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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 18 de Junho de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Aberta a Sessão pela uma hora e meia, verificou-se a presença de 42 Srs. Senadores.

Leu-se, e foi approvada á Acta da Sessão precedente.

O Sr. Miranda participou que o Sr. Visconde de Laborim não comparecia por molestia.

Foi mencionada a correspondencia, a saber:

1.° Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, enviando uma Mensagem que incluia um Projecto de Lei sobre a continuação da arrecadação dos impostos e sua legal applicação. — Á Commissão de Fazenda.

2.° Um Officio da Secretaria da mesma Camara, pedindo a devolução de diversos papeis, a esta remettidos, relativos a eleições. – Á Commissão de Poderes.

3.° Um dito, pelo Ministerio da Guerra, accuzando a recepção de outro do Senado, que exigiu varios esclarecimentos (pedidos pelo Sr. L. J. Ribeiro), e participando que ficavam dadas as Ordens convenientes para satisfazer. — A Camara ficou inteirada.

4.° Um dito, pelo Ministerio da Fazenda, informando e remettendo diversas cópias de documentos relativos á occurrencia que teve lagar em Barbacena, por occasião de uma apprehensão de contrabando de cereaes. — Para a Secretaria.

O Sr. Vellez Caldeira mandou para a Mesa o Diploma do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa Senador reeleito por Bragança. — Remettido á Commissão de Poderes.

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DIARIO DO GOVERNO.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão do Parecer da Commissão de Agricultura sobre a reforma do Terreiro Publico de Lisboa. (Acha-se discutido até ao Artigo 6.°)

Os dous seguintes paragraphos, foram approvados sem debate.

(Art. 6.°) — §. 1.° Os Conductores de farinhas, que mostrarem Guias do Terreiro dos generos, de que ellas procedem, as poderão introduzir por todas as portas, como actualmente se acha estabelecido.

§. 2.° As farinhas, que vierem por agoa darão sempre entrada no Terreiro Publico.

Leu-se depois o

§. 3.° Os donos dos depositos particulares passarão Guias dos generos, que venderem; e os Conductores, que os levarem para fóra da Cidade serão obrigados a troca-las por outras ás portas, as quaes lhes servirão para a introducção das farinhas, procedentes de taes generos.

Teve a palavra

O Sr. Bergara: — Parece-me, Sr. Presidente, que e inutil parte deste paragrapho; por quanto, se ás portas se verifica a saída do grão, não vejo então que haja necessidade, de ser acompanhado de uma guia, porque póde dar-se o inconveniente de que, depois da passagem da guia, senão verifique a saída, e aproveitar-se então outro della para introduzir contrabando em farinha. São estas pois, Sr. Presidente, as razões que me decidem a votar pela eliminação de parte do paragrapho 3.º

O Sr. Trigueiros: — Se o illustre Senador considerasse que isto é para utilidade daquelles que levam o grão para o reduzirem a farinha, deixaria então de impugnar o paragrapho; porque estes precisam das guias para fazer as suas entradas, aliàs ficariam sujeitos a pagar novamente os direitos das suas farinhas; porque se elles entrassem sem guias certamente isto lhes aconteceria, por não haver modo nenhum de os reconhecer, e para o evitar e que se torna preciso que quando o genero saír dos armazens particulares, leve uma guia similhante áquella que se passa no Terreiro. Não é pois possivel que, depois de approvado o paragrapho 1.º, se possa tirar este d'aqui.

O Sr. Bergara: — Eu creio que me não expliquei bem; por isso agora explicarei melhor a minha idéa. O que eu quero é que o dono do trigo não seja obrigado a tirar guia até ás portas, o que certamente seria para elle um trabalho, sem ser preciso; porém quero, e é quanto basta, que o empregado do Terreiro que estiver ás portas, lhe passe então a guia, porque é ahi que ella se deve dar quando se verificar a quantidade de trigo que sahe, para quando entrar reduzido a farinha ser presente esta guia ao empregado que a passou, etc. É esta pois a minha idéa, e sustento-a fundado na razão de que quando o cereal sahe de Lisboa já tem pago os direitos; e por isso é desnecessario saber-se a quem elle pertence, o essencial é entrar em farinha o que saíu em grão, operação que só tem logar verificar-se ás portas.

O Sr. Trigueiros: — Agora comprehendo melhor a opinião do illustre Senador que acaba de fallar, do que a comprehendi da primeira vez; mas não admira que eu o não entendesse logo, porque o que S. Ex.ª queria era que o paragrapho se eliminasse, querendo com tudo, como agora diz, que se conservasse o que nelle se dispõe; e eu sustentaria a necessidade do paragrapho, porque não vejo outro modo de ser coherente. Porém agora, Sr. Presidente, respondendo ás reflexões do illustre Senador, pergunto eu se o dono de um armazem particular se incommodará muito em passar uma guia quando vende o seu genero? Certamente não; porque o trabalho é muito pequeno; por quanto, ou as listas estão já impressas, o que importa uma pequena despeza, mas nem disso ha necessidade, ou se passam á penna, o que é muito simples, e o faz um insignificante caixeiro; porque é uma operação de muito pequeno trabalho. Além de que, Sr. Presidente, por está fórma se põe mais um obstaculo ao contrabando; porque, depois do genero ter entrado em Lisboa sem ter pago os direitos, o que é muito possivel, ainda se lhe apresenta por esta fórma mais uma difficuldade. Não ha pois, Sr. Presidente, razão nenhuma para se eliminar este paragrapho, não só porque por uma parte o dono do genero não é incommodado, mas tambem porque por outra parte é mais uma difficuldade que se põe, para que o genero não entre sem pagar os direitos (Apoiados). É pois minha opinião que o §. 3.º deve ser conservado tal qual, está.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu não comprehendo perfeitamente a doutrina deste paragrapho. Se se exige que se passe uma guia a toda e qualquer porção de cereaes que se venda até um alqueire, por exemplo; isto digo eu que é muito vexatorio, porque se podem vender muitos alqueires a miudo, e já se vê o grande trabalho que esta operação daria. Mas, se é só para aquelles que levam o trigo em porções maiores, a fim de o reduzir a farinha fóra das portas da Cidade, então concordo; porém o paragrapho está muito confuso, e da fórma que se acha redijido opponho-me a elle, além de ser isto propriamente materia regulamentar.

O Sr. Vellez Caldeira: — Isto é simplesmente um beneficio que se faz aquelles que levam o trigo para o reduzir a farinha; e sendo assim, como na realidade é, não vejo motivo para que se não approve o paragrapho.

