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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 24 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Aberta a Sessão pela uma hora da tarde, verificou-se a presença de 35 Srs. Senadores.

Leu-se, e foi approvada a Acta da ultima Sessão.

Mencionou-se a correspondencia, a saber:

1.º Um Officio do Sr. Conde de Terena, Substituto por Lamego, participando que um novo incommodo de gôta o inhibe de comparecer na Camara.

2.º Um dito do Sr. Macario de Castro, Substituto por Vizeu, noticiando que brevemente se apresentará em Côrtes, posto que a sua saude não tenha melhorado.

De ambos ficou a Camara inteirada.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Pedi a palavra para apresentar um requerimento, que já por duas vezes aqui indiquei, mas que não teve effeito por falta de numero.

O Sr. Presidente: — O illustre Senador pode manda-lo para a Mesa, e propor-se-ha quando a Camara estiver em numero para votar.

(O Sr. L. J. Ribeiro enviou á Mesa o seu requerimento.)

O Sr. Pereira de Magalhães leu o Parecer da Commissão de Administração, de que é Relator, sobre varias emendas propostas ao Projecto de Lei sobre isentar de direitos os generos cereaes exportados de uns para outros portos do reino. — Ficou sobre a Mesa para ser opportunamente discutido.

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DIARIO DO GOVERNO.

Havendo entrado mais dous Membros (Os Srs. Braamcamp e Barão de Argamassa), e estando presentes os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro dos Negocios do reino, entrou em discussão um Parecer apresentado na Sessão de 22 do corrente; é o seguinte

Parecer.

«Senhores: = A Commissão de Guerra examinando o requerimento das órfãs do Brigadeiro Graduado José Julio de Carvalho; D. Antonia Carolina Julia de Carvalho, D. Laurianna Benedita Julia de Carvalho, D. Anna Augusta Julia de Carvalho, e D. Joaquina Amalia Julia de Carvalho: é de parecer que têem direito ao soldo de tempo de paz, que competia a seu fallecido pai, na conformidade do §. 1.° do Artigo 1.º da Lei de 19 de Janeiro de 1827, e Carta de Lei de 20 de Fevereiro de 1835. Sala da Commissão, 21 de Maio de 1839. = Bernardo Antonio Zagallo = Barão de Villar Torpim = Barão do Almargem.»

Teve primeiro a palavra

O Sr. Visconde de Laborim: — Sr. Presidente, levanto-me para fallar sobre é Parecer da Commissão de Guerra relativo á pertenção da familia do Coronel Julio; e mostrarei a esta Assembléa, aproveitando a occasião, o effeito que em mim produziu a sabia lição de quarta feira passada, principiando por pedir ao illustre Secretario tenha a bondade de lêr o requerimento, documentos, e outra vez o Parecer da Commissão. (Satisfeito, constando que não havia documentos, proseguiu o orador.) Não entro na questão se requerimentos de similhante natureza com mais propriedade teriam andamento na Camara dos Deputados, de que nesta, e tambem não quero com isto dizer que nos não pertença o conhecimento delles. Propomo-nos applicar ao caso de que se tracta o Decreto de 19 de Janeiro de 1837, ampliado por outro de 4 de Abril de 1833, e ultimamente pela Carta de Lei de 20 de Fevereiro de 1835, e não temos mais nada a examinar senão aquillo que effectivamente está determinado naquelle citado Decreto de 19 de Janeiro de 1827. Diz elle no paragrapho 1.° do Artigo 1.º que o soldo dos Officiaes, Officiaes inferiores, e soldados deverá ser applicado, morrendo estes na defesa da Patria, ás suas viuvas, a na falta d'ellas ás filhas solteiras, ou filhos menores de quatorze annos; e na falta destes, a suas mais viuvas, ou irmãs solteiras, no caso de se provar que tanto aquellas como estas estavam a cargo do fallecido; no Artigo 4.° diz mais = que estas pessoas, tendo de ser agraciadas, ficam isentas de se habilitarem no Juizo das Justificações do Reino, mas não de provarem a sua identidade, e o direito que têem á graça que pertendem. Logo não ha mais nada senão vermos se de facto a Lei, cuja doutrina exibi, é applicavel ao caso em questão.

Não posso dizer que é applicavel, por uma razão trivial, qual é a de não vêr documentos, por meio dos quaes me conste que o Coronel Julio morreu na guerra, e em defesa da justa causa; em segundo logar, não sei que exista prova, pela qual se colha que essas Senhoras, em nome das quaes requer o tutor, são filhas do fallecido; tambem não se prova que sejam solteiras, nem por modo algum se ha, ou não filhos, e qual a sua idade; nem tambem que as requerentes tenham direito á graça que pedem, por não existir a viuva do fallecido. Em consequencia, que illação tiro eu daqui? Concluo que não ha uma base sobre que eu possa assentar a minha votação; e por consequencia tambem concluo que não ha base para se sustentar o Parecer da Commissão, pois que foi dado sem conhecimento de causa; e como eu estou collocado nesta Camara não só para dar o meu pequeno contingente para a factura das Leis, mas tambem para vigiar sobre a sua execução, voto contra o Parecer da Commissão.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O tutor, ou o tio dessas órfãs pede que sejam contempladas com o soldo que vencia seu defuncto pai. Pela natureza do negocio vê-se que elle é da competencia da Camara, porque é da competencia das Côrtes conhecer do deferimento que o Governo dá a quaesquer reclamações; por consequencia, está o Senado nas suas attribuições quando toma conhecimento deste negocio. Mas o que eu igualmente entendo é que nós não podemos entrar no fundo da materia; por quanto, ainda que na Constituição esteja consignado o mais illimitado direito de petição, com tudo elle é limitado pela natureza das cousas, e pelas faculdades que competem a cada uma das Camaras. O Senado em qualidade de advogado nato de todo o Cidadão que se acha aggravado, tem o direito de conhecer da injustiça que se lhe faz; mas quando aqui vem um requerimento neste sentido, deve-o remetter ao Governo: se acaso o pertendente não recorreu ao Poder Executivo, adverte-se por este modo que essa é a authoridade a quem cumpre dirigir-se; e se já lhe tem requerido, adverte ao Governo para que faça justiça á pessoa queixosa. Entretanto, no caso presente, vejo que a Commissão decide a questão, sem todavia nos dizer o destino que ha de ter o requerimento: mas eu creio que para não sairmos das regras constitucionaes não devemos entrar (como disse) no fundo da questão, porque isso seria administrar; e supposto dissessemos que as recorrentes tinham direito ao soldo de seu pai, nenhum resultado d'ai se tirava, porque a Camara não tem meios de tomar effectiva tal decisão. Por conseguinte, a unica cousa que temos a fazer, no caso em questão, é remetter o requerimento ao Governo; é de esperar que elle faça justiça ás supplicantes, e se lha não fizer, resta-lhes a queixa á Camara dos Deputados, onde se dará remedio ao seu aggravo (Apoiado).

O Sr. General Zagallo: — Como Relator da Commissão de Guerra, devo informar a Camara que ella se não fez cargo de exigir documentos alguns relativamente a esta pertenção, porque o objecto que aí se contém está ao alcance de todos os Membros da Camara; todos conheceram José Julio de Carvalho, todos sabem os serviços que elle prestou á sua patria, e que morreu durante o cerco do Porto; que tinha essas filhas supplicantes, e que ellas se acham hoje no estado de desgraça: eis-aqui porque a Commissão não julgou necessarios os documentos; todos os seus Membros sabem que estes factos são verdadeiros, e delles informariam a Camara sendo chamados, a isso por algum dos illustres Senadores.

Agora relativamente ao outro objecto, isto é, á competencia da Camara para intervir neste caso, já muito bem respondeu o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa ao meu illustre amigo o Sr. Visconde de Laborim; e então nada tenho a accrescentar a este respeito. Em quanto aos meios de levar o parecer a effeito, a Commissão julgou que se devia restringir unicamente a informar a Camara sobre o direito das requerentes, sem com tudo deliberar ácerca do resultado que devia ter; por isso mesmo que tendo aqui vindo este requerimento allegando o tutor das órfãs que tinha requerido ao Governo, e que este lhe não havia deferido, e que não competindo á Camara entrar nas attribuições do Poder Executivo, só por uma interpretação de Lei é que o Senado podia deferir; o que a Commissão julgou dever deixar á deliberação da Camara. Conforto-me por tanto com a opinião do illustre Senador o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, sobre a decisão que se deve tornar para deferir ao requerimento em questão; porque nós não podemos mandar dizer outra cousa ao Governo, senão que cumpra a Lei; e se as pertendentes estiverem (como a Commissão o julga) comprehendidas nella, o Governo ha de cumpri-la. Concluo repetindo que a Commissão de Guerra, muito de proposito, não quiz apresentar outro parecer, porque entendeu que não devia tomar sobre si uma deliberação, que compete unicamente á Camara.

O Sr. Tavares de Almeida: — Não era minha tenção tomar a palavra sobre este objecto, porque, supposto o parecer da Commissão me não: pareça conveniente, eu dispunha-me unicamente a ficar sentado, e a votar contra elle. Não queria mais fatigar com o que me parece fado meu, que cada dia venha algum negocio á discussão em que não ache provas para fundar o meu Juizo, e esta era uma das razões porque eu indeferiria o requerimento; mas reflecti depois que ainda havia outros motivos, que eu tenho em muito boa fé; e julguei que os devia expender, e lançar as minhas duvidas na Camara, para serem dissipadas, o que eu muito estimaria. Diz o requerimento de que se tracta, que José Julio de Carvalho, Official General, fallecera em consequencia das fadigas da guerra contra a usurpação; que deixara algumas filhas, que nomêa, e pede que a disposição da Lei de 19 de Janeiro de 1827 lhe seja applicavel, isto é, se mande dar ás ditas filhas o soldo de seu fallecido pai. Isto é o substancial.

