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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 22 de Junho de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella).

PELA uma hora e um quarto da tarde foi aberta a Sessão; presentes 37 Srs. Senadores.

Leu-se e approvou-se a Acta da precedente.

Mencionou-se um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, remettendo uma Mensagem da mesma, que incluia um Projecto de Lei sobre a prorogação das de 17 de Março e 10 de Abril de 1838, ácerca de segurança publica. — Foi mandado á Commissão de Legislação.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, como relator da Commissão de Poderes, apresentou o seguinte

Parecer.

«A Commissão de Poderes examinou a Acta da eleição de um Senador, e um Substituto, a que se mandou proceder pelo Circulo Eleitoral do Porto, e achou que na mesma se observaram as solemnidades requeridas pela Lei.

«O numero dos votantes foi de 10.642, e obtiveram maioria absoluta os Srs. João Cardoso da Cunha Araujo e Castro com 10:350 votos, e Barão de Sabrosa com 9:041. Não houve eleição nos Concelhos de Arnezello, e Villa Nova de Gaia por falta de concorrencia, e tomaram-se em separado os votos dos Concelhos de Vallongo. Passos de Ferreira, e os das Mesas eleitoraes de Grijó, Sarzede, e Guetim do Concelho de Gaia, por falta de outhorga de poderes; mas nestes mesmos reuniram os ditos Srs. a quasi totalidade dos votos, pois obteve o Sr. João Cardoso da Cunha 688, e o Sr. Ribeira de Sabrosa 504. — A Commissão é por tanto de parecer que o Sr. João Cardoso da Cunha Araujo e Castro deve ser convidado a vir tomar assento nesta Camara.

«Casa da Commissão, em 22 de Junho de 1839. = José Cordeiro Feyo = Barão de Villa Nova de Foscôa = Basilio Cabral.»

Foi approvado sem discussão, e em seguida introduzido o Sr. Ministro da Justiça, prestou juramento.

O Sr. Bazilio Cabral mandou para a Mesa o diploma do mesmo Sr. Ministro, que tambem fôra eleito pelo Circulo de Santarem. — Remetteu-se para a Secretaria.

O Sr. Vellez Caldeira, como relator da Commissão de Legislação, leu o parecer della sobre o Projecto de Lei enviado da Camara dos Deputados, ácerca das Congruas dos Parochos. — E disse

O Sr. Visconde de Laborim: — Este Projecto é de toda a transcendencia, e exige brevidade na sua ultimação; no entretanto como elle soffreu algumas alterações, é isso motivo bastante para dever ser examinado com toda a circumspecção; e é esta a razão porque eu não peço urgencia na discussão delle, mas peço urgencia em quanto á sua impressão (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Manda-se imprimir logo, e dar-se-ha para discussão com a brevidade possivel.

O Sr. Trigueiros, relator da Commissão de Agricultura, leu e mandou para a Mesa a ultima redacção do Projecto de Lei sobre a reforma do Terreiro Publico de Lisboa.

O Sr. Bergara: - Eu peço a V. Ex.ª que queira ter a bondade de mandar ler o Artigo 8.° (leu-se.) Parece-me, Sr. Presidente, que o Artigo não está redigido da fórma que se venceu, porque a idéa foi, que de fórma alguma os Membros da Commissão teriam negocio dentro do Terreiro; e os lavradores que tambem tem interesses dentro do Terreiro, não queria eu que podessem ser nomeados para a Commissão; e foi nesta conformidade que se venceu. Requeiro pois que o Artigo volte novamente á Commissão para o redigir neste sentido

O Sr. Trigueiros: — Ainda desta vez se engana o illustre Senador, e para lho mostrar peço que se lêa a Acta respectiva.

O Sr. Bergara: - Não me engano, Sr. Presidente, como diz o illustre Senador; e se me engano, não me acontece por certo outra cousa que não aconteça muitas vezes a todos os illustres Senadores, e aos homens em geral. (Apoiados.) Com a differença que se eu erro, e me provam o erro, sou docil em o confessar, e em ceder, do que eu tenho dado bastantes provas nesta casa; (Apoiados.) mas não succede assim, Sr. Presidente, a muitos outros, e neste caso não sei se está o illustre Senador que acaba de me dirigir a sua reflexão, a qual eu sou forçado a dizer que lhe não merecia, e menos o emprego que fez da palavra ainda.

Lida a Acta no logar respectivo, proseguiu.

O Sr. Bergara: — O que se venceu, Sr. Presidente, foi a idéa apresentada na minha substituição; eu appelo para a Camara, e para o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa que por parte da Commissão a adoptou. O que não está bem redigido é a Acta, a qual eu não ouvi lêr, ou se ouvi não prestei toda a attenção á sua leitura, porque então teria pedido se fizesse a devida correcção, apesar de que nessa mesma Acta eu noto contradicção: e por isso peço ao illustre Secretario o Sr. Salinas a bondade de tornar a ler essa parte da Acta.

O Sr. Secretario Salinas: — (Leu.) Eu creio que tanto no espirito da Acta, como na letra da Lei, está comprehendida a idéa do Sr. Bergara.

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, a minha substituição não diz comprar e vender, mas sim que de fórma alguma façam vida, ou tenham interesse naquelle estabelecimento; e peço que ella se lêa, porque então ver-se-ha que é exacto o que acabo de dizer; a menos que se adoptasse tal qual, o que se acha no meu Projecto.

O Sr. Presidente: — Está mostrado que a redacção do Projecto é conforme ao que a Acta diz, e por isso acho desnecessario que continue este incidente (Apoiados).

O Sr. Trigueiros: — O meu collega o Sr. Tavares de Almeida, e eu, estivemos dous dias fechados occupados com a redacção deste Projecto, no qual achámos muita difficuldade por ser necessario revêr todas as Actas; e apesar de vermos que essa redacção talvez não esteja boa (a qual de certo não approvariamos, em muitas das suas partes, se não fosse o vencimento), posso no entre tanto dizer que ahi estão as proprias palavras que se encontram nas Actas. Eu não sei se as Actas estão bem redigidas (creio que estão exactissimas); mas com isso não me devo eu importar, porque a minha obrigação era ligar-me ao vencido. Agora direi ao illustre Senador, que com o que eu dis-

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se não desejei menoscaba-lo; e peço-lhe, e á Camara que assim o creiam (Apoiados).

