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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 11 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

ABERTA a Sessão um quarto depois da uma hora da tarde, acharam-se presentes 38 Srs. Senadores.

Foi lida, e approvou-se a Apta da precedente.

Mencionou-se a correspondencia:

1.º Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, participando que alli fóra adoptada a emenda feita por esta ao Projecto de Lei sobre a fixação das forças de Terra para o anno economico de 1839 a 40. — Ficou inteirada.

2.° Um dito, pelo Ministerio da Fazenda, enviando authographos dos Decretos das Côrtes, já sanccionados, e respectivas Cartas de Lei sobre cinco objectos que constam da relação que acompanha o mesmo Officio. — Para o Archivo.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão do Parecer da Commissão de Agricultura sobre a refórma do Terreiro Publico de Lisboa.

Leu-se o Artigo 1.° (discutido, mas não votado na Sessão antecedente), assim como uma Substituição e emenda ao mesmo offerecidas: é tudo como se segue.

Artigo 1.º O Terreiro Publico de Lisboa continuará a ser Alfandega para nelle se pagarem os Direitos estabelecidos pelas Leis sobre os generos Cereaes, quer estes sejam introduzidos na Cidade por terra, ou por agua; fica por isso declarado mercado livre, e deposito dos sobreditos generos, para as pessoas que alli os quizerem depositar, e vender, sujeitando-se ás Leis por que se regular este Estabelecimento.

Emenda.

Proponho que em logar das palavras = quer estes sejam introduzidos por terra ou por agua = se escreva = que entrarem por agua, = salvo o additamento que apresentarei. = Miranda.

Substituição ao

Artigo 1.° Eliminar-se a palavra Alfandega. O Terreiro haja de ser Alfandega para cobrar os Direitos, e fiscalisar os generos Cereaes: substituindo as suas Attribuições a Alfandega das Sette Casas; ficando sómente com. a parte administrativa reformado o mercado na fórma do Projecto N.° 8 — ou 20.

§. 1.º Os empregados que pelo paragrapho anterior ficarem sem emprego, ser-lhes-ha abonado meio ordenado pelo cofre do Terreiro, em quanto não forem admittidos na Alfandega; das Sette Casas pelas vagaturas que alli houverem, nas quaes devem ser preferidos. Sala do Senado, 10 de Maio de 1839. = José Maria Moreira de Bergara.

Obteve a palavra e disse

O Sr. Bergara: — Eu queria fazer um Requerimento para que entre em discussão a minha Substituição, porque tenho alguma cousa que dizer sobre a emenda do Sr. Miranda. Pela economia de 20 contos que resulta á Fazenda, é que propuz particularmente a minha emenda, cuja economia haverá uma vez que se considere o Terreiro sómente como Mercado; este é o fim principal da minha Substituição, se passar este principio; é por isto que eu pedia a V. Ex.ª a pozesse á discussão antes da votação do Artigo.

O Sr. Presidente: — A Camara hontem tinha declarado que o Artigo 1.° estava discutido: portanto a minha obrigação era pô-lo á votação. (Apoiado.)

O Sr. Bettencourt: - Quando se tractou hontem de votar sobre se este Artigo estava ou não discutido, votou-se realmente que estava discutido; porém no mesmo momento immediatamente, e sem interrupção, querendo V. Ex.ª pôr á votação o Artigo, achou que não havia numero sufficiente; em consequencia não posso comprehender como houvesse numero para se votar que estava a materia discutida, e não houvesse numero para se votar na materia do Artigo, sobre que versou a discussão: desta contradicção tiro eu o partido de pedir a palavra para fallar sobre o additamento do Sr. Bergara a este Artigo; e sobre, que ha uma conexão muito ligada; nem podia deixar de ser, visto que a palavra additamento, assim o designa, e as idéas que elle expende, assim o demonstra.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Hontem julgou-se que a materia estava discutida; portanto a ordem é pôr á votação o que esteve em discussão: é isto o que eu requeiro a V. Ex.ª

O Sr. Magalhães: — Sr. Presidente esta materia é tão importante que senão perde o tempo na discussão (apoiado): o illustre Senador o Sr. Bergara apresentou uma Substituição, e eu julgo que não se póde votar o Artigo sem se discutir a Substituição; ainda não, sei por qual votarei; mas discuta-se agora, e se o Artigo fôr vencido então não se vota a Substituição, mas sem se discutir não se póde saber o que ella é; e por isso eu pediria a V. Ex.ª consultasse a Camara sobre se a, Substituição ha de entrar em discussão, ou não.

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, a Ordem é que se ponha á votação o Artigo, e é esta a Ordem por que a Camara o decidiu; mas se agora quer que se não ponha á votação o Artigo, ha de fazer uma nova votação. V. Ex.ª hontem propôz se a materia estava discutida, a Camara decidiu que sim; contaram-se os Membros presentes, e não havia numero suficiente, ficou o Artigo para hoje se votar, e é o que se deve fazer; esta é que é a Ordem. Em consequencia V. Ex.ª não póde pôr á votação se não o que hontem se decidiu: se a Camara resolver que o Artigo não está discutido, então entra em discussão a Substituição do Sr. Bergara, o que eu desejo, porque tenho tão bons argumentos para a combater como elle poderá julgar, que tem para a defender.

Terminada assim esta questão de Ordem, resolveu a Camara que a votação do Artigo 1.° ficasse reservada para depois de discutida a Substituição do Sr. Bergara. — Teve então a palavra, e disse

O Sr. Bettencourt: — Esta Substituição do Sr. Bergara importa o mesmo que um novo Projecto que vai derribar todos os tres que se apresentaram; porque vendo eu o Artigo 8.° que diz: (leu) vejo agora uma Substituição inteiramente opposta a este Artigo, opposta á Proposta do Sr. Luiz José Ribeiro, e opposta a todas as discussões que se têem apresentado neste Senado; em consequencia requeiro que seja essa Substituição impressa porque eu quero estuda-la, pois que não sei como hei de combinar tudo isto: eu não tenho sciencia infusa para vir aqui improvisar, e sobre um objecto que importa destruir tudo quanto até aqui se tem feito, e que tem entrado em discussão.

O Sr. Bergara: — Eu creio que o illustre Senador Secretario não leu a primeira parte da minha Substituição; eu hontem declarei, que lá estava eliminada a palavra Alfandega: eu tenho o direito e posso mudar de opinião, não sou tão tenaz que insista em uma cousa quando me convençam de melhor. Passando o Artigo com a emenda do Sr. Miranda acho-o muito coherente, e que a Alfandega das Sete Casas seja encarregada de receber os Impostos da parte fiscal daqui em diante, disto resulta uma

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economia de mais de vinte contos, e desapparecerá a ridicularia de em um mesmo local, apparecerem dous Empregados fiscaes com iguaes attribuições, podendo um só fazer o serviço com igual vantagem. Não quero que nenhum Empregado morra de fome, e tanto assim que peço licença para retirar uma parte da minha Substituição; a fim de que a Camara com suas sabias determinações arbitre o vencimento que hão de ter os Empregados do Terreiro em quanto não forem convenientemente empregados. Accusa-me o Sr. Bettencourt de inconsequente! E porque? Porque, logo que percebi, que era rejeitado o principio do Mercado exclusivo no Terreiro (unico fim para que se creou este Estabelecimento); concebi o Projecto de lhe separar uma attribuição que por muitas causas deve estar unida á Alfandega das Sete Casas, ficando onerada com mais um producto. Já se vê pois que não sou tão inconsequente como alguem pertende que eu seja, até mesmo porque, quando eu me propuz a reformar os abusos dentro da Terreiro, foi só na parte Administrativa.

Agora tractando de uma nova emenda ao Artigo 1.°, eu pretendo que elle seja mais claro, diz o Artigo (leu). Eu quero que isto seja mais explicito; quero que os Conductores tenham a mesma sorte dos Lavradores; o Carreteiro não tem aonde depositar os seus Cereaes, e o que succede? É forçado a vender aos Commissarios por menos do que poderia vender se tivesse aonde os depositar: e por isto é que eu mando esta emenda para a Mesa, porque quero o Artigo mais claro, explicito, e que só os Lavradores, e os que representam depositem seus generos no armazem das medições. - Enviou á Mesa a seguinte

Emenda.

Depois das palavras = para as pessoas que alli os quizerem depositar = acrescente-se = que sejam Lavradores quer Conductores = Bergara.

