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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 15 de Junho de 1839.

(Presidencia do Sr. Visconde do Sobral, Vice-Presidente).

Foi aberta a Sessão pela uma hora e um quarto, presentes 43 Srs. Senadores.

Leu-se e foi approvada a Acta da precedente Sessão.

Havendo obtido a palavra, disse

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente: alguns eleitores do Districto de Bragança, ha tempo dirigiram uma Representação a esta Camara sobre as eleições do mesmo Districto: esta Representação foi mandada ao Governo para que fossem reconhecidas as firmas dos signatarios, vieram depois reconhecidas algumas, e o Administrador Geral de Bragança, devolvendo a Representação ao Governo, disse que não tinha mandado reconhecer as outras receiando que os Tabelliães commettessem uma nova falsidade. Tendo isto constado a varios eleitores pelos papeis publicos, tomaram a seu cuidado mandar reconhecer as assignaturas, em numero creio que de quatrocentas: mando este documento para a Mesa, a fim de ser depositado na Secretaria, onde ficará ao alcance dos illustres Senadores que o quizerem vêr.

Teve o destino indicado.

Mencionou-se a correspondencia:

1.º Um Officio, pelo Ministerio da Fazenda, enviando cópia de uma informação do thesouro, relativamente a uma verba do Orçamento, pedida em consequencia de requerimento do Sr. Miranda. — Para a Secretaria.

2.° Um dito, pelo Ministerio da Guerra, remettendo relações para satisfazer a alguns dos quisitos constantes de um requerimento do Sr. Bergara, approvado pela Camara.

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, persuado-me que esse officio que acaba de lêr o Sr. Secretario, se refere a enviar a esta casa as requisições que eu fiz pelo Ministerio da Guerra: pedia que esses esclarecimentos fossem remettidos á Commissão de Guerra, e que a Commissão tivesse a bondade de os vêr, porque são essencialmente necessarios na occasião da discussão do Orçamento.

Foram a mencionada Commissão.

O Sr. Vellez Caldeira: — O Sr. Manoel Duarte Leitão, acha-se doente, por isso não veio hontem á Commissão de Legislação, e pelo mesmo motivo não vem hoje á Camara.

Por esta occasião, e para que não pareça que eu fiz aqui um requerimento com o fim de adiar indefinidamente um Projecto que ia entrar em discussão, peço a V. Ex.ª que quando tiver logar de se pedir ao Governo haja de satisfazer as requisições que se lhe tem feito por esta Camara, se lhe peçam tambem os trabalhos sobre reformas e promoções, que se achem no Ministerio da Guerra. Assim tenho satisfeito, mostrando que eu não tinha feito aquelle requerimento, com o fim de adiar o Projecto indefinidamente (apoiado).

O Sr. General Zagallo: — Sr. Presidente, Segunda feira faz tres semanas que foi adiada a discussão deste Projecto, na esperança de que os papeis que se pediram ao Governo viessem com promptidão; com effeito, não succedeu assim, porque não só não vieram em consequencia desta requisição, mas nem depois da segunda, que V. Ex.ª teve a bondade de annunciar á Camara em uma das Sessões anteriores, que se havia feito. Por consequencia, julgo que já havia tempo de mais para cá estarem, e vou-me persuadindo de que taes papeis não virão: pediria por tanto á Camara decidisse se o adiamento que votou e indefinido até que o Governo queira mandar os papeis, (Vozes: — Não. Não.) ou se o Projecto adiado deve entrar em discussão logo que V. Ex.ª ache que é tempo proprio para isso, ou, que as circumstancias assim o exigem.

O Sr. Vellez Caldeira: = Sr. Presidente, a Camara decidiu sobre-estar na discussão do Projecto, até que viessem esses papeis; por agora julgo eu que não ha mais nada a fazer, do que tornarem-se a pedir, caso se julgue que se tem demorado: outros ha que ainda se tem demorado mais, e isso póde ser proveniente de se estarem a copiar os documentos, a fim de se não perderem os originaes, como mais de uma vez tem acontecido. Não me parece por tanto

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que se deva alterar por ora o que está decidido a este respeito.

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, mando para a Mesa um requerimento que me foi enviado pelo Administrador do Concelho do Sardoal, Districto de Santarem, em que o Ministro da Mesa, e mais Irmãos, bem como o Presidente da Irmandade do Sr. Jesus dos Passos, pedem a Igreja, e Adro que foi do extincto Convento de Nossa Senhora da Caridade, situado na Villa de Sardoal: eu pedia a V. Ex.ª que mandasse este requerimento á Commissão de Fazenda; porque acho muito justo a representação que fazem estes devotos: a Igreja não póde ter outra a applicação do que esta, e a Camara exercerá fim acto proprio do seu bom sonsa concedendo a estes Povos uma Igreja de que elles tanto necessitam para a celebração dos Officios Divinos. Ordinariamente costumam excluir-se as sachristias, e Igrejas da venda dos bens nacionaes: o fim deste requerimento está conhecido, que é para alli fazerem as suas funcções, e as suas procissões, e eu sou de parecer que se conceda o que pedem, e não só por principios politicos, mas até porque eu sou tão religioso como os signatarios que pedem a Igreja (Apoiado.)

O Sr. Miranda: — Convenho, mas não sei se esta Camara será a competente para fazer tal concessão; como tenho alguma dúvida nisto seria bom que a Camara o decidisse, e que para isso o requerimento fosse á Commissão de Petições.

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer que ainda não vi a Commissão de Petições, dar nesta casa pareceres ácerca dos requerimentos que a ella vão, e por isso me parecia que este fosse já á Commissão de Fazenda.

O Sr. Vice-Presidente: — Reconhecendo-se que é um requerimento de individuos não póde ser mandado a outra Commissão que não seja a de Petições, porque assim o determinou a Camara, ainda antes de hontem, sobre outro que lhe foi presente.

O requerimento passou á Commissão de Petições.

O Sr. General Zagallo: — Sr. Presidente, a Commissão de Guerra acha-se reduzida a quatro membros: por consequencia, por parte della, requeiro a V. Ex.ª haja de propôr á Camara a nomeação de mais tres.

O Sr. Vice-presidente: — Seria bom que a Commissão propozesse aquelles que desejava, que assim tem feito outras.

O Sr. General Zagallo: — Já por outra vez a Commissão de Guerra deu a razão á Camara, porque não procedia desse modo, razão que julgo desnecessario repetir agora, visto que a Camara está ao facto della: por tanto é a mesma Camara, e não a Commissão, quem deve fazer a designação.

O Sr. Vice-Presidente: — Nesse caso, a Mesa fica inteirada, e proceder-se-ha opportunamente á eleição necessaria.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, por parte da Commissão de Administração, pedia que á mesma fosse unido o Sr. Daniel d'Ornellas (Apoiado).

A Camara conveio.

O Sr. Pereira de Magalhães, relator da Commissão mencionada, leu e mandou para a Mesa o Parecer della acerca do Projecto de Lei, enviado da Camara dos Deputados, sobre reformar o contracto celebrado com a Companhia de navegação do Téjo e Sado, por meio de barcos movidos a vapôr. Mandou-se imprimir para discussão.

Passou-se á ordem do dia, e foram lidos o Parecer e Projectos seguintes.

Parecer

A Commissão de Administração Publica, examinando o Projecto de Lei que ao Senado foi remettido, depois de approvado pela Camara dos Deputados, sobre a prorogação do contracto feito com a Companhia dos Omnibus e novas concessões á mesma Companhia; e convencida de que o Artigo 7.º pelo modo que se acha redigido póde dar logar a que se duvide, se as Carruagens particulares com mais de duas pessoas podem ír aos pontos designados; e attendendo tambem a que as ultimas palavras do mesmo Artigo = a horas determinadas = destroem o privilegio que se pertende conceder á Companhia, por isso que não fazendo carreira em horas determinadas podiam conduzir os passageiros, ficando assim mais favorecidos do que a Companhia, do qual o maior onus é fazer carreira a horas determinadas; é de parecer que se approve o Projecto acrescentando-se no Artigo 7.º depois da palavra = Carruagens = de aluguer = eliminando-se as palavras a horas determinadas, no mesmo Artigo.

Sala da Commissão em 10 de Junho de 1839. = Manoel Gonçalves de Miranda = Manoel de Sousa Rebello Raivoso = Barão de Prime = Barão de Villa Nova de Foscôa = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Art. 1.º Fica pela presente Lei prorogado até ao fim de Dezembro de 1845 o privilegio exclusivo pata o estabelecimento de Carruagens denominadas = Omnibus = que por Decreto de 7 d'Agosto de 1834 foi concedido a Aristides Fleury de Barros, e de que actualmente é cessionaria a Companhia dos Omnibus da Cidade de Lisboa.

Art. 2.° É concedida á Companhia dos Omnibus de Lisboa a introducção com isenção do pagamento dos direitos designados na classe 13 da Pauta Geral das Alfandegas, das duas Carruagens, que faltam para completar as doze concedidas no contracto celebrado entre o Governo de Sua Magestade a Rainha, e Aristides Fleury de Barros aos 5 d'Agosto de 1334, qualquer que seja a sua fórma e tamanho.

Art. 3.° Fica a Companhia dos Omnibus obrigada a sustentar uma carreira diaria para Belem, e a dar pelo menos cada dia dez viagens de ida e volta.

Art. 4.º A Companhia conservará uma carreira diaria para Sete-Rios e Bemfica, e dará pelo menos duas viagens de ida e volta, desde o primeiro d'Outubro até ao ultimo d'Abril; e quatro nos restantes mezes do anno.

Art. 5.º Fica a Companhia dos Omnibus obrigada a dar bilhetes de dia ou de noite a quem quiser segurar o seu logar nas carreiras de Belem e Bemfica.

Art. 6.º Os preços que cada passageiro das Carruagens Omnibus deve pagar de Lisboa para Belem, Bemfica e Sete Rios, e destes sítios para Lisboa, vão declarados na Tabella junta, que faz parte da presente Lei.

Art. 7.° Fica, durante o tempo deste privilegio exclusivo, prohibido a todas as Carruagens de qualquer denominação que sejam, uma vez que possam levar mais de duas pessoas, fazer carreira para Belem, Bemfica e Sete-Rios por bilhetes ou sem elles, a horas determinadas.

Art. 8.° Será prohibido á Companhia do Omnibus fazer carreira nos sitios de Belem a Bemfica e Sete-Rios em Seges, ou em Carrinhos chamados Cabriolets, ou quaesquer Carruagens de dous logares.

Art. 9.º Os infractores da disposição do Artigo 7.° pagarão pela primeira vez uma multa equivalente ao importe do preço que pagam trinta passageiros, calculado pelos designados na Tabella junta; e pela segunda vez o dobro.

§ unico. Estas multas serão applicadas, um terço para o denunciante, não sendo pessoa empregada na Companhia; e o restante entregue á Camara Municipal de Lisboa para o concerto das respectivas estradas.

Art. 10.° Os preços e obrigações estabelecidas pela presente Lei começarão a ter vigor oito dias depois da sua publicação.

Art. 11.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes em 4 de Junho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario. =

Tabella dos preços que cada passageiro das Carruagens = Omnibus = deve pagar de Lisboa para Belem, Bemfica, e Sete-Rios, ou destes sitios para Lisboa.

[Ver diário original]

Palacio das Côrtes em 4 de Junho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario. =

Finda a leitura, obteve a palavra, sobre a ordem, e disse

O Sr. Bergara: — Este Projecto, Sr. Presidente, é de tanto interesse publico que eu julgo que nós não devemos tractar de o discutir na generalidade, porque isso seria perder tempo: pediria por tanto a V. Ex.ª que propozesse á Camara, se dispensava a discussão na generalidade, para que se entrasse immediatamente na da especialidade do Projecto (apoiado).

Tendo-se resolvido conforme esta indicação, e não havendo quem pedisse a palavra, foi o mesmo Projecto votado, e ficou approvado na sua generalidade.

Os Artigos 1.º 2.º e 3.º tambem se approvaram sem discussão.

Lido o 4.°, disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — Os viajantes que vão para Bemfica e Belém tem observado que nesta carreira se gasta mais tempo do que deve ser, e reclamam que seja mais regular; isto é de algum transtorno para elles, e por isso, para satisfazer a sua justa exigencia eu por parte da Commissão offereço esta emenda ao Artigo em discussão:

«E na carreira de Bemfica não gastará mais de uma hora e um quarto de ida, e uma hora de volta; e uma hora de Belem.» = Pereira de Magalhães,

O Sr. Trigueiros — Eu não sei se o que vou a dizer terá já logar, mas penso que para tornar claro, e explicito naquillo que o não é, sempre será tempo. O Artigo 3.° diz assim: (leu). Eu não acho isto claro; e não o sendo para mim; póde não se-lo para mais alguns (O Sr. Bergara: — Está votado). Por isso já disse que não sei se teria logar: mas para a redacção sempre é tempo. Ora bem: eu não sei se são dez viagens para baixo, e outras tantas para cima, que ao todo fazem vinte, ou se são sómente dez de ambos os modos, isto é, cinco para baixo e cinco para cima.

O Sr. Pereira de Magalhães: — O Artigo está muito claro; diz que são dez viagens completas, quer dizer, de ida e volta.

O Sr. Trigueiros: — Será da curteza do meu entendimento, mas não acho isto tão claro como se quer dizer, e como póde haver alguns cujo entendimento seja tão curto como o meu, parecia-me que não era desnecessario que o illustre relator da Commissão, quando este Projecto fosse ultimamente redigido, o tornasse tão claro que ninguem podesse ter dúvida alguma no seu ennunciado.

O Sr. Tavares de Almeida: — Como se tracta das obrigações da Companhia, e mesmo no Parecer da Commissão está que ella fique obrigada ás carreiras em horas determinadas, desejaria eu que, ou neste Artigo, ou onde melhor parecesse á Commissão, se dissesse explicitamente que a mesma Companhia deve obrigar-se a fazer partir as carreiras a horas determinadas; assim como diz o additamento do Sr. Pereira de Magalhães, no qual se estabelece um prazo certo para a partida, dando uma hora para a viagem de Bemfica, e hora e meia para a de Sete-Rios. Sr. Presidente, eu noto no Parecer da Commissão estas palavras (leu). Logo, se isto é um onus da Companhia eu não o vejo consignado no Projecto, sendo aliàs de reconhecida conveniencia o marcar as horas para a partida, e até é de muito interesse, não só para o publico mas tambem para a mesma Companhia (Apoiados).