O Sr. Miranda: — Este Artigo tende a fiscalisar que não saia trigo sem pagar os Direitos, póde-se com tudo entender que elle é regulamentar, todavia sou devoto que se conserve o Artigo, mas quizera que se lhe accrescentasse mais alguma cousa. Eu sou indifferente a que a guia seja passada pelo dono dos cereaes, ainda que reconheço que se não póde dar a um particular a faculdade de passar guias; mas quizera que esta guia fosse depois fiscalisada ou trocada por outra ás portas; ou então que o fiscal das portas ponha na guia o seu visto. Em consequencia eu peço a um meu collega e amigo, que se não mudou ainda de opinião que mande para a Mesa uma emenda, que sei que tem feita, porque segundo ella ficará este Artigo muito melhor concebido.

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, a Commissão adoptará todos os meios que se proponham bons efficazes; porém visto que a Commissão adoptou este, eu tenho obrigação de o defender. O paragrapho será regulamentar, mas o que eu vejo é que a materia delle é exactamente a mesma que se consignou no paragrapho 1.°, e está perfeitamente na mesma razão. Mas, disse o illustre Senador, que me precedeu, que não comprehende como se possa dar a um particular a faculdade de passar guias: porém eu peço a V. Ex.ª que repare em que esse homem, é já um homem acreditado pelo Terreiro, e para assim me explicar, elle até é nesta parte uma delegação do mesmo Terreiro; porque tem para aquelle Estabelecimento uma certa fé, ou pelo menos, uma dependencia legal. Eu não me opponho ao que o illustre Senador pertende, na parte em que deseja se ponha o visto a essa guia, o que eu não impugno, mas ao que me opponho é á troca da guia, porque essa guia não póde servir senão para a saída do mesmo genero que entrou. Em consequencia sustento que o paragrapho deve ficar tal qual foi redigido pela Commissão.

O Sr. Miranda: — Um meu illustre collega mandou-me um additamento para eu apresentar, e é o seguinte que eu mando para a Mesa (leu). Eu não tractarei de responder aos argumentos que se tem feito, quanto á competencia de os particulares passarem guias para os seus generos, porque um particular é sempre um particular, e por consequencia não entrarei nessa questão. Mando esse additamento que me parece attendivel; por quanto é necessario obstar a toda e qualquer conivência que possa haver, e este é um meio que para esse fim me parece adequado assim como para se evitarem as fraudes que se tem feito por meio de guias suppostas.

O orador enviou á Mesa o seguinte

Additamento sobre a fiscalisação.

«Os numeristas do Terreiro, e os donos dos Depositos particulares passarão guias manuscriptas dos cereaes que venderem, com as declarações especificadas no Artigo 9.° de Decreto de 4 de Agosto de 38, que notarão em um quaderno, que no fim década mez remetterão á Commissão do Terreiro.

«Nas portas, depois da necessaria conferencia e fiscalisação, serão aquellas guias trocadas por outras impressas com talão, nas quaes se lançarão as mesmas declarações. As guias manuscriptas, e os talões das impressas serão imaçadas, e no fim de cada mez remettidas á Commissão do Terreiro, aonde tambem no fim de cada mez serão remettidas as guias impressas que tiverem sido cassadas em alguma das portas, por ter entrado em Lisboa toda a respectiva quantidade de farinha.

«Na Commissão á vista de todos estes esclarecimentos se procederá aos competentes exames, e Fiscalisação.»

O Sr. Tavares de Almeida: — Eu tive agora na mão a emenda que o illustre Senador acaba demandar para a Mesa, cujo auctor é o Sr. Sampayo e Pina; na emenda ha algumas idéas que são dignas de se adoptarem, mas parecia-me que deviam ser mandadas á Commissão para aproveitar o que fosse bom. Entre outras ha ahi uma idéa proveitosa de que ás portas haja um livro impresso com um talão, e quando se trocarem as guias se entregue metade da folha, ficando a outra escripta identicamente; lembram-se outras providencias para a Fiscalisação, que me parecem boas, mas eu entendo que deve ír á Commissão para o examinar, e collocar convenientemente.

O Sr. Trigueiros: — Esse additamento comprehende as mesmas idéas do paragrapho; e então eu assento que a Commissão desejará vê-lo fóra da Camara para lhe dar uma melhor redacção, até porque não póde deixar de adoptar esse desenvolvimento.

Julgando-se a materia discutida, foi o paragrapho 3.° (do Art. 6.°) posto á votação, e ficou approvado. Quanto ao Additamento, foi mandado á Commissão para sobre elle dar sua opinião.

Entrou em discussão o seguinte

Art. 7.° As disposições do §. 11.º do Alvará de 15 de Outubro de 1821, e o determinado no Art. 12.º e 18.º da Lei de 12 de Julho de 1838 ficam no seu pleno vigor, limitando-se comtudo ás Provincias do Além-Téjo, Estremadura, e Beira, os beneficios que resultarem do remanescente, depois de satisfeitos os encargos do cofre, por serem estes que concorrem para a dotação do mesmo; incumbe ao Governo a applicação de taes fundos, do que dará conta ás Côrtes.

Obteve a palavra, e disse

O Sr. Bergara: — Eu consentirei no Artigo tal qual está, se a elle se addicionar o paragrafo que vou lêr (leu) (Apoiado, apoiado). Eu quero que esta idéa seja mais clara, seja mais explicita; e a razão é, pelo que disse o Sr. Bettencourt, que o Governo tinha disposto de seis mil e tantos contos de réis; se o remanescente do Terreiro tivesse sido applicado, como devia, o Téjo estava canalisado, as vallas d'Alpiaça, e Azambuja, navegaveis, e tínhamos estradas; nada disto temos hoje; e porque? Porque o Governo tem dado outra applicação a estes fundos... (Vozes: — Lá está na Lei). Está na Lei; mas o que se tem feito é o contrario; e o que eu quero é que o Governo não possa dispôr do dinheiro, ainda mesmo a titulo de emprestimo; vêr-se-ha que se ha de tirar disto tão bom resultado, como o teve a Junta do Credito Publico.

O Sr. Trigueiros: — O que diz o illustre Senador está na Lei; e parece-me que elle se engana, quando diz que o Governo dispoz de algum dinheiro depois dessa mesma Lei; portanto o que elle accrescenta está na Lei, e se assenta que é uma garantia o repetir-se aqui, muito bem; mas para conter o abuso do Governo, hão é bastante a inutil repetição do que está escripto, e que por repetido não tem mais força. Concluo que estando na Lei o que S. Ex.ª pertende, parece-me escusado tornar a repeti-lo, porque os capitães de que o Governo dispoz, foi antes da existencia desta Lei, e deve fazer-se justiça ao Governo que depois da Lei não tirou mais nada.