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu desejo unicamente fazer uma observação, e vem a ser, que em quanto á parte em que se falla da reeleição, me parece que em logar de = os Membros da Commissão = poderia antes dizer-se por esta fórma = seus Membros poderão ser reeleitos =: redacção que me parece ser mais clara do que a que se deu ao Artigo (Apoiados geraes).

Não se offerecendo outra observação, foi a redação do Projecto approvada com a emenda suggerida pelo Sr. Vellez Caldeira.

Tiveram segunda leitura os dous Projectos de Lei, apresentados na precedente Sessão pelo Sr. Barão de Albufeira, sobre conceder supplemento de soldo a certas praças de pret, e elevar a 28$000 réis mensaes o dos Capitães e Cirurgiões-Móres em effectivo serviço. (V. Diario N.º 163, a pag. 1050, col. 1.ª)

Motivando-os, disse o seu Auctor, O Sr. Barão de Albufeira: — Os Projectos, que hontem tive a honra de apresentar a este nobre Senado, são de tal natureza, que por si mesmo se recommendam; com tudo eu direi que sempre que ha um Exercito, é preciso ter uma recompensa que remunere o valôr distincto dos bravos, e que anime, e convide os soldados antigos a servir por longo tempo; é para aquelles que pelo seu valôr são condecorados que eu propuz uma dotação para sustentar com dignidade uma Ordem Militar; para compensar a continuação de longo serviço: eis-aqui a razão, Sr. Presidente, porque eu propuz este Projecto concebido nos termos nelle designados. Sr. Presidente, um soldado de 10, 15, ou 20 annos de serviço tem vinculado com a sua experiencia, pela diuturnidade de sua praxe, a acção directa de influir nos outros todos; elles são a base das companhias; são aquelles que ensinam aos soldados novos todos os seus deveres; e com o seu exemplo animam as praças novas a bem servir, e serem fieis ás Bandeiras; todas estas considerações têem merecido attenção dos Generaes, e por isto em todos os Exercitos se lhes dá uma maior recompensa no seu pret, resultando daquilo conservarem-se elles no serviço por mais tempo, uma vez que sejam assim animados; isto em quanto ás praças de pret.

Agora pelo, que respeita aos Capitães direi, que depois do anno de 1814 ficaram os Tenentes com 13 mil réis de soldo por mez, os Capitães com 24, e os Majores com 45: havendo uma muito grande desproporção entre o soldo dos Majores e dos Capitães; mas depois pela Carta de Lei de 27 de Abril de 1835 ficou muito maior esta desigualdade a respeito dos Tenentes que subiram seus soldos a vinte e dous mil réis; e porque entre nós, e em todos os paizes o posto de Capitão tem maior consideração. D'antes um Capitão de fuzileiros tinha 19$350 réis; entrando nisto a gratificação de cinco praças que lhe eram dadas; mas depois o Marechal Lippe propoz que isto não continuasse; e foi desde então que o estabelecimento das tenças para os Capitães foram regularmente pagas, as quaes nessa época eram bem pagas, e se reduziram a 80 mil réis por anno, as quaes transitavam para as suas familias, o que finalisou pela tarifa dos soldos de 1790, que regulou os deste posto com 20 mil réis por mez, e depois foram levados em 1814 a 24 mil réis; e assim existem. Em attenção ao que fica dito, propuz que os Capitães e Cirurgiões Móres em actividade de serviço, fossem abonados do soldo mensal de 28 mil réis. Sr. Presidente, o posto de Capitão tem sido reconhecido pelos militares mais experimentados como um daquelles, que em todos os Exercitos se faz digno da maior consideração: elle preenche uma infinidade de serviços, é a primeira unidade de commando e força, é a base da disciplina, e contém grande variedade de emprego; sem bons Capitaes não se tem Corpos bem disciplinados, nem Officiaes superiores de merecimento, porque é desta classe que se tiram os Majores, e repetirei o que dizia um grande Capitão: = as boas Companhias fazem a verdadeira força dos Batalhões, que por terem esta base se consideram a primeira unidade da força combatente. =

Estas foram as razões que me obrigaram a propôr estes Projectos de Lei, reservando para outra occasião, mais alguma cousa que tenho a dizer sobre a materia.

Ambos os Projectos foram remettidos á Commissão de Guerra.

Passando-se á ordem do dia, continuou a

discussão do Projecto de Lei sobre a creação do Tribunal de Contas.

Os dous Artigos seguintes foram approvados sem discussão.

Art. 9.° O Tribunal facultará aos Membros das Côrtes o exame de todos os seus livros no local das suas Sessões.

Art. 10.º As Côrtes enviarão directamente ao Tribunal uma cópia exacta e authentica do Orçamento votado, e lhe devolverão a Conta geral do Estado depois de approvada.

Lido o

Art. 11.° O Tribunal julga as contas dos responsaveis para com o Thesouro, depois de verificadas; manda passar quitações aos que estiverem quites, a fim de serem aliviados das suas fianças, quando tenha cessado a sua responsabilidade, e condemna aquelles, que se acharem alcançados, a pagar no prazo que fixar. Da sua resolução dará parte ao Ministro da Fazenda para a fazer executar.

Disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — A este Artigo ha um pequeno additamento meu que está sobre a Mesa, que é para que o Tribunal julgue com audiencia do Procurador da Fazenda, e da parte; a Commissão mesma o considerou, e adoptou.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Faz parte do parecer da Commissão, sobre varias emendas que lhe foram remettidas, e já está approvado.

O Sr. Pereira de Magalhães: - Agora offereço outro additamento: - Depois das palavras = alcançadas = accrescente-se = ou a Fazenda Publica, no caso de estar em debito para com o responsavel.

