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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 27 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Estando reunidos 39 Srs. Senadores, foi aberta a Sessão um quarto depois da uma hora da tarde.

Approvada a Acta da antecedente, mencionou-se a correspondencia, a saber:

1.º Um Officio do sr. Visconde de Semodães, participando que a continuação da sua molestia o obriga a retirar-se ao Porto; e que apenas possa voltará a occupar o seu logar. - A Camara ficou inteirada.

O Presidente: — Tenho a observar á Camara que, em vista do Officio que se acaba de lêr, me parece que será necessario proceder á eleição do Vice-Presidente (Apoiado). Isto poderá ter logar no fim da Sessão de hoje, ou no principio da de ámanhã.

A Camara se conformou com este arbitrio.

Mencionou-se tambem

2.º Um Officio do Sr. José Nogueira Soares Vieira, Senador por Penafiel; accusa a recepção de uma Circular da Camara, e accrescenta que não póde ainda comparecer: remette attestado de facultativos. — O Senado ficou inteirado.

Foram distribuidos exemplares impressos do = Discurso pronunciado na Sessão anniversaria solemne da Sociedade das Sciencias Medicas de Lisboa, no dia 12 de Maio do corrente, etc.

O Sr. Tavares de Almeida: — Pelo Correio de hoje, e agora, mesmo me foi entregue um requerimento do Reverendo Parocho da Igreja de S. Martinho da Covilhã, pessoa muito benemerita em virtude, e letras. Queixa-se que as Juntas dos arbitramentos das Congruas as designam muito pequenas, e que a elle Parocho ainda se desconta a renda da casa em que habita, que é do passal; resultando ficar com muito pouco para viver, é esse mal pago, por depender da vontade dos freguezes, muitos dos quaes não pagam, nem elle póde obrigar judicialmente sem expôr a sua segurança pessoal. Isto, que é uma verdade, mostra a segurança que temos nas provincias! Relata alguns outros inconvenientes sobre o methodo actual do lançamento das Congruas, parte dos quaes são attendidos no Projecto que breve entrará em discussão nesta Camara. O mesmo requerimento trás direcção para os Senadores, e Deputados, e tendo-me sido dirigido, mando-o para a Mesa que lhe dará o conveniente destino, talvez para a Commissão Ecclesiastica, para o tomar na consideração que lhe merecer.

Passou-se á ordem do dia; estava presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros.

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DIARIO DO GOVERNO.

Foi lido o Parecer da Commissão de Guerra ácerca do Projecto de Lei, do Sr. General Zagallo, sobre promoções e garantias da Classe militar. — Obteve a palavra sobre a ordem, e disse

O Sr. Vellez Caldeira: — O Governo, quando estava no Ministerio da Guerra o Sr. Visconde de Sá, nomeou uma Commissão para tractar sobre objectos militares; desta Commissão foi Presidente o Sr. General Zagallo: eu requeria que se consultassem estes trabalhos, que podem illustrar muito a questão; e até então pedia que ficasse adiada a discussão deste Projecto, para o que faço este

Requerimento.

Requeiro que se requisitem ao Governo os trabalhos da Commissão central de que foi Presidente o Sr. General Zagallo, e até virem os mesmos trabalhos se suspenda a discussão do Projecto N.° 21. = V. Caldeira.

O Sr. General Zagallo: — Para esclarecer o illustre Senador, que fez esse requerimento direi, que com effeito se nomeou a Commissão a que se refere; mas tendo recebido ordem as Commissões reunidas á do Ministerio da Guerra, para se occuparem incessantemente do Projecto de regulamento de Administração de Fazenda Militar, não póde aquella tractar do Projecto de Lei sobre promoções; entretanto consta-me, que outra Commissão fôra ultimamente nomeada para este fim, mas não sei o resultado dos seus trabalhos.

O Sr. Conde de Bomfim: — Eu vou fallar sobre o requerimento, e para esclarecer a Camara direi que a Commissão do Ministerio da Guerra, de que se fallou, a que pertenceu o Sr. Zagallo, foi depois substituida por outra, que teve muitas sessões, durante o espaço de sete, ou oito mezes; os trabalhos dessa Commissão, quando eu estava no Ministerio, foram-me presentes, e pareceram-me excellentes. Sei que a Lei estava quasi prompta; que havia Projectos sobre os differentes objectos que ha neste Projecto; e permitta-me a Commissão que eu de passagem diga que nestes Projectos de Lei sobre promoções se tractam de objectos, que estão determinados em outras Leis, e de outros, que pertencem a outras. A Lei das reformas, é objecto que deve ser tractado na Lei de recompensas, sobre que a Commissão do Ministerio da Guerra tenciona apresentar um Projecto completo, que tambem estava quasi prompto. Por outra parte a Lei em que se tracta das propostas, a meu vêr, deve definir diversas, e importantes bases. Por todos estes motivos é que a Lei ainda não estava prompta; mas eu requereria, que o Sr. Ministro da Guerra mandasse o que lá estiver ultimado; e que fôsse presente á Commissão de Guerra desta Camara, porque julgo que isto nos daria muitos esclarecimentos: por consequencia voto pelo requerimento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministro: — Uma Lei de promoções e reformas, é uma Lei de que se falla ha muito tempo, assim como da Lei de responsabilidade de Ministros; e todos conhecem a difficuldade de fazer uma e outra. Em França não pôde haver uma Lei de promoções senão em 1832, e não satisfez, segundo alguns artigos que tenho lido nos Jornaes militares daquelle paiz, Em Inglaterra, como V. Ex.ª muito bem sabe, ha um costume, e costume sagrado, que é o muito respeito que alli se vota á antiguidade, em quanto nas fileiras; mas quando um Official parece menos apto para o posto immediato, é promovido para uma especie de 3.ª Secção a meio soldo, e alli fica. Mas em quanto nos corpos não é preterido, excepto por aquelles que compram as suas patentes, por certo modo alli estabelecido. Esta é a regra geral, mas a Corôa exerce, ainda que rarissimas vezes, o direito de demittir por casos singulares, como aconteceu com Sir Robert Wilson. Sr. Presidente, é verdade que existe um trabalho, feito por uma Commissão, para esse fim nomeada; mas não sei se esse trabalho será satisfatorio, pelo menos a meus olhos não o é completamente, mas convêm tomar conhecimento delle. Em conclusão direi, Sr. Presidente, que apoio o adiamento deste Projecto, porque eu como Ministro, e como militar, hei de oppor-me a elle na sua generalidade, e especialidade; porque não passa de ser o retalho de «ma Lei (Apoiados); e parte do que elle em si contêm está completamente providenciado na Lei de 15 de Abril de 1835. Não me opponho pois ao adiamento, até para que se veja se e possivel, que pelo Ministerio da Guerra se acabem os trabalhos que alli estão em andamento, além de que, na Camara dos Srs. Deputados ha tambem alguma cousa a este respeito.

O Sr. General Zagallo: — Eu não posso approvar o requerimento proposto, porque elle labora em grande confusão. Este Projecto, Sr. Presidente, não é mais do que uma Lei de repressão dos abusos de authoridade, a fim de que não continuem os que até aqui têem havido; mas não se alterando por elle as Leis existentes sobre promoções e remunerações militares, tambem elle não embaraça que se faça, quando sé queira, uma nova Lei sobre cada um destes assumptos, cujos Projectos nenhuma relação têem entre si, nem tão pouco com o que hoje se deve discutir.

É preciso porém que eu diga, que conheço ha muito tempo o meu illustre amigo o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, para me poder persuadir que elle use da arbitrariedade que se pertende coarctar, porque até agora ainda não deu provas disso, nem espero que as dê; mas como S. Ex.ª não póde assegurar-nos a sua permanencia no Ministerio, cumpre por consequencia prevenir o futuro Sr. Presidente, ha uma immensidade de Officiaes em disponibilidade; e nas praças o numero é tal, que comparado com o dos respectivos quadros em 1817, existem hoje de mais 152. Ha tambem um grande numero de Officiaes no corpo de Veteranos com a graduação que não deviam ter; porque se têem promovido em um dia, e mandado no seguinte para Veteranos (apoiados). Repito pois, Sr. Presidente, que a repressão destes abusos nada tem com as Leis de promoções, e de remunerações militares, de que as reformas fazem parte; por quanto por aquella se devem determinar as qualidades que hão de ter os Officiaes para serem promovidos, tomando-se por base simplesmente a antiguidade, como em Inglaterra, ou a antiguidade e a applicação, como em França; e nesta se deve determinar a escala dos serviços feitos pelos Militares, desde o tambor até o ultimo General, e as recompensas que lhes hão de competir, que é o que se precisa, e não uma Lei de reformas sómente. Mas taes objectos são absolutamente differentes daquelle que nos de e hoje occupar, visto que neste ha um fim mui diverso; e então não vejo eu no requerimento proposto razão sufficiente para que fique adiada a discussão dada para hoje; salvo senão se requer uma Lei que reprima os abusos que têem havido até agora na Repartição da Guerra, continuando os desperdicios, que são consequencias delles. Diz-se que o Exercito consome a maior parte das rendas publicas; mas como não ha de ser assim, Sr. Presidente, se o Exercito comprehende uma infinidade de Officiaes que não devia ter! Ha muitos que têem saido da effectividade do Exercito para a 3.ª Secção, sendo promovidos! Isto é horroroso. E querer-se-ha que continue assim! Podem faze-lo se quizerem; mas não serei eu que concorrerei com o meu voto para similhante cousa.