A Lei de 19 Janeiro de 1827, feita pelas Côrtes daquelle tempo, diz que os soldos dos militares fallecidos na guerra, que tinha começado em Novembro antecedente, contra os rebeldes, seriam dados ás suas viuvas, e na falta d'ellas ás filhas, ou mais, etc.; e a Lei de 20 de Fevereiro de 1835 fez extensiva esta disposição ás viuvas e filhas dos que tivessem morrido na guerra contra a usurpação. Quando pela primeira vez ouvi lêr o requerimento, e em seguida foi mandado á Commissão, julguei eu, que como se pedia a execução de uma Lei, o parecer seria, ou que não pertencia á Camara, ou que fôsse remettido ao Governo, para resolver como fôsse de justiça; mas não aconteceu assim, porque a conclusão do parecer é muito differente, e diz expressamente que a Lei de 27 é applicavel ás pessoas requerentes. Sr. Presidente, se se tracta de fazer esta applicação de Lei, enganava-me quando disse que precisava de provas para fundamentar o meu juizo, já me não queixo disso, porque eu não posso ser juiz na materia, e portanto não preciso della: eu havia de exigir estes requisitos necessarios, se eu tivesse de executar a Lei; mas essa não é a minha posição. Das duas uma; ou as requerentes pedem a applicação da Lei de 27, ou pedem uma graça especial nova: no primeiro caso pertence ao Poder Executivo, porque é a quem pertence a execução das Leis; e se o Poder Executivo não deferir, ou não deferir com justiça os Ministros têem uma responsabilidade: mas se a pertenção não tem um verdadeiro apoio na disposição da Lei, segue-se que as requerentes pedem uma nova mercê, e mercê pecuniaria; e a quem pertence a iniciativa sobre mercês pecuniarias? Digo que compete ao Governo, e não a esta Camara. Pelo §. 9.° do Art. 82.° da Constituição pertence ao Rei conceder titulos, honras e distincções em remuneração de serviços feitos ao Estado, e propôr ás Côrtes as mercês pecuniarias, que não estiverem consignadas em Lei. Então se esta iniciativa é enumerada entre as proprias attribuições do Poder Executivo, creio que não póde ser commum a esta Camara. Uma cousa é o direito de inquerito de que fallou o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, outra cousa é o parecer da Commissão, que, ou faz applicação de uma Lei, ou propõe uma nova mercê a favor das supplicantes, quando nem uma nem outra cousa nos compete. Na verdade ninguem melhor que o Governo está habilitado para conhecer a importancia dos serviços feitos ao Estado, e avaliar o gráu dessa importancia; é elle quem verdadeiramente póde apresentar qualquer proposta a este respeito, offerecendo as provas e testemunho da relevância desses serviços para as Côrtes deliberarem sobre as recompensas.

Resumindo, concluo, que ou o requerimento está na disposição da Lei, e então o applica-la pertence ao Executivo, ou é mercê nova, e então tambem não pertence á Camara; e por conseguinte proponho que o requerimento seja simplesmente remettido ao Governo. Elle tem o poder de lhe deferir se o achar no caso da Lei, ou para fazer delle uma proposta, se entender que o merece, ou em fim para o indeferir, porque tambem não está obrigado a fazer tudo quanto lhe pedirem.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, segundo entendi da leitura da representação, o Tutor e Tio dessas Senhoras requereu ao Governo para que lhe applicasse a disposição da Lei de 1827, concedendo uma pensão ou soldo aos filhos desse Brigadeiro: o Governo ainda não deferiu este requerimento: recorre agora a esta Camara para que lhe applique a referida Lei. A minha opinião é, que o Tio dessas Senhoras marchou legalmente em quanto requereu ao Governo, e que marchou illegalmente em quanto requereu a esta Camara, antes que o Governo lhe deferisse; porque ainda não estão esgotados os meios ordinarios; é pois necessario que espere pela decisão do Governo, e vendo por ella que lhe não é favoravel, tem logar o recurso ao Corpo Legislativo, ao qual cumpre velar pela execução das Leis. Quando pedi a palavra queria fazer outro argumento suppondo que o Governo, lhe tinha deferido, então quereria que fôsse remettido ao Governo para dar os esclarecimentos; mas como me dizem deste lado que o Governo ainda não deferiu, entendo que o Parecer da Commissão deve ser que a Camara não toma conhecimento da representação, visto que o Governo ainda não deferiu; se porém o Supplicante se queixa disto mesmo, isto é, por não ter obtido o deferimento do Governo, convenho em que se remetta ao Governo pura e simplesmente, sem a recommendação, e sem o Parecer da Commissão, em que se decide que as requerentes estão comprehendidas na Lei;

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porque isso seria prevenir a decisão do Governo, o que não convém.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, o illustre Senador, que acaba de fallar, preveniu-me em parte do que eu tinha a dizer; quando pedi a palavra, porque a questão não tinha sido encarada pelo seu verdadeiro lado. O Tutor das menores que requer o soldo que ao pai d'ellas competia, recorreu a esta Camara depois de estar cançado de requerer ao Governo, como é natural; e se elle lhes tivesse deferido, certamente não viria aqui incommodar-nos. Não entrarei na questão da legalidade ou illegalidade do requerimento, quanto a não se achar comprovado o pedido com documentos, porque isso é no meu entender um objecto secundario: a questão principal é se o Brigadeiro graduado José Julio de Carvalho, pai das recorrentes, fez os serviços relevantes que se allegam, e se falleceu victima da sua fidelidade. Eu nem o conheci pessoalmente, nem conheço pessoa alguma que lhe pertencesse; e todavia nenhuma dúvida tenho em reconhecer a importancia dos serviços que fez, porque ninguem ignora que elle era commandante do Batalhão de Caçadores N.° 10, e que foi um dos que se apresentou com o seu Batalhão em 16 de Maio de 1828 para sustentar os direitos legitimos da RAINHA, e da Carta Constitucional, que então regia. Isto são factos de publica notoriedade, que pertencem á historia, que todo o mundo conhece, e que foram presenciados por uma boa parte dos illustres Senadores que me escutão, por se acharem empenhados na mesma Causa; e então não sei como se possam pôr em dúvida os verdadeiros fundamentos do requerimento, bem como os do Parecer da Commissão de Guerra.

Diz o artigo 1.° da Lei de 20 de Fevereiro de 1835, explicando a de 19 de Janeiro de 1827 (leu); e peço que se dê attenção ás seguintes expressões que estão consignadas na Lei: = que de qualquer modo fôssem victimas; = Ora esse Official falleceu durante o cerco do Porto, e supposto não fôsse de bala, foi de fadigas; o que na minha opinião vem a ser o mesmo para, á sua familia, aproveitarem os effeitos da Lei: (leu mais). Eis-aqui o que de novo se introduziu na Lei de 1835, e que não estava na Lei de 1827, e que na realidade é justo; porque se á familia d'um Official fallecido em taes circumstancias se conceder o soldo que vencia esse Official, deve descontar-se-lhe o Monte Pio, ou qualquer Pensão, ou Tença que já possua.

Na presença de tudo quanto acabo de expender parece-me que as Órfãs requerentes estão no caso de lhes aproveitar o beneficio da Lei que chamam em seu favor. E verdade que não consta por um modo indubitavel que o Governo lhes indeferisse a pertenção; mas isso não me parece motivo sufficiente para aqui se escusar o seu requerimento; parecendo-me justo que o dito requerimento seja remettido ao Governo acompanhado de algumas expressões que façam sentir a justiça das supplicantes (Vozes: — Nada, nada). Muito bem, a Camara decidirá o que lhe parecer, mas isso não me priva do direito de eu dizer o que entender, posto que approvado não seja. Reconheço que ha falta de solemnidades no modo com que o requerimento se apresentou nesta Camara; mas reconheço tambem, porque e publico e notorio, que esse Official fez relevantes serviços; que falleceu victima da sua fidelidade; e que a sua familia está no caso de lhe aproveitar o beneficio da Lei que reclama em seu favor.

O Sr. General Zagallo: — A Commissão achou-se nos mesmos embaraços em que a Camara se vê; e foi por essa razão que não deu um Parecer em outros termos: a Commissão não fez mais do que informar a Camara, para ella resolver como julgar conveniente, em virtude do direito que assiste ás supplicantes de perceberem o soldo de paz de seu defunto pai: por consequencia se a Camara entender que o Requerimento deve ser mandado ao Governo sem mais explicação, a Commissão não se oppõe; mas eu farei uma observação, e vem a ser, que mostrando-se pelo requerimento que as supplicantes se dirigiram ao Governo ha uns poucos de annos (porque seu pai morreu em 1832), e até hoje não têem despacho algum, então para que serve o recurso ás Côrtes? Se elle não ha de ter effeito algum, escusamos de dizer que ha direito de petição, porque o Governo insistindo no mesmo silencio, nunca lhe dá deferimento, e as pobres desgraçadas ficam como d'antes morrendo de fome; em consequencia eu não digo que entre nas attribuições do Poder Executivo, mas é preciso vêr a fórma, por que isto se ha de fazer; porque se se mandar o requerimento para o Governo, e elle continuar a não lhe deferir, o direito de petição é uma nullidade manifesta.

O Sr. Miranda: — Parecem-me todos estes argumentos estranhos ao verdadeiro estado da questão: eu creio que a Commissão deu o seu Parecer, declarando a justiça que tinha o Tutor dos requerentes, e creio que acaba por dizer que se mande ao Governo para lhe dar uma decisão favoravel (vozes. — nada, nada). Leu-se o Parecer; e proseguiu o orador. Mas qual será então o resultado deste Parecer? Uma pura declaração de que o recorrente tem direito ao que pede. E então: ha de approvar-se o Parecer; isto é, ha de decidir a Camara que o requerimento deve ser favoravelmente decidido pelo Governo? Ou ha de rejeitar-se; isto é, ha de decidir a Camara que o requerimento deve ser indeferido pelo Governo? Não insistirei sobre esta contradicção, e passarei ao exame da questão, sem referencia ao Parecer da Commissão: Eu vejo que o requerente vem queixar-se a esta Camara, de se lhe não ter deferido a um requerimento que julga fundado em justiça, e em Lei; por consequencia é uma queixa contra o Governo, bem ou mal fundada: e em que posição se achará esta Camara querendo deferir a esta queixa? Será a Camara competente para entrar neste negocio? Appello para a opinião dos meus Collegas. O facto póde involver uma responsabilidade ministerial, porque se elle requereu ao Governo, e o Governo lhe não deferiu, é este responsavel por faltar á justiça; e se o Governo fôr responsavel aonde ha de recorrer? A esta Camara não: ha de usar do direito de petição, mas não nesta Camara; esta Camara poderia decidir a questão na qualidade de Juiz, e nesta qualidade está inhibida de tomar conhecimento do facto. Em consequencia não me faço cargo das opiniões que se tem apresentado, não posso entrar no exame da justiça, ou injustiça do requerente; é por isso entendo que o Parecer deve ser: que o pedido não compete a esta Camara; por quanto, se elle tem justiça o Governo lha dará; e senão lha fizer requeira á Camara competente. Nesta conformidade voto contra o Parecer da Commissão.