O Sr. Miranda: — Em quanto ao Artigo 3.º acho que elle está claro, ainda que se lhe poderia dar uma melhor redacção: mas eu vejo, Sr. Presidente, que aqui se diz = uma carreira diaria = e a palavra = carreira = não se póde em rigor entender como viagem, (de ida e volta entre os pontos extremos) e por isso, e para tornar-se mais claro o artigo, seria conveniente dar-lhe uma melhor redacção. Em quanto porém a marcaram-se aqui as horas, acho isso desnecessario, por ser de interesse da mesma Companhia o fazello assim, e não sei mesmo se ha algum regulamento especial do Governo a este respeito. Em consequencia parece-me que o Artigo está nos termos de poder passar (Apoiados).

O Sr. Pereira de Magalhães: — Não se póde determinar em uma Lei as horas de partida, porque ellas variam segundo as estações do anno, e isso pertence ao Governo tractar com a Companhia, porque esta lei o auctorisa a entender-se com ella a fim de estabelecer essas horas determinadas, o que aqui se não póde fazer (apoiados).

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu creio que a discussão agora versa sobre a emenda do illustre relator da Commissão, isto é, relativamente a marcar-se o tempo que se deve gastar nas viagens. Parece-me difficil o marcar esse tempo porque as viagens são sujeitas a ter maior ou menor demora conforme as paragens que tiver de fazer (apoiados): e de mais, Sr. Presidente, estando determinado quantas viagens

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hão de fazer por dia, tanto basta para que os Directores da Companhia regulem esse ponto de maneira que possam fazer cada dia esse numero de viagens a que são obrigados (Apoiados).

O Sr. Tavares d'Almeida: — Eu creio que não fui bem entendido; porque o meu pensamento é este: a Companhia na vespera põe na tabella das horas em que hão de ser feitas as viagens (o que pertence a ella fazer); mas eu quero que a essa hora, senão tiver senão 4, 6 ou 10 passageiros parta, e se faça a jornada como se tivesse todo o numero, isto para que o publico não soffra incommodo; porque cada um conta com aquella viagem a certa hora, para arranjar os seus negocios, sem que seja obrigado a esperar, e a perder tempo, e soffrer outros prejuizos que desta falta se ocasionarão. Quero pois, e esta é a idéa, que o Omnibus parta sempre á hora designada tenha ou não gente.

O Sr. Pereira de Magalhães: — A Commissão foi informada relativamente ao tempo que é necessario gastar nas viagens para os pontos a que se refere a minha emenda: combinei com um dos Directores a este respeito, e foi esta a razão porque a Commissão não teve dúvida nenhuma em apresentar esse additamento; se porém a Camara o não quizer approvar, a Commissão não faz disso questão: devo porém informar a Camara que elle foi feito de combinação com um dos Directores. Agora pelo que respeita ao que disse o Sr. Tavares d'Almeida, observarei que o que S. Ex.ª quer é aquillo mesmo que a Companhia já costuma praticar; porque é ella que marca as horas, e se faltar á observancia d'ellas, toca depois aos passageiros fazer reclamações, e dirigir suas queixas á competente authoridade. De mais, agora não se tracta de estabelecer condicções novas; tracta-se só de rectificar as mesmas já feitas pelo Decreto que se menciona no Parecer.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Sr. Presidente, eu não tenho presente as condicções da empreza, e por isso não tenho remedio senão oppor-me á doutrina do Sr. Pereira de Magalhães; porque S. Ex.ª quer que os passageiros requeiram queixando-se da Companhia, quando ella por algum acontecimento, que se dê, não cumpra com a partida ás horas designadas. É pois o meu voto que se consigne na Lei as palavras a horas marcadas, e a Companhia que as marque; uma vez marcadas ellas, faltando a essa obrigação, os passageiros então se queixarão. Mas, Sr. Presidente, se isto se não disser na Lei, a quem hão de elles requerer? Aos Directores? Á mesma Companhia? Não póde ser; porque ella responderia que a Lei não o determinava (Apoiados). Em consequencia eu uno o meu voto ao do Sr. Tavares d'Almeida, para que se consigne na Lei a declaração, de que a Companhia ha de fazer partir os Omnibus a horas marcadas (Apoiados).

O Sr. Trigueiros: — Eu estou persuadido que a Commissão mesma se não póde oppôr ao que acaba de dizer o Sr. Visconde de Porto Côvo, o qual me prevenio perfeitamente, quanto mais que eu no mesmo relatorio da Commissão vejo o seguinte (leu): logo a Commissão reconhece que a empreza tem obrigação de fazer a partida a horas determinadas; porém na Lei não aparecem essas palavras a horas determinadas, e julgo que a Commissão convirá em que ellas vão exaradas aqui, e sendo assim, parece-me desnecessario o suspender esta discussão para mandar vir aqui o contracto, o que trará comsigo maior demora, sem mais proveito.

O Sr. Miranda: — A proposta não tem logar neste Artigo, póde-se admittir, mas é necessario ver se está ou não consignada no contracto: em consequencia é minha opinião que continue a discussão, e que a emenda, ou Proposta seja remettida á Commissão para examinar se effectivamente ella está ou não consignada ao contracto, para depois se decidir com conhecimento de causa, e fazer se um Artigo addicional, se elle já não fizer parte do contracto. Esta é uma materia verdadeiramente regulamentar, e que está em pratica em toda a parte aonde ha Omnibus; porque ahi se faz sempre um roteiro das horas a que elles devem partir e chegar a certos pontos; e logo que essa hora dá, elles impreterivelmente partem. Em consequencia digo, que acho estar o Artigo nos termos de poder passar, deixando o additamento para depois, porque a Commissão o poderá considerar redigir com mais vagar, sem que isso obste a que continue a discutir-se o Projecto.

O Sr. Barão do Tojal: — Parece-me que é o proprio interesse da Companhia dar o maior numero de viagens por dia; porque quantas mais der maior interesse tirará; Tambem me parece que a Companhia deve marcar as horas a que os Omnibus hão de partir para os pontos designados; e tambem me parece que tudo isto deve estar consignado no contracto. Se porém a Companhia commetter qualquer falta no cumprimento de seus deveres, presumo que á Administração Geral pertence dar providencias para que se não repita esse abuso. Eu quereria tambem que houvesse dentro dos Omnibus uma copia das condições a que a Companhia se obrigou, para conhecimento dos passageiros (como ha em outros paizes), mas quando se dê alguma falta, está visto que o publico deve ter recurso para a competente authoridade. Eu não me metti ainda em Lisboa em nenhum Omnibus, porém tenho-o feito em outros paizes como em Inglaterra, e França, e lá sei eu que ha recurso das queixas para a Camara Municipal; porém entre nós julgo que o deve haver para a Administração Geral.

O Sr. Tavares d'Almeida mandou para a mesa a seguinte

Proposta.

Que se consigne no Projecto — que a Companhia fará as carreiras a horas determinadas. — Tavares d'Almeida.

O Sr. Trigueiros: — Sendo aliàs muito judicioso o que acaba de dizer o Sr. Miranda, parece-me comtudo que seria melhor não ír esse additamento á Commissão, porque não vejo precisão para isso, porque convém que se consigne na Lei que a Companhia será obrigada a fazer as carreiras a horas determinadas. Sr. Presidente, quantas palavras regulamentares estavam no contracto, que não estão nesta Lei, e muito menos essenciaes? Portanto, para que havemos nós fazer uma questão, inserir palavras sobre que todos estamos de acôrdo; nem excitar o discussão, nem dar mesmo trabalho á Commissão de revêr novamente o contracto que não merece a pena para este fim? Parece-me que o Sr. Barão do Tojal insistiu novamente com a idéa que já se produziu de que não era possivel marcar as horas; agora não se tracta disso, e eu sou de opinião, que se ponha o additamento á votação, sem ír á Commissão, e com essas palavras era que ella concorda.

O Sr. Cordeiro Feyo: — Sr. Presidente, eu julgo que é da maior vantagem para o publico, que os Omnibus façam a horas certas e determinadas as carreiras, a que por esta Lei ficam obrigados para poderem conservar o seu privilegio: em consequencia esta condição deve ser expressa na Lei: a designação porém dessas horas pertence á Companhia, a qual por interesse proprio ha de fixar e designar aquellas, que forem mais commodas para o publico, segundo os dias e as estações, pois só assim promoverá a concorrencia de passageiros, como lhe convém. Em quanto ao maximo do tempo, que os Omnibus devem gastar em cada carreira, não me parece objecto de Lei, e é mais regulamentar; além de que é uma obrigação, que muitas vezes se não poderá cumprir: com effeito póde um dos animaes desferrar-se ou suceder-lhe algum outro incidente; póde o Omnibus ser obrigado a parar ou para concertar alguma roda, ou occorrer a algum inconveniente, que acaso aparece: em fim podem, como é evidente, occorrer incidentes, que façam demorar o Omnibus muitas vezes no caminho pela entrada e sahida de novos passageiros ele, e que obstem a que a carreira se possa fazer no tempo marcado: e por tanto não deve marcar-se na Lei, mas sim deixar-se isso ao arbitrio da Companhia, a qual ha de fazer tudo que possa para agradar ao publico, pois nisto interessa muito. Diz-se que um dos Directores da Companhia não se oppõe a esta determinação; mas, Sr. Presidente, o voto de um Director não é o voto da Companhia, nem ainda da Direcção. A Lei ha de durar muitos annos, e os Directores são eleitos todos os annos. Independente de tudo isto, e ainda mesmo que a Companhia approvasse este onus, eu seria de voto que este objecto ficasse para o regulamento que o Governo ha de fazer. — Voto pois contra o additamento.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Por parte da Commissão, para tirar todas as duvidas, direi que ella concorda em accrescentar em todos os Artigos que se tracta de carreira as palavras = a horas determinadas (Apoiado).

O Sr. Miranda: — Póde-se dizer = a horas determinadas = mas de maneira que o Artigo tenha um sentido claro. A minha opinião foi sempre que se declarasse que as carruagens infallivelmente partissem a horas certas, por assim ser de interesse publico: desejava que este Artigo se redigisse convenientemente, e que para isso fosse á Commissão.

O Sr. Vice-Presidente: — O relator da Commissão assim acaba de o declarar.

O Sr. Miranda: — Essa idéa foi a primeira que eu apresentei: se ha dúvida, eu mando um additamento para a mesa, e se disto não se faz questão, muito bem. O desenvolvimento desta idéa depende de um regulamento do Governo, e se na Lei não está declarada nem no contracto, e se sequer já tomar uma resolução, então eu apresento este Artigo addicional.

«Proponho que se acrescente no fim do Projecto o Artigo seguinte: — Quanto ás horas de partida, e do tempo de demora em cada estação, o Governo fica authorisado para fazer os Regulamentos necessarios.» — Miranda.

Assim está dito tudo quanto basta, e o Governo de acôrdo com a Companhia, fará os regulamentos necessarios, pois que tudo isto é materia puramente regulamentar; peço todavia que esta questão se reserve para o fim do Projecto, e que se continue com a discussão do Artigo.

O Sr. Vice-Presidente: — Parecia-me que o meio de poupar tempo, como o illustre Senador deseja, seria adoptar o que propõe a Commissão (Apoiados).

Não se fazendo outra observação, tornou-se a votar sobre o Artigo 3.º e foi approvado com o additamento contido na proposta do Sr. Tavares de Almeida: as outras ficaram rejeitadas.

Os Artigos 4.° e 5.° foram, approvados sem discussão.

Lido o 6.º, disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — Na Tabella que veiu da Camara dos Senhores Deputados, não se declarava o preço dos bilhetes de noite para Bemfica e Sete-Rios; eu em substituição a esta Tabella offereço outra declarando o preço dos bilhetes para estes logares; não para augmentar os preços, que são os mesmos de dia, ou da noite; mas para evitar as duvidas que podiam suscitar-se não se marcando preço nenhum — É a seguinte

Tabella dos preços que cada passageiro das carruagens = Omnibus = deve pagar de Lisboa para Belem, Bemfica e Sete-Rios, ou destes sítios para Lisboa.

[Ver Diário Original]

O Sr. Miranda: — Eu não tinha reflectido nesta circumstancia, e parecia-me que qual quer pessoa, ou mandasse comprar o bilhete de um logar, ou o fosse occupar pessoalmente havia de sempre pagar o mesmo preço; por tanto não sei qual ha de ser a razão para se fazer esta differença aqui está a Tabella pelos bilhetes de dia, e de noite, apresenta o mesmo preço de 160 réis, isto é, quer a carreira seja de dia, quer de noite; em consequencia eu entendo que a ultima columna deve supprimir-se, conservando-se os algarismos que estão na antecedente; não acho razão nenhuma para esta alteração.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Eu tenho sentimento em estar em opposição com as idéas do Sr. Miranda; mas realmente é uma vantagem, para quem tem de fazer uma viagem, ter o seu logar certo: em toda a parte se observa isto, por consequencia, eu opino em que subsista a Tabella por ser de utilidade publica.

Quando o Sr. Vice-Presidente ia a propôr o Artigo, disse

O Sr. L. J. Ribeiro: — Mas que fiquem salvas as alterações que se possam fazer na Tabella.

O Sr. Miranda: - Eu proponho a suppressão da ultima columna.

O Sr. Vice-Presidente: — A Commissão propõe, creio que de acôrdo com um dos Directores da Companhia, que o preço de Bemfica fosse o mesmo; mas pela Tabella que acaba de ler-se penso que para Sete-Rios, não ha bilhetes.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Como não se tractava do preço dos bilhetes para Bemfica acrescentou-se então essa Tabella; em consequencia é no de Belem que o Sr. Miranda póde pedir a suppressão, porque nos outros é o mesmo preço; a differença é que de dia para Be-

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bém se pagam 120 réis? E de noite 160; e quando tem bilhete tambem 160; isto é um beneficio que se faz ao viajante, além de que a Companhia tambem tem uma certa despeza; porque recebe esse beneficio, que é tão insignificante que não vale a pena de estar a pôr duvidas.