Estando pois persuadido, como estou, de que não ha necessidade de se protrahir a discussão do Projecto em questão, para quando se tractar dos outros Projectos sobre promoções, e remunerações militares, por serem totalmente differentes uns dos outros; voto por isso contra o adiamento proposto. Se o requerimento não fôr approvado, eu mostrarei então que o Projecto em questão não só é util, mas até constitucional, porque com elle se leva a effeito na Repartição da Guerra o Art. 116.º da Constituição; devendo-nos desenganar que esta não passa de um nome vão, em quanto se não marcarem os limites a todas as authoridades; porque Constituição sem responsabilidade não é Constituição (Apoiados).

O Sr. Presidente: — Eu peço aos illustres Senadores que se restrinjam a fallar sobre o requerimento que veio para a Mesa; isto é sobre o adiamento.

O Sr. Conde do Bomfim: — Segundo a recommendação que V. Ex.ª acaba de fazer tractarei de me cingir, ou fallar unicamente do requerimento, e não fallarei sobre outro objecto, por causa da ordem, ainda que o illustre orador que me precedeu (e talvez aquelle a quem V. Ex.ª dirigiu a sua observação), dava-me direito ou occasião para eu ser mais extenso, a fim não só de mostrar que este Projecto não preenche alguns dos fins que S. Ex.ª apontou, mas tambem para destruir algumas generalidades a que se referiu: não o farei porém, e passando a fallar sobre o requerimento que está sobre a Mesa direi, que acho ser muito conveniente que se vejam os trabalhos que estão começados, senão promptos, em uma Commissão do Ministerio da Guerra, e que são o resultado das meditações de alguns militares muito habeis, alguns dos quaes se assentam na outra Camara. E tem empregado todos os seus cuidados para que asse trabalho seja o mais perfeito possivel. Digo pois, que sem de grande vantagem, e interesse, que esses trabalhos sejam vistos por esta Camara, pois que elles têem merecido a approvação de muitos militares entendidos, aos quaes, eu tenho ouvido tecer elogios aos membros da Commissão especial que nomeei, em quanto Ministro, pela maneira porque tem tractado não só o Projecto de Lei sobre promoções, mas igualmente outro sobre reformas. Além de que eu não acho embaraço algum para a Commissão de Guerra desta Camara, em que esses trabalhos venham aqui, antes conveniencia, porque elles elucidarão em especial aos illustres Senadores, que não são tão fortes nestas materias, por isso que não são militares; mas, como está presente o Sr. Ministro, prescindo de os pedir, e elle os mandará, quando veja que estão nas circumstancias convenientes. Concluo, portanto, Sr. Presidente, votando pelo requerimento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu não me opponho ao adiamento, nem a que se peçam os documentos; mas não posso deixar de pedir ao meu illustre amigo o Sr. Zagallo, que me dê licença pára lhe observar, que alguns Artigos desta Lei envolvem em si materia sobre promoções, e eu leio um desses Artigos: (leu). Sr. Presidente, um dos Artigos que eu mais combaterei é o do jury, que o Sr. Zagallo pertende instituir em certos casos; porque, muitas vezes, viria a ser um privilegio concedido aos madrioes em prejuizo dos officiaes zelosos, peritos, e valentes (Apoiados). Não direi mais nada por agora, afim de não tomar tempo á Camara com a repetição do que já disse a primeira vez que fallei.

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu tambem apoio o adiamento proposto pelo Sr. Vellez Caldeira, porque me parece que o nosso desejo deve ser o de fazer uma Lei o mais perfeita que seja possivel; e para isso é por certo muito conveniente, que nos sejam presentes os trabalhos da Commissão creada para esse fim (Apoiados). Eu nada direi sobre o Projecto, porque não é agora esta a questão; mas não concluirei sem dizer, que estou persuadido que o Sr. Ministro da Guerra não póde considerar-se desligado da responsabilidade, que lhe pertence já em similhante objecto. Existindo pois essa responsabilidade, não se pôde dizer que não temos a Constituição se não passar esta Lei. Só faço esta observação, Sr. Presidente, porque ouvi ao Sr. Zagallo, que sem esta Lei não haveria Constituição. Voto por tanto pelo requerimento.

O Sr. Vellez Caldeira: — Houve um engano no meu requerimento, porque eu estava persuadido que a Commissão de que foi Presidente o Sr. General Zagallo, tinha ultimado os seus trabalhos, o de que eu não estava bem ao facto; e por isso, emendando agora o meu requerimento direi, que se peçam ao Governo os trabalhos que houver alli sobre promoções é remunerações, trabalhos que são muito precisos a vêr, por isso que elles tem uma immediata connexão com o Projecto em discussão; ficando esta adiada até que venham (Apoiados).

Julgando-se a questão discutida, o Sr. Presidente propoz á votação o requerimento do Sr. Vellez Caldeira, e foi approvado com a modificação feita pelo mesmo Sr. Senador.

Leu-se depois o parecer abaixo transcripto que havia sido apresentado em uma das ultimas Sessões.

Parecer.

Senhores. A Commissão d'Administração Publica examinou as emendas e additamentos que se offereceram ao Projecto de Lei n.° 39 sobre exportação de cereaes, as quaes todas tendem a que se declare no Projecto, que na isenção de direitos nelle estabelecida não é comprehendido o de dez réis para a Junta do Credito Publico, decretado pelo § 3.° do Art. 7.º da Carta de Lei de 31 de Março de 1827.

Ainda que a Commissão, quando redigio o mencionado Projecto, entendeu que ficava subsistindo o direito a que se referem as emendas, com tudo como o seu desejo é que na redacção das Leis haja a maior clareza, para evitar interpretações prejudiciaes, conforma-se com os authores das emendas propostas para se redigir o Artigo nesse sentido.

Considerando com tudo, que o fim deste Projecto é animar a exportação de cereaes e que este beneficio não será tão efficaz obrigando-se

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O exportador a pagar em Lisboa o direito a que se allude porque augmentaria o preço do genero não só por maior empate do dinheiro mas porque por diferentes causas póde acontecer que o genero não chegue ao porto do seu destino, entende que o referido direito se deve pagar no porto para que o genero é exportado: e fundada nestes principios offerece como substituição ao Artigo 1.º do Projecto o seguinte:

Os generos cereaes que forem exportados do porto de Lisboa para outros portos portuguezes ainda que tenham dado entrada no Terreiro Publico, serão isentos do pagamento de quaesquer direitos alli exigidos seja qualquer que fóra sua denominação ou applicação, excepto porém o de dez réis em alqueire que se acha estabelecido pelo § 3.° do Art. 7.º da Carta de Lei do 31 de Março de 1827, que será pago no porto para que os generos se exportarem.

A commissão adopta tambem o Artigo 2.º proposto pelo seu relator durante a discussão.

Sala da Commissão em 24 de Maio de 1839. = Barão de Villa Nova de Foscôa = Barão de Prime = Manoel de Castro Pereira = Agostinho Pacheco Telles de Figueiredo = Felix Pereira de Magalhães.

Abriu a discussão

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente, a Lei diz que esses dez réis se pagarão nas Alfandegas aonde os generos entrarem; por conseguinte aquelles que entrarem no Terreiro Publico, (que é uma Alfandega dos cereaes) hão de pagar alli, no acto em que derem entrada, esses dez réis, e não nos portos para onde depois forem destinados. É assim que eu entendo o espirito da Lei, e por tanto não posso approvar o Parecer da Commissão.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Eu não vinha preparado para a discussão deste parecer, por isso que não sabia que elle tinha tido a primeira leitura; mas como isto acontecesse, sempre direi que não obstante as emendas que no acto da discussão se oppozeram á Lei, não obstante achar-se então a Camara toda conforme no principio de que senão devia offender a hypotheca especial de una emprestimo, comtudo o Artigo foi á Commissão, e volta ainda offendendo essa hypotheca; porque, como bem disse o Sr. Miranda, se os dez réis applicados á Junta do Credito Publico, devem ser pagos em todas as Alfandegas aonde entrar o genero seguindo-se a opinião da Commissão, não os fica pagando senão no porto para onde fôr exportado, e podendo dar-se o caso que o genero se despache para as ilhas, o tributo alli não será dez réis porque a differença no valôr da moeda, diminuirá o producto do mesmo tributo. Pedi portanto a palavra para dizer que não posso convir com o parecer da Commissão, porque delle se seguirá, além de não se poder arrecadar o tributo em dia, um desfalque nos rendimentos da Junta do redito Publico, pela depreciação da moeda com que o pagamento tem de se verificar nas ilhas adjacentes, o que ha de impedir de algum modo a applicação a que o mesmo tributo é destinado. Eu já aqui disse, quando em outra Sessão se discutiu o Projecto n.° 39, e que agora se apresenta emendado, que pela minha parte não queria concorrer para que os generos cereaes que saíssem de Lisboa por qualquer modo, deixassem de pagar os dez réis para a Junta do Credito Publico: agora acho ainda que o parecer da Commissão offende a disposição da Lei de 31 de Março de 1827, e por essa razão voto contra elle.

