O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 878

878

DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 3 de Junho de 1839.

(Presidencia do Sr. Visconde do Sobral, Vice-Presidente.)

Aberta a Sessão pela uma hora e um quarto, verificou-se a presença de 39 Srs. Senadores.

Approvada a Acta da precedente, disse

O Sr. Vice-Presidente: — Tenho a honra de participar á Camara que o nosso Presidente me encarregou de fazer constar que, por motivos muito urgentes, lhe não era possivel vir hoje occupar a Cadeira. — (Inteirada.)

Foi lido o seguinte

Officio.

Ill.mo e Ex.mo Sr. = Tendo desde a idade de dezasseis annos trabalhado constantemente pela independencia da minha Patria, e por vê-la gosar dos beneficios que devem resultar de um Governo representativo, não foi por certo a differença dos principios exarados nas Constituições de 1820 e 1836, ou dos que houvessem de se exarar na que devia resultar da combinação de ambas, que me decidiu a pugnar pela conservação da Carta Constitucional de 1826. A certeza que era ella a mais liberal das Constituições estabelecidas na Europa, e que continha em si mesma officio de remediar suas imperfeições; a convicção da sua nacionalidade porque ainda que de origem não popular, não só tinha sido recebida pela Nação com o maior enthusiasmo, mas por ella tinha sido de novo estabelecida á custa dos maiores sacrificios, da mais espantosa constancia, e do mais acrisolado valôr; o facto de que em nenhuma Cidade, Villa, ou Aldêa do Reino o movimento de nove de Setembro tinha sido espontaneamente seguido, é que a proclamação de uma nova Constituição, e a abolição daquella com a qual o Throno estava tão intimamente identificado, foi o resultado de uma ordem em nome do chefe do Poder Executivo, precedente terrivel prenhe de funestas consequencias para a causa da liberdade; a persuasão que a Carta estava ao abrigo dos ataques dos inimigos internos, e externos, das instituições liberaes, e que portanto os nossos filhos, e netos gosariam da liberdade nella consagrada, taes foram os poderosos motivos que me levaram a não prestar juramento á Constituição que devia fazer-se, e, cedendo ás solicitações de um imenso numero de Portuguezes de todas as classes, sentar pôr em vigor pela terceira vez a Carta Constitucional de 1826.

Alguns mezes depois da minha chegada a París o ex-Ministro da Guerra me fez dizer que estimaria poder passar ordem para que os recibos do meu soldo fossem notados na Thesouraria, sendo para isso necessario que elle recebesse participação de ter eu prestado juramento á Constituição. Fiz-lhe responder que eu queria continuar a ser Portuguez, e que qualquer que fosse a Constituição eu não deixaria de a adoptar; mas que não tinha prestado nem prestava o juramento que elle exigia, sem me convencer que a nova Constituição se tinha effectivamente tornado a Lei fundamental da Monarchia, porque como a havia defender depois de a jurar, queria quanto fôsse possivel evitar o ver-me nas circumstancias em que me tenho achado depois dos acontecimentos de Setembro de 1836. Agora porém que a Nação tem por duas vezes elegido os seus representantes, que quasi tres annos têem decorrido, que evidentemente a Constituição de 1833 está em pleno vigor, e que é portanto do dever de todo o bom Portuguez o contribuir para a sua estabilidade, com a sinceridade e boa fé que sempre tem caracterisado os actos da minha vida, lhe tenho prestado juramento nas mãos do digno representante de Sua Magestade nesta Côrte o Ex.mo Visconde da Carreira.

Mas é tal a situação em que me collocaram os acontecimentos de 1837, que eu faltaria a mim mesmo se hão sustentasse a resolução de não tomar parte, ao menos por alguns annos, nós negocios politicos do Paiz. Qualquer que fosse a opinião por mim emittida na Camara, por mais consciencioso que fosse o meu voto, não se faria justiça á sua pureza, e eu não posso sujeitar-me a que as minhas acções sejam attribuidas a motivos improprios do meu caracter, incompativeis com meus principios. Quando tive a honra de receber um officio do antecessor de V. Ex.ª na Presidencia da Camara, chamando-me a tomar assento, recebi ao mesmo tempo cartas de alguns amigos instando para que não demorasse a resposta, assegurando-me que se ella tardasse a Camara chamaria quem me substituisse. A persuasão de que a falta da minha resposta não privaria a Camara da cooperação de um de seus membros, e o desejo que o meu nome não apparecesse na scena politica foram a causa do meu silencio que espero será desculpado pela Camara. Tendo-se-me porém agora assegurado estar ainda vago o meu logar, é do meu dever communicar a V. Ex.ª a firme resolução em que estou de não tomar assento na Camara, convencido que a minha posição só me permitte actualmente prestar serviços como soldado quando o Governo assim o julgue indispensavel.

Pareceu-me necessario entrar nos detalhes que acabo de expôr para que não possa entrar em dúvida qual é a unica e verdadeira causa que me obriga a renunciar nesta legislatura a honra de ser um dos representantes da Nação. Deos Guarde a V. Ex.ª París, 20 de Maio de 1839. = Ill.mo e Ex.mo Sr. Presidente da Camara dos Senadores. = Marquez de Saldanha.

Este Officio foi mandado á Commissão de Poderes.

O Sr. Pereira de Magalhães apresentou a seguinte

Proposta.

Senhores: = Propor medidas legislativas que tenham por fim evitar abusos, e obstar ás fraudes que se commettem na arrecadação da Fazenda publica, é um dos mais importantes deveres dos Representantes da Nação; e sendo eu informado por pessoas que me merecem inteiro credito, de que na celebração dos contractos de compra e venda, e nos de troca de bens de raiz, que segundo a Lei podem ser feitos por escriptos particulares, é por toda a parte fraudada a Fazenda publica, porque ou não se paga a competente siza, ou não entra nos cofres publicos o producto desta contribuição, em consequencia de criminosas convivências entre aquelles mesmos Funccionarios a quem a Lei incumbe a sua fiscalisação e arrecadação, de que desgraçadamente ha mais de um exemplo, sem que até agora tenha sido punida uma tão grande immoralidade, nem cortado tão pernicioso abuso, proponho o seguinte Projecto de Lei.

Art. 1.° Todos os contractos de compra e venda, ou de troca de bens de raiz, que segundo as Leis podem ser feitos por escripto particular, desde a publicação desta Lei em diante, serão exarados em papel sellado de oitenta réis a folha, e rubricados pelo Contador da Fazenda do respectivo Districto, com a pena de ser nullo e de nenhum effeito o referido contracto.

Art. 2.° O Thesouro Publico fornecerá aos Contadores de Fazenda o papel sellado que fôr necessario para se lavrarem os contractos de que tracta o Artigo 1.°, lançando a sua importancia em debito aos Contadores a quem fôr remettido.

Art. 3.° Os Contadores de Fazenda, depois de rubricarem cada uma das meias folhas de papel que receberem do Thesouro Publico, o distribuirão pelos Recebedores dos Concelhos, para por estes ser vendido ás Partes; e a sua importancia a lançarão em debito aos respectivos Recebedores.

Art. 4.º Todo aquelle que pertender celebrar algum dos contractos de que tracta o Artigo 1.°, fica obrigado a comprar o papel, a que se refere o citado Artigo, ao Recebedor do Concelho; e apagar no mesmo acto a importancia da siza, de cujo pagamento o Recebedor, além do conhecimento que deve passar pelo recebimento na conformidade da Lei, porá no alto do papel sellado que vender a competente declaração da importancia da siza paga, e o seu carimbo.

§. unico. Se meia folha de papel não fôr sufficiente para lavrar o contracto, poderá ser continuado em papel sellado sómente.

Art. 5.º Ficam obrigados os Tabelliães de Notas, com a pena de suspensão, a remetterem ao Contador de Fazenda do respectivo Districto até ao dia dez de cada mez uma relação de todas as Escripturas de compra e venda, ou de troca de bens de raiz que tiverem lavrado no mez antecedente, declarando nella os nomes dos contratantes, as suas naturalidades ou residencias, e o preço da compra, e o da torna da troca, quando a tenha havido.

Art. 6.º Ficam igualmente obrigados os Tabelliães de Notas, e com a mesma pena de suspensão, a apresentarem aos Contadores de Fa-

Página 879

879

DIARIO DO GOVERNO.

zenda os livros de Notas, todas as vezes que por estes lhe sejam requisitados.

Art. 7.º Os Contadores de Fazenda, nas visitas annuaes que são obrigados a fazer pelos Concelhos do respectivo Districto, ou em qualquer outra que o bem do Serviço Publico exija e com assistencia do Administrador do Concelho, examinarão as Escripturas publicas de compra e venda, e as de troca de bens de raiz, lavradas nos livros de Nota, que previamente devem requisitar aos Tabelliães respectivos; e os Escriptos particulares dos mesmos contractos, para apresentação dos quaes convidarão por Editaes os interessados, e conferenciarão tanto as Escripturas publicas, como os Escriptos particulares com as relações de que tracta o Artigo 5.°, e com os assentos ou verbas respectivas dos livros da Receita eventual.