O Sr. General Zagallo: — Eu levanto-me para responder ao illustre Senador, que acaba de fallar, e que diz que não compete a esta Camara o conhecer, se a Lei foi executada; isso tanto lhe compete, que é expresso no Artigo 38 da Constituição, o qual diz: (leu). Por consequencia, sendo da competencia desta Camara o examinar, se foi observada essa Lei, a Commissão fez o seu dever; examinou se as supplicantes tinham, ou não direito ao seu pedido, e por consequencia se a Lei foi, ou não executada: agora sobre o resultado que o Parecer deve ter, isso é que não está claro; mas que a cada uma das Camaras compete aquelle exame, isso não tem dúvida alguma.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu não me levanto para impugnar os serviços do Brigadeiro José Julio de Carvalho, porque sem fallar na guerra da Peninsula, é conhecido por todos o que elle fez á frente do Batalhão 10 em Maio de 1828: levanto-me para tractar da regularidade do requerimento de que tracta o Parecer da Commissão, e para vêr se a Lei foi ou não executada, como diz o requerimento, e o Sr. Miranda mesmo não negou que esta Camara póde examinar, o como são executadas as Leis, isto ninguem nega, mas apresenta-se um requerimento do Tutor. Aonde está provado que este homem é o Tutor? Esta a primeira cousa que devia provar. Diz mais que requereu ao Governo, e que lhe não deferiu. Existe algum documento que prove que o Governo deixou com effeito de lhe deferir, e violou a Lei? Não. Diz agora a Commissão: que as filhas deste General têem direito ao beneficio da Lei; o estar ou não nessas circumstancias, é uma cousa de facto, que só a vista dos documentos apresentados é que se póde verificar; mas eu quero conceder que assim seja, e que as requerentes sejam filhas de José Julio de Carvalho; aonde é que está provado que este General não tem viuva? E que estas filhas não estão casadas? Á vista disto o maior favor que se póde fazer, é remetter o requerimento ao Governo sem mais nada.

O Sr. Miranda: — Eu pedi a palavra para uma explicação; porque o Sr. Zagallo citou o principio geral estabelecido no §.2.º do Artigo 37.° da Constituição, cuja verdade eu reconheço, mas não em quanto se confundir na sua applicação a este caso especial; com o que se acha estabelecido no §. 1.° do Artigo 61.°; porque, Sr. Presidente, uma cousa é examinar se uma Lei tem sido cumprida, outra cousa é estabelecer se o Governo a cumpriu ou não. Supponha o meu illustre collega, que um cidadão vinha requerer contra um Ministro, e fazer-lhe uma accusação fragante: pergunto eu se esta Camara devia entrar logo no conhecimento do caso, sem ter provas? Certamente o não devia fazer (apoiadas). Eu não nego, antes o admitto que se esta Camara quizer, até certo ponto, informar-se do negocio, póde faze-lo, mas sem emittir opinião nenhuma sobre a justiça ou injustiça do requerente. Assim não me opporei a que o requerimento seja remettido ao Governo, mas sem recommendação nenhuma; e se depois as requerentes virem que elle lhes não faz justiça, lançarão mão do recurso que está marcado na Constituição.

O Sr. Raivoso: — Eu pouco tenho que dizer, Sr. Presidente, porque a questão é simples, e reduz-se a duas hypotheses sómente. Se o pai das requerentes morreu em batalha, ou de feridas recebidas nella, tem direito seus filhos a receberem o soldo por inteiro; se porém morreu de outra qualquer doença, então não o tem, ainda que a Lei diga que é de todo e qualquer modo; porque só se deve entender que é no campo da batalha; ou fóra delle, mas de feridas recebidas nella; porém

nunca na cama de molestia ordinaria. Em consequencia, Sr. Presidente se esse official morreu de feridas recebidas em ataque, tem as supplicantes direito a receber o soldo por inteiro; mas no caso contrario, ellas só terão direito para requererem ao Governo uma pensão, em paga dos relevantes serviços de seu pai, que na verdade são bastantes; e depois virá isso ás Camaras, como deve vir.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino — Eu conheci muitissimo bem o Official General cuja familia, por meio do seu Tutor, requereu a esta Camara. Reconheço os seus muitos e bons serviços que prestou á causa da liberdade especialmente no que respeita á reacção que começou na Cidade do Porto em 1828, e á qual se seguiu tudo o mais que de nós é sabido; e por isso eu muito desejava que aquella familia tivesse uma decentíssima subsistencia: mas seja-me permittido (e perdoe a illustre Commissão de Guerra) que eu me opponha ao Parecer em discussão.

Sr. Presidente, o requerimento contém uma queixa contra o Governo; porque diz que lhe requereram e que elle lhe não applicara a Lei. Se pois o Governo lhe não applicou a Lei, estando as supplicantes no caso de ella lhe dever ser applicada, muita responsabilidade então recahirá sobre elle. Mas, Sr. Presidente, a primeira cousa que deveria examinar-se era, se o Governo lhe não applicou a Lei devendo applicar-lha. Estará isto provado? Não. Havendo por conseguinte aqui duas partes, uma que pede se lhe faça justiça; e outra que é accusada, e a quem se deve consentir mostrar, que não violou a Lei, parece ser de justiça que este requerimento se remetta ao Governo para que elle mostre que a não violou. A illustre Commissão de Guerra diz no seu Parecer, que as requerentes estão no caso da Lei; mas isto corresponde a dizer que o Governo a não cumprio. O expediente, pois, que deveria dar-se a esse requerimento era, ou remetter-se ao Governo para lhe deferir como fosse de justiça, ou quando não fosse isto, então remetter-se ao Governo para elle esclarecer o negocio. Não se fazendo isto, obra-se injustamente censurando já o Governo (Apoiados). Agora que se peçam esclarecimentos ao Governo para se conhecer se o seu procedimento foi justo ou injusto, a isso não me posso eu oppôr. A Camara resolverá porém como lhe parecer; mas eu confio da circumspecção de todos os seus illustres Membros, que não quererão lançar uma censura ao Governo sem verificar primeiro se elle a merece; por quanto desde o momento, em que se disser que elle não cumpriu a Lei, não merece só uma censura, mas tambem uma accusação.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu nada mais posso accrescentar ao que disse o meu collega o Sr. Ministro dos Negocios do Reino. Qualquer Governo, Sr. Presidente, mereceria mais alguma contemplação, do que o Ministerio mereceu á illustre Commissão, exarando o Parecer em discussão: mas fallando sobre a materia delle, direi, que este negocio já esteve no Congresso Constituinte de que eu fui membro, e na sua Commissão Guerra,

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de qual fui relator, não havendo senão desejos de servir a requerente, em attenção aos muitos serviços de seu pai, nunca se pôde fazer cousa alguma. Eu conheci muito bem o pai das requerentes, e sei muito bem os seus serviços, que são na verdade muito grandes, e dignos de serem remunerados; mas, Sr. Presidente, o caminho a seguir parece que é o de ser remettido o requerimento ao Governo, o que eu como Ministro da Guerra até desejaria muito; entretanto não posso deixar de dizer que a Commissão andou muito precipitada, dando esse Parecer da fórma que está concebido, sem ouvir préviamente o Ministerio da Guerra.

Julgando-se a materia discutida, o Sr. Presidente poz á votação o Parecer da Commissão, e não foi approvado, mas sim a emenda do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa = para que o requerimento, sobre que o mesmo Parecer é dado, fosse simplesmente remettido ao Governo.

O Sr. Presidente: — Agora será o momento de pôr em discussão o requerimento do Sr. Luiz José Ribeiro: vai lêr-se.

É o seguinte:

«Proponho que deixe de haver dias destinados para Commissões, e que todos os dias da semana sejam applicados aos trabalhos ordinarios. = Luís José Ribeiro.» Teve a palavra sobre a materia.

O Sr. Trigueiros: — Eu queria fallar sobre esse requerimento, porque me parece que elle involve uma grande inconveniencia. Eu não sei, Sr. Presidente, o que se passa nas outras Commissões; mas posso fallar do que se passa naquellas a que eu pertenço: alli ha muitos negocios entre mãos, como é por exemplo, na de Legislação, o Projecto sobre desaccumulações, outro sobre refórma de Constituição (anonymo), e ainda outros objectos; e nas de mais tambem há negocios importantes. Ora, eu que ainda não faltei uma unica vez a Sessão alguma; eu que por via de regra ouço sempre meio dia neste edificio, digo que me não opporei ao requerimento por meu respeito, mas faço-o porque não sei nem mesmo é muito natural, que todos estoutros illustres Senadores tenham tanta saude, e talvez, mesmo disposição como eu, para poderem fazer outro tanto, e depois de acabar uma Sessão ás quatro horas, não sei se todos se acharão em estado de irem ainda trabalhar para as Commissões: trabalhos que aliàs são precisos; porque, Sr. Presidente, os trabalhos do Senado assentam sobre os que lhe apresentam as Commissões, e se estas não derem andamento aos negocios que lhes são remettidos acontecerá que esta Camara quererá trabalhar, mas não teia materia preparada para o fazer. Digo pois em conclusão, que não acho conveniencia no requerimento, e que até seria muito pouco proprio, e nada util o querer parar com os trabalhos das Commissões (apoiados).

O Sr. L. J. Ribeiro: — Quando eu tive a honra de remetter para a Mesa o requerimento que está em discussão, não me passou pela imaginação fazer censura a ninguem: quando me propuz a isso só tive em vista que ha uma grande quantidade de trabalhos promptos; e apresentados pelas Commissões, os quaes não tem podido ter andamento pelas razões que são sabidas, de todos nós, e que eu agora não preciso apontar. Parece-me por tanto, que poderia haver Sessão todos os dias, como proponho, e quando fôsse necessario haver algum dia Commissões se requeresse á Mesa, e V. Ex.ª diria á Camara, tal dia é para Commissões, e não haverá por isso Sessão. — Sr. Presidente, eu não tenho empenho em que se approve o meu requerimento; o meu unico desejo é de concorrer quanto em mim cabe para que os nossos trabalhos se adiantem. Pela minha parte serei assiduo, e virei todos os dias, como tenho vindo sempre desde que tomei assento nesta Camara, pois todos sabem que apenas deixei de vir dous dias por motivo de grave doença, mas nem todos podem saber que para vir sempre, tenho feito grande sacrificio: a Camara porém decidirá como melhor lhe pareça, porque o meu fim está preenchido, e alguem me fará justiça.