A decisão do Tribunal deve ter uma de tres distincções: duas estão já designadas, falta a terceira, que é condemnar a Fazenda quando estiver alcançada para com o responsavel.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Pelas nossas Leis de Fazenda; e de todas as nações, creio eu, não póde empregado algum achar-se em credito para com a Fazenda; isto é-lhe mesmo absolutamente prohibido: entretanto, é possivel que qualquer empregado vendo uma precisão urgente, queira adiantar fundos seus, e então vem a estabelecer um credito a seu favor: mas seria muito perigoso dar ao Tribunal de Contas, authoridade de poder reconhecer credores sobre o Estado. Quando o Tribunal acha que um responsavel tem feito adiantamentos, esta sua declaração não tem consideração de divida para o Estado, e o Ministro da Fazenda a póde annullar; pois que só pelo Juizo do Tribunal não é uma execução aparelhada contra o Estado. Quando qualquer empregado faz estes adiantamentos, elle não tem mais que recorrer ao Ministro competente, para que lhe mande pagar; porque só ao Ministro da Repartição é que compete legalisar esses adiantamentos, e reconhece-los como divida do Estado. Por consequencia não se póde dizer que quando o Tribunal acha algum empregado em credito, este possa obrigar o Estado: é sómente uma declaração que faz ao Governo.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Estou conforme em tudo quanto diz o illustre Senador, menos em que o Tribunal não possa condemnar a Fazenda: agora o que tem é que esta condemnação não produz o mesmo effeito que nos outros dous pontos: o responsavel que é julgado credor não vai com esta Sentença ao Poder Judicial, para fazer penhora nas rendas do Estado, mas o Ministro com esta Sentença vai ás Côrtes pedir um credito para [...] a este crédor; este Tribunal não é só em favor do Estado, é tambem em favor de todos os que têem contas com o Estado, para evitar o que até hoje está acontecendo; porque o Estado nunca paga áquelles com quem fica alcançado, e pelo contrario vai sobre aquelles que ficam alcançados com elle; ora isto é que se quer evitar; quando um empregado faz um adiantamento ao Estado fica crédor, e não ha de ír ter uma demanda com o Ministro da Fazenda. O Tribunal reconhece a divida e o credor, mas o effeito não é ir penhorar as rendas do Estado, nem o Ministro da Fazenda lhe póde pagar, porque este não póde dispôr dos dinheiros publicos, senão pela fórma porque lhe foram votados pelas Côrtes. Agora tambem não posso concordar com o illustre Senador, em quanto diz que o Ministro póde annullar as decisões do Tribunal; esta idéa não a admitto. Julgo por tanto que é essencialmente necessario admittir neste Artigo o meu additamento, a fim de que a creação deste Tribunal dê á, Fazenda e aos seus credores e devedores; todas as garantias proprias do fim de tão salutar instituição. (Apoiado).

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: - Quando digo que o Ministro da Fazenda póde annullar, o que quero dizer é, que não tem obrigação de reconhecer a divida, e não é elle que póde mandar pagar; elle diz: voz fizestes esta despeza, requerei ao vosso Ministro. Ora em quanto a condemnar o Ministro da Fazenda, isto não é possivel; o mesmo author do additamento confessou que similhante procedimento não póde ter logar; por consequencia, é necessario eliminar do seu additamento a palavra condemnação. Eu já disse, quando fallei a primeira vez, que a condemnação do Tribunal não é mais do que uma declaração. Em quanto ao Ministro da Fazenda já está dito, que não é elle a quem compete mandar pagar nem reconhecer a divida, porque não é permittido senão aos Ministros Ordenadores o obrigarem o Estado, e é só ao Ministro Ordenador da sua Repartição, a quem o crédor se deve dirigir. Por tanto, peço que se leia novamente o additamento, para ao menos se eliminar a palavra condemnar, que essa de modo algum póde conservar-se, qualquer que seja a decisão que a Camara tome sobre o mesmo additamento.

Lido, disse

O Sr. Miranda: - Eu desejaria que se declarasse que fosse igual a obrigação da Fazenda com os seus credores e devedores; e por isso não posso deixar de approvar o additamento; muitas vezes é necessario fazer uma despeza extraordinaria, o Ministro dirige-se a um Capitalista, e elle póde responder-lhe, eu não empresto, porque ha um Tribunal de Contas que póde não legalisar esta despeza, para a qual esta somma é pedida. As nossas Leis de Fazenda nesta parte, eram as Leis de Leão, e em toda a parte são a mesma cousa, são as Leis do mais forte contra o mais fraco: se houvesse na Legislação mais alguma moral, ella seria muito mais moderada, mais justa ao menos quanto as differenças que estabelece. É a Legislação das finanças, e é o principio geral de todos os financeiros; assim é, mas os financeiros a fallar a verdade não tem as melhores entranhas. (Riso).

Não me opponho á palavra condemno, o Tribunal não condemna, declara que o devedor é obrigado a pagar; não entro em questões de palavras; senão se quer esta palavra adopte-se outra, mas de maneira nenhuma se deve atenuar o credito de que o Governo poderá carecer em differentes circumstancias; e o Governo tem muito mais obrigação de pagar, porque é uma divida de honra, divida muito mais sagrada, se é possivel, que aquella que resulta de um contracto. É por tanto necessario fazer esta declaração; senão se quer fazer uso da palavra condemnar, diga-se o mesmo por outra equivalente. Quanto ao resto apoio o Artigo para que se faça uma declaração tal, que se conheça que o Estado está obrigado a pagar, assim como o está outro qualquer devedor.

O Sr. Barão do Tojal: — Não me parece ociosa a observação do Sr. Magalhães, pois que tambem poderá ter ás vezes o bom effeito de animar os Contadores da Fazenda, a levantarem de seus proprios recursos o dinheiro necessario para se fazerem pagamentos importantes. No tempo em que eu foi Ministro da Fazenda, algumas vezes aconteceu isso comigo; os Contadores estarem muito falhos, e ou por si, ou pelos seus amigos arranjarem dinheiro e pagarem o pret, em consequencia de ordens de pagamento, e com o desejo de obrigar o Estado adiantavam dos seus proprios recursos; e havendo uma mudança de Ministerio este empregado poderia ficar collocado nas circumstancias de se lhe não verificarem as suas contas; e o Tribunal justificando a conta constitue o Governo debaixo da obrigação de satisfazer aquelle credito. Em consequencia eliminando a palavra condemnar, approvo o additamento do Sr. Magalhães; e por esta circumstancia, e mesmo não sei se não haverão algumas outras em que o Ministro, vendo-se opprimido queira adiantar algumas sommas, e neste caso podera vir um Ministro a ser tambem crédor. Por todas estas razões considero o additamento de algum peso, e voto que seja admittido, mas omittida a palavra condemnação.