O Sr. Trigueiros: - O illustre Senador que apresentou esta Substituição apresenta um novo Projecto: eu não negarei ao illustre Senador, nem a homem algum, o direito de mudar de opinião, porque mudar de conselho é proprio dos sabios; mas o que eu não posso conceber é como em cinco minutos se póde mudar de um systema, porque isto faz differença. O nobre Senador apresenta o seu primeiro Projecto, e com elle um systema; por onde começa esse systema? Por querer um Terreiro; e um Terreiro Mercado exclusivo! Este é o meu argumento, eu repito; digo que é licito mudar de opinião; mas o que não é licito é mudar de systema com tal rapidez: nem sei como em cinco minutos podem achar razões tão fortes que façam mudar inteiramente. Se o nobre Senador teve fortes razões para apresentar o seu Projecto, Projecto que era um systema, como em tão curto espaço pôde achar razões para abraçar o que é inteiramente opposto? Agora é que eu começo a achar no Projecto grandes defeitos; agora me quero eu convencer que o Auctor do Projecto que a Commissão rejeitou poucas razões tinha para a sua doutrina, e que elle não era da sua convicção, porque depois de tantos dias de meditação não era possivel abandonar um systema reflectido, trocando-o em um momento pelo que lhe é inteiramente opposto. Mas a Substituição tem-nos ainda muito maiores. O illustre Senador querendo sustentar a sua Substituição, começa por dizer resistir á idéa de querer acabar com o Terreiro Publico. Da mesma Substituição se vê que tanto elle quer acabar com o Terreiro, e tanto assim é, que até dava destino aos Empregados, como se o Terreiro Publico podesse existir sem Empregados; logo quer acabar com o Terreiro; e tanto assim que quer que o pessoal tenha outro caminho. Diz o illustre Senador, se o Terreiro é Mercado. Publico para quem lá quizer ir vender, que necessidade ha do Terreiro quando se podem economisar trinta contos de réis. Eu tenho a responder ao illustre Senador que se elle examinar o Projecto da Commissão achará que o Terreiro não é só Alfandega, e que elle não é tão obscuro como isso: o illustre Senador na sua Substituição sustenta que quer que o Artigo 1.° seja mais claro e que os Conductores nomeadamente tenham um local em que se possam servir commodamente; se elle quer este local, como quer transportar para a Alfandega das Sete Casas aquillo para que servia o Terreiro; e é claro que elle não quer conservar o local porque lhe tira os Empregados: agora pelo Projecto da Commissão tudo está remediado. O illustre Senador disse hontem que tinha tido em vista igualar todas as condições; mas pôz no seu Projecto duas excepções, e na minha opinião excepções muito odiosas. Se o illustre Senador assenta que o Terreiro é inutil, se assenta que a Alfandega das Sete Casas póde fazer tudo, para que exige que o primeiro Artigo seja tão claro como a Commissão tambem quer? Logo elle mesmo concorda em que o Terreiro Publico ha de servir de mais alguma cousa; e eu lhe vou provar que o Terreiro serve para muito mais: não serve só de Alfandega, serve de Mercado, serve para que o Lavrador que vem das Provincias tenha aqui um Mercado, um armazem proprio para vender os seus generos em segurança, serve de fiscal para a salubridade dos generos, deve ter balanço para conhecimento da existencia, a fim de se provêr em falta; soccorre o Lavrador, segundo a Lei, concerta as estradas, constroe novas; e eis-aqui como elle é mais alguma cousa do que uma Alfandega, porque primeiro é Alfandega, e depois Mercado Publico. Logo a Alfandega das Sete Casas não podia servir para o que serve o Terreiro Publico, no caso da Substituição. (O Sr. Bergara: - Nem eu quero.) Então não entendo. O Terreiro Publico é um Banco rural; tem mais este fim, dá soccorros aos Lavradores pela Legislação existente, que a Commissão nesta parte deixa subsistir. Tenho ouvido argumentar que o Terreiro Publico não póde dar esses socorros á lavoura; mas em que se funda esta asserção, será no contrabando, no descaminho dos Direitos! Será na franqueza que dá a Lei? Sr. Presidente, é defeito não está na Lei, porque esta suppõe que o Terreiro ha de preencher este serviço aos Lavradores; e se esta especialidade se mudar para a Alfandega das Sete Casas, a acção da fiscalização ha de complicar-se, e conseguintemente a arrecadação dos tributos ha de soffrer; e então é certo que tambem sofrerão o Cofre da Junta, do Credito Publico, o Cofre da Casa-Pia, o Cofre da Municipalidade de Lisboa. Mas estas razões são exuberantes, porque eu já mostrei que o Terreiro tem dous fins; um delles desappareceria se se approvasse a Substituição, pois os Empregados deixando de existir, deixava de existir o local, e com elle desappareceria quanto commercio pertence ao Terreiro. Portanto, pelas proprias idéas e argumentos do nobre Senador, é que a sua Proposta não póde ter logar nenhum.

O Sr. Bettencourt: (Sobre a ordem.) Quando se apresentou a Substituição do Sr. Bergara, requeri eu que ella fosse impressa, porque importava um novo Projecto que estava em contradicção com os tres que se achavam em discussão: e como podia eu de repente entrar na questão dessa Substituição, sem ao menos ter tempo para a meditar, tomando-a em consideração com os diversos Projectos? Não sei como isto possa ser; portanto mando este Requerimento para a Mesa:

«Requeiro que a Substituição do nobre Senador, o Sr. Bergara, seja impressa, e se distribua pelo Senado para entrar em discussão. Camara do Senado, 11 de Maio de 1839. = F. de L. Bettencourt.»

O Sr. L. J. Ribeiro: — É com grande difficuldade que nesta occasião me levanto, e o faço para vêr se com effeito posso trazer esta questão aos seus verdadeiros termos, e se do trabalho que temos tido, e em que vamos continuando se poderá tirar alguma vantagem

Eu fui o primeiro individuo que nesta Camara levantou a voz contra os abusos praticados pelas innovações feitas no Terreiro Publico a titulo de refórma; e não foi da minha intenção, nem é (porque o não acho conveniente) acabar completamente com o Terreiro Publico: entendo que é muito util acabar com os abusos que se praticam naquelle estabelecimento, e disse que eu era talvez o unico que defendia o Terreiro, e os Empregados que alli servem, sustentando que devia ser reformado; sendo certo que os que tinham outras pretenções concorriam directamente para a sua queda, porque não podia permanecer muito tempo do modo que existia. (Apoiado.) Actualmente vejo-me em certa difficuldade, e a razão della consiste em que o Parecer da Commissão está assignado, e é sustentado por pessoas a quem eu respeito muito, e de uma parte das quaes tenho a honra de ser verdadeiramente amigo ha bastante tempo; por isso tinha difficuldade, como disse, em dizer o que este respeito sinto na minha consciencia: entretanto agora forçoso é que me declare.

Parece-me que se acaso eu tomar por texto da discussão o Projecto que eu tive a honra de apresentar, as difficuldades desapparecerão todas, ou na maior parte; porque, sem eu ter a vaidosa pretenção de deprimir a opinião de pessoas de tanto respeito; entendo com tudo que o meu Projecto está concebido de fórma que suppre uma Lei geral, e de algum modo satisfaz aos desejos que Sua Exc.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino aqui manifestou um destes dias; porque, além de consignar nelle todas as medidas que me pareceram convenientes, ha tambem ahi um Artigo que impõe ao Governo a obrigação de fazer um Regulamento para a boa execução dessa Lei, no caso de que passasse; e isto é tão necessario, quanto eu hei de insistir, com todas as minhas forças, para que não fique em vigor uma linha dos dous Decretos de 12 de Julho, e 4 de Agosto, (muito embora o não consiga), porque foram elles que levantaram todos os clamores, e pozeram as cousas do Terreiro no estado de vexame em que se acham. No 1.º Art. do meu Projecto tinha consignado as idéas que vogaram hontem. (leu-o.) Ora em harmonia com esse Artigo, foram redigidos os outros que marcam os casos, e declaram o modo como se deve proceder com os generos que entraram pela foz do Téjo, e com aquelles que entram pelas barreiras de terra, isto é pelas portas da Cidade. - Aproveito esta ocasião para dizer que se este Projecto fosse adoptado para texto da discussão, eu lhe faria um additamento (medida requerida por parte dos proprietarios) os quaes pugnam contra o contrabando que se tem feito, está fazendo, e ha de continuar a fazer se se adoptar como base da refórma o Projecto da Commissão; porque não ha nada mais absurdo do que pensar que o contrabando se ha de acabar unicamente com as providencias dadas para ás barreiras: todos os incommodos e apouquentações que soffrem os proprietarios, e os conductores, são ás portas da cidade; quando é sabido que o grande contrabando que se faz é por agua, e nas immediações de Lisboa. E como se faz elle? Deste modo. Os generos que entram pela foz do Téjo são quasi todos estrangeiros, porque entram ahi todas as semanas barcos e barcos de Cereaes do Algarve, quando o Algarve não produz nem a quarta parte do que precisa para o seu consumo, porque eu os tenho mandado daqui para lá, para sustento do Exercito; mas entram, e vão desembarcar a Cascaes, a Paço d'Arcos, á Ericeira, e a outras partes, e depois são introduzidos pelas portas como se fossem generos do Termo, sem o serem. — Portanto, adoptado o meu Projecto cessam todas as dificuldades que se teem levantado na discussão. Se elle se admittir, eu hei de propôr um novo Artigo para que os Cereaes que descerem, ou entrarem pela foz do Téjo, não possam desembarcar senão debaixo da inspecção do Terreiro, porque esta é a unica medida capaz de acabar com taes contrabandos de Cereaes estrangeiros.

Peço, pois, a V. Ex.ª queira submetter á decisão da Camara a minha Proposta, a qual eu faço com a maior repugnancia; o que já teria antecipado senão fôsse o Auctor do Projecto: o meu fim reduz-se a que se faça o maior bem possivel, sem me importar quem seja o seu Auctor. Entre nós, para fazer o bem, a difficuldade Consiste menos em haver quem o faça, do que em não haver quem se opponha a que elle se consiga; e por isso ha muitas pessoas que se vão tornando indifferentes a tudo, só por não serem victimas de inimisades gratuitas, que de ordinario só têem por fundamento a philancia, e má indole de quem a promove. — Pelo que me respeita prestarei lealmente o meu contingente até onde o permittirem minhas debeis forças, e com isso me contentarei. Conclúo, por tanto, que se a Camara adoptar a minha Proposta, creio que avançará muito, e alcançará o fim a que todos nos propomos, menos a extincção total do Terreiro; no que eu não concordo, porque lhe acho inconveniente. É preciso attender, e mais alguma cousa, e tanto assim que no meu Projecto ha um Artigo para a Commissão se poder corresponder com todas as Authoridades Administrativas do Reino, a fim de informar o Governo com conhecimento de causa, para este saber se haverá necessidade da introducção de Cereaes estrangeiros, porque se agora não é necessaria poderá chegar um dia em que o venha a ser; e é preciso haver alguma authoridade com os conhecimentos precisos sobre este importante assumpto; isto não é tão indifferente como talvez pareça a alguem.

O Sr. Trigueiros: — Quando o illustre Senador se levantou pedindo a V. Ex.ª pozesse á

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votação se se havia de adoptar o seu Projecto para texto da discussão, confesso que fiquei sorprendido, e lembrou-me então fazer tambem um Requerimento, afim de se lêr a Acta quanto ao vencimento que houve quando se votou a materia em geral; porque, se a minha memoria me não falha, estou persuadido que tambem se votou que a base adoptada para a discussão fosse o Projecto comprehendido no Parecer da Commissão, e até me parece que o ilustre Senador votou por isso. Então creio que não nos convirá estar a votar ora o quente ora o frio, senão queremos ficar aqui eternamente. Pois a Camara adoptou a Proposta da Commissão para texto deste debate, e ha de agora propôr-se-lhe que adopte outra? É impossivel; torno a repetir que fiquei sorprendido quando ouvi o illustre Senador fazer similhante Requerimento.

