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DIARIO DO GOVERNO.

Instrucções dadas aos Chefes do Registo pela Commissão Administrativa, como Circular regulamentar para tal expediente. É esta toda a marcha que há a seguir nestes casos, e este papel assim authorisado anda para cá e para lá, e cobre o genero nacional. Parece-me por consequencia, que o methodo seguido até agora é aquelle que deve continuar a observar-se. Não me occupo pois em fallar mais sobre este Artigo, porque o Senado (como já confessei) deve estar cançado de me ouvir; e tambem porque quando entro nestas materias me inflammo demais, e o Senado está senhor da questão; e peço desculpa por esta minha extensão: porém o muito, não se pode dizer em poucas palavras.

O Sr. Barão de Villa Nota de Foscôa: — O illustre Senador o Sr. Bettencourt, apresentou como argumento para a conservação do Terreiro, tal qual está hoje, o ser elle o unico meio por que se póde saber qual é a existencia: - mas isto permitta o illustre Senador que eu lhe diga, está providenciado no Projecto; mas ainda que o não estivesse, eu digo que não é preciso saber-se qual é essa existencia. Sr. Presidente, a existencia conhece-se no preço corrente, e eu não tenho mais nada do que lêr o Diario e vêr o preço do trigo, para conhecer se ha ou não abundancia delle em Portugal. E se não perguntarei eu — agora que se sabe qual é a existencia dos Cereaes, de que tem isso servido? Por ventura quando ha poucos Cereaes no Terreiro, manda o Governo comprar mais para haver abundancia? Não, nunca tal se vio: — e então não vejo eu essa necessidade, que para aqui se traz como argumento. Outra razão que o illustre Senador apresentou, é a difficuldade que haverá em cohibir o contrabando, o qual, a seu vêr, augmentará. Mas, Sr. Presidente, as Sedas, o Chá, e o Sabão, não têem a venda publica, e apesar disso não se fiscalisa o contrabando d'estes generos? Certamente. Pois então se isto se faz com os effeitos que são muito mais faceis de transporte, e muitissimo menos pesados; por que se não ha de tambem fazer com os Cereaes, que são muito mais pesados e volumosos? A outra razão, que é a respeito da salubridade, tambem não tem força; porque isso se póde tambem fiscalisar; por quanto o bacalhau, que é muito mais sujeito á putrefacção, não deixa de ser fiscalisado, e tanto o é, que muitas vezes a Camara Municipal manda de dar muito ao mar: — e por consequencia por esta parte tambem os Cereaes o podem ser. (Apoiados.) O Sr. Bettencourt disse, que elle como Proprietario tinha a faculdade de vender os seus generos fóra do Terreiro; mas que entretanto nunca o fez: - mas eu responderei, que por isso que não é de conveniencia d'alguns o vender os generos fóra do Terreiro, não deixará comtudo de haverem muitos Proprietarios a quem isso faça conta, e o queiram antes vender cá fóra sem pagar essas muitas alcavalas que no Terreiro se levam. Por consequencia é de summa vantagem esta medida. O grande Lavrador é livre de o fazer, mas não se prohiba aos outros que o possam fazer em ponto pequeno. É uma cousa horrorosa que um genero de primeira necessidade pague 2600 por moio, não contando a differença das medidas; de maneira que um individuo que consome meio moio vem a pagar 13 tostões de contribuição; não se dá maior ataque á subsistencia das familias pobres: por que, está calculado que, por maior que seja o luxo de uma Nação, a despeza que faz cada individuo, tomado na sua totalidade, não excede a tres viagens por dia, o que parece impossivel ao vêr rodar tantas carruagens, ao vêr tantos edificio sumptuosos, e considerando a despeza proporcional que tudo isso produz; entretanto este calculo passa por exacto, e feito para a França, talvez na sua applicação a Portugal fique ainda para menos, porque aqui o povo não é tão carnivoro, e uma grande parte delle se sustenta de vegetaes: segundo este calculo, talvez que Lisboa não faça de consumo 16 milhões de cruzados, e por este motivo sou de opinião que a venda dos Cereaes deve ser livre; será uma vantagem para o povo, e assim mais provavelmente irá o trigo ao seu preço natural, porque não fica tão gravado com alcavalas.