O Sr. Miranda: - Eu tenho só uma reflexão a fazer. Parecia-me que o preço deveria ser o mesmo, quer um passageiro se apresente para tomar logar quer se apresente para tomar bilhete: o dono da Carruagem tem igual interesse porque em um e outro caso tem um passageiro certo. Não vejo a razão porque se faça uma differença para Belem, e não se faça para as outras carreiras. Esta ultima columna da tabella deixa a este respeito em alguma confusão.

O Sr. Serpa Saraiva: — Em fim prevenido pelo illustre Senador; pois que não acho razão nenhuma para differença do preço, se não ha differença de trabalho; por consequencia todo o augmento de preço sem fundamento, é injusto e parcial. Só á Companhia pertence o promover e zelar suas melhores condicções e privilegios. A nós cumpre zelar o interesse do povo, que não sei como possamos gravar sem

motivo justo, ou proveito seu. Se o fizessemos iríamos d'encontro ao nosso dever, e á natureza de nossas procurações.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Para evitar o que acaba de dizer o Sr. Miranda, é que eu offereci aquella emenda. Agora responderei aos illustres Senadores, que em logar de fazer beneficio ao publico, fazem-lhe mal, porque não pagando mais alguma cousa pelos bilhetes, a Companhia não lh'os dará: ora agora se a Companhia augmenta o preço dos bilhetes para Belém, é porque para alli ha mais passageiros do que para Bemfica. Diz o illustre Senador que não ha mais trabalho: ha muito mais, ha uma escripturação, ha despeza de papel, etc.; em consequencia ha muito mais trabalho com os bilhetes do que sem elles; e ha tambem prejuizo para a Companhia, que póde no caminho receber passageiros, o que lhe fica tolhido tendo dado bilhetes.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu não desejava entorpecer o andamento deste negocio, todavia estava esperando a ver se a discussão me poderia illustrar de modo que podesse convencer-me que havia utilidade real na conservação da terceira columna da Tabella: mas eu nem vejo utilidade ou justiça nella, nem prejuizo na sua eliminação. Qual é o interesse da Companhia? É ter passageiros: para isto é que ella se creou, e o seu interesse está na proporção do maior numero delles: por consequencia não vejo razão para este augmento de preço, qual, por mais que se diga, é um onus pesado; e por tanto entendo que, conservada a Tabella com as duas columnas se estabeleceu o que é preciso, porque os Omnibus hão de sair á hora que estiver determinada, e não acho justo que a quem fôr pedir um bilhete, só por esse facto, se faça pagar mais dous vintens. Diz-se que os bilhetes fazem despeza, e que por isso devem augmentar o preço da passagem a quem delles se utilisa: tambem a Companhia compra as carruagens, sustenta os animaes, paga a criados, etc. e então os bilhetes estão na razão geral de todas as suas despesas de custeio. Voto contra a permanencia da terceira columna da Tabella, e porque hajam preços fixos para de dia e de noite, mas sempre os mesmos.

O Sr. Conde de Vi lia Real: — Para se poder votar sobre a Tabella, parece que é preciso saber se aquellas pessoas, que tomam um bilhete conservam o seu logar em toda a carreira, e podem entrar no Omnibus em qualquer ponto della desde da sua partida até ao da chegada; sendo assim, acho justo que paguem um pouco mais. Nos paizes onde ha Omnibus não se dão bilhetes para logares reservados; as pessoas que com elles se apresentam vão entrando á medida que chegam, sem distincção; mas em um mesmo logar revezam-se muitas vezes varias pessoas: pode haver Omnibus com doze ou quatorze logares, que n'uma carreira receba vinte, ou mais passageiros, e naturalmente a empresa conta com esta addição. Se pois quem toma um bilhete conserva o seu logar em todas as circumstancias, não é muito estranho que pague mais alguma cousa.

O Sr. Serpa Machado: - Eu pedi a palavra para uma explicação. Ainda que os bilhetes façam alguma pequena despeza á Companhia, não me parece proporcionado aplicar uma differença tão grande, qual é a de 40 réis, para indemnisar essa despeza. Bem indemnisada a julgo com a maior certeza, e facilidade de obter passageiros com antecipação. Quanto a dizer-se que a Companhia póde deixar-se de passar bilhetes, isso não admitto eu, porque uma vez que se comprometteu a fazer este serviço, não está no seu arbitrio faltar ao compromisso, deixando d'observar os regulamentos legaes. Então tambem podiam dizer os conductores dos transportes que não queriam partir, quando por falta de passageiros, ou qualquer outro motivo lhes custasse faze-lo. Mas nem uma, nem outra e cousa póde, ou deve ficar ao arbitrio da Companhia.

O Sr. Trigueiros: — Quando o Sr. Miranda propoz a suppressão da terceira columna da Tabella, estava eu convencido, não só pelas suas razões, mas pelas que depois deram outros illustres Senadores, que a mesma Tabella se devia supprimir, não sustento porém esta opinião. Com effeito, a differença dos 40 réis que se accrescentam pelos bilhetes, é uma justa compensação da perda que a Companhia soffre pelos dar: eu me explico. A idéa do Sr. Serpa Saraiva é certamente muito justa, e a regra verdadeira, em quanto estabelece que se não deve augmentar o preço senão pelo augmento do trabalho, mas assim como isto é verdade, verdade é tambem que deve accrescentar-se o preço pela probabilidade da perda. Sr. Presidente, o que passo a dizer, é provavel que o saibam alguns dos illustres Senadores, ou por terem entrado no Omnibus, ou por que o tenham ouvido dizer. Quando alguem entra no Omnibus, e depois sahe, o conductor tem o direito de fazer occupar o logar vago desse passageiro, e em consequencia recebe mais dous, tres, ou quatro, segundo os que sahem no transito, o que produz um lucro á Companhia: agora, quem toma um bilhete, ainda que não compareça no Omnibus, ou que delle sáia, o conductor tem obrigação de lhe conservar o seu logar até ao ultimo ponto da carreira, e por isso perdem toda a esperança de receber por elle mais cousa alguma. Por esta impossibilidade de lucro para a Companhia, é que me parece se deve fazer pagar mais caro o bilhete. Tinha-me persuadido do contrario quando ouvi fallar alguns illustres Senadores; mas reflectindo posteriormente, voto pela permanencia da Tabella tal como está no Projecto.

O Sr. Barão do Tojal: — O Sr. Conde de Villa Real notou, com razão, que um logar no Omnibus póde render umas poucas de vezes o seu preço, não estando sujeito a passageiro certo; de mais, eu creio que o preço de 160 réis não é compulsorio, mas só para quem quizer tomar o bilhete, aliàs sujeita-se á contingencia de achar logar ou não: se eu preferir ter certeza de que hei de sempre achar logar para ír, por exemplo, a Belem, mando buscar um bilhete, e a Companhia não póde dispôr daquelle logar. Por consequencia acho necessario que haja bilhetes; e como a Companhia não tem vantagem nenhuma por elles, é justo que se paguem por mais alguma cousa. Eu mesmo em Inglaterra tenho dado uma corôa a um homem para estar no meu logar até que eu podesse chegar: aqui fica isto mais barato com o methodo dos bilhetes, que eu julgo vantajoso ao publico, e por tanto quem quizer aproveitar-se dessa vantagem pague mais essa pequena differença.

O Sr. Aguilar: — Desejaria que algum dos Membros da Commissão tivesse a bondade de dizer-me se o passageiro que compra bilhete tem preferencia sobre aquelle que a não compra?

Vozes: — Tem, tem.

O Sr. Aguilar: — Então devem pagar esse vantagem; por isso voto pela Tabella.

Vozes: — Votos, votos.

O Sr. Miranda: — Peço que vá á Commissão em quanto á taxa: é preciso que se saiba que o bilhete é para entrar no Omnibus a hora marcada... (O susurro que havia na Sala não deixou ouvir o resto).

A requerimento do Sr. Aguilar foi a materia julgada discutida. Proposto o Artigo 6.º foi approvado, devendo a Tabella ser emendada conforme indicara o Sr. Pereira de Magalhães.

Entrando em discussão o Artigo 7.°, disse

O Sr. Conde de Villa Real: — Approvo a primeira emenda da Commissão, mas não approvo a segunda, porque, além de me dizerem que esta condição, pelo modo por que se acha no Projecto, não prejudica a Companhia, não vejo inconveniente nenhum em que se conserve, mesmo para commodidade do publico, e para ser mais bem servido, ficando permittido a qualquer individuo, que queira alugar uma carruagem de quatro logares o aluga-la, porque só é prohibido levar passageiros a horas determinadas, e por bilhetes.

O Sr. Pereira de Magalhães: — O que diz o illustre Senador não está prohibido no Artigo: quaesquer pessoas podem alugar uma carruagem e ír nella para Belem, ou Bemfica; o que se prohibe é pôr carruagens para saír a horas determinadas, porque este é o onus da Companhia, que, ou tenha passageiros ou não, ha de fazer saír as carruagens a certas horas, o que não acontece a outro qualquer alugador que as póde por á espera de passageiros o tempo que quizer; mas um particular, ou uma familia que quizer alugar uma carruagem para ír a Bemfica, ou a Belem, como já disse, ninguem lh'o priva. Ponderando bem o Artigo, acho que não ha a prohibição que pareceu ao illustre Senador: as carruagens de aluguer continuam, o que não podem é fazer carreira a horas determinadas com bilhetes ou sem elles.

O Sr. Conde de Villa Real: — A explicação dada pelo illustre relator da Commissão, mostra que este Artigo estabelece juntamente aquillo que eu tambem entendia. Em virtude desta Lei ficam os Omnibus obrigados a partir a certas horas ou tenham passageiros, não e que em quanto tem logares vagos podem receber pessoas que de Lisboa querem ír para Belem, e de Lisboa para Sete-Rios, o que não é permittido a outra qualquer carruagem: de maneira que outra, que já se havia estabelecido, deve cessar de estacionar no Pelourinho. Entre tanto o Artigo não obsta a que seges continuem a estacionar em diversos sitios uma vez que não levem mais de duas pessoas, assim como as carruagens de aluguer nos casos que apontou o illustre Senador (Apoiado). O Artigo a que isto se refere já está votado, mas eu (sem de modo algum querer traze-lo a nova discussão) não posso deixar de dizer que me inclinava muito mais a que se desse facilidade á competencia, porque della resultariam maiores vantagens ao publico.

O Sr. Miranda: — Este Artigo é necessario ser exarado com toda a clareza; porque do que aqui se tracta é de fazer um favor á Companhia, sem desfavorecer inteiramente os alugadores de seges; porque no Artigo se diz a seguinte. (leu), Quer disser, que é permittido o ír para Bemfica, ou Sete-Rios, de sege ou traquitana de aluguer; mas já não é permittido o ír de carruagem em que vão mais de duas pessoas. Por tonto, o Artigo offerece uma vantagem aos alugadores de seges e traquitanas, ao mesmo passo que tambem á Companhia se dá um favor, e é por isso que se lhe tiraram as palavras = a horas determinadas = e se lhe accrescentou as = de aluguer.

O Sr. ordeiro Feyo: — Sr. Presidente, eu approvo o Artigo tal qual a Commissão, pois julgo de justiça, e de interesse publico o manter á Companhia dos Omnibus a privilegio de fazer carreiras para os sitios para onde ella se obriga a faze-las todos os dias, a diversas horas, e por um preço constante; só pelo modo proposto pela Commissão é que se sustenta o dito privilegio; aliàs os alugadores de seges poderiam livremente estabelecer tambem carreiras, e com a vantagem de o fazerem livremente, escolhendo dias e horas, e arbitrando os preços; e com tal liberdade, fariam á Companhia todo o mal possivel até destruirem, o que muito prejudicaria ao publico: ao mesmo tempo que a existencia do privilegia dos Omnibus em nada o prejudica; porque se um individuo quer ír para Bemfica ou Belém, e não lhe importa o ír em commum, lá tem os Omnibus a certas horas do dia, por um preço certo, e se quer ír só, ou com a sua familia, póde alugar uma sege ou carruagem, pois a estas só o que lhe fica prohibido é o fazer carreira (Apoiados): por consequencia approvo o Artigo como a Commissão o propõe, porque assim é de justiça, e em todos os sentidos vantajoso ao publico.

Sem mais discussão, foi o Artigo 7.º approvado com a emenda indicada ao parecer da Commissão.

(Acabando de entrar, pediu a palavra o Sr. Presidente do Conselho).

O Sr. Vice-presidente: — A Camara convém que se suspenda esta discussão? (Apoiados geraes). Teve então a palavra e disse

O Sr. Presidente do Conselho da Ministros: - Sr. presidente, quando a illustre Commissão

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Diplomatica me fez a honra de convidar-me a comparecer no seu seio, consultou-me, e perguntou qual era a minha opinião sobre os documentos pedidos por um illustre Senador relativamente á negociação de um Tractado, entre a Corôa de Portugal e a Corôa de Inglaterra, tendente a abolir completamente o trafico da escravatura, e se esses documentos deviam ser postos sobre a Mesa desta Casa, e publicados como se havia pedido, ou se havendo o meu nobre amigo, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, deixado a Pasta do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, a minha opinião poderia ser outra. Nesta occasião disse eu á illustre Commissão, e ella fez-me a honra de me attender, que a minha opinião era, que esses documentos ficassem demorados na Commissão, e não fossem ainda apresentados a este Senado até que elles fossem publicados pelo Governo Inglez, porque eu desejava ter toda a deferencia que fosse possivel, como homem publico, para com o Governo Britanico, e particularmente para com o nobre Lord Palmerston que exerce naquelle Paiz o cargo de Ministro dos Negocios Estrangeiros; e tambem porque eu sabia que esses documentos tinham sido pedidos na Casa dos Lords, e dos Communs, como prova das diligencias para concluir o Tractado; e então não queria eu que em Portugal estes documentos fossem publicos sem que o tivessem sido antes em Inglaterra. Porém, Sr. Presidente, as circumstancias mudaram; o nobre Lord Visconde de Palmerston, interpellado na Camara dos Communs sobre este objecto, e convidado a apresentar esses documentos, disse que já estavam impressos, e que em breves dias os apresentaria.