O Sr. Pereira de Magalhães: - Pelo que vejo todo o Sanado está conforme em approvar o meu additamento; a unica differença é sobre a palavra condemne; eu digo que o meu additamento só tem essa palavra por reciprocidade,

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porque no Artigo em discussão se diz: condemna o responsavel; e por tanto se se tirar, para a Fazenda, tire-se tambem para o responsavel: neste sentido é que eu fiz a emenda, e sobre palavras não questiono, quando ficam salvos os principios.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Em logar de = Condemnar = declarar aquelles, que virem alcançadas; e assim fica bem o additamento: isto é para resolver escrupulos, porque o abuzo que aqui se tem feito da palavra julgar tem causado grande embaraço a este Projecto, e este additamento é de toda a justiça porque não póde haver um direito para os fracos; e outro para os fortes (Apoiado).

O Sr. Pereira de Magalhães: — Pedi a palavra para uma explicação. Nós todos estâmos concordes, mas é necessario que eu diga ao illustre relator da Commissão, que se no Artigo se pozer a palavra = declarar = achar-se-ha embaraçada quando discuta o Artigo 13.°, porque ahi se diz: (leu) Estas resoluções tem força de execução, é uma execução aparelhada, como se diz juridicamente, a qual principia pelos termos marcados na Lei. Digo pois que consentiria na palavra = declaração = se não achasse que passando o Artigo 13.º talvez nos vejamos embaraçados, estabelecendo que uma declaração ha de ser cumprida executivamente.

O Sr. Miranda: — Então fique a palavra condemna; não ha nisso inconveniente algum; porque a palavra não é mal soante, e maior descredito rezulta ao Governo de supprimir-se, senão fôr substituida por outra equivalente. Tracta-se por hypothese de uma pequena somma, de uma somma pedida por necessidade, não obtida por um contracto ordinario: por exemplo», está uma Divizão de Tropas em Traz-os-Montes; não ha dinheiro para se lhe pagar; entretanto é necessario pagar-lhe; o General precisa trazer os soldados contentes, o cofre do Districto não tem dinheiro, todavia ha um capitalista a quem o General, debaixo da sua palavra de honra, pede alguns contos de réis, o capitalista promptamente os empresta; ora pergunto, o Estado tem ou não obrigação de pagar esta divida? Todos dirão que sim; e primeiro do que qualquer outra. Digo pois que não acho a palavra mal soante; acho-a muito bem soante quando impõe ao Governo a obrigação de pagar uma divida de honra e de justiça. Por tanto voto que se conserve a palavra, mas ha de ficar para ambos devedores, tanto contra o Estado, como contra os particulares, e isso não me sôa mal: não sei com que fundamento se quer dar um privilegio ao Thesouro quando elle é o devedor: d'ahi não lhe rezulta nenhum bem, e muito lhe vem pelo contrario de um acto de justiça, e proprio para manter, e augmentar o seu credito, fiquem portanto em igual paralello, e a haver differença antes seja favor dos particulares, que tem a generosidade de soccorrer o Governo, quando o vêem em apertadas circumstancias: estou certo que se assim passar a Lei o Governo se acreditará, porque se qualquer capitalista por seu patriotismo occorrer a alguma necessidade do serviço publico, ainda que o Ministro seja negligente em pagar-lhe, tem na Lei a certeza de que será embolsado. Daqui se vê que o Artigo é em beneficio da Fazenda; porque o Estado terá sempre quem o auxilie quando elle não tenha meios á sua dispozição, e tem sempre a certeza de que os capitalistas o poderão soccorrer sem risco, porque a sua divida tem uma garantia expressa na Lei, em virtude da qual o Tribunal de Contas exerce uma acção contra o devedor remisso em satisfazer uma divida de honra. Por tanto voto que se conserve a palavra = condemna =.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O illustre Senador que acaba de fallar, parece-me que algumas idéas confundio; porque, disse elle, que daria muito credito ao Estado se acaso, havendo um Ministro negligente, o Tribunal de Contas podesse mandar pagar a certos credores do Estado. Mas como, se o Tribunal não tem credito algum votado no Orçamento? Logo o procedimento do Tribunal não dava garantia nenhuma a esse credor; de nada lhe servia, porque o Ministro da Repartição podia não querer approva-lo, visto que elle é responsavel; por consequencia esta cautela era inutil. O illustre Senador figurou a hypothese de um General, precisando dinheiro para pagar aos soldados, que achava um capitalista generoso que lho emprestava; eu figuro-lhe outra para concluir o contrario do que elle conclue: supponha-se que estavamos na guerra da

Peninsula, sabia-se que os Francezes estavam proximos a invadir qualquer povoação, e não obstante, um fornecedor, com o fim de fazer uma divida ao Estado, enchia os armazens phantasticamente, para o empenhar em 30 contos de réis; pergunto, deveria garantir-se uma tal divida? Ninguem o affirmará. Sr. Presidente, as nossas Leis de Fazenda são muito restrictas para com os Empregados responsaveis: mas que, são elles tão ricos que possam emprestar capitaes ao Estado, e querem ser empregados? Para evitar este dolo de obrigar o Estado por dividas imaginadas, é que se prohibe em quasi todas as Nações da Europa que empregado algum seja credor á Fazenda, por senão suppôr que elles tenham fundos de que dispôr, e pelo perigo de individarem o Governo dolosamente. Por consequencia, estou persuadido de que o Artigo, da fórma que se acha, fica muito bem redigido, e segundo o systema das nossas Leis fiscaes, isto é, que o Estado nunca póde ser posto em divida por qualquer empregado: entre tanto como se tem estabelecido que o Tribunal faz tres declarações distinctas, ou dá o titulo de quite ao responsavel, ou o julga alcançado, ou por credor; quer-se estabelecer tambem que haja julgamento quando o responsavel seja credor: não me opponho, mas entendo ser necessario que esse julgamento não seja tido em mais do que uma declaração, e que o credor vá ao respectivo Ministro para este lhe pagar, porque o Tribunal, não póde mandar pagar quantia alguma por conta do Estado, nem para isso serviria de nada a sua declaração ao credor.