O Sr. Miranda: — (Sobre a ordem) O debate vai-se affastando, segundo entendo, dos verdadeiros termos da questão: a Camara decidiu que admittia á discussão a Substituição do Sr. Bergara.... por tanto não posso deixar de fallar na questão principal fallando na ordem, nem deixar de fallar na ordem fallando na questão principal. Se algum dos meus Collegas tinha a palavra sobre a materia, peço-a para logo.

O Sr. Presidente: — Desejaria primeiramente pôr á votação o Requerimento do Sr. Bettencourt, porque, se a Camara o acceita fica a questão acabada.

O Sr. Miranda: — Essa questão está prejudicada. Eu apoio completamente a idéa do Sr. Bergara, porque tenho uma opinião formada deste muito tempo, uma opinião comprovada por tudo quanto tenho visto, conhecido, e lido, que todos os Estabelecimentos que carecem de um monopolio, ou de qualquer favor ou privilegio exclusivo, para existirem, são sempre, ou com rarissimas excepções, nocivos ao Estado; por isso, quando a existencia de similhante Estabelecimento não fôr reclamada por uma necessidade imperiosa, ou por uma conveniencia publica, clara e evidentemente demonstrada, eu estarei sempre disposto a votar pela sua extincção, ou pela sua indispensavel refórma. Entretanto approvo o Projecto na sua generalidade, porque, tal qual se apresenta, e com as emendas que a Camara parece disposta a adoptar, se consegue a conveniente refórma do Terreiro, abolindo todas aquellas das suas attribuições, ou obrigações, que eram pesadas aos Lavradores, e Compradores, e ao Publico em geral. Voto pelo Projecto, ou antes porque continue a sua discussão; porque, attenta a altura em que ella se acha, e a direcção que tem tomado, receio que o desejo de uma refórma radical, deixe frustradas as intenções desta Camara de fazer ao Publico o beneficio que ha de provir-lhe das providencias consignadas no Projecto, e de outras que hão de addicionar-se durante a discussão. Estes beneficios se conseguem ainda mesmo quando o Terreiro continue a existir; com tanto que não tenha outras attribuições mais que a da cobrança dos Direitos, que ficariam subsistindo, ainda mesmo quando se fizesse a sua refórma radical, isto é, quando o Terreiro se reduzisse, a uma Secção da Alfandega grande, pelo que respeita aos Cereaes introduzidos por agua, e das Sete Casas, pelo que respeita aos Cereaes introduzidos por terra. Porém a este resultado se chega pelo Projecto da Commissão, e de um Additamento em que tenho fallado, quanto aos Cereaes introduzidos por terra.

Quanto ao local do Terreiro, como o unico Mercado de Cereaes em logar publico, é uma medida de Politica, que deve subsistir, qualquer que seja o Projecto que se adopte.

Pelo que respeita ás providencias fiscaes deste Estabelecimento, que são oppressivas, e obstam á livre communicação entre os productores e consumidores, e contrarias ás condições de um Mercado livre, com os futeis pretextos de remedio contra a fome, e contra o perigo da saude publica, estas se acham no Projecto em discussão, e seriam as mesmas que haveriam de adoptar-se em um Projecto de refórma radical, ou nelle se especificassem, ou fossem consequencias necessarias da sua adopção. Por todas estas razões sou de opinião de que a discussão do Projecto da Commissão seja o seu andamento, e continue como esta Camara tem já votado.

Sinto muito que o Sr. Bergara não apresentasse o seu primeiro Projecto, com a base geral que agora propõe de uma refórma radical; eu lhe daria todo o meu apoio; entretanto elle tem todo o direito de mudar de opinião não só ácerca de uma medida especial, mas até em quanto a todo o contexto de um Projecto, porque aqui ninguem tem o privilegio de ser infallivel. Pela minha parte dou-lhe os meus mais sinceros agradecimentos, por tão liberaes principios como os que tem manifestado. Mas a este respeito todos estamos de acôrdo, votando pelo Artigo, salvas as emendas; nem ha necessidade de imprimir a Proposição do Sr. Bergara, nem ha necessidade de uma nova discussão. Progredindo a discussão tenho todas as esperanças de que tudo quanto ha de nocivo no Terreiro desapparecerá, e que ao Publico e á Lavoura se fará todo o beneficio que esta Camara tanto a peito tem a fazer-lhe.

O Sr. Vellez Caldeira: — Em qualquer estado da discussão logo que se apresente um addiamento, é a primeira cousa de que se tracta: a Proposta do Sr. Bettencourt é um addiamento (a que eu me opponho); por tanto, a ordem é que delle se tracte primeiro: por isso requeiro a V. Ex.ª que admitta á discussão o addiamento proposto.

O Sr. Presidente: — A Camara ha de fazer-me a justiça de reconhecer que eu incessantemente tenho querido encaminhar a questão d'esse modo; agora peço que a discussão se contráia pela maneira indicada pelo Sr. Vellez Caldeira.

O Sr. Leitão: — Em primeiro logar é necessario pôr em discussão esse mesmo addiamento, porque muitos Srs. terão razões para o combater. Eu opponho-me ao Requerimento, e os motivos são estes: primeiro, que esse addiamento está prejudicado peja decisão que a Camara tornou de que se discutisse a Substituição já, e depois se procedesse á votação do Artigo; segundo, porque o Regimento por que nos temos regulado não authorisa que offerecida uma Substituição, depois de qualquer Projecto estar em discussão, este espere para se imprimir a Substituição; a materia já está considerada, para isso e que se imprimem os Projectos, e por isso é que se determinou que mediassem certos dias, entre a impressão e a discussão. Em consequencia a Substituição deve ser discutida, sem se imprimir, porque todos os Srs. tiveram já tempo de estudar a materia: a Camara deve ser consistente, e não alterar aquillo que uma vez dicidir. (Apoiados.)

O Sr. Bettencourt: — Eu respeito muito a opinião do illustre Senador que acabou de fallar; mas é que aquella opinião não póde jamais vencer a minha curteza de talento, nem a minha incapacidade; porque apresentar-se uma Substituição opposta inteiramente contra tudo o que até aqui se tem proposto e discutido, como posso eu conceber uma materia tão vasta, que tem preambulo, que substitue a Repartição do Terreiro Publico, com a das Sete Casas; que apresenta a demissão de Empregados daquella, e deduz estas idéas por Artigos, reduzindo a meios Ordenados os Empregados do Terreiro, motivando esta Substituição, e dando novas attribuições á Alfandega das Sete Casas, relativamente a Cereaes; para onde quer o illustre Senador, auctor da Substituição, que volte parte das funcções, do Estabelecimento de que se tracta, e que no seu Projecto quer que exista, com o exclusivo da venda dos generos Cereaes, e quer agora com a Substituição, que não exista como Alfandega. Ora tudo isto não se póde avaliar d'improviso, por uma simples leitura, e até tão rapida, que alguma cousa se deixou de lêr. Sr. Presidente; é um facto, por todos presenciado, que parte da Substituição se não leu, e o illustre Senador, depois das minhas reflexões, pediu ao illustre Secretario que examinasse os papeis, que tinha mandado para a Mesa, pois senão tinham lido todos = este acontecimento assás prova a razão do meu Requerimento, pois não podia advinhar, e agora não posso improvisar pois é materia nova, e muito complicada, e que eu julgo diametralmente opposta ao Projecto n.º 8, de que o nobre Senador é igualmente auctor; imprima-se, e fique addiada a Substituição, e continue a discussão do Projecto, pois isto é o que se faz sempre, e é o que manda o Regimento, por que a Camara se governa. Como é que eu agora hei de ír entrar nesta discussão sobre que tenho muito que reflexionar, e realmente muito que analysar? Como se ha de prohibir este direito? Embora se dicida contra o meu Requerimento, porque então fico eu muito descançado, porque não posso dizer nada; porém fico sem responsabilidade. A Substituição é preciso estuda-la; deite-se abaixo o Terreiro, pois para esse effeito, são todos os Projectos, Pareceres, Substituições, e emendas, e additamentos; mas então é preciso tirar todos os tributos que os géneros Cereaes pagam, porque isso é principio estabelecido no Foral de Lisboa, e foi até uma Convenção feita, de que o trigo em Lisboa não pagasse nada. O trigo para consumo de Lisboa, era isento de direitos e imposições. = Esta isenção não era graciosa, foi um contracto feito com a Cidade de Lisboa, é seus visinhos, o que se vê do Alvará de 10 de Janeiro de 1523, que confirmou já o contracto de permutação, feito entre o Senhor Rei D. Manoel, e o Senado da Camara em 15 de Dezembro de 1522, para a isenção da Ciza de todo o pão, que vier á Cidade de Lisboa, ficando ella sómente pagando a imposição do vinho; tanto assim que os Proprietarios e habitantes de Lisboa, antes de haverem tantas Leis a este respeito, tinham as suas liberdades, e isenções: porque razão paga só o Termo de Lisboa um Direito no vinho, e não paga ninguem mais no Reino, e estes pagam tres tostões em almude, é pela razão, que eu já disse: foi por uma Convenção para nada pagar pelo trigo, e já citei o Alvará de 1522. Isto é uma injustiça; vá abaixo o Terreiro mas vão tambem os Direitos, e restituam-se as liberdades, e as isenções aos habitantes de Lisboa = seja tambem nesta parte, admittida á liberdade que é do Foral, e para isso houve contracto. Houve uma grande difficuldade na Regencia para poder tirar estas liberdades, e isenções aos habitantes de Lisboa, fundados nestes principios da primeira Convenção feita com os Monarchas destes Reinos, e prometteu que logo que cessassem as causas, que era a guerra da Peninsula que sobrecarregou a Nação com tantos tributos e sacrificios, restituiria outra vez, e assim o fez a Regencia em 1814; logo que acabou a guerra tirou essa prohibição, e eu que tinha o meu pão, e o meu vinho, carnes, e azeites, mandava vir para gasto da minha familia, e não pagava nada. Foi na execução desta promessa, que ella fez um grande bem, e se se demora, por certo o não podia fazer, pois veio a Ordem do Rio de Janeiro, para não tirar, tributo algum que se tivesse posto, por causa da guerra, pois se lhe dava outras applicações; porém já esta imposição estava levantada, e não se atreveram a impô-la; porém vieram os inauferiveis em 1824, e debaixo da Administração do Conde da Povoa, tornou a tirar as liberdades e isenções, que os Proprietarios, habitantes de Lisboa, tinham por Foral, e Convenção; pois nada tão opressivo, como tal Legislação, opposta ao direito de propriedade, e aos Contractos feitos em 1522 com o Senhor D. Manoel, e o Senado da Camara de Lisboa.