Nestas circumstancias, entendo eu que e meu dever, e que sou responsavel como Ministro da Corôa, encarregado dos Negocios Estrangeiros, de pedir tambem a este Senado, e com particularidade á illustre Commissão de Diplomacia, que queira ter a condescendencia de apresentar, quanto antes, o seu parecer sobre aquelles documentos nesta Casa, para que quando os papeis appareçam publicados em Inglaterra, tambem em Portugal se faça ver (segundo o meu entender) que se este Tractado não está concluido, não tem sido por falta de desejos do Governo Portuguez (Apoiado geral e prolongado). Assim espero que V. Ex.ª me faça a honra de convidar a illustre Commissão a apresentar o ser parecer quanto antes, porque é indispensavel que sejam publicos documentos, que fazem tanta honra aos meus predecessores, e a este respeito eu faço vêr aos illustres Membros da Commissão as expressões de Lord Palmerston. (O Orador enviou a alguns Srs. Senadores uma folha Ingleza, e proseguiu) Accrescentarei ainda, que em Outubro do anno passado, o nobre Senador que me precedeu no Ministerio dos Negocios Estrangeiros, dirigiu ao Governo Britanico uma Nota a respeito do trafico da escravatura, e que em 22 do mez de Maio do anno passado tambem dirigiu outra; mas estas Notas deixaram de ser respondidas pelo espaço de muitos mezes, e a sua resposta foi recebida por mim ha algumas semanas. A resposta á ultima Nota tem cento e uma meias folhas de papel, e a outra tem setenta e tantas. Ainda não pude responder a ellas, não só pelo seu tamanho, como tambem pela importancia da materia; occupo-me nisso em todos os Dias Santos, e logo que tenha concluido, tanto a Nota como a resposta hão de ser por mim apresentadas a este Senado.

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu só peço a palavra, Sr. Presidente, porque quando o illustre Senador, que me tem honrado com a sua amizade, pedio á Camara que se requisitassem ao Governo esses documentos, foi em virtude de uma proposta minha que se nomeou uma Commissão para examinar os papeis antes de se publicarem: cumpre por tanto que eu declame hoje a minha opinião a esse respeito, ainda que me persuada, que os homens de bem, cuja opinião muito prezo me fazem justiça, acreditando que não tenho menos desejo do que quaesquer outros Portuguezes de pugnar pelos interesses, e pela dignidade Nacional (Apoiados).Eu não pude ír á Commissão quando a ella concorreu o ex.mo Ministro dos Negocios Estrangeiros; porém devo dizer, que tinha votado na Commissão, que se não publicassem os papeis sem primeiro se ouvir a opinião do Sr. Presidente do Conselho a tal respeito; porque assento, que em casos de similhante natureza, é o Sr. Ministro dos negocios Estrangeiros quem, pelo conhecimento que tem do estado das nossas relações, e negociações, póde decidir se convém ou não a publicação de taes papeis (Apoiados.) S. Ex.ª fez-me depois o favor de me dizer, que na Commissão tinha sido de parecer que se não publicassem ainda esses documentos, como acaba de referir: mas á vista da declaração que vem hoje fazer sou tambem da opinião que se devem publicar esses Documentos, com brevidade (Apoiados).

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu pedi a palavra sobre a ordem para dizer, que agora não póde entrar-se na discussão da materia, por muitas razões, e especialmente pelo que acaba de dizer o Sr. Presidente do Conselho. A Commissão pois está inteiramente livre, e é de esperar que ella dará o seu Parecer com a possivel brevidade (Apoiados).

O Sr. Castro Pereira: - Fui eu, Sr. Presidente, quem nesta Camara propuz que se officiasse ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que então era, para a publicação desses Documentos; e o motivo que tive para a proposta foi porque li nos jornaes Inglezes, que na Camara dos Comuns havia dito Lord Palmerston, que a negociação estava rota, e que ía mandar á Camara a competente correspondencia. Devo agora declarar ao Senado que desde o primeiro dia que se reuniu a Commissão manifestaram todos os seus Membros um sincero desejo de que se desse publicidade a este negocio, porque todos nós estamos igualmente determinados a pugnar quanto em nós couber pelos interesses do Paiz, e a fazer conhecer á Europa inteira, e provar por documentos, que se o Tractado sobre a escravatura não está concluido, não é certamente por culpa do nosso Governo (Apoiados). O que acaba de dizer o illustre Senador, o Sr. Conde de Villa Real, é exactissimo. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros foi chamado á Commissão, e alli de acôrdo com todos os Membros della foi de opinião, que se suspendesse por algum tempo a publicação dos documentos, até vêr o que o Governo Inglez obrava a tal respeito; mas agora que aquelle Governo determinou publica-los, e que S. Ex.ª veio pedir aqui a publicação dos Documentos que estão na Commissão, parece-me ter chegado tempo de esta se fazer tambem entre nós. (Apoiados). Concluo por tanto dizendo, que nós nos reuniremos o mais breve possivel para dar o nosso Parecer á Camara que decidirá o que for justo (Apoiados).

O Sr. Vice-Presidente: — Continua a discussão que foi interrompida. Os Artigos 8.°, 9.° 10.° (e §. Unico) e 11.º foram todos approvados sem discussão, ficando assim concluida a do Projecto.

Foram depois lidos o Parecer e Projecto de Lei que seguem.

Parecer.

A Commissão de Fazenda examinou o Projecto de Lei, que, veio remettido da Camara dos Srs. Deputados, sobre ficar a cargo da Junta do Credito Publico, o pagamento da Divida contrahida nos Açôres, durante a lucta com o Usurpador.

A Commissão, ainda que acha algumas omissões na Lei, comtudo, sendo esta uma Divida sagrada, contrahida nos tempos mais difficeis da Nação; por não retardar um acto de rigorosa justiça, a Commissão é de parecer, que o Projecto seja adoptado da fórma que vem enviado da Camara dos Srs. Deputados. Casa da Commissão, 10 de Junho de 1839. = Visconde do Sobral = Barão do Tojal = Conde do Farrobo = Luiz José Ribeiro = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Ferreira Pinto Junior = José Cordeiro Feyo.

Projecto de Lei (a que refere o Parecer).

Artigo 1.° A Divida do Estado contrahida nos Açôres, durante a lucta contra o usurpador, que tem juro promettido por Lei, fica a cargo da Junta do Credito Publico, para fazer o seu devido pagamento pelos fundos da sua dotação.

Art. 2.° A Junta reduzirá a Divida mencionada no Artigo 1.°, bem como os seus juros, á quantia equivalente em moeda forte, e dará as providencias necessarias, para que esta reducção se faça com o menor incommodo possivel dos credores, ajudando-se para esse fim das Authoridades locaes.

Art. 3.° O pagamento destes juros será, mandado realizar nas respectivas Contadorias dos Açôres aos credores, que não preferirem receber perante a Junta do Credito Publico.

Art. 4.º Fica revogada a Legislação em contrario. Palacio das Côrtes, em 4 de Junho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = João alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

Entrando a materia em discussão na sua generalidade, teve primeiro a palavra

O Sr. Miranda: — Desejava que a Commissão nos informasse, porque é natural que tenha os Documentos, a quanto monta a Divida.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Duzentos contos.

O Sr. Miranda: — E estabelecesse alguma dotação? Ha alguma informação a este respeito? Por que é certo, que quando se impõe uma nova divida sobre a Junta, é necessario vêr se tem sobras; e como o Projecto ha de vir acompanhado de alguns Documentos, pedia eu á Commissão quizesse informar esta Camara se ha algum augmento para habilitar a Junta do Credito Publico.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, a Commissão de Fazenda, a que tenho a honra de pertencer, teve presente todos os esclarecimentos que na Camara dos Deputados serviram de base ou fundamento ao Projecto de Lei que está em discussão; e depois de os examinar com a seriedade que costuma, lançou o seu parecer em sentido affirmativo, concordando com a sobredita Camara dos Deputados: esses esclarecimentos é natural que estejam sobre a Mesa, e delles consta que o capital da divida de que se tracta monta em duzentos e trinta e tantos contos de réis.

Convém saber que este Projecto de Lei vem d'alguma fórma reparar a série de injustiças, com que tem sido tractados os benemeritos habitantes das Ilhas dos Açôres, e com muita especialidade os da Heroica Ilha Terceira; os quaes na época mais calamitosa, e ao mesmo tempo mais brilhante, da moderna Historia Portugueza, fizeram sacrificios, de toda a especie a prol das Patrias Liberdades, e do Throno da nossa Legitima Soberana; e sem os quaes nós não occuparia-mos hoje estas cadeiras. Eu não fui daquelles que tiveram occasião de presencear pessoalmente os heroicos feitos daquelles Portuguezes leaes em todos os tempos, mas nem por isso os esquecerei, nem deixarei de os defender e sustentar em qualquer posição em que me achar. Lembro-me muito bem das calamidades e infortunios porque passei durante a luctuosa época da usurpação, e da consolação que me davam as noticias daquellas Ilhas que atravez de muitos perigos e difficuldades chegavam ao funebre local do meu homisio; e então dou parabens á minha fortuna por me achar na posição de concorrer para um acto de justiça, e de manifestar a minha gratidão a quem tanto fez pela Patria.

Se é permittido que entre credores hajam alguns que devam ser privilegiados (o que eu em geral reprovo), estes estão no caso de que nenhuns outros lhes possam disputar a preferencia; por quanto a sua divida representa os capitaes de que elles se despojaram no momento da maior angustia, e os generos com que deixaram de alimentar-se, e a seus innocentes filhos, para serem alimentados os heroicos Defensores da Patria. Além disto, elles tem a seu favor uma série de promessas Legislativas, que tem deixado de ser cumpridas, e que a honra e dignidade Nacional exige que o sejam d'ora em diante.

O Immortal Libertador, por quem a Patria eternamente chorará, reconhecendo que o pagamento de taes dividas era sagrado e de eterna justiça, determinou pelo Decreto de 20 de Abril de 1832, que o fosse effectivamente pelo rendimento do tabaco daquellas Ilhas, com vencimento de juro de cinco por cento, com a clausula de estar infallivelmente pago o capital no fim do anno de 1837; e no sobredito Decreto se declara tambem qual é a procedencia de taes dividas. Por outro Decreto, de que me não lembra a data (creio ser de Julho do mesmo anno) determinou-se que a hypotheca primitiva (do tabaco) fosse reforçada com o rendimento das sizas, e com a sobra dos dizimos daquellas Ilhas; e pela Lei de 7 de Abril de 1838, determinaram as Côrtes Constituintes que esta divida ficasse a cargo da Junta do Credito Publico, para o que contaram com os competentes recursos. Na prezença de tudo quanto acabo de expôr, e provar é visivel a justiça com que a Commissão de Fazenda procedeu, e a necessidade que ha de approvar o Parecer que emittio, a fim de que se prova quanto antes ao pagamento de

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uma divida sagrada, e de brio (apoiados); porque seria desairoso para o Governo, e para o Poder Legislativo que elle continuasse no mesmo abandono em que tem estado.

Tendo demonstrado quanto me parece sufficiente pelo que respeita á natureza, e justiça da divida; direi tambem o que entendo quanto ás omissões, ou defficiencia que a Commissão observou na Lei que estamos discutindo.

Vencendo a divida de que se tracte o juro annual de cinco por cento desde o 1.° de Janeiro de 1833, ou desde as datas, em que fossem passados os Títulos; deveria a Lei declarar se a Junta do Credito Publico fica obrigada ao pagamento dos Juros da data da promulgação desta Lei, ou desde as datas dos vencimentos primitivos: a Commissão, reconhecendo esta falta, entendia que, para fazer desde já algum beneficio a estes Credores, era melhor approvar a Lei como veio da Camara dos Deputados, do que offerecer-lhe emendas que a obrigassem a voltar á sobredita Camara com risco de não saír na presente Sessão Legislativa; pois que, no caso de dúvida da Junta do Credito Publico, tem os credores o direito de reclamação ás Côrtes nas Sessões futuras.

Sendo conveniente que as inscripções que a Junta houver de passar contenham quantias redondas de mil réis para facilitar o pagamento, e o calculo dos Juros; e devendo nesta operação de quantidades minimas que a Junta deve fazer; tambem a Lei é omissa nesta parte; porém isto talvez o possa providenciar o Governo quando fizer o respectivo Regulamento. Talvez se devesse tambem fazer menção do processo que a Junta tem a empregar para levar a Lei a effeito, visto estabelecer ella uma excepção á pratica geralmente estabelecida nos pagamentos a que procede a mencionada. Junta, qual é a de se pagar os Juros pelas Contadorias de Fazenda dos Districtos dos Açôres. Como as inscripções que se houverem de emittir hão de ser passadas pela Junta em troco dos Títulos que actualmente possuem os credores; como essas inscripções devem ter assentamento nos Livros da Junta, e nelles se devem para o futuro averbar todas as transacções nos Casos de heranças, vendas, ou trespasses; como finalmente essas mesmas inscripções devem ser presentes á Junta todos os semestres para nellas se averbarem o pagamento dos juros: entendeu a Commissão que alguma cousa se deveria providenciar sobre isto. Porém como estas ultimas providencias são regulamentares, e SS. EE. os Srs. Ministros da corôa estão presentes; estou bem certo de que hão de tomar em consideração o que tenho expendido para provêr de remedio no respectivo Regulamento.

Tenho, segundo penso, justificado o procedimento leal e generoso da Commissão, se tanto é necessario, e dado todas as explicações que poderão desejar os illustres Senadores que as tem pedido, ou quizerem fallar sobre a materia; e tenho tambem pago um tributo devido aos illustres habitantes dos Açôres, e com especialidade aos da Ilha Terceira, concorrendo com o meu fraco contigente para que se lhes faça justiça.