O Sr. Serpa Saraiva: - Sr. Presidente, eu acho tão justas as idéas do illustre Senador o Sr. Miranda, que não posso deixar de apoia-las em toda a sua extensão, e por ventura as poderei combinar com a explicação que acaba de dar o outro illustre Senador que me precedeu. As idéas de justiça, as idéas de reciprocidade, as idéas de credito e obrigação que tem as partes contractantes, ainda que seja o Estado com um particular devem prezidir em toda a sua extensão; nem eu sei que um empregado seja obrigado, e não o Estado, quando o contracto é bilatteral: do contrario é que tem rezultado o discredito do Governo, e escuso de repetir o mais que com tanta sabedoria a este respeito foi dito pelo Sr. Miranda. Disse-se tambem que isto seria fazer responder o Estado, sem que tivesse havido da parte do Ministro responsavel a declaração que era necessaria: embora a haja, isso é a de que se obriga, e póde dar ordem para o pagamento; mas o Tribunal depois que julga as contas ha de obrigar todo o cidadão a pagar ao Estado, ha de poder condemna-lo quando deve, e não ha de igualmente condemnar o Estado se elle fôr o devedor? Se o Estado der assim a Lei aos seus credores, quem poderá nunca confiar-se delle? Daqui nasce o descredito do Governo, e é uma das razões porque ninguem lhe empresta um vintem senão debaixo das maiores uzuras uma vez que faltam as garantias legaes. Por tanto declarando-se que o Ministro seja o responsavel, porque é a elle a quem as Camaras tem concedido esses meios, uma vez que haja uma ordem propria que marque essa divida, ahi está seu titulo e o Tribunal que julga desta obrigação, ha de condemnar o empregado, quando deve um, e não o Governo, quando dever; quando o Governo se tem servido do producto do trabalho, ou da fortuna dos particulares? A razão é igual.

O Sr. Miranda: O principio que sustentei subsiste ainda; o meu illustre collega combateu-o no modo da sua applicação, nas consequencias da palavra condemno; conheço que ha muita diversidade nos effeitos da condemnação, mas aqui é preciso toma-la no sentido lato e sem referencia ao effeito; por isso que esta referencia é estranha ao sentido da palavra. Segundo o Codigo Commercial condemna-se, por exemplo, um navio, e os effeitos dessa condemnação não são uma pena, mas uma declaração de innavegabilidade: estamos em caso analogo, a condemnação que se impõe ao Estado não é outra cousa senão a declaração da obrigação que elle tem da pagar; e as Côrtes, a quem é remettido o relatorio do Tribunal, declaram depois que o Governo pague: por tanto a condemnação não se entende no sentido do Codigo Criminal. O que disse o meu illustre amigo refere-se aos effeitos da condemnação, que certamente são muito differentes em relação ao Governo, e em relação ao particular. O Governo não póde ser citado pelo Poder Judicial para pagar uma divida, em quanto um Cidadão, effectivamente o é; a differença pois está no effeito da condemnação, e não na obrigação que provem da divida. Quanto á expressão não vejo incompatibilidade, nem a palavra me sôa mal, porque se o Governo fôr condemnado a pagar uma somma devida, as Côrtes é que lhe hão de votar os meios para isso necessarios; o Tribunal de Contas, independente do Poder Legislativo, no exercicio de suas funcções, declara a obrigação em que se acha o Estado de pagar ema divida ao seu credor; e não se julgue por isto, já que o meu illustre collega fez allusão a uma hypothese que eu tinha figurado, que um General se prevaleça desta circumstancia para fazer contas a que vulgarmente se dá o nome de gran Capitão... (O Sr. Barão de V. N. de Foscôa: - E o fornecedor?) O fornecedor está no mesmo caso, não póde haver receio algum a respeito delle, porque o Governo só é obrigado a fazer a despeza legal comprehendida nas relações dos Commandantes, e das Authoridades fiscaes, que acompanham o Exercito por parte da Thesouraria. Nisto não ha risco para a Fazenda; o que é de receiar é que se faça uma differença pouco favoravel ao credito do Governo, se em alguma circumstancia fosse necessario obter algum emprestimo para fazer um pagamento aos soldados com o fim de conservar a disciplina. Durante a guerra Peninsular, tive a honra de servir nas fileiras do Exercito, e tive occasião de testemunhar varios exemplos de capitalistas, que adiantavam dinheiro para pagar ás tropas. Eis-aqui porque eu julgo que se a Lei fizesse uma differença entre as dividas do Estado, e as dos particulares, as bolças dos capitalistas se não abririam tão facilmente para supprir as faltas do serviço publico.