O Sr. Bergara: — Eu não disseque o Governo tinha tirado seis mil contos, depois da ultima Lei do Terreiro, o que disse foi que o Governo antes da Lei tinha disposto de seis a sete mil contos; e o que determinava a Lei anterior, era que o remanescente do cofre do Terreiro tivesse a mesma applicação que propõe este Projecto: o Governo a titulo de emprestimo tem tirado estas quantias, que não tem pago; e o que resulta é que não temos nem canses, nem estradas, nem fontes, nem pontes: quando se declarar na Lei que o Governo não possa tirar nada sob qualquer pretexto, já o Governo não póde abusar; e é por isso que peço que mui positivamente vá consignada no Artigo a minha idéa.

O Sr. Miranda: — Ha aqui uma differença essencial: diz-se que isto está na Lei; eu não tenho presente a Lei de 38, para ver se esta prohibição vem nella declarada, porque a não vir approvo a emenda do Sr. Bergara; por isso que mais terminante e positivo é prohibir expressamente ao Governo que debaixo de qualquer pretexto possa dispôr daquelles rendimentos; e por isso peço que se lêa o artigo da Lei.

O Sr. Trigueiros: — Eu disse quando fallei que apoiava o Sr. Bergara, se isto não estava na Lei: agora a Commissão dá a sua palavra

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examinar a Lei, é se essa disposição lá não estiver ella adoptará a emenda do Sr. Bergara (Apoiado);

O Sr. Bergara: - Insisto em que appareça a Lei, porque o Sr. Trigueiros, disse que lá estava, e não é de tão pequena monta esta minha emenda, como bem mostrou o Sr. Miranda; a Lei não diz expressamente o que eu pertendo; o facto é que o Sr. Bettencourt mostrou que desde o estabelecimento do Terreiro o Governo a titulo de emprestimo tem disposto de seis a sete mil contos de réis. Ora, Sr. Presidente, (torno ainda a repetir) se esta somma se tivesse applicado á construcção de estradas, o a canalisar o Tejo, por certo que os barcos não viriam ás costas dos homens em logar de virem nadando, e se aquelles rendimentos tivessem tido boa applicação, que valor não teriam dado á propriedade Portugueza! Quanto teria a dizer por esta occasião? Mas, calo-me... O paragrapho que apresento, não póde ser contrariado por ninguem; as razões que produzi são de conhecida conveniencia, o julgo que a Commissão não terá dúvida em adopta-lo.

O Sr. Trigueiros: — O illustre Senador queria a Lei, porque assentava talvez, que eu tinha citado de falso. (O Sr. Bergara: — Não foi tal.) Mas eu tenho tanto interesse como elle em ser exacto, e nesta intelligencia passo a lêr o paragrapho da Lei: (leu). Parece-me que tenho, satisfeito.

O Sr. General Zagallo: — Eu apoio inteiramente a proposta do Sr. Bergara, não só pelo que elle acabou de expor, mas porque desejo que a Lei seja muito clara; por quanto as razoes que se tem produzido em contrario, não são suficientes para me tirar desta idéa; e ainda mais, porque as referencias sendo prejudiciaes, eu quereria que em todas as Leis se copiassem os Artigos a que ellas se referem. Imaginemos que uma authoridade tem de executar uma Lei, quando, esta tem referencias que estão em differentes papeis; e que não estando estes á sua vista, mas suppondo que delles tem perfeito conhecimento, os não consultou por incuria, ou por outro motivo, decidindo muitas vezes o contrario do que devia decidir. E que males não podem resultar desta, decisão, proveniente de não estar escripto no mesmo papel, tudo quanto se determina em uma Lei? Por tanto, além do que, acaba de dizer o meu illustre amigo o Sr. Bergara a e o que disse o Sr. Trigueiros, não basta o que está escripto na presente Lei, porque ella não nega ao Governa o direito de empregar aquelle dinheiro em qualquer circumstancia, e como as Leis devem ser tão claras que não possa haver a mais pequena duvida sobre a sua execução; voto pois, porque se faça a declaração proposta pelo Sr. Bergara, e que tudo o mais que está na outra Lei se transcreva para este papel, para que não haja necessidade de recorrer a outros, para se executar esta Lei, porque disso resulta, um mal muito grande como já mostrei.

O Sr. Bergara: — Pedi a palavra para referir um facto a que chamo a V. Ex.ª Sr. Presidente, para testemunha: disse o illustre Senador que depois, da Lei, que acaba de lêr, não, se tinha tirado nada do cofre do Terreiro, e eu lembro-me que em tempo, que V. Ex.ª fazia parte, de uma Administração, se tiraram duzentos contos; logo a Lei não está tão clara como elle quer inculcar. Levantei-me para referir este facto, que é Governo, tirou duzentos contos a titulo de emprestimo, parece-me que no anno de 1834, e que o Sr. Bettencourt já aqui referiu isto mesmo.

O Sr. Presidente: — Se bem me lembro creio que foi para o emprestimo feito aos Lavradores do Riba-Tejo; mas não estou certo.....

O Sr. Bettencourt: — Em 1834 mandou-se dar pelo cofre do Terreiro Publico, á. Casa Pia, aonde se ordenou a incorporação do Instituto dos surdos, mudos e cegos, 4:800$000 réis que se lhe tinha designado quando se estabeleceu este Instituto no Collegio da Luz em 30 de Julho de 1824, quando era Secretario de Estado dos Negocios do Reino, o Sr. Presidente, então Marquez de Palmella: realmente, o facto é veridico; aquelle Cofre tinha sido muito reservado, e tinha em si bastantes recursos, e então como as circumstancias sempre foram muito apuradas, e principalmente depois do anno de 1833, em que as chagas do Estado estavam ainda vertendo sangue, e aonde se achava aquelle balsamo, isto é, dinheiro, o Governo se servia, delle para ír curar e cicatrizar algumas, feridas; é como estas circunstancias infelizmente ainda duram, e talvez mais desgraçadas, então com muita razão disse o Sr. Bergara, para que o Governo não tome a deliberação, em caso apertado, ou de necessidade, que haja, de ír buscar aquelle cofre do Terreiro Publico alguma quantia para a applicar a outro destino, tendo este cofre uma applicação tão sagrada e designada, e que se tivesse sido applicada para estradas, pontes, e obras de encanamentos e limpezas dos rios, por certo a agricultura teria prosperado, e o Tejo seria navegado até Abrantes, com regularidade; e deste estabelecimento não só á agricultura resultava vantagem, porém igualmente ao commercio, duas columnas que sustentam os Estados. O cofre do Terreiro Publico, depois de tirados os cargos pios, para o Hospital de S. José, de S. Lazaro, da Santa Casa da Mizericordia, para a Camara Municipal, futura do seu grandioso edificio, sua conservação annual, e o seu pessoal, tem tido um remanescente de perto de sete mil contos, de que os Governos se tem servido para objectos bem differentes do seu destino: e para se evitar de futuro, é que se deve pôr um obstaculo a que ainda que o Governo queira mandar distrair aquelles fundos para outras, fins dos que estão designados, se a Commissão Inspectora do Terreiro cumprir, e der algum dinheiro que não tenha aquelle fim exclusivo, fica responsavel, e ha de á sua custa repô-lo: porém estou perto que o Governo não ha de exceder o seu dever, e por consequencia, não terá a Commissão de exercitar essa determinação da Lei novissima, que se fortifica, nesta Lei de refórma. Desta fórma s estou convencido de que o remanescente será um meio efficaz para o futuro, a bem da agricultura e do com mareio; posto que no meu entender ha de ser diminuto esse remanescente pela nova reforma que ataca a existencia, daquella Repartição: e o tempo desenganará.