Não se fazendo outra observação, foi o requerimento do Sr. L. J. Ribeiro posto á votação, e ficou empatada; por isso (na fórma do Regimento) reservada para entrar novamente em discussão.

Terminada a votação, disse

O Sr. Visconde de Laborim: — Mas, Sr. Presidente, parece-me que por esta votação não fica, V. Ex.ª privado, antes no seu direito, para poder dicidir na affluencia dos negocios, se algum dia que devesse ser para Commissões, o não seja, e sim que haja Sessão (apoiados geraes).

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu apoio o que acaba de dizer o illustre Senador, porque a V. Ex.ª como digno Presidente que é desta Camara, compete regular a ordem de seus trabalhos conforme a quantidade e qualidade de negocios que estiverem na Mesa; e então poderá deixar de haver Commissões nos dias em que V. Ex.ª com antecipação o annunciar; o que sempre ha de fazer com justiça.

O Sr. Trigueiros: — Como a votação ficou empatada, continua a subsistir o que havia até agora; e por isso para que possa haver Sessão em um dia que seja de Commissões, é necessario que se apresente outro requerimento, e que se sujeite á decisão da Camara.

Passando-se á ordem do dia, foi lido o Projecto de Lei, enviado da Camara dos Deputados, sobre authorisar a Camara Municipal, da Villa de Alverca do Riba-Téjo, a contrahir um emprestimo até á quantia de 800 mil réis, para se limpar e tomar navegavel o Esteiro da mesmo nome. Este Projecto tinha-se discutido, e ficado adiado na Sessão de 22 do corrente. (V. Diario N.° 130, a pag. 798, col. 1.ª),

Foi igualmente lida a seguinte Proposta, ao mesmo apresentada na referida Sessão.

«Proponho que se peçam ao Governo as informações necessarias, para deferir com conhecimento de causa ao requerimento a que se refere o Projecto em discussão. — Miranda.»

Não se reclamando a palavra, foi o Projecto julgado discutido, e logo depois approvado na sua generalidade; os dous Artigos de que se compunha, tambem foram approvados, e sem discussão; julgando-se por tanto prejudicada a Proposta do Sr. Miranda.

Entrou depois em discussão o seguinte

Parecer.

A Commissão de Administração Publica é de parecer, que se approve o Projecto de Lei, que a esta Camara foi remettido pela dos Deputados, authorisando a Camara Municipal de Portalegre a contrahir um emprestimo para as obras da construcção da Cadêa, encanamentos de agoas, e melhoramentos e concertos das ruas e estradas do seu Concelho. Sala da commissão, em 15 de Maio de 1839. = Anselmo José Braamcamp. = Barão de Villa Nona de Foscôa. = Barão de Prime. = Agostinho Pacheco Telles de Figueiredo. = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer.)

Artigo Unico. É authorisada a Camara Municipal de Portalegre para contrahir um emprestimo para as obras da construcção da Cadêa, encanamentos de agoas, e melhoramentos e concertos das ruas e estradas do seu Concelho, até á quantia de seis contos de réis, hypothecando para o pagamento do capital e juros do mesmo emprestimo, os rendimentos do Municipio. Palacio das Côrtes, em 12 de Abril de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente. = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario. = Manoel Justino Marques Murta, Deputado Secretario.

Obteve a palavra, sobre a ordem, e disse

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Quando se discutio o Projecto que agora se acaba de approvar, disse eu que elle tinha vindo sem documentos alguns, o que não acontecia ao de Portalegre cuja representação viera acompanhada de bastantes esclarecimentos: declaro que me enganei com outro Projecto, e o faço para elucidar os Srs. Senadores a este respeito.

O Sr. Trigueiros — Eu queria que o illustre Secretario tivesse a bondade de me informar, se junto ao requerimento da Camara de Portalegre vem alguns documentos que provem a necessidade, utilidade e importancia dessas obras.

O Sr. Secretario Machado: — Não ha mais nada a bem do requerimento.

O Sr. Trigueiros: — Então, Sr. Presidente, rejeito o Parecer da Commissão.

O Sr. Miranda: — Apoiado.

O Sr. Vellez Caldeira: — Ao Sr. Trigueiros pareceu que não estava provada a utilidade, necessidade, e importancia das obras para que a Camara, de Portalegre pede ser auctorisada a contrahir um emprestimo. Quanto á importancia da despeza não sei se é a que se pede, mas quanto á utilidade e necessidade das obras posso informar a Camara, por conhecimentos locaes, que não só são uteis, mas absolutamente necessarias. A Cidade é edificada n'uma eminencia, para a qual conduz uma calçada muito Íngreme, que se acha quasi intransitavel; deforma que os carros muitas vezes se quebram; e não é só esta (que se chama a de Sant'Anna), mas igualmente em pessimo estado se acham as outras estradas, e as ruas da Cidade: creio por tanto que por este lado ninguem dirá que as obras não são uteis. Quanto aos encanamentos, são obras projectadas desde o anno de 1820, e sobre as quaes houveram requerimentos ao Congresso Constituinte daquelle tempo; e então se tractou desse objecto que me não lembra bem se chegou a decidir-se, mas o caso é que a conducção das agoas para a Cidade é cousa de grande conveniencia não só para os seus habitantes, mas para as fabricas que é um dos principaes ramos da industria daquella Cidade. — Por tanto approvo o Projecto.

O Sr. Conde de Villa Real: — Assim como alguns illustres Senadores, louvam muito as Camaras Municipaes que desejam fazer obras uteis nos seus municipios, tambem eu os louvo; mas havendo um, que nesta Camara se assenta perto de mim, alludido em outra Sessão ao que se pratica em Inglaterra onde é muito usual fazerem-se, por modo similhante, obras de quê os povos tiram grande utilidade, observei que nesse paiz se não autorisava um emprestimo desta natureza sem os dados sufficientes para se julgar da utilidade da obra, e se os meios que se querem empregar são os mais proprios para a fazer. Quanto á utilidade daquella de que se tracta, nada direi; depois das explicações que deu o Sr. Vellez Caldeira, não serei eu quem pertenda outra declaração a esse respeito: entretanto parecia-me que esta representação devia ser acompanhada de informações e explicações mais positivas, pelas quaes todos podessem formar melhor o seu juizo. Deveria apresentar-se especialmente um orçamento, por onde se podessem calcular as despezas necessarias para estas differentes obras, assim como tambem se deveriam indicar com exactidão os meios de pagar áquelles que concorrem para este emprestimo.

O Sr. Miranda: — Eu não repetirei agora os argumentos que já aqui produzi relativamente ao Projecto sobre a abertura da valla da Alverca, ainda que elles vem igualmente para o caso em questão; mas este é de uma natureza um pouco especial. Entre as obras do Projecto em questão umas ha que são da competencia do Governo, e que por isso o Concelho não é obrigado a fazer; e ha outras que são proprias dos moradores da Cidade. As cadêas são estabelecimentos publicos; a sua construcção está a cargo do Ministerio da Justiça; e não posso deixar de dizer que as municipalidades abandonam os interesses dos seus municipios quando fazem pesar sobre elles as despezas que pertencem á nação inteira: as cadêas entram na classe das despezas geraes do Estado, e seria uma grave injustiça obrigar um Concelho a concorrer para ellas. Quanto ás obras de que aqui se falla, e que são propriamente para beneficio exclusivo da Cidade, tambem desejava saber com que direito se podem sobrecarregar as povoações de um Concelho (e creio: que no de Portalegre algumas ha distantes da Cidade) para o goso de um beneficio de que exclusivamente gosam os moradores da Cidade: seguramente que isto é inadmissivel. Em regra de igualdade justa, e de boa administração, ninguem deve concorrer com o seu, se não para o goso dos beneficios em que proporcionalmente tem a sua parte: e por esta razão, não se podem obrigar as povoações do Concelho de Portalegre a concorrer para despezas feitas exclusivamente em beneficio dos moradores da Cidade.

Quanto ás outras obras não examinarei se são de conveniencia geral, ou se o não são. No entretanto é necessario attender-se, como cumpre, aos interesses do povo, que a este respeito muito mais bom zelados eram no tampo do governo absoluto, aliàs corrupto, e insupportavel, do que hoje o são pelo desleixo das auctoridades, e pela relaxação em que se acha a execução das Leis. Então se as Camaras requeriam fazer por conta dos Concelhos, alguma despeza extraordinaria, mandavam-se informar os Corregedores das Comarcas, ouvidas as Camaras e os moradores dos Concelhos respectivos» para se conhecer a possibilidade dos meios, e a natureza e necessidade das obras, e no fim de todas estas diligencias é que se concedia, ou denegava a auctorisação para ellas se fazerem: hoje segue-se differente vereda; não se sabe se as obras projectadas: são uteis aos Concelhos, e sem se saber se o pedido das Camaras é bem ou mal entendido; pois que o mais acrisolado zêlo está sujeito a errar, se é util ao Concelho, ou, se, vem proveito, é pe-

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sado aos seus moradores; ou se é justo, ou se é justo, sem formalidade alguma, concede-se o pedido, só porque é pedido pelos membros de uma municipalidade, isto é, da-se-lhe um voto de confiança sem exame, e sem conhecimento de cousas e pessoas! Não me parece isto conveniente pelas razões que já ponderei em outra Sessão; e por tanto peço que o requerimento que então mandei para a Mesa, seja applicado a este Projecto nos mesmos termos em que se acha concebido, sem alteração alguma.

O Sr. Barão do Tojal: — Ainda que este requerimento se apresenta na Camara com uma insufficiencia de documentos sobre os quaes devia assentar nosso juizo, ácerca da conveniencia e importancia do objecto requerido; entretanto, sendo innegavel o atrazo que existe no nosso Paiz em quasi todas as cousas de publica utilidade, vejo-me sempre disposto a votar a favor de qualquer proposição, que tenha por fim o promover essa utilidade, e fazer progredir o melhoramento em todos esses ramos de conveniencia e prosperidade publica; esta de estradas e communicações internas é uma, senão a mais importante d'ellas. Creio que as Camara Municipaes são obrigadas a prestar contas regularmente ás Juntas de Districto, e por tanto la estão esses tribunaes para examinar se a applicação dos fundos votados para qualquer obra, foi fiel e exactamente empregada nella: a esta Camara não compete mais do que prestar ou negar o seu consentimento para com effeito se onerarem os rendimentos certos de qualquer Concelho, para com elles levantar um capital a juro a fim de conseguir, promptamente, um objecto que aliàs seria longo em terminar-se pelo meio ordinario de fintas. Á vista do que acabou de dizer o illustre Senador por Portalegre, torna-se evidente que é da ultima necessidade fazerem-se estas obras: Portalegre é um ponto interessante, é uma cidade um centro principal do Além-Téjo; deve por tanto merecer toda a nossa contemplação.

