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DIARIO DO GOVERNO.

tá votado para uma qualquer despeza, as Côrtes responsabilisarão o Ministro; e se o não está, deve este ír pedi-lo. Este paragrapho não é relativo a Ministros, tracta simplesmente do fornecedor; e não se diga que não é conveniente fiscalisar tambem as materias. Se um Ministro tem uma somma para certo emprego, segue-se que ella lhe foi votada legalmente, e que elle legalmente ha de querer gasta-la, por ser essa a condição com que se lhe concedeu; porque eu não creio que haja Ministros que queiram ír feitos com os fornecedores; portanto prezume-se que deverá querer pagar exactamente o que ajustou: ora, para elle saber se acaso está cumprido aquillo que ajustou, é que o Tribunal (não vai) manda examinar o genero. Eu poderia citar alguns exemplos para provar a necessidade desta especie de fiscalisação; referirei só um, porque delle tive conhecimento official. Quando eu tive a honra de fazer parte do Ministerio com V. Ex.ª recebi um Officio em que se me dizia que estavam no Arsenal ha muito tempo quatro mil cobertores, e tantas centenas de mantas que não eram para nenhum uso, por serem taes que nem chegavam aos joelhos dos soldados; respondi que aquella despeza tinha sido feita pelo Ministerio da Guerra: assim era, e tinham-se gasto talvez mais de sete contos de réis inutilmente! Agora digo eu se haverá algum inconveniente em que o Tribunal de Contas tenha Commissarios para mandar examinar a qualidade de uns cobertores que o Estado comprou, e verificar se elles estão segundo as condições do contracto, e conforme as amostras offerecidas quando se encommendaram? Creio que não. Ouvi contar tambem outro facto, que não sei se é verdadeiro, que se disse acontecer na mesma época, e que não é menos escandaloso: affirmou-se que uma porção de trigo avariado, e condemnado dez mezes antes tinha entrado para o Commissariado! O Sr. Luiz José Ribeiro que foi nomeado logo depois para Chefe daquella Repartição, póde dizer se o facto é verdadeiro, quando isso não implique com o seu melindre. Se o paragrapho passar não se segue que os Ministros não possam continuar a fazer as encommendas dos generos necessarios ás suas Repartições; mas a consequencia certa é que não tornarão a ser enganados quando fizerem um pagamento, porque não mandarão pagar senão depois do Tribunal dizer que o genero está conforme as condições. Repito que o Tribunal por este visto não embaraça a acção propria do Governo, tracta unicamente de verificar se os fornecedores que vendem aquillo que é necessario para o Estado cumpriram com as condições que o Governo lhe impoz. Julgo por tanto que o paragrapho é tão util como o resto do Projecto: fiscalisar só o dinheiro é meia fiscalisação.

O Sr. Miranda: — Estou ainda nos mesmos principios. Desejava que neste Projecto não passasse artigo algum que o fizesse rejeitar, ou que tornasse difficil a sua conclusão. É preciso ver bem quaes são as attribuições que se dão ao Tribunal de Contas; o fim principal desta instituição é a creação das formulas indispensaveis para occorrer aos abusos: e dos meios seguros e necessarios para comprovar as differentes verbas de Receita e Despeza, e todas as contas dos agentes responsaveis; sem que para esse effeito intervenha nos actos do Poder Executivo, ou tome parte na responsabilidade deste mesmo Poder. O Tribunal de Contas é livre e independente no exercicio de suas funcções; porém o Poder Executivo, por isso que os Ministros são responsaveis, tem attribuições que segundo a Constituição, são exclusivamente da sua competencia. Para pôr em maior evidencia este pensamento citaria um exemplo acontecido com certo Imperador da China. O Imperador da China, que é Senhor absoluto, um dia praticou um acto que lhe não convinha ficasse consignado nas Chronicas do Imperio: chamou o chronista, e disse-lhes: espero que de tal facto se não faça menção nos annaes que escreves. Não é possivel que o deixe de fazer (respondeu o chronista) porque a isso sou obrigado pelo meu juramento; e não só escreverei o facto, mas além disso a mesma rogativa que o Imperador me fez para o supprimir, tambem esta será consignada nos annaes. Eis aqui o Tribunal de Contas; é o chronista das Contas do Estado, examina as Contas e as confere com as Leis e Documentos que as legitimam, e no seu exame faz patentes os abusos da administração não á posteridade, mas ás Côrtes, ás quaes compete fazer effectiva a responsabilidade dos Ministros.