O Sr. Pereira de Magalhães: - É verdade que a Lei de 1827, estabeleceu que os dez réis para a Junta do Credito Publico, sejam pagos no Terreiro Publico, e depois accrescenta, mas que se o tiveram pago noutra Alfandega o não paguem alli. Mas a Lei de 1827 suppoz que os generos que entraram no Terreiro Publico, eram consumidos em Lisboa; porque o legislador não podia cogitar que viria tão proxima a época, em que saíssem do Terreiro generos para exportar, e legislar então para essa época. O fim do Projecto em discussão é animar esta exportação, e não será efficazmente animada obrigando-se o exportador a pagar os dez réis no terreiro; a razão é porque o especulador tracta de dar valôr ao seu genero segundo o preço porque comprou, as despezas que fez e o impate que soffre o cabedal empregado; o desembolso e o impate dos dez réis em tão grande distancia do consumidor ha de augmentar o preço do genero, e como póde acontecer naufragar o navio em que o transporta, este risco tambem augmentará o preço; porque além de perder o genero, ha de perder a importancia do direito. O resultado pois de se pagar no Terreiro, é que em vez de se beneficiar a exportação põe-se-lhe um grande obstaculo, obstaculo que ha de fazer com que o Projecto quer remover. Quanto aos inconvenientes resultantes da demora dos direitos, não sendo pagos em Lisboa, a Junta do Credito Publico tem todos os meios de trazer o dinheiro de qualquer localidade para Lisboa, e pelo que respeita á differença da moeda fraca para a forte, parece-me tão insignificante que não vale a pena de gastar tempo com isso. Disse que fazemos excepção á Lei; é verdade, mas porque? Porque não era possivel que a Lei de 1827 a fizesse; porque, como já disse, não podia prever a exportação de cereaes de Portugal (Apoiado). Nas circumstancias em que felizmente está a nossa agricultura, é necessario abrir todos os canaes por onde essa exportação se possa verificar, e é neste caso que devemos obrigar os exportadores a pagar os dez réis de direitos no logar aonde queremos fomentar a exportação? Se effectivamente se quer animar a saída do grão portuguez, adopte-se o Projecto proposto pela Commissão.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu voto pela emenda, e o faço por uma razão muito forte, a qual é que assim advogo o interesse da lavoura portugueza. — O nobre Senador que observou que a moeda fraca das ilhas, pela sua differença á forte, causaria um prejuizo aos interesses da Junta do Credito Publico; deve lembrar-se que para a ilha da Madeira (e digo para esta, porque os Açôres não importam, exportam cereaes, e por tanto a sua observação refere-se á Madeira) entram cereaes de todas as partes do Mundo, que são livre e facilmente conduzidos do Baltico, do Mar do Norte, do Mediterraneo, dos Estados-Unidos, etc.; por consequencia exigir o direito de 600 réis em meio aos que forem de Portugal pata a Madeira, e exigi los em moeda forte, terá o seguinte resultado: que os cereaes estrangeiros que naquella ilha têem por Lei entrada livre, ficarão com uma consideravel vantagem sobre o grão de producção nacional quando exportado de Lisboa. E não será isto absurdo e irrisorio? De certo. Por consequencia se se não fizer uma excepção neste caso, pela qual os cereaes do reino exportados de Lisboa, não fiquem de peior condicção que os estrangeiros, será o mesmo que dar o garrote á exportação de cá para a Madeira, que os ha de receber de toda a parte menos de Lisboa, em consequencia deste imposto ser exigido á saída: 600 réis por cada meio, e pagos aqui adiantadamente, vem a ser um argumento consideravel no custo de um genero, que tem pouco valôr em proporção ao seu volume. — O que disse o Sr. Pereira de Magalhães colhe perfeitamente neste caso; augmenta-se o preço do genero, e isto faz com que o correspondente aqui, que tenha uma ordem e certos limites para enviar uma carga de 300 moios, por exemplo, tendo a desembolsar mais esses 180$000 réis, além do primeiro custo do genero, representará a quem lhe deu a ordem, que não convém effectuar o embarque daqui, e os nossos cereaes ficam em consequencia por vender, e os nossos navios por fretar, cedendo nós o terreno assim aos Mouros da Barbaria, nos Sardos, e mais nações do Mediterraneo, e do Norte da Europa, que não incorrem tal imposto, ficando este desfavor reservado unicamente para os nossos cereaes que forem daqui exportados para aquella nossa Provincia. — Eis-aqui porque eu approvo o Parecer da Commissão; e estou persuadido que da ilha da Madeira hão de vir representações, se o commercio aqui mesmo as não fizer a este respeito, com o fim de remover tal imposto sobre os cereaes daqui exportados, visto que o não pagam quando enviados de qualquer outro porto do reino, e que só Lisboa é que soffre similhante desvantagem, a qual cumpre, por injusta e impolitica, de todos os modos remover.

O Sr. Miranda: — Nesta questão tem-se posto de parte o interesse da boa arrecadação da fazenda do Estado, em quanto ao imposto de que se tracta, e isto na minha opinião tambem merecia alguma attenção. Nem todos os cereaes que vão para a Madeira dão entrada no Terreiro; por consequencia a emenda é a excepção de uma excepção: as vantagens que dahi podem resultar á lavoura são muito pequenas em relação ao mal que póde vir á Fazenda; e no que toca á Junta do Credito Publico, não desejo que se alteie nenhuma das hypothecas que lhe estão applicadas (Apoiado). Eis o grande ponto da questão; e repare-se que nem mesmo o Poder Legislativo tem direito a rescindir nenhuma das condicções dos contractos sem a consumo dos mutuantes; ainda quando fôsse um mal de muita monta pagar os direitos em um logar designado no contracto, em vez de outro. — Sr. Presidente, eu insisto nisto não tanto pelo mal que causaria ao credito o tocar na hypotheca de um emprestimo, como pela violação ser feita com tão pouco escrupulo. A mais escrupulosa boa fé em cumprir o que se acha estabelecido nos contractos, é o que habilita o Governo, para obter os meios de que póde carecer em qualquer caso extraordinario, augmentando o seu credito; e é por este motivo que eu desejaria se não alterasse aquella hypotheca, posto que houvesse authoridade para a invertermos: mantenha-se pois tal qual está, e se do contrario viesse algum favor ao commercio ou á lavoura, o prejuizo moral que resultaria de uma alteração no imposto seria muitas vezes maior. O imposto vem a importar em 2 por cento, que é uma quantidade mui pequena, e a alteração que se propõe em um quinto de 2 por cento ou em dous milesimos quantidade, que na balança do commercio, bem pouco avulta.

Quanto á differença da moeda das ilhas, ou pelo que toca á sua influencia no desfalque do imposto; quando a Lei estabelece qualquer tributo é em relação á moeda de Portugal que elle deve ser pago: ou ao par; aliàs dar-se-hia o absurdo de duas moedas em um mesmo paiz. Por conseguinte, julgo ter demonstrado que convém por todos os modos sustentar a Lei que estabeleceu uma hypotheca certa para o juro e amortisação de um emprestimo; por esta razão os trigos devem pagar os dez réis por alqueire na Alfandega em que derem entrada, sem que valha a consideração de naufragio ou avaria; porque para estes casos seria necessaria uma Lei especial ou segurasse ao carregador a importancia dos impostos que com antecipação houvesse pago, e se assim se quizer faça-se a conveniente declaração, porque eu assim como desejo que senão fraudem os rendimentos em que repousa o credito da nação, tambem quero que ninguem pague indevidamente direitos, que por Lei não estiverem estabelecidos.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O illustre Senador tem insistido muito na fé dos contractos: a Commissão não tocou nem levemente nos contractos existentes. — A fé dos contractos, neste caso, é que a Junta do Credito Publico receba dez réis de cada alqueire de cereaes que se despachar: e, pergunto eu, acaso a Commissão tira esses dez réis á Junta! Não; o que fez foi estabelecer a regra geral, nesta Lei, de que os tributos sejam impostos o mais proximo possivel aos consumidores, para que não aconteça o carregarem-se impostos aos que estão a duzentas leguas (Apoiados). Se para Lisboa vier a encommenda de alguns centos de moios de cereaes, pagando aqui mais seis tostões, tem o negociante de pagar o juro dessa quantia, e isso ha de ser proporcional á demora e risco de mar. Eu estimaria que me respondessem a esta objecção: um navio deu á costa, e perdeu-se; com que justiça se ha de levar estes dez réis ao negociante que especulou, e cuja carga perdeu? Diz-se que se ataca a fé dos contractos, e isto porque a Junta do Credito Publico ha de receber o dinheiro na ilha da Madeira. A ilha da Madeira é por ventura na China, não póde vir para aqui todos os mezes. A Commissão entendeu que o tributo devia ser pago o mais perto do consumidor; esta é a opinião da Commissão, que não tem mais interesse nisto que o Senado.