O Sr. Bettencourt: — Sr. Presidente, o illustre Senador que acaba de fallar prevenio muito as idéas que eu tinha a apresentar nesta Camara, e eu não devo repeti-las; por isso que o illustre Senador, como membro da Commissão, luminosamente desenvolveu os motivos, em que ella fundou o seu sabio, e politico parecer, que eu approvo, e defenderei com as minhas fôrças: entretanto me farei cargo de fazer algumas reflexões, e observações, só com o fim de deduzir a justificada razão que a illustre Commissão teve para apresentar neste parecer (n.° 79) que está em discussão, um padrão glorioso de sabedoria e de justiça, que contrabalança a violencia, que pelo imperio de um azar continuado, tem esmagado os Açorianos, e com especialidade a ilha Terceira, Baluarte inexpugnavel da Legitimidade e da Liberdade legal, como dizia o Immortal Duque de Bragança, que conhecia os serviços, e os sacrificios que Fizeram os seus habitantes, e os povos de todo o Archipelago Açoriano, a pró da Restauração do Throno Constitucional da Seu hora D. MARIA II, e da Carta Constitucional que então unia todos os bons portuguezes, naquella dolorosa época em que só se tractava de conquistar, o que se tinha usurpado: desgraçadamente tudo esquece! (Apoiado).

Fallo perante pessoas testemunhas d'alta excepção, que foram até instrumentos de levarem os habitantes daquellas ilhas a sacrificios, e serviços que excedem a toda a expressão, e que excedem a todos os factos gloriosos da nossa antiga historia da India. A ilha Terceira principalmente, apresenta circumstancias muito especiaes, em que esteve por mais de cinco annos á fazer a sustentação do Exercito Libertador á custa do seu sangue, das suas lagrimas, da sua vida, e fazenda. Eu fallo perante um nobre Senador que muito proximamente está de mim, e que foi um dos membros da Junta de Fazenda, que esteve naquelle tempo, e foi seu Presidente, bem como de outros illustres Senadores, que estavam alli governando. Aquella ilha sendo collocada pela natureza no centro da agoa, e como presidente de um vasto Oceano, nem ao menos os seus habitantes podiam tirar os seus recursos, porque nem podiam ír pescar; taes eram as privações e as apuradas circumstancias em que os constituia, um sitio, que quasi chegava aos rochedos, e ilheos; e nem mesmo o mar os podia socorrer, e supprir com o peixe, de que é tão abundante aquella costa (apoiados). Chamo á audiencia publica os illustres Senadores que lá estiveram, e que estão aqui muitos, e que se elles tiverem uma verdadeira consciencia da verdade, hão de comprovar e confirmar estas expressões, estes factos que eu ha pouco disse: aqui está o illustre Senador Raivoso, que mandou fazer dos proprios sinos um dinheiro que não tinha valôr, e que tendo uma representação, a que se dava o nome de moeda, que no seu principio tinha cunho regular, que depois foi muito falsificado, com esta chamada moeda, se ia tirar dos proprios habitantes aquelles fructos, e generos que tinham adquirido, escolhido com o suor do seu rôsto, e o davam por um bocado de materia, informe que não tinha nome, nem valôr intrinseco, e só o que lhe dava a fôrça. É isto assim Sr. Raivoso? (Apoiado).

Ora pois bem, quando se tracta de fazer ver a verdade, nem se deve deixar para o esquecimento o que se tem feito, nem se deve ter receio de o patentear neste logar; que é mais que um pulpito para aonde se estudam as materias que se vão prégar. Eu neste logar só digo, e aponto factos, que a historia deve conservar para gloria de quem tão heroicamente os praticou, de que resultaram tantos triumphos, e victorias: aqui eu não estudo, lembro factos, recordo realidades, e pago um tributo á minha patria, apresento o que a natureza me dá. Eu tenho muito pesar de que sahisse ha pouco desta Camara, o Sr. Presidente do Conselho, servindo interinamente a Pasta dos Negocios da Marinha e Ultramar, porque o queria chamar a juizo, e queria lembrar-lhe que no dia 23 de Maio me disse daquelle local, voltando-se para mim: o illustre Senador bem sabe, quantos exforços se fizeram nas Côrtes Constituintes, a bem dos habitantes das Açôres, fazendo lembrar os seus muitos serviços = e accrescentou com muita enfaze. = Estes serviços não tem sido esquecidos por certo; o que póde ter acontecido, é que esses serviços não tenham sido todos attendidos, porém Governo algum se tem esquecido dos serviços prestados pelos povos dos Açôres, nem é possivel esquecerem-se delles. Foi muito apoiado S. Ex.ª e eu muito gostei de tal confissão; por ser, em quanto aos serviços, muito verdadeira; porém os exforços das Côrtes Constituintes, não tiveram o effeito desejado, por quanto o que se propõe neste Projecto, que está em discussão, já estava consignado, e resolvido nas Côrtes Constituintes. No relatorio da Commissão da Fazenda, de 23 Junho de 1837, se incluiu nos juros dos emprestimos nacionaes, os que se deviam pagar aos credores dos Açôres: talvez fosse a esta providencia salutar e justa, que o Sr. Presidente do Conselho attribuiu em 23 de Maio; porém, como já disse, não se realisaram esses exforços, que eu chamarei justiça, por quanto as Côrtes Constituintes tendo presentes a antiguidade da divida dos Açôres, e as causas, e origem desta sagrada e privilegiada divida, que estão exaradas no Decreto de 20 d'Abril de 1832, assignado pelo Libertador Duque de Bragança, no Artigo 6.° diz expressamente: «estes titulos de divida vencerão o juro de 5 por cento, desde o 1.º de Janeiro de 1833, ou desde o dia em que se passarem, se fôr depois daquella data.» A esta sagrada divida se hypotecou o rendimento do tabaco, que então estava por Administração da Fazenda Nacional, e se decretou a total amortisação até o fim do anno de 1837. Fundadas as Côrtes Constituintes, nesta base, por deverem fazer, o que já devia estar feito, é que mandaram que pagasse a Junto Credito Publico, os juros daquella divida sagrada dos Açôres: porém o que aconteceu? Foi que aquella Junta não pagou; e então ficaram baldados os exforços das Côrtes Constituintes, a que se referio o Sr. Ministro da Corôa. Agora direi a razão porque não teve effeito, e trarei á memoria, o que já disse na Camara dos Srs. Deputados, um, eleito por Cabo Verde, e que o foi tambem nas Côrtes Constituintes, e nellas membro da Commissão de Fazenda; increpando a Junta do Credito Publico, por não ter pago os juros aos credores dos Açôres, por não se ter dado ao trabalho de examinar a Lei, e o que se tinha vencido, tendo-se-lhe votado 804:382$780 para pagamento dos juros dos emprestimos nacionaes, incluindo os credores dos Açôres: porém ao mesmo tempo reconhece, que nos ultimos tempos da existencia das Côrtes Constituintes, foram feitas muitas Leis, e algumas tão pouco claras, e mal redigidas, devido isto á pressa com que foram feitas, e na minha opinião é esta origem de se fazer agora uma Lei nova para o mesmo fim, que se julgava estar já decretado.

Eu serei breve, porém é necessario esclarecer este ponto, em abono de uma Repartição que tem direito á opinião publica, pela regularidade, como bem disse o illustre Senador, o Sr. Luiz José Ribeiro.

A Lei do Orçamento de 7 d'Abril de 1838, foi fundada no que o Governo apresentou ás Côrtes em época, que não existia ainda a Junta do Credito Publico, e sim uma repartição, com o titulo de Commissão interina do Credito Publico, delegada do Thesouro, e sem a independencia administrativa, que depois teve a Junta do Credito Publico, conforme a Lei da sua creação; e no Orçamento particular, que essa Commissão tinha dado, em que a importancia dos juros era de 721:300$000 réis, o qual foi incorporado no do Ministerio da Fazenda, não ia incluida a divida dos Açôres, nem podia ír, porque tal divida ainda que vencesse juros, não se achava inscripta, não tinha assentamento nos livros da Repartição do Credito, nem o Governo ainda a considerava divida fundada a cargo dessa Repartição, como sabiamente expendeu o illustre Senador, o Sr. Luiz José Ribeiro, com tanto conhecimento prático daquella Junta; (apoiado) e julgo eu, que por estas razões, que a Junta, que só se instalou em 5 de Outubro de 1837, e em nada tinha cooperado para a factura daquelle Orçamento, só considerou divida nacional consolidada aquella, que se achava inscripta, e com assentamento nos livros da sua Repartição. É sabido que o simples facto de ser uma divida do Estado, com vencimento de juros, não é sufficiente para se considerar divida consolidada, porque muitos juros paga o Governo ao Banco, e a outros credores nacionaes, que não estão a cargo da Junta do Credito Publico, nem o podem estar, sem que uma Lei determine a sua consolidação, e que mande emittir titulos pela Repartição do Credito, e estes sejam inscriptos, e com assentamento nos seus livros. Ora sou chegado ao verdadeiro motivo, por que talvez a Junta não pagou: porque aquella Lei do Orçamento não votou as despezas dos juros, com separação, dos que a Junta devia pagar; e o desenvolvimento della, publicado pelo Governo, no Diario n.° 121 de 23 de Maio de 1838, quando tracta dos Encargos Geraes, trás a verba = emprestimos nacionaes = juros 804:387$780 réis. Esta expressão emprestimos nacionaes, não quer dizer o mesmo, que divida nacional consolidada, porque debaixo daquelle titulo, comprehende-se todos os emprestimos, de que o Governo paga juros, e destes só os que estão por Lei expressa a cargo da Repartição da Junta do Credito Publico, e que se acham inscriptos, e com assentamento nos seus livros, é que tem obrigação de pagar.

A Junta pela Lei da sua creação é obrigada a pagar os juros da divida nacional consolidada, mas não de quaesquer emprestimos que tenham sido contrahidos pelo Governo, e que por Lei, senão achem consolidados.

Ora isto, é que agora se faz por esta Lei, feita na Camara dos Srs. Deputados, e que o parecer da Commissão adopta na fórma que vem, por divida sagrada das ilhas dos Açôres, que foi contrahida com sangue e lagrimas, porque todos os emprestimos de que se tem pago Os juros, são de 50 ou 60 por cento e mais, de que resultam muitos interesses aos mutuantes; e este, principalmente na ilha Terceira que era naquella época, o unico Baluarte, que se achava em armas contra o usurpador, e a fa-

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vor de Legitimidade do Throno, e da Carta Constitucional foi de 200 ou 300 por cento, porque se reduzia tudo a dinheiro, e os proprios habitantes sendo forçados a este emprestimo em moeda, iam vender os seus generos que valiam dez, por tres, e menos ainda. É isto assim? (Vozes: — É verdade, é verdade). O que esta Lei faz, é pôr em pratica o que se devia por Lei ter feito, porém que as circumstancias imperiosas, e o máo fado daquelle Archipelago Açoriano, tem contrariado, tornando nullas as promessa, e as condições de tal emprestimo, exaradas no Decreto de 20 d'Abril de 1833, assignado pelo Immortal Libertador e Restaurador do Throno, e da Carta.

Esta Lei vai fazer o que as Côrtes Constituintes não fizeram, desejando fazer pelas razões dadas pelo Deputado por Cabo Verde, que foi a pressa com que foi feita, e sobre que equivocadamente, uma melhor boa fé, o Sr. Presidente do Conselho dos Ministros, asseverou terem feito a bem daquelles povos Açorianos; o que infelizmente se não tem realisado, bem como ácerca das baixas. Torno a repetir, muita magoa tenho de não estar presente o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, pois havia advogar nesta Camara a justiça deste Projecto.

No dia 19 d'Abril levantei nesta Camara, a minha voz, e pedi que se estabelecessem os Correios maritimos para os Açôres, isto como um principio de pagamento dos grandes serviços que aquellas Ilhas tinham feito e sacrificios que soffrerão, e que não era possivel deixa-las em um estado de abandono. Eu dizia isto porque sabia que muitas outras dívidas já estão pagas, e um emprestimo forçado involvido em circumstancias tão sagradas, e arriscadas como eu apresentei, ainda parta delle está por pagar! É verdade que os titulos da divida dos Açôres, foram mandados admittir na arrematação dos Bens Nacionaes, pela Carta de Lei de 15 de Abril de 1835; e depois pelo Decreto de 16 de Agosto de 1837, com referencia á Carta de Lei de 14 de Julho do mesmo anno, entrando nas arrematações determinadas por este Decreto, em metade do que as mesmas produzissem, contando-se para isso, não só os capitaes, mas tambem os juros vencidos; por essas arrematações se amortisaram já titulos, no valôr de 97:653$082 réis insulanos; e os juros vencidos na importancia de 9:769$511 réis, e mais os titulos de moeda de bronze em 1:640$160 réis, foram invertidos no Thesouro em titulos admissiveis na compra de Bens Nacionaes, addicionando-se-lhes os juros vencidos, e reduzindo-se a moeda forte feito o competente abatimento de differença de moeda: porém ainda existe grande parte dessa divida, que teve uma hypotheca no rendimento do tabaco, e das sizas; e devia estar amortisado no fim do anno de 1837; porém novas occorrencias, e necessidades frustraram tão violentamente o fim, que teve sempre na mente o Immortal Libertador Duque de Bragança, no Decreto de 20 d'Abril de 1832.

