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DIARIO DO GOVERNO.
Camaras, ou se as duas Camaras reunidas, podem destruir um tributo consignado por lei como hypotheca especialissima para pagamento dos juros e amortisação de qualquer emprestimo mas para mim é um principio incontroverso que para haver alguma modificação a este respeito deve intervir o consentimento dos mutuantes (apoiado), e que só assim ficarão salvos os escrupulos: mas isto não vem agora para o caso. O que é certo é que depois mesmo da publicação do decreto de 16 de janeiro de 1837, que consignava principios os mais luminosos, que nem eu nem ninguem nega, sempre, depois d'esse tempo, os dez réis se arrecadaram para a Junta do Credito Publico: e tanto isto é certo, que ultimamente, deparando-nos a fortuna occasião (pela primeira vez) de exportarmos trigo portuguez para os portos extrangeiros, veio em duvida se este artigo era eu não sujeito ao pagamento dos dez réis. Vindo isto em duvida, os negociantes requereram, e requereram fundados no principio geral de me devemos libertar os nossos generos, para serem levados aos diversos mercados; o Governo não lhe deferiu, não obstante entender que os generos que das diversas partes do Reino sabiam para o extrangeiro não deviam pagar tal direito, por isso que era de consumo: não lhe deferindo veio a questão á outra Camara, e depois a esta, isto é = se os generos cereaes portuguezes, exportados de qualquer porto do reino para paizes extrangeiros, estavam comprehendidos na disposição da carta de lei de 31 de março de 1827. = Foi necessario que a Camara dos Srs. Senadores o decidisse, assim como já o havia decidido a dos Srs. Deputados, possuída dos mesmos principios que animavam esta, para que aquelles generos ficassem isentos do direito de dez réis em alqueire, e de todas as outras imposições que não fôssem o direito da pauta. — Falei nisto com tanta individuação, porque todos sabem que desgraçadamente as municipalidades do paiz nesta parte estão mais authorisadas do que as Camaras Legislativas! (Apoiados geraes). Estas para lançarem um imposto é necessario que ambas concordem, e que a proposta obtenha a sancção real; e as camaras municipaes estão lançando tributos ao povo, sem dependencia de mais ninguem, e quantos, e como querem....
Voltando á questão digo, que é um facto innegavel que o imposto de dez réis por alqueire nos cereaes, hypotheca especialissima do emprestimo de 1827 com o Banco de Lisboa, sempre se percebeu, mesmo depois do decreto de 16 de janeiro de 1837; está por tanto claro que elle nunca teve a intelligencia generica que se tem dado; nem entrarei muito na questão se a deve ter, que para mim é embaraçada, mesmo em attenção ao que tenho ouvido. Que quiz o decreto de 16 de janeiro do 1837? Libertar os nossos generos dos direitos de sabida, excepto do de um por cento da pauta? E porque não se intendeu comprehendido na regra geral o direito de vendagem? Porque não é direito de sabida, assim como tambem o não são os dez réis que se pagam para a Junta do Credito Publico; por isso julgo que o mencionado decreto não comprehendia nenhum dos dous, e o facto é que sempre se receberam.
Depois do que tenho ponderado, perguntarei se é da intenção desta Camara isentar os cereaes do pagamento de dez réis em alqueire, como primeira hypotheca d'um emprestimo!.... (Vozes: — Não, não.) Effectivamente se tem pago, e ha de continuar a pagar-se, em quanto uma lei não disser que = aquelles dez réis estão comprehendidos na generalidade do decreto de 16 de janeiro de 1837. = Parece-me pois, Sr. Presidente, que não será da intenção da Camara entender com os tributos que constituem a dotação da Junta do Credito Publico, e que a não constituem na generalidade, roas na especialidade, porque realmente os dez réis que pagam os cereaes são hypotheca especial de um emprestimo que ainda não está pago. Ora, se a Camara entende que deve derogar essa hypotheca nesta parte, então bem está o projecto; e se não, então carece de alguma modificação. O Sr. Barão do Tojal argumentou que o Terreiro era um Octroi, e que por tanto não servia para despachos de sabida; mas repare-se bem, que direito de sahida só o pagam os cereaes extrangeiros; os portugueses o que pagam é o direito de um por cento, ou de reconhecimento do porto: o chamado de vendagem, que o Terreiro cobra em virtude do seu regimento; e o de dez réis por alqueire, que eu entendo ser de consumo, applicado á Junta do Credito Publico.
