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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 22 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Estando presentes, 38 Srs. Senadores, foi aberta a Sessão pouco depois da uma hora da tarde.

Leu-se e approvou-se a Acta da precedente.

Teve segunda leitura o Requerimento do Sr. Miranda, pedindo varias informações ao Governo relativamente a estradas. (V. Diario N.º 128, o pag. 788, col. 2.ª).

Obtendo a palavra, disse sobre elle

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente, não ha de certo, um só Portuguez que não esteja convencido da necessidade que, temos de boas estradas, e por isso escuso fazer um grande discurso para sustentar o meu requerimento. Todos sabem que estando há muito, tempo principiadas as obras das estradas, refiro-me em especialidade ás obras da entrada desta Capital até á Cidade do Porto; mas estas obras não têem progredido, acontecendo que com a sua suspensão ou interrupção em muitas partes, se tem deteriorado, e arruinado com o tempo chegando a peior estado do que d'antes tinham. A este respeito estou na intenção de apresentar um Projecto de Lei; mas não o posso Fazer sem que venham as informações que, peço no meu requerimento, o qual entendo estar nos termos de ser approvado; e por isso me dispenso de accrescentar alguma cousa mais para o sustentar (Apoiados).

Sem mais discussão, foi o requerimento posto a votos, e ficou approvado.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu vou referir-me a um objecto posto que particular com tudo bastante publico porque delle tem tractado os jornaes, como desarrojo assás para com esta Camara, qual é a requisição de um Magistrado para que eu fôsse preso, mandando até passar mandado para esse fim, e pedindo a esta Camara licença para eu, sendo Senador, ser capturado. Sr. Presidente, logo que esta Camara Sexta feira passada interpretou a Lei dê 16 de Janeiro de 1837, decidindo que os cereaes não entravam no catalogo dos generos de Industria' e producção portugueza isentos de qualquer direito quando exportados por aquella Lei, eu fui d'aqui ao meu Letrado, e lhe disse que uma vez que tal era a decisão desta Camara, estava prompto a pagar os direitos de consumo, exigidos pelo Terreiro sobre os cereaes exportados, em questão; e que para isso se verificar, fizesse sem mais demora os Autos conclusos. Eu quiz pois, em razão do desaire que a mim como Senador, se fez a esta Camara, fazer esta declaração, para que, se aqui não vier a tempo a competente participação deste facto, não possa subsistir sobre mim qualquer desdouro ou ferrete a este respeito (Apoiados).

A Camara mandou escrever esta declaração na Acta.

Como Relator da Commissão de Fazenda, apresentou o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa o seguinte

Parecer.

A Commissão de Fazenda foi remettido por ordem desta Camara, em resolução tomada sobre o Parecer da Commissão de Administração Publica, um requerimento da Camara Municipal da Villa Real de Santo Antonio, em que pode ser isenta, de pagar á Fazenda Publica, a terça do rendimento do seu municipio

A Commissão é de parecer que p requerimento não póde ser attendido, fazendo-se uma excepção especial a favor da dita Camara, o que só poderia ter logar por uma medida geral que tivesse a sua origem na Camara dos

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Deputados aonde compete. Casa da Commissão, 22 de Maio de 1839. Visconde de Sobral = José Cordeiro Feyo = Luís José Ribeiro = José Ferreira Pinto Junior = Barão de Villa Nova de Foscoa.

Foi approvado sem discussão.

O Sr. General Zagallo, como Relator da Commissão de Guerra, leu o Parecer della ácerca do requerimento das órfãs do Brigadeiro José Julio de Carvalho.

Ficou sobre a Mesa para ser discutido.

Passando-se á Ordem do dia, foi lido o seguinte

Parecer.

A Commissão de Administração Publica é, de parecer que se approve o Projecto de Lei, remettido a esta Camara pela dos Deputados, authorisando a Camara Municipal da Villa de Alverca do Riba-Téjo a contrahir um emprestimo até á quantia de oitocentos mil réis, para te limpar e tornar navegavel o Esteiro de Alverca, e para hypothecar ao pagamento do capital e juros os fóros de que tem o dominio directo, e os demais rendimentos do Município. Sala da Commissão, em 15 de Maio de 1839. = Anselmo José Braamcamp = Barão de Villa Nova de Foscôa = Barão de Prime = Agostinho Pacheco Telles de Figueiredo = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.º É authorisada a Camara Municipal da Villa de Alverca do Riba-Téjo a contrahir um emprestimo até á quantia de oitocentos mil réis, para se limpar e tornar navegavel o Esteiro de Alverca.

§. unico. A Camara Municipal da Villa de Alverca de Riba-Téjo poderá hypothecar para o pagamento do capital e juros do sobredito emprestimo, os fóros de que é senhoria directa, ou quaesquer outros rendimentos do Município.

Art. 2.° Fica revogada a Legislação em contrario. Palacio das Côrtes, em 4 de Maio de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = Manoel Justino Marques Murta, Deputado Secretario.

Teve a palavra sobre a generalidade da materia

O Sr. Tavares d’Almeida: — Sr. Presidente não posso votar por este Projecto pelas mesmas razões que expendi na occasião em que aqui se apresentou outro semelhante, relativo á Camara do Pôrto. Hoje as Camaras Municipaes têem, pelo Codigo Administrativo, o exorbitante direito de orçarem á vontade ás despezas do Município, e ellas mesmas com os eleitos das freguezias de lançarem quantos tributos lhe lembram para satisfazer as arbitradas despezas. É para notar que os eleitos não tenham voto nos orçamentos (a que por vezes faria o mal menor) pois que a sua fixação foi por uma Portaria do Ministerio do Reino attribuida exclusivamente aos Vereadores; Portaria que, senão é contraria ao espirito e letra do Codigo, pelo menos tem a dureza de dizer aos eleitos que pensem unicamente no pagamento, e se abstenham de pensar sobre Ss causas por que se lhe exige: o certo é que assim se pratica, e muitas vezes contra os clamores dos eleitos, offendidos por orçamentos excessivos, ou pouco economicos.

Nas Provincias, e principalmente nos Concelhos, que não têem bens proprios pagamos por fintas tanto como se paga de decima, o que sei até por esperiencia. O grande numero dos meninos engeitados faz muita despeza, e accresce a isso não ter boa fiscalisação. Os Vereadores arbitram como querem ordenados ao seu Secretario, ao Administrador do Concelho, e seu Escrivão, e aos mais empregados que precisam; dão partidos a Medicos e Cirurgiões; e como naturalmente têem tambem o desejo de fazerem no seu anno algumas obras publicas, que os faça memoraveis, orção as despezas largamente, e dahi é consequente carregarem o povo com fintas. — Antigamente tinham as Camaras o sobejo das Sizas, que faziam a bem do povo, e contra as fintas existiam na Ordenação sabias cautelas para garantir os povos dos arbitrios dos Vereadores; devia proceder a licença do Rei, que a não dava sem bom informe dos Corregedores sobre a causa, é necessidade das fintas, é sobre estas informações se reservava resolver ou provêr como houvesse por bem. — Agora os Vereadores podem fintar os povos á sua vontade; e como sé isto ainda não fôra bastante hão de poder mais que é empenhar, e hypothecar os bens e os rendimentos do Concelho, por divididas contrahidas com o mesmo, ou maior arbitrio do que lançam os tributos! E quem dá este absolutismo ás Camaras? Somos nós, Sr. Presidente, nós temos estabelecido o precedente de approvarmos os emprestimos, e hypothecas, que querem as Camaras Municipaes, sem conhecimento de causa, e vamos continuando uma pratíca que constitue a authorisação que se nos pede uma pura formalidade, e nada mais. — Na Ordenação e Titulo dos Vereadores, se diz expressamente; = que senão fará obra do Concelho, sem andar primeiro a pregão para ser dada de empreitada a quem a fizer melhor, e por menos preço, — esta Lei é muito previdente, e está em pleno vigor, e pelo menos não sei de outra que a revogasse: ora esta acção de pôr a lanços equivale a um orçamento da obra, e por ventura o mais justo e moderado; mas aonde está o documento que comprove que ella tivera logar? Em parte nenhuma. E porque sabe a Camara estatuir a quantia que diz para não podér ser outra menor? Tão habilitado estou eu para approvar a quantia pedida, como se propozesse trinta vezes maior, e n’este caso a hypotheca, e consignação dos rendimentos dos bens do Concelho podia equivaler a uma alienação perpetua dos mesmos bens (Apoiados). Este será o resultado de se concederem semelhantes authorisações sem perfeito conhecimento.

No Desembargo do Paço consultavam-se Provisões sobre este objecto que era igualmente da competencia dó Poder Legislativo de então; mas taes negocios eram primeiro bem instruidos e documentados, que fossem para lá com um Requerimento, nú e puro como aqui se nos apresenta? Sr. Presidente, eu não impugno as obras de utilidade publica, impugno o modo de pedir authorisação para emprestimos a cargo dos Concelhos; e do modo como este negocio se apresenta, virão outros apresentar-se, e me parece que esta pratica póde trazer fataes resultados (Apoiados). A nação em geral está carregada é hypothecada por enormes dividas; agora as Camaras Municipaes vam-na endividando e hypothecando em particular. Desejava por tanto que este Requerimento fosse remettido ad Governo, para o fazer instruir t documentar competentemente, e habilitar-nos a Votar com conhecimento de cousa; porque no estado actual não estâmos elucidados.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: - As reflexões que acaba de fazer o illustre Senador são em parte exactas mas não sei art que ponto ellas poderão se applicadas ao caso em questão; no entretanto eu tenho o sentimento de dizer á Camara, que os papeis que vieram á Commissão sobre este negocio, foi simplesmente uma nua exposição; porém não acontece o mesmo a respeito da Camara de Portalegre, cuja Representação veiu acompanhada de bastantes esclarecimentos.. Porém informando-me eu com o Sr. Bettencourt, que conhece perfeitamente aquella localidade e terreno, disse-lhe S. Ex.ª, que a obra era de summa utilidade, e absolutamente necessaria; e todos sabem que na fôrça do inverno os barqueiros são obrigados alli, a levar os barcos mais ás costas do que a nado; incommodo que fazendo-se esta obra ficará evitado: foi pois por estas razões, além de outras, que a Commissão approvou o Projecto como veio da Camara dos Srs. Deputados.