O que disse o Sr. Conde de Villa Real, relativamente a Inglaterra, é um facto; mas é preciso tambem ter em consideração que a nação Ingleza desenvolve em todas as suas transacções um espirito e systema eminentemente commercial: as mesmas corporações portanto quando se apresentam ao Parlamento requerendo faculdade para levantar qualquer emprestimo, exibem logo conjunctamente uma tabella da contribuição (rates) pela qual se deve lançar uma derrama sobre todos os habitantes da villa, ou da parochia para utilidade de quem são feitas as obras; requerem authorisação para lançarem 2 3 ou mais shellings por libra sobre o rendimento de cada propriedade, ou um direito de barreira, ou de peagem, a fim de poderem resalvar o custo e despezas.

Ora nós neste caso estamos em circumstancias muito diversas; não se pertende aqui onerar a população com uma imposição permanente para supprir esta despeza, mas authorisação para contrahir um emprestimo sem novo onus, ou imposto algum; quem póde e deve authorisar isto são os eleitos do povo, sim, mas ás Juntas de Districto cumpre o rigoroso dever de exigir o orçamento e fiel execução da obra assim como lhe incumbe o vêr que os cidadãos não sejam gravados com excesso, nem impropriamente, por estas corporações municipaes. A Camara de Portalegre, repito, não se propõem levantar este dinheiro por derramas, nem impostos addicionaes, méramente pede ser authorisada a contrahir um emprestimo até seis contos de réis, hypothecando propriedades que ella tem, para segurança dos mutuantes; em quanto na Junta de Districto reside a alçada para examinar essas contas, e inspecciona-se a applicação do dinheiro; alçada que deve ser exercida com muita circumspecção e escrupulo. Vejo-me disposto a promover, pela minha parte, quanto é possivel este espirito de melhoramento, e por tanto a votar por qualquer proposta util que qualquer Camara aqui apresente para fins tão dezejaveis; e reitéro o que já disse em outra Sessão, o meu dezejo era que a Camara de Lisboa, adoptasse este exemplo e se propozesse a fazer outro tanto..... — Illustrarei este caso com a Camara de Liverpool a qual, com obras que tem feito de vasto melhoramento no seu Municipio, tem hoje um rendimento annual de mais de trezentas mil Libras Sterlinas de vastas e suberbas Docas, de armazens, e de esplendidos mercados que tem construido; e com este rendimento vai todos os dias augmentando, e grandemente promovendo o desenvolvimento de commercio daquelle opulentíssimo Districto. Ora pois desejaria eu que a Camara de Lisboa, posto que pequena, por ora, em comparação, fosse lançando as suas vistas para lá chegar algum dia contribuindo quanto poder para a prosperidade, aceio, industria e commodidades desta Capital e seu Termo; o rio de Sacavem, por exemplo, está incomunicável, ou a ponto de o vir a ser inteiramente, e eu creio que elle se poderia facilmente tornar navegavel construindo-lhe portas d'agua até Loures, com grande proveito daquelles povos, e consideravel rendimento para a Camara Municipal de Lisboa. Eu tenho viajado em Inglaterra e observado cannaes em todas as direcções por toda a parte vencendo immensos obstaculos naturaes de toda a casta, e com enorme custo, para conseguir este tão importante objecto, facil e economica communicação interna: portanto não tenho dúvida nenhuma antes grande satisfação em votar pelo Projecto porque muito deseja que as Camaras todas do reino promovam quantos melhoramentos poderem nos seus respectivos Concelhos,

O Sr. Vellez Caldeira: — É manifesta a escacez dos rendimentos do Estado que não chegam para os encargos delle; sendo isto manifesto quando eu esperava vêr louvar a Camara de Portalegre, por concorrer os encargos do Estado, tirando delle a despeza das obras da cadêa, vejo ao contrario fazer-lhe disso uma accusação! A cadêa está construida em um logar tal que já por vezes da mesma cadêa se tem desenvolvido uma epidemia na Cidade de Portalegre, e por isto é que a Camara quer remover essa cadêa o que é no interesse dos habitantes do seu municipio, de que tem por lei obrigação de cuidar. Em quanto ás estradas já disse; que em Portalegre ha um mercado todas as semanas, e que toda a gente dos logares, e terras vizinhas alli vem; ora esta gente não é onerada de mais, porque a Camara tem bastantes rendimentos, e tem as coutadas e pastos que lhe foram restituídos; mas como com o rendimento de um anno só não póde fazer as obras, é necessario levantar um fundo; e por isso é que se pede a authorisação.

Em quanto ás contas, de tudo se póde abusar; mas não só a Junta do Districto tem obrigação de lhe tomar contas, como também já aqui se decediu que o Tribunal de Contas as tomaria ás Camaras Municipaes: em consequencia voto pelo Parecer da Commissão.

O Sr. Conde de Villa Real: - Eu não deixo de louvar a Camara de Portalegre pelo dezejo que tem de construir a cadêa á sua custa; as minhas reflexões não envolvem censura alguma, versam sómente sobre o modo porque se apresenta este pedido. Mas todos conhecemos que se vai dar principio a este systema de melhoramentos locaes, e por isso mesmo é que convém indicar o modo porque as Camaras deverão exercer esse direito que pedem (apoiados); e é por isso que eu não approvo este Projecto sem fazer algumas explicações. O Sr. Miranda mostrou muito bem, que a construcção das cadêas pertence ao Governo; e, segundo ouvi, nas Côrtes Constituintes se deu um credito para a sua construcção; por tanto as minhas observações applicam-se tão sómente ao modo de fazer estes pedidos; e o modo mais regular seria que antes de virem estas representações ás Côrtes, fôssem ouvidas as authoridades locaes, e que de intelligencia com ellas, ou por ellas mesmo se desse uma informação cabal; porque votar dinheiro sem saber como elle ha de ser applicado, não me parece justo; visto que por fim elle vem a sahir da bolsa dos povos, e, como já indiquei em outra occasião, não devem ser obrigados a pagar senão com utilidade. Como nem todos temos conhecimentos locaes, assim como alguns dos Senhores Senadores, necessitamos ser mais bem informados, para conhecer melhor quaes são os meios que apresenta a Camara para executar as obras que tem em vista.

O Sr. Bettencourt: — Sr. Presidente, eu approvo em parte as theorias dos illustres Senadores, que disseram, e querem que não venham a este Senado Projectos desta natureza, sem que tragam esclarecimentos circumstanciados, e estatisticos, informações, e orçamentos regulares; porque isso viria a fazer a bem da boa decisão, que geria dada com conhecimento de causa: porém os illustres Senadores devem considerar que esta materia já veio da Camara dos Srs. Deputados, foi a uma Commissão, que deu o seu Parecer, conforme com a outra Camara, e já, um Sr. Senador, conhecedor de Portalegre, e em consequencia da necessidade daquellas obras, interpoz a sua favoravel opinião; e por isso, muda muito a applicação dos principios, que a outros respeitos julgo admissiveis. Vou corroborar, o Parecer da Commissão, porque estou ao facto deste objecto por experiencia ocular.

Em 1826 fui eu obrigado a ír com a minha familia a umas Caldas Sulfurias frias do Alemtejo que ha em Cabeço de Vide; e chaguei lá com muita difficuldade, e perigo. O local onda existe o nascimento daquellas salutares agoas, e que tem feito curas milagrosas, é quase intransitavel e sendo algum tanto distante da villa não se póde para lá ír a cavallo; tal é o abandono e desleixo de tal fonte, que tem dado a vida a muitos desgraçados doentes, que se chegam em estado de tomarem aquelle remedio, e vencerem os pessimos caminhos, tiram muitos resultados: aqui estão alguns Senhores Senadores que já lá tem ido, e serão testemunhas da que eu refiro. Daquella villa fui a Portalegre onde me demorei tres dias; e então observei as pessimas estradas que antecedem áquella populosa Cidade principalmente uma ladeira, calçada, quase de meio quarto de legua, que para chegar ao cume é percisa ser feita com voltas, e contra voltas, e que a agoa, que nasce da sera, e que é abundante, vem serpejante pela calçada, o que a descarna, arruina, e faz intransitavel, de sorte que fui a pé mais a minha familia, e então fiz observações bem penalizantes, que depois se tornaram mais sérias, vendo aquelle paiz tão fertil de fructos de todas as qualidades, o que não admira, sendo tão abundante d'agoa, de pomares, e de lamedas de castanheiros, e soutos; é um Arremedo de Cintra; entretanto nas ruas, a muito custo póde andar uma sege; as suas calçadas estão arruinadas, é uma Cidade agricola, e fabril, e por estas duas qualidades muito frequentada; porém a sua situação montanhosa, faz que seja muito custoso lá chegar, e de lá saír; pois a ingreme subida, e a precipitada descida, faz que as carreiras não possam transportar, senão uma metade de carga, que deviam levar, principalmente pelo pessimo estado das estradas. Por estas razões, a Camara Municipal daquella Cidade, com zello, e pelo seu proprio interesse, e a bem das terras vezinhas, pertende melhorar as estradas, encanar as agoas, inimigas sempre das estradas, e para levar a effeito tão proveitoso, e util fim, propõe ser authorisada, para pedir um emprestimo = de 6:000$ rs. — Nada tão louvavel e digno de approvação. - Senhores, a primeira necessidade de Portugal é sem dúvida a feitura das estradas, (Apoiados) porque por ellas é que hão de transportar-se os generos de consumo com mais barateza ao mercado; uma pipa de vinho de traz de serra chega a Villa Nova da Rainha, duas leguas de distancia com tres mil e tantos réis de despeza e dalli embarca para Lisboa, sete leguas, por dous tostões: Portalegre tem um mercado todas as semanas e desde que principia a venda dos porcos, até o entrudo tem uma concurrencia immensa; e já se vê quanto é importante o cuidar-se das estradas; por isso que correm alli os povos de 4, 5, 6 e mais leguas, e não podem fazer o trafico, por causa da ruina das estradas. A cadêa, que esteve já sendo causa de uma epidemia, devia ser mandada fazer pelo Governo; eu tambem assim o entendo, como muitos Srs. Senadores: porém está o Governo nessas circumstancias... Outro dia apresentei eu aqui um requerimento para se estabelecerem correios maritimos para as Ilhas dos Acorres: — O que diz o Governo? Que os conservou até 1828, em 1883 tambem lá foram; mas agora deixaram de ír porque não ha meios; e havemos nós agora esperar que o Governo mande fazer aquella cadêa, quando elle não tem meios para as despezas ordinarias? Eu estou nos principios do Sr. Miranda; é verdade que o Governo é quem deve fazer as cadêas pela repartição dos Negocios da Justiça, mas elle não o póde fazer porque não tem meios. Alli está a estrada de Camarate que vai a Sacavem, por onde não póde passar um carro com uma pipa de vinho. Eu não accuso ninguem, mas quando vejo que uma Camara quer carregar com estas despezas, tomara ter oitenta votos para apoiar similhante pertenção, benefica, e muito patriota daquelles moradores, que se querem sujeitar aquelle grande encargo de que resulta o bem da todos. Ainda espero aproveitar-me do resultado desta authorisação: ír, e voltar com toda a comodidade, o que ainda ha pouco, me não aconteceu, que não pude ír, senão a pé.