Sobre estes esclarecimentos de facto a Camara deliberará como julgar conveniente.
O Sr. Visconde de Porto Côvo: — (Para uma explicação.) Eu queria dizer que ainda hoje não disse uma palavra a respeito da imposição de vendagem: note-se bem, eu falei só a respeito do imposto decretado para o pagamento do emprestimo e juros de 2.400:000$ de réis, que se contraiu em 1827
Aproveito esta occasião para dizer aos illustres Senadores que falaram em principios de economia-politica, que eu não tenho tractado a questão por esse lado, mas nem por isso deixo de ter tambem ao meu alcance os mesmos livros por onde elles têem lido esses principios.
O Sr. General Zagallo: — Sr. Presidente, está em discussão o parecer das Commissões de administração publica e de legislação, que versa sobre o requerimento feito pelo Sr. Barão do Tojal para se pôr em execução o decreto de 16 de janeiro de 1837, relativamente á isenção dos direitos de saída dos generos cereaes para os portos portuguezes. Este parecer contém duas partes: primeira a denegação do pedido do Sr. Barão, e a segunda um projecto de lei para supprir esse pedido: parecia-me que se acaso nós discutissemos em primeiro logar a primeira parte do parecer da Commissão, teriamos poupado mais tempo: porque, o que quer o Sr. Barão do Tojal? É que se dê por entendida, e bem interpretada aquella lei, como elle a entende, queixando-se de que assim não fôsse executada. Em taes termos, a questão consiste em saber se a lei é ou não duvidosa no sentido do requerente. Se a Camara decidir que não, nada mais resta que approvar o requerimento do Sr. Barão do Tojal; mas julgando-se o contrario ha então dous meios, ou fazer uma declaração de lei, ou um novo projecto de lei para ella se entender como deve, porque o resultado vem a ser o mesmo. — Eu não entro na questão, se a lei é ou não realmente duvidosa, como parece, em virtude das diversas opiniões que se têem apresentado; inclinando-me por isso a que seja talvez mais conveniente fazer uma lei nova, do que uma declaração á antiga, porque as referencias sempre tem inconvenientes. Depois desta hypothese, eu entro na materia do projecto da Commissão. O artigo 1.° diz assim (leu); e segundo esta redacção parece-me que se poderá talvez tirar d'aqui um argumento para que se não pague o direito de dez réis, que faz a dotação da Junta do Credito Publico, e que deve continuar a pagar-se; opinião de que eu sou, e creio que todos nós. (Apoiados.) Mas como eu desejo que as leis sejam o mais claras que fôr possivel, é por isso que mando para a Mesa o seguinte additamento: — Depois da palavra = pagamento = se acrescentará o seguinte = dos direitos que alli se exigem, seja qualquer, etc. = Zagallo.
D'esta maneira parece-me que o artigo fica claro, e que não póde dar argumento nenhum para que se não pague esse direito nos portos para onde o genero fôr.
O Sr. Presidente: — Farei uma observação ao illustre Senador, e vem a ser, que me parece que essa emenda deverá antes ter logar quando se tractar do 1.° artigo.
O Sr. General Zagallo: — Eu principiei por dizer qual devia ser, segundo o meu pensar, a ordem da discussão; e por conseguinte o falar sobre o 1.º artigo, ou sobre a generalidade, em quanto a mim é a mesma cousa; porque contendo aquelle artigo toda a materia do projecto, vem este a não ter generalidade (Apoiados).
O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu não fazia tenção de tornar a falar sobre esta materia, porque, depois que se pôz em duvida que o decreto de 16 de janeiro não devia ser observado em toda a parte, logo eu vi que havia necessidade de uma lei nova a este respeito.
Mas, Sr. Presidente, o fim unico porque me levantei foi para não deixar passar algumas das asserções que avançou o Sr. ministro da Fazenda, meu particular amigo, com aquella franqueza e boa fé que tanto caracterisa a S. Ex.ª — Não ha motivo algum para recear que a Junta do Credito Publico venha a ser prejudicada com a doutrina consignada Vesta lei, como S. Ex.ª deu a entender; e como as palavras d'um ministro da Corôa sempre são ouvidas com attenção, como é justo, convém rectifical-as, quando podem produzir máo effeito. S. Ex.ª deu a entender que a dotação da Junta poderia ser prejudicada, e por conseguinte alterado o contracto feito com os mutuantes daquelle emprestimo; porém tal não ha. A este respeito direi eu, que não tenho tal receio, e que não ha o menor ataque aos direitos que adquiriram esses mutuantes quando concorreram para o emprestimo. Direi mais que os generos cereaes que derem entrada no Terreiro, e que não forem consumidos em Lisboa, e que forem destinados para qualquer outro porto do reino, é lá n'esse porto que hão de pagar os 10 réis que estão applicados para a Junta do Credito Publico. — Foi com a intenção de explicar esta questão incidente que eu pedi a palavra; e creio que as intenções de S. Ex.ª o Sr. ministro da Fazenda eram as mesmas quando fallou, e que foram explicadas por differente modo.