Agora pelo que pertence ao que disse o illustre Senador, que acaba, de fallar, o qual acha ser conveniente que estas obras se pozessem a concurso: responderei, que o que primeiro de tudo as Camaras precisam, é de ter dinheiro para a obra, e depois de o ter, é que naturalmente abrirão concurso; e por esta fórma até é mais facil haver arrematantes que a façam commodamente pela certeza e segurança que tem de que ella lhes será paga promptamente (Apoiados). — Além de que, deve reparar-se que este meio é o mais obvio, e o mais facil para se poderem, fazer taes obras, porque um emprestimo se obtem sem maior custo, e com pequeno premio não sendo por tanto preciso tirar logo todo o dinheiro da algibeira dos contribuintes, o que nem mesmo é possivel. Concluirei dizendo, que uma vez que a Camara pede esta obra, é porque realmente a julga necessaria, e é esta mais uma razão para se lhe conceder a authorisação.

O Sr. Miranda: — É realmente muito extraordinario, Sr. Presidente, que se dê um voto de confiança a uma Camara Municipal, para contrair um emprestimo, sem saber qual é precisamente a utilidade das obras, o montante do emprestimo, e as suas condições! Já um illustre Senador ponderou que antigamente as Camaras não eram authorisadas para fazerem estas, ou outras obras, sem que primeiro se procedesse a todas as informações necessarias, e (segundo os termos daquelle tempo) ouvindo-se o Clero, Nobreza, o Povo do respectivo Concelho; e era depois de tudo isto que se approvava, ou rejeitava o pedido. Assim se procedia, e com muita razão para dar aos povos uma garantia contra a fôrça de preponderancia, erros, ou abusos das authoridades. O mesmo, deve agora praticar-se, porque é necessario que os interesses dos individuos, e dos moradores dos Concelhos, sejam, por um modo de proceder, e em regra gerai, garantidos contra os abusos, ou erros de todas as authoridades (sem excepção dos Municipios); porque todas ellas podem abusar ou errar, ou sejam electivas, ou de nomeação. Todos conhecem, Sr. Presidente, que, em regra geral, não se deve dar um Voto da confiança ou, o que vem a ser o mesmo, authorisar sem perfeito conhecimento de causa, a Camara nenhuma para fazer obras (que demandam novos encargos dos Concelhos), sem que se proceda ao orçamento destas obras, e se mostre a sua necessidade, e a sua conveniencia. Agora o que eu pergunto é, se ha alguma necessidade imperiosa para que se proceda neste caso por uma regra excepcional? Eu não a vejo; nem me Consta que sé saiba a quanto montará a despeza desta obra, se ella corresponde ao seu fim, em proporção ao seu custo, ou se haverá outros meios que sejam menos onerosos ao Concelho.

Fallando desta maneira, fallo em geral, não da Camara de Alverca, a cujo requerimento eu quero dar o meu apoio; mas, para não se offender um principio que deve observar-se, no deferimento a estes pedidos, que já são bastante, e em breve serão muitos. Em consequencia digo que é preciso saber primeiro quaes são as despezas da obra, e quaes são as fôrças do Concelho: este requerimento deveria vir documentado; e o Governo quando o mandou, se é que elle o mandou ás Côrtes, e se assim não foi, a Camara recorrente, devia manda-lo com o orçamento da obra, e com todas as explicações ácerca dos meios necessarios para a sua construcção. Porém o requerimento não vem acompanhado de documento algum nem em seu contexto se acham explicações que satisfaçam; e como é preciso que esta Camara vigie a Administração Publica, e fiscalise todas as despezas; e nunca fazer taes concessões sem estar bem informado, e como por outra parte a demora em virem as informações que se pedem será pequena; por isso a minha opinião é que se peçam ao Governo aquellas informações para se poder votar com conhecimento de causa.

O Sr. Pereira de Magalhães: — As reflexões dos illustres Senadores, podem ter-se como axiomas em materia de Administração, mas não para o caso presente: ao Projecto tracta-se de authorisar a Camara a contractar um emprestimo até á quantia de 800 réis; a decisão do Senado deve ser authorisar, ou não authorisar. Pelo que diz respeito porém á planta da obra, e quanto ao seu orçamento, isso são objectos regulamentares, que pertencem ao Governo; sanccionada esta Lei vai ao Governo, e este pelo systema das Leis existentes, ha de determinar authorisada a Camara a contrahir o emprestimos, ha de gastar a sua importancia como quizer, ou com condições; para isto ha de o Governo tomar todas as medidas necessarias. antes de transmittir a Lei á Camara. O systema da ordenação com que se argumenta por melhor que seja, está alterado não só pelos principios geraes do actual systema do Governo, mas mesmo, pelos principios do Codigo Administrativo, segundo o qual não podem as Camaras Municipaes contrahir emprestimos sem Authoridade das Côrtes, e os Vereadores são responsaveis pela applicação que fizerem desses emprestimos; por consequencia não vejo inconveniente em quê se approve o Projecto. Diz-se que é necessario haver uma fiscalisação para senão gravarem os Concelhos. As Camaras podem occorrer ás suas despezas com tributos, e com emprestimos; os primeiros para as despezas ordinarias, os segundos para as despeza extraordinarias; e em ambos casos são obrigadas a dar contas ao Conselho de Districto, e eis ahi a fiscalisação. A Camara de Alverca, quer fazer uma despeza extraordinaria, e para esta contrahir um emprestimo; a primeira cousa a fazer é pedir a authorisação, depois que ha de proceder ao orçamento, e ver se lhe

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convém pô-la por arrematação, ou faze-la por sua conta; antes de saber se é ou não authorisada de nada póde tractar. Dizem os illustres Senadores que é necessario documentos; mas que documentos? Que provém a necessidade e utilidade da obra, essa não é contestada pelos illustres Senadores que declaram não a pôr em duvida. A Camara, como um particular que quer fazer ama obra, tracta primeiro de saber d’onde lhe ha de vir o dinheiro, a Camara d'Alverca não quer contar com os seus rendimentos; julga que é mais conveniente contrahir o emprestimo, o primeiro passo que dá é vêr se a Authoridade competente a authorisa, ou não: na sua Representação expõe os motivos da necessidade e da conveniencia, que não são, como disse, contestados; a consequencia pois julgo ser approvar o Projecto, apesar das observações que se têem feito.

O Sr. Bettencourt: — Fui chamado como testemunha referida das informações, que tinha dado sobre este objecto: eu não sabia que a Camara Municipal d'Alverca tinha requerido á Camara dos Srs. Deputados; mas tendo sido perguntado pelo illustre Senador, o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa sobre este objecto, eu lhe dei as informações que sabia, pois sou conhecedor daquella Villa, e seus contornos, e do Esteiro de que se tracta, apesar de que alli nada tenho, que immediatamente interesse, nem conheço os Vereadores: oxalá, e prouvera ao Ceo, que de todas as attribuições que se tem dado de omnipotencia ás Camaras Municipaes, ellas se restringissem áquellas que estão debaixo da tua inspecção, como esta de que usou a Camara d'Alverca; porque realmente quem tem conhecimento desta valla, que está tão proxima do Téjo, da Sua grande população agricola, e das outras terras circunvizinhas que lhe estão ao norte, e que se serviam daquelle Esteiro, pára conduzir com facilidade, e com diminutas despezas os seus generos cereaes, vinhos, fructas de todas as qualidades, e mais objectos de Commercio interior, para a Capital, que dista quatro legoas, é que bem póde calcular o prejuizo, que aquelles povos soffrem com estar innavegavel aquelle canal, que lhe facilitava tantos bens, e que por estar entulhada, e obstruída, não podem tirar as vantangens, que tal valla lhe póde subministrar; está em tal estado, que só nas marés vivas, pódem, por aquelle Esteiro, navegar embarcações da mais pequena dimensão, e têem os habitantes de vir a Lisboa por teria. Por tanto, tomo a dizer, se as Camaras Municipaes se cingissem a exercer funcções e attribuições como esta, bom seria, porque então via-se bem o fim para que ellas foram instituidas; ellas hoje usam desses poderes tão ilimitados para outras cousas de que não resulta interesse como desta; antes resultam muitos vexames, ao municipio. A Camara Municipal d'Alverca, neste seu Requerimento, assás patentea o seu patriotismo, e mostra zêlo pelas vantagens dos seus representados, e deve ser louvado, e deferido, por quanto é esta uma obra de que resulta muita utilidade, não só aos habitantes d'Alverca, mas tambem a muitas terras circunvizinhas, que pela sua diaria concurrencia áquelle porto, em carreiras certas, e bem estabelecidas, ha de torna-la terra commercial; e quando se quer fazer esta despeza á sua custa, parece não admittir a menor, dá vida; oxalá que este exemplo se seguisse em um dos mais conducentes meios de promover a Agricultura, o Commercio, e Industria, como é a abertura de canaes, e fatura de estradas; e sem termos estes principios, e necessarios meios, escusam-se de querer os fins; o contrario são tudo palavras, são sonhos orientaes, a verdadeira economia politica, é quem quer os fins, deve proporcionar os meios, que são estes. No meu entender a Camara d'Alverca é ainda mais louvavel, porque o Governo é que tinha obrigação de mandar limpar aquella valla e Esteiro, porquanto é obra publica e de interesse publico. É verdade que o não póde fazer, porque não tem recursos pecuniarios, e então querendo a Camara faze-la, e precisando-se de authorisação Legislativa, vem pedi-la, e a havemos nega-la? Então aconteceria o que aconteceu ha tres dias no rio de Sacavem que com vergonha de todos os viajantes nacionaes, e estrangeiros, chegou o Vapôr á Doca daquelle rio, que por estar entulhado, e enlodado, parou, e ficou á espera que viessem pequenas embarcações para conduzir quinhentos e tantos individuos, que podiam, e deviam ir desembarcar ao sitio, onde se faz aquella feira, unico fim, que alli os levava, pois que o local da feira, é á borda daquelle rio; e por esta necessaria demora, resultaram prejuizos dos passageiros, que quando chegaram á feira, já se tinham vendido alguns gados, que queriam comprar: igual transtorno aconteceu, aos que tinham de embarcar no Vapôr, para virem para Lisboa, tendo de embarcar no rio, para virem para o Vapôr, que estava na bôca do rio de Sacavém, no Téjo; quando estando limpo o rio acontecia, que o Vapôr chegasse a desembarcar os passageiros, de que resultava muita commodidade, muita utilidade, e mesmo na margem do rio, que faz já local da feira. A Camara Municipal d’Alverca propõe ser authorisada a fazer um emprestimo para fazer esta obra tão util, e necessaria; nada tão util, e nada tão sagrado; nesta parte defendo a Commissão; agora quanto ao que expendeu o illustre Senador, o Sr. Tavares de Almeida, a Commissão que se defenda como bem lhe parecer, (riso) na certeza que a applicação dos principios geraes para este caso, julgo que não podem ter cabimento, pelas razões que tenho expendido, e porque por muitas vezes tenho declarado a este Senado, que respeitando sempre os principios, que o mesmo illustre Senador, que ultimamente acabou de orar, expendeu, todavia neste, e em outros pontos particulares, não se deve o legislador prender, pois se sacrificam realidades, a formulas, e os povos precisam de cousas uteis, que apalpem, e vejam (apoiados); e estão já fartos de principios, e de theorias, que elles não entendem, e de que lhe não resulta utilidade alguma.