Então restituamos aos habitantes de Lisboa todas as regalias, liberdades, e isenções, e acabemos com o Terreiro, pois o pão, e os generos Cereaes não pagavam por Foral, e Convenção = bem como agora nada pagam os legumes. =

O Sr. Vellez Caldeira: — A questão é se se deve admittir o addiamento proposto pelo Sr. Bettencourt: a emenda do Sr. Bergara, é que se tire a palavra Alfandega do Artigo que diz assim: (leu.) Em consequencia, é isto um objecto já conhecido, e não é esta emenda de importancia tal que se deva mandar imprimir; ella reduz-se tão sómente, a se ha de ou não ser consignada no Artigo a palavra Alfandega; isto já está em todos os Projectos; em consequencia não ha necessidade de se imprimir a emenda do Sr. Bergara; e por tanto eu voto contra o addiamento proposto pelo illustre Senador, o Sr. Bettencourt.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A emenda não é tão simples como se diz, porque tracta-se de dicidir se aquellas attribuições que competem ao Terreiro como Alfandega, hão de passar para as Sete Casas. Sobre isto direi: todas as vezes que as emendas alteram a essencia, ou o systema da Lei é summamente perigoso pôrem-se logo á discussão, porque se não sabe se estão bem coordenadas com o resto da Lei, e são estes os casos em que mais frequentemente são sorprendidos os Corpos Legislativos, deixados arrastar por uma idéa plausivel mas cheia de inconvenientes. É por este motivo que se mandam imprimir taes emendas pelos Parlamentos d'outras Nações, dando-se depois para Ordem do dia em uma Sessão determinada. Eu estou persuadido que se uma emenda, proposta ha poucos dias pelo Sr. Trigueiros sobre o Tribunal de Contas, tivesse ido á Commissão, de certo não passaria; entretanto passou, e foi talvez uma surpreza desta natureza. Vendo-se que as Municipalidades esta-

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vam muito mal reguladas, e que precisavam de uma severa explicação, todos os applaudiram, e com razão que era preciso tomar-lhe contas; mas por ventura porque as Municipalidades estavam mal reguladas, e precisam de dar contas, seguia-se que o Tribunal de Contas fôsse quem lhas tomasse? De certo não. Em consequencia eu entendo que é summamente perigoso como disse, que se discuta já esta questão. Sem querer entrar desde já no merecimento da encomenda; direi contudo, que a unica razão que apparece, é a economia de trinta e sete contos de réis; mas para prova de que tal economia é impossivel, basta reflectir que todo o pessoal do Terreiro não custa senão trinta e dous, e o pessoal ou todo ou quasi todo, por que pouco se dispensaria, não teria de ficar lá para as outras funcções do Deposito? Quem havia de fazer a medição? Havia de ser tambem nas Sette casas? Em consequencia voto pelo adiantamento proposto pelo Sr. Bettencourt, para ser considerada a emenda mais moderadamente.

O Sr. Tavares d'Almeida: — Pedi a palavra sobre a ordem para lembrar que me parece melhor votar o Artigo 1.°; porque se elle se approvar, não tem logar a Substituição; pelo contrario votada, e approvada esta, cahiu o Projecto, e segue-se fazer um Projecto novo; logo parece que se deve, primeiro que tudo, votar o Artigo da Commissão. Agora direi que hontem se approvou o Parecer da Commissão para texto da discussão; mas apesar disso já hoje um illustre Senador requereu, que fosse o seu Projecto aquelle que servisse de texto para a mesma discussão, porque na opinião de S. Ex.ª elle era o preferivel; ora isto não é para censurar, porque os filhos nossos parecem-nos melhor do que os alheios (riso); com tudo se o requerimento do illustre Senador fôr approvado vai-se alterar o que hontem se venceu; e isto não póde muito bem admittir-se, aliàs nunca terá vigor a resolução que se tomar em uma Sessão, se ella tiver de ser alterada na outra. (Apoiados.) Em consequencia, e por ultimo, direi que me parece dever votar-se o Artigo antes de tudo; e em quanto se não der este passo hade-se perder muito tempo.

(Vozes: — votos, votos.)

Julgando-se a questão discutida, foi o Requerimento do Sr. Bettencourt posto a votos, e ficou rejeitado.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Sr. Presidente, acaba-se de distribuir agora o Projecto sobre o lançamento da Decima: como este objecto é muito importante, porque é em virtude delle que o Governo a ha-de cobrar, peço a V. Ex.ª o queira dar quanto antes para Ordem do dia. (Apoiados geraes.)

O Sr. Presidente: - Sim senhor.

Agora entra em discussão a Substituição, do Sr. Bergara.

O Sr. Bergara: — Depois do que disse o Sr. Miranda, muito pouco tenho a accrescentar, mas direi alguma cousa para justificar que não sou incoherente como me tachou o Sr. Trigueiros no seu discurso.

Sr. Presidente, quando eu emprehendi a reforma do Terreiro, não o foi em quanto á sua fiscalisação, já o disse; porque esta quero eu que subsista; porém não vejo inconveniente algum em que a Alfandega das Sete Casa tenha mais producto a fiscalisar; assim como fiscalisa os outros todos que já estão a seu cargo, como o azeite, a carne, e etc. O que eu quero pois, Sr. Presidente, ou pelo menos as minhas idéas são (e desejo que ellas sejam bem entendidas) que o mercado dos Cereaes fique no Terreiro; reformado; porém a cobrança dos Direitos que seja feita na Alfandega das Sete Casas.

O Sr. Trigueiros: — Eu votei contra o Requerimento do Sr. Bettencourt, porque entendo que tudo quanto se póde dizer e pensar a este respeito, estava já considerado pela Commissão, e pelos Membros deste Senado; porque tinham sido impressos os dois Projectos, e o Parecer da Commissão: — e tambem porque a respeito desta materia tudo quanto se póde dizer, quasi que se disse quando foi discutida na generalidade: — é por isso, pois, que eu muito pouco terei a accrescentar ao que se tem dito. O illustre Senador, o Sr. Bergara, quer que a sua idéa de Mercado exclusivo, que elle apresentava no seu primeiro Projecto, em nada se contradizia com o additamento ou substituição, que agora apresenta; porém eu estou persuadido que o illustre Senador apresenta uma idéa inteiramente opposta, porque, Sr. Presidente, mercado no Terreiro, e pagamento dos Direitos na Alfandega das Sete Casas, parece-me que é a maior confusão que póde dar-se, e como mercado no Terreiro se elle pertende que os Empregados actuaes levem outro destino? Além de que, Sr. Presidente, essa economia que o illustre Senador diz que desta medida proviria, eu não a vejo, nem o illustre Senador apresentou ainda o modo possivel de se fazer essa economia; porque, se elle quer que o Terreiro continue a ficar mercado livre (apesar de não ficar Alfandega), como agora indica, por nova variação, como é que então poderá o Terreiro dispensar esses Empregados que hoje alli se acham? Não é possivel; porque embora se mudem os nomes, porque hão de substituir as cousas. Se porém fôr a Alfandega das Sete Casas quem faça essa fiscalisação dos Direitos, os Empregados hão de subsistir, porque são precisos: — e que importa que estes estejam debaixo das ordens do Administrador geral da Alfandega, ou da Commissão do Terreiro? Nem a economia desta se faz porque já é gratuita. É a mesma cousa. Não vejo por conseguinte meio nenhum de fazer essa economia: — antes olhado isso por outro lado, vê-se, que se dão grandes inconvenientes, sem que haja utilidade alguma, e um delles é, o que necessariamente ha de resultar de se ir multiplicar tanto a acção da Alfandega das Sete Casas, resultando d'aqui, que os fins differentes, e variados que já lhe estão incumbidos, serão entorpecidos no andamento do seu expediente. Voto por tanto contra a idéa, porque não vejo para que ella sirva.

O Sr. Cordeiro Feyo: — Pedi a palavra, porque vi que a discussão ía tomando um caracter quasi pessoal, e que se gastava a maior parte do tempo em examinar se ha ou não contradicção na opinião ultimamente emittida pelo Sr. Bergara, comparada com o seu Projecto; questão esta, que pouco ou nada interessa: além disto deve confessar-se que toda a pessoa, que questiona de boa fé, deve mudar de opinião, e assim manifesta-lo, logo que se convence que a sua opinião não é a melhor; e mesmo deve mudar de systema, quando lhe têem sido rejeitadas as bases essenciaes daquelle que tinha imaginado. Deixando porém esta questão, que nada interessa, e visto ter pedido a palavra, direi alguma cousa sobre o additamento do Sr. Bergara, o qual pertende, que o Terreiro deixe de ser a Alfandega dos Cereaes, a fim de por este modo se economisarem alguns contos de réis; mas considerando este objecto vê-se que os Empregados do Terreiro Publico, mesmo na hypothesis do sr. Bergara, devem ser conservados como demanda o serviço, e é indispensavel para a boa ordem, e expediente daquella Repartição; em consequencia forçoso é pagar áquelles Empregados, e a economia imaginada desapparece.