É sabido que a Junta do Credito Publico cobra as differentes imposições que lhe competem em toda a parte do reino; e então é claro que tanto faz receber essas imposições directamente do Terreiro de Lisboa, como por via das alfandegas de qualquer porto aonde os generos forem dar entrada, porque este projecto não tolhe de modo algum que as alfandegas do reino cumpram com o seu dever nos termos que dispõem as leis. Se porém é necessaria qualquer declaração mais explicita na lei, eu estou por ella; porque desejo que ellas sejam sempre o mais claras que fôr possivel: quanto mais que já aqui se tem dado intelligencia diversa a leis, que para uns são claras, e para outros duvidas. (Apoiados). Repito pois que subscrevo a que haja a maior clareza na lei; mas desejo que se fique entendendo que não podia ser das intenções desta Camara o querer defraudar essas hipothecas, quando ella tem dado, e ha de continuar a dar as mais positivas provas de respeito ás leis, e aos contractos feitos (Apoiados geraes). E como eu estou persuadido que da passagem desta lei não resulta a mais leve quebra nos direitos adquiridos, ou interesses dos mutuantes d'esse emprestimo, repito que não ha inconveniente algum em que a sobredita lei passe nos termos em que é proposta, com redacção mais clara. Sr. Presidente, quando o fim principal da lei é proteger a agricultura, por meio da livre saída dos generos cereaes, seria absurdo, ou contradictorio obrigar esses generos a pagar aqui previamente os direitos que se devem pagar nos portos para onde forem destinados. Se tal se pertende, então será melhor não promulgar a lei, e deixar tudo no mesmo estado em que se acha, que é bem deploravel, como todos reconhecem; porém eu creio que se ha de vir a melhor accôrdo, entendendo as cousas como ellas são na realidade.
O Sr. Vellez Caldeira: — Pedi a palavra para requerer a V. Ex.ª que faça vir a discussão á ordem, porque ella era na generalidade, e assim deve progredir fallando-se conjunctamente em ambos os objectos, isto é, tanto sobre o parecer como sobre o projecto.
(Entraram os srs. presidente do Conselho, e ministro dos negocios do Reino.)
O Sr. Barão do Tojal; — Eu pedi a palavra para fazer algumas observações sobre o que disse S. Ex.ª o sr. ministro ida Fazenda.
Sr. Presidente, o preambulo da lei diz assim: (leu). Vê-se pois, que o objecto da lei é refundir todos os direitos de consumo sobre os generos exportados d'este porto para outros portos nacionaes. S. Ex.ª observou que a alfandega do Terreiro era uma alfandega d'Octroi, mas permitta-me S. Ex.ª que eu diga que tanto, ou ainda mais, o é a alfandega das Sete Casas que o Terreiro, e que por esse lado é contra producentem o seu argumento, e não colhe. O meu illustre amigo o sr. Luiz José Ribeiro, antecipou-me nas observações que fez em quanto ao pagamento do imposto de 10 réis, applicado para a Junta do Credito Publico; de certo, sr. Presidente, que esse direito deve receber-se nas alfandegas d'aquelles portos do reino, aonde os generos forem descarregados, e não aqui; nem póde deixar de ser assim, porque o contrario iria produzir muito desfavor e inconvenientes a este commercio. Além disto deve observar-se que a moeda não é a mesma em todas as nossas provincias e possessões, e por tanto seria uma cousa muito injusta estar a receber aqui direitos, em moeda forte, circulando em outras partes, para onde muitos cereaes despachariam, a moeda fraca, como por exemplo, a ilha da Madeira. É pois evidente que o direito que aqui se pertende abolir, é um direito de consumo e a vendagem que o Terreiro exige, não se póde chamar; verdadeiramente direito de consumo, não obstante que a Commissão do Terreiro labora-se e forceja-se para proval-o assim, e tanto, que ella mesmo se vê em gran-