Recopilarei as minhas idéas; em vista do que tenho dito louvo muito, e agradeço do modo possivel á illustra Commissão de Fazenda deste Senado, por ter dado um tal parecer, em que patentêa a justiça, a politica, e a sabedoria na approvação do Projecto da Camara dos Srs. Deputados, o qual manda consolidar a divida de que se tracta, porque é certo que em razão de circumstancias muito diversas, todos os Governos que tem succedido ao nunca assás louvado Duque de Bragança, se tem visto em complicações, e por isso os habitantes das ilhas dos Açôres, que tantas provas deram de valôr resignação e fidelidade, tem tido a conformidade de não reclamarem contra a injustiça com que tem sido tractados. Por tanto, repito que muitos louvores dou á illustre Commissão do Senado, em aproveitar uma occasião em que nós approvemos o Projecto vindo da Camara dos Srs. Deputados, onde foram tractados todos estes objectos com muita circumspecção. É verdade, houve alli um Deputado por Cabo Verde que zurzio com mão implacavel a Junta do Credito Publico, mas igualmente zurzio o Congresso Constituinte quando disse, que talvez fosse pela pressa com que fez aquella Lei, nos ultimos momentos de sua existencia, que ficasse incompleta: porém eu não entro neste detalhe, e só trouxe isto para mostrar que mesmo naquella Camara, houve quem tractasse dos diversos pontos que involve esta discussão. Por tanto approvo o parecer da Commissão, por ser justo, e porque não está em relação com outras idéas que o meu ilustre amigo e collega, o Sr. Senador Miranda apresentou agora; para de alguma maneira embaraçar a marcha regular que é devida a esta Lei, sem se lembrar que ha uma voz, que está clamando do Archipelago Açoriano: justiça, justiça, que até agora senão tem feito aos habitantes dos Açôres, principalmente aos da ilha Terceira.

O Sr. Miranda: — Eu peço ao Sr. Senador, e meu illustre collega, o Sr. Bettencourt, que tenha a bondade de tornar a repetir o que disse em allusão á minha pessoa, porque eu estava distraído.

O Sr. Bettencourt: — Respondo, e peço a palavra para explicar-me. Eu não podia esperar que houvesse quem se oppozesse a este Projecto, e em consequencia ao Parecer da Commissão, que eu reconheço ser baseado nos principios mais sólidos da justiça e da sabedoria, o que tem sido sustentado com as melhores razões, por alguns illustres Senadores, e por alguns Membro da Commissão; mas como vi que o meu illustre collega e amigo apresentou uma subtileza tal, que pela diversa intelligencia podia embaraçar o bom exito da justiça dos meus constituintes; por isso é que eu disse que me parecia extraordinario, que se fizesse questão de um objecto, que só tem por fim o fazer executar Leis, que por circumstancias extraordinarias se não tem podido verificar e executar. Já disse, que as Côrtes Constituintes quizeram e desejaram que os juros se pagassem pela Junta do Credito Publico; porém que pelos motivos allegados já de falta de clareza da Lei do Orçamento de 7 de Abril de 1838, se não tinham realisado taes desejos; e então sempre direi, que não vejo motivo para obstar a fazer-se justiça, approvando o Parecer da Commissão, que é o mais coherente e sabio, e dado com muito conhecimento de causa.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, o illustre Senador, o Sr. Miranda, não póde ser arguido de maneira alguma, nem mesmo pelo illustre Senador que acaba de fallar; porque com muita razão elle procurou illustrar-me sobre a materia em discussão, pedindo esclarecimentos; acho eu que tinha muitissima razão, e que não póde ser increpado por modo algum, seja qual fôr o sentido em que tinha fallado.

O Sr. Miranda: — Eu não preciso procurador, e muito menos na occasião presente, e até o renuncio....

O Sr. Vice-Presidente: — Não compete a palavra ao Sr. Miranda (Sussurro) Peço ordem.

O Sr. Miranda: — Permitta V. Ex.ª que eu diga duas palavras; e creio que se me não póde negar, visto que em materia de tanta importancia se fez allusão a quem, como eu, fez serviços á Causa da Liberdade; a quem, como eu, foi sempre victima da tyrannia... (apoiado geral).

O Sr. Vice-Presidente: — Póde explicar-se.

O Sr. Miranda (com vehemencia): — Repito, que não era a mim, nem esta a occasião, que se devia fazer a menor referencia, como querendo inculcar que eu me oppunha a um Projecto, que por convicção, e por sentimento plenamente approvo....

O Sr. Vice-Presidente: — Era para evitar o calor com que o illustre Senador está fallando, que eu queria dar a palavra a outro orador.

O Sr. Miranda: — Fallo com uma voz um pouco mais forte, mas fallo com toda a placidez, e com o respeito devido á Camara, e a todos os meus collegas; sei guardar as conveniencias parlamentares, e sou já muito velho nos debates parlamentares, para esquecer-me de quem sou, e do respeito que devo aos meus collegas, e a esta casa. V. Ex.ª devia advertir o meu illustre collega de que referencias desta natureza se não fazem. O Sr. Bettencourt esqueceu-se de si, e de quem eu era; e de que, por todas as razões, seria eu um daquelles que pugnam, e sempre pugnaram pelos interesses das habitantes da Ilha Terceira, do baluarte da Liberdade Portugueza. Devera lembrar-se que sempre que os liberaes tem sido perseguidos, o tenho eu sido; que emigrei, fui victima da tyrannia.... Tão longe estava de contradizer o illustre Senador que me dispunha a apoiar o Projecto; mas isso não obstava a que pedisse illustre Commissão as necessarias informações sobre a consolidação desta soturna, consolidação porque voto. Por esta occasião direi que não só abundo nas idéas do illustre relator da Comissão, mas levo ainda mais longe as minhas idéas, porque eu entendo que com a maior pontualidade se devem pagar os prejuizos, e perdas, a todos aquelles aos quaes se incendiaram suas casas, e propriedades, no Porto, e nesta Capital. Além disto, e pela minha honra, vejo-me obrigado a provocar o assenso da Camara relativamente a outra ordem de credores: fallo da divida estrangeira, contrahida com homens respeitaveis, que a todo o risco nós emprestaram o seu dinheiro, que nos acudiram na hora do perigo, com tanto zelo, e com tanto desinteresse que hoje, apesar de haver um Governo, de haver um Thesouro, e uma Junta do Credito Publico, não se haverão os generos que então obtivemos, nem por melhor preço, nem de melhor qualidade; tal era o interesse que excitava nossa Causa, encontravamos as sympathias dos homens de bem por toda a parte, principalmente em Inglaterra, e França (Apoiados). Bem longe estava eu da fazer a menor censura ao Governo muito menos ás Côrtes, de se não haver pago essa divida; se o não temos feito é porque as nossas circumstancias o não permittem (Apoiado), mas havemos de cuidar no desempenho de tão sagradas obrigações.

Estas são as minhas opiniões, e já se vê que estão muito longe daquellas que com muita injustiça me suppoz o meu illustre collega.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Em muito más circumstancias me acho eu collocado, quando tenho de fallar a respeito de uma Lei que tem tantas sympathias, e que a favor da qual tomaram a palavra muitas dos illustres Senadores; não obstante, não me considero neste logar como Representante dos habitantes das libas dos Açôres, mas sim de toda a Nação Portugueza, e como tal tenho uma restricta obrigação de fazer todos os esforços, a fim de apresentar as observações que julgar convenientes, relativamente a qualquer medida legislativa, quando eu julgue que ella tende a dar preferencia, ou privilegio a qualquer provincia, corporação ou individuo em particular. Muito a tempo exigia o illustre Senador o Sr. Miranda os esclarecimentos a respeito deste Projecto, e apesar disso eu ainda me não acho inteiramente esclarecido. Por tanto não estou ainda bem nas circumstancias de fixar a minha opinião para votar conscienciosamente na Lei que está em discussão: Sr. Presidente ha uma grande differença quando as explicações se ouvem de improviso, ou quando uma pessoa póde ter diante da si os documentos em que ellas se fundam para os examinar, e vota com conhecimento de Causa.

A illustre Commissão de Fazenda diz no seu parecer, que reconheceu omissões na Lei, e eu tambem as reconheço Sr. Presidente, e até vejo que é uma Lei tão obscura, ou tão cega, que me não deixa conhecer bem o que devo votar, e qual deve ser a minha opinião porque observo no primeiro Artigo em geral, que a divida dos Açôres fica a cargo da Junta do Credito Publico, (dívida que foi contrahida durante o combate entre a Liberdade, é o despotismo); mas não se faz a definição se essa divida é só aquella que procede nos generos que se forneceram ao Exercito Libertador, eu se é tambem aquella que consiste nos emprestimos forçados que se exigiram; ou se finalmente é a dos soldos, e ordenados que ainda não estão reconhecidos, porque pela minha parte não posso consentir que haja ma medida legislativa em favor dos ordenados que se devem nas ilhas dos Açôres, quando não haja a mesma Lei em favor dos ordenados que se devem no continente de Portugal. Tambem observo que na Lei se não indica qual ha de ser o juro que deve pagar-se por esta divida, se ha de ser de 4, ou 5 por cento, o que eu julgo necessario dever declarar-se aqui. Vejo tambem, Sr. Presidente, que no Artigo 3.° da Lei se dá um privilegio exclusivo aos credores do Estado que habitam nos Açôres; porque se lhes deixa a liberdade a escolha de receberem o juro aqui perante a Junta do Credito Publico, ou perante as Contadorias de Fazenda daquelle Archipelago. Não posso, Sr. Presidente, convir em similhante disposição, por involver um principio injusto, a um privilegio que se dá a uns, e não a outros. Sr. Presidente, todo o portuguez que é residente em Londres, no Ultramar, ou em outra parte, e que tem de receber juros da Junta do Credito Publico, vem alli, e é alli que se lhe paga, ou apresentando-se elle, ou seu bastante Procurador: e se isto se observa para com estes, porque senão ha de fazer outro tanto para todos os portuguezes em igualdade de circumstancias? Eu não vejo quem possa admittir-se razão da differença entre uns e outros.

Em quanto porém ao que se tem dito para mostrar que esta divida é sagrada, observarei que eu tambem reconheço que outras ha que são igualmente sagradas, e que estão por conseguinte nas mesmas circumstancias; por quanto, ainda que é verdade que os habitantes dos

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Açôres fizeram grandes e valiosos serviços, e que são por isso merecedores de que se attenda a sua divida, não deixa com tudo de haver outras dívidas contrahidas antes dessa, e para o mesmo fim de restaurar o Throno da RAINHA, das quaes ainda senão pagou nem o capital nem o juro. Ainda não consta, Sr. Presidente, que se tenha pago até hoje aos donos dos predios, e campos que foram destruidos, não só ao arredor do Porto, mas tambem de Lisboa, pelo Exercito Libertador, a fim de fortificar as suas linhas de defesa, muitos dos quaes foram mandados incendiar pelo Governo para facilitar as operações militares. Se pois não tem sido pagos estes, não vejo que haja grande injustiça em senão ter pago tambem aos habitantes dos Açôres (apoiados). Além de que, Sr. Presidente, já por mais do que um Decreto se determinou que se pagasse aquella divida, e seus juros, para cujo fim se destinaram hypothecas (como confessou o illustre Senador), o que em parte tem sido cumprido; e então não vejo eu que haja muita razão de queixa; quanto mais se se attender a que, se o Governo não tem pago tudo é porque não tem podido, tendo aliàs mostrado bons desejos de o fazer.

Olhando porém agora a questão por outro lado direi, que eu não sei como se possa com justiça incumbir á Junta do Credito Publico o pagamento desta divida, em quanto não constar nesta Casa qual é o estado do cofre daquella Junta; porque não se lhe póde impôr esta obrigação, sem se saber se a poderá satisfazer, sem correr o risco de perder o seu credito. Eu não vejo, Sr. Presidente, que a Junta do Credito Publico possa por ora pagar os seus juros em dia, se o não póde fazer, muito menos poderá então para o distracte dos emprestimos que estão a seu cargo; e eis aqui mais uma razão que eu tenho para ser de opinião que senão imponha esta obrigação á Junta do Credito Publico.

Em consequencia, e resumindo direi, que sou de opinião que em quanto senão conhecer verdadeiramente, qual é o excedente da dotação da Junta do Credito Publico, se lhe não deve impôr mais este encargo. Se porém algum dos illustres Senadores que compõem a Commissão de Fazenda, me mostrar que a Junta do Credito Publico com a dotação que tem, póde satisfazer a este encargo mais, então mudarei de opinião; mas em quanto me não mostrarem, eu não posso approvar a Lei tal qual está. Eu sinto muito que esta minha opinião seja talvez unica nesta Camara, mas vou coherente com a minha consciencia e convicção (Apoiado).

O Sr. Raivozo: — Eu vou de acôrdo com tudo quanto disse o illustre Senador, o Sr. Bettencourt. É certo que S. Ex.ª é filho legitimo, da ilha Terceira, e eu sou filho adotivo; porque chegando a ella desgraçado, e desamparado, alli encontrei todo o auxilio e protecção, e aqui estão muitos outros collegas meus, a quem outro tanto aconteceu; (apoiados) e por isso não seria para extranhar que eu mostrasse sentimentalismo a favor dos habitantes das ilhas. Entre tanto deixemo-nos de sentimentalismo, e vamos á rigorosa justiça.