Senhores, é perciso dar-se a apalpar aos povos os bens, que tanto se tem promettido, e que elles não vêem, antes tudo pelo contrario;

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se queremos que estas Instituições tenham algum valôr, porque estamos muito á quem do que se esperava.......... É preciso meios, para alcançar fins. Ouvi outro dia dizer a um illustre Senador, que senão devia a limpar, e desentulhar o Esteiro d'Alverca, porque esta obra era dependente da obra gemi da abertura, e encanamento do Téjo; por quanto uma vez, que se abrisse, e se a limpasse, e desentulhasse o Esteiro isoladamente, se tornava a enlodar, e arear, e era preciso tornar-se a abrir, e fazer outra vez em poucos annos, deste modo de pensar concluo eu, que senão deve fazer a barba, porque como é da natureza o crescer, é preciso torna-la a fazer; e o meu illustre Amigo apesar disso faz a barba todos os dias. Se a obra da Valla d'Alverca, esperar a obra geral do Téjo, então só para os nossos netos se fará: é preciso fazer alguma cousa a bem do publico, ainda que parcialmente, e por partes, e principalmente quando ha boa vontade na parte daquella Camara Municipal d'Alverca, e desta de Portalegre: por isso voto pelo Parecer da Commissão.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, os argumentos que seteai produzido sobre este Projecto, podem dividir-se em duas classes, a uma d'ellas pertencem os que se alevantaram contra o emprestimo pertendido pela Camara d'Alverca, e a esses não responderei eu, porque já estão respondidos pelo voto da Camara que o approvou; agora em quanto a dizer-se que este emprestimo é tambem para fazer uma Cadêa, e que isso pertence aos encargos geraes do Estado, responderei que já o Governo, o Estado concedeu á Camara de Portalegre um edificio para formar essa Cadêa, concorrendo assim com o que podia concorrer, e que feita esta concessão, louvavel é a Camara de Portalegre em haver os meios necessarios para fazer desse edificio uma Cadêa segura, como muito convém ao Municipio. Direi mais que este negocio foi levado á Camara dos Deputados, em consequencia de uma representação da Camara Municipal de Portalegre: a Camara dos Deputados informou-se com o Administrador Geral daquelle Districto, que é um dos seus distinctos Secretarios, e tambem com os Deputados daquelle Districto, e sobre as informações destes é que a Camara dos Deputados sanccionou este Projecto, e a Commissão de Administração Publica deste Senado, inteirada, por tão incontestaveis provas, da necessidade e utilidade das obras para que se quer o emprestimo, achou que devia propôr á Camara a sua approvação; mas se algumas outras informações são necessarias poderá da-las o illustre Senador, o Sr. Caldeira, porque tem conhecimentos locaes, isto é, se se julgar que ainda não são sufficientes as que S. Ex.ª já deu, mostrando que do pessimo estado da actual Cadêa de Portalegre, corre risco á saude e segurança dos habitantes, que por isso são interessados na construcção da que se projecta, bem como na reparação das calçadas e encanamentos d'agoas.

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente, tinha pedido a palavra, para fazer algumas observações ácerca do Projecto que se acha em discussão, e as farei não obstante conhecer que não podia alevantar a minha voz em occasião menos favoravel. O meu illustre amigo, o meu antigo Collega, o Veterano da Liberdade, que acaba de fallar, discorreu tão larga e tão brilhantemente sobre alguns pontos relativos á questão pendente, e por tal maneira excitou e atrahiu a attenção de todos os Membros desta Camara, que, senão fôsse a confiança que me inspira a sua costumada indulgencia, eu não ousaria aventurar as razões e argumentos em que me fundo, para não approvar o Parecer da Commissão.

Verdade é que o meu Collega foi singularmente auxiliado por suas reminiscencias; e o despeito com que fallou da estrada de Portalegre no seu estado actual, é um signal evidente dos incommodos que soffreu, quando por ella transitou. E ainda que tanto ao vivo os retractou; todavia me parecem, até pro fórma dicendi, não pouco exagerados. Se eu não tivesse a vantagem de conhecer de ha muitos annos o meu illustre amigo, poderia suppôr, quando com tão carregadas côres descreveu as estradas do Alem-Tejo, seria algum inglez que, em sua vida, nunca vira outras estradas senão as que atravessam as bellas planícies de Inglaterra; não um portuguez que conhece o seu paiz; porque um portuguez que conhece o seu paiz achará nas estradas do Alem-Tejo um parallelo vantajoso, quando comparadas com as das provincias do norte deste reino, aonde em muitas partes é necessario subir por declives os mais forçados; em outras caminhar ao correr de despenhadeiros e precipicios, e em outras, atravessar ribeiras perigosas durante as chuvas do inverno.

Eu abusaria da paciencia dos meus Collegas, se me demorasse em provar o que todo o mundo sabe; que as estradas de Portugal são pessimas, se estradas podem chamar-se os caminhas intransitaveis que atravessam as provincias, e igualmente abusaria se eu quizesse alargar-me em provar a necessidade que tem o paiz de boas estradas, e as immensas vantagens que a todos os respeitos dahi haviam de provir-lhe. Se agora fôsse opportuno, poderia dizer muito mais do que disse o meu Collega, e para isso bastaria recordar-me do que escreveu o celebre Dupin, sobre a economia das forças, e sobre as vantagens do commercio. Por esta razão, julgo que devo dispensar-me de o seguir em uma grande parte do seu discurso; porém irei encontra-lo naquella parte em que mais de perto se approxima da materia em discussão.

A questão é, se deve ou não ser approvado o requerimento da Camara de Portalegre, em que pede ser authorisada a levantar, sobre os fundos, e meios do Concelho, a somma de seis contos de réis, para a construcção de uma Cadêa, para obras na Cidade, e para as estradas do Concelho, attendendo a que este requerimento não vem acompanhado de documentos, ou informações, ou circunstanciado por maneira que esta Camara possa tomar uma resolução acertada, e com conhecimento de causa. Assim esta questão é da mesma e identica natureza de outra, que lhe serve de precedente, e já aqui foi agitada. É uma questão geral, de um principio do administração, de um principio tutelar em beneficio dos povos, que tenho sustentado em these, que em these ainda não foi contrariado nesta Camara, se bem que já foi em hypothese rejeitado.

Esta é a questão; porém o meu Collega não quiz, ou não se atreveu a tracta-la directamente; quiz sustentar o Projecto; combateu idéas que até agora ainda ninguém sustentou, e arrebatado por seu zêlo, pareceu-lhe que seria conveniente, conceder sem averiguação nem exame, a qualquer Camara Municipal todo, e quaesquer meios, a cargo das Concelhos, que ellas solicitassem para obras de estradas. Depois de haver assim dilatado a esfera das suas idéas, achou-se, e muito á larga, na vasta região das generalidades. Figurou os povos em summo gráo impacientes pela abertura das estradas, e oxalá que assim fôra: combateu o que elle quiz chamar theorias, ou systemas de estradas geraes, e dahi pareceu quer concluir, invocando a experiencia, que em Portugal nunca haveria estradas, em quanto as Camaras do reino não mettessem as mãos a esta grande empreza.

Desta sorte, e perdoe-me o meu illustre collega, inverteu elle a ordem das idéas naturaes, e geralmente recebidas, não em theoria; não em systema ideal; mas na pratica seguida em todos os paizes. E já que tanto se apraz em deprimir as theorias, e os principios geraes, sem attender a que theorias modernas não são outra cousa mais do que as experiencias formuladas, muito desejaria que visse as estradas de Inglaterra, ou as de França; por que então conheceria melhor quaes são os resultados das theorias que condemna. Porém, ao mesmo passo que abjura theorias, e systemas, com grande complacencia, cita a experiencia; a nossa experiencia em estradas! Mas que experiencia é esta a que podemos chamar nossa? A experiencia de mais de cem e de duzentos annos de estradas que não temos, e que no paiz se não conhecem. E então que experiencia é esta; e se a consultarmos qual será o resultado? A consequencia é manifesta. Em Portugal nunca houve estradas que merecessem este nome; não as temos ainda; e seguindo a experiencia do passado, e do presente nunca as teremos no futuro.

Mas desta experiencia, ou antes desta velha rotina, podemos tirar algum proveito; e este proveito é a necessidade de abandonarmos a pratica seguida, e de seguirmos a este respeito os principios oppostos aos que sustentou o meu illustre amigo. E se isto que acabo de dizer não é exacto, diga-me elle qual é o Districto, e qual o Concelho do reino, aonde acharemos tres ou quatro legoas de estrada boa, e bem conservada, que não seja devida aos accidentes do terreno. Poderá dizer-se que pelos esforços de algumas Camaras, de algumas Authoridades, e mesmo do Governo, algumas estradas se tem feito, quem duvída? Mas aonde estão ellas, e em que estado se acham ellas? No estado em que deviam achar-se, em consequencia da pratica seguida pelos homens da rotina, e da experiencia: no estado da mais completa degradação: no estado em que não se achariam se se houvesse adoptado a theoria, ou o systema moderno; porque neste se recommenda que ao mesmo tempo que se abrem as estradas é indispensavel provêr ás reparações futuras, e construi-las por maneira, que soffram o menos que fôr possivel pela acção dos vehiculos, do gello, das chuvas, e das grandes trovoadas.