O Sr. Trigueiros: - Peço a attenção da Camara para vêr aquillo de que se tem feito uma questão. Aqui está o paragrapho 11.º da Lei de 15 de Outubro de 1824, que eu, li o não o paragrapho 7° da Lei da reforma do Terreiro, onde está melhor do que disse o illustre Senador aquillo que elle deseja: eu leio (Assim a fez).

O Sr. Miranda: — Ha aqui um, periodo que não acho em harmonia, com a Lei: a Lei diz que só compete á Commissão do Terreiro a applicação dos remanescentes, e o Projecto atribue, esta applicação ao Governo: é preciso redigir isto de modo, que evite questões.

O Sr. Trigueiros: — Acho que está em harmonia, porque aquillo a que o Artigo se refere faz-se como aqui está (leu).

O Sr. Miranda: - Eu achava conveniente que as disposições do Artigo se não pozessem em tanta referencia a outras, que, ao mesmo, respeito, já existem na Legislação. A opinião do Sr. Zagallo, é exacta; convem não, fazer tanta referencia, porque se ainda mesmo no Corpo Legislativo ha quem entre em dúvida se a Lei referida é uma ou outra, que acontecerá, a um pobre lavrador, que não tenha todas as Leis á mão ou a um Juiz leigo? Proponho por tanto, que a Commissão redija o Artigo, em harmonia com a Lei, isto é, que ressalve a contradicção que com ella parece haver no seu ennunciado.

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, eu queria propôr o mesmo que propõe o Sr. Miranda e é que volte á Commissão e que ella ou exare o Artigo 18 da Lei que actualmente regula o Terreiro, ou que então inclua o 10.° do meu Projecto, tirando-lhe as palavras {leu). Quando a Commissão apresentou o seu Artigo 7.º entendi que se supprimisse o 18.° da Lei do Terreiro, então não podia deixar de apresentar as minhas idéas: agora proponho que o Artigo volte á Commissão para que tenha em vista o que se tem dito, porque, considerando ella esta especie, de certo ha de redigilo com mais clareza.

O Sr. Tavares de Almeida: - O Artigo ha de approvar-se nem pode servir de dúvida a ultima parte delle, isto é, as palavras = incumbe ao Governo a applicação de taes fundos etc., eu pela minha parte não me encarrego de suprimir estas palavras nem de pôr aquellas que estão nas Leis que ahi se referem. Tracta-se de applicar certos fundos para as estradas; das tres Provincias, Estremadura, Beira, e Alemtéjo; pergunto, quem ha de saber e mandar examinar a necessidade, ou conveniencia dessas obras, será o Governo ou a Commissão do Terreiro? Ha de ser o Governo, porque a elle incumbe a administração geral do paiz. Nesta parte por mais que me argumentem, eu como Membro da Commissão não consinto em que taes palavras se tirem do Artigo: se porém o que se pertende é que o Governo não possa dar outro destino a estes fundos senão aquelle que está designado na Lei, nesta parte convem a Commissão que se declare, se tanto parecer necessario, ainda que isso já está providenciado por Decreto de 12 de Julho do anno passado.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu pedi a palavra para dizer o mesmo que disse o Sr. Tavares de Almeida: quaesquer alterações que se queiram fazer no Artigo, opponho-me com todas as forças a que a Commissão do Terreiro fique encarregada de fazer obras; porque seria uma anomalia no Systema Constitucional que a Commissão do Terreiro fosse encarregada daquillo que só é proprio do Governo e da Administração. Se a Commissão tem por unico fim inspeccionar o Terreiro, como póde ella tambem ter authoridade para mandar fazer estradas, canaes etc.? Isto, Sr. Presidente, é inadmissivel; por tanto opponho-me a que tal idéa se inclua no Artigo.

O Sr. Bergara: — Diz o Artigo (leu). Como fica em seu pleno vigor, e neste Art. 18.° da Lei de 13 de Julho de 1838 se dão estas attribuições á Commissão do Terreiro, e a Commissão no Artigo as dá ao Governo eliminando as palavras que eu mencionei ainda agora, e accrescentando o meu additamento, creio que fica o Artigo bem. N'uma palavra, o que eu não quero é que o Governo possa arbitrariamente dispor dos fundos do Terreiro, porque é necessario que se lhe dê a applicação determinada na Lei; e se o Artigo ficar como está, fica um vazio, e o Governo poderá lançar mão daquelle dinheiro para o gastar no que bem quizer, como temos visto até hoje.

O Sr. Vellez Caldeira: — Se eu não conhecesse a boa fé do Sr. Senador Bergara havia de dizer que estava fallando unicamente para questionar; porque, para ficar em pleno vigor o Artigo 18 da Lei de 12 de Julho de 1838, era necessario que se dissesse só isso, e não o que accrescenta o Artigo; mas este accrescentamento limita o que está antecedentemente: isto é Portuguez clarissimo, ao menos para mim; se porem o quizerem ainda mais claro depois das palavras = dotação do mesmo = diga-se = incumbindo ao Governo etc.

O Sr. Trigueiros: — Eu sou relator da Commissão, redigi este paragrapho como está, e não o sei redigir melhor.

O Sr. Bettencourt: — O que o Sr. Bergara pede e quer, está realmente no Artigo 18.° da Lei de 12 de Julho de 1838: a Commissão Inspectora do Terreiro, não tem gerencia algum; do firo para quo se manda entregar o dinheiro o que aquelle Artigo determina é que a Inspecção não entregue dinheiro do cofre do Terreiro ao mesmo Governo, se não para obras de agricultura. Isto foi para embaraçar que o Governo podesse mandar tirar dinheiro do cofre do Terreiro que não fosse para este fim; porque o Artigo é bem claro quando diz (leu). Por tanto a Inspecção não póde cumprir ordem alguma, do Governo para tirar cousa alguma daquelle cofre, se não para o referido fim, e por consequencia é o mesmo que quer o Sr. Bergara, isto é, que os dinheiros daquelle cofre não sejam tirados daquella Repartição senão para aquelle emprego: ora isto é o que manda aquelle paragrapho, em conformidade com o Artigo 18.°, que só diz, que sómente a Commissão tirará o dinheiro para estas despezas, ficando responsavel por aquelle a que derem a distracção para outro fim, quiz fazer com que a Commissão ficasse responsavel pelos dinheiros daquelle cofre; não ha dúvida que isto é bem claro.