O Sr. Miranda: — Julgo que o principio geral tem sido quasi geralmente approvado; porém, Sr. Presidente, por onde é que esta Camara se regula, se, na questão presente, não fizer a applicação destes principios? Por esta applicação não entendo eu que esta Camara exija, informações minuciosas, e depor menores, inuteis, e "difficeis de dar; porém sómente ás essenciaes e indispensaveis para esta Camara decidir com conhecimento de causa. As razões que apontou o meu illustre collega, provam o contrario do que elle quiz: eu já disse que não tinha a vantagem de conhecer pessoalmente os Membros da Camara Municipal do Concelho de Alverca, e que se a utilidade e duração da obra que ella propõe, fosse tal qual, e sem exame, se suppõe, a minha voz se levantaria para promover uma obra de interesse publico; mas o que eu receio é que os Membros da Camara Municipal se enganem ácerca de uma obra, que desejam emprehender com os melhores desejos do bem publico, e o que eu quero é que as obras se façam com vantagem, e tendo em vista a sua duração, e ò seu custo; procedendo-se para este effeito ás averiguações necessarias; para que não aconteça o mesmo que tam acontecido com as estradas: grandes palavras, pomposas promessas, e ò resultado nada.

Estas observações são ainda mais exactas quando se referem a uma valla que se pertende abrir nas margens do Téjo; porque póde ser que o Concelho de Alverca seja levado ao caso dá fazer uma grande despeza com uma valla, e que a esta valla aconteça, por falta de providencia, o mesmo que aconteceu á de Alpeaça, a muitos das vallas das Lezirias, e outra aberta acima da embocadura de Sacavem. Todas estas obras custaram avultadas sommas; mas por mal calculadas, em relação aos aterros, e escoantes, não tardaram em ficar inutes, e incapazes de serviço. Muito aprecio, e louvo muito o zêlo da Camara, mas qualquer que seja o interesse que ella mostre, é necessario que ella se regule pelos principios geraes de Administração. Um dos illustres Senadores quiz inverter a questão, porque disse que esta Camara deve dar um voto de confiança á Camara Municipal requerente, porque o resto é da competencia do Governo; porém tudo isto é muito vago; e o voto de confiança, não convence: o Governo deve mandar proceder a todas as informações, e depois de as obter manda-las a esta Camara, para dar, ou denegar o seu assentimento. - Isto é coherente, e entendo eu; mas pelo modo que se quer, não; porque um voto de confiança não darei eu de leve; a experiencia tem mostrado quanto a este respeito convém ser cauteloso. Por outra parte o Governo não tem ingerencia neste negocio, senão a requisição desta Camara; porque depois de sanccionado este Projecto, a Camara Municipal de Alverca está authorisada a fazer a obra como ella entender; em consequencia o argumento do illustre Senador não me parece procedente contra a opinião que tenho

emittido, e vem a ser que se peçam ao Governo as informações necessarias para esta Camara podér votar com conhecimento de causa. Estarei sempre muito prompto a dar o meu voto a qualquer Municipalidade que deseje promover o bem estar do seu Município. Fallo-hia sem conhecimento de causa se eu não soubesse que se intentam muitas obras em que se gasta o dinheiro dos Concelhos, e do Estado, sem interesse ou proveito publico (Apoiados). E se assim tem acontecido, a não serem as Camaras Legislativas, qual é a garantia que ha contra os abusos das Municipalidades? Nenhum (Apoiados). E um Governo sem estas garantias é um Governo de Liberdade; ou é um Governo de arbitrio, e despotismo? Não chamarei eu Governo livre senão áquelle que offerecer garantias contra a oppressão, de qualquer parte que ella venha, e contra a dilapidação ou máo emprego dos dinheiros publicos: todo o Governo, em que não existirem estas condições, embora se chame constitucional, de facto é discricionario, é arbitrario e despotico. Por tanto é necessario não relaxar em os meios que offerecem as maiores garantias aos individuos, não só quanto ás suas pessoas, mas tambem quanto ás propriedades, e quanto á propriedade dos Concelhos, e de todo o Estado, em, geral. Assim apesar de estar convencido das boas intenções da Camara de Alverca, apesar de presumir a utilidade das obras para que este Projecto é proposto, eu não posso adopta-lo do modo que se acha, e sem outras informações: pertendo que se adopte uma regra geral, porque a excepção neste caso é um acto de injustiça, porque p é sempre todo o acto, em que se concede a um o mesmo favor que a outro se denega em as mesmas circumstancias. De principios que devemos viver, de regras geraes, não de excepções, que são a regra geral dos Governos arbitrarios.

Voto por tanto que sé peçam as necessarias informações, a fim de que esta Camara possa votar com conhecimento de causa.

O Sr. Tavares de Almeida: — Só me resta dar uma explicação. — Eu não impugnei a utilidade das obras publicas; tinha boas razões para impugnar o emprestimo de que tracta outro Projecto dado para Ordem do dia, visto que parte delle é para fazer uma cadêa, que eu julgo não está a cargo do respectivo Concelho, porque entra nas despezas geraes do Estado; mas nem essa obra hei de impugnar. Toda a questão versa sobre o modo porque isto é feito, sem adequado conhecimento da nossa parte; e o resultado é nada menos do que hypothecar os rendimentos de um Concelho de uma maneira que vai onerar as gerações futuras! Eu não me opponho a que se façam as obras projectadas pela Camara de Alverca; há outra duvida, e é que se os rendimentos ordinarios do Concelho não chegam para essa despeza, como creio que não, segue-se que feito um emprestimo; e applicados para a sua amortisação os rendimentos ordinarios, vem estes a fallar para as despezas correntes, e então maiores fintas hão de ser lançadas por tanto tempo quanto seja preciso para a dita amortisação, e eis como os Vereadores vão gravar as gerações futuras. Disse o Sr. Pereira de Magalhães que actualmente não vigorava neste ponto de administração o systema da Ordenação, porque tinhamos o Codigo Administrativo; sei que o temos; mas tambem sei que as garantias que os povos tinham na Ordenação contra os abusos das Camaras, a respeito das fintas, eram superiores ás que hoje lhes dá o Codigo Administrativo; n'outro tempo nenhuma Camara podia fintar para as despezas do Concelho em mais de quatro mil réis, sem licença do Rei, e agora fintam quanto querem, e ainda não ha muito tempo que em um anno eu paguei para ellas mais dó que a importancia da decima: por isso digo que os povos perderam muito, perdendo o paragrapho da Ordenação (Apoiado). Fallei tambem em que as obras do Concelho deviam ser feitas por arrematação; se a Lei que o determinava já não vigora, digam-me qual é a outra que a revogou. Mas eu creio que ella existe, e é util porque todos sabem quanto são. mais custosas as obras quando feitas por administração das Camaras; e então disse eu que o primeiro passo a dar era pôr a lanços a importancia desta, de que se tracta, e depois sobre o menor lanço pedir a authorisação para o emprestimo; antes disto, como póde a Camara de Alverca saber se 800 mil réis serão de mais ou de menos para limpar o esteiro? É impossivel; porque ainda não tem a verdadeira base para esse calcu-

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lo. Por tanto votar antes que sejam presentes este, e outros esclarecimentos necessarios, é votar sem conhecimento de causa, e eu não sei como se poderá sustentar que uma tal votação seja regular.

O Sr. Barão do Tojal: — Levanto-me para não dar um voto silencioso nesta questão, e direi que felizes os povos, se todas as Camaras tomassem o exemplo desta, promovendo as obras de grande necessidade e importancia para os seus municipios} Em Portugal espera-se que o Governo faça tudo; e como o Governo nem tem meios para acudir ás suas maiores urgencias, o resultado é não se fazer nada.: por tanto a Camara d'Alverca é credora do reconhecimento dos seus constituintes por se prestar a estas obras; e muito fez ella em não apresentar com o seu requerimento uma tabella de barreiras para amortisar esse fundo, que vai tomar d'emprestimo a fim de concluir a obra. O certo é, Sr. Presidente, que os rios, e os esteiros vão-se entulhando de maneira tal, que em poucos annos não haverá navegação inteira: o rio de Sacavem, que ainda não ha muitos annos era optimo e navegavel até Lousos, agora acha-se de modo que só duas vezes tio mez se póde conseguir entrarem alli barcos de maior lote; cargas de fructa tem alli esperado por terem perdido a conjuncção das agoas, e quando podiam passar já estavam arruinadas: ás vezes pipas de vinho ficam alli como embargadas (eu o tenho presenciado) por falta de agoa: e tudo isto porque n'aquelle rio se não fazem algumas obras hydraulicas, obras de tanta importancia e utilidade immensa para segurar o transito dos muitos generos que por alli veiu para a mercado' e porto de Lisboa.