Então que é o que espera o meu collega da acção isolada das Municipalidades, a maior parte das quaes não tem nem meios, nem estão nas circumstancias de poderem emprehender trabalhos desta natureza. E ainda mesmo quando alguma os tivesse em qualquer parte das provincias, que vantagens publicas offereceria um lanço da melhor estrada; quando as immediatas fôssem pessimas, além das vantagens immediatas e puramente locaes. Não é por estes meios que Portugal ha de vir a ter estradas. Ha de tê-las; porque em fim Portugal não hão ficar eternamente estacionaria, nem ha de andar perpetuamente dous seculos atraz das nações civilisadas. Ha de havê-las quando a administração geral do paiz fôr o que ella deve ser, ou quando entre nós se desenvolver, como é de esperar, um espirito activo de associação, e de empresas (Apoiados). Ainda teremos occasião de fallar nesta materia com mais especialidade, e por isso agora me dispensarei de tocar em outros pontos do discurso do meu collega.

Quanto, ao que disse o meu illustre collega o Sr. Caldeira, só tenho a sentir que elle não desse com mais antecipação as informações locaes que acaba de dar; porque talvez servissem para se não prolongar esta discussão. No entretanto espero que o meu collega se convença de que eu não me opponho á materia do Projecto em particular; porque não sem difficuldade resisto ao desejo de annuir ao pedido da Municipalidade de Portalegre, assim mesmo deffectivo como vem, quanto ás fórmas essenciaes desta especie de pedidos. Não denego o meu voto; porém peço que antes de o dar e antes desta Camara o approvar, se peçam por via do Governo as informações indispensaveis, assim como um destes dias as pedi ácerca de um requerimento da mesma natureza da Camara Municipal da Villa de Alverca. O pensamento que então manifestei, é o mesmo que hoje manifesto: é o pensamento de que se observe uma regra geral, e de que se restabeleça um principio, recommendado pela legislação moderna, e que pratica e constantemente foi sempre observado neste reino. Em todo o tempo, quando as Camaras requeriam ser authorisadas para fazer quaesquer despezas, por mais justos que fôssem os fins para que fôssem applicadas, se ellas podiam ser onerosas aos habitantes dos Concelhos, nunca a authorisação pedida lhe era concedida senão depois de se proceder ás informações que se julgavam indispensaveis, como sabem muito bem todos os membros desta Camara. Eis-aqui o que eu peço, e o peço hoje com maior instancia; porque muitos favores ou excepções accumuladas, sem que essa seja a intenção desta Camara, acabarão por estabelecer uma regra em contrario. Nenhuma Camara Municipal, a de Portalegre, ou de outro qualquer Concelho, póde ou deve esperar que esta Camara não exija os documentos e informações, que em todo o tempo se pediram, e mormente quando ellas podem, ser alcançadas por meios mais summarios que os antigos, e de uso imemorial; porém qualquer Camara Municipal tem direito, ou pelo menos tem fundamentos, para esperar a dispensa destes meios, quando esta dispensa, ou excepção se achar quasi estabelecida por um certo numero de precedentes.

O fim de todos estes meios é a utilidade dos Concelhos, e a protecção dos povos: e sendo isto obvio, como é, não sei como o meu collega que me precedeu, quiz figurar os povos irritados contra os legisladores que sustentassem as medidas que tendem a protege-los. Infelizmente tal é a força das influencias de seus astutos oppressores, que um acontecimento desta natureza, não podia ser estranho: bem o sabe o meu collega, e todos o sabemos. Tambem me custa a conceber como os povos podem desejar, os de um Concelho, digo, de

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concorrerem por seus meios para todas as despezas de uma obra, que deve ser feita á custa da nação. Tem-se dito que o Governo não tem meios para mandar fazer uma Cadêa em Portalegre. Não consta que similhante objecção viesse da parte dos Ministros; e se tiles a não fizeram, ninguem está authorisado para suppo-lo como feita, e mormente quando ella e tal que não póde admitir-se. Com effeito não tem o Thesouro meios para mandar fazer uma Cadêa em Portalegre! O Thesouro não os tem, e tem-os os habitantes daquelle Concelho, que não e opulento, nem muito populoso! Não me parece necessario demorar-me por mais tempo para sustentar o additamento que já a este respeito mandei para a Mesa, e que proponho seja applicado á materia que se acha em discussão.

O Sr. Bettencourt: — Estimo muito ter de algum modo desafiado o enthusiasmo do meu illustre e sempre digno amigo o Sr. Senador Miranda, porque pelas minhas reflexões, resultado das minhas experiencias, e pratica do meu paiz, o fiz tirar dessa sua usual prudencia para apresentar nesta Camara uma lição a mais erudita e vasta dos seus muito luminosos conhecimentos, e principios d'economia, politica, que eu tambem conheço, apesar de não ter viajado por esses paizes de que tantas luzes foram trazidas ao nosso, mas que infelizmente ainda na pratica se não tem visto, realizadas, muito se tem esperado de bens, de organisação, de reformas, de ordem; porem factos em contrario, tem apresentado males, incertezas, confusão, pobreza, e miseria (Apoiados), Eu digo que estimo muito que o meu illustre amigo instruísse a nação inteira, de principios e de theorias, tão transcendentes, e que eu mesmo tenho lido em diversos authores, mas a questão, Sr. Presidente, não é essa: a questão é, está o nosso reino nos termos de civilisação, em que estão aquelles por onde o meu illustre amigo viajou.... eu digo que não, será a prosperidade publica, a regularidade da administração em todos os ramos, que existe nesses paizes, por onde andou o meu nobre amigo, comparada ao estado de incerteza, em que se acha o nosso, onde só se vê os effeitos de uma revolução permanente, onde a confusão, tomou o logar de ordem, que só com o tempo, e vagar se podia consolidar, eu digo, que não ha comparação. A questão não é se devemos esperar que por esses grandes principios a administração venha a ser verificada no nosso paiz, que ainda verdadeiramente não tem generalisada a primeira instrucção normal pois que é raro que um homem na provincia saiba lêr. E poderei eu admittir similhantes imaginações, quando vejo que hoje quasi que não ha mestres nenhuns na sociedade portuguesa? E os que ha, se lhe não paga, o que é constante, e notorio. Eu declaro que não venho aqui fallar ao povo, a quem nunca fiz a corte, nem tambem aos enthusiastas economistas politicos, que lealmente se demorão muito nos seus planos, que apresentão belesas imaginarias, e que senão podem realisar na pratica, porque lhe faltão as bases, as rodos para os fazer andar, venho fallar á minha convicção, á minha consciencia; e permitta-se-me que eu diga isto, porque depois que o meu illustre amigo fallou na sua consciencia, tambem eu devo fallar na minha, tenho iguaes direitos, e deveres; posto que não tenho iguaes conhecimentos nem tenha imigrado, nem viajado por esses paizes tão apregoados.

Ha muita differença entre o que, o illustre Senador considera no seu gabinete, e debaixo do seu compasso, applicando os principios, que tem de uma sciencia exacta, e o que e verdadeiramente a administração publica no nosso paiz: esta está nos factos sómente. O meu illustre amigo envolve-se nos seus desejos patrioticos, e quer o bem publico, no seu sublime, e por isso quer, que tudo se dirija debaixo de planos regulares; eu tambem o quereria; porém como ando mais baixo, vejo as cousas, como realmente são, e não como quereria, que fôssem; e então cinjo-me ao possivel, seguindo a nossa peculiar posição: e porque não posso alcançar o optimo, quero se faça alguma cousa, e que o povo veja alguma cousa, de que lhe resulte utilidade palpavel, elle não entende theorias, entende objectos praticos; quer segurança pessoal, conservação de propriedade; quer beneficencia; quer justiça, e acaso, vê o Povo isto, que eu digo?... Vá ás provincias, o meu bom amigo, e conhecerá, o que se observa. Depois da restauração ainda nada resultou dessas grandes theorias, que eu tambem professo e quero, mas que entre nós não hão de produzir cousa alguma, em quanto formos despedaçados por facções e partidos sem entrarmos na verdadeira analyse do bem publico. As paixões tem tomado o logar das Leis, e dos interesses publicos, estes só existem em palavras, com sofismas, que só podem produzir, o que vêmos, e que todos confessámos, e que eu não tenho receio de ser contrariado. Em quanto a dizer o illustre Senador, que se eu tivesse viajado veria as grandes estradas de ferro, e os admiraveis meios de communicação, que ha nos paizes estrangeiros: eu confesso que, apesar de ainda as não ter visto, nem ter andado por ellas, comprehendo o que isso é: comprehendo tambem que a França, e a Inglaterra estão a batalhar ha quarenta annos, para debaixo de um systema regular e de um governo permanente bom e sabio, tirar algum resultado desses principios. Comprehendo, que a execução dessas theorias, foi o resultado de muitas experiencias, poiso aggregado de muitos factos, é que justificam os principios, e os reduziram a compendio; então para existirem aquelles, é necessario haverem meios, é preciso tempo, e tranquillidade Dos que governam, e nos que são governados, é preciso estabelecer bases sólidas, e systemas regulados pelas circunstancias, pelos costumes, e pela educação dos povos, é preciso que haja agricultura, commercio, industria, e artes, e teremos nós estes dados? Tudo está por fazer, e o que tem feito um governo, é logo desfeito pelo que se segue; a mania da refórma, sem dar tempo ao tempo, tem sido dominante, e nos tem arruinado. Mas que vejo eu em Portugal? Acaso depois de 1833 já se viu fazer alguma cousa? Que vê o meu illustre amigo? Vê Projectos do que ha lá por fóra....

O Sr. Miranda: — E o omnibus?... (Riso).