Julgando-se a materia discutida, foi o Art. 7.° approvado salva a redacção, declarando-se (como propozera o Sr. General Zagallo no acto da votação) que nella se fizesse expressa menção do contheudo nos dous Artigos das Leis que no mesmo Artigo se referem.

Passou-se a discutir o seguinte

Art. 8.º O Terreiro continuará a ser administrado por uma Commissão que será composta de cinco Membros, e outros tantos Substitutos; um dos quaes será nomeado peto Governo, e servirá de Presidente da Commissão; dous representarão os productores eleitos pelo modo estabelecido na Lei de 13 de Julho de 1838, e dous outros representarão os consumidores, eleitos pela Camara Municipal de Lisboa, podendo contudo um delles ser tirado de entre seus Membros; haverá um Secretario, que a Commissão escolher entre si.

O Sr. Bergara: — Eu desejaria, Sr. Presi-

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dente, que neste Artigo se declarasse, que a Commissão Inspectora fôsse composta de membros de toda a probidade, e que estivessem fóra do commercio de cereaes, Sr. Presidente, as Attribuições da Commissão Inspectora são as seguintes: (leu). Ora os membros desta Commissão, não podem ser Juizes e partes ao mesmo tempo; póde dar-se o caso de que haja uma infracção da parte de um empregado do Terreiro, que entenda directamente com um membro da Commissão; e não posso comprehender como elle poderá applicar a Lei a uma cousa que lhe diz respeito, sem que figure ao mesmo tempo de Juiz e parte! É por isso que no meu Projecto eu tinha apresentado, que os membros da Commissão, fossem pessoas de reconhecida probidade, e desinteressadas naquelle Estabelecimento, para senão dar a anomalia, como eu tenho visto (sem de fórma alguma querer offender a Municipalidade de Lisboa, nem o membro que ella nomeou) de se nomear um homem para representar o consumidor, interessado directamente no commercio de cereaes; por esta razões é que eu desejava que os membros da Commissão Inspectora estivessem fóra do commercio de cereaes, e da lavoura, esta é a minha idéa. Por tanto eu substituo o Artigo do meu Projecto áquelle que apresentou a Commissão, eu mando para a Mesa uma emenda que me parece mais rasoavel. Insisto em que a Commissão seja nomeada de pessoas, que estejam fóra do commercio de cereaes. A substituição que offereço é, com pequena differença, o Artigo 7.° do meu Projecto. Passo a lê-la (é a seguinte):

«Haverá uma Commissão de cinco membros com igual numero de substitutos, dos quaes um será da classe dos Agricultores, ou Proprietarios; outra da Camara de Lisboa, que represente os consumidores; o terceiro, que deve servir de Presidente, será nomeado pelo Governo, deve exercer as funcções fiscaes, que competem ao Director da Alfandega Grande, devendo procurar-se tanto nestes como em seus substitutos, que de modo algum façam vida de comprar e vender generos cereaes, sendo esta Commissão gratuita.»

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão adopta a idéa do Sr. Bergara, porque ha impossibilidade absoluta em ser negociante de cereaes, e ao mesmo tempo membro da Commissão do Terreiro; é um daquelles casos em que um homem hão pôde exercer duas profissões, porque, n'uma qualidade será Juiz de si mesmo n'outra qualidade; assim, se algum negociar em trigos e ao mesmo tempo fôr membro da Commissão Inspectora, póde achar-se no caso de ter de votar em cousa que tenha relação com os seus proprios interesses: por tanto a Commissão reconhecendo a coherencia dos principios da substituição adopta-a. Mas parece-me que ha nella outra idéa para que o nomeado pelo Governo, tenha uma qualidade preponderante nos outros membros; se assim é, a Commissão não póde concordar em tal, e por tanto rejeita esta parte da substituição.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu não posso admittir a substituição do Sr. Bergara (salvo o respeito que tenho pelo illustre Senador) do modo porque se acha redigida; por quanto diz ella, que tanto nos Proprietarios como nos substitutos (da Commissão do Terreiro) se deve procurar a qualidade de desinteressados em negocios publicos. Ora a substituição com esta latitude não é admissivel, por quanto, qual é o homem não interessado em negocios publicos. Creio que com esta exclusão não haveria quem nomear para a Commissão. No Artigo da Commissão vejo tudo prevenido, porque diz: (leu). Póde accrescentar-se que em quanto aos substitutos se observará a mesma regra, sendo tirados das mesmas classes de que o forem os Proprietarios; assim está tudo dito. Se houver um negociante de trigos homem de probidade, porque o não poderá a Camara de Lisboa nomear para esta Commissão.

O Sr. Bergara: — Eu concordo com o Sr. Vellez Caldeira, podendo por tanto eliminar-se as palavras = a qualidade de desinteressados em negocios publicos = que se acham na substituição; mas não posso concordar com a ultima idéa do seu discurso. Que tem feito a Camara de Lisboa nestas nomeações? (Eu já disse, e repito, que não censuro esta corporação, nem a pessoa que ella nomeou; tracto do facto). Apresentou um homem interessado nos negocios do Terreiro, para membro da sua fiscalização! Diz o Sr. Vellez Caldeira, que se a Camara achar um homem de probidade, negociante de trigos, porque o não ha de nomear.

Não convenho em tal nomeação, porque os membros da Commissão não devem ser interessados nos negocios do Terreiro, não convém que esteja de portas adentro quem alli tem dependencias.... Eu poderia referir muitos factos, mas não pertendo molestar aqui ninguem, por isso me calo. Insisto na substituição, porque a razão dicta o que nella proponho.

O Sr. Miranda: — Como aqui ha uma idéa dominante, creio que o Sr. Bergara concordará no Artigo da Commissão com o acrescentamento destas palavras = com tanto que nenhum seja negociante de trigos. = (Apoiado geral). Desta maneira, parece-me que o Artigo se póde approvar.

O Sr. Bergara: — Os lavradores que vendem o seu trigo dentro do Terreiro, tem tambem interesses naquelle estabelecimento, como os negociantes; e é esta a razão porque eu faço menção delles na minha substituição, e repito que em quanto ella senão approvar, não poderá tirar-se resultado nenhum favoravel a bem do publico.