O Sr. Tavares d'Almeida: — Antes deste Projecto vir á Camara, pareceu-me facil, e sem objecção, e até lhe dei o meu assenso; mas depois de entrar em discussão me tem occorrido algumas reflexões, que me tem feito hesitar. — Já hoje na discussão se disse que o trigo estrangeiro era livre de todo o imposto por entrada na ilha da Madeira, ao passo que o mesmo genero sendo portuguez, é obrigado a pagar tributos. Na verdade é extraordinario que se favoreçam mais os generos estrangeiros do que os nacionaes; e desejaria offerecer um additamento para lançar um tributo na importação estrangeira, porém lembro-me que sobre imposições, e tributos a iniciativa pertence a outra Camara; e é por esta mesma razão que me parece se não póde approvar este Projecto de Lei, em quanto a começar neste Senado. — Diz o Projecto: os generos cereaes, que forem exportados para portos portuguezes, ainda que tenham dado entrada no Terreiro, serão isentos do pagamento de quaesquer direitos alli exigi-

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dos, á excepção de dez réis em alqueire, etc. Não importa saber quaes sejam estes direitos, certo de que serão alguns, porque se nenhuns fossem, o Projecto era inutil, e sem objecto; mas se o Projecto tracta de tirar tributos, parece-me que assim como esta Camara não tem iniciativa para os lançar, segundo é expresso n'um artigo constitucional, tambem a não tem para os tirar, e eis-aqui porque eu entendo que a discussão não póde progredir, porque começar aqui não da nossa competencia; e se isto assim não é, peço que m'o expliquem.

O Sr. Vellez Caldeira: - Pelo que acaba de dizer o Sr. Tavares de Almeida, mostra que era da minha opinião, de que esta Lei devia ser interpretativa; mas pelo Projecto agora em questão, não se tira tributo nenhum, podem os Senhores todos estarem descançados.

O Sr. Trigueiros: — Peço a palavra para responder ao Sr. Caldeira, porque elle insistiu na idéa do requerimento que apresentou em outra Sessão. Disse então o Sr. Caldeira que tinha razão para que a Lei fosse interpretativa, e não uma Lei nova, porque assim era uma iniciativa que não pertence a esta Camara; isto seria uma boa razão se aqui tivessem começo as Leis sobre tributos, por quanto está providenciado na Constituição, e a Camara decidiu que não era preciso dar uma interpretação a uma cousa que era clara.

O Sr. Barão do Tojal: — O Sr. Tavares de Almeida observou que na ilha da Madeira não sendo onerados os cereaes com o pagamento de dez réis em alqueire, cumpria tornar extensivo este tributo a esses cereaes. Observarei de novo o que já aqui tenho dito por mais vezes. A ilha da Madeira tem sido sempre favorecida quanto a tributos sobre cereaes; o proprio Governo de D. Miguel, nunca se lembrou de impôr tributo algum alli sobre cereaes, porque sendo mais vantajosa a cultura dos vinhos pelo superior interesse que o proprio Governo tira della, nunca quiz obrigar aqueces povos por meio de imposto algum á cultura dos cereaes; e isto para animar e coadjuvar os exforços dos habitantes da Madeira na cultura do seu excellente e tão afamado vinho. O que eu quero e pertendo, e que os cereaes possam exportar-se daqui para a ilha da Madeira, livres de qualquer imposto, para poderem entra em concorrencia vantajosa naquelle mercado com os cereaes estrangeiros; a nossa agricultura vai-se desenvolvendo; livre de todas as alcavalas nós poderemos em tres eu quatro annos mais exportar cereaes, farinhas em concorrencia com qualquer mitra nação do Mundo, e não precisarmos ser apoiados por nenhuma medida que sirva d'exclusão aos cereaes estrangeiros na ilha da Madeira, o que além de ser intoleravel, e altamente vexatorio para os seus benemeritos habitantes, era impolitica e reprehensivel como medida economica, e ruinosa aos interesses geraes daquella Provincia. Não Senhor, Sr. Presidente, eu desafio a concorrencia dos cereaes estrangeiros, e digo que livres os nossos cereaes de todas estas alcavalas, impostos, e torpeços, que nós os havemos expulsar de todo daquelle importante mercado pelo modico custo, e boa qualidade dos nossos cereaes, baratos fretes, e curta distancia; de mais, não compete a esta Camara a iniciativa dos impostos, e mesmo entendo que a outra Camara o não faria pelo que outro dia colhi do espirito dos seus discursos a este respeito. — Quanto ao argumento da moeda forte, não vigora, porque o Governo ha de pagar na mesma moeda em que recebe; por tanto se elle augmentar esta moeda em que cobra com a differença do cambio, segue-se que tambem deve augmentar a dos ordenados dos seus empregados alli em igual proporção, e então que aproveita nisso? E na Lei está isto estabelecido alli ha muitos annos, e é a pratica antiquissima que ainda outro dia foi confirmada de novo na outra Camara, pela Lei que fez extensivos ás ilhas dos Açôres e Madeira os impostos addicionaes sobre certos generos para augmento da dotação da Junta do Credito Publico, e a qual determina que esses impostos sejam cobrados alli na moeda fraca, ou insolana, e não em moeda forte, que é a de Portugal.

O Sr. Miranda: — Eu desejaria que o illustre Senador me informasse se os trigos que não entram no Terreiro pagam os dez réis por alqueire.

O Sr. Barão do Tojal: — Não pagam nada porque entram livremente de toda a parte, e então será um prejuizo reservado exclusivamente para o Porto e termo de Lisboa.

O Sr. Miranda: — Então fallemos claro, Sr. Presidente, não vem a pagar nada.

O Sr. Barão de Tojal: — Se o objecto da Camara é gravar os artigos de producção nacional em beneficio e protecção dos estrangeiros, então muito bem é este o modo; mas se o contrario é o seu fim, como creio, então não se conseguirá por aqui. A minha doutrina é generalisar, quanto possivel, toda a nossa industria; eu não tenho outro empenho, nem interesse em vir aqui, senão advogar os interesses e melhoramento geral de todos os ramos da nossa prosperidade nacional, que eu tenho muito sinceramente a peito; e de certo que os da lavoura do termo de Lisboa, e de toda a agricultura deste reino, e seu commercio estão á leria. Ora se isto não passar hão de ír os cereaes de toda a parte para a Madeira, e hão de deixar de ír de Lisboa; e isto não insignificantes parcellas, mas muita carga de cereaes em proveito dos negociantes desta praça, e dos seus navios; era consequencia a Lei deve ír assim, e se o não fôr, espero que logo virá da Madeira uma representação contra ella, porque nem a Junta recebeu nunca esses dez réis por alqueire de imposto sobre os cereaes que fôssem daqui para a ilha da Madeira, nem agora, menos ainda, convém fazer esta alteração, porque antigamente era impossivel exporta-los daqui; e agora que estamos em circumstancias de o vir a fazer, de certo que não convém, por este passo, esmagar no germen esta nascente prosperidade da nossa lavoura. Por tanto, se nós quizermos collocar nossos cereaes alli em pé de igualdade com os estrangeiros, é necessario que não vigore esse tributo sobre os que forem exportados daqui para a Madeira.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Sr. Presidente, eu não esteva persuadido que, por ter suscitado ainda a minha dúvida, se havia levantar uma tão forte discussão a este respeito; mas as razões que ouvi produzir ainda me não puderam convencer. A primeira razão do Sr. Pereira de Magalhães foi, que não era justo que no Terreiro se pagassem dez réis applicados á Junta do Credito Publico, porque o especulador poderia ter a desgraça de perder o navio, e que assim perderia o genero, e o tributo: esta razão não convence, porque nesse caso estão todos os especuladores de genero, e aquelle que não quer correr o risco não negoceia; e se quer negociar tem meios de segurar a sua especulação: por tanto esta razão não procede. Disseram mais outros Srs. Senadores que o objecto da lei era favorecer a agricultura; mas isso tambem eu quero com tanto que o fim seja igual, e esta providencia extensiva aos outros portos de Portugal. A exportação de Lisboa já fica assás favorecida com a diminuição do direito de vendagem que acaba por esta Lei; por tanto aqui fica a agricultura bem favorecida, como quer o illustre Senador. Diz o Sr. Barão do Tojal, que os generos cereaes estrangeiros nada pagam por entrada na ilha da Madeira: então segue-se que os cereaes portuguezes não pagavam tambem os dez réis, e por isso esta Lei é illusoria; agora de mais estou convencido que não e esta a fórma de fazer com que elles paguem, proponha o illustre Senador um Projecto de Lei, para que os generos cereaes portuguezes que são exportados para as ilhas possam concorrer com os generos estrangeiros. Disse o illustre Senador o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, que o tributo deve ser pago o mais proximamente que fôr possivel do local aonde se consome o genero; roas essa regra, que parece querer adoptar 8. Ex.ª pela sua opinião, deve ser a respeito de todos os generos cereaes, e não sómente a respeito dos que se exportarem de Lisboa; e é por isso que eu não posso concordar com elle.

Em resumo digo, Sr. Presidente, que as razões dos Srs. Senadores ainda me não convenceram de que não seja uma offensa feita á Lei, qualquer excepção que se pertenda fazer, uma vez que esse tributo não possa ser realisado em Lisboa era toda a sua plenitude. Eis-aqui as razões porque me levantei, porque quiz explicar o meu voto com mais clareza, para ser bem entendido.

O Sr. L. J Ribeiro: — O fim principal com que a Commissão apresentou a esta Camara o Projecto de Lei que está em discussão, foi o de beneficiar a agricultura, sem que entrasse na sua illustrada imaginação a idéa que parece attribuir-se-lhe de infringir a Legislação existente, ou de atacar as condições do contracto: esta é a opinião da Commissão, e por certo é tambem a minha.