Concluo convindo na differença dos effeitos da condemnação, mas insisto em que a obrigação seja a mesma, tanto para o Estado, como para os particulares; repetindo que a palavra condemna me não sôa mal neste caso, porque ella não significa mais do que a obrigação que o Governo tem de pagar a quem deve.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, tudo quanto os illustres Senadores tem dito, impugnando parte do Artigo, seria muito justo, se com effeito elle se referisse a todas as pessoas que fazem contractos com o Governo, que com elle tem transacções, e que num momento de necessidade lhe podem ser devedores ou credores; mas o Artigo refere-se unicamente aos responsaveis para com o Thesouro, quer dizer, aos empregados seus dependentes, que nunca podem ter para dispender senão o dinheiro que o Governo pozer á sua disposição; isto é que é exactamente a doutrina do Artigo. Ora já se vê que a questão diversifica alguma cousa do Sentido em que tem sido tomada, porque a ser como a tem encarado os illustres Senadores, é claro que não podia haver um direito para o Governo, e outro para os particulares, isto é, que fazendo o Governo um contracto qualquer, e podendo igualmente ser credor ou devedor, neste ultimo caso ha de pagar aquillo que ficar devendo a um individuo ou Companhia: mas, como disse, o Artigo não tracta disto: póde dar-se um caso muito extraordinario em que os agentes responsaveis pelo Thesouro façam esses avanços por conta do Governo, mas é de presumir que elles tenham o maior cuidado em que isso aconteça muito raras vezes, não só porque a maior parte dos empregados não tem dinheiro que adiantar, mas ainda que o tivessem se veriam depois em grandissimo embaraço para o receber, e até mesmo para não serem mal conceituados, porque se eu fosse Ministro, não conceituaria bem o empregado que adiantasse dinheiro ao Governo, porque a maior parte delles o não tem, e servem o Estado porque precisam: por conseguinte, eu não me opponho a que depois da palavra = fixar = se accrescente = e declarar = e digo isto, Sr. Presidente, debaixo do supposto de que aqui senão tracta das pessoas que têem contractos com a Governo, e que por differentes casos podem ser devedores, ou credores. E eu rogo ao illustre Senador que tenha em vista as consequencias funestas que podem resultar de se declarar que qualquer empregado responsavel póde ser credor ao Estado: porque o que faz, por exemplo, o Thesoureiro das tropas quando lhe vai ordem para pagar, e não tem dinheiro? Diz — não pago, porque não tenho dinheiro. Ha só um caso, que é o do fornecimento á tropa; porque esse ha de ser feito todos os dias ao soldado, e não admitte demora. Vê-se por tanto que a questão muda de figura; porque aqui tracta-se só dos

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responsaveis, e eu peço por isso aos illustres Senadores que façam esta distincção.

O Sr. Braamcamp: — Eu não quero nunca abafar as discussões; mas parece-me, Sr. Presidente, que a actual está nos termos de poder acabar-se, por isso que tem sido um pouco longa; esta a razão porque eu requeria que V. Ex.ª perguntasse á Camara se a materia está sufficientemente discutida (Apoiados).

Consultada a Camara julgou discutida, e seguidamente approvou o Artigo 11.º com o additamento do Sr. Pereira de Magalhães, e modificação indicada pelo Sr. L. J. Ribeiro.

Igualmente foi approvado sem discução outro additamento, proposto na antecedente Sessão pelo Sr. Pereira de Magalhães, e tendente a fazer processar perante os Tribunaes Ordinarios o falsario, ou concussionario, se no exame das contas se encontrar falsidade ou concussão. (V. Diario n.º 163, a pag. 1054, col. 2.ª)

Passou-se ao

Art. 12.° O Tribunal póde proceder á revisão de qualquer conta que já tenha julgado, ou por pedido do responsavel, acompanhado de peças justificativas de engano que tenha havido, ou ex-officio, quando pela verificação de outras contas venha a conhecer que nella houve erro ou omissão.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Depois da palavra = ex-officio = deve accrescentar-se = ou a requisição do Procurador da Fazenda. = (Apoiado).

Approvou-se o Artigo com este addicionamento, e sem discussão.

Abriu-se o debate sobre o

Art. 13.º As resoluções do Tribunal serão cumpridas executivamente. Destas resoluções póde recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça qualquer individuo, que julgue ter para isso fundamento, provendo-se no recurso dentro de tres mezes contados da data da publicação do julgado, e sem prejuizo da execução.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu opponho-me á idéa de que o Tribunal de contas profira sentenças; que tenham effeito executivo, e entendo que esta era a idéa da mesma Commissão, porque lhe não chamou sentença, chamou-lhe resolução, e estas hão de ser cumpridas segundo o processo especial maçado por Lei para ellas: mas por isso mesmo que são resoluções, e não sentenças, não póde haver dellas recurso de revista. Se porem se vencer que ellas hajam de ser executadas como sentenças, não póde então ter logar o resto do Artigo da maneira que está redigido, porque dando-se a estas sentenças o effeito executivo, não tem logar da modo algum o marcar-se o prazo de tres mezes para as partes apresentaram provimento ao recurso, pois é impossivel que o mesmo nesse prazo seja decidido no Supremo Tribunal de Justiça; e é desnecessario o declarar-se que o recurso não suspende a execução, porque é isso o effeito ordinario das revistas, não suspendem o effeito das sentenças recorridas.

O orador concluiu mandado para a Mesa a seguinte:

Emenda.

As resoluções do Tribunal terão execução nos termos das Leis vigentes. - Vellez Caldeira.

O Sr. Ornellas: — Sr. Presidente, apesar de eu não ter assistido ao principio da discussão deste Projecto, todavia attrevi-me a pedir a palavra para dizer alguma cousa, porque supponho que a doutrina do paragrapho é contraria aos principios administrativos, e contraria á separação e independencia dos Poderes, por quanto dá recurso do Tribunal de Contas, que é um Tribunal administrativo e de fiscalisação de finanças, para um Tribunal que pertence ao Poder Judicial, como é o Tribunal Supremo de Justiça. Entretanto o principio da separação dos Poderes, é da Constituição, e talvez uma das bellezas maiores que tem os Governos Representativos. Parece-me, Sr. Presidente, que o illustre Author deste Projecto, assim como os illustres Membros da Commissão tiveram diante dos olhos as differentes Leis que organisaram o Tribunal de Contas em França: porém nas Leis Francezas existe realmente este recurso, mas dá-se para uma Secção do Conselho d'Estado, Corporação que naquelle Paiz é a ultima na escala administrativa; nós não o temos, mas nem por isso devemos baralhar o Poder Judiciario com o Poder Administrativo. Lembrei-me por isso de fazer uma substituição que submetto á consideração da Camara, e se V. Ex.ª me dá licença eu remetto para a Mesa a seguinte:

«As resoluções do Tribunal serão cumpridas executivamente; e dellas poderá qualquer individuo, que se julgar lesado, recorrer para uma Commissão de Fazenda, que para esse fim se deverá sortear d'entre os Membros das Commissões de Fazenda das Côrtes. Estes recursos poderão ser de Revista, interpondo-se dentro de tres mezes contados da publicação do Julgado, e sem prejuizo da execução. Sala do Senado, 22 de Junho de 1839. — Daniel d' Ornellas Vasconcellos.