O Sr. Trigueiros: — Eu só quero justificar a Commissão; e para o fazer direi, que a idéa da substituição do Sr. Bergara, é exactamente a que está no Artigo 8.º do Projecto da Commissão; porque, por elle só se deu representação ao productor, e ao consumidor, e não se deu ao negociante, e nisto alterou ella o que anteriormente estava estabelecido, e eu peço licença para lêr o paragrapho, que diz o seguinte: (leu). Eis-aqui pois, como a substituição está nas idéas da Commissão perfeitamente: agora se se quer que a Commissão accrescente que serão excluidos destas duas classes aquelles que negociarem em trigo, tambem eu approvo a substituição; porém de outra maneira não a posso approvar.

Dando-se o Artigo 8.º por discutido, foi approvado salva a reducção, e com a declaração de que nelle será inserida a idéa comprehendida na substituição para que nenhum dos membros da Commissão do Terreiro seja negociante de generos cereaes.

O seguinte foi approvado sem discos do.

§ 1.º As attribuições da Commissão serão aquellas, que por Lei competiam á Inspecção Geral do Terreiro.

Leu-se o

§ 2.° A Commissão do Terreiro servirá um anno, e será gratuita.

O Sr. Vellez Caldeira: — Acho grande inconveniente em, que o membro nomeado pelo Governo, seja tambem nomeado todos os annos, porque este tem de ser o Presidente da Commissão, e por isso me parecia melhor que elle fosse constante: tem grandes inconvenientes a renovação completa de todos os membros, por entrarem ás cegas, e faltos dos conhecimentos precisos para promptamente tractarem da solução dos negocios, e ainda que haja bons empregados para os exclarecer, precisam com tudo muito tempo para se pôrem ao facto dos negocios. É esta por conseguinte a razão que tenho para votar que seja perpetuo o membro da Commissão nomeado pelo Governo.

O Sr. General Zagallo: — Eu quereria que o Artigo passasse como está; não podendo ser, então dezejo que em logar de se dizer = que será constante = se diga = que elle poderá ser reeleito = porque se o Governo se tiver dado bem com o serviço do empregado, e quizer que elle continue, o póde nomear de novo. Creio que o illustre Senador o Sr. Vellez Caldeira convirá com a minha idéa.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu creio que o Artigo não prohibe que elle possa ser reeleito, e sendo assim, o Governo está no seu direito reelegendo-o no fim do anno, se o quizer fazer.

O Sr. General Zagallo: — É verdade que pelo Artigo se não prohibe que elle seja reeleito, se o Governo assim o entender; mas tambem se não perde nada em que se declare aqui isso mesmo (apoiados).

O Sr. Miranda: — Eu voto pelo Artigo, por que elle está tambem concebido, que não ha nada mais a accrescentar-lhe; por quanto por elle se não prohibe que o Presidente possa ser reeleito pelo Governo, se este o quizer fazer.

O Sr. General Zagallo: — Parece-me que o illustre orador está envolvido em uma contradicção de que não será facil poder saír; porque, se o membro não póde servir por mais de um anno, como poderá então ser reeleito? Ora não podendo passar o Artigo, da maneira que está redigido, é exclarecendo-o a minha emenda, parece-me que ella deve ser approvada.

O Sr. Miranda: — É necessario que isto se declare aqui expressamente; porque tambem na Constituição se diz que a Camara dos Deputados não póde servir mais de tres annos, e apesar disso os seus membros podem ser reeleitos. Ora, se isto se diz na Constituição a respeito dos Deputados, e em outros differentes casos, tambem aqui se póde dizer: em consequencia sustento a doutrina do Artigo.

Concluida assim a discussão do paragrapho, leram-se na Mesa os seguintes, additamento, e emenda.

Additamento.

Proponho que os membros possam ser reeleitos, podendo comtudo escusar-se. — Zagallo.

Emenda

Proponho que o Presidente, nomeado pelo Governo, seja vitalicio, e não gratuito - Vellez Caldeira.

Votando-se, ficou a emenda rejeitada, e approvou-se o paragrapho com o additamento do Sr. Zagallo.

Entrou em discussão

Art. 9.° Fica estabelecida a estiva para o pão de uso commum na cidade de Lisboa, e a Camara Municipal da mesma cidade, incumbida de a levar a effeito.

Teve a palavra

O Sr. Bergara: — Parece-me, Sr. Presidente, que a Camara Municipal não terá todos os dados precisos para poder estabelecer a estiva, uma vez que se venceu que o mercado não seja só no Terreiro Publico, como d'antes era; e tambem porque depois de derramadas pela cidade de Lisboa muitas vendas de trigo, não sei qual ha de ser o methodo que observará a Camara Municipal para fazer esta estiva. Além de que, Sr. Presidente, eu tenho vivido muito em Lisboa, e ainda não pude conhecer o para que serve a estiva; porque vi sempre vender o pão mais barato que a estiva determinava. Demais, Sr. Presidente, eu vejo que nisto por alguma fórma se ataca o direito de propriedade na sua essencia, e se coarcta a liberdade de commercio que nós desejâmos estabelecer: e é por todas estas razões que eu voto contra o artigo.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu levanto-me para sustentar a mesma opinião do illustre Senador que acaba de fallar, e faço-o em consequencia do que tenho observado se pratica nos outros paizes. Em Inglaterra, por exemplo, existiu por muito tempo a estiva de pão (assize of bread), mas depois convenceu-se o Governo de que ella era um ataque á propriedade, e contra as bem entendidas idéas d'economia politica, liberdade de commercio, e rivalidade de preços, e aboliu-a; acontecendo que o preço do pão que era antes de 8 pence pelo pão de 4 arrateis, desceu em breve para 4 e meio pence. Parece-me em consequencia que se deve deixar livre, e desembaraçado o commercio dos padeiros, e continuando-se isto, ver-se-ha em breve tempo, á vista da abundancia dos cereaes no Paiz, que não ha necessidade de estiva, e que os preços do pão se reduzirão á maneira e proporção que os cereaes houverem de se vender. Tem-se observado a respeito da carne, que todos os dias apparecem differentes preços, mas observam que é sempre em diminuição; porque um estabeleceu o preço de 80 réis, outro desceu a 75, outro para 70, um fazendo rebaixar a todos; e até vejo no Campo Grande vender-se carne a 50 réis, o que não aconteceria assim por certo, se se tivesse observado a estiva, além da consequencia inevitavel de tal systema, a má qualidade. Por tanto sou de opinião que não haja estiva para se deixar livre a concorrencia, e a competição eu ire os padeiros, e por isso me opponho a este Artigo, assim como por ser de alguma maneira um ataque á liberdade do commercio.