Eu não sei Sr. Presidente, se seria bom, ou não o conseguirmos a Liberdade, e o Governo da nossa Augusta Rainha; mas creio que todos confessam que sim, e a este respeito estâmos de acôrdo, (apoiados geraes) porque se a ilha Terceira não existisse tão proxima de Portugal, de certo não estavamos aqui senados. E então direi eu, Sr. Presidente que se os habitantes da ilha Terceira não nos dessem tudo quanto tinham, tirando até a si o pão necessario para a subsistencia para nolo darem a nós; de certo se não fazia a resistencia da ilha Terceira. E se D. Miguel não fosse alli batido por mim na companhia de muitos outros meus camaradas que aqui estão, que alli fomos, buscando nossas Bandeiras, não estariamos hoje sentados aqui, nem a Senhora Dona Maria Segunda seria Rainha de Portugal. E se não fosse o dinheiro daquelles habitantes que iam vender os seus generos, para satisfazerem aos emprestimos forçados a que eram obrigados, e com que se nos dava um desgraçado soldo, ou prestação de doze mil réis, em moeda fraca, que todos recebiam por igual; que fosse General, Coronel, eu Alferes; porque nos sujeitamos a ser economicos, e se decedio, que tantos narizes, tantas prestações, (riso) resolução esta que foi previdente, porque se se não tomasse, o exercito não se formava. Somos pois devedores de muitos serviços áquelles habitantes, além dos que já referi; porque a elles se deve o arranjo de oito mil homens de boa tropa disciplinada, e brava, que o Senhor Dom Pedro achou

promptos; testemunhas muitos Senhores que aqui estão, como são os nobres Senadores, Duque da Terceira, Visconde de Sá da Bandeira, Conde do Bomfim, Barão de Argamassa, e outros que podem attestar a verdade disto, porque commandaram os oito mil homens, com que o Sr. Dom Pedro veio ao Porto, os quaes estavam já arranjados e pagos, quando Sua Magestade chegou á ilha Terceira, e isto tudo á custa dos habitantes daquella ilha, os quaes com o maior gosto, e boa vontade se prestaram todos a esse sacrificio, e até a privarem-se do seu sustento para nos matarem a fome (apoiados). Se pois esta divida não é a mais sagrada, sobre todas as outras, e se ella não deve prevalecer a todas as dividas; então é nullo, e não tem força alguma o principio da minha these ou discurso, e não valle nada a Liberdade em Portugal. Esta divida pois na minha opinião tem preferencia, e muitissima preferencia, (apoiados) e eu não me envergonho de ser neste caso parcial, e defensor de direitos daquelles povos; seria ingrato se o não fizesse: approvo por tanto a Lei (apoiado geral).

O Sr. Miranda: — Eu entendo que o Projecto deve ser approvado, sem que se façam valer argumentos de sentimentalismo, que não são os mais fortes, aonde os da razão abundam; e mórmente em uma questão de fazenda. Approvo o Projecto porque esta divida ha muito devera ter sido paga, e o teria sido, sem dúvida, se as forças do Thesouro o permittissem, e sendo assim, com quanta mais razão será consolidada.

O argumento de que a esta divida se concede um privilegio não tem o menor fundamento, e se algum tem entra na classe de outras que de certo não estavam em melhores circumstancias, porquanto, logo que se creou a Junta do Credito Púbico estabeleceu-se o privilegio do pagamento; porque se votou uma quantia suficiente para o pagamento dos juros e principaes de muitos credores do Estado; e se eu descesse ao exame da qualidade, e natureza de certas dividas consolidadas, ou pagas, facil seria mostrar que ellas não deveriam ter preferencia, e ao mesmo tempo encontraria muitos outros credores de dividas a que poderia chamar sagradas, como são por exemplo os empregados publicos (apoiados geraes). E quando se tem patenteado, com admiração o digo, a idéa de se consolidar a divida de D. Miguel, a divida com que elle nos fez a guerra; e tambem quando vejo uma tendencia para fazer-se a fortuna de um grande numero de especuladores de papeis negociados ao debate com descredito do Governo, e á custa dos empregados publicos; poderá deixar de consolidar-se como divida sagrada aquella que se contrahiu para nos dar Patria, e Liberdade? Não por certo (apoiados). Aqui, no que digo, não ha sentimentalismo, Sr. Presidente; a regra geral é pagar-se a todos os credores do Estado; e pagar-se com igualdade até aonde chegam os meios do Thesouro. Ora segundo a regra de igualdade isto é da justiça, se ha meios para se pagarem os juros de outras dividas, e se effectivamente se pagam, como deixará de pagar-se a divida contrahida na Terceira, e igualmente a divida estrangeira? (apoiados). Voto por tanto pelo Projecto, porque a somma que vai consolidar-se não excede a 213 contos, e os juros a 11 contos; somma esta, que de certo não excede os recursos disponiveis da Junta do Credito Publico, se é que são exactos os algarismos do Orçamento, ainda que na minha opinião, e não só na minha, muitos delles não sejam muito exactos.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O Sr. Visconde de Porto Côvo duvida votar pela Lei, porque não sabe em quanto importa esta divida, nem qual é o juro, e tambem porque não sabe qual é a natureza da divida: eu responderei porém a S. Ex.ª que a divida são 213 contos, e o juro está estabelecido por Lei ser de cinco por cento; e a natureza da divida é, a de emprestimos forçados, e não soldos, ou ordenados. Agora observarei que aqui não ha privilegio nenhum, como se diz; do que se tracta unicamente é de fazer uma Lei para que sejam executadas as que o não tem sido (apoiados). Outra razão que S. Ex.ª apresentou, é a de ver, que se authorisa o pagamento dos juros na ilha Terceira, quando todos os outros credores do Estado os vem receber á Junta do Credito Publico; porém isto que parece ser um privilegio, não o é; mas sim conveniencia para a mesma Junta, porque, se ella tem lá fundos para que os ha de mandar vir para cá? (Apoiados).

Agora, e respondendo á pergunta de S. Ex.ª, direi que já nas Côrtes Constituintes se contou com o pagamento deste juro, e se votou uma quantia para esse fim: (apoiados) por tanto sem ter necessidade: de dizer a S. Ex.ª qual é o rendimento da Junta, basta dizer-lhe que está habilitada para este pagamento. Não acho tambem que S. Ex.ª promova muito os interesses da Fazenda, oppondo-se a esta consolidação, e querendo que se pague esta divida visto que tem uma hypotheca; porque querendo pagar esta divida pelas hypothecas ha de paga-la ao par; quando consolidando-se e pagando-se o juro, visto o preço dos fundos, paga-se sómente 50 por cento. Em consequencia estou persuadido que o Projecto deve passar.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu não teria podido a palavra se tivesse percebido que o Sr. relator da Commissão a tinha pedido para responder ao Sr. Visconde de Porto Côvo. Quanto a soldos que então havia na Terceira, já disse o Sr. Raivozo que desde o General até ao Alferes se recebiam sómente doze mil réis; eu não falto por mim, porque quando lá entrei servia como soldado com uma arma na mão, e sem prestação alguma. Quanto ao privilegio, não ha privilegio nenhum, nem o é, pagar-se lá antes é beneficio para o Governo. Em consequencia não póde haver dúvida, o privilegio da divida é manifesto; isto são principios até de Direito porque este, dá privilegio áquelle que salva a cousa; ora, quem fez conservar a Liberdade e a Patria? Foram os habitantes dos Açôres. Voto por tanto pelo parecer.

O Sr. Bettencourt: — Sr. Presidente. Eu não devo deixar em silencio a satisfação que me tem causado a docilidade, e a benevolencia com que o meu illustre amigo, o Sr. Senador Miranda, se reduziu a fazer tão grata justiça áquellas expressões talvez pouco sonantes em consequencia de uma irritação natural áquelle que advoga os interesses de seus Constituintes, e ainda mais que fallava do logar do seu nascimento, isto é, do Paiz que lhe deu o ser que é minha Patria, e que contra minha vontade, me elegeram para nesta Camara do Senado advogar a sua causa, e os seus interesses, a que julgo terem sagrados Direitos, e legitimos. Seria um pouco injusto se deixasse perder esta ocasião de reconhecer no illustre Senador áquelles sentimentos de humanidade, e mesmo de justiça que fazem a base do seu caracter, bem conhecido, e que na sua explicação mostrou até mesmo tendo a benignidade e a tolerancia de se não offender daquellas minhas expressões, com que eu talvez podesse provoca-lo, e excita-lo, sem com tudo ser de modo algum a minha intenção, nem levemente offende-lo, e se houve algum lapso de lingoa, menos sonante, o deve o meu illustre e antigo amigo, attribui-lo só ao callor da discussão, e amor da minha Patria, sentimento filho da natureza, e ao meu estado de irritação, pelos diversos transtornos da minha vida.

Em quanto ao illustre Senador o Sr. Visconde de Porto Côvo do Bandeira, de quem tenho a honra de ser amigo, eu tenho na mão talvez alguns documentos que possam servir para lhe modificar o seu escrupulo a este respeito. A Commissão interina do Credito Publico em 1837 apresentou ao Ministerio da Fazenda a sua observação, e apresentou esta verba em que queria 721 contos e 300 mil réis, como quantia necessaria para pagar os juros da divida consolidada, e que estava inscripta, e tinha assentamento nos seus competentes livros. Ora bem, o que lhe deu o Congresso Constituinte, não á Commissão interina, porém á Junta do Credito Publico, que já estava creada, e instalada em 5 de Outubro de 1837 foi muito excedente ao que a Commissão interina pedia para pagar as suas obrigações em consequencia disto, a Commissão da Fazenda das Côrtes Constituintes no seu relatorio apresentou esta divida, não como divida nova, nem como obrigação nova, mas como aquella que deve ter sido paga, porque tinha uma hypotheca especial que era o Contracto do Tabaco, em consequencia da Lei de 20 de Abril de 1832, que infelizmente senão pôde realizar. Mas o que se fez do Contracto do Tabaco? Veio uma precisão, foi preciso que um patriota désse dinheiro sobre elle, e que esse dinheiro fosse applicado para a Restauração, em consequencia do apuro do cerco do Porto; então os rendimentos do Tabaco que estavam applicados para a ilha Terceira, e para todas as outras ilhas, ficaram inteiramente alienados em consequencia deste Contracto, quando até então o Contracto estava em administração, e sempre produzia alguns pequenos

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restos para ír amortisando aquella divida; porém como houveram outras Leis mais imperiosas, como a necessidade de defender aquele segundo baluarte da Liberdade no Porto, tudo quanto havia era pouco para que triunfasse a causa do Throno, e da Carta; da Carta que então reunia todos Os bom Portuguezes, de que resultaram grandes vantagens, e interesses á Nação Portuguesa: o que fez, foi com que todos os pagamentos que estavam decretados deixassem de se fazer: as sizas eram outra hypotheca que se lhe fez, as authoridades serviram-se deste rendimento, e para outras applicações, e os clamores daquelles desgraçados foram em vão. Em consequencia quando as Cortes Constituintes entraram na consideração de regular a dotação da Junta d'Credito Publico, para fazer o pagamento, não do capital, mas do juro, porque todas as Leis que houveram para se effectuar o pagamento daquelles titulos nunca se veio a verificar, senão para uma pequena parte; porque em fim as revoluções caminharam muito umas sobre outras, como ainda estamos nellas. As Côrtes Constituintes realmente tiveram intenção de pôr a largo da Junta do Credito Publico o pagamento dos juros daquella divida dos Açores, porém a Lei do Orçamento de 7 de Abril de 1838, não foi clara, não a consolidou, é então a Junta não pagou os juros; agora vem este Projecto de Lei, que a Comissão approva. Diz-se este objecto, deve ser separado, e faça-se uma Lei separada. Todos estes motivos que tão sabiamente o meu illustre collega, e amigo o Sr. Visconde, expendeu deviam apresentar-se na Camara dos Srs. Deputados, e lá já foram contempladas todas essas considerações; o mau fado, e um azar que persegue constantemente aquellas ilhas eu me prometto, que desta vez, será esmagado, pois vejo todos os illustres Senadores conforme com o parecer da Commissão. O illustre Senador o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, já disse que esta é uma Lei que tem por fim fazer executar as outras que senão tem podido executar; e que a Junta do Credito Publico tem em si meios para pagar: ora como nós só tractamos da generalidade, eu me reservo para a especialidade, então direi, o que occorrer sobre a discussão.

O Sr. Ministro da Fazenda. — Sr. Presidente, pedi a palavra simplesmente para accrescentar alguns esclarecimentos ao que tenho ouvido aos nobres Senadores que tem fallado, e serei muito breve, porque não terei senão a repetir aquillo que cada um delles tem dito a respeito da natureza desta divida, e do sagrado que ella involve.

Sr. Presidente, esta divida, (falla da divida reconhecida por um Decreto como vencendo o juro de 5 por cento) montava a 311 contos de réis, mas tem soffrido diminuição em consequencia dos pagamentos que se fizeram por conta della, applicando-se para estes pagamentos, os rendimentos que lhe estavam consignados. É uma verdade, Sr. Presidente, que quando esta divida se contraído, e determinou o seu juro, aplicaram-se os rendimentos do contracto do tabaco para pagamento delles, assim como os dizimos, e as sizas: igualmente é uma verdade que ale certa altura, com este rendimento se foi pagando a cada um dos credores, mas de certa altura por diante aconteceu o que disse um illustre Senador; o Governo desviou os fundos da sua applicação, e esta divida ficou, por assim dizer, em esquecimento Sr. Presidente, quando perante a Camara dos Deputados, e perante esta Camara se approvou uma Lei, a qual estendia ás Ilhas dos Açores, os direitos addicionaes em alguns generos de consumo, a que até agora só era obrigado o Continente, pedia sem duvida a justiça que, obrigando aquelles habitantes ao pagamento de direitos que entram no cofre da Junta do Credito Publico, igualmente te tomasse alguma providencia para reconhecer esta divida, para a consolidar, e para se mandar pagar com juro pelo producto das suas imposições, e tanto assim, Sr. Presidente, que levantando-se esta voz na outra Camara, não houve senão uma voz geral (por assim dizer) de que esta divida devia ser reconhecida, e consolidada; a qual divida reduzida hoje a 200 e tantos contos (não me lembra exactamente a quantia, mas anda por isto, pouco mais, ou menos) vem a ter um juro muito diminuto relativamente ao resultado que devem dar os novos impostos (Apoiado). E então, Sr. Presidente, simplesmente e por esta razão, não havia motivo algum para deixar de consolidar tal divida na Junta de Credito Publico.