Sr. Presidente, eu desejo tanto a prosperidade da agricultura, como desejo a independencia e melhoramento da Junta do Credito Publico; nem eu poderia querer outra cousa, depois de ter tido a honra de ser Deputado daquella Junta por mais de dez annos; e por isso se eu visse que o melhoramento da sua receita era prejudicado, votaria contra a Lei; mas eu estou convencido de que nem ha infracção de Lei vigente, nem a menor invasão ás hypothecas especiaes da Junta, porque os generos cereaes que se exportarem de Lisboa, se não pagarem aqui os dez réis de imposição, lá os vão pagar nas Alfandegas do reino aonde derem entrada, como está legalmente determinado. — Sr. Presidente, n Lei de 31 de Março de 1827, Lei em que eu votei como Deputado ás Côrtes daquella época, determina que todos os generos cereaes que entrarem no Terreiro Publico de Lisboa paguem dez réis por alqueire para a Junta dos Juros (hoje denominada de credito); mas convém saber que naquella época não entrava na cabeça de ninguem que de Portugal se viessem um dia a exportar generos para paizes estrangeiros (Apoiados). Agora direi mais. Sr. Presidente, que se se insistir em que os generos cereaes que se houverem de exportar do Lisboa paguem previamente aqui os dez réis por alqueire, o que se seguirá é, que taes generos cereaes não hão de saír, e que, por exemplo, á ilha da Madeira irão, como estão indo, generos cereaes de todas as nações, mas não irão de Portugal: e então, acontecendo assim, como pertendem os Srs. que impugnam o Projecto, já se vê que não melhorará a agricultura nacional, e que nenhum interesse trará dessa medida a Junta do Credito Publico (Apoiados). Além de que, a Lei de 31 de Março de 182? determina que esta imposição fôsse cobrada nas Alfandegas aonde os generos dessem entrada, mm para consumo; e é claro que os generos que se não houverem de consumir era Lisboa não virão dar entrada no Terreiro só pelo prazer de pagar dez réis em alqueire para a Junta; e tambem é claro (ao menos para mim) que uma vez que se insista em que os generos cereaes, que se houverem de exportar para outros portos do reino, paguem previamente aqui os dez réis em alqueire, taes cereaes não sairão daqui para fóra, do que podem os illustres Senadores ficar certos, especialmente para a ilha da Madeira, porque alli, desde o tempo d'El-Rei o Senhor D. Manoel, tem sido isentos os cereaes de pagar direitos alguns por entrada, era attenção ás peculiares circunstancias daquella ilha, circumstancias que tem sido sempre respeitadas até hoje. Não saíndo daqui, como é de presumir, cereaes alguns, no caso de terem que pagar previamente o imposto de dez réis, é evidente que a Junta do Credito Publico tambem os não receberá por outra qualquer causa. Em consequencia repito, Sr. Presidente, que se eu me persuadisse que era infringida a Legislação, ou atacadas as hypothecas desses contractos, oppor-me-hia então a este Projecto, porque eu hei de ser sempre um strenuo defensor das Leis, e do exacto e fiel cumprimento das condições de todos os contractos, da mesma fórma que o são os illustres Senadores, porque sem isto não póde haver credito (Apoiados). Devo porém observar, que se fôsse exacto o que dizem alguns Srs. Senadores não teria então passado ha poucos dias na outra Camara, e depois nesta, uma Lei que isentou do pagamento dos direitos de saída os generos cereaes que forem exportados para paizes estrangeiros, porque (a ser exacta a doutrina dos illustres Senadores), com a promulgação daquella Lei, tambem a Junta do Credito Publico ficou prejudicada, se esses generos se chegassem a exportar; mas não o foi Sr. Presidente, nem o poderia ser, porque só se exportaria o excedente do consumo. Sr. Presidente, os generos que houverem de ser exportados para a ilha da Madeira não devem pagar esse direito, porque aquelles povos devem continuar a gosar do favor que desde antiga época lhes foi concedido por causas mui justificadas que ainda existem, concorrendo-se por essa fórma para beneficiar consideravelmente a agricultura do continente português, sem que dahi provenha prejuizo algum á Junta do Credito Publico. Os cereaes, porém, que forem para os outros portos do reino, esses la pagam como está determinado na Lei, Para os Açôres; não se exportam nenhuns, antes de lá é que se exportam para aqui. Demais, Sr. Presidente, eu não posso convir de modo algum em que seja o povo vexado a tributos a troco da commodidade dos exactores do Fisco (Apoiados).

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Já o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa tocou em um principio exactissimo de eterna verdade e que, a meu vêr, não tem replica, porque todos os publicistas e homens d'Estado reconhecem que os impostos são sempre um mal, mas um mal necessario; e então é preciso que esse mal não se aggrave ainda mais pelo methodo da cobrança; e para isso se conseguir convém que o Governo faça com que os povos paguem os impostos á porta de uma casa, sendo possivel. Eu estou intimamente convencido de que a Lei não affecta de modo algum os interesses da Junta do Credito Publico, porque, torno a repetir, se assim fôsse, eu votava contra ella, porque sou defensor da sua independencia, tanto quanto o podem ser os illustres Senadores, que antes de mim tem fallado. E como eu não desejo senão que haja Leis para um fim util, e vejo que está bem redigida a de que se tracta actualmente, é a razão por que eu a approvo.

Eu não fazia tenção, Sr. Presidente, de fallar a este respeito; mas como se levantou uni incidente, a que eu em minha consciencia não acho pêso algum, é a razão por que pedi a palavra para o combater, e mostrar as razões que tenho para apoiar o Parecer da Commissão.

O Sr. Trigueiros: — Todas as razões que se tem produzido são mais ou menos fortes; porém a questão é o conhecer qual d'ellas e mais forte; isto é, se convém antes que o genero pague aqui o direito, ou se o deve pagar no porto para onde fôr exportado. O illustre Senador que me precedeu fallou no beneficio da agricultura, e esta a meu vêr, é que é a verdadeira questão. Sr. Presidente, se este é o meio de beneficiar a agricultura, as razões dos illustres Senadores provam de mais, e por conseguinte nada provam; porquanto, se os seus desejos são beneficiar a agricultura simplesmente, então reforme-se o Projecto e nada se pague, e este será o maior beneficio que a agricultura póde receber. A questão porém reduz-se a saber, qual o modo conveniente de impôr esses dez réis aos generos cereaes, visto estar assentado que se imponham? Saibamos agora se elles ficam impostos por tal modo. O illustre Senador o Sr. Miranda, e primeiro o Sr. Visconde de Porto Côvo, apresentaram um argumento a que eu ainda não vi responder; argumento que eu agora farei meu, porque o acho de muita fôrça. Por ventura a moeda da ilha é igual á de Portugal? Não: logo os dez réis de Portugal não hão de ser equivalentes á moeda forte correspondente da ilha da Madeira. Sr. Presidente, todo o paiz sabe, e eu já o tenho mostrado por factos, que tenho muito a peito o concorrer para que se promovam os interesses da agricultura de Portugal: mas eu não entendo que se possa, nem deva promover os interesses de um ramo de riqueza nacional, á custa do outro, ou compromettendo os interesses de outro (apoiados) da verdadeira harmonia dos recíprocos interesses, é que ha de renascer a prosperidade de todos, e não o desequilibrio. Sr. Presidente, o estado da nossa agricultura hoje, não é o mesmo estado do tempo do reinado do Senhor D. Manoel, nem mesmo o que era ha seis annos atraz; e conseguintemente não e possivel que hoje se queira fazer o mesmo que então se fazia; as Leis de então tinham uma razão, as Leis de agora devem ter a sua: então era justo alliviar de impostos os cereaes estrangeiros, os nossos tambem não remunerados; e hoje, que o estão, será justo sobrecarregar os nacionaes beneficiando os estrangeiros? Sr. Presidente, como é que se quer beneficiar a agricultura á custa de uma fracção tão pequena e deminuta, que affecta em muito pouco o interesse de uma provincia, quando senão tracta de dar o mesmo beneficio para todos os nossos portos e a todo o paiz, que tem pelo menos iguaes razões? Não o sei. Em consequencia, Sr. Presidente, lembrou-me que para proteger a nossa agricultura, como eu muito desejo, especialmente a exportação, e consumo dos nossos generos cereaes (que em algumas partes não encontram preço algum), convinha tomar-se a providencia que eu exarei na seguinte proposta que vou lêr. - É a seguinte:

«Proponho que os generos cereaes estrangeiros, que entrarem na ilha da Madeira, sejam Onerados com os mesmos impostos que os cereaes estrangeiros pagam quando importados em Portugal. Lisboa 27 de Maio de 1839. — Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Isso é uma nova proposta, que deve seguir os tramites legaes.

O Sr. Trigueiros: — O illustre Senador póde chamar-lhe o que quizer; eu chamo-lhe um additamento.

O Sr. Presidente: — Pôr-se-ha á votação depois do parecer que se discute.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Responderei ainda a algumas reflexões do Sr. Visconde de Porto Côvo, produzidas contra o parecer da Commissão.