Agora em quanto ás despezas de que fallou o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; os Ministros não podem fazer contractos arbitrarios, porque pela maior parte o modo de estes se fazerem está consignado nas Leis: se o Ministro da Guerra, por exemplo, quizer comprar alguns mil armamentos; a compra ha de ser feita por concurso; estes contractos nunca são feitos ao arbitrio do Ministro, elle manda proceder a elles na conformidade das Leis, e se o não fizer assim é responsavel, não ao Tribunal de Contas, mas ás Côrtes. Em consequencia não se podem dar ao Tribunal de Contas attribuições que pertencem ao Poder Executivo porque isso até é contrario á Constituição: por tanto voto que se supprima o paragrapho, porque a sua doutrina é uma invasão no Poder Executivo.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, o paragrapho 2.° que está em discussão, foi objecto de muitas e largas contestações na Commissão de Fazenda, a que me honro de pertencer, por que tendo alguma referencia ao paragrapho 2.° do Projecto originario, cuja doutrina se pertendeu sustentar, e com a qual eu de modo algum me conformava; convim todavia com meus illustres collegas em que se consignassem aqui todas aquellas idéas que parecessem exequiveis, e que, sem incompatibilidade, fossem de reconhecida utilidade para a Fazenda Nacional. Algumas disposições fiscaes contém o paragrapho que, fallando no rigor do termo, não são da competencia do Tribunal de Contas; mas sendo ellas de reconhecida utilidade, não tendo nós um Tribunal Superior Administrativo a quem se incumbam, creio que será de grande conveniencia consignarem-se na Lei que estamos discutindo. O meu illustre collega, relator da Commissão, para aplanar difficuldades, já propoz a suppressão da palavra = approvar =, no que a Commissão convém; e eu para aplanar ainda mais essas difficuldades, e evitar escrupulos, proponho pela minha parte a suppressão das seguintes palavras = e authorisar por meio do seu visto o pagamento respectivo =; e então talvez que já não haja quem possa impugnar o paragrapho com solidos fundamentos.

As despezas que estão fixadas por Leis permanentes, como, por exemplo, os vencimentos pessoaes, tanto de classes activas como inactivas, tem sempre uma base certa para a fiscalisação; porém as despezas que dependem de preços ou ajustes publicos ou particulares, como são os fornecimentos e as construcções, requerem mais cautela e previsão; e por isso é conveniente que o Tribunal de Contas tenha immediatamente conhecimento das condições de todos os Contractos para os examinar, e mandar registar com antecedencia, a fim de pugnar pela sua execução no acto de examinar as Contas, e de notar as suas irregularidades ou desvantagens (no caso de as haver) quando submetter o seu relatorio ao conhecimento das Côrtes. Convém tambem observar que a fiscalisação, e exame das Contas deve conter duas partes muito distinctas, que pouco tem sido tomadas em consideração entre nós, e de cujo abandono ou falta de conhecimento se tem seguido grandes males, isto é: = fiscalisação das despezas = e = fiscalisação dos pagamentos = e nessa parte muito util e providente me parece a doutrina que em seu parecer offerece a Commissão, consignando-a no paragrapho que se está discutindo. Ninguem poderá duvidar da vantagem que ha de resultar á Fazenda Nacional, em havendo a certeza de que a Lei authorisa o Tribunal de Contas a tomar conhecimento de todos os Contractos ou ajustes que se fizerem; pois que tendo o dito Tribunal de pugnar pela sua fiel execução, e de communicar circumstanciadamente ás Côrtes quaes foram as vantagens ou desvantagens que delles resultaram, e de mencionar os nomes das pessoas que por parte do Governo os approvaram, deve tal certeza com providencias, creio que se não repetirá mais