O Tribunal de Contas em França tem 104 Empregados, porém o nosso vai ter 6, segundo o Projecto em discussão; quando se concede a revista manda-se revêr o processo, e a pratica dos Francezes, assim como a nossa, é neste caso, que o processo não seja revisto pelos mesmos homens que o julgaram a primeira vez, mas sim por outros, e a razão é evidente: como quem pede a revista se queixa, julga-se que haverá um pequeno resentimento da parte dos individuos que deram a primeira sentença, e que ella deve ser examinada por outrem. Mas como ha de ser se entre nós o Tribunal só tem seis Membros, que é apenas uma Camara ou Secção? Era preciso que houvesse mais Membros para conhecer da essencia do julgado. Não sendo o Tribunal soberano nas suas resoluções, como esta Camara não tem querido que elle seja, o que julga em superior instancia, vem a ser o Supremo Tribunal; mas sendo este o de Justiça iremos misturar attribuições heterogeneas, e cahiremos nos abusos, que se notavam em algum tempo, por exemplo no Desembargo do Paço, que de tudo conhecia. Estou bem certo que os nobres Senadores, que são Membros do Supremo Tribunal de Justiça, estão bem longe de querer similhante confuzão, mas tracto de a prevenir na substituição, porque assim me parece necessario que vá consignado na Lei.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — As Leis de Fazenda, e o modo do processo ficam em pé da mesma maneira; porque pelo Artigo não se altera nada a este respeito. Pelo que pertence porém ao recurso direi, que o Sr. Vellez Caldeira se enganou no juizo que formou; porque os tres mezes é só para a parte aggravada interpôr o seu recurso dentro delles. Agora direi que as reflexões do Sr. Ornellas são realmente muito justas, fundadas sobre os principios de administração; porém entre nós não ha Conselho d'Estado, e devendo dar-se ás partes todas as garantias, é por isso necessario dar-lhe recurso perante alguem; mas como não temos um Tribunal de maior consideração, do que o Supremo de Justiça, é para elle que deve dar-se esse recurso: e então é elle quem tomando conhecimento do recurso, achando que houve preterição de fórmulas, ou violação de Lei, dá a sua sentença. Sendo porém o fundo das idéas da substituição do Sr. Ornellas exactamente conforme á doutrina do Artigo, póde, ou approvar-se este, ou a substituição; é quasi a mesma cousa.

O Sr. Luiz José Ribeiro: — Eu não posso convir em que se adopte a doutrina consignada na substituição, porque (perdoe-me o seu illustre Author) ella é a meu vêr anti-constitucional; porquanto o Poder Administrativo é independente do Judiciario, e é indespensavel que essa independencia se mantenha, aliàs se transtornará a ordem publica. O illustre Senador desejando com as melhores intenções, dar todas as garantias possiveis (em cujos desejos a Commissão igualmente o acompanha) recorreu a um meio que lhe pareceu ser o melhor mas que realmente o não é: S. Ex.ª entendeu que dando-se o recurso para o Tribunal de Justiça havia invasão de Poderes; mas não acha que se dê essa invasão em uma Commissão do Corpo Legislativo, ao qual só compete fazer Leis, e não ingerir-se em um Julgado qualquer! Sr. Presidente, logo que o Corpo Legislativo se ingerisse em julgamentos, estava perdida a ordem, e destruida a independencia dos Poderes politicos; e nesse caso é que se dava a verdadeira invasão desses Poderes (Apoiados). Os mesmos embaraços que apontou o illustre Senador, achou tambem a Commissão; e ella viu bem que o recurso não devia ser dado para um Tribunal de Justiça, e sim para um Tribunal superior Administrativo, que temos, ou então para um Conselho: de Estado como em França, aonde exerce attribuições administrativas, mas que nós tambem não temos. Porém foi em attenção a esta falta de Instancia superior que a Commissão entendeu que o unico recurso que se podia tomar neste caso, era o dar-se essa incumbencia ao Supremo Tribunal de Justiça; o que eu acho ser melhor, do que dar-se esse recurso de appellação para uma Commissão da Camara dos Srs. Deputados.

O Sr. Pereira de Magalhães: — É este, Sr. Presidente, o Artigo do Projecto que maiores difficuldades offerece; e a primeira dellas (mas que já está desvanecida) é que qualidade de recurso se deve interpôr das decisões do Tribunal, porque não o declarando o Projecto poder-se-ía entender o recurso ordinario de appellação, ou extraordinario de revista; mas como já o illustre relator da Commissão declarou que se entendia ser o recurso de revista, cessa a duvida que poderia offerecer a doutrina do Artigo tal como está redigido; sendo com tu* do de absoluta necessidade que isto se declare no Artigo, e nesta supposição direi alguma cousa.