O illustre Senador combate a disposição do pagamento dos direitos, nos portos para onde os cereaes forem exportados, porque (diz elle) se queremos com essa medida arruinar os especuladores, devemos fazer o mesmo a todos os de qualquer genero. A isto respondo que quando se tractar de beneficiar a exportação de qualquer producto, então animaremos os seus especuladores em toda a parte; mas nós agora tractamos sómente de favorecer os exportadores de generos cereaes. Disse tambem o illustre Senador que não quer só favorecer o commercio do porto de Lisboa, e que deseja que o dos outros portos do reino seja igualmente favorecido, e gose dos mesmos beneficios. A isto respondo com a Lei de 1827, que legislou só para os cereaes que entrassem no porto de Lisboa, e não para os que entrassem nos outros portos nacionaes; peço ao illustre Senador queira ter a bondade de lêr o §. 3.° do Artigo 7.° da mesma Lei onde diz: (leu). É necessario attender a que em 1827 a hypothese, a respeito destes generos, era muito differente da de hoje em 1827 afluía de toda a parte trigo a Lisboa, e não se exportava daqui para parte nenhuma; a hypothese do Projecto é inteiramente diversa, porque tracta de favorecer a exportação do trigo de Lisboa para outros portos. Quanto ao pagamento, isso é expresso naquella Lei, e este Projecto tracta de um caso especial: por tanto a este respeito não responderei a mais nada.

Relativamente ao que se disse sobre a fé dos contractos (e para responder a isto principalmente, é que eu pedi a palavra) direi que se a Camara não admittir o parecer da Commissão cahe n'uma horrivel contradicção; porque, se nisto ha quebra de contracto, existe já a mais, fragante no Projecto de Lei que aqui se approvou, e que passo a lêr: (assim o fez e proseguiu). Pois então isentam-se deste direito os generos que sahem para paizes estrangeiros, sem reputar que se infringem os contractos, e ha quem diga que nós os infringimos quando legislamos para os portos nacionaes? No Projecto que li revogou-se a Lei e o direito; neste Projecto a Lei e o direito subsistem, coma differença do logar onde este se deve pagar. Repito por tanto que, se senão admittisse o parecer da Commissão, o Senado cahiria n'uma contradicção manifesta, tendo approvado o Projecto que li, e que é Lei. A Commissão não falla na ilha da Madeira; por incidente fallou nella o Sr. Barão do Tojal, e assim progrediu a discussão; mas a Commissão não tractou desse nem de outro porto, estabeleceu uma regra geral para todos os portos portuguezes, isto é, fez extensiva a Legislação do Decreto da segunda dictadura, aos cereaes que saissem do Terreiro para se exportarem para portos portuguezes.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Levanto-me para responder ás observações de um illustre Senador, em quanto disse que algumas das asserções que eu tinha avançado provavam de mais, e não provavam nada. O que eu disse, e ainda repito, é que estou inteiramente convencido que pelo parecer da Commissão não ha infracção de Leis, nem quebra de contractos. Tanto a Commissão como a Camara tomaram as cousas como elles estavam: agora é que se sabe que na Madeira os cereaes não pagam direito algum por entrada. Se os devem ou não pagar no futuro é da competencia do Sr. Ministro da Fazenda; elle verá se póde ou não levar alli a execução desta Lei. O facto e que naquella ilha se consome uma grande quantidade de cereaes, os quaes vão de fóra, porque os não tem proprios, e se aqui se lhe impozerem direitos, os nossos não irão lá; e então quer se adopte uma, quer outra cousa, a Junta do Credito Publico não receberá delles cousa alguma. Por conseguinte não vejo prejuizo algum, para o cofre da Junta, em que este direito se pague nos portos para onde os generos forem destinados; e do contrario vejo um grandissimo prejuizo para a agricultura do paiz. Se eu não soubesse com certeza que alguns dos illustres Senadores, que tem impugnado a opinião da Commissão, eram lavradores, não poderia accreditar que fallassem de similhante maneira: porém eu que o não sou, advogo aqui os interesses, e disso me honro muito.

A base principal das riquezas das nações é a agricultura, e não ha duvida que esta vai prosperando em nosso paiz. Não digo que já esteja n'um estado que agrade aos proprietarios, porque elles ainda não acham para Os seus generos um preço sufficiente e que os contente; mas isso provém de causas que as Leis não podem prevenir: uma d'ellas, e talvez a principal, é o elevado preço dos salarios, e a agiotagem dos papeis do Governo; outras são as más estradas, a pouca permanencia das causas, etc. Entretanto é fôrça que os operarios se moderem, e com o tempo hão de talvez contentar-se com a paga do seu trabalho nesses mesmos generos, se quizerem subsistir. A causa dos lavradores não tirarem todo o proveito que deviam da sua agricultura, não vem dos generos valerem pouco: o signal caracteristico da verdadeira prosperidade de uma nação é quando os seus productos chegam á maior perfeição, e se vendem n'um prazo rasoavel, e pelo menor preço possivel, excluindo sem prejuizo dos emprehendedores, a concorrencia dos estranhos: os que estão neste caso, precisamente, devem considerar-se em melhor posição; mas ás causas da penuria entre nós são filhas de circumstancias extraordinarias que hão de acabar com o tempo, á proporção que a ordem se fôr consolidando, e houver utilidade. Insisto pois em que a Lei passe como propõe a Commissão; o que desejo é o bem do meu paiz porque sou representante de toda a nação, e estou convencido que deste modo se concorrerá para o melhoramento da agricultura; e senão deteriora a renda da Junta do Credito Publico. O resultado ha de ser este: se se consignar na Lei que os cereaes que derem entrada no Terreiro, para serem exportados, paguem previamente os dez réis para Junta do Credito Publico, esses generos não se exportarão, e por tanto nada produzirão para a mesma Junta; em Lisboa hão de dar entrada tanto generos cereaes quantos forem necessarios para se consumirem e nada mais, visto que ha a fortuna de os haver. Concluo por tanto que me parece que as minhas asserções provam alguma cousa de positivo.

O Sr. Bettencourt: - A historia que deu causa a este Projecto se apresentar ao Senado, não vem fóra da questão, e é a seguinte — Este Projecto nasceu do Parecer da Commissão d'Administração sobre a responsabilidade, que se exigia da Commissão Inspectora do Terreiro Publico, por ter erigido direitos de 232 moios, e 55 alqueires de milho que deram entrada no mesmo, para consumo, e que depois se quizeram despachar para a ilha da Madeira, vendo se que não se podiam alli vender com vantagem, ou por outra qualquer razão, veio a questão a este Senado, e como se julgasse que para o futuro era verdadeiramente uma força que se fazia obrigar aquelle genero a pagar direitos, por isso que era nacional, indo para outro porto portuguez, viram as Commissões de Administração, e Legislação a necessidade de fazer um Projecto de Lei, que alguem quiz que fôsse Lei de interpretação, e alguem que fôsse uma Lei nova; mas sobre isto não falarei. Se aquelle milho devia, ou não pagar direitos foi objecto da questão: convém -notar que naquella época, todos os generos por franquia, em conformidade do Decreto de 22 de Março de 1834, estavam debaixo da fiscalisação da Alfandega Grande, que só davam entrada no Terreiro Publico, os generos cereaes, para consumo. Ora é certo que o requerimento do especulador, que fez ao Governo, foi informado pela Administração do Terreiro em Março de 1837; e em 3 de Julho do mesmo anno, recebeu Aviso do Ministerio do Reino, de que tinha sido indeferido o dito requerimento. Se aquelle milho entrasse em virtude da Lei de 22 de Março de 1834, que legitimava as franquias, então era a Alfandega Grande quem devia dar o despacho para a exportação, e não pagava o milho cousa nenhuma; mas não foi assim. Tal foi o motivo porque a Commissão se julgou obrigada a apresentar um Projecto de Lei. É assim ou não? (Apoiados). A pessoa especuladora deste negocio, vendo que não podia reputar o seu genero no consumo de Lisboa, pegou nelle e mandou-o para a ilha da Madeira, recusando pagar os direitos no Terreiro, porque assentou que os não devia: entretanto, dizendo a Lei de 14 de Setembro de 1837 que no Artigo 6.º declara em pleno vigor o Alvará de 15 de Outubro de 1824, que manda, que tudo que entrasse no Terreiro devia paga-los; daqui é que proveio a questão, tendo o especulador depositado os mesmos direitos, até decisão judicial.

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Agora digo que os illustres Senadores que defendem o rendimento da Junta do Credito Publico, sobre o objecto do contracto que se fez com os mutuantes, devem ficar descançados porque não tornará a acontecer cousa similhante á hypothese que aqui se apresentou, porque não ha de haver ninguem que, depois de ter entrado com o seu genero para consumo, na Repartição do Terreiro, o queira tirar para o mandar para a ilha da Madeira, ou para qualquer outro porto nacional; é hypothese que não tem de verificar-se. O que disse um illustre Senador a este respeito é exacto; ninguem que quizer exportar cereaes para a Madeira ha de dar-lhe entrada no Terreiro: aconteceu assim uma vez, porque quem especulou julgou que vinha a fazer vantagens obtendo maior preço, e isto se verificaria a não ser a Lei que obrigava todos os generos que entrassem alli a pagar direitos. Por consequencia, decida-se o que se quizer, a Junta do Credito Publico não ficará prejudicada: por tanto parece-me que o objecto não vale a pena da discussão.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Eu não posso já fallar sobre a materia, porque o regimento desta Camara me prohibe, portanto pedi a palavra para dar uma explicação. A Lei que apontou o Sr. Magalhães, é uma Lei geral, e esta Lei é uma Lei de excepção sómente para os generos exportados de Lisboa, e se acaso na Madeira senão exige este tributo, é impôr um tributo imaginario porque não pagando no Terreiro não pagam na Madeira, e então é nullo o Projecto, e são nullas as providencias que por elle se pertendem dar.