O meu illustre Collega a Sr. Bettencourt esforçou-se por mostrar que hoje no Terreiro não havia monopolio, e notou que este só era possivel quando as vendas se faziam por antiguidade: é verdade que actualmente todo aquelle que tem trigo no Terreiro póde vende-lo pro rata da sua entrada; mas se não ha monopolio a mancommunagem no modo de fazer as compras, e um homem que chega alli com duas ou tres cargas de genero não tem a que a vender senão aos Comissarios; de modo que o monopolio sempre existe, se não é nas vendas, nas compras, o que é igualmente ruinoso.

Debaixo destes principios, a Commissão está prompta a adoptar toda e qualquer emenda que se offereça ao Projecto; mas persuade-se que as bases sobre que elle é fundado são as mais justas que se podem admittir, relativamente á utilidade do Publico, que é fazer diminuir os preços dos Cereaes, ou antes diminuir a utilidade dos homens que os vencem; utilidade que tem produzido a fortuna de algumas casas de um modo espantoso, e dentro de meia duzia de annos. — Antes de concluir direi que me não parece tenha razão o Sr. Bergara, em quanto quer que ao Terreiro se não chame Alfandega, por que o Estabelecimento é deposito em quanto alli se faz a venda dos Cereaes, e Alfandega em quanto cobra os direitos delles; não vejo por tanto motivo para mudança alguma nesta parte, parecendo-me desnecessaria qualquer alteração a este respeito, quanto existir o Estabelecimento.

O Sr. Tavares de Miranda: — Pedi a palavra quando vi que a discussão divagava, desejando chama-la aos seus devidos termos. — O Projecto da Commissão não consta verdadeiramente se não de duas proposições, tudo o mais é regulamentar: primeira; o Terreiro Publico de Lisboa ha de continuar a ser Mercado exclusivo para os generos Cereaes, ou ha de ser Mercado livre dos mesmos generos? segunda já dependente da decisão da primeira ha de dar-se a admissão das farinhas, mesmo quando os generos de que procedem não tenham saído anteriormente do Terreiro? Sobre este objecto foram offerecidos dois Projectos, um pelo Sr. Bergara, e outro pelo Sr. Luiz José Ribeiro. Tractando do do Sr. Bergara, pareceu á Commissão que elle não continha materia nova, e que as suas disposições quasi todas se achavam já na Legislação existente, excepto um addicionamento do mesmo illustre Senador, para constituir uma especie de papeis de Credito, que seriam certas guias dos generos depositados no Terreiro, para sobre ellas os proprietarios dos mesmos generos pedirem dinheiro por emprestimo ao Banco, ou aos Capitalistas — a mim pareceu-me que isto não era garantia sufficiente, porque podia o genero estar a vender-se, e mesmo estar vendido em quanto os ditos papeis se negociavam; votei por tanto que não fosse na Lei, mas em fim o addicionamento ahi está e faça a Camara o que melhor entender. Salva esta especialidade, o Projecto do Sr. Bergara é aquillo que actualmente se acha estabelecido; e conforme com o seu systema de seguir a Legislação actual, que estabelece o exclusivo do Terreiro. Sr. Presidente, antes de eu votar e assignar o Parecer da Commissão, estive um pouco perplexo, e hesitando comigo mesmo. Via por uma parte os principios de Economia-Politica, principios que sempre são muito attendiveis, sobre a liberdade, e facilidade do Commercio; por outro o lado estava desconfiado de todas as nossas reformas, da maior parte das quaes se póde dizer que se as cousas estavam mal, ficaram peior; está muito mal a administração da Justiça por sua organisação; está mal a arrecadação da Fazenda, muito mais caro do que antigamente; e a Policia, que chamaram preventiva, e benefica, é quasi nenhuma; e sem querer divagar pelo campo das mudanças, basta isto para mostrar que tinha razão para ser desconfiado; e era para mim uma razão de sympathia com o Terreiro, ter elle escapado ao terremoto Politico, além de ter a seu favor bastante antiguidade, e preenchido sempre o seu fim, que é a subsistencia da Capital.