Art. 8.° Os Contadores de Fazenda, que em resultado do exame e conferencia de que tracta o Artigo 7.º, conhecerem que no pagamento da competente siza se commetteu fraude ou que por qualquer modo se prevaricou em prejuizo da Fazenda Publica, darão immediatamente parte, e remetterão todos os esclarecimentos e provas ao respectivo Agente do Ministerio Publico, para requerer e intentar perante o Poder Judiciario contra o prevaricador o procedimento ou acção que competir segundo as Leis

Art. 9.° Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Sala da Camara dos Senadores, em 3 de Junho de 1839. = Felix Pereira de Magalhães.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Leitão: — O Presidente da Relação dos Açôres remetteu-me uma representação assignada por todos os Juizes da mesma Relação, e feita a esta Camara, em que, depois de mostrarem a sua satisfação pelo zêlo que o Senado mostra em estabelecer a independencia do Poder Judicial, expõem que a sua sorte não está fixada no respectivo Projecto de Lei apresentado pela Commissão de Legislação a esta Camara; pois que não fallando a Constituição em transferencia de Juizes de Sua Instancia, no Projecto tambem se não falla da transferencia dos mesmos Juizes; e poderia dar-se algum prejuizo a seu respeito, por isso mesmo que foram despachados na esperança de serem transferidos para Portugal: por estas e outras razões pedem a esta Camara tenha em vista os direitos que lhes assistem, e que sejam tomados em consideração quando se discutir o mencionado Projecto. Em consequencia tenho a honra de mandar a representação para a Mesa, e peço que ella seja enviada á Commissão de Legislação, para fazer a este respeito as observações que julgar convenientes.

Assim se resolveu.

Passando-se á ordem do dia, proseguiu a discussão do Parecer da Commissão de Agricultura sobre a refórma do Terreiro Publico de Lisboa, começando pelo

Art. 5.° As pessoas que conduzirem os seus generos cereaes para fóra do Terreiro serão obrigadas a declarar o local de deposito aonde os venderem, e a dar conta mensalmente da existencia á Commissão.

Obteve a palavra

O Sr. Bettencourt: — A declaração do local do deposito dos cereaes fóra do Terreiro Publico, e a couta mensal da existencia, não pôde surtir effeito se não se impozer alguma pena contra a infracção do Artigo que impõe uma obrigação; e ser mesmo o Administrador Geral authorisado a dar varejo para verificar, quando o julgar necessario, taes existencias, com o fim de observar a realidade, e obrigar a entrar no mercado todos os generos cereaes assim existentes, quando sejamos ameaçados de fome; não consentindo em taes casos, que o preço exceda 840, conforme o Alvará de 15 de Outubro de 1824: do contrario e possivel a carestia, e o interesse do povo deve ser precavido, porque as Leis devem prevenir futuros contingentes; artigos perceptivos sem comminação são Leis escriptas na areia. Se a illustre Commissão e a Camara julgar que têem pêso estas minhas reflexões, com a sua sabedoria imporá uma pena conveniente aos infractores.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Proponho a suppressão deste Artigo por inutil, e explicarei em termo breve as razões da minha proposta. O Artigo 5.º reduz-se a impôr aos conductores de generos cereaes, que os não quizerem vender no terreiro, e os conduzirem para armazens ou tercenas particulares, ou para suas casas, a darem ao Terreiro uma parte quotidiana e circunstanciada do movimento desses generos: esta disposição acho eu muito incommoda, oppressiva, e desnecessaria; e persuado-me que della não provirá utilidade alguma real. O fim a que se propõe o Artigo e facilitar ao Governo ou ao Terreiro o conhecimento especial da quantidade e qualidade dos generos cereaes que existirem na Capital: este conhecimento pôde o Governo, ou Terreiro ter da mesma fórma que se tem de todos os outros generos que se despacham nas duas Alfandegas, porque na occasião do despacho toma-se conhecimento circumstanciado da quantidade e qualidade dos generos entrados na Cidade, e toma-se uma igual nota daquelles que se exportarem: então já se vê que pelos meios estabelecidos o Governo tem o conhecimento destes factos sem obrigar todos os moradores de Lisboa a um incommodo incalculavel e repetido. Por este motivo, e por outros mais que direi se a minha proposta fôr impugnada, intendo que o Artigo deve ser eliminado; e eu vou ter a honra de mandar para a Mesa a proposta a que acabo de alludir.

O Sr. Miranda: — Seguindo a opinião do meu illustre collega, que acaba de fallar, tencionava tambem propôr a suppressão deste Artigo; mas antes disso desejaria saber quaes foram os motivos por que a Commissão o introduziu no Projecto. (O Sr. Trigueiros: — Peço a palavra.) Como o illustre relator da Commissão acaba de pedir a palavra, V. Ex.ª permittirá que eu suspenda o meu discurso em quanto elle falla, para proseguir depois delle ter concluido.

O Sr. Trigueiros: — Eu assenta que a disposição deste Artigo é necessaria neste Projecto; e direi as razões que teve a Commissão para aqui as introduzir, e aquellas pelas quaes eu julgo, que devem continuar a existir para o fim de fazerem parte da Lei.

Três foram os motivos da Commissão: o primeiro, occorrer a algum descaminho que podesse haver no pagamento dos cereaes, porque era possivel que estes generos fôssem armazenados fóra do Terreiro, e a obrigação de seus donos darem conta da existencia dos mesmos generos, no fim de cada mez, dava a facilidade de conhecer se com effeito havia differença entre elles, e os despachados no Terreiro, e por conseguinte saber-se-ia deste modo a quantidade daquelles de que se tivessem pago os respectivos direitos. A segunda razão que a Commissão teve em vista, foi estabelecer um meio de examinar o estado dos cereaes, porque não ha nada mais natural, nada mais possivel, do que acharem-se em máo estado os generos que estiverem em armazens particulares; e que meios teria o Terreiro de occorrer a que fossem lançados no consumo, se da parte dos possuidores dos cereaes não houvesse a obrigação de declarar onde elles existiam? Esta consideração, ao menos a mim parece-me de muito peso: a saude publica, como aqui se tem dito por esta occasião, e como todos concebem, e de sumiria importancia para que se não façam as indagações necessarias a fim de a conservar; e então, uma vez que a Commissão do Terreiro não tivesse os meios de saber quaes eram os locaes onde estariam estes generos, difficilmente poderia ír ao exame do estado delles. Terceira razão: o conhecimento da quantidade de cereaes existentes dentro da Capital. Por mais que se diga da abundancia que actualmente existe deste genero entre nós, esse conhecimento continuará a ser de muita importancia: as razões que o Sr. Luiz José Ribeiro apontou, para mostrar que o simples registo dos generos que passassem pelas estações onde elles pagam os direitos, era bastante para substituir officio proposto pela Commissão, não me parecem totalmente convincentes. Sr. Presidente, é possivel que o consumo dos cereaes augmente ou diminua, e então não é simplesmente o registo da estação onde elles pagam os direitos que pôde fazer conhecer a sua existencia: a entrada de mais dez ou doze navios no porto, ou outra circumstancia similhante é possivel que faça uma grande differença no consumo em mui curto espaço, e então regulando-se unicamente pelas entradas, colocava-se o Terreiro n'uma posição falsa a respeito da existencia do genero. Por estas tres razões lançou a Commissão o Artigo 5.°; mas está prompta a ceder da sua opinião se vir destruidos os fundamentos della, assim como disposta a sustenta-la se entender que os argumentos contra ella produzidos não são bastantemente fortes.

O Sr. Miranda: — Agora poderei dizer alguma cousa sobre este Artigo, e com melhor conhecimento do sentido em que foi redigido.

Sr. Presidente, nenhuma das razões expostas pelo illustre Senador me parecem, entendo eu, sufficientes para se conservarem m disposições do Artigo, e ainda que até certo ponto merecessem a attenção da Commissão, não as julgo taes que bastem para destruir a vantagem de um mercado livre, pelo incommodo que se causaria aos consumidores, e maior ainda á lavoura. A primeira razão produzida pela Commissão é a da necessidade de obstar aos, descaminhos. Se com o pretexto de evitar descaminhos se obrigam todos os compradores de generos cereaes a declarar as casas ou armazens onde os tem, e as quantidades destes generos que tem em ser; se este principio é verdadeiro porque não se hão de igualmente obrigar os compradores dos outros generos a fazer o mesmo? Porque se não haveria de fazer esta regra extensiva a todos os mais generos que entram nas Alfandegas de Lisboa, por exemplo, ao panno, ao bacalhau, ao arroz, ao assucar etc.? Assim deveria ser se o fim podesse justificar os meios; mas a illação não é legitima; e a disposição do Artigo assenta em um fundamento que seria vexatorio para o commercio, e por conseguinte nocivo aos interesses dos consumidores e dos productores.

Por esta occasião não posso deixar de observar qual é o imperio dos antigos abusos, dos máos exemplos, e falsos principios que tem existido entre nós, e a ponto que somos forçados a ter por elles uma deferencia involuntaria! Aplicou-se o machado ao tronco; cortou-se a arvore; porém as raizes ficaram intactas; vegetam escondidas debaixo da terra; mas os rebentões daninhos assomam por toda a parte junto á superficie.

A outra razão em que se fundou a Commissão, e a da salubridade dos cereaes, e de todas, a que merece mais attenção. Já na discussão deste Projecto tem sido repelidas vexei apresentada, para justificar a necessidade da existencia do Terreiro, como alguma cousa mais do que uma repartição fiscal; e outras tantas vezes tem sido combatida. Tem-se, creio eu, demonstrado que o Terreiro como Repartição de Saude, é de pouca, e quasi nenhuma utilidade publica; porque a vigilancia da policia sanitaria sobre as farinhas e sobre os cereaes purificados é de muito maior importancia. Temos um Conselho de Saude que custa ao Estado vinte contos: a este Conselho está confiada toda a vigilancia sobre a saude publica, e os empregados do Terreiro para tudo servirão menos para este effeito. Porém ainda quando queira admittir-se a visita da saude nos armazens ou nos depositos, ou nas casas particulares aonde se recolham os cereaes introduzidos pelas portas da Cidade, para esse effeito, basta saber-se aonde existem, sem que os donos sejam obrigados a declarar os que tem em ser, e os que tem consumido ou vendido; e esta obrigação, e as penalidades, e vizitas que della hão de resultar, é que eu considero como inutil, e ao mesmo tempo oppressiva e vexatoria (Apoiado).

A terceira razão não a acho eu nem mais forte nem mais concludente, e é o receio de uma fome em Lisboa. Por mais que a este respeito se diga não será facil accrescentar idéa alguma nova ao que tantas vezes se tem repetido durante a discussão deste Projecto, e escusado será demorar-me em repetir as razões com que se tem mostrado os poucos fundamentos que ha para haver este receio, a não ser no caso de uma esterilidade geral na Europa, caso que não póde remediar a providencia em questão. E então para que sujeitar os negociantes e os particulares a uma obrigação, e por falta della a uma visita vexatoria e mesquinha?

Sr. Presidente em vista de tudo que acabo de expôr rejeito o Artigo, o voto igualmente contra a sancção penal que nelle se pertende estabelecer em relação aos infractores da providencia que obriga á declaração dos cereaes existentes em casas particulares, que é a parte da proposta a que eu me opponho.

(Entraram os Srs. Presidente do Conselho, e Ministro dos Negocios do Reino).

O Sr. Cordeiro Feyo: — Tres são as razões, em que a Commissão se fundou para estabelecer o Artigo em questão; e duas principalmente são para mim de muito peso, a saber: a fiscalisação sanitaria, e a do contrabando; que agora vão a ser muito mais necessarias, visto terem-se permittido armazens de venda a bordo do Téjo, os quaes serão outras tantas portas, que facilitarão os descaminhos e contrabando de cereaes. Todas as vezes que na discussão desta Lei fallo em contrabando de cereaes, diz-se que agora não se tracta da Lei de repressão do contrabando; mas Sr. Presidente, quando se dis-

Página 880

880

DIARIO DO GOVERNO.

cute uma Lei, não será permittido o mencionar os seus inconvenientes a respeito de outras Leis e de outros objectos? O Sr. Miranda comparou o trigo com os pannos! E disse que o vendedor do trigo não devia ser obrigado a dar a conta mensal do genero vendido, assim como o mercador não era obrigado a dar conta dos pannos que vendia. Similhante comparação não tem logar algum; por quanto o trigo que se vender dentro da Cidade, necessariamente ha de sair p las portas para os moinhos; e então alli se verifica á vista das guias se o vendedor vendeu mais, do que aquelle que despachou no Terreiro; e assim se verifica se houve descaminho ou contrabando: ora esta fiscalisação é que não tem logar nos pannos e mais fazendas que o mercador vende, e que o comprador applica para seu uso sem lhe ser necessario leva-los ás portas da Cidade, como é indispensavel com o trigo, que se não come em grão, mas sim em farinha, e os moinhos estão fóra das portas da Cidade. Vê-se pois quanto é infundada similhante comparação, porque não ha analogia. Além de que todo o vendedor de grãos ha de ter uma conta do que vende, e por tanto nada lhe custa o mandar no fim dos mezes ao Terreiro uma declaração da quantia do grão em ser em seus armazens, e a isto se reduzem os grandes incommodos que o Sr. Miranda imaginou como muito pesados ao commercio dos cereaes. A outra razão que a Commissão deu foi a necessidade de fiscalisar o estado sanitario do trigo e mais generos cereaes; e obstou-se, dizendo, que o que mais se devia fiscalizar era o estado das farinhas: mas porque senão podem fiscalizar as farinhas segue-se que se não deve fiscalizar o estado do trigo? Vê-se pois que as razões apresentadas contra o Artigo não tem peso ou fundamento algum; e por tanto voto por elle como está.

O Sr. Trigueiros: — Eu levanto-me para responder ao Sr. Miranda, em algumas das razões em que se fundou, pois que quasi sempre as costuma dar boas, mas desta vez não me convenceram. Por exemplo, sobre descaminhos; esta razão que teve a Commissão, não foi refutada; e podem-se fazer grandes descaminhos, e o illustre Senador não quererá que elles existam, porque isso irá prejudicar a agricultura. Não ha nada mais possivel, depois da permissão que tem qualquer cidadão de ter em sua casa generos cereaes, uma vez que não tenha tambem obrigação de dar conta, do local e da existencia, que subtrahir uma immensidade de grão aos direitos, se tanto mais quanto elle fôr contrabando: parece-me que a Camara deve attender muito a esta razão, poio mal que póde fazer á agricultura, á caixa do Terreiro, e ao negociante probo. A segunda razão é a sanidade: o illustre Senador diz verdades, e muito certas, mas eu não sei que o grão tenha nada com a farinha, porque ella seja mais susceptivel da fraude, segue-se que senão ha de fiscalizar o grão? Estranha, conclusão!! O illustre Senador disse que não houvesse medo de que qualquer moleiro fosse comprar grão arruinado para fazer pão: porque não? Elles irão comprar o grão para fazer farinha, e vender como se fosse farinha boa, porque em os convidando a barateza, hão de comprar o grão, e a razão do illustre Senador, de que as familias são de mais difficil exame, por ocultarem mais o vicio, é a favor da minha opinião, para melhor se examinar o mesmo grão. Na terceira razão tambem não destruiu o que eu apresentei: diz o illustre Senador que não houvesse medo de que se carecesse de pão em Lisboa, e que esta idéa era uma idéa velho. Isto em theoria é exacto, e na pratica não digo tambem que o não seja; mas e possivel que na estação invernosa em que as estradas se impossibilitam e que o mar, e o Téjo não consente em alguns dias navegação, se houver um maior consumo, o que póde acontecer pela concorrencia de navios ao Porto; acontecerá que em tres, quatro, ou seis dias concorrendo taes circunstancias, e outras que se não meditam, mas que muitas vezes apparecem, acontecerá digo, experimentar-se alguma falta: isto é possivel, e póde occasionar grandes males, que se devem evitar. Deixo á consideração da Camara o que aconteceria em Lisboa se o pão faltasse dous dias. Ora além das razões fortes, que ha, não sei como o dono do genero se não possa dar ao incommodo de exibir conhecimento do que tem para nos não sujeitarmos a este grande inconveniente. O illustre Senador diz que o Governo terá a facilidade de saber qual é a existencia pelos registos publicos: isto entendo eu quando o genero sahe do Terreiro, mas quando sahe dos particulares, não sei aonde esteja o registo, registo publico para a entrada, muito bem, mas para o consumo? Quem dirá ao Governo, o que se comeu? Então isto não é tão seguro como o illustre Senador acabou de dizer. Outras razões ha ainda que não foram respondidas pelo illustre Senador.

O L. J. Ribeiro: - Quando eu pedi a palavra foi com a intenção de sustentar a eliminação do Artigo, visto ser eu author da proposta que está sobre a Mesa. Depois disso um illustre Senador, meu antigo amigo e collega, demonstrou a inutilidade do Artigo proposto pela Commissão, com aquella fôrça de dialectica e raciocinio que ha muitos annos o caracterisa nas Assembléas portuguezas; e por certo não seria eu que me propuzesse a auxiliar tão distincto orador; porém depois disso tambem por parte da Commissão se pertendeu sustentar o Artigo que eu impugno; e então muito estimei ter pedido a palavra.