Em quanto a uma das difficuldades que ponderou o Sr. Visconde de Porto Côvo do Bandeira sobre este objecto, e necessario que eu, como Ministrei, instrua a S. Ex.ª que á Junta foi por mim consultada sobre a possibilidade de verificar este pagamento nas Ilhas, e reconheceu que muito longe de haver difficuldade tinha interesse nisso, porque lhe convinha realisar alli o rendimento dos impostos addicionaes, e não sujeita-los a transferencias que ordinariamente não podem ter logar senão por via de Inglaterra e sempre com desfalque para a Junta. Em quanto á falta que alguns dos nobres Senadores tem notado na Lei, permittam-me elles que eu corrobore aquillo que acaba de dizer o illustre relator da Commissão, e vem a ser, que não havia necessidade de maior clareza, porque isto já está determinado (ser muitos Decretos, como são aquelle que levantou o primeiro emprestimo, pelo outro que extinguiu os malucos etc., nelles estão estabelecidos os juros correspondentes: entendeu por tanto a outra Camara que não era preciso fallar na quantidade da divida, nem no juro, porque uma está liquidada, e o outro estabelecido. O illustre Senador o Sr. Visconde de Porto Côvo em suas reflexões fundadas em principios geraes, entendeu que havendo muitas outras dividas em iguaes circunstancias desta, que não estavam consolidadas, quiz d'ahi inferir o argumento de que esta tambem se não devia consolidar. Sr. Presidente, eu estou intimamente persuadido, e creio que igualmente S. Ex.ª o estará, assim como toda a Assembléa, que mais sagrada do que esta divida não conheço nenhuma (Apoiados geraes); mas quando assim não fosse, a circumstancia de se terem obrigado os habitantes das ilhas a pagar um imposto, que até agora não pagavam, acho-a só por si tal que me parece bastante para esta Camara decretar a proposta consolidação; porque no momento em que ao mesmo tempo que o imposto entra nos cofres da Junta, nada mais natural do que obrigar esses cofres a satisfazer uma divida alli contrahida, e alias tão sagrada. Em quanto á dotação da Junta do Credito Publico embora se não dê credito aos Orçamentos; sou eu o primeiro que conheço que os Orçamentos não são documentos tão Officiaes que se possa jurar em todas as cifras que nelles se acham, estamos ainda muito longe de os apresentar exactos, e regulares; entre tanto não pode deixar de se lhe dar certa fé aos Orçamentos, em quanto não tivermos outros melhores: o que é certo, Sr. Presidente, é que a Junta do Credito Publico se considera já suficientemente dotada para satisfazer aos encargos que sobre ella pesam; e parece-me que poderei agora citar um facto que disso é uma prova, e vem a ser, que a Junta está já pagando as inscripções de 4 por cento do primeiro semestre do anno financeiro, o que tomando poste em 5 de Outubro de 1837, achou nada menos do que tres semestres atrazados, e está hoje quasi em dia, por consequencia está muito adiantada; desde aquelle dia até agora não só tem pago os semestres correntes, mas até mesmo adiantado muito os seus pagamentos. Sr. Presidente, a Junta do Credito Publico tem um excedente, não direi que de 100, ou 120 contos de réis, seria temeridade dá minha parte avançar isto; mas o que eu posso assegurar, e certificar a esta Camara é que, se por ventura passar a Lei que contém o additamento á de transmissão das heranças, estou intimamente convencido de que o excesso que sé nota no Orçamento da Junta do Credito Publico, no anno financeiro futuro, ha de ser muito maior; por agora não tenho duvida alguma em asseverar que a Junta tem um excedente sobre que se póde fundar. Mas permitta-me o illustre Senador, e meu particular amigo o Sr. Visconde de Porto Côvo, que eu lhe diga que ainda quando a Junta do Credito Publico não tivesse este excedente, ficaria intacto o seu fundo, porque os pobres habitantes dos Açores ficam sujeitos aos direitos addicionaes, e não ha razão nenhuma para se lhe não pagarem os seus juros que andam por 10 contos de réis, e o Junta ha de receber mais alguma cousa do que esta quantia pela importancia daquelles direitos; não ha dúvida nenhuma. Está por consequencia seguro o fundo da Junta.

Nada mais se me offerece a dizer sobre este objecto.

O Sr. Bergara: — Eu peço a V. Ex.ª queira propôr á Camara se julga esta materia suficientemente discutida.

O Sr. Visconde de Porto Côvo: - Mas, Sr. Presidente, eu tinha a palavra, e preciso responder a alguns argumentos que se fizeram contra a minha opinião; mas o farei em duas palavras.

Principiarei por dizer que eu, não impugnei o Projecto, em quanto ao pagamento da divida dos Açores, mas reconheci que havia outras dividis tão sagradas como esta, e disse que a Commissão lhe tinha achado omissões, e que eu tambem lhas achava. Em quanto a conceder-se um previlegio a respeito do pagamento desta divida, ninguem póde dizer que o não ha, quando se legisla sobre qualquer objecto e se não torna uma medida geral, que aproveite a todos os que se acham nas mesmas, circunstancias. Pelo que pertence ao pagamento dos juros, disse o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa que era muito util ao Governo paga-los nas Ilhas dos Açores; e eu respondo: que então ha a mesma utilidade e tem o mesmo direito os credores da Cidade do Porto para que a Junta do Credito Publico lhes mande pagar pela Contadoria daquella Cidade os juros da dívida que alli se contraído, porque o Governo tambem lá tem fundos, mas para esses, e outros estrangeiros que percebem juros da dita Junta, ha de ficar existindo a regra geral. A respeito do excedente da Junta do Credito Publico, no qual fallou S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, esse excedente, deseja eu reconhecer pelos factos; a asserção de S. Ex.ª parece-me que foi pronunciada sem dar attenção, nem ter em lembrança a divida estrangeira, mas eu considero que em quanto o juro dessa divida sé hão pagar, não ha excedente real; mas sim imaginario na Junta do Credito. Eu poder-me-hia demorar dando mais algumas explicações, mas são inuteis. As minhas duvidas presistem ainda porque acho inconvenientes em que nesta Lei se não façam algumas declarações: prevejo qual é a intenção da Camara, mas nem por isso deixo de estar ainda convencido da necessidade que ha d'ellas. Não nego que esta divida seja sagrada, mas outras o são tambem, quero que ella seja paga, mas queria que outras o fossem igualmente, e que estes credores recebessem os seus juros como todos os outros que o são do Estado

O Sr. Pereira de Magalhães: — Sr. Presidente, eu não tinha tenção de fallar nesta materia, por julgar que sendo este Projecto de demonstrada justiça, séria approvado sem discussão, mas como ha nesta Camara quem o impugne, vejo-me na necessidade de rectificar alguns factos de que tenho conhecimento proprio.

Estando eu no Porto com o Exercito Libertador, fui encarregado de uma Commissão importante ás ilhas dos Açores, na época, mais desgraçada para estas ilhas; e fui testemunha dos muitos sacrificios feitos pelos Açorianos para acudir á Causa da Rainha e da Liberdade, que corria então o maior risco, em razão da difficilima situação em que os seus valentes e denodados defensores se achavam no Porto: mas sobre este objecto nada mais direi, porque toda a Camara está inteirada dos extraordinarios sacrificios feitos por aquelles povos em favor da Causa que defendemos.

Diz o Sr. Visconde de Porto Côvo do Bandeira, que esta divida tinha hypothecas, e que devia ser paga por ellas: a primeira hypotheca era a do tabaco, nus saiba a Camara que esta hypotheca era fictícia, era illusoria; porque a Regencia da Terceira tinha extinguido o monopolio do tabaco, e declarado livre a sua venda; depois o Governo de Sua Magestade Imperial, como Regente, tornou a estaquear o tabaco por conta da Fazenda, e applicou o seu producto para pagamento da divida dos Açores; mas as Administrações não tinham tabaco seu, o tabaco que vendiam era dos particulares, que nellas o entregaram quando se reinstaurou o monopolio; e o dinheiro que se apurava era para pagar a estes a sua propriedade. Se pois a Fazenda não fornecia tabaco aos estanques, não podia dispor do dinheiro para pagar a divida; e por tanto esta hypotheca era illusoria. Isto é um facto que posso alcançar porque eu fui um dos executores da Lei, e quando a quiz applicar disseram-me os Administradores do tabaco que não tinham dinheiro da Fazenda, porque esta lhe não fornecera genero, mas sim os particulares a quem o deviam pagar logo que o apurassem, como determinava o Decreto de 9 de Junho de 1832. Remetteram-se, é verdade, do Porto depois alguns centos da arrateis de tabaco, mas o dinheiro que elle produzia era tão pouco, e tinha tantas applicações, que seria absurdo applicar alguns centos de mil réis para pagar a divida; aplicou-se para carregar uma embarcação de carne de porco, e manda-la para o Porto. A outra hypotheca eram os dízimos, de que se não podia tirar nada porque eram applicadas para se pa-

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gar ao clero, e algum resto que sobejava, ou que se fazia sobejar, era para pagar essa triste prestação e o pret aos que na partida do Exercito Libertador foram obrigados a ficar nos Açôres para defenderem e sustentarem aquelle baluarte da fidelidade. Qual era a outra hypotheca? A siza. Esta contribuição não existia de facto; porque não correndo outra moeda senão a que se fabricou dos sinos a que se chamava malucos, não havia compras nem vendas; estes malucos, a que se deu o valôr de um tostão, não tinham de valôr real mais que quinze réis, e nem isso: então como a moeda era deste genero, não tinha senão um valôr forçado, nem tinha fórma de moeda..... basta saber que se fundia em areia, de que resultou que, além do que os estrangeiros introduziam, (e esta era mais bem feita do que a verdadeira), havia a cada canto uma fabrica de fazer dinheiro falso; porque os fabricantes de moeda falsa que eram immensos furtavam para o fazer quantas sinêtas e campainhas encontravam e podiam haver; bacia de arame, garfos e facas de metal, em fim nada escapou de tudo aquillo de que se podia fazer malucos; o que se não era possivel evitar, apesar de se darem quantas providencias se podiam dar para esse fim, e apesar de se apreenderem algumas fabricas de moeda falsa. Esta moeda foi depois reduzida ao valôr de 10 réis a fim de evitar a falsificação; e eu ainda por esta occasião fui testemunha da heroica resignação com que os Açorianos soffreram esta operação. Para ajudarem a causa da Restauração nenhum sacrificio lhes era pesado; e todas as vezes que alguma authoridade, ou funccionario recorria ao seu patriotismo, os achava productos a fazerem o ultimo esforço (apoiados). Ordenando-me o Governo que mandasse para o Porto todo o trigo que podesse, o genero que existia na Terceira estava tão cortado do bicho, e a estação era já tão calmosa que corria o risco de se arruinar de todo na embarcação; deliberei manda-lo reduzir a farinha e a bolaxa, recorri a um Açoriano intelligente para se encarregar desta operação que demandava brevidade, a occasião era apertada, a operação trabalhoza e difficil. O seu patriotismo generoso e desinteressado, tudo venceu, e em poucos dias a farinha e bolaxa estavam em via para o Porto. E para que serviu esta farinha, e esta bolaxa, em que occasião chegou ella ao seu destino? Na costa do Porto foi baldeada para a expedição do Algarve que alli esperava soccorro... Outros exemplos de patriotismo dos Açorianos podia citar; mas não quero cançar mais o Senado que delle não duvida.

Agora em quanto á preferencia de pagamento sobre que se tem fallado direi, que quando se tracta de avaliar serviços em que muita gente tem parte, e em que muitas terras os fizeram igualmente, e muito extraordinarios; porque eu não conheço historia nenhuma que apresente acções de patriotismo e devoção civica maiores do que aquellas que se obraram em Portugal na época da Restauração (Apoiados). Quando se tracta digo, de comparar os serviços de uma terra com os de outra, de um individuo com os de outro, confesso que me não sei decidir; e mesmo porque foi necessaria a reunião dos serviços de Todas as terras e de todos os individuos para se tirar o resultado que se tirou. Um póde dizer = sou eu que tenho maiores serviços, porque commandei a columna que salvou tal combate: = outro dirá, = sou eu porque tomei tal posição, sem a qual o inimigo cantaria a victoria, e o nosso exercito seria derrotado. A ilha Terceira póde jactar-se de ter sustentado os defensores que serviram de nucleo ao Exercito Libertador; o Porto, de ter resistido a todo o poder do usurpador etc. etc. etc. mas de que serviriam os exforços e sacrificios de cada individuo, ou de cada terra isoladamente? De nada; por si só não eram bastantes para se obter o grande fim. Eu tambem poderia dizer = sou eu que salvei a Causa da Rainha, porque desde Julho até Dezembro de 1332, arranjei dinheiro para se pagar ao exercito: muitas vezes o Sr. Ministro da Fazenda me chamou e dizia «é preciso que se arrangem já quinze, vinte, trinta contos de réis para se pagar á tropa, senão está tudo perdido;» e eu arranjava-os. Um dia disse-me o Governo «é necessario que vá aos Açôres já, senão a causa da Rainha e da Liberdade está perdida, e lá deve fazer isto e aquillo:» eu fui, fiz tudo, sacrificando a minha saude, e pondo em grande risco a minha vida, e gastando o que era meu: mas poderei eu sustentar que só com isto salvei a Causa da Rainha? Não, porque se me póde responder, que senão houvesse braços que fossem para as linhas de defesa combater as cohortes do tyranno, senão houvessem tantos valentes, e tanta coragem, e devoção civica em todos os outros portuguezes que como eu se votaram á Causa da Liberdade, nada serviriam os meus serviços e sacrificios. E seria uma tremenda loucura, se de tal me quizesse lisonjear. Em consequencia repito, que se não podem allegar motivos de preferencia de serviço, porque foi necessario a accumulação dos exforços de todas as povoações, de todos os individuos, para se conseguir o fim da Restauração da Liberdade: no entre tanto confesso que os serviços que fez a ilha Terceira, são de uma natureza muito especial, e que merecem toda a nossa contemplação; mas aqui não se tracta de remunerar serviços, tracta-se de fazer justiça, de dar execução ás Leis já sanccionadas que mandam pagar esta divida, declarando-se o modo porque ha de ser paga, que é o objecto do Projecto, que eu approvo.

(Muitas vozes: — Votos, votos).

Julgando-se a materia discutida, foi o Projecto posto á votação, e approvado na sua generalidade.

Todos os Artigos de que se compunha foram sucessivamente approvados sem discussão.

O Sr. Vice-presidente: — Na Segunda feira proxima reunem-se as Commissões. A ordem do dia para a Sessão de Terça, é a continuação da discussão do parecer sobre a reforma do Terreiro Publico; havendo tempo, proseguir-se-ha na do Tribunal de Contas. Está fechada a Sessão.

Eram cinco horas menos um quarto.

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