Ao Governo cumpre vigiar a maneira porque essa importancia é empregada pela Camara, a quem se concede a authorisação para o emprestimo; isso não nos pertence a nós: no caso da Camara de Alverca exibir certos direitos para este objecto determinados, ou não, por um numero fixo de annos isso é da competencia das Camaras. Mas em quanto isso não apparece, ao Governo, e não ás Côrtes, é que cumpre tractar destas cousas, elevar a effeito o exacto comprimento da Lei. Pois nós não sabemos que é impossivel que os rendimentos de qualquer municipio possam ser extensivos a todas as necessidades delles? Pelas gazetas Inglezas vejo que as administrações ou emprezas parochiaes das entradas de Inglaterra, apesar dos fortes direitos de barreiras que alli se cobram, estão numa divida accumulada quê sobe a 21 milhões strilinos, somma que em grande parte ha de carregar na posteridade; mas d'ahi provém a grande prosperidade que resulta da facilidade de levar os generos aos mercados com celecidade e diminuta despeza; basta dizer que hoje vai-se de Londres a Liverpool em nove horas: ainda não ha cinco annos que a Camara de Genebra estando eu lá, fez um emprestimo de 5 milhões de francos para obras publicas. Por esta occasião direi que se eu trago aqui muitas vezes exemplos d'Inglaterra, é porque essa nação está á testa da civilisação, das artes uteis, e das sciencias economicas; portanto continuarei sempre a quo tala posto que me considerem anglo-maniaco, porque tomára eu vêr entre nós o mesmo espirito, e que tomassemos aquelle classico paiz, nestas materias, por nosso fiel modêlo, que grande seria o nosso proveito nisso. Por tanto approvo o Parecer da Commissão, e muito desejaria que, assim como a de Alverca, a Camara de Lisboa igualmente, e todas as mais do reino, se apresentassem aqui a impetrar a mesma faculdade a bem geral dos seus municipios; mas em Portugal todos desejam alcançar o optimo, e poucos buscam meios de obter primeiramente o bom: eis o nosso grande defeito!

O Sr. Pereira de Magalhães: — Não me farei cargo de responder a algumas observações que se fizerem sobre a organisação e attribuições das actuaes Camaras Municipaes, porque não é esta a occasião de tractar desse importantissimo objecto. Relativamente a voto de confiança que alguns oradores suppõe que por este projecto se dá á Camara de Alverca, lembro aos illustres Senadores que eu disse, que ao Governo competia fazer os necessarios regulamentos para a sua execução; quando estabeleço esta doutrina não dou um voto de confiança, refiro uma das attribuições do Poder Executivo que ninguem lhe póde negar, porque se, segundo as Leis em vigor, ás Côrtes pertence authorisar as municipalidades para contrahir emprestimos, ao Governo pertence fazer os regulamentos para execução das Leis. Disseram os illustres Senadores que a Camara de Alverca, ou outra qualquer Camara Municipal (porque esta questão tem-se tornado um pouco geral, e os principios estabelecidos servem para todos os casos identicos) poderia fazer o que quizesse do producto deste emprestimo com prejuizo dos povos, porque o Governo não podia fiscalisar a sua applicação ao objecto para que se concede: eu intendo que não é assim. Sr. Presidente, este Projecto se fôr approvado não é remettido á Camara d' Alverca, mas sim ao Governo, e se fôr sanccionado, ha de publicar a Lei e fazer-lhe os necessarios regulamentos, se assim o julgar conveniente á sua boa execução, ordenando nelles, que se não principie a obra, sem se tirar uma planta, exigindo-a a natureza della; que depois se faça um orçamento regular da sua importancia provavel; que se exponha á concorrencia publica afim do obter quem a faça por menos etc. etc. Tudo isto são objectos regulamentares; as attribuições das Côrtes são sómente authorisar as Camaras Municipaes a contrahir os emprestimos para as obras, mas não as mesmas obras; são duas cousas distinctas: se a Lei desse faculdade ás Côrtes para fiscalisar as obras municipaes, nesse caso tornava-se necessario que aqui viessem os documentos e mais esclarecimentos a que alludem os illustres Senadores; mas a Lei, como disse, só dá faculdade para autorizarmos os emprestimos. Ora este, de que se tracta, depois de votado pelas Côrtes, á Camara de Alverca pertence a sua applicação, porque e do seu regimento, e sôbre o modo de o applicar o Governo é que pode entrevir pelos seus regimentos. Quanto á fiscalisação, essa está muito bem acautelada na Lei, e a Camara não póde distrahir o dinheiro deste emprestimo para qualquer outra obra, ha de necessariamente emprega-lo nesta para que foi authorisada; e se lhe der outra applicação, os membros da Camara são responsaveis pelos seus bens. Por tanto nenhum receio póde haver em se votar a authorisação pedida, visto que a Camara de Alverca, como todas as outras Camaras Municipaes, é obrigada a dai contas da sua gerencia, e responsaveis os seus membros se derem ao emprestimo outra applicação que não seja, para limpar a vala, como é expresso no Projecto em discussão.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, eu não pensei que a discussão, sobre este pequeno Projecto de Lei, viesse a ser tão longa, e renhida como tem sido, e todavia reconheço a utilidade de tudo quanto se tem dito. Por parte da Commissão tem-se procurado defender o Parecer que ella emittio com muito boas razões, por que ella propõe-se a sustentar a necessidade daquella obra, e por conseguinte a qualidade dos meios para ser levada a effeito; e os illustres Senadores, que tem impugnado o Parecer da Commissão, nem tem impugnado a necessidade da sobredita obra, nem a dos meios para isso designados; o que tem dito é verdadeiramente sobre o modo como este Projecto de Lei aqui se apresentou; porque, tracta-se de estabelecer os principios legaes e regulares, pelos quaes as cousas se devem fazer no Parlamento: e anda que o Projecto em discussão não seja de muita monta em relação á quantia de que sellada, é todavia de muitissima importancia quanto ao precedente que póde estabelecer (Apoiados). Por tanto julgo que é de absoluta necessidade sobreestar na discussão do Projecto até que cheguem os esclarecimentos necessarios; não porque se duvide da probidade da Camara supplicante; não porque se duvide da utilidade da obra; mas porque é preciso que se estabeleça como regra geral e invariavel, que nós não havemos de conceder a Camara alguma, a faculdade de contrahir emprestimos, sem que se saiba clarissimamente para que elles hão de ser applicados (Apoiados).

O fim principal, por que eu tinha pedido a palavra a V. Ex.ª, foi para dizer que tanto de um como de outro lado se tem discorrido optimamente; e que nem as razões de uns, nem as dos outros podem facilmente ter impugnadas.

Pertendeu-se censurar de alguma sorte o Governo, por não estar o requerimento de que se tracta, instruido com os documentos e informações que devem preceder a discussão e decisão de negocios de tal naturesa; porém eu não sei que haja certeza de que o dito requerimento fosse remettido ás Côrtes paio Governo; e póde muito bem ser que a Camara de Alverca requeresse directamente á Camara dos Srs. Deputados. Entendo pois, que não tem sido com demasiado conhecimento de causa que se tem feito arguições ao Governo, a este respeito. Mas, Sr. Presidente, como eu sou de opinião que se sobreesteja na discussão deste Projecto, seja-me permittida fazer uma pergunta aos illustres Membros da Commissão, a qual me parece não será fóra de proposito. O Artigo diz assim; (leu), Mas eu tenho muita dúvida em approvar esta parte delle, = quaesquer outros rendimentos do municipio = porque isto está a meu vêr em lermos tão vagos, que não sei se a Camara de Alverca entenderá que fica authorisada para lançar fintas ou derramas sobre os seus administrados, e esses não são por certo os meus desejos. Do modo como as Camaras Municipaes, estão hoje organisadas, e com a latitude indefinida que se lhes tem dado para impôr tributos directos e indirectos a seu arbitrio, é necessario, que haja muita prudencia e circunspecção em lhes conceder faculdade para contrahir emprestimos (Apoiados). Não digo sobre o de que se tracta agora, porque este é de uma pequena quantia; mas fallo de outros muitos de sommas, maiores, a respeito dos quaes deve haver muito melindre, para que não aconteça a que já hoje aqui se contou ter acontecido, isto é, de haver contribuintes, que tem pago por imposições lançadas pelas Camaras Municipaes o duplo ou o triplo da quantia, que tem pago de contribuições directas para o Thesouro! Em consequencia, peço a V. Ex.ª que queira consultar a Camara, se deve sobreestar na discussão deste Projecto, até que venham do Governo os esclarecimentos, a fim de se votar com conhecimento de causa.

O Sr. Presidente: — Sobre a Mesa está o requerimento da Camara de Alverca, do qual se vê que ella requereu directamente á Camara dos Srs. Deputados.

O Sr. Miranda: — Pedi a palavra só para dizer, que quando eu fallei do Governo foi em geral; isto é, da Administração do povo.

O Sr. Ministro do Reino: — Estimo bem que sobre a Mesa estejam os papeis relativos a este negocio, porque pensando eu que estariam na Camara dos Srs. Deputados, acabava agora de os mandar pedir. Desses papeis se vê pois, que a Camara de Alverca requereu directamente á Camara dos Srs. Deputados, e que por isso nem o Governo actual, nem o passado tem inculpação alguma por não ter mandado documentos que esclarecessem o negocio. Mas agora sei que ha sobre a Mesa um requerimento de um illustre Senador, para que se sobre esteja na discussão do Projecto até que o Governo formalize, e remetta ao Senado os esclarecimentos que se julgam necessarios Direi, Sr. Presidente, que tudo aquillo que toca a esclarecer uma materia é sempre conveniente, e eu não posso nunca fazer uma opposição directa a taes pedidos; porém seja-me permittido dizer, que Projectos como estes estão todos os dias a passar em todos os Parlamento!; e accrescentarei, que é muito para louvar (como já disse um illustre Senador) que a Camara de Alverca queira fazer esta obra; e seria muito para desejar que outras Camaras seguissem este exemplo (Apoiados). A Camara de Alverca pede o seguinte: (leu). Ou esta obra é só do Concelho, e então á Camara é que pertence faze-la; ou é uma obra de interesse geral e publico, e então era ao Governo a quem pertencia manda-la fazer: mas, Sr. Presidente, todos sabem a falta que o Governo tem de meios, e tambem ninguem ignora a grande difficuldade que ha em Portugal de apparecer quem se queira metter nestas emprezas, o que provêm necessariamente da falta de espirito de associação que ha neste Paiz, ainda que com justiça se deve dizer que elle vai prosperando, o que eu muito desejo. Repito pois que a Camara de Alverca é por isso muito digna de louvor; e em quanto á utilidade da obra, ella é reconhecida, e não póde ser reprovada por differentes razões, não só por que é natural que depois de arranjado o Esteiro se evitam muitos males e inconvenientes, por que hoje alli se passa; como tambem porque da obra resultará interesse para o commercio, e maior salubridade.