Os consumidores tambem nada aproveitam com o dito additamento, porque os grãos continuam a pagar os mesmos Direitos, e mais alcavalas, o que tudo a final vem a pesar sobre o consumidor. Eu entendo, Sr. Presidente, que o fim desta Lei, e que não deve perder-se de vista, é o combinar os interesses dos Lavradores e Consumidores. A questão é de summa transcendencia, pois se tracta de alterar as Leis por que se regula o Terreiro Publico, que foi estabelecido para segurar o pão aos habitantes da Capital, e a venda dos generos Cereaes de nossa Agricultura: em consequencia tenho receio de grandes saltos em objecto de tanta monta, particularmente havendo tantas razões de peso, pró e contra; e conhecendo eu por factos que as theorias abstractas, de ordinario, não correspondem na pratica. Na sciencia, que professo, tenho repetidos exemplos do que avanço; alli se consideram os corpos, uns perfeitamente duros, outros perfeitamente elasticos; as machinas sem peso, sem fricção; os fluidos no seu estado de perfeição, etc.; e os calculos assim feitos não podem corresponder na pratica, é preciso dar-lhes o desconto que tantas circumstancias exigem.

O mesmo se deve praticar a respeito do principio tão decantado da Liberdade do Comercio; principio que os Governos illustrados só admittem naquelles ramos de industria em que as suas Nações se acham adiantadas, ou naquelles de que absolutamente precisam, e com as restricções que bem lhes parece.

Tendo, porém, pensado seriamente sobre o objecto em questão, acho-me inclinado a approvar o 1.º Artigo do Projecto da Commissão, uma vez que seja modificado de maneira, que o Lavrador ou conductor de Cereaes possa immediatamente vender os seus generos no Terreiro, logo que alli chegue, e sem ser obrigado a esperar pela distribuição até ao fim do mez; e bem assim que aquelles que entrarem pelas Portas da Cidade paguem alli aquelles Direitos que houverem de pagar, e não sejam por este fim obrigados a vir ao Terreiro Publico, o que é um vexame, maior do que se pensa. — Mando para a Mesa dois Artigos, em que combino estas idéas com o Artigo da Commissão. — Tambem tenho a fazer alguns additamentos a outros Artigos do Projecto, mas reservo-me para quando se discutirem.

Foi então mandada para a Mesa a seguinte redacção ao Artigo.

«Os generos Cereaes que se pertenderem introduzir na Cidade de Lisboa, pagarão os Direitos estabelecidos, no Terreiro Publico, quando forem conduzidos por agua; e nas Portas da Cidade ou no Terreiro (a arbitrio do conductor), quando forem introduzidos por terra.

«Os generos Cereaes poderão ser expostos, immediatamente á venda, ou em algum dos logares dos Numeros, ou no Armazem das Medições. A venda no Armazem das Medições será pela fanga, e sómente será permettida quando a partida exceder um moyo, a qual não poderá alli demorar-se mais de 10 dias, caso o local seja necessario para novas partidas. = José Cordeiro Feyo.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, desde o primeiro dia em que se fallou; nesta Casa em reformar o Terreiro Publico, eu tractei logo de procurar informações sobre este importante objecto, e de fallar com pessoas interessadas, e conhecedoras deste Estabelecimento, porque segundo os principios que me tenho imposto, desejo votar em todas as materias com perfeito conhecimento de causa, e muito mais naquellas de tanta importancia como esta é. Depois de obter estas informações, esperei ainda pela discussão desta Camara para me elucidar, mas o resultado de tudo isto é, não terem augmentado, nem melhorado as idéas que eu tinha ácerca do Terreiro Publico; vou pois explica-las, e fazer conhecer á Camara todo o meu pensamento sobre aquella Repartição.

Não curarei, Sr. Presidente, das razões que teve o Marquez de Pombal para fundar o Estabelecimento do Terreiro Publico: as razões que ha pouco ouvi, pertencerão á historia. As razões legaes que elle teve constam da Lei Fundamental do Terreiro, e foram o querer assegurar a subsistencia da Capital. Em algumas Cidades do Norte da Europa ha Celleiros Publicos, por motivos que lhes são especiaes, como é a falta de communicações e difficuldade de transito, por causa do rigoroso inverno que ha naquelles Paizes, onde é portanto, necessario fazer nas Cidades grandes depositos de Cereaes, para no caso de fome se venderem ao Povo. Em França acontece muitas vezes, que quando as Authoridades Territoriaes demoram a abertura dos Celleiros Publicos, e que pela escassez de Cereaes levantam os preços no Mercado, o Povo amotina-se, arromba os Celleiros, e distribue tumultuariamente os generos. Depois tiram-se devassas, fica culpada nellas muita gente, é présa; mas o Governo a final dá uma amnistia, talvez fundado em que a necessidade é inimiga da virtude. Seja pois o que fôr nos outros Paizes, fôssem elles ou não imitados no Estabelecimento do Terreiro, o certo é que segundo a respectiva Legislação, o Marquez de Pombal o estabeleceu para assegurar a subsistencia de Lisboa; e então assim era preciso, porque Portugal não tinha o pão necessario para o seu consumo, suppria-se do Estrangeiro e podia haver monopolios; mas esse tempo mudou, e nem o Marquez de Pombal podia prever que a nossa Agricultura havia de chegar a um estado tal de prosperidade, que em vez de importarmos muitos mil moios de trigo, podemos e devemos exporta-los. Nestas circumstancias tendo cessado a razão por que se estabeleceu o Terreiro, parece que a sua extincção, ou pelo menos uma boa refórma é a consequencia necessaria. Passo a examinar esta proposição.

Consultando-se os Lavradores, dizem uns, conserve-se o Terreiro Publico, dizem outros, extinga-se; consultando-se os Negociantes dizem todos — conserve-se; mas dizem tambem todos — reforme-se o Terreiro, e tirem-se-lhe os abusos: pergunta-se-lhes que abusos são estes, e cada um aponta como abuso aquillo que não convém aos seus interesses e vistas. Neste estado nada ha mais difficil do que poder saber e entender o que é mais conveniente, se a exis-

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tencia do Terreiro, se a sua extincção; mas qual é a verdadeira causa da divergencia que se observa nas informações que dão os Lavradores e Negociantes sôbre este objecto? Eu a explico. Em quanto aos Negociantes, todos sabem a razão por que elles querem que subsista o Terreiro. Em quanto aos Lavradores, querem que se extinga o Terreiro aquelles que não têem necessidade de vender o seu genero, os que são Lavradores e especuladores ao mesmo tempo, porque estes têem meios para costear a sua Lavoura, e para estabelecerem em Lisboa um Mercado todo o anno, aonde vendem os seus generos, aproveitando todos os preços. Os que querem que exista o Terreiro, são os Lavradores, e delles é a maior parte, que em chegando Agosto querem vender toda a sua colheita, e até nem as sementes deixam para poderem pagar as rendas e pensões, e tudo quanto lhe têem emprestado para a Lavoura: com a existencia do Terreiro tem quem lh'o compre, tem os chamados Commissarios de trigo, que naquella época compram muitos mil moios para especularem, na certeza de que estando nas suas mãos a maior parte da Colheita, ninguem lhes fará baratear o preço. Estes Negociantes, prevalecendo-se da necessidade do Lavrador, adiantam-lh'os dinheiros sôbre a colheita, futura, e compram todo o pão, e ás vezes está apenas semeado, e os Lavradores são tão infelizes que vendendo toda a colheita vem depois comprar ao mesmo Negociante as sementes, já se sabe fiadas até á colheita, mas por alto preço!! É certo que extincto o Terreiro, ou o exclusivo da venda nelle, estes Negociantes deixam de existir, e faltam por conseguinte aos Lavradores estes grandes compradores; isto é, quem na colheita lhes compre todo o pão para com o seu producto pagarem, como disse, as rendas, as pensões, etc. Os compradores dahi em diante serão os padeiros; mas as suas compras são em proporção do que vão manipulando: por tanto, se nós podessemos combinar o interesse destes Lavradores, que é a maior parte, que consiste em terem na colheita quem lhes compre todo o pão, com a extincção do exclusivo do Terreiro, muito facil era opera-la; mas como isso não é possivel, grandes hão de ser os clamores destes Lavradores, e hão de ser secundados pelos Negociantes, mas por outros motivos; e eu não posso deixar de reconhecer, que se o actual Projecto chegar a ser Lei, os Lavradores que estiverem nestas ultimas circumstancias, hão de soffrer muito estes dous ou tres annos, e até alguns talvez fiquem perdidos; aquelles porém que poderem resistir hão de ser muito mais felizes; parque livres da tutella dos Negociantes e vendendo directamente aos padeiros, hão de tirar maiores lucros, pelo menos aquelles que tiravam os Negociantes; e eu o provo com um exemplo de facto. O Commercio, do vinho até ha poucos annos estava nas mãos de seis ou oito casas de Lisboa; estes Negociantes de vinhos pelo S. Martinho íam ao Riba-Téjo, examinavam os vinhos, e abriam o preço a uma adega, e este preço era o regulador para todas as adegas que elles compravam. Isto durou muitos annos. Crescendo pelo andar dos tempos a producção do vinho, os Negociantes não poderam compra-lo todo como até alli; e ao mesmo tempo, como o negocio do vinho era um quasi monopolio daquellas poucas casas, estas taxavam-lhes preços subidos. Destas duas causas resultou, que o Lavrador, que não podia vende-lo ao Negociante, conduzia-o para as Sete Casas para o vender ao taverneiro; e este em logar de comprar ao Negociante, ou mandava compra-lo ás adegas dos Lavradores, ou ás Sete Casas, aonde se formou pouco e pouco um Mercado de vinhos, que fez com que os Negociantes acabaram, e mercado tem crescido; e hoje quasi todo o vinho que se consome, compra-se naquelle mercado das Sete Casas: gritam alguns Lavradores contra o mercado das Setes Casas; porque dizem elles, o nosso vinho já não tem preço, porque faltaram aquelles grandes Negociantes que o compravam todo, e sustentavam o preço porque faziam o monopolio; agora com o mercado das Sete Casas já não podemos vender o nosso vinho, esse resto de Negociantes que ainda existe, gritam tambem contra aquelle mercado! (Rogo á Camara toda a attenção sôbre este objecto, porque tem sua applicação ao Terreiro.) O anno passado nomeou o Governo uma Commissão para propôr, os meios melhorar o Commercio e Agricultura dos vinhos da Estremadura; eu fui Membro desta Comissão — chegando a esta Commissão alguns clamores contra a existencia do Mercado, consultou differentes pessoas entendedoras, convidou outras por annuncios nos jornaes, e officiou a todas as Camaras da Estremadura, para que dessem os esclarecimentos que julgassem convenientes: o resultado final foi, que foram mais as que Representaram para a conservação do Mercado, do que para o extinguir; e porque? Porque os Lavradores, não existindo já aquelles Negociantes, mandam o seu vinho ao Mercado, ou o conservam para o venderem no tarde, achando sempre aquelle Mercado aberto para por meio de vendas parciaes, que alli fazem, remediarem urgentes precisões de dinheiro, e conservando sempre o vinho que podem, para esperar por maior preço: os mesmos Negociantes, que são poucos, têem o seu vinho nos armazens, e quando lhes convém tambem mandam ao Mercado vender, e comprar; e a Commissão convenceu-se de que todos os clamores eram infundados, e nada propoz ao Governo sôbre este objecto, como póde ver-se do Relatorio dos seus trabalhos, que está impresso no Diario do Governo.