O Sr. Trigueiros: — A Commissão assentou que devia introduzir neste Projecto a estiva para o pão, porque por toda a parte se ouvem clamores de que o preço do pão não tem proporção nenhuma com o trigo em grão; e para evitar isto é que a Commissão assentou que devia estabelecer a estiva. Sr. Presidente, as idéas que produziram os illustres Senadores, que não precederam, serão muito justas, mas desde já lhe digo que ellas não passam de theorias; por que em Lisboa se vê hoje o pão por um preço tal, que faz muito pouca differença do tempo em que o trigo custava 800 réis....

Vozes: — Não, não é assim; ha pão a 30 réis, e a 25, muito bom.

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DIARIO DO GOVERNO.

O Sr. Trigueiros: — Mas esse de 35 réis ninguem o póde comer, e o de 30 réis, ainda que seja bom, diga-me alguem se está guardada a proporção de 40 réis para um arratel, no tempo em que o trigo se vendia a 800 réis, e 30 réis para o mesmo arratel, quando elle se vende a 360 ou 400 réis o alqueire? Porém, Sr. Presidente, este principio, que ninguem pôde negar, é o da experiencia, V da pratica, e é o que este povo está soffrendo, sem proveito de ninguem, senão de uns poucos de padeiros, com escandaloso prejuizo dos consumidores, e até com detrimento da agricultura, pois quanto mais barato fôr o pão cozido, mais consumo terá o grão, não vendo eu motivo para sacrificar diante a theoria vãs razões tão solidas. O que os illustres Senadores dizem, será com tudo muito bom, porém repare-se que é como a musica, que fere o ouvido; mas ha de saber como o fel, que fere o paladar.

Sr. Presidente, disse um illustre Senador que: a Camara Municipal não teria os dados necessarios para estabelecer a estiva, porque deixava de existir o mercado, mas isso é o que eu nego, porque o Terreiro Publico fica sendo o mercado, e ha de ser sempre o maior mercado de Lisboa: logo a Camara Municipal tem Sempre um meio prompto e facil para estabelecer o preço da estiva. Entretanto, proseguiu o illustre Senador, sempre que ouve estiva em Lisboa, o pão se vendia mais barato do que essa estiva; eu convenho em que assim seja; mas em que prejudica a estiva? Em cousa nenhuma, uma razão de mais a favor della. Agora o nobre Senador que o seguiu disse que em Inglaterra.... eu não entendo bem o que disse o illustre Senador; mas parece-me que elle diz que em Inglaterra havia estiva, e que se aboliu; pois eu lhe darei a França por Inglaterra: em França ha estiva, e não é terra aonde hajam menos theorias ou aonde menos se respeite a liberdade de commercio. Paizes aonde ia princípios muito luminosos de commercio, e lá ha estiva; não sei se em Inglaterra gostavam della, nem quaes os motivos porque a reprovaram; eu sei o que convém ao meu paiz, e é o que me importa saber. A liberdade de commercio é muito bom principio; a Commissão o reconhece, e tanto assim, que foi nessa liberdade de commercio que estabeleceu todo o Systema deste Projecto; mas a liberdade de Commercio é sempre subordinada ao bem estar dos povos, e principalmente nesta parte ao bem estar desta populosa cidade; e a não ser assim eu rejeito a theoria: a liberdade do commercio é uma necessidade do Commercio conveniente á Sociedade, mas restricta ao bem publico, quando este reclamar que ella não seja tão extensa, e é da obrigação do legislador o limita-la. O illustre Senador recorreu a um argumento, que me parece produz o contrario do que elle queria concluir; foi o preço da carne com Lisboa: ainda resta averiguar se a carne se comeria mais barata do que se está comendo, porque se nós regularmos os preços porque estão as carnes fóra de Lisboa, e muito perto, assim mesmo ha ainda razão para crer que se a carne fosse por arrematação, ella se comeria mais barata. Ha ainda outra razão para que á carne se arrematasse, e é que todas as Camaras o tem reclamado; todos os dias se vêem reclamações pedindo authorisação para as arrematarem: o nobre Senador referiu-se ao preço por que a carne se come no Campo Grande, é dalli que eu concluo que se fosse por arrematação havia de ser muito mais barata. Em consequencia estou persuadido que nós faremos um grande beneficio a esta cidade, se recuando diante desse principio de liberdade de commercio, que assim como todos, tem limites, e sem subordinação não é nada, limitado pelas exigencias de circumstancias, logar, e tempo, é tudo, e que eu reputo muito, se estabelecermos a estiva para Lisboa, porque os habitantes hão de comer o pão mais barato.

O Sr. Miranda: — Eu rejeito o artigo, por que elle tem por fundamento um principio que não póde admittir-se; em uma boa administração qual é a das taxas, e porque o preço de qualquer genero depende da livre convenção mutua, entre o comprador, e o vendedor, os quaes se arranjam entre si, ou cada um per si, para illudirem a determinação da Lei, quando ella não está em harmonia com os seus interesses. Com muitos exemplos poderia eu provar o que acabo de dizer; um bastará. Tinha-mos uma Lei, e ainda a lemos, porque expressamente ainda não foi revogada, posto que de facto esteja sem vigor, a qual marcava o preço da oliva de ouro em barra de 22 quilates em 1$400 réis, quando no commercio se comprava com dinheiro em prata a 1$800 e 1$900 réis; e então que faziam os ourives? Recorriam a um expediente muito simples: faziam a conta do ouro segundo a Lei, e carregavam o excesso por conta dos feitios.

Citou-se o exemplo da venda livre da carne de açougue; mas no Porto, e Lisboa o povo não se tem dado mal com esta franquia, e creio que nenhumas saudades tem das antigas arrematações; come melhor carne porque a venda é livre, e porque tem differentes preços, segundo a qualidade; entretanto devo lembrar o que se passou no tempo das Côrtes de 1822; uma vez que se fallou na franquia deste genero, levantou-se o clamor de que os habitantes experimentariam falta, e disseram-se muitas outras cousas, que razões não falham quando se advoga uma causa por má que seja. Porém veio o Sr. D. Pedro; passou a Lei da livre venda, e hoje ninguem se lembra de lhe pôr objecções. Nos Concelhos pequenos não acontece o mesmo, pela falta de consumidores, o que não permute a concorrencia dos vendedores, e por conseguinte as vantagens de uma venda livre. É esta portanto uma excepção, não da regra, mas de necessidade. Quanto a cereaes, se o pão tiver um preço no mercado estabelecido por taxa, necessariamente todo o pão ha de ser de inferior qualidade, porque os padeiros não tem interesse em fabricar o melhor em relação ao preço; o que não aconteceria se os preços fossem livres e correspondentes aos diversos grãos de bondade; porque então aquelle que consome o pão grosseiro, o quer barato; outro o quer melhor, e outro o quer da primeira qualidade; e por consequencia taxar o preço é um acto de violencia, que a authoridade não pôde exercer em beneficio do publico. Quando pela primeira vez li este artigo julguei que houvesse alguma razão de força maior, por assim dizer, razões de necessidade para atalhar abusos ou fraudes, de outra maneira irremediavel; mas depois de bem informado, em relação ao preço dos cereaes, e ao do pão cozido, achei que não havia grande desproporção; porque tambem é necessario attender á sua qualidade, nem havia facto algum que podesse justificar esta medida: em consequencia a minha opinião é contra a estiva, e por que esta traz como necessaria consequencia todos os maus effeitos das taxas que são bem conhecidos; voto pela suppressão do artigo.