Agora em quanto ao que disse um illusttre Senador, de que este Projecto involvia um voto de confiança que se dava ao Governo, direi que aqui não ha voto algum de confiança ao Governo, porque elle não entra nisso de maneira alguma; e Se dá esse voto de confiança, é unicamente á Camara. Sr. Presidente, eu entendo por voto de confiança a liberdade que se dá a quem a não tinha, de obrar como melhor entender sobre uma cousa, para a qual não tinha essa plena liberdade; e haverá aqui essa plena liberdade? Certamente não; porque se designa de quanto o emprestimo ha de ser, para que obra, e o como ha de ser applicado. Já se vê, pois, que neste caso se não da um pleno voto de confiança; e se algum se lhe dá, é só para contractar a obra para menos de 800 mil réis,

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e em ajustar o juro que por esse dinheiro deverá pagar. Julgo pois que não ha inconveniente algum em se deixar á Camara de Alverca a liberdade de contractar esse emprestimo; assim, como se lhe não póde tambem deixar de dar liberdade para ajustar o premio que há de dar por essa quantia emprestada; porque se aqui se marcasse que ella daria, por exemplo, quatro ou cinco por cento, poderia acontecer que a Camara não podesse obter dinheiro, por esse juro, e então já se vê que ella ficaria privada de levar a effeito essa providencia que tinha requerido, e que sê lhe havia concedido (Apoiados). Disse-se tambem, que não se impugnando a utilidade da obra, se impugnava com tudo o Projecto, por não se terem observado os passos que deviam ter-se seguido. Creio que os illustres Senadores, que são desta opinião o que desejavam eram que tivesse sido presente o orçamento da obra; e eu convenho que teria sido melhor que a Camara tivesse satisfeito a este requisito: mas, pergunto eu, ainda que ella o tivesse feito, poder-se-ía só por se vêr aqui o programam, julgar se elle era o mais conveniente ou o mais apropriado? Não era possivel, e só se poderia ter esse verdadeiro conhecimento, mandando-se peritos a examina-lo; mas isto, supponho eu, que ainda que venham os esclarecimentos, a Camara o não quererá fazer; e não o querendo fazer, reduz-se então a questão a deferir á Camara como ella pede. Digo por tanto que este Senado ha de acreditar no programara que a Camara de Alverca lhe enviar para a factura dessa obra, parece-me que concedendo-se-lhe a authorisação vem a ser a mesma cousa, porque a Camara ha de delinear essa obra da mesma maneira que a teria delineado se tivesse mandado o programma della. Tambem se disse que devia exigir-se o orçamento em que a obra importará; mas uma vez que a authorisação que se lhe dá é só para 800 mil réis, está claro que ella a não póde exceder; e então não vejo eu essa grande necessidade de se sobre estar na discussão do Projecto por falta de orçamento. Além de que, todos nós sabemos que as Camaras Municipaes têem obrigação de dar contas dos rendimentos que administraram, e do como o despenderam, e por essas contas é que se ha de conhecer da sua boa ou má administração; e estas contas tanto lhes hão de ser tomadas apresentando ellas o orçamento, como não.

Por isso me parece que não ha inconveniente algum em que se approve o Projecto, independentemente do orçamento, nem mesmo vejo que as informações que se pedem, possam influir para se approvar, ou rejeitar o mesmo Projecto. No entretanto se a Camara entender que ellas são necessarias, virão; porém eu peço ao Senado que attenda a que nós estamos em Maio, estação propria para: se fazerem taes obras, e que em virem os esclarecimentos haverá alguma demora, resultando daqui o não poder passar o Projecto nesta Sessão, nem o fazer-se a obra este verão (Apoiados.).

O Sr. Trigueiros: — A materia está bastante esclarecida, e pouco mais se poderá dizer sobre ella; mas eu pedi a palavra só para rectificar algumas razões e palavras, que ouvi ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

Em primeiro logar direi, que não ouvi ainda a nenhum orador deixar de reconhecer a utilidade desta obra; mas apezar disto é sempre por este lado que se começam os argumentos! Ninguem, Sr. Presidente, nega a utilidade della, todos a reconhecem; e por isso bastaria só lançar os olhos sobre o Projecto de Lei. Tracta-se de abrir uma valla; tracta-se de dar communicação a uma terra fertil, de dar vida ao commercio facilitando as permutações variadas delle, e está assim verificada a utilidade, como todos os oradores do lado opposto têem querido provar. Quem estabeleceu a questão foi o Sr. Luiz José Ribeiro: não se tracta da utilidade, este é o principio geral que todos reconhecem, e ninguem nega. O Sr. Ministro dos Negocios do Reino querendo demonstrar a necessidade de se votar esta Lei, começou por dizer que esta obra além de ser de uma utilidade publica, era feita com muito louvor da Camara, á custa della; aqui está a primeira cousa que o Sr. Ministro me concedera dizer-lhe que não é exacta; a obra não é, feita, a custa da Camara, mas á custa de todos os Cidadãos pertencentes, áquelle Municipio, porque não só se hypothecam os foros pertencentes a este, mas outros tributos; logo é feita a custa de todos; não é necessario meditar muito em fazer esta consideração.

Disse mais o Sr. Ministro que o Governo não tinha meios para fazer esta obra; porém, Sr. Presidente, não foi isto o que se pertendia deste lado; reconhece-se que toda a obra de utilidade publica, incumbe, ao Governo, primeiro que ninguem, faze-la; mas daqui não se exigiu isto; duas são as razões sobre que ha de assentar a resolução desta Camara. Um orador do lado opposto disse que fazia muita differença o votar o imposto para as obras, do que fiscalisar essas obras; disse que esta Camara tinha o direito de votar o imposto, mas que nada lhe cabia sobre a fiscalização. Nisto não convenho eu por que então não haveria direito mais illusorio do que este, se esta Camara não tivesse direito de fiscalisar. Pois nós temos direito de votar um emprestimo, e não temos direito de fiscalisar se a applicação dada a essa somma é justa? Eu acho que o direito devotar involve o conhecimento, e o motivo da votação, e é isto que eu entendo aqui por fiscalisar isto é, dentro desta sala no acto, pelo direito de authorisar o emprestimo. Disse o Sr. Ministro que aqui senão dava um voto de confiança á Camara, nem ao Governo; que aqui se lhe determinava uma conta certa, e que por tanto senão dá um voto de confiança; isto entendo eu quanto ao Governo, e estou Com o Sr. Ministro: mesmo relativamente á Camara se o Governo lhe fizesse os precisos regulamentos; mas nesta parte o Sr. Ministro callou-se, e então é porque elle reconhece que não tem direito de se intrometter no negocio: eu vejo que no Projecto se vota uma quantia certa e determinada, isto é $ até á quantia de 800$ rs.: muito bem. E qual é o de nós que tem a esperança de que a Camara por um sábio arbitrio venha a pedir menos emprestado? Este vago é que eu não quero deixar; se ella póde contrahir até esta quantia, é verdade que se presume a possibilidade de que contraída menos, porque a obra ha de levar menos, esse menos é que eu quero saber, e ainda ninguém me provou que era impossivel saber o quanto. Diste tambem, o Sr. Ministro, que não vê utilidade, de sobre-estar na discussão do Projecto, porque tudo quanto vier da Camara será o mesmo que já veio, e se se mandar fazer o programma da obra a Camara não dirá outra cousa, e terá tanta fé como o requerimento que ella fez. Isto é o que eu nego, Sr. Presidente, porque nós não iríamos pedir á Camara mesmo esse orçamento, haviamos de pedi-lo a outra authoridade, que não fôsse ella; e então esse orçamento teria toda aquella fé que se deve attribuir a qualquer authoridade constituida. A Camara pede até 800$ réis, o Administrador Geral manda proceder a um exame da obra, e diz que poderão bastar 400. Qual será a razão porque esta Camara não dê inteiro credito ao Administrador Geral? É uma Authoridade em que o Governo deve acreditar, e acho que não está no mesmo gráo de credito da Camara, a qual neste caso é juiz, e parte. Demais, forçoso é dize-lo, sem que eu queira que estas minhas expressões se entendam com a Camara d'Alverca, porque quando se estabelecem as regras ninguem se póde queixar, nem eu quero, lançar um ferrete sobre esta, ou outra Camara; porém quero dizer, que muita circumspecção é necessaria sobre as obras municipaes, e a authorisação para ellas. Quantas Municipalidades emprehendem obras de utilidade particular? Outras vezes que não lêem a utilidade que apresentam; e nas mesmas em que ha utilidade é innegavel, ainda póde haver um excesso de despeza que se deve evitar. Não se póde argumentar com a confiança que as Camaras merecem por serem electivas: isto está destruido na presença dos factos, a Urna não é entre nós tão pura, que, se possa appellar para ella confiadamente.