O Sr. Cordeiro Feio: — A Commissão pertende que o direito se pague no logar para onde o genero fôr exportado, isto é, que o direito seja pago o mais perto do consumidor; e os que impugnam o parecer, querem que se pague aqui em Lisboa, isto é, o mais perto de quem ha de receber o producto desse direito, opinião esta que eu partilho: com effeito sendo o direito, de que se tracta, para a Junta do Credito Publico, nada é mais natural e mais proprio do que pagar-se em Lisboa, onde se acha a mesma Junta, e até é conforme com a lei existente, que manda pagar aquelle direito na 1.º Alfandega, onde o grão der entrada.

O Sr. Barão do Tojal: — Agora acaba de se dizer, que a differença entre a moeda fraca da ilha e a moeda forte produz no direito um augmento de um real por alqueire, e diz-se ao mesmo tempo que por causa deste augmento não irá um alqueire de trigo para a Madeira! Isto Sr. Presidente é um absurdo. Seria crivel que a differença de um real por alqueire pozesse o mais pequeno obstaculo a qualquer especulação de trigo para a Madeira, quando aquella differença apenas produziria 6$000 em cem moios de trigo? Diz-se tambem que o pagamento dos direitos em Lisboa ha de obrigar o especulador a maior empate de capital, empate que o ha de desanimar, e fazer com que elle vá buscar o trigo ao Baltico em logar de o levar de Lisboa?! Ora, Sr. Presidente o empate é de dez réis por alqueire, ou de 60$000 em cem moios de trigo. E será possivel que por causa de um empate de 60$000 réis se deziste de mandar uma carga de cem moios de trigo?

Diz o Sr. Luiz José Ribeiro: — que esta materia já na Sessão antecedente se achava muito bem esclarecida: o que é verdade, e tanto que eu julgava que na acta se achava consignada uma decisão conforme á opinião, que sigo; e estou certissimo que o Sr. Ministro da Fazenda assim o pedio e sustentou, no que foi apoiado por toda a Camara, de maneira que muito me admirei quando ouvi lêr o parecer da Commissão que é em sentido opposto.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Disse o Sr. Visconde de Porto Côvo que votara pela Lei que isentara dos dez réis o trigo que se exportasse para portos estrangeiros, por ser uma Lei geral, e que votaria por este projecto se fôsse tambem uma lei geral, isto é que os trigos que se exportarem dos outros portos portuguezes tambem não paguem. Responderei que pela Lei de 1837 já muitas vezes citada, todos os productos portuguezes são isentos de direitos; e só o que não estava isento era o trigo que entrava no Terreiro; e para o fazer entrar na regra geral é que é esta Lei, e se S. Ex.ª gosta de regras geraes deve votar pelo projecto: mas ou entre na regra geral ou não, o certo é que o argumento mais forte contra o projecto é que se violam por elle os contractos que os credores tinham feito com a Junta do Credito Publico; o argumento que eu fiz em que esse contracto se estava violado era pela outra Lei, que ha poucos dias

se approvou nesta Camara, pela qual foi extincto o direito a respeito dos cereaes exportados para o estrangeiro, mas por esta não, porque o tributo subsiste, e a differença é somente de ser pago, não no Terreiro, mas no porto portuguez que o importar. Não sei porque esta questão se tornou sómente entre a ilha da Madeira e Lisboa, quando de que se tracta, é de todos os portos de Portugal; não é portanto sómente para a Madeira, que é uma pequena fracção da Monarchia Portugueza: o Sr. Barão do Tojal fallou na Madeira, como por exemplo, mas aqui no Projecto falla-se em portos portuguezes. Diz o Sr. Bettencourt que ha de ser muito pouco o trigo que ha de saír do Terreiro para se exportar; assim será mas é preciso que essa tal ou qual quantidade que houver de sair e por que effectivamente já tem saído, e póde tornar a saír, entre na regra geral: esta é que é a questão, o mais tudo é divagar: aqui não se tracta senão de pôr o trigo que entra no Terreiro Publico, e que delle saír para se exportar para portos portuguezes, na regra geral da Lei, que isentou os productos nacionaes do pagamento de direitos, a fim de fomentar mais a exportação dos cereaes, que nos sobejam. Disseram tambem alguns Senhores, que na Madeira, por exemplo, como ha uma Lei que isenta de todo o tributo os cereaes que lá entram, que não hão de pagar nada os que se exportarem do Terreiro; e eu digo, que se até agora não pagaram hão de pagar d'aqui por diante, porque, se essa Lei fôr approvada como nella se determina que paguem, essa Lei a que se allude fica revogada para este caso, e então ao Governo compete fazer os regulamentos necessarios e convenientes para tornar effectivo o pagamento do direito que por esta Lei se manda pagar no porto em que entrar o genero.

O Sr. Miranda: — O additamento ha de ser rejeitado, nem póde deixar de o ser, porque tracta de estabelecer um imposto; mas se a Camara rejeita esse artigo deve rejeitar o parecer da Commissão; é um dilemma de que se não póde saír. Tem-se divagado da questão para illudir a força dos argumentos.

Pagando-se os dez réis na ilha da Madeira paga-se o mesmo que em Portugal! Serão dez o mesmo que oito? Poderá alguem prova-lo? Em consequencia ha uma diminuição de direitos. Ha effectivamente esta diminuição ou quebra; por quanto mil réis na ilha tem o valôr ao par de oito tostões pagos em Lisboa: por consequencia ha uma quebra de direitos; e uma diminuição nos direitos estabelecidos por Lei. Tem-se tambem argumentado com as vantagens, que desta diminuição proviriam á agricultura, e para prova-las, invocou-se um principio cuja verdade não é sempre verdadeira, e vem a ser; que quando os generos estão baratos o paiz prospera. Oxalá que assim fôra! Se assim fosse nunca Portugal deveria estar tão prospero como na época presente. Mas qual é a sua prosperidade nós o sabemos, e o sentimos. Sustentando o parecer da Commissão não se protege a agricultura, porque segundo a Lei os trigos portuguezes levem na ilha da Madeira pagar dez réis por alqueire para a Junta do Credito Publico, quando os trigos estrangeiros não pagam nada; com effeito não póde haver melhor, nem mais bem entendida protecção! Então não queiramos enganar-nos; fallemos claro; diga-se que ficam isentos de direitos todos os trigos que vão para a ilha da Madeira; é melhor fallar claro. Eu pedi a palavra para esta explicação; e para mostrar que a Camara está na posição de adoptar o additamento e rejeitar a Lei, ou rejeitar esta, e aquelle simultaneamente.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu hei-de procurar não divagar. O ponto em questão é se os dez réis sendo pagos na ilha da Madeira diminuem a imposição: ora eu perguntarei aos Senhores que dizem isto, como é que se observa a Lei da Decima que manda pagar quatro mil réis por um cavallo; paguam-se lá quatro mil réis fortes, ou segundo a moeda da ilha? Paga-se pela moeda da ilha: pelas razões que deu o Sr. Miranda. Então está-se contravindo a Lei; porque a Lei diz por um cavallo, pague-se quatro mil réis (vozes: — Não vem nada ao caso). — Vem tudo para mostrar como lá se paga, é pela moeda do Paiz, e não pela moeda de Lisboa: como se ha de pagar? Com a moeda do Paiz aonde se consumir? Isto quanto a moeda: agora quanto ao que disse o Sr. Cordeiro Feio, que por um real se estava questionando; não Sr. não é por um real, é para não pôr em risco o negociante que vai exportar para um porto nacional, a perder a sua carga por um naufragio; e além disso perde os direitos: esta é a razão, e não pela mesquinhez de um real: é pelos principios geraes, e não por casos especiaes, que se querem apresentar, que se deve decidir esta questão.

O Sr. Trigueiros: — Eu pedi a palavra, e hei de usar della; pedi a palavra sobre a ordem quando V. Ex.ª ia propôr á votação, sem entrar em discussão, o additamento; e pedi a palavra tambem para mostrar que no fim se ha de rejeitar o additamento pelas razões porque deviamos talvez ter rejeitado a Lei.

Aproveitarei a occasião para responder ao Sr. Vellez Caldeira, antes que elle se vá embora (o Sr. Vellez Caldeira levantando-se para saír). Disse este Sr. que não violava a Lei, por este argumento de que se pagava menos, e que tal argumento de violação de contracto não colhe. Ora S. Ex.ª recommendo-nos que não divagassemos, mas perdoe que eu lhe diga que elle divagou nimiamente, porque fallou muito fóra da verdadeira questão; por quanto, a questão a tractar agora é se esta imposição serve de hypotheca a um contracto: se S. Ex.ª me provasse que não havia nenhum contracto hypothecario, então a questão mudava de figura; mas não o provou, e portanto não colhem as razões que produziu quando compara as outras imposições a esta; porque os outros impostos não estão no caso deste, e conseguintemente a differença entre uns e outros, é immensa.