Eu vou applicar isto agora ao Terreiro. Disse que os Lavradores hão de soffrer esses primeiros annos porque os Negociantes de trigo, acabam como acabaram os do vinho, e ainda que não acabem hão de dizer que não compram por já não existir o exclusivo do Terreiro, e em quanto os Lavradores se não costumarem a trazer o seu trigo ao Mercado, como os Lavradores do vinho se acostumaram a trazê-lo ao das Sete Cazas, hão de soffrer; mas este soffrimento ha de acabar como acabou para os Lavradores de vinho.

O unico inconveniente, pois, que acho na projectada refórma, é no que os Lavradores hão soffrer nos tres primeiros annos que se seguirem, e principalmente no presente anno, que se espera uma grande colheita.

Não se tema que soffra a subsistencia da Cidade; esta não póde soffrer. No estado actual das coisas, em que todos querem vender o seu trigo, logo que haja qualquer falta, cahirá sôbre Lisboa trigo de toda á parte: se porém ainda se teme, eu aproveitando a circumstancia de estar presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, direi que esta medida deve ser acompanhada de outra; não sei se o Governo terá artigos de Legislação sufficientes para fazer Regimentos, a fim de que se não conceda licença aos Padeiros senão com a condição de elles terem em sua caza uma certa porção de trigo, ou de farinha, porque isto obsta a qualquer falta que possa sobrevir, e obsta ao monopolio: isto é uma medida para adoptar depois desta.

Agora restringindo-me á Substituição do Sr. Bergara: o Terreiro Publico, é uma Alfandega, diz o Projecto, esta Alfandega, ou seja um ramo das Sete Cazas, ou uma Repartição separada, deve estar sujeita ao Ministro da Fazenda; alli arrecadam-se direitos, e não é questão de nome, o estar debaixo da inspecção do Ministerio do Reino, ou da Fazenda, tem uma realidade: o Ministerio do Reino só pode ter contas com o Terreiro em quanto se considera como deposito de subsistencias, mas isto não tem nada com os direitos; o Ministerio do Reino póde informar-se com o Terreiro sôbre o artigo subsistencia, mas deve estar debaixo da inspecção do Ministerio da Fazenda, para que esteja sujeito ás Leis geraes da Fazenda, e se não diga que é uma Repartição particular; por consequencia a substituição do Sr. Bergara não é tão fóra de proposito como se diz; é uma Alfandega e deve estar sujeita ao Ministerio da Fazenda; mas isto importaria um novo Projecto para estabelecer a fiscalisação, e o modo de se arrecadarem os direitos; e então quando a Camara venha a approvar a substituição, será necessario organisa-la com os outros artigos de Legislação, indispensaveis,

Tenho expendido as minhas idéas sôbre este importante objecto, e mostrado que não é sem conhecimento de cauza que hei de votar.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Levanto-me simplesmente para dar uma pequena explicação de facto, sôbre o que acaba de dizer o illustre Senador, quanto ao Terreiro Publico estar debaixo da inspecção do Ministerio da Fazenda.

Considerado o Terreiro como uma Alfandega, sem duvida nenhuma ao Ministerio da Fazenda é que deve estar sujeito; entre tanto se tivermos em vista a applicação legal dos direitos, que alli se cobram, colligir-se-ha, que é só debaixo da inspecção do Ministro do Reino que deve estar o Terreiro Publico. Todos esses direito têem já uma applicação designada nas Leis, para fins, e obras, que estão debaixo das determinações do Ministerio do Reino; por exemplo sahe dalli uma prestação mensal para o Hospital de S. José, sahe outra para os surdos, e mudos, e uma boa parte para estradas; objectos estes, que todos estão sob a direcção do Ministerio dos Negocios do Reino. Verdade é, que pelos Decretos de 1838, fundadas n'uma authorisação das Côrtes, foi o Terreiro constituido uma Repartição quasi independente do Governo, que agora não tem ingerencia na applicação desses dinheiros, e nada, que me conste, de lá se terá ultimamente dado para estradas; mas é certo que não pequena somma da seu rendimento era applicado para ellas estradas, e que o Ministerio do Reino as dirigia, e dirige. Por tanto, para se determinar que passasse para a Fazenda, era necessario alterar todas as Leis; alguma utilidade ha em que se conserve como está, porque assim é escusado andar a trocar Officios do Ministerio do Reino para a Fazenda, a fim de se obter o credito para satisfazer as despezas, a que estam applicados os rendimentos. Agora quanto ao que disse a illustre Senador de se obrigarem os Padeiros a terem sempre certa quantidade de provisões, indica isso receio de que passando o Projecto venha a haver falta d'ellas, e igualmente a idéa de que para se estabelecer a inteira liberdade de comercio de uns, forçoso será coarctar-se a dos outros. Eu disse no principio, que me limitaria a uma explicação de facto, e o disse não porque receie entrar em todas as discussões, quando entender que como Ministro devo emittir a minha opinião, não porque receie fazer questões ministeriaes, porque julgo percalços do officio perdê-las ou ganha-las, e pessoalmente não tenho por vantagem o ganha-las, e que attento o nosso estado de Causas, todo o mundo deverá saber, ou não duvidará acreditar; mas porque não podendo este assumpto tem sido meditado em conselho, e não devendo e Ministerio apresentar diversas opiniões, em objectos administrativos, entendi que nesta discussão me devia limitar a dar alguma explicação, e pedi a palavra simplesmente por se haver tocado em materia que me pareceu devia ser explicada.

O Sr. Miranda: - Eu não faço questão dos objectos a respeito dos quaes se explicou o Sr. Ministro dos Negocios da Reino; se fallei nisto foi de passagem, e, se parecesse necessario eu explicaria as razões em que me fundava: mas, repito que não entrei nessa questão; disse simplesmente, que talvez houvessem artigos de Legislação em que se podesse fundar um Regimento, sem insistir nesta idéa, nem pertender sustenta-la, porque é relativa a outra questão de que agora se não tracta.

O Sr. Bettencourt: - Quando eu me oppuz a que continuasse esta discussão, sem que se soubesse qual era verdadeiramente a Substituição do Sr. Bergara, era justamente porque eu ainda a não concebia, e mesma toda a discussão que depois tem havido, ainda me não fez conhecer senão que as idéas do Sr. Bergara, exaradas na mesma Substituição, estão no Parecer da Commissão, segundo disse a illustre Relator da Commissão. Ora, se isto assim é, da Substituição não redunda utilidade alguma, que falte no Projecto: logo é inutil; por quanto Substituição, supõe uma falta que se pertende supprir, segundo se entende da palavra Substituição, e é esta a sua definição.

Pelo que se tem dito sôbre esta materia, o que eu comprehendo, é que em logar de continuar a existir o Terreiro, como Mercado, Alfandega, e Repartição Publica, com as suas diversas attribuições, e Leis regulamentares, hão de passar parte dellas para a Secretaria da Fazenda, outra parte para o do Reino, e outra para as Sete Cazas; ha de ficar Terreiro Publico, com metade de impregados, de modo que em logar do Terreiro que se pertendia reformar, teremos uma Torre de Babeis são tantas as complicações, tantas as novas authoridades, ha de ser precisa tanta refórma, tanta novidade (que nunca appareceu nas reformas até aqui feitas) que o Terreiro ha de ser, como disse, uma verdadeira Torre de Babel! Por tanto, digo que não percebo o fim da Substituição, e foi esta a unica razão por que eu disse, que achava contradicção na materia, que fazia objecto da Substituição e não sei por que maneira me devia expressar, para fazer entender as minhas idéas, e argumentos; não era certamente contradicção em relação á pessoa de um dos Srs. Senadores porque eu ainda não ataquei, nem hei de atacar os meus illustres Collegas. Um illustre Senador queria que a palavra lhe fosse dada sôbre a ordem, julgando que devia atalhar a discussão para não degenerar n'uma especie de pessoal: Sr. Presidente, a Camara dos illustres

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Senadores tem conservado uma dignidade tal, que por certo tem sido exemplar; nesta Camara se tem tractado, e discutido os objectos a ella consignados, com tal circumspecção, maduresa, e civilidade, que o Publico o reconhece; e eu por certo não seria o primeiro, a trazer-lhe o dezar, e perturba-la nesta posse. (Apoiados.) Desde 1820, que á excepção das Côrtes Constituintes de 1837, eu tenho tido a honra de ser Membro de todas as Assembléas Legislativas. — Sempre tractei todos os meus Collegas com a maior urbanidade, e por elles sempre fui tractado, e correspondido (apoiados); e estou certo que nesta Camara, tão respeitavel pela sabedoria, prudencia, e virtudes de seus Membros, igualmente, hei de, pela minha regularidade, merecer a sua benevolencia. (Apoiados.)