Por tanto, Sr. Presidente, eu não posso em sã consciencia votar os 800 mil réis para a obra da valla, sem que se faça um orçamento, sem que se ponha a lanços esta obra. Disse o illustre relator da Commissão que ella se não podia pôr a lanços, porque este é um facto piara depois da votação da quantia; eu digo que não, porque esse é o orçamento mais exacto; e quando eu fallo de lanços, não fallo de arrematações, são cousas muito differentes, e nada se póde produzir com razão para obstar a que a Camara de Alverca mande pôr a lanços esta obra, para depois obter os meios, e que traga a esta Camara o menor lanço; eu tenho visto praticar isto muita vez; nada perde o que vai dar o seu lanço; e aqui está o verdadeiro orçamento. Por tanto, Sr. Presidente, repto que não posso votar sem conhecimento de causa, e não posso ter conhecimento da quantia necessaria, sem que tenha razão para conhecer que se não póde gastar mais ou menos, porque é tambem possivel; assim como é possivel que se gaste menos, é tambem possivel que se exija mais, e deste modo ficará a obra inutilisada por ser precisa maior quantia para ella.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - O illustre Senador, que acaba de assentar-se, apresentou novas reflexões em contrario ás que eu tinha exposto, para mostrar que se deve sobre-estar ha discussão do Projecto até que venham os esclarecimentos. Uma consideração, com a qual elle se magoou muito, foi a de entender que os que apoiavam o Projecto não fallavam senão da sua utilidade como se os que o impugnam estivessem em opinião contraria. Permitta-me o nobre Senador que lhe observe: que aquelles que eu ouvi fallar, não tractaram sómente da utilidade, nem duvidaram de que os outros illustres Senadores a reconheciam. Digo isto para que a força da sua mágoa diminua; mas o que é certo é que aquelles que tractam de sustentar o Projecto, não podiam deixar de fallar da sua utilidade; porém não se limitaram só a isto, mostraram mesmo que elle podia ser votado independentemente dos esclarecimentos pela outra parte solicitados. Disse mais, que a Camara não era authorisada a contrahir o emprestimo, porque pesava sobre todos os individuos do municipio. Sem dúvida; o que é que constituem as rendas desta Camara além dos fóros, que são pagos pelos povos do Concelho (que tambem, o podem ser por outros de fóra, ainda que em geral sejam pelos habitantes do municipio)? Sabemos que são todos os impostos directos e indirectos que a Camara Municipal lançar. Em consequencia certo é que este emprestimo vai pesar sobre os habitantes do municipio de Alverca mas é de suppôr que os juros deste emprestimo pesem sómente sobre os fóros, e não sobre impostos porque para esses escusava a Camara vir pedir authorisação, pois lá a tem, segundo a Lei, de poder fintar os habitantes do seu municipio, e então escusado era vir pedir uma authorisação que já tinha. O que ella não póde fazer é contrahir emprestimos. Disse mais o illustre Senador, que não podia negar-se a esta Camara o direito de examinar se o emprestimo era conveniente. Isto tambem me parece que ninguem lhe contestou; o que se lhe questiona, e o que certamente ella não póde pertender, é ingerir-se na factura da obra; o mais creio que ninguem lhe disputou, nem disputa: eu sou o primeiro que lho não questiono, e até digo que ella faria mal se não entrasse nesta indagação.

Accrescentou ainda o illustre Senador que eu tinha dito que pela approvação do Projecto, se não concedia voto de confiança á Camara de Alverca. Peço licença para rectificar o que avancei sobre este ponto. Eu defini o que me parecia ser um voto de confiança, e disse que o não havia plenamente neste caso, por isso que se determinava o maximo da quantia do emprestimo, e se fixava a sua applicação; mas acrescentei, que comtudo havia tal ou qual voto de confiança era quanto se permitte que a Municipalidade, dos 800 mil reis para baixo, tome de emprestimo a quantia que julgar sufficiente para a obra intentada, e em quanto se não fixava tambem o juro, que pelo mesmo emprestimo deveria pagar. Uma vez que intendi que nisto havia certa confiança, é claro que eu não excluia absolutamente o voto della; mas, se bem me lembro, accrescentei igualmente que esta confiança (relativa á quantia, e ao juro) não podia deixar de se lhe dar, porque não estava ainda calculado quanto se havia de gastar na obra; e se a Camara de Alverca não achasse quem lhe emprestasse o dinheiro com tal ou tal juro, inutil ficava a authorisação. Vê-se por tanto que o illustre Senador não teve toda a exactidão em quanto disse, que eu sustentára que neste caso se não dava voto de confiança. Disse elle mais; que o Governo não tinha declarado que faria o regulamento necessario para a execução desta Lei. Eu não disse nada sobre este ponto, talvez porque não me occorreu; mas não tenho dúvida em o fazer agora. A obra projectada ou é publica, ou municipal; se é municipal, nada tenho com ella, se é pública, tenho tudo, e hei de fazer os necessarios regulamentos. Examinemos a qual das duas classes pertence. Em quanto se tracta de limpar o Esteiro, é uma obra municipal; mas quando se tracta de o tornar navegavel, claramente é uma obra pública, e o Governo há de fazer o seu dever no que toca a regula-la.

O illustre Senador a quem respondo, tam-

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bem me ha de permittir lembrar-lhe, que eu declarei que não me oppunha a que se sobreestivesse nesta discussão até que se obtivessem os esclarecimentos; porque tudo que concorre a duvidar qualquer materia, o tenho por conveniente; mas que no caso presente não julgava os esclarecimentos de primeira importancia, e que depois delles virem talvez se não ficasse mais esclarecido. Referiu ainda o illustre Senador que eu dissera que nada faria o orçamento da obra, porque como naturalmente se não mandaria inspeccionar, por esse motivo tinha de se acreditar no que a Camara de Alverca apresentasse, e que, tendo de se acreditar, melhor seria antes, do que depois. Eu não disse que se devia jurar, nas palavras daquella Camara; e o illustre Senador intende que essa indagação podia ser commettida ao Administrador Geral. Mas, Sr. Presidente, quem assevera ao illustre Senador que a Camara de Alverca queira fazer esta obra por um orçamento, que não tinha apresentado? E quem se ha de querer sujeitar, não tendo obrigação rigorosa de fazer uma obra, a faze-la, não segundo intende, mas segundo o que outrem julgar mais, util? Isso creio que até aqui se não fez, e não sei se agora se principiará a fazer. Em geral o que acontece em toda a parte onde se fazem obras ou desta maneira, ou por empresa, é que quem se encarrega d'ellas, encarrega-se tambem do seu programma, e o Corpo Legislativo a quem se pede a authorisação, é que em virtude disso póde approvar ou rejeitar, mas não mandar fazer outro para obrigar essa pessoa moral ou physica a effectuar a obra por um programma feito por outra pessoa. - Não me parece que tenha mais cousa, alguma a que responder, e por tanto concluo, como já conclui a Camara fará aquillo que intender: se julgar que os esclarecimentos são necessarios poderá pedi-los, mas nesse caso a obra ficará para o anno que vem.

O Sr. Aguilar: — Parece-me que a continuação desta discussão vai contra uma decisão tomada nesta Camara ainda ha poucos dias: por ocasião de se tractar de conceder certo terreno para a construcção de um theatro, se bem me lembro o Sr. Magalhães propoz senão discutisse qualquer Projecto de Lei, que viesse de outra Camara, sem que viessem todos os esclarecimentos, e creio que assim se resolveu; Por consequencia seria o meu voto que se estabeleça a questão preliminar do Sr. Miranda, para saber se havemos de sobreestar na discussão do Projecto de Lei até chegarem os documentos da Camara de Alverca: pedia a V. Ex.ª pozesse isto á discussão.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, esquecia-me ainda accrescentar uma cousa em resposta ao meu illustre amigo; o Sr. Trigueiros, e vem a ser sobre a conveniencia de pôr a obra a lanços. Contra essa opinião jamais me pronunciarei; mas, como aqui senão fixa uma quantia certa, é de suppôr que a Camara de Alverca não principie a obra sem primeiro a pôr a lanços para vêr quem lha faz por menos. Aquillo que eu não julgo indispensavel, nem mesmo necessario, é que a arrematação da obra em hasta publica prenda a authorisação do Corpo Legislativo; mas que deva preceder á contracção do emprestimo para a Camara vêr a quantia de que precisa, convenho. Ha ainda uma razão para que a arrematação seja depois de ter passado a Lei. Depois de passar a Lei, sabendo se já que a Camara está authorisada a contrahir um emprestimo, ha de haver mais quem concorra á praça, e por conseguinte a obra poderá ser arrematada por menos; em quanto que na dúvida se se lhe concederá ou não a authorisação, a concorrencia seria provavelmente menor. Julgo por tanto que é conveniente que a importancia da obra vá a lanços, mas não acho conveniencia em que isso tenha logar antes de passar a Lei.

O Sr. Pereira de Magalhães: — É verdade que eu fiz um requerimento a esta Camara para se convidar a dos Deputados a que, com os competentes Projectos de Lei, enviasse todos os esclarecimentos a elles relativos, e que outro tanto fariamos nós: este requerimento foi approvado, e remettido áquella Camara, a qual depois de ouvir a sua Commissão do regimento interno conveiu nelle; isto foi cumprido quanto ao Projecto em discussão, pois que annexo a elle está a representação da Camara de Alverca que é o unico documento em que se funda este Projecto.

(Leu-se a mencionada representação, assim como o requerimento do Sr. Miranda.)

O Sr. Miranda: — As informações que se pedem são muito diminutas: não é só quanto ás obras, mas tambem quanto á extensão dos meios, e á natureza das hypothecas, que se precisam os conhecimentos indispensaveis: diz o paragrapho unico do Artigo do Projecto: (leu). Mas nós não sabemos se a Camara de Alverca tem fóros, ou outros rendimentos, que possam applicar-se para as obras que a Camara pertende fazer sem prejuizo do Concelho, ainda mesmo quando as obras fôssem tão uteis e tambem entendidas, como devem ser, o que todavia não sabemos, por falta de documentos. Tudo quanto se tem dito são generalidades muito vagas. Não digo que se exijam informações nimiamente circumstanciadas e rigorosas, mas taes que possamos votar com conhecimento de causa. Eis o que eu peço, e nisto, creio eu, não sou muito exigente.