O Sr. Barão do Tojal: — Em quanto aos preços da carne, direi que quando pela ultima vez eu estive em Lisboa, em 1819, havia então estiva de carne, e custava a 65 réis; era tão nojenta que parecia carne de cavallo, e não de boi; e quanto á estiva do pão, ha de acontecer pouco mais ou menos a mesma cousa. Se a Commissão pertende que seja livre a qualquer o vender por menos, ou por mais da estiva, então é ocioso o Artigo; ninguem me póde privar a mim de pagar um genero por maior preço do que está taxado em attenção á sua superior qualidade; eu sou livre, e da mesma maneira a qualquer lhe é livre vender abaixo daquelle preço, e então a estiva já não serve senão para marcar um termo medio, e para abrir a porta tambem a toda a casta d'adulterações, e fraudulentas medidas da parte dos padeiros para illudirem a Lei. Por exemplo na Turquia, onde ha a estiva do pão, estão pregando continuamente as orelhas dos padeiros contra as paredes de suas casas, porque elles apesar do rigor daquelle castigo estão amiudo commettendo fraudes no peso do pão, ou na adulteração da sua qualidade. Por tanto acho até pernicioso, ocioso, e desnecessario este Artigo; nós estamos antes nas circumstancias de promover tudo quanto seja possivel em favor do commercio. Eu não sei aonde o illustre Senador compra o seu pão, eu posso recommendar-lhe o meu padeiro que me vende pão a 25 réis excellente, tão bom que vindo um padeiro inglez trazer-me pão á porta muito mais caro, a minha familia prefere o pão Portuguez.... Em consequencia, pela prática que tenho tido dos paizes aonde não ha estiva, e mesmo da ilha da Madeira aonde existia a estiva, estou persuadido que tudo reclama a eliminação deste Artigo.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A Commissão não ignora os principios da economia politica; e apesar disso não deixou de apresentar este Artigo. Entre tanto, tudo que tem dito estes Senhores não é applicavel; nós não vamos taxar no preço do trigo: o que é a estiva? É a repartição desse preço por arrateis de pão, fitando sempre livre o seu, valôr no Terreiro. Assim dado um preço, qualquer do trigo, diz a Camara = corresponde a tanto o arratel = isto é, o pão commum, não é o pão de luxo. É o sustento exclusivo do povo, e como tal deve ser vigiado. Clama-se por toda a parte que a agricultura está em desgraça; que os generos não valem nada; e entretanto o pão em Lisboa é tão caro como em Londres, e mais caro que em França, posto que um Francez coma mais pão que três Portuguezes. Por consequencia, ou esses clamores são falsos, ou os padeiros fazem ganhos excessivos; e isto é o que acontece; portanto, repito, que aqui o que se faz não e taxar o genero; diz-se que a authoridade declare quanto vale um pão segundo o preço do trigo; e assim vai-se com os interesses do povo. Foi por estes principios que a Commissão não duvidou apresentar este Artigo; eu como Membro della, opinei neste sentido, não me arrependo disso; e creio que a Commissão não alterou os principios.

O Sr. Miranda: — A admittir-se o Artigo da Commissão, seria só em casos extraordinarios; mas não em regra; e, naquelles mesmos, só para o pão de inferior qualidade; porque se os padeiros quizessem faze-lo melhor, embora o preço fosse mais alto. Em qualquer caso, estas palavras = pão de uso commum = acho-as um pouco vagas, e desejaria que a idéa que ellas exprimem ficasse mais clara para se não obstar a que os padeiros possam fabricar pão de melhor qualidade que o do luxo, e este o do uso commum, creio eu, que será o primeiro na ordem da qualidade. Quanto ao expediente da panificação, e á concorrencia que poderia esperar-se da economia do trabalho não podemos argumentar de -França para Portugal. Entre nós ainda não são concluidos diversos machinismos para fabricar o pão com grande economia de tempo, de força, e despeza, apezar de se acharem muito popularizados em outros paizes: ha um estabelecimento em París onde se fabricam diariamente perto de 50 mil libras de pão. Neste estabelecimento o pão é joeirado em grão moído, e depois de reduzido a farinha, amassado por uma maquina de vapôr. Em Lisboa onde os methodos são mais dispendiosos, e os conhecidos e communs, não ha por agora razões para operar grande beneficio da concorrencia dos maquinismos, ou dos processos. Por tanto a approvar-se o Artigo, é necessario redigilo com mais clareza.

Julgando-se o artigo discutido, foi posto a votos e approvado, e sem discussão o

Art. 10.º Fica derogada a Legislação em contrario.

O Sr. Castro Pereira, relator da Comissão especial Diplomatica, apresentou o seguinte

Parecer.

A Commissão, encarregada de examinar os documentos relativos á negociação de um Tractado, para a abolição do trafico da escravatura, pendente entre os Governos Portuguez e Britanico, julgou dever primeiro que tudo ouvir a opinião do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros ácerca da conveniencia de tal publicação; mas tendo S. Ex.ª declarado á Camara que actualmente se tornava urgente que os referidos documentos se publicassem, e havendo convidado a Commissão a dar sobre isto a sua opinião; parece á Commissão que se devem mandar imprimir. Sala da Commissão, em 18 de Junho de 1839. = Duque de Palmella = M. G. de Miranda = Conde de Villa Real = Marquez de Fronteira = Sá da Bandeira = Manoel de Castro Pereira.

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Presidente: — Pela Acta vejo que se devem nomear tres membros para a Commissão de Guerra...

Vozes: — A Mesa. A Mesa.

O Sr. Visconde de Beire: — Deve ser por escrutinio: aqui estão muitos Militares todos dignos, se a Commissão se não attreveu a propôr os nomes de tres, como ha de a Mesa faze-lo? (Apoiado). Está no mesmo inconveniente, em que se acha a Commissão.

O Sr. Presidente: — Nesse caso proceder-se-ha ámanhã á eleição. A ordem do dia é a discussão do Projecto da Camara dos Deputados sobre ampliar o contracto com a Empreza da navegação do Téjo e Sado por vapôres; havendo tempo continuará a tractar-se do Projecto sobre o Tribunal de Contas. — Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas menos um quarto.

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