Tres foram as razões que o illustre relator da Commissão produziu em favor do Artigo ennunciando-as com aquella delicadeza, e docilidade que o caracterisa sem que por isso me pareciam de maior peso. A primeira razão que produziu em abono, do Artigo foi, que podei ao haver proprietarios que tendo introduzido na cidade generos cereaes sem pagarem os direitos, poderia o Terreiro vir no conhecimento de que linha havido esse contrabando, por meio das participações que elles venham afazer, em consequencia do que dispõe o Artigo: este argumento é de muito pouca força, porque se der o caso de que haja quem possa introduzir generos sem pagar direitos, ha de ter o mesmo cuidado de occultar o movimento desses generos depois de estarem na cidade por lhe ser mais facil; por tanta esta razão é de muito pouca ou nenhum importancia.

A segunda razão que produziu fundou-se nas providencias que elle esperava, que o Terreiro venha a dar sobre a saude publica: esta razão, tambem não tem fôrça alguma, porque as mesmas providencias que estão estabelecidas para examinarem todos os generos de toda a especie que são sujeitos a corrupção, são as mesmas que se podem e devem applicar aos generos cereaes. Eu não trarei para exemplo os algodões, pannos, e outros artefactos a que alludio um illustre Senados que muito respeito, e que muito sinto recorresse a esses generos, deixando de referiu aquelles que são mais sujeitos a putrefacção como o peixe salgado, carnes, generos de mercearia, etc. e sobre a conservação dos quaes as Leis geraes tem providenciado com todo o cuidado e disvello. E então entendo eu, que as providencias; estabelecidas para fiscalisar a sanidade de todos os generos de que fallei, dever ser as mesmas que se ponham em prática para fiscalisar o estado dos generos cereaes, quer estejam em grão, quer em farinha ou pão cozido; e não ha duvida que a fiscalisação sanitaria sobre estes generos, se fará com mais facilidade do que em outros que são mais sujeitos a putrefacção. Por conseguinte, tambem esta razão não tem peso algum, apezar dos esforços que fez o illustre relator da Commissão. Quanto á terceira e ultima razão por meio da qual se propoz a provar que a doutrina do Artigo, se passar, habilitará o Terreiro, ou o Governo para estar ao corrente da existencia dos generos cereaes na capital, naturalmente com o fim de evitar alguma necessidade extrema, ou a fome, digo que tambem a não acho sufficiente ou de peso algum; por quanto, o Governo tem outros meios directos, ou indirectos, e mais efficazes para verificar a quantidade e qualidade de todos os generos cereaes que entram na cidade á maneira do que se pratíca na Alfandega Grande, ou na das Sete Casas, quaes são o registo que se faz em uma e outra, tanto quando dão entrada, como quando sabem. Mas, supponhamos por hypothese, que vinha a verificar-se uma falta de generos cereaes em Lisboa o que eu não admitto; porque, como bem disse um illustre Senador, hoje é impossivel suppor a hypothese de uma fome, não só em Portugal mas em qualquer parte da Europa, porque o commercio é um Agente activissimo, que sabe as existencias não só da praça de Lisboa, e das outras da Europa, mas até o que ha em casa de cada particular; porém suppondo que se dava a circumstancia que disse, pergunto eu o Terreiro obrigaria alguem a trazer cereaes á capital quando não convisse aos productores, ou quando os negociantes, ou os especuladores os não tivessem trazido? Certamente que não. A outra hypothese que figurou a Commissão tambem não ha de verificar-se: e qual seria o mentecapto que levasse os seus generos para os reduzir a farinha fora da, cidade, com o fim supposto de os trazer depois em grão, a um local onde lhe ficariam mais caros? Estou bem certo que tal hypothese senão verificará, porque os productores em taes casos sabem muito bem o que lhes faz conta, e são os fiscaes verdadeiros dos seus interessa, o que hão de fazer muito melhor do que as authoridades constituidas; e as razões são obvias.

Por conseguinte, estou ainda fortissimamente convencido que o Artigo é inutil, e que deve ser supprimido; e que as razões produzidas pelo illustre Senador, a que me referi, e cujas idéas acabo de corroborar, tem todo o peso, e não podem facilmente ser impugnadas com vantagem.

O Sr. Barão do Tojal: — Voto igualmente pela suppressão do artigo, porque me parece inutil e ocioso; nem posso vêr claramente qual seja o fito que por elle se pertenda attingir; e até está longe de alcançar quaesquer fins vantajosos para que a Commissão o introduziu. Se é para ter conhecimento da existencia dos cereaes na capital, digo que esse não se poderá obter assim com exactidão, porque para isso era preciso que deste modo houvesse a certeza moral de que se teria uma conta excta de todos os moios e alqueires que entrassem e saíssem dos diversos celeiros particulares em Lisboa. Em Londres, por exemplo, onde os vinhos pagam um direito exorbitante, ninguem é senhor de levar uma porção que exceda a uma duzia de garrafas delle sem guia do respectivo armazem, porque se fôr encontrado com elle sem o permitte, perdeu irremediavelmente. Ainda mais, o exactor do Excise vai, quando lhe parece, fazer visitas domiciliarias para saber a porção com vinhos e espiritos que existem em ser; e o dono do armazem é obrigado a apresentar-lhe as copias das guias respectivas d'entrada e saída; desta maneira vê-se qual fôr o destino que se deu ao genero saído, e verifica-se que pagou os direitos o que entrou: alli torna-se necessaria esta austera fiscalisação inquisitorial, porque o imposto é de mais de 100 a 200 por cento. Mas as será isto o que pertende a Commissão aqui, aonde o direito sobre os cereaes é objecto de tão pequeno valôr, e aonde por tanto basta o receio do confisco do generos para impedir que se faça tal contrabando com o unico fim de illudir o direito de consumo, que é na verdade cousa insignificante? Persuado-me que não! O unico fim, que me parece que a disposição do artigo poderia ter em vista, era o impedir a introducção dos cereaes estrangeiros em Lisboa, pois que, havendo um conhecimento dos que existissem, assim como donde tivessem vindo, a Commissão julgasse obter por este meio um correctivo; mas mesmo assim o artigo não satisfaz a tal fim, por quanto a introducção dos cereaes estrangeiros, que não ha de ter logar aqui em quanto o preço estiver tão baixo, quando ella se realisasse não hão de taes cereaes ser introduzidos directamente aqui, mas sai por despachos regulares das alfandegas do Algarve, e de lá hão de vir parar a Cascaes e Paço d'Arcos, e por tanto illudirão por este modo, e pelo contrabando que extensamente se faz pelas fronteiras, as disposições deste artigo da Lei.

Acho por tanto o artigo inutil e ineficiente, e não vejo razão para que os cereaes, com especialidade, hajam de estar com o debaixo d'uma excomunhão, que difficulta o seu commercio, vexa, e incommodada a quem nelles trafica, excluindo de tão rigorosa fiscalisação outros generos que pagam muito maiores direitos, como são os vinhos, azeites, e carnes, que são levados livremente para os armazens e vendidos sem vexação. Não encaro motivo algum plausivel para a conservação d'um tão inconveniente artigo, visto que nem é sufficiente para os fins que supponho se propõe: não tem pena alguma pelo seu não cumprimento, é vexatorio sem objecta algum, e injusto porque outros generos que pagam muito maiores direitos estão isentos desta fiscalisação, a que eu chamarei inquisitorial, e que não póde trazer resultado algum, a não ser provocar á immoralidade pela falta de observancia e desprezo da Lei, que desta maneira se vem a contrahir habitual e insensivelmente.

O Sr. Miranda: — Eu, combato este Artigo não por inutil, mas porque em minha consciencia o julgo oppressão; se unicamente o julgasse inutil deixa-lo-ia passar; mas não é assim; tem as consequencias, e os inconvenientes que já ponderei, e é para este lado que eu peço os illustres membros da Commissão queiram vol-

Página 881

881

DIARIO DO GOVERNO.

tar a sua attenção. Eu combati as disposições do Artigo mostrando que as vantagens que d'ellas podiam resultar eram muito pequenas, e os inconvenientes gravissimos, e mesmo incompativeis com a epigraphe deste Projecto, a saber: o estabelecimento de um mercado.

Quer-se estabelecer a liberdade do commercio os cereaes, e ao mesmo tempo havemos de adoptar um Artigo de natureza inquisitorial, porque adoptado elle segue-se, que ninguem póde comprar um alqueire de trigo sem dar parte da sua existencia, ou do seu consummo ou venda; e se assim o não fizer, fica sujeito ás penas que trará comsigo a contravenção a esta Lei! Eu olho a questão pelo lado da oppressão, e vexame que póde provir da admissão deste Artigo: os oradores que tem combatido a minha opinião tem-se demorado sobre as vantagens, mas ainda nenhum delles attendeu aos inconvenientes, e no entretanto são estes que eu tenho contraposto áquellas: são as consequencias de principios incompativeis com a essencia do mercado livre: é desse flagello que eu quero livres os habitantes desta capital.

Agora direi alguma cousa em resposta ao que disse o Sr. Cordeiro Feyo. O Sr. Cordeiro Feyo não achou relação nenhuma entre os cereaes, e os outros generos que entram pela Alfandega, alfandegados ou não alfandegados, segundo a expressão vulgar; uns porque tem sello, e outros porque o não tem. Mas não são todos objectos de commercio, não pagam todos elles direitos? E o arroz, o assucar, e outros comestíveis levam algum sello? Não estão uns e outros a serem objecto de contrabando? E os ultimos não estarão no caso de se acharem por seu máo estado sujeitos á policia sanitaria? E se assim é, como é que não ha analogia entre estes, e os cereaes, considerados em questão ás providencias que são o assumpto da questão? Parece-me que alguma analogia ha, até mesmo considerando-os como artigos de subsistencia.

Tambem me parece que senão tem attendido a algumas das razões que o Sr. Barão do Tojal apresentou para a suppressão do Artigo; porque elle mostrou cabalmente que a providencia de que se tracta não é propria para acautelar o contrabando que aliàs quer evitar-se.

O meu illustre collega não quiz admittir a analogia entre os cereaes em grão, e as farinhas quanto á necessidade das medidas sanitarias, entendo eu, porque em quanto ás substancias são perfeitamente identicas, quanto mais analogas. Porem áquelle respeito creio que não será necessario accrescentar cousa alguma ao que tenho dito para mostrar que as falsificações da farinha são de muito maiores consequencias, e muito mais difficeis de descobrir e examinar, do que as dos cereaes em grão, e não obstante as farinhas que entram pelas portas não são examinadas pelos empregados da Fazenda, para verem se ellas são puras, alteradas, ou misturadas com farinhas de differentes substancias. E então não se póde dizer que ha incoherencia, quando se diz, que, em quanto á policia sanitaria, os cereaes em grão, e as farinhas em rama, que entrão pelas portas, estão precisamente no mesmo caso.

O Sr. Tavares do Almeida: — O illustre Senador para impugnar mais vantajosamente o Artigo, deu-lhe um sentido que elle não tem; o Artigo não falla das pessoas que importam cereaes para seus usos particulares, falla dos negociantes, destes generos que dão entrada com elles para os enceleirar, e depois revenderem quando lhes fizer conta: e sendo este o sentido da Commissão, não tem cabimento, e cahem por si as objecções que fez o illustre Senador.

No principio da discussão deste Artigo se disse que elle era inutil, mas logo depois foi conceituado muito peior, carregando-o de epitetos, e chamando-o oppressivo, vexatorio, mesquinho, e até inquisitorial! por pouco se não disse que tinha tambem os potros, as polés e as torturas da Inquisição; mas na verdade, elle não é tão máo. O Artigo, Sr. Presidente, faz parte de uma serie de disposições, e entra n'um systema lançado pela Commissão que vai seguindo nos outros Artigos; se acaso fôr supprimido, cahio tambem o systema. O Artigo é muito util á fiscalisação dos direitos, e á fiscalisação sanitaria. Os generos que se venderem aos padeiros nos celeiros particulares, hão de ser acompanhados, para sahirem de Lisboa a fim de se reduzirem a farinha, com uma guia passada pelos vendedores, e que deve ser trocada por outra ás portas da Cidade. Ora, combinadas estas sahidas com os assentos do despacho, e entradas no Terreiro, póde-se conhecer se dos celeiros particulares sabe mais do que se despachou, e para elles entrou, e para este fim é tambem importante saber a existencia nos mesmos celeiros; desde o momento que se conhecer que nestes celeiros se vendeu ou existe mais do que foi despachado, fica entendido que houve contrabando. O Artigo tem duas partes; na primeira se diz que o negociante, ou quem quer que fôr, que despachar trigo no Terreiro para revender, dê parte no mesmo Terreiro do local da venda; objecta-se a isto que é uma disposição oppressiva, e cousa nunca vista; mas, Sr. Presidente, ella não tem nada de original. Quem quer ter loja aberta para vender muitos outros generos, como, vinho, azeite, etc. tira licença da Camara, de que paga o competente sello, nella se declara o logar da venda, e fica registada no livro competente; por tanto obrigar o negociante de trigo a declarar aonde vende não será cousa nova de maneira que não tenha similhante n'outros objectos. A outra parte do Artigo obriga o negociante a dar conta no fim de cada mez da existencia que tem em ser dos generos despachados; tem isto ainda suas vantagens e conveniencias para assegurar a subsistencia da capital; embora senão receie fome em Lisboa, ainda que não e impossivel dar-se a circumstancia futura de haver alguma falta; e não faz nenhum mal haver mais uma cautela. Nós argumentamos muitas vezes com as Leis de Inglaterra e França; pois na França tambem ha cautelas, que asseguram a subsistencia da capital; lá existe o celeiro da abundancia, e os padeiros são obrigados a ter constantemente certa reserva em farinha; nós podemos tambem adoptar alguma segurança neste sentido.

Argumentou-se mais que o Artigo e inutil para a fiscalisação sanitaria, e diz o Sr. Miranda que o Terreiro terá tudo, menos esta fiscalisação; a isto responderei: o Terreiro tem dous Medicos a quem paga ordenados; especialmente destinados para as vistorias sobre a sanidade do grão: então pergunto agora se elle tem ou não fiscalização sanitaria? O illustre Senador quer, segundo uma opinião que já emittiu, que os generos entrem pelas portas de terra e sejam despachados a peso, e não sei se por volumes; já se vê que assim introduzidos não póde haver conhecimento do seu bom ou máo estado, e se não se souber para onde este grão vai a ser depositado e vendido, escapará á fiscalisação referida; e ainda que a fiscalisação de sanidade deva ser maior na farinha, e até na manipulação do pão, isso não tira que haja alguma a respeito do grão. Tudo bem combinado não se pôde dizer que o Artigo absolutamente não tenha algumas conveniencias em relação á subsistencia da capital, bem como á fiscalisação dos impostos, e á sanidade publica; ora se se podem dar algumas conveniencias no Artigo uma regra de prudencia aconselhada = quod abundat non nocet.

Não sei se ha mais algum argumento a que deva responder...... (vozes: — Não ha. Não ha) Parece-me pois que o Artigo deve subsistir, porque tirado este annel que liga com todo o Projecto, perde-se muito da utilidade delle.

O Sr. Miranda: — O illustre Senador tocou uma especie que está fóra da questão; digo que está fóra da questão porque aqui não se tracta de licença para vender, nem ninguem se oppõe a que os vendedores de cereaes sejam obrigados a declarar aonde tem seus celeiros. Nesta parte muito bem; porém os que vendem toda a especie de comestiveis, não são obrigados a declarar os géneros, que tem em ser, ou promptos para a venda, e esta obrigação não quero eu se imponha aos que vendem cereaes; quero sim que elles declarem aonde tem os seus cereaes; a isso não ha objecção que pôr; mas nada mais. Quanto á observação que ouvi de que a medida a pêso poderia obstar ao exame sanitario dos cereaes; parece-me menos bem pensada e reflectida, porque toda a difficuldade se reduz ao pequeno e expedito trabalho de desatar um saco ou uma saca, e de lhe metter uma sonda quando a tanto queira levar-se o escrupulo das medidas de saude, em as quaes a dizer a verdade se tem insistido em demazia. Em uma palavra, eu não vejo que este artigo seja em beneficio da agricultura, nem dos produtores, nem dos consumidores, e por isso sou de opinião que se supprima.

O Sr. Tavares de Almeida: — Sr. Presidente, dizia eu que não é cousa nova o declarar se ou saber-se o logar da venda de alguns generos, e que a obrigação imposta aos vendedores de fazer similhante declaração, nunca foi conceituada de inquisitorial; que por tanto tambem o não era, nem o merecia chamar-se assim aquella que impõe o artigo aos vendedores dos cereaes de declararem o logar aonde os vendem: foi neste sentido que fallei, e creio que a Camara assim me terá entendido; eu trôxe a paridade da venda d'uns generos, para a d'outros; disse que se não era inquisitorial certa providencia na venda do vinho, e azeite, por exemplo, tambem o não seria na venda do trigo. Diz-se que notamos as consequencias, que podem resultar do artigo; e o que eu acho é que quando muito os ceifeiros destes generos ficam sujeitos a serem visitados até para se verificar a certeza das medidas, assim como se faz a respeito de outros estabelecimentos similhantes para saber se as medidas estão afferidas etc. Em fim, eu considero isto como uma medida policial, que tendo logar já em certas fazendas, que se expõem, á venda não ha motivo para que o não tenha em relação aos cereaes; talvez mesmo seja uma razão de mais, para o artigo passar, esta medida de policia, que se dá contra elle. Agora, direi que não ha difficuldade nenhuma em que o especulador destes generos saiba quantos moios tenham dado entrada nos seus depositos quantos tenha vendido, e quantos tem de existencia; o negociante de menos contabilidade sabe isso logo ao primeiro golpe de vista dos seus assentos, e não lhe custa mandar alguem ao Terreiro no fim de cada mez, tenho tanto: nisto não só se não dá inconveniente, ou grande trabalho, mas até se faz com muita facilidade.

O Sr. Castro Pereira: — Peço a V. Ex.ª consulte a Camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida (apoiados).

Resolveu-se que o estava.

O Sr. Miranda — Rogo a V. Ex.ª queira dividir o artigo de modo, que a primeira parte até á palavra — venderem — seja votada separadamente do resto.

O Sr. Trigueiros: - Parece-me conveniente que este artigo fosse assim redigido; depois das palavras - do Terreiro — se accrescentasse — para commercio.

O Sr. Miranda: — Esta disposição inverte inteiramente o artigo, porque eu posso comprar pão por minha conta, e dalo ao vendedor...

O Sr. Vice-Presidente — A Camara já decidio, que a materia estava sufficientemente discutida.

O Sr. Miranda: — Quando proponho, que um artigo se devida na votação, estou no meu direito, até porque póde haver inconveniente; se se votar d'um modo complexo.

O Sr. Trigueiros: - Como relator da Commissão declaro, que a sua idéa é que as pessoas, que tirarem generos cereaes do Terreiro, para consumo de sua casa, não sejam obrigadas a dar conta da sua existencia: peço que o artigo seja votado salva a redacção.

O Sr. Vice-Presidente, propôz a suppressão do artigo 5.° (pedida pelo Sr. L. J. Ribeiro) e foi rejeitada; posto depois á votação por partes, ficou o mesmo artigo approvado salva a redacção.

O Sr. Trigueiros: — Como o artigo 5.º se acha approvado, creio que a Commissão adoptará a idéa do Sr. Bettencourt, e por tanto tenho a honra de mandar para a Mesa o seguinte

§. Addicional ao artigo 5.º

Aquelles que contra vierem a obrigação, que lhe é imposta pelo artigo 5.º, soffreram pela primeira vez uma multa de 5 por cento dos generos despachados, e do dobro pela segunda; o producto desta pena entrará no Cofre do Terreiro. — Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros.

Foi remettido á Commissão.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Pedi a palavra para participar á Camara, que na Quarta-feira, pelo meio dia, Sua Magestade receberá a Deputação encarregada por esta Camara de apresentar alguns Decretos das Côrtes á Sancção Real. — Ficou inteirada.

Continuou a discussão pelo seguinte:

Art.° 6.° Fica permittida a entrada das farinhas de grãos nacionaes na Cidade de Lisboa, porém sua introducção só poderá ser fei-

Página 882

882

DIARIO DO GOVERNO.

ta pelas portas d'Arroios, Cruz das Almas e Alcantara, onde serão pesados para o fim do pagamento dos direitos, na razão de 70 réis por arroba.

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, a Commissão e omissa neste artigo 6.°, porque determina o direito que deve pagar a farinha: (contra o qual eu hei devotar) ruas não declara se a farinha é expoada, ou em rama. O artigo diz: (leu). Sr. Presidente, todos nós sabemos que o peso da farinha em rama; faz muita differença do pêso da farinha expoada; por quanto para produzir uma arroba expoada são necessarios dous alqueires de trigo em grão, em quanto para o mesmo pêso em rama só basta alqueire e meio. Eu desejaria que o artigo voltasse á Commissão, e esta declarasse qual era a farinha que devia pagar 70 réis por arroba, ou mesmo que o illustre relator me informasse, porque acho bastante excessivo este direito, além de ser ante-Constitucional; porque nós não temos a iniciativa para votar impostos; mas pertence á Camara dos Deputados o que já disse em outra Sessão, em quanto ao artigo 4.º Quando apresenta o meu Projecto de Lei, tive em vista igualar a sorte dos lavradores do termo de Lisboa, á dos lavradores das provincias. O artigo não tracta do pão cosido, e este, Sr. Presidente, é a fórma porque se conduz ao mercado a maior parte do trigo do termo; e paga actualmente 50 réis por vinte e dous arrateis, que é o equivalente a um alqueire, e pelo que se paga no Terreiro 30 réis. Não posso compreender a razão porque o Concelho de Lisboa lia de comer os seus generos, pagando mas de direito do que pagam os Concelhos extranhos, que comem os seus productos sem pagarem direito algum (Apoiado). Conseguintemente voto contra o artigo, e mando para a Mesa esta substituição

«É permittida a entrada de generos cereaes aia Cidade de Lisboa pelas Barreiras de terra em grão, farinha, ou pão cosido; porém a sua introducção só poderá ser feita pelas portas d'Arroios, Cruz das Almas e Alcantara, aonde os generos em grão pagaram 30 réis por alqueire, e a farinha em rama e pão cosido os mesmos 30 réis com attenção a cada 22 arrateis por ser o peso que corresponde a um alqueire. Os generos em grão pagaram o sobredito direito por volumes ou sacos de seis alqueires, e a farinha, e o pão cosido serão pezados.» — J. M. M Bergara.

Julgo que o nobre Senador, o Sr. Luiz José Ribeiro, concordará no que acabo de lêr.

O Sr. L. Ribeiro: — Eu não fallo mais nesta questão, porque o Terreiro, pelo vencimento deste artigo, fica com mais abusos do que tinha d'antes.....

O Sr. Bergara: — Eu tambem deveria não ter fallado mais sobre este Projecto, porque ainda não apresentei idéa alguma que fôsse recebida pela Commissão, que tem sustentado o seu Projecto ponto por ponto, virgula por virgula; (apoiado) entretanto o capricho deve ceder na presença do bem publico, e a minha consciencia obriga me a fallar, pelo interesse que tenho pelos meus patricios; porque eu sou filho de Lisboa, e não quero que os habitantes da Capital comam o pão mais caro do que o devem comer. O trigo do termo de Lisboa paga 50 réis por alqueire, em quanto o trigo dos outros Concelhos paga só 30 réis! Sendo desigual, e excessivo o imposto de 50 réis, que paga o pão que entra pelas portas, uma vez nivelado o tributo, como proponho, o consumidor ha de comprar o pão mais em couta que é o que eu pertendo, e entendo ser de justiça: Sr. Presidente, eu desejaria como já disse, que a Commissão me declarasse que qualidade de farinha era, á que applicava o imposto de 70 réis; porque sendo vinte e dous arrateis o equivalente a um alqueire de farinha em rama pelo qual se paga 30 réis de direitos, não acho proporção para o direito que por arroba estabelece a Commissão. A farinha sendo expoada não se corrompe tão facilmente, e por este lado podia-se evitar a fiscalisação sanitaria, por não haver tanto receio da corrupção, e mesmo porque seria de muita vantagem que os farellos ficassem no campo para alimentos do gado; mas eu não me atrevo a propôr que seja só esta admittida na Cidade, por não se achar em uso, mas sim a em rama. S. Presidente, esperarei pela explicação que der Sr. Relator da Commissão, aguardando para depois pedir a palavra a V. Ex.ª

O Sr. Trigueiros: — Alguma dúvida fez á Commissão a distincção produzida pelo illustre Senador sobre farinha em rama, ou expoada; e por essa razão tractou de saber ao justo em que consistia tal differença, consultando pessoas muito praticas, sendo uma d'ellas o illustre Senador o Sr. Luiz José Ribeiro, que teve a bondade de dar os necessarios esclarecimentos aos Membros da Commissão, e em consequencia assentou ella que a differença das duas farinhas era cousa de tão pouca monta que não se podia fazer distincção alguma entre ellas, e que mesmo considerada a que havia, que gozasse embora o productor desse beneficio.

Quanto ao que disse o illustre Senador, a quem pareceu necessario o direito de 70 réis por arroba de farinha, parece-me que elle não fez o seu calculo com toda a exactidão, porque, comparado o direito que paga o trigo com o que a Commissão propõe que pague uma porção correspondente de farinha, ainda ha de 4 a 5 réis a favor desta; mas ficando a farinha menos sobrecarregada que o trigo não prevalecem as razões apontadas pelo illustre Senador. — Disse elle tambem que não sabia a razão porque os consumidores do termo de Lisboa haviam de pagar o pão mais caro do que os das outras provincias do reino: parece-me que nisto ha algum equivoco, e que o nobre Senador não ponderou que o direito que pagam os trigos do termo de Lisboa é perfeitamente igual ao que pagam os de fóra; se apesar da sua igualdade ainda comem o pão mais caro, a razão é porque o productor o reputa melhor, porque lá fóra não lhes impõe nada a Commissão, e eis-ahi uma razão de mais para não prantear os lavradores do termo que tanto têem excitado o sentimentalismo de S. Ex.ª; e a Commissão tendo em vista igualar todas as condições, por isso apresentou este Artigo. O trigo da provincia, ou que dá entrada no Terreiro, é verdade que no Terreiro paga simplesmente 30 réis por alqueire de vendagem, e 10 réis para a Junta do Credito Publico; mas as outras despezas que alli faz importam todas em 50 réis; e por tanto não podia a Commissão deixar de impôr os mesmos 50 réis ao que entrasse pelas portas, porque de outro modo desigualaria as condições dos diversos productores. Por tanto os povos de Lisboa, e suas proximidades, estão pelo artigo em perfeita igualdade de condição com todos os outros das provincias; e ainda estão muito melhor, porque se alguma excepção se devesse fazer era para sobrecarregar os primeiros mais alguma cousa, pois que têem de os trazer de sítios muito ajais proximos, e por isso lêem menos despeza do que aquelles que os hão de fazer conduzir de partes mais longiquas, os quaes são obrigados a pagar e sustentar cavalgaduras, ou outros meios de transporte, até os poderem embarcar para Lisboa. Portanto não ha razão nenhuma de queixa, nem a Commissão podia obrar diversamente depois de se ter imposto o principio da igualdade a respeito de todos os productores de cereaes que entrem em Lisboa; alguma differença haverá, mas essa é a favor daquelles que o illustre Senador diz que foram mais carregados pela Commissão: todavia é certo que essa differença é muito pequena.

O Sr. Miranda: — Eu desejaria alguma explicação mais a respeito do que aqui se estabelece. Se se compara o imposto da farinha por arroba com o de 22 arrateis de pão cozido, dá exactamente 70 réis por arroba; mas não sei até que ponto será exacta esta comparação, porque no peso do pão entra de mais uma certa quantidade de agoa; mas tambem entra farinha estreme, e não em rama: por tanto é preciso regular este imposto pelo imposto dos cereaes, quer dizer, estabelecer um direito em relação ao que pagaria o trigo correspondente, como é justo; porquanto uma arroba de trigo em grão, e uma arroba de trigo em farinha em rama, devem pagar iguaes direitos, e a haver differença deveria ser em beneficio do dono da farinha, pelo desconto que soffreu pela moedora. E então proporia eu que esse direito fosse de 40 réis por arroba (o mesmo dos cereaes em grão por arroba), e não de 70 réis como se estabelece neste Artigo. Se se admittisse que a farinha deve julgar-se com igual peso ao pão produzido, nesse caso bem calculados estavam os 70 réis; mas o termo de comparação de 50 réis por 22 arrateis de pão cozido, não me parece o elemento proporcional, que para este fim deve adoptar-se; e por outra parte não desejaria eu, que por uma supposição, que não é exacta, se fizesse pagar ao povo de Lisboa mais do que aquillo que é rasoavel. Conseguintemente em logar de 70 sejam 40 réis; e para verificar o que acabo de dizer, proporia que o Artigo voltasse á Commissão (Apoiado).

O Sr. Bergara: — O meu amigo o Sr. Trigueiros não satisfez á minha pergunta, porque elle estabelece a hypothese de farinha em rama, e esta não se verifica porque entra tambem a farinha espoada; e quando se estabelecesse isto era de muita vantagem para a farinha espoada: por quanto hoje paga-se 30 réis por vinte dous arrates em rama, e 50 réis pela espoada, e então estou persuadido que não entraria farinha senão espoada, e neste caso o calculo é exaggerado e contra o meu principio; que é, que o genero, que entrar pelas portas pague o mesmo direito que paga no Terreiro; eu nada tenho com as alcavalas que alli se pagam porque então tambem ha a considerar as despezas que o padeiro tem para conduzir o genero para a capital; além de que o valôr do trigo está na proporção do valôr da propriedade: e por isso parece-me muito sobrecarregado o direito de 70 réis por arroba na farinha, e desejaria que o Artigo voltasse á Commissão para pesar estas circunstancias: repito, nada tem as alcavalas com o imposto, e com aquelle que deve pagar á entrada das barreiras, porque pelas razões que já ponderei, os lavradores do termo de Lisboa tem outras despezas a fazer a que a Commissão não deu consideração; em consequencia voto contra o artigo tal como está, (Mandou uma emenda).

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O illustre Senador que acabou de fallar exige que a Commissão declare se o pão cosido deve continuar a pagar; e quanto á farinha espoada acha excessivo o tributo de 70 réis. Em quanto no pão, a Commissão não innovou nada: em quanto á farinha achou que era objecto inattendivel ser espoada, ou não espoada; e então deixou isso ao arbitrio dos interessados, de maneira que se o padeiro acha vantagem em a trazer espoada, assim a traz, e senão, trala em rama. Em quanto aos 70 réis, que pareceu excessivo tributo, a Commissão não se achou authorisada, nem julga que esta Camara o esteja, para poder alterar o que está taxado: a Commissão havia de adoptar de duas uma; ou o que se paga no Terreiro, ou o que paga o pão cozido; e então adoptou o valôr do pão cozido que são 50 réis por 22 arrateis de pão, que dá justamente os 70 réis por alqueire de farinha que a Commissão propõe: a Commissão não podia propôr outra cousa sem exceder as suas attribuições. Diz o Sr. Bergara que quer que a farinha entre, mas pagando os 30 réis que se pagam no Terreiro, isso é que não pôde s r, porque é fazer uma differença total entre o trigo do Alemtéjo, e o do termo de Lisboa. Supponhamos que existem duas herdades uma no termo de Lisboa, e outra na Provincia do Alemtéjo, e ambas da mesma grandeza, e da mesma fertilidade; se a do Alemtéjo rende para o proprietario vinte moios, para o de Lisboa deve render vinte moios, e mais vinte e cinco moedas. A razão é clara; como o trigo do termo de Lisboa não chega para o consumo da capital, é necessario que venha do Alemtéjo; em consequencia é necessario que o preço em Lisboa seja tal que cubra as despezas do transporte, que sendo de 600 réis por meio, faz a differença indicada. Ora havendo já esta differença de situação, parece de justiça que as alcavalas que paga o trigo do Alemtéjo sejam igualmente impostas aos lavradores do termo de Lisboa, a fim de que a condição seja igual. Agora em quanto a que se admitta trigo em grão, para pagar o direito ás portas da cidade, opponho me a isso; e o que entrar pelas portas ha de ser obrigado, como é pratica, a ír ao Terreiro; do contrario o Terreiro acabaria, se cada um o podesse passar ás portas e levar para os seus armazens. Em consequencia opponho-me a esta idéa, salva a cevada; nesta não tenho dúvida nenhuma, porque a cevada consome-se em grão, o que se não dá no trigo.

O Sr. Barão do Tojal: — Sr. Presidente, o direito de consumo de 30 réis em alqueire, corresponde ao peso de 22 arrateis, e dá o direito de 40 réis, calcula-se que o imposto é por 50 réis sobre 22 arrateis, e que a arroba de farinha anda por 70 réis; mas quer-me parecer que a justa proporção é de 44 ou 45 réis, e considero excessivo o imposto de 70 réis; mas o nobre Senador allegou que não era da competencia desta Camara alterar um direito estabelecido; entre tanto não está em proporção, porque não corresponde a mais de 44 réis.

Página 883

883

DIARIO DO GOVERNO.