O Sr. Vellez Caldeira: — As informações que pedem os Srs. Senadores, são as mais genericas: querem saber da utilidade da obra, a sua hypotheca e juros. Quanto á necessidade desta, todos estão conformes, entretanto eu sempre direi o que sei a este respeito por conhecimento particular, pois que o primeiro logar de lettras que tive a honra de servir foi na Comarca de Ribatejo, que pertencia á Villa de Alverca. A Villa de Alverca está situada a quasi quatro legoas de Lisboa, na estrada real de Villa Franca; a sua communicação com o Téjo faz-se por um esteiro; este esteiro de ha muitos menos se acha quasi entulhado, torna-se por tanto necessaria a sua limpeza para a communicação, e mesmo para a salubridade da Villa, porque depositadas alli as agoas, isso torna a terra muito doentia, como são quasi todas as da borda d'agua; e nesta obra interessa não só Alverca, mas tambem as outras povoações, que communicam com ella; é por tanto a obra de reconhecida utilidade e necessidade. Eu estou pela regra geral de que obra alguma se devia authorisar sem se saber com exactidão tudo que lhe respeita; quanto poderá importar, quaes são as hypothecas, etc. mas para seguir agora este methodo, era necessario que se tivesse estabelecido essa regra para todos, e que esta Camara não tivesse authorisado o emprestimo de grandes sommas sem mais conhecimentos dos que vejo tem agora, e mesmo sem tantos. - Por isto não quero dizer que se fez mal; a Camara assim é decidiu, por consequencia está bem feito. Em quanto ao custo da obra em questão, estou persuadido que nenhum resultado haverá de quaesquer informações, porque de certo a vestoria que se fizer, persuado-me quedará a avaliação dos 800 mil réis. Quanto á hypotheca, acha-se já declarado que são os fóros da Camara; mas se o Municipio não tiver taes fóros, é claro que de nada servirá a authorisação: pela palavra rendimentos, que se acha na representação, conhece-se que a Camara de Alverca para esta obra não tem em vista, novas imposições, mas sim a renda constante que recebe todos os annos aquelle Municipio; por tanto sabe-se o que se quer hypothecar. Quanto ao juro, como é de Lei que sejam 5 por cento ao anno, e 6, em objectos commerciaes, tambem não se precisa de informações a este respeito. E sem dúvida que pôr-se a obra em praça não póde ser feito com utilidade senão depois de concedida a authorisação para o emprestimo, porque ninguem ha de querer contractar com a Camara sem saber se ella tem meios para pagar a obra. Ponderou-se um inconveniente muito bem fundado, que é o estado avançado do anno; neste estado toda a demora é prejudicial á obra, por quanto se se pedirem os esclarecimentos, como não é cousa que se faça n'um mez, visto que para o fazer com regularidade, é preciso que vá um Engenheiro, que levante a planta, em fim que tenham logar todas as cousas necessarias para aquelle fim; quando chegarem as informações está passada a estação, e a Camara de Alverca fica sem porto para utilidade da Villa, assim como para a salubridade della. Por tanto approvo o Parecer da Commissão.

O Sr. Trigueiros: — Foi muito de proposito que na minha resposta ao meu nobre amigo, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, eu toquei na falta de esclarecimentos que S. Ex.ª tivesse a respeito dos regulamentos que o Governo deve fazer sobre a obra em questão uma vez que a Camara adoptasse o Projecto em discussão. Mas, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, a segunda vez que fallou, fez distincção entre ser a obra municipal, ou publica; porém eu responderei, que a obra é sempre municipal, e o será logo desde o momento em que nós votarmos os 800 mil réis pagos pelo Municipio; e em consequencia cahe o argumento do Sr. Pereira de Magalhães, porque o Governo não ha de fazer um regulamento para este fim, e mesmo não o póde fazer. Disse o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que nenhuma Camara Municipal se quereria sujeitar a fazer uma obra, cujo programma lhe fosse imposto pelo Administrador Geral, ou qualquer outra authoridade, a quem o Governo o mandasse fazer. Mas, Sr. Presidente, eu não pertendo que se faça um programma, do qual não seja licito separar-se, o que eu quero é que se obtenha um informe, que sirva de base ou de esclarecimento á votação desta Camara; porque do contrario seria barbaro que se pertendesse que nós vamos aos fins negando-se-nos os meios e querer que esta Camara estabeleça, um precedente tal, é a cousa mais extraordinaria que póde dar-se; por quanto, por parte da Camara de Alverca, não se apresentam, esclarecimentos alguns, no entretanto diz-se, que se lhe dêm para alli os 800 mil réis! Disse o Sr. Vellez Caldeira, que se hoje se mandasse proceder ao orçamento da obra, elle daria por força 800 mil réis; porém eu tenho o sentimento de que S. Ex.ª não esteja agora presente, para me explicar o como adevinhou que o orçamento ha de ser desses 800 mil réis; porque eu não sei se será essa quantia, ou uma menor, ou maior. — Em quanto porém ao argumento, de que; ninguem; quererá contractar com a Camara de Alverca sem primeiro saber se a Camara tem os meios para fazer essa obra; direi, que posta a obra em praça, aquelles que quizeram lançar nella o farão de maneira que sejam pagos depois do preço porque a tomarem, e cousa differente é receber lanços, ou fazer arrematações. Desengane-se o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que é muito possivel, e facil o que eu digo; porque d'aqui não se segue inconveniente algum: nem eu sei que a Camara Municipal faça, grandes despezas, nem perca muito tempo em pôr esta obra na praça, e em receber os preços, que se apresentarem por ella; isto é o que sempre se fez; isto é o que ainda hoje se faz em qualquer obra publica. Sr. Presidente, a quantia é muito pequena para entreter uma Sessão desta Camara, e não é tanto pela quantia que eu desejo ser esclarecido para votar com conhecimento de causa sobre este Projecto mas sim pelo precedente, que se vai estabelecer o qual nada honraria a sizudeza de que esta Camara é dotada, e iria destruir a boa idéa que o publico faz de nós. É esta mais uma razão para que o Projecto não deva passar, sem chegarem as peças justificativas delle.

Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Eu não posso ainda deixar de fazer algumas reflexões, sobre as que acaba de produzir o Sr. Trigueiros; porque tendo o illustre Senador reconhecido já a utilidade da obra, agora a nega.....

O Sr. Trigueiros: — Eu reconheço a utilidade, mas o que quero é saber se ella é ou não necessaria: se porém se entendeu o contrario disto, eu retiro a expressão de que usei.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, a illustre Commissão extractou no relatorio, que precede o seu Parecer, os fundamentos que a Camara Municipal de Alverca tinha apresentado no requerimento, em que pede a authorisação para o emprestimo; mas a mesma illustre Commissão não me levará a mal que eu observe algumas expressões, que vem no requerimento, e que se não acham no relatorio do parecer. Depois do requerimento mostrar a necessidade da obra, e as vantagens, que della resultarão, como é, por exemplo, a maior facilidade para o commercio, e outras; diz mais o seguinte: (leu). Eis-aqui mostrado pois, que a Camara Municipal já procedeu á vestoria com homens entendidos e peritos. Quando eu ha pouco disse, que provavelmente a Camara de Alverca não quereria hypothecar ao pagamento dos juros, senão os fóros, não tinha eu então tanta razão, como agora tenho, á vista de que diz o requerimento, e que é o seguinte: (leu). Conseguintemente vê-se, que está aqui a maior parte dos esclarecimentos, e que estão observadas as principaes solemnidades, que os illustres Senadores requerem para poder votar com conhecimento de causa; e por isso dizendo a verdade, o que falta, é muito pouco, ou nada.

O Sr. Barão de Villar Torpim: — Parece-me, Sr. Presidente, que a materia está suffi-

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cientemente discutida; e por isso eu peço a V. Ex.ª que consulte a Camara a este respeito.

O Sr. Pereira de Magalhães - Este negocio tem-se complicada muito, e toda a questão se reduz a saber-se, se o orçamento deve ser apresentado antes de se pedir a authorisação para o emprestimo, se depois de obtida esta authorisação: porém a isto, Sr. Presidente, responde-se com o que diz o Codigo Administrativo, e que é o seguinte: (leu). Logo a authorisação das Camaras Legislativas deve preceder, a tudo quanto querem os illustres Senadores; porque a primeira cousa que o Codigo manda fazer, e pedir authorisação (Apoiados). Disse um illustre Senador que era necessario haver todo o escrupulo em fazer taes concessões ás Camaras; por isso que o municipio póde ser prejudicado: porém isto mesmo está providenciado pelo Codigo, porque elle manda que ás Camaras prestem contas da sua administração: além de que, por elle se dá tambem o recurso para o Conselho de Districto, de qualquer agravo por ellas praticado, Não sei pois o que mais se queira; mas o que eu vejo é a mesma tendencia que ha sempre em todos os poderes politicos, para invadirem as attribuições reciprocamente, pois que, parece que os illustres Senadores que pedem estes esclarecimentos querem mais governar do que legislar; porque querem que se pessam esclarecimentos sobre o custo da obra, o orçamento, e até qual o juro que se ha de pagar pelo emprestimo: mas como se ha de satisfazer a estes desejos, se a obra ainda não está feita se o emprestimo ainda não está contrahido? Agora se a Camara Municipal tivesse feito a obra e viesse depois aqui pedir a authorisação, sem dizer quanto ella custou, então tinham razão os illustres Senadores em querer que fôssem presentes as contas da obra; porem nem isto mesmo pertencia a esta Camara, porque é attribuição do Conselho de Districto tomar contas ás Camaras. Outros illustres Senadores querem que se arrematasse a obra, ou pozesse a lanços que é a mesma cousa: mas permittam elles que eu lhes diga que isso não é possivel; porque no Codigo está marcado todo o processo que em casos taes deve seguir-se, e este processo, que principia por pedir a authorisação para emprestimo, foi observado pela Camara representante. Concluirei respondendo ao illustre Senador, que trouxe o argumento do que eu aqui ponderei, quando se tractou da concessão de um terreno para edeficar o theatro; mas não ha analogia nenhuma entre esse facto, e o objecto em discussão; porque o que eu queria era só, que se declarasse na Lei quem eram as pessoas a quem se fazia essa concessão, e por nenhuns outros esclarecimentos propugnei.

O Sr. Miranda: - Eu não fallo no meu requerimento em orçamento, nem em outras muitas particularidades que aqui se tem apontado; mas o que eu digo, e que sustento é, que este Senado não póde resolver o negocio em questão, sem ter um perfeito Conhecimento de causa. Sr. Presidente, o que se chama authorisar! É dar esta Camara o voto, ou a faculdade para neste caso sé contrahir um emprestimo. E quem pede (ou quaes são as circumstancias que podem) impôr a um Membro desta Camara a obrigação de votar, em um objecto tal, sem perfeito conhecimento dos fins e meios? Não é possivel admittir-se, que a um Membro de um Corpo Legislativo possa impor-se a obrigação de votarem um assumpto, qualquer que elle seja, sem conhecimento de causa; porque assim se iria de encontro ao primeiro dos seus deveres, e logica, e moralmente faltando á sua consciencia (Apoiados). Ouvi porem a um illustre Senador que nisto descobria uma certa tendencia a fazer opposição. Eu não sei, Sr. Presidente, a que o illustre Senador se quiz referir; mas, pelo que me pertence, direi, que os principios que sustento são os principios da ordem, e da boa administração, e que uma excepção não póde admittir-se, sem que seja justificada com razões extraordinarias, as quaes ainda que litteralmente contrarias, sejam conformes ao espirito dos principios geraes, o que todavia não tem feito o illustre Senador.