correr para que os Ministros, e os Empregados responsaveis sejam mais acautelados, e circumspectos do que até agora o tem sido. Tambem ha de resultar grande vantagem, quando houver a certeza de que a Lei authorisa o Tribunal de Contas para mandar examinar e verificar por meio de Commissarios e peritos por elle delegados, a qualidade e quantidade dos generos, ou effeitos, que os Contractadores apresentarem em virtude dos contractos feitos para serem applicados ao seu destino; resultando de taes exames ou verificações, o conhecimento de sua qualidade, para serem recebidos ou rejeitados. Com a adopção de taes providencias, creio que se não repetirá mais o facto escandaloso dos Cobertores, que devendo ser de panno pareciam de Serapilheira, mencionado pelo meu illustre amigo e collega o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; nem tambem aquelle de se receberem para fornecimento do Exercito generos cereaes depois de condemnados, como tambem S. Ex.ª declarou; e por esta occasião devo observar, que se tal recepção se fez no Commissariado (o que não affirmo, nem nego), de certo não foi no tempo de minha administração, porque eu não era capaz de consentir em tal. V. Ex.ª estará muito bem lembrado, e igualmente o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, porque ambos formavam parte do Ministerio, do facto escandaloso que se praticou em Junho de 1835, durante os tres dias que eu hesitei em acceitar o Emprego que hoje estou exercendo (e melhor faria se o não acceitasse e conservasse a minha opinião), e ao qual ainda obstei do modo que pude, poupando á Fazenda de doze contos de réis; e mais com quem assim procedia nada podiam querer os possuidores de generos avariados ou condemnados.

Sobre o modo de fazer contractos com a maior vantagem possivel, direi tambem o que entendo, e a pratica de 35 annos de serviço me tem demonstrado. É opinião geralmente recebida (que eu me não proponho combater) que a publicidade prévia, ou a praça, offerecem as melhores garantias, e as maiores vantagens aos contractos que se fazem por parte da Fazenda Publica; porém eu digo que este methodo salva sempre a responsabilidade dos funccionarios, mas poucas vezes é realmente util para a Fazenda; e a prova é que nenhum negociante, ou emprehendedor de industria, manda fazer annuncios previos quando precisa comprar quaesquer generos ou effeitos; bem pelo contrario, procuram occultar a sua precisão, para que os vendedores não elevem os preços, como sempre succede, quando ha certeza da procura de qualquer genero. Além destes inconvenientes ha os manejos, ou conloios dos lecitantes, que procuram pôr-se de acôrdo uns com os outros para se não guerrearem publicamente, mediante certas concessões, como succedeu quando se poz em hasta publica o fornecimento da Marinha. Se eu tivesse no Inverno deste anno annunciado publicamente a falta de cevada para fornecimento da Cavallaria do Exercito, falta que realmente existia, ella não seria comprada a menos de 400 réis o alqueire como esperavam os monopolistas de cereaes (graças á chamada reforma do Terreiro feita o anno passado!); porém eu occultei o mais que pude a precisão que tinha; fiz encommendas para a Figueira, e para as Ilhas dos Açôres; e ainda que ellas me não produziram a quantidade que eu desejava, serviram optimamente ao fim que eu me propuz, porque os especuladores receiando que eu obtivesse por aquelles meios grandes quantidades que os impossibilitassem de vender, vieram procurar-me (em logar de eu os procurar a elles) e a Cavallaria tem sido fornecida optimamente com cevada que ainda não subiu de 300 réis o alqueire em Lisboa como se póde vêr das contas. Por estes, e outros meios, e com o zêlo e efficacia do Ex.mo Sr. Ministro da Fazenda, tenho eu feito no corrente anno Financeiro uma administração, por meio da qual, tenho contente o Exercito, e hei de apresentar uma economia superior a 150:000$000 de réis como as contas demonstrarão, quando forem apresentadas; devendo declarar nesta occasião, ainda que por incidente, que essa é a causa principal porque certa gente faz guerra de morte ao Commissariado: elle já não está em termos de continuar a concorrer para fortunas collossaes, e convém baralhar as cousas de fórma que essa necessidade torne a apparecer; para o que são precisas diversas figuras mais doceis e condescendentes. De tudo isto concluo eu (como opinião minha particular) que a maior e melhor garantia da Fazenda Nacional consiste na escolha judiciosa e acertada dos Funccionarios a quem se deve commetter a gerencia, e a fiscalisação dos negocios.

Tudo quanto acabo de expender, ainda que pareça improprio da questão, que nos occupa, tem com ella muita relação, e serve para corroborar d'alguma fórma a doutrina que a Commissão consignou neste paragrapho. A Commissão, tendo consultado o que ha escripto sobre este importante assumpto, e porque se governam as nações que estão mais adiantadas do que nós; e fazendo uso do que a experiencia tem mostrado áquelles de seus membros que