Agora quanto á objecção de se admittir o trigo pelas portas, em razão de sustentar as Companhias do Terreiro, acho que não é justo, porque uma vez que eu pague os direitos de consumo destinados para amparo de certos estabelecimentos publicos, tenho cumprido com o fim para que o Terreiro é tolerado, e não vejo necessidade para que um genero tal, da primeira necessidade, seja carregado com despezas inuteis, sómente para a conservação de Companhias dispendiosas; por consequencia satisfazendo o dono do genero o direito, tem preenchido tudo que deve; e convém permittir-se-lhe leva-lo para sua casa, sem desnecessariamente augmentar-lhe a despeza que vai sempre recahir sobre o consumidor; julgo por tanto que a mesma razão que existe para a admissão da cevada, centeio, e milho pelas portas, deve affectar igualmente o trigo, porque não vejo motivo para que este genero seja gravado com mais esse onus, além do consideravel incommodo do proprietario em o conduzir ao Terreiro para o despachar. Aqui neste Artigo é que eu creio ficou determinado que se discutiria a conveniencia de se pagarem ás portas os direitos, e poderem os cereaes ser conduzidos logo para casa de seus donos, e insto muito por isto, porque acho realmente ser muito arduo ter cada um de levar ociosamente o seu genero ao Terreiro para meio pagamento de direitos, podendo pagar os mesmos ás portas; e então eu proporei como additamento a este Artigo o §. 1.° do Projecto do Sr. Luiz José Ribeiro, que me parece preenche todos os fins, e desejos, e vem a ser (leu). Assim persuado-me que ficam salvos todos os inconvenientes que tenho ponderado. Julgo que poucos dos Srs. Senadores terão deixado de ouvir queixas geraes de quasi todos os que importam generos para consumo de sua casa, terem de os mandar despachar ao Terreiro, o que causa grandes demoras, e inconvenientes: por tanto proponho que se adopte em seguimento do Artigo 6.° o paragrapho que li.

O Sr. Bergara: — Eu já fallei duas vezes ria questão, Sr. Presidente, e não desejarei exorbitar do Regimento; mas preciso fazer uma explicação ao Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa. Na Substituição que eu mandei para a Mesa não disse trigo, disse grão; eu não podia incluir o trigo, porque o meu pensamento foi para que entrasse a cevada, e o milho; por isso disse grão; e peço licença a V. Ex.ª para que o Sr. Secretario torne a lêr a minha emenda (leu-a). Esta Commissão é a Commissão mais tenaz que tem apparecido nesta Camara (riso) perdoem-me seus illustres Membros que lhes diga isto; querer confundir a farinha espoada com a farinha em rama, é cousa singular! Eu não tenho nem um palmo de terra no termo de Lisboa, pugno sómente pela justiça. Que importa ao lavrador do Ribatejo que o lavrador do termo de Lisboa vá pagar ao Terreiro todas essas alcavalas? O lavrador do termo tambem tem as suas cavalguras, e outras grandes despezas. Receio muito que me façam mudar de opinião, senão talvez que o meio mais rasoavel de acabar com taes alcavalas fôsse que os cereaes não pagassem direito algum; mas lembro-me de que os rendimentos do Terreiro tem uma applicação muito séria; entre tanto, se as cousas assim continuarem cheias de embaraços para a lavoura, eu ainda espero ver os pobres lavradores entrar para o Hospital de S. José, e atraz delles toda a nação, porque Portugal é essencialmente agricola.... Esta é a minha mania, de que me não hei de affastar ainda que seja censurado.

O Sr. Miranda: — Eu proporia que o valôr dos cereaes que entrarem pelas barreiras fosse a peso. Está determinado que ha de haver uma medida, e que essa seja o alqueire, visto que foi rejeitada a da fanga por que se media no Terreiro; esta declaração deve fazer-se no Projecto, porque de outra sorte o Governo não está auctorisado para mudar as medidas. A medida a peso é a mais exacta; e as suas differenças muito mais pequenas, do que as das medidas por volume principalmente quando os cereaes são medidos pela mão de um medidor experimentado; além disso, a pesagem é muito mais prompta, e os conductores não tem que ír ao Terreiro, nem que soffrer grandes demoras descarregando vendo medir, e tornarão a carregar os cereaes, que introduzirem na Cidade, incommodos estes, e embaraços são prejudicais aos vendedores como aos compradores; porque o excesso de despeza que d'ahi resulta, concorrem para augmentar os preços no mercado. Por outra parte a pesagem de uma carrada de cereaes é tão prompta, deduzidas as taras dos saccos, que ella não demanda mais tempo que o necessario para tirar os saccos do carro para a balança, e da balança para á carro; e o indice da balança póde, para maior brevidade marear não o peso; mas o do imposto correspondente. Não é este processo novo porque assim se pesam os carros, as diligencias, e suas cargas em toda a parte aonde ha estradas, e boa policia para conservá-las; e ainda que entre nós o seja as suas vantagens são tão evidentes, tão palpaveis, que não póde haverá menor hesitação em adopta-los.

Quanto aos cereaes que devem ser admittidos pelas portas, a minha opinião é que senão exceptue nenhum. A quantidade do trigo que se colhe no termo de Lisboa diz-se que é insignificante: por isso mesmo digo eu que se faça este beneficio, aos visinhos da Cidade, porque nenhum mal se faz ao publico, fazendo algum bem a um pequeno numero de individuos; estou persuadido que este favor será muito bem recebido pelos productores do termo de Lisboa.

O Sr. Trigueiros: — A Commissão não póde convir em que o direito das farinhas seja menor de 70 réis por arroba; os graves inconvenientes que do contrario se seguiriam são mui faceis de prever. Os trigos vindos a Lisboa por agoa pagam 30 réis de direitos no Terreiro por alqueire; e pelas medições a outras alcavalas (mas alcavalas indispensaveis) vem a pagar cada alqueire e meio, que é o que se julga necessario para a arroba de farinha, 70 réis, e mais uma fracção, que se despreza. Ora, qual será o resultado, se abaixarmos o direito de 70 réis ás farinhas, direito que equivale exactamente a este que se paga no Terreiro? A consequencia necessaria é desigualar as condições no mercado. Ora, havendo aliàs mais concorrencia em introduzir o grão por terra do que por agoa, dava-se immensa causa ao contrabando, e ficavam fraudados os direitos do Terreiro; desde o momento em que se estabelecesse o que quer o Sr. Bergara, os que desembarcassem o grão em Paço d'Arcos, Cascaes, e Ericeira, e o introduzissem por terra, vinham a ter uma vantagem sobre aquelles que o trouxessem pelo Téjo abaixo; e por tanto é facil haver mais contrabando uma vez pois que se adopta o direito do que se paga no Ferreiro (que foi a base que a Commissão externa do Terreiro tomou para a imposição no pão cozido que entrar pelas portas) a taxa calculada, e que se acha no Artigo é exactamente igual áquelle direito, havendo ainda uma fracção a favor do termo de Lisboa: a Commissão julgou que outro qualquer arbitrio era inconveniente. O que disse o illustre Senador, que os lavradores do termo de Lisboa não lhes importava com as alcavalas por que passar» os cereaes das provincias, não me parece de muito peso; a elles não lhe importa, mas deve importar a nós que somos Legisladores, e devemos ser justos; podem tambem entender-se que este dito involve para a Commissão o estygma de que ella quiz favorecer mais os lavradores de fóra do que os do termo de Lisboa. Ora pergunto, não póde ser introduzido todo o grão pelas portas da Cidade, e as farinhas delle procedentes do reino? Não o mostra o facto nos introduções dos grãos ou farinhas de trigos desembarcado no litoral!! E esse não vem a pagar o mesmo? Sem dúvida; e por tanto a medida não é só para os productores do termo de Lisboa, é para todos aquelles que quis em introduzir este genero pelas portas. Conseguintemente não tem os lavradores do termo de Lisboa razão de se queixar, porque se ha alguma differença é toda a favor delles, visto que tem muito menos despeza em transportes, e que se desprezou no calculo uma fracção com que carregam, os que despacham no Terreiro. Concluo repetindo, ainda uma vez, que o pensamento da Commissão foi igualar as condições no mercado; condição essencial para o equilibrio do commercio; quem introduzir o genero pelas portas, ou seja do termo, ou de fóra, fique sujeito ao direito que se paga no Terreiro, e ás despezas: do Contrario o Terreiro se anniquilla; o commercio se desequilibra; os lavradores da maior parte do reino se verão excluidos no mercado ou constrangidos a desembarcar para entrarem pelas portas, o que lhes não aproveitaria pela maior despeza de transporte; e finalmente no meio de todos estes inconvenientes, o contrabandista folgaria apenas desembarcando em Paço d'Arcos, attrahido ainda por mais este favor.

Resta dizer que a Commissão adopta a idéa do Sr. Bergara sobre a cevada e centeio.

O Sr. Vice-presidente: — Esta questão não póde progredir com utilidade; não ha numero de membros sufficiente para votar, e a hora está muito adiantada. Por tanto fica o Artigo adiado.

Mencionou-se um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, enviando uma Mensagem e Projecto de Lei da mesma sobre fixação das Congruas dos Parochos: — Passou á Commissão de Administração.

Leu-se o authographo do Projecto de Lei, sobre o imposto addicional que devem pagar algumas fazendas estrangeiras, approvado nesta Camara, e já reduzido a Decreto.

O Sr. Vice-Presidente deu para ordem do dia a continuação da discussão do Parecer sobre a refórma do Terreiro Publico, e fechou a Sessão depois das quatro horas da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×