Ora já se vê que os Senhores que impugnam o Parecer da Commissão, devem convencer-se que na Commissão se tomavam em consideração as razões que elles produziram; e que não obstante lançou este mesmo Parecer; e porque? Porque a Commissão entendeu que o Projecto não matava o Terreiro Publico, nem de um golpe como alguns exaggeram, nem a fogo lento, como disse o Sr. Bergara, nem solapando-o, como affirmou o Sr. Bettencourt; a Commissão o que quiz foi combinar a sua existencia, com a maior liberdade e facilidade possivel que deve ter o commercio dos generos Cereaes. Em todo o seu Parecer não dei uma só palavra que affecte o material da Casa, nem uma só a respeito da reducção dos seus empregados, ou diminuição de seus ordenados: por tanto, o Terreiro fica tal como existe, e os Lavradores, ou proprietarios que delle gostam, e querem continuar a gosar as vantagens que elle offerece, lá a têem como até agora. Eu digo o que a Commissão entendeu. Apparece um proprietario de trigos, chega ao cáes do Terreiro, com uma partida, e succede que é amigo de continuar a vender, como sempre, naquelle Estabelecimento; diz a Commissão, sim senhor, que a deposite, e entregue ao numerista que entrará na distribuição dos logares da venda, o que depois de vendida receba o preço segundo a conta que lhe derem, conforme se pratica. — Mas vem outro, que pelo contrario, tem suas razões para não gostar de vender naquelle local, e que renuncia aos beneficios que lhe offerece; quer pagar os direitos dos generos, e como senhor reclama a liberdade de dispôr delles a seu modo; a Commissão diz a este igualmente, sim senhor; e na verdade em que offende elle as inclinações do primeiro? Em nada. Em que offende ao Terreiro, se lhe paga os direitos de vendagem, donde sahem a conservação do material, e os ordenados do pessoal do Estabelecimento? em nada tambem. — então para que lhe havemos de coarctar a sua liberdade natural de levar o que é seu, e de vir beneficiar, e vender como, e quando quizer? Eu podia-me dispensar de responder a algumas objecções, que se têem produzido, supposto que quando pedi a palavra era para o fazer; mas já depois disso respondeu a ellas com clareza, e exuberantemente o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa. — Uma das objecções era que acabando o exclusivo do Terreiro, poderia dar-se o receio de não se saber a existencia do genero, e por esta ignorancia perigar a subsistencia da Capital. A Commissão lançou um Artigo para precaver este caso, mas hoje estou persuadido que tal Artigo não é preciso para similhante fim, e que sem inconveniente poderia supprimir-se. Foi lançado para dar uma satisfação a esta objecção, (apoiado) satisfação que não merece: se ha uma cidade no mundo que possa temer pouco a falta de pão, essa cidade é Lisboa; nem poderá concorrer para isso que este genero se venda em muitos logares, A Capital vive de muitos outros, e delles sempre teve abundancia, não obstante a liberdade do seu Commercio: mas se pão um dia lhe faltasse, Lisboa está proxima de dois grandes celleiros, um no Riba Téjo, e outro nas Provincias ao Sul, que produzem muito mais que o seu consumo, e ainda que por algum caso extraordinario tivesse uma falta de momento, ella tambem está proxima de outra fertilidade ainda maior, as provincias de Hespanha, donde a conducção é tão facil e prompta; mas se isto é possivel só em caso extraordinario, nós legislamos para casos ordinarios, e os extraordinarios pedem sempre medidas extraordinarias. As Leis administrativas não são dogmas que não possam soffrer modificação: hoje mesmo, o fundador do Terreiro, que mandava arrancar as vinhas para ter pão, talvez mudasse de opinião, attendendo a que exportamos uns poucos de mil moios de trigo, e ainda nos fica de sobejo.

Outra objecção era a falta de fiscalisação que este Projecto ía difficultar, por se multiplicarem as vendas: quanto a este ponto parece-me que o Sr. Bergara ha de convir comigo que todos os generos que passam pelas Alfandegas grande, e das Sete Casas, vão depois ser postos á venda em milhares de lojas, e outros logares. Tambem póde affirmar-se, que as Sete Casas renderá annualmente uns 800 contos, e a Alfandega Grande uns 150 por mez; ora não obstante a multiplicidade dos logares de venda.

Já se vê que estes generos têem necessariamente uma fiscalisação, que não deve ser má, porque o rendimento é grande. — O Terreiro tem e ha de ter tambem uma fiscalisação. Se actualmente não fôr boa, nada impede que se não possa melhorar. Eu digo mais que se o Projecto da Commissão vingar, os cofres do Terreiro hão-de vir a ter mais dinheiro, porque pelo que pertence ás farinhas que pagam por peso provindencía melhor do que actualmente se pratica: e finalmente se se exerce uma fiscalisação a respeito do vinho, que paga 200 rs. por cento do primeiro valôr, porque não poderá exercer-se outra sobre 50 réis que tanto paga um alqueire de trigo? Parece-me por tanto que esta objecção não póde ser motivo sufficiente para concluir contra o Projecto, e isto não só pelo que eu digo, mas tendo em vista o que já produzio o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa.