelo Projecto do Sr. Luiz José Ribeiro, porque é mais perfeito; por quanto, pela fórma que o quer a Commissão estabelecem-se muitos Terreirinhos cá fóra, (apoiados) que a fogo lento hão de consumir o Terreiro Publico. Além de que, Sr. Presidente, eu tenho para mim que o Projecto da Commissão no estado em que está, é o mais monstruoso que póde dar-se; por isso que faculta todas as vantagens a quem vende trigo cá fóra, e conserva todos os abusos dentro do Terreiro, aonde o pobre Lavrador, ou o conductor que o representa, ha de continuar a soffrer os vexames dos Commissarios, visto que não tem os meios que estes possuem, para a venda dos seus generos em Celleiros fóra do Terreiro. São estas pois, Sr. Presidente, as razões por que me reservo para combater os Artigos delle, quando se discutirem na especialidade.

O Sr. Luiz José Ribeiro: — Eu só me levantei, Sr. Presidente, para combater duas asserções ennunciadas pelo meu illustre amigo o Sr. Bettencourt, as quaes são contra producentes. Disse elle, que a Legislação novissima do Terreiro evitou o contrabando dos Cereaes; mas eu peço licença para observar, que o contrabando tem continuado depois della, e continuará da mesma fórma de futuro, senão se lhe addicionar um artigo que eu tenciono offerecer, o qual tende a estabelecer uma providencia para que não desembarquem os Cereaes que descerem, ou entrarem pela Foz do Téjo, senão debaixo da inspecção immediata do Terreiro; proibindo-se que desembarquem directamente em Cascaes, Ericeira, Paço d'Arcos, e Armazens collocados ao Sul do Téjo. — Emquanto porém ao mappa que S. Ex.ª apresentou, dos fundos que do Terreiro têem sahido em differentes epochas, e para varias applicações, não foi para mim de novidade alguma, porque eu tambem tenho esse Mappa; mas sempre direi por esta occasião que ainda bem que o Cofre do Terreiro não está hoje nas circumstancias de poder prestar soccorros por taes meios, cuja maior parte era proveniente da entrada de generos Cereaes Estrangeiros.

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente, eu não ouvi ainda até agora um unico argumento que tenda a rejeitar o Projecto na sua generalidade, e por isso, e para economisar tempo (que aliàs nos é muito preciso para tractar de outros negocios importantes), é que eu peço a V. Ex.ª queira perguntar á Camara se julga a materia sufficientemente discutida. (Apoiados geraes.)

O Sr. Presidente: — Não posso por á votação o Requerimento do illustre Senador, porque a Camara se não acha já em numero sufficiente para deliberar.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, como Relator da Commissão de Fazenda, leu o Parecer da mesma Commissão ácerca do Projecto de Lei enviado da Camara dos Deputados, sobre o methodo de regular o Lançamento da Decima e impostos annexos no corrente anno financeiro de 1838 para 1839. — Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

O Sr. Trigueiros: — O illustre Senador o Sr. Visconde de Laborim, encarregou-me de participar a esta Camara, que em consequencia de negocios de sua casa, se via privado de comparecer na Sessão de hoje.

O Sr. Gomes de Oliveira: — Eu requeria licença para chegar lá a minha casa, onde tenho negocios de consideração.

O Sr. Presidente: — Não estamos em numero, e por isso tambem não posso pôr á votação o Requerimento do Sr. Senador.

A Ordem do dia para Sexta feira, 10 do corrente, será a continuação da discussão do Parecer da Commissão de Agricultura sobre a refórma do Terreiro: está fechada a Sessão.

Faltava um quarto para as quatro horas da tarde.

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