O orador: — Temos o omnibus, vieram os omnibus, mas não vieram as estradas, nem as planices, nem ainda cá vi fazer estradas como as que ha por onde tem melhorado este invento; este argumento é a meu favor, e tanto é, que a Companhia pede augmento de paga, porque perde na empresa, e tudo por causa de se querer plantar este estabelecimento onde não ha estradas proprias para tal carreira de certo os omnibus dos paizes donde vieram estes, se lá andassem com o vagar destes, por certo já não existiam. Para Belem gasta-se uma hora, e mais; assim antes quero ír a pé. É preciso pôr os meios para se conseguirem os fins: deixando os omnibus, volto ao meu discurso. Dizia eu, e perguntava que vê o meu illustre amigo? Projectos, seguindo o que viram lá pela emigração?... Viu que alguns que se fizeram no tempo da Dictadura do Senhor D. PEDRO, de immortal Memoria, foram logo substituidos por outros de outra Dictadura; donde resulta não haver nem Administração que tal, nem Fazenda, nem Justiça, nem segurança pessoal, nem de propriedade, em fim, tudo é confusão e anarchia, e impunidade, porque se julga que Portugal é só Lisboa, e Porto; as provincias estão desertas, não tem nem ouro, nem prata, apenas gira pouco cobre, e algum bronze, sendo a maior parte falso: as Authoridades não têem força; os perversos fazem o que querem, e os homens probos e pacíficos estão em observação, temendo o final desfecho; para lá caminhamos velozmente: o essencial para os grandes principios se porem em pratica, é haver Governo estavel, justo, providente, e forte na execução das Leis, boa administração de justiça, e de fazenda; em fim, um Governo, que não seja só dos do seu partido (apoiados), não esteja sempre em guerra com quem ha de ír acima, e com quem ha de ír a baixo; que hajam umas Côrtes que façam boas Leis, só tenham em vista o seu mandato, e não estarem ha seis mezes sem fazer nada (Apoiado, e rizo). O meu illustre amigo insiste em grandes theorias, e conta grandes historias dos Paizes estrangeiros; são cousas muito boas para no seu gabinete, com o compasso, e com mappas fazer um systema, um plano regular para lançar uma carta geographica. Confesso que os viajantes, e principalmente os mathematicos, com as luzes que adquiriram nos paizes estrangeiros, trouxeram ao nosso grandes interesses; mas o peior, é que ficam só com elles, e ficam reconsertados na sua imaginação, porque ainda cá não vi cousa nenhuma verificada. O meu illustre amigo, e amigo verdadeiro, alcunhou o meu discurso de exagerado, e disse que se não me conhecesse, pelo que me ouviu ácerca das estradas do Alemtéjo, me supporia algum Inglez, que nunca vira outras estradas senão as que atravessam as bellas planícies de Inglaterra; porém como Portuguez tenho viajado mais provincias do que o Alemtéjo. Estive despachado na provincia da Beira, onde muitas estradas são carris de gado, e me vi obrigado em consequencia do meu logar da Magistratura, a viajar desde 1803 até 1809 de Arganil para Coimbra, que são sete leguas, gastava dez horas com muitos incommodos, e sei por experiencia as estradas do norte, que em muitas partes se parecem com as do Alemtéjo, e principalmente com as de Portalegre. Como estava servindo de Corregedor de Arganil me vi obrigado a aboletar os Francezes na Ponta da Morcella, e toda a Cavallaria Franceza vinha apeada, e diziam: é possivel que tenham habitantes estas serras, e que tenham aqui vivido?... O meu illustre amigo admirou-se do desenvolvimento das minhas idéas, e não quer que as Camaras Municipaes, sem muito exame, e orçamentos sejam authorisadas para estas obras; eu tambem sou deste voto, porém neste ponto especial, de que se tracta, sou conhecedor, e tenho ainda reminiscencia dos incommodos que soffri quando por lá transitei, e que o meu amigo notou no principio do seu discurso = pro forma dicendi. = Quando estive em Arganil fiz muitas obras, entre ellas duas fontes, e uma ponte, e concertei as estradas, e sei que os Povos ainda se lembram de mim; os meios empregados foram dados pelos Povos, e dados com vontade, porque eu não comia delles; e tudo feito com muito modo, e administrado por homens da governança, e das Camaras daquelle tempo. Por tanto sei o que são as estradas do norte; mas considero que se essas provincias esperassem que se effectuasse o systema geral de estradas, não haveria lá por onde caminhar. A que se principiou daqui para Sacavem ainda se não pôde pôr em movimento; e porque? Porque ainda não temos administração, nem fundos publicos, nem espirito de associação: sem se tractar de civilisar os Povos irão podemos ter as consequencias dos bons principios, que eu muito desejo. Eu não combato as theorias pelas não achar boas, combato-as agora, porque não é possivel realisa-las no nosso paiz, e repare-se que esta machina ainda está toda por montar: ainda se não tractou verdadeiramente dos interesses publicos, e só se tem empregado o tempo em objectos pessoaes, que não servem senão para os partidos, ainda da mesma côr, se combaterem entre si: então que devo eu esperar: É preciso não ser enthusiasta: diz o meu illustre amigo o Sr. Miranda, quando assevera que eu excitei, e attrahí a attenção de todos os Membros da Camara; e me prodigalisa elogios, só proprios do seu caracter e bondade, e que eu por certo não mereço; enthusiasta é quem espera que os bens lhe caiam do Ceo sem tractar de os promover na terra. Em consequencia, eu tenho como principio que todas as theorias são muito dignas de ser admittidas, mas por ora ainda as não vi applicar ao nosso paiz que não fôsse com pouca felicidade; o mesmo omnibus (de que já se fallou) bem se vê como está; se se não fizerem caminhos onde elles andem, hão de por fim despedaçar-se, e matar quantas bestas lhe metterem: sem meios proprios não se conseguem os fins. O meu illustre amigo no seu discurso diz que não é pelos meios que eu quero, e sustento que Portugal lia de vir a ter estradas; e accrescenta que ha de vir a tê-las, porque Portugal não ha de ficar eternamente estacionario, nem ha de andar perpetuamente dous seculos, atrás das nações civilisadas... Sou da mesma opinião, porém o que eu não comprehendo é como se quer com a velocidade do raio supprir o atrazo de dous seculos, sem calcular pelo progresso actual, e por outras palavras magicas da moda, então até duvido que meus netos tenham estradas em Portugal. O meu illustre amigo disse, e muito me agrada a sua asserção, que eu entendo, porque se chega á minha baixa esfera; disse, ha de haver estradas quando a administração geral do paiz fôr o que ella deve ser. E será ella hoje como a deseja, e quer o illustre Senador, e eu, e todos os bons Portuguezes? Disse mais, ha de haver estradas quando entre nós se desenvolver, como é de esperar, um espirito activo de associação, e de emprezas; e já hoje teremos esse espirito, ha hoje esse dado? Cada vez o vejo mais distante. Eu quero algum bem presente, tal qual póde haver, e o meu illustre amigo faz depender de futuros contingentes essas estradas, que não ha de vêr nos seus dias, porque só bons principios, só bons desejos não fazem destruir dous seculos de atrazo, como o mesmo illustre Senador confessa. A ordem da natureza no fysico é que corresponde á ordem da civilisação moral, e politica, apesar de nos explicarmos por differentes maneiras, e de olharmos este negocio por differentes lados, mostra-

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mos os mesmos desejos pelo bem publico: não sei qual de nós mais de pressa o alcançará. E será possivel?... O meu nobre amigo prometteu no seu discurso eloquentíssimo que ainda terá occasião de fallar nesta materia com mais especialidade, e que por isso agora se dispensava de tocar em outros pontos do meu discurso, o que eu espero para me instruir, ficando o meu collega na persuasão de que eu mudarei, quando me poder convencer da realidade do seu systema, que julgo pela sua sublimidade impraticavel em quanto se não der boa e geral administração, e espirito de associação, para que appella, e reclama.

Peço muitos perdões á Camara, e ao meu illustre amigo, que tem no meu coração um imperio muito forte; mas em quanto a administração publica entendo que o seu systema não pôde actualmente aproveitara Portugal: e se nós formos assim pouco a pouco fazendo alguma cousa a bem dos povos, elles hão de dizer mais bem daquillo de que lhes provenha alguma commodidade de que tirem proveito em quanto vivos, do que dos grandes planos geraes de estradas de Lisboa ao Porto com outras estradas transversaes, que sabe Deos quando se farão. Uma obra como esta de que se tem tractado terá todo o meu apoio; Portalegre é uma Cidade rica, tem fundos, tem vontade, e interesse, pois faça estas obras, mas outras terras que nada têem nada poderão fazer. Por consequencia voto pelo parecer da Commissão por ser fundado em utilidade local daquella Cidade, e seus suburbios; e a sua situação exige aquellas obras para facilitar a Importação dos objectos de commercio, e exportação dos seus cereaes, e dos artefactos da sua fabrica, e Industria.

(Vozes. — Votos, votos.)

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o Projecto posto á votação, e approvado no Artigo unico que o constituia; a proposta do Sr. Miranda ficou por tanto prejudicada.

Leu-se depois o seguinte

Parecer.

A Commissão de Fazenda examinou o Projecto de Lei, remettido a esta Camara pela dos Deputados, sobre conceder-se á Companhia dos Actores do Porto, denominada d'El-Rei D. Fernando, uma porção da cerca do extincto Convento das Carmelitas da dita Cidade, para alli poder construir um Theatro Nacional.

A Commissão considerando que convém promover a Arte Dramatica, bem como todos os Estabelecimentos, que tem por fim o augmento das Bellas Artes, e da civilisação; é de parecer que o Projecto seja adoptado, na fórma em que vem enviado da outra Camara, e seja submettido á Sancção Real. Casa da Commissão, 15 de Maio de 1839. = Visconde do Sobral. = Luiz José Ribeiro. = José Ferreira Pinto Junior. = Barão do Tojal. José Cordeiro Feio. = Barão de Villa Nova de Foscôa. Projecto de Lei (a que te refere o parecer.)

Artigo 1.º Fica authorisado o Governo para conceder á Companhia de Actores Portuguezes, denominada d'El-Rei D. Fernando, a parte da cerca do extincto Convento das Carmelitas da Cidade do Porto, que fôr suficiente para a construcção de um theatro.

§. 1.° Para esta concessão se realisar, a Companhia affiançará com as garantias necessarias a edifficação do Theatro, e começará os trabalhos respectivos dentro de seis mezes, contados da data do Decreto da concessão.

§. 2.° A mesma concessão cessará de ter effeito desde que, por qualquer motivo que seja, cesse o objecto para que foi concedida.

§. 3.º A Companhia perderá o direito ao terreno que por esta Lei lhe é concedido, senão tiver ultimado a obra dentro de um prazo rasoavel, que lhe será marcado pelo Governo.

Art. 2.° Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 9 de Maio de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente. = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario. = Antonio Caiado de almeida e Figueiredo, Deputado Secretario.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi o mesmo Projecto approvado, assim na sua generalidade como nos dous Artigos que o formavam.

O Sr. Presidente deu para ordem do dia a discussão do Parecer e Projecto sobre authorisar as Juntas Geraes de Districto a collectar as Misericordias para sustentação dos Expostos; e havendo tempo, a do outro sobre garantias ás patentes militares: fechou a Sessão pelas quatro horas da tarde.

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