Disse outro illustre Senador, que o objecto que a Commissão teve em vista foi o não sujeitar o especulador ao risco que poderia correr na perda de mais esses dez réis pagos em Portugal, quando se desse o caso de haver um naufragio. Mas, Sr. Presidente, é possivel que nós possamos prevenir até ao ultimo, todos os inconvenientes que póde trazer comsigo uma especulação? Isso não é possivel, nem é praticavel; nem nos pertence; a idéa, que alguem concebesse, de querer evitar todos os riscos que se possam dar quando se emprehender uma especulação qualquer, seria uma chimera; o especulador terá esse cuidado, e será mais feliz do que nós (Apoiados). É este por conseguinte um risco mais com que deve contar aquelle que fizer uma especulação, risco que entrará nas probabilidades de sua especulação. O segundo argumento que se produziu é, que esta medida iria fazer muito mal á agricultura: mas a este respeito direi que tudo quanto se tem dito não póde convencer. Já o Sr. Cordeiro Feyo mostrou, e muito bem, que os reaes de differença que ha entre a moeda forte, e a fraca, (por alqueire) não fará de certo com que deixem de ír á ilha da Madeira os generaes Cereaes; e isto é exacto, Sr. Presidente. Agora porém devo declarar, que o que eu particularmente tive em vista foi o mostrar que o meu additamento deve necessariamente entrar em discussão, porque na discussão delle uma de duas; ou se ha demonstrar que deve passar pela sua reconhecida justiça, ou do contrario que não deve passar por não compelir a materia delle a esta Camara: e sendo assim então tambem não póde passar a Lei, que nem ao menos está escudada com uma justiça incontestavel, como o additamento. O illustre relator da Commissão, e o Sr. Luiz José Ribeiro, fundaram-se neste argumento: de que a Lei que estabeleceu os dez réis para a Junta do Credito Publico, não podia ter em vista de maneira alguma, os Cereaes que se exportassem para a ilha da Madeira, porque nunca tinha acontecido, tal exportação, nem era possivel prevenir que ella acontecesse. Mas, Sr. Presidente, servindo-me eu deste argumento, direi que se o não teve em vista, então é necessario estabelecer um novo direito, e neste caso dá-se a mesma circumstancia que se dá pelo additamento, no qual tambem se estabelece um novo direito; e se por estas razões foi rejeitado o additamento, tambem o ha de ser a Lei, ou teremos uma omnipotencia parlamentar nesta Camara maior que a de Deos, fazendo uma cousa cuja, e não cuja ao mesmo tempo; escolham os Srs. Senadores deste dilemma a ponta que melhor lhes quadrar.

O Sr. Tavares d'Almeida: — Da primeira vez que tive a palavra estabeleci uma questão que me parecia dever ser attendida; porém observo, que faltando muitos Srs. a favor do Projecto, e tambem o Sr. relator da Commissão, nenhum delles se referia nem em uma unica palavra ás minhas reflexões; quero-me persuadir que, ou me não expliquei bem para me fazer entender, ou ainda o que já disse um

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DIARIO DO GOVERNO.

illustre Senador, que falta de resposta era o argumento maior a fazer das razões que eu produzi, porque as objeções fortes põem-se de parte, e não se tracta d'ellas. Sr. Presidente, eu entendi o que ha pouco disse o illustre relator da Commissão, que os generos Cereaes importados nas ilhas, não pagavam cousa alguma; e que agora é que ficavam estabelecidos dez reis por alqueire para a Junta do Credito Publico; e assim é porque o Artigo diz o seguinte: (leu). Mas então, Sr. Presidente, temos que este Projecto estabelece um novo tributo; e que esta Camara toma uma iniciativa directa sobre elle; e temos tambem outra iniciativa para tirar todas as outras imposições que o trigo paga tendo dado entrada no Terreiro se elle houver de ser exportado para os portos portuguezes; isto e, o Projecto põe, e tira tributos, o que não póde ser porque por um Artigo da Constituição se vê, que esta Camara não tem a iniciativa sobre elles: e como a esta razão se não responde eu insisto na minha primeira opinião, e vem a ser, que o Projecto não póde ser approvado, nem tambem o póde ser o additamento proposto, pelo Sr. Trigueiros, do qual additamento se eu bem vejo os fins, creio elle só o apresentou com vistas de chamar sobre elle a attenção da Camara, para tambem a chamar sobre o Artigo em discussão (apoiados). Concluo pois votando contra o Projecto, que incompetentemente tem principio nesta Camara.

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o Parecer da Commissão posto a votos e approvado, na parte relativa á substituição do Artigo 1.º do Projecto a que se refere.

O Sr. Presidente: — Vai-se lêr o additamento do Sr. Trigueiros.

O Sr. Leitão: — Eu peço permissão ao illustre auctor do additamento para lhe dizer, que isso a que elle até agora tem chamado additamento, não o é; mas sim verdadeiramente uma nova proposta, e como tal deve ser considerada pela Camara, e seguir aquelles tramites que manda, se observem, o Regimento que nós temos seguido, e que diz assim: (leu). A proposta apresentada pelo Sr. Trigueiros, contem cousas differentes do Projecto de Lei em discussão, porque ella tem por fim impôr novos tributos sobre os generos Cereaes estrangeiros, o que não tem relação nenhuma com o Projecto que actualmente se discute; e por isso não póde tractar-se juntamente com elle (Apoiados). Entendo pois, que ainda que a Camara admitia esta proposta, ella deve ser remettida a uma Commissão a qual depois de muito a meditar, nos apresentará o seu Parecer sobre ella, e então será aqui discutido; mas nunca e possivel que se discuta já, e immediatamente apenas foi apresentada (Apoiados). Eu não quero, Sr. Presidente, entrar por ora na demonstração da incompetencia desta Camara, para tractar do objecto que a proposta contém; só quero neste momento provar que não é um additamento, e sim uma nova proposta, e esta é que é agora a verdadeira questão; porque a outra ha de ser tractada depois de se terem seguido os termos que prescreve o Regimento (Apoiados).

O Sr. Presidente: — Sobre a ordem direi, que eu ia propôr á Camara que decidisse, se considerava esta proposta como um additamento, ou como uma nova proposta: a Camara é que o há de declarar, porque sobre isso ha opiniões. Por tanto, se a considerasse como additamento, havia de ser posta em discussão, e cada um sobre ella diria o que entendesse; mas se a Camara a considerasse como nova proposta, então necessariamente ha de seguir os tramites que acaba de indicar o Sr. Senador.

O Sr. Miranda: — A materia não é estranha á questão, e tanto o não é, que se fôsse da competencia desta Camara havia necessariamente de ser admittida á discussão. A proposição é nova, mas a materia é identica; porque tem relação a um imposto sobre Cereaes. No entretanto este additamento appareceu, para fazer vêr o contraste que havia entre elle, e o Artigo em discussão. Este additamento é uma especie de argumento muito parlamentar, e de que ha muitos exemplos; é um meio indirecto de fazer sobresair a falsidade de uma proposição, pela comparação de outra que não obstante derivar do mesmo principio, ninguem estaria disposto a approva-la. No caso em questão, facil é mostrar que o additamento é sobre materia estranha, ainda que respectiva ao projecto em discussão; e por conseguinte não ha necessidade de que se sigam os tramites apontados pelo meu illustre collega: e como ha de ser necessariamente rejeitado, parece-me que para não perder tempo, o verdadeiro era pô-lo V. Ex.ª á votação (Apoiados).

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, quando eu offereci o meu additamento estava perfeitamente convencido de que elle não tinha logar, mas vi que delle tiraria um de dons resultados, ou o mostrar-se que não devia passar o Artigo em discussão; ou o resultado de se approvar o additamento ficando assim com grande beneficio a nossa agricultura, pareceu-me que o primeiro seria mais provavel, visto que ha aqui quem queira, que a Madeira e offerece esse imposto da Lei em questão, e votaria contra ella alguem que tinha interesse em que se fizesse esse beneficio áquella ilha: porém não aconteceu assim, o imposto votou-se, o additamento não se póde votar. Todavia lá existe a contradicção, Sr. Presidente, ella será considerada em tempo...

Concluo declarando que retiro o additamento (Riso).

A Camara conveiu, adiando o resto do Parecer que acaba de discutir-se.

Mencionou-se um Officio, pelo Ministerio do Reino, participando que o Beija-mão, que devia ter logar no dia 30 corrente, ficava transferido para o dia 31, no Paço da Ajuda pela uma hora da tarde.

O Sr. Presidente: — A Deputação de Honra que ha de cumprimentar a Sua Magestade será composta, além do Presidente, dos Srs. Senadores

Barão de Prime,

de Villa Nova de Foscôa,

de Vilar Turpim,

Basilio Cabral,

General Zagallo,

Conde do Farrobo.

Consultando depois a Camara, resolveu que no dia seguinte se reuniria em Sessão ordinaria, antes de se dividir, em Commissões. Foi dada para ordem do dia, a eleição do Vice-Presidente do Senado; em seguida, a discussão do resto do Parecer da Commissão de Administração, adiado hoje; e, havendo tempo, a continuação do Projecto de Regimento interno: fechou-se a Sessão passava de quatro horas.

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