Se apresentei os meus argumentos, e usei da palavra contradicção, foi porque assim era preciso para desenvolver as minhas idéas, sem que todavia fossem em relação a algum illustre Senador, nem como argumento pessoal; e o mesmo illustre Senador, a quem eu me referia, como auctor da Substituição, não se deu por offendido, e fez que se lesse, o que se não tinha feito, e depois sustentou a sua Substituição. — Quanto á materia, digo que não posso fallar na Substituição, porque ainda a não entendi; sustentava o meu Requerimento porque desejava saber que Artigos ella contém, visto que não é possivel decora-los repentinamente, e que (como bem disse o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa) se tractava de um objecto que hia mudar todo o systema em que se tinham fundado os diversos Projectos que estavam em discussão: por isso declaro que nada fallo a respeito da tal Substituição porque não intendo nada della. (Riso.)

O Sr. Bergara: — Talvez que o nobre Senador entendesse a minha Substituição lendo-a eu mesmo; porque supponho a não perceberia pelo metal de voz do Sr. Secretario Machado; se me dá licença, eu a torno a lêr.

O Sr. Bettencourt: — Dispenso, porque nada accredito sobre ella: o Senado está bem inteirado do meu Requerimento e das minhas razões, e póde votar como lhe parecer; eu o que farei é ficar sentado, porque em verdade eu não sei improvisar sôbre materias positivas, e de tal transcendencia.

Julgada a materia discutida, o Sr. Presidente pôz á votação o Artigo 1.º do Parecer da Commissão, salvas as diversas emendas, e ficou approvado: propôz mais a emendado Sr. Bergara (para se accrescentar ao Artigo as palavras = quer seja m Lavradores ou Conductores =) e foi igualmente approvada: quanto á do Sr. Miranda ficou reservada para outro Artigo.

A Substituição do Sr. Bergara julgou-se prejudicada, e a respeito da Proposta do Sr. Cordeiro Feyo ficou declarado, que os vencimentos sobre o Artigo 1.° não comprehendiam a redacção.

Entrou depois em discussão o seguinte

Art. 2.° A medida para a entrada e sahida no Terreiro será unicamente o alqueire.

Teve primeiro a palavra

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino:

Tambem darei alguma explicação a este respeito. A medida unica no Terreiro é a fanga: provavelmente a razão, que a Commissão teve em lista para reduzir esta medida d'aqui em diante ao alqueire, havia de ser a de que em cada meio, pela medida de Lisboa, vem o Lavrador a ficar prejudicado creio que em um alqueire e um selamim....... (Vozes: — Em dous.) Póde ser, mas as informações que obtive foram estas. Agora é preciso considerar as duas diferentes hypotheses, ou as duas differentes Legislações, que até aqui têem regido, e aquella que pelo Projecto se quer estabelecer. Pela Legislação existente, a differença da medida era por certo em prejuizo do Lavrador; mas tambem deve attender-se a que os numeristas, que recebiam por fangas, e vendiam por alqueires, tinham quebras para que a mesma differença era applicada. Accresce que os numeristas, quando achavam quem lhes quizesse comprar por fangas, vendiam por esta medida; quem queria, por exemplo, comprar um sacco de trigo (que segundo creio tem duas fangas) levava-o tal qual, e neste caso lá ia a differença da medida a favor do Consumidor. Isto faz vêr que o beneficio do excesso de uma para outra medida nem sempre era em favor do numerista, e que esse mesmo excesso ficava compensado, ou se consumia com as quebras, posto que o Lavrador fôsse prejudicado. Mas se o Projecto que se acha em discussão fôr convertido em Lei, o caso muda de figura, porque só venderá no Terreiro quem lá quizer vender

Logo o prejuizo que até agora tinha o Lavrador deixa de existir, visto que o genero sómente irá ao Terreiro para ser vendido, a fim de pagar os direitos; e quem preferir vende-lo lá, por sua vontade se sujeita então a qualquer perda. Quanto á operação em si é certo que, reduzindo-se a medida ao alqueire, se quadruplica o trabalho, e quadruplicando-se o trabalho, tambem é verdade que ha muito menos facilidade de expediente, porque se medirá um alqueire, em quanto antes se vendiam quatro; e então talvez que o serviço do Terreiro se não possa fazer com o mesmo numero d'Empregados. — Faço estas considerações para que a Camara as tenha em vista, e em attenção a ellas resolva o que melhor entender.

O Sr. Bergara: — Primeiro que tudo tenho a declarar ao Sr. Ministro do Reino, que na medição do trigo não ha quebra para o numerista, porém na cevada sim, o que eu sei, e o sabem tambem muitos Srs. desta Casa. — Para evitar, porém, isto de futuro, e que o Lavrador não continue a perder (como agora perde) dois e mais alqueires, proporei uma medida, que é idéa apresentada pelo Sr. Miranda, mas que eu já tinha notada nos meus apontamentos, e vem a ser, que em logar da medida seja o pêso; porque assim será a operação menos trabalhosa, e tambem menos pessoas serão precisas empregar-se, e tudo isto em proveito do Lavrador. — Mandarei para a Mesa uma emenda neste sentido.

O Sr. Bettencourt: — O Artigo 2.° diz o seguinte: (leu). Opponho-me a este Artigo, Sr. Presidente, por quanto era preciso que desta refórma resultasse utilidade conhecida para desta se confessar a necessidade, que é requisito essencial a toda a refórma. Agora direi, que laboram em uma perfeita equivocação aquelles Srs. que julgam que a fanga é differente de quatro alqueires: não é, Sr. Presidente; a fanga é legitimamente a medida de quatro alqueires, e o modo como se tira esta dúvida é medindo um alqueire de agua, e deita-lo na fanga, e ver-se-ha então, pela repetição de mais tres, que ella leva restrictamente quatro alqueires de agoa, e nada mais nem menos; este é um methodo infallivel, e que desengana a tudo que está duvidoso, o que eu já fiz para desenganar a quem me argumentava, persuadido de que a fanga levava mais do que quatro alqueires. O que faz, Sr. Presidente, que appareça a differença de medidas é a destreza e habilidade dos medidores, bem como sobre tudo, a sua probidade e consciencia: e esta tanto ha de existir na fanga como no alqueire, porque uma e outra é medida de capacidade, e então, quem entende reconhece, que qualquer movimento, qualquer balanço, qualquer primor d'arte, faz pender o resultado da medida a favor do comprador, ou a favor do vendedor: ninguem póde conhecer se o medidor é a favor de um ou de outro senão o proprio medidor, que faz as operações como quer, ou como deve; e os que presidem á operação inteiramente o ignoram, nem podem accusar. Eu chamo a attenção de todos os Srs. Senadores que têem generos Cereaes, e elles hão de confessar que as medidas não são defeituosas, mas que são sempre o resultado da vontade dos medidores. Se porém se quizer determinar agora que a medida seja o pêso, ver-se-ha se é possivel; e sendo, como julgo, se é conveniente e praticavel nas circumstancias do Estabelecimento do Terreiro. Julgo morosa a refórma de se medir a entrada no Terreiro pelo alqueire; havendo sempre muitissimos generos Cereaes para medir no Terreiro (como ha) se levará muito mais tempo com essa operação, porque até aqui se media uma fanga com um movimento, e um meio levava quinze; sendo pelo alqueire ha de ser com sessenta movimentos. — Srs. o ser medidor é um officio, e para se aprender é preciso principiar em idade mais crescida, pois exige fôrça, e muita pratica, e destreza, e não é facil affazerem-se muitos homens a este officio, porque em verdade não morrem velhos, pela sua violencia, e porque engolem muita poeira, que lhes prejudica o bofe. O medidor da fanga pega em uma pá, que tem uma configuração convexa á maneira de uma concha longa, e na parte opposta uma razoura; tem um grande cabo, e o homem que tem a fanga na mão mette-a no monte, e em pé, com a parte da pá convexa, enche duas ou tres vezes a fanga, e volta a pá e razoura: na primeira operação é que está a habilidade do medidor, se elle deita maior porção de grão, se o accumula, e lhe dá algum tal ou qual movimento, mesmo com o pé, o grão comprime-se, e vai melhor a medida a favor do numerista; se o faz mais levemente, e com suavidade, vai a favor do dono do grão. Diante estão dous homens com um panai que tem quatro pontas, e cada um pega em duas, abaixam o panal, e o medidor volta a fanga, e sem perder um bayo, deita-o na sacca que apara um homem, e que leva oito alqueires: esta operação é feita com muita brevidade e destreza. Se porém esta operação se fizer pelo alqueire, ella será muito mais morosa, e dispendiosa; e digo que sempre ha de ser a favor do numerista, por isso que mais medidas ha sendo ao alqueire do que á fanga; e demais, difficultando por conseguinte o expediente. E para que será isto? Diz-se que é para que o numerista não faça o que até agora fazia; porém, Sr. Presidente, essa differença não póde deixar de ser contra um ou contra outro, pois é um dado necessario, ou seja pelo alqueire, ou pela fanga medido o grao, visto ser uma e outra medidas de capacidade, sujeitas á destreza e consciencia do medidor, sempre ha de haver abuso. — Se untam as mãos ao medidor quando elle faz a operação dá maior pancada, e accumula mais porção de pêso na fanga, e ella depois lá vem a produzir, especialmente se quando o numerista mede é em dias em que ha trovoadas, e a atmosphera está mais húmida e pesada. — Sr. Presidente, se se medir um moio de trigo, e o mesmo medidor o tornar a medir, não dá o mesmo meio, ou ha de ser mais ou menos: isto sendo pelo mesmo alqueire. Se pois houver que medir um meio (ou sessenta alqueires), e sendo necessario sessenta movimentos, maior prejuízo haverá, e este prejuizo, como já disse, é para o Povo; por quanto se no Terreiro se medir um sacco de seis alqueires, e logo que sahir d'alli se medir cá fóra, não se acharão de certo os mesmos.