Não posso, por esta occasião, deixar de manifestar a minha admiração, por querer o Sr. Ministro do Reino contestar um principio que todos reconhecem, isto é, o da necessidade de exigir os esclarecimentos necessarios sobre uma materia qualquer antes de sua decisão. Sendo esta, como é, a regra ordinaria, pratica, e, quando se quer tão escrupulosamente observada, que até chega a ser abusiva em seu excesso, e tambem se admita que S. Ex.ª argumentasse contra a necessidade das informações, com o motivo da falta de tempo para have-las esta Camara. A questão, Sr. Presidente, chegou aos termos de não poder esta Camara votar pela violação de um principio geral. Sr. Presidente, se não houvesse outra Camara senão a d'Alverca, eu votaria por este pedido, e talvez cederia os desejos que tenho de assim o fazer, mas ha, e ha de haver muitos outros requerimentos em iguaes e identicas circunstancias, e o que eu não quero é que o modo por que esta questão se decidiria sem as previas informações, sirva de aresto para os pedidos de outras Camaras em iguaes circumstancias, para fins semelhantes, e pela mesma fórma. Sr. Presidente, o que se exige é um verdadeiro voto de confiança; embora o Sr. Ministro do Reino diga, que é de meia confiança, que eu não sei o que são confiança funccionarias. Sr. Presidente, factos ha de administração publica, pelos quaes seguramente as Camaras Legislativas podem tornar-se responsaveis para com o publico: esta responsabilidade moral não quero eu que pese sobre esta Camara, e por isso tenho sustentado um principio, sem o qual a boa administração dos povos, e toda a boa administração, seria impossivel.

O Sr. Aguillar: — Entre o que eu disse, e o que disse o Sr. Pereira de Magalhães, creio que ha toda a analogia; eu lembrei o requerimento que o dito Sr. fez por aquella occasião, e este Projecto que veio da Camara dos Deputados vem unicamente acompanhado de um, requerimento da Camara d'Alverca; é por isso que eu pedi se pozesse á votação o requerimento do Sr. Miranda.

O Sr. L. J. Ribeiro: — A questão mudou para mim inteiramente de face; e perdôem-me os illustres Membros da Commissão se acaso parecer que eu lhes faço alguma increpação. Desde que S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino leu o requerimento da Camara de Alverca, e por elle se conheceu que a dita Camara havia procedido a todas as averiguações e diligencias do estillo, ficou para mim acabada a questão de suspensão ou adiamento: eu declaro que faço toda a diligencia por votar segundo a minha consciencia, e para dar mais uma prova da minha boa fé, nenhuma duvida tenho em mudar de opinião, quando vejo razões que me convencem, porque Os povos autorizaram-me para decidir o que fôr mais util á nação, e não para sustentar caprichos; devendo declarar que o que faço agora faria no principio da discussão se o Sr. Relator da Commissão tivesse informado a Camara da maneira por que o acaba de fazer o Sr. Ministro, visto que esses esclarecimentos acabam de ser repetidos a esta Camara, por se acharem exarados no requerimento da Camara recorrente. Em taes termos voto agora pelo Parecer da Commissão (Apoiado).

O Sr. Miranda: — Seria bom lêr essa informação, porque o illustre Senador alludio a uma, e eu desejaria que o Sr. Secretario a lêsse.

O Sr. Presidente: — É o requerimento.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — O illustre Senador por Bragança argúe-me de eu vir aqui apresentar o principio de se votar sem se observarem os principios. Eu peço licença á Camara para observar ao illustre Senador, que sou tão zeloso na observancia dos principios como qualquer Senador, e disto tenho dado provas, e espero continuar a da-las. Já mais eu quiz que se prostergassem os principios, constantemente tenho pugnado pela observancia delles, e não viria agora aqui sustentar outra cousa. E quaes são os principios? Já os disse o Sr. Magalhães, e eu vou novamente lê-los, porque estão consignados nos Codigos. E estão elles estabelecidos para o caso presente? Estão, sim senhor. Diz o Codigo Administrativo (leu), logo a authorisação das Côrtes deve preceder á estes contractos; logo a observancia dos principios é conceder a authorisação antes de tudo o mais. Por consequencia, quando expuz as minhas reflexões sem me oppôr aos esclarecimentos, pugnei pelos principios consignados em lei escripta, e sem serem formalisados á vontade de qualquer. Não sei que mais o illustre Senador disse em referencia a mim, e a que eu desejava responder.

O Sr. Tavares de Almeida: - Quando eu principiei esta questão a minha mente tambem era estabelecer um principio geral, que nos servisse de norma para outros casos analogos; estabelecer a regra de que estes negocios sejam bem instruídos para nelles recahir a nossa reflexão: ainda ninguem disse que o -empréstimo devia preceder á auctorisação que se pede, o que se diz e que deve preceder o necessario conhecimento; eu não entro ha questão só como questão d'Alverca, mas como questão de principios: o caso por tanto vem a ser — se se hão de votar objectos semelhantes sem conhecimento de causa. E qual é o que se nos dá? É um simples requerimento, que, seja em muitas ou poucas palavras, é sempre a mesma Camara que o diz, e isso nem são documentos, nem são provas, e por se tornar a lêr, nem fico mais certo, nem mudo de opinião. Eu não hei de votar por tudo o que nos disser qualquer Camara; desejava por tanto que o Governo me informasse. O conhecimento especial que alguem tem não tenho eu, nem o terão outros. Tambem se argumenta com uma resolução passada a favor a Camara do Porto, e se reproduzem as razões de ser precisa; mas o que se decidiu, ou bem, ou mal, que eu não quero censurar se se decidiu sem conhecimento ou informação, não póde agora servir de argumento. Passo por tanto que se encare a questão por este lado sómente, se nós havemos decidir todas estas pertenções sem virem as informações necessarias, ou se havemos decidir por simples requerimentos.

O Sr. Conde de Vi lia Real: — Sr. Presidente, leu-se um artigo do Codigo Administrativo, que diz que para as Camaras contractarem emprestimos devem ter authorisação das Côrtes: este artigo. É muito importante, e muito necessario; é fundado em razão e em justiça, porque o Corpo Legislativo tem obrigação de zelar a bolça dos povos, e como é o povo que a final vem a contribuir para todas as despezas, nós é que devemos vigiar que aquelles que adiantam o seu dinheiro para utilidade do municipio o façam com segurança, e com o menor gravame possivel para os povos. Neste caso está certamente a representação da Camara Municipal, e é muito mais explicita do que o Parecer da Commissão; porque a Camara Municipal diz que mandou proceder a um orçamento da despeza da obra. Quanto á sua utilidade, a informação do illustre Senador o Sr. Vellez Caldeira não deixa nada a desejar, mostrando que é uma obra necessaria, e independente de qualquer outra que haja de se fazer. Mas a representação diz que a Camara Municipal tem em fóros 1:200$ reis, e que applica ao emprestimo tambem os rendimentos do municipio. Todos os Srs. que tem fallado neste ponto tem dito que os rendimentos das Camaras Municipaes têem uma applicação certa ora como é que para esta obra, avaliada em: 800$ réis, existindo um rendimento de 1:200$ réis, se lhe queiram hypothecar todos os outros rendimentos do municipio? Ora se os rendimentos têem uma applicação certa, podem vir a faltar para essas outras despezas se se empenham a este emprestimo. Queria fazer estas observações para explicar o meu voto, concordando aliàs em todos os principios que expenderam os meus illustres Collegas.

O Sr. Pereira de Magalhães: — A Commissão tem sido de alguma fórma increpada por não ser tão explicita no seu relatorio como é a representação da Camara: no relatorio está tudo; se querem o orçamento aqui está = 800 réis; e se querem hypotheca = ahi estão os rendimentos do municipio, ou os fóros; se querem saber o destino que se pertende dar ao emprestimo, aqui diz = é a limpeza da Valla; se querem a discripção de cada uma destas cousas = está alli na Petição (Uma voz do centro: — Não é nada disso). Agora direi ao Sr. Conde de Villa Real que a Camara não quer hypothecar conjunctamente os fóros e os rendimentos do municipio; quer hypothecar ou uma ou outra cousa, e esta faculdade e muito bem entendida para com maior facilidade achar mutantes.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Pedi a palavra para dar uma explicação ao Sr. Conde de Villa Real: diz elle, e reflectiu bem, que tendo a Camara um conto e duzentos mil reis de fóros, e sendo a authorisação para oitocentos mil réis, desnecessaria lhes era porque tinha mais do que precisava. Com tudo permitta-me que lhe diga que este; não é o rendimento dos fóros, mas sim o valôr do dominio directo: e em quanto ao mais já disse que apresentava a Camara um orçamento formado pelos peritos, e isto parece satisfazer.

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu tinha entendido que era um conto e duzentos mil réis de rendimento; mas uma vez que não é, sempre repito o mesmo que já disse: que quaesquer outros rendimentos devem ter uma applicação certa, e destraem-se destas applicações

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para que são destinados, e para isso é que eram necessarias mais algumas informações.

Tendo dado a hora, ficou o assumpto adiado por não haver já presente o numero de Membros, necessario para tomar deliberações.

Mencionou-se um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, acompanhando uma Mensagem e Projecto de Lei da mesma Camara sobe o imposto addicional que devem pagar ser as mercadorias estrangeiras que se despacharem para consumo. — Passou á Commissão de Fazenda.

O Sr. Presidente disse que no dia immediato a Camara continuaria a tractar dos objectos dados para Ordem do dia de hoje: fechou a Sessão depois das quatro horas da tarde.

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