Opponho-me por tanto a este Artigo, porque, a medida que elle estabelece como refórma nem é necessaria, nem util, e é estorvo áquelle commercio; nem se lhe seguem os bens que se desejam, e por isto esta innovação ha de na pratica tomar-se muito difficultosa, e até prejudicial.

O Sr. Trigueiros: — Como Relator da Commissão devo dar a razão por que ella assentou que devia estabelecer a medida do alqueire para por ella se fazer a medição no Terreiro. Sr. Presidente, duas parecem ser as razões pelas quaes se impugna esta medida: a 1.ª é a não necessidade que ha de fazer-se esta refórma; porque, como acaba de dizer o illustre Senador que me precedeu, nunca uma refórma se deve fazer sem que se dê para isso necessidade: até aqui estâmos nós conformes; mas o que eu vou mostrar é, que havia essa necessidade, e que esta medida é altamente reclamada. A medição no Terreiro não dava um alqueire só de differença, como mal informaram ao Sr. Ministro do Reino, mas dava dous alqueires, e mais. Os clamores publicos chegavam a toda a parte, e tambem chegaram á Commissão, e esta achou um meio de remediar este mal quanta possivel lhe fôsse; o que não podia ser permeio da fanga, nem se entenda que por meio do alqueire será esse mal remediado no todo, mas se-lo-ha muito comparativamente. Se até aqui havia a exactidão da fanga, provada por meio da agua, como disse o Sr. Bettencourt, direi que daqui em diante se dará essa mesma exactidão por meio do alqueire, sem com tudo eu querer que se sustente que a fanga é uma medida exacta para o trigo, posto que ella o seja para qualquer liquido. A Commissão lembrou-se de estabelecer o pêso, porém achou difficuldades, porque, Sr. Presidente, sempre as ha para fazer uma innovação, que contraria os habitos e os costumes de um povo inteiro. O alqueire é uma medida nacional, e aquella por que todos estão costumados a medir, e por que medem, tanto o que compra, como o que vende em toda a parte, e por conseguinte e aquella que devia ser preferida sobre todas as outras, certa a Commissão de que a differença ha de ser para melhor.

Ora nós não podemos aqui fazer a experiencia; mas se se mandar medir um meio de trigo por uma fanga emprega quatro homens, os mesmo tres, e se dous homens medirem por um alqueire trinta alqueires, os dous hão de medir primeiro os trinta alqueires que os quatro um meio; se isto fôr exacto, como eu estou convencido, que é de muito maior vantagem, e até em igualar a medida e destruir os inconvenientes da differença da medida, e do excesso que se encontra medindo-se pela fanga, tenho um facto que me prova que isto que digo é exacto.

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Em Evora ha um celleiro, aonde se medem muitos centos de moios cada mez; a medida não é outra senão a do alqueire: chegam as quadrilhas, que são o aggregado de trinta a quarenta carretas; as quadrilhas carregam no inverno 25 a 30 moios, e no verão quarenta, e um homem mede isto em um pequeno espaço e entretanto os medidores não morrem muito novos, morrem quando os outros homens morrem regularmente, não levam o dia a carregar uma quadrilha, carregam em menos de meio dia, e bastaria carregarem quinze ou dez moios por dia cada um para darem expediente ao Terreiro, expediente maior que hoje não ha; e então estou persuadido, que por este lado se ha de fazer uma economia no Terreiro, se os homens que trabalham com as fangas trabalharem com alqueire, ha de fazer-se o trabalho, e poupar braços; em consequencia é muito facil o adoptar isto como uma medida já adoptada, e de que havia uma vantagem para o Lavrador, para o consumidor, e por isso a Commissão a adoptou com preferencia a todas.

Agora a Commissão não quiz arrancar, como quiz o illustre Senador, ao numerista o excesso que havia da medida: a Commissão não podia fazer cousa nenhuma em prejuizo de ninguem, e tanto não fez, que a maior justificação disto é o que a Commissão estabeleceu no Artigo seguinte: a Commissão o que quiz foi evitar o prejuizo ao Lavrador, mas quiz ser justa, e conservar o interesse que o numerista devia ter; considerou que este é um Empregado de muita importancia no Terreiro. O numerista responsabilisa-se pelo genero que recebe cada um e todos in solidum que davam uma fiança, e que tinham um ordenado muito pequeno, e não era possivel que um Empregado de tanta responsabilidade deixasse de lêr um ordenado correspondente, e por isso se estabeleceu os é réis por alqueire, de que tambem vinha outra vantagem, porque o Lavrador já não tinha nada com as differenças, e assim evitava-se tambem um principio de dolo; em consequencia de todas estas razões a Commissão entendeu que a medida que se devia adoptar era o alqueire, medida nacional, e de todos conhecida; medida por que o Lavrador mandava o seu genero para o Terreiro, e que em consequencia não devem, depois de fazer o seu transito, encontrar uma medida que não era nacional, que elle não conhecia, mas sim a mesma por que tinha medido em sua casa.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Farei diligencia por ser breve, restringindo-me ao Artigo que está em discussão, e é Substituição do Sr. Bergara. — Sem historiar muito a questão, direi, que ella se limita a pôr o Lavrador, e o Consumidor em contacto, sem o entremedio de ninguem, deixando a um e outro a maior liberdade possivel. Que o acto pratico de medios generos Cereaes demanda muita attenção, e que póde admittir muita fraude, havendo agilidade, e malicia no medidor, é questão que não admitte a menor duvida. — Por occasião de desempenhar uma diligencia do Governo sobre confrontação de medidas, encontrei eu, ha muitos annos, um medidor que de 40 alqueires de milho fez á minha vista 35, 40, e 45! — Eu não impugno a idéa de que a fanga contem justamente os quatro alqueires; mas o caso é que todos os que compram querem comprar pela fanga, e os que vendem querem vender pelo alqueire; e estas insistencias devem ter alguma cousa que aproveite a uns e a outros. Para não violentar ninguem, farei ao Artigo 2.º uma Substituição nos seguintes termos: (leu); por esta fórma não ficam prejudicadas as intenções da Commissão, nem se impõe aos Lavradores, e Consumidores, a obrigação forçada de comprarem, ou venderem por fanga, ou por alqueire. — Quanto á Substituição do Sr. Bergara, apoio-a em parte: e em parte impugno-a: é necessario considerar este negocio pelo seu verdadeiro lado; uma cousa é fallar sobre a unidade que deve regular a compra e venda dos generos Cereaes; e sobre isso não póde haver questão; porque ha de ser a medida; e outra cousa é procurar uma unidade que {sem interromper a facilidade dos transitos), sirva de base para a percepção dos Direitos; e esta poderá ser o pêso, por ser mais igual, e mais expedita. Eu inclino-me a sustentar este arbitrio para a cobrança dos Direitos, porque lhe acho muitas, e diversas vantagens que não tem a medida. Além da facilidade e prompta expedição que ella offerecerá no acto dos despachos dos generos; propõe-se a reparar a desigualdade com que os generos são taxados, pagando-se os Direitos com attenção á medida. Os generos que entravam pelas Portas da Cidade não pagavam cousa alguma, e agora ficarão pagando 30 rs. cada alqueire de trigo, cevada, milho, ou centeio, sem attenção ao valôr de cada genero, que é muito differente, como todos sabem. Ordinariamente um alqueire de trigo pésa entre 22 e 23 arrateis; o de cevada entre 16 e 17; o milho, e o centeio pesam mais que a cevada, e menos do que o trigo; e então o pêso vai igualar-se, de alguma fórma, ás condições dos que pagam os Direitos; porém esta questão pertence a outro logar, e só fallei agora nella para demonstrar a necessidade de haverem duas unidades, uma para a compra e venda, e outra para pagamento dos Direitos: mando esta Substituição para a Mesa, porque me parece que ella não encontra as idéas da Commissão.

O Sr. Barão do Tojal: - Eu farei simplesmente uma observação; voto pelo Artigo como está; a unidade por que o Terreiro recebe, é aquella porque deve vender; em consequencia sendo assim, a mesma vantagem se póde tomar medindo-se por alqueire, como por fanga: eu tenho vendido, e comprado muitas cargas de Cereaes na Madeira, aonde a medida se faz por alqueire, e sempre o medidor faz o que quer, e então de nada serve substituir a fanga pelo alqueire, como alguns Srs. Senadores propõem; voto por tanto pelo Artigo: entre tanto a Lei estabelece que a medida legal e uniforme seja o alqueire, e então resolvido isto é muito facil ás partes, por conveniencia propria, dizerem que se sujeitam á fanga. — Em Inglaterra, por exemplo, por uma Postura da Camara Municipal é obrigado todo o vendedor de carvão a pesar todas as saccas ao comprador, as quaes têem um pêso certo; apparece um carro com 20 ou 30 saccas, e o comprador contenta-se em fazer pesar á sua vista sómente uma ou duas do lote, por conveniencia mutua. Lá está o recurso na Lei; o grande correctivo consiste em não ser pessoa alguma obrigada a levar lá os seus Cereaes á venda não lhe fazendo conta, e se então ainda houverem abusos, de certo que ninguem lá irá.

Tendo dado a hora, ficou addiada a discussão do Artigo

Mencionou-se um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, enviando uma Mensagem que incluia um Projecto de Lei sobre conceder á Companhia dos Actores Portuguezes, denominada d'El-Rei D. Fernando, faculdade para a construcção de um Theatro na Cêrca do extincto Convento das Carmelitas do Rato. — Foi á Commissão de Fazenda.

O Sr. Presidente deu para Ordem do dia a conclusão do debate do Artigo que se acabava de addiar; e depois a discussão do Projecto da Camara dos Deputados sobre o lançamento da Decima e impostos annexos no corrente anno financeiro: sendo mais de quatro horas da tarde disse que estava fechada a Sessão.

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