O Tribunal de Contas (admittindo-se que só compete o recurso de revista das suas decisões) decide em primeira, e ultima instancia das contas prestadas pelos responsaveis, porque o Supremo Tribunal de Justiça não é instancia, não conhece do fundo da questão, e o recurso da revista que para elle se interpõe dá-se sómente em duas circumstancias, ou por se haver transgredido a Lei, ou por se não terem guardado as fórmulas. Se o Supremo Tribunal de Justiça dá provimento ao recurso, volta o processo para se dar cumprimento á Lei transgredida, ou para se observarem essas fórmulas que foram preteridas; mas o Artigo não declara para onde ha de voltar o processo; não póde voltar ao mesmo -Tribunal, porque os membros são só seis, e é preciso outra Secção para dar cumprimento á decisão do Tribunal superior; porque hão de cumpri-la aquelles de quem se recorreu. O Illustre Senador, o Sr. Ornellas propõe que se tire esta Secção das Commissões de Fazenda das Côrtes; eu acho que não convém adoptar esta emenda porque tem inconvenientes que por obvios não enumero, e será melhor que volte ao Tribunal, e que se forme esta Secção dos Substitutos; parece-me que não ha outro meio (Apoiado). Agora, diz o Artigo que o recurso seja interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. Sobre isto farei algumas ponderações: que ha de haver um recurso de revista, nisso não póde haver duvida nenhuma, porque na minha opinião n'um paiz bem constituido não deve haver nenhum Tribunal, nenhuma Authoridade, de cujas decisões, quando offendam direitos, ou interesses particulares, não haja recurso, e a falta de recurso de decisões de muitas Authoridades, é entre nós a causa de males muito transcendentes; porque entre nós ha muita authoridade perfeitamente soberana {Apoiado); podem offender direitos, podem offender as Leia, e fazer quantas arbitrariedades quizerem sem receio; por tanto das decisões, do Tribunal de Contas deve haver o recurso de revista; sou de opinião que elle deve decidirem primeira, e ultima instancia, quanto ás Contas, cabendo de suas decisões sómente o recurso de revista. Postos estes principios como certos, vamos ao Tribunal de Justiça, é verdade, que aqui vão-se confundir os dous Poderes, Administrativo e Judiciario, o que é contra os principios; mas nós não ternos outro remedio senão admittir provisoriamente este recurso para aquelle Tribunal: sei que ha muita gente que não é de opinião de que haja um Supremo Tribunal de Administração Publica, ao qual deve pertencer o conhecimento deste recurso; mas tambem ha outra muita gente que julga a sua existencia essencialmente necessaria ao bom regimen do paiz, e quando se tractar desta questão, então veremos quem tem razão; agora não devemos deixar sem recurso as decisões do Tribunal de Contas, nem tambem prejudicar a questão da fundação e creação do Tribunal Supremo Administrativo; e por isso voto que o recurso vá provisoriamente para o Tribunal de Justiça. Por tanto tem de se admittir neste Artigo tres emendas; primeiro de se declarar, que o recurso é de revista; segunda, que no caso de haver provimento no recurso, deve o processo voltar ao Tribunal de Contas, aonde os Substitutos devem formar uma Secção para cumprirem a decisão do Supremo Tribunal; e a terceira, é que o recurso se deve interpôr provisoriamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Deste modo não se privam de recurso as partes que forem lesadas; nem se prejudica a questão da creação do Supremo Tribunal Administrativo.

Agora, em quanto ás disposições do Tribunal serem cumpridas executivamente, eu apoio: porque, se o Tribunal condemna é responsa-

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vel, esta decisão é apresentada pelo Ministerio Publico ao Poder Judicial para executa-la; e no caso que declare credor do Estado o responsavel, o Poder Judiciario não póde ir executar o Estado, o effeito de declaração do Tribunal, é determinar que elle é credor por tal quantia, e o Ministerio da Fazenda deve pedir ás Côrtes o credito para pagar: isto é necessario declarar-se muito bem, porque este credor não vai fazer penhorar o Estado, nem o Poder Judiciario tem esse poder; todos os rendimentos do Estado devem estar pelo Poder Legislativo applicados para certos e determinados serviços, e nenhum Poder os póde desviar da sua applicação, o que aconteceria se o Poder Judiciario os penhorasse. Por tanto approvo a primeira parte do Artigo, declarando-se que o recurso é de revista; que pertence ao Tribunal de Justiça provisoriamente e interpondo-o dentro de tres mezes, mas sobre o tempo não questiono; mandarei estas emendas para a Mesa.

O Sr. Ornellas: — Sobre a emenda, que tive a honra de submetter ao Senado, vejo que já o meu illustre amigo, o Sr. Magalhães, convém em duas cousas, as quaes são; 1.º que no caso de se conceder revista, não possam os mesmos que já julgaram as Contas, julga-las de novo; e 2.º que o recurso de que falla o Artigo se entenda de revista, e não recurso ordinario.

Agora em quanto ao que diz o illustre Senador o Sr. Luiz José Ribeiro, de que a minha emenda contem materia anti-constitucional, acho que elle não tinha fundamento para tal affirmar. Esta Lei é calculada sobre a Legislação Franceza; e alguma cousa houve em que os membros da Commissão se desviaram della, e tal é a doutrina deste Artigo, pelo que eu aqui vejo, em quanto manda interpôr recurso de revista perante um Tribunal mui differente do Conselho d'Estado, que nós aliàs não temos: mas sendo a primeira regra deste nosso Tribunal proveniente da nomeação da Camara dos Deputados, como já foi vencido no principio desta Lei; julgo eu que uma Commissão tirada das Côrtes poderia bem ser competente para conhecer do recurso de revista, sem por isso se offender a Constituição. Além disto a mesma cousa occorre na Belgica, O illustre Senador, o Sr. Braamcamp, teve a bondade de me mostrar a Lei que alli regula, e della vejo que lá diz isto mesmo; e então concluo que a minha emenda não é tão anti-constitucional, como diz o Sr. Luiz José Ribeiro, pois imagino que não estamos muito mais adiantados do que os Belgas, em principios constitucionaes. Agora em quanto á maneira de substituir o Conselho d'Estado, eu sempre estou na minha primeira opinião; por quanto dar recurso de um Tribunal Administrativo para um Tribunal Judicial, acho eu que é máo; e porque sendo o Supremo Tribunal de Justiça o ultimo annel da cadêa Judiciaria, não vejo que seja proprio recorrer para elle. Como porém entre nós não ha Conselho d'Estado, parece-me que essa falta se poderia bem supprir, formando-se uma Commissão composta dos membros que nas duas Camaras constituem as Commissões de Fazenda. Resta-me dizer, que eu bem vejo qual fosse o motivo porque os illustres membros da Commissão não designaram aqui, que o processo da revista fosse julgado por outros membros novos; e foi porque o nosso Tribunal de Contas é só composto de seis membros; mas a tal respeito a emenda do Sr. Magalhães satisfaz-me; quanto ao mais presisto na minha opinião.

O Sr. Miranda: — Este Artigo é o nó gordio do Projecto, nem sei como poderemos sahir desta dificuldade. Não acho muito em armonia com o Systema Representativo, e muito menos com a Constituição actual, que uma parte do Poder Judiciario possa julgar uma questão de Fazenda, porque assim vai pôr-se em colisão com o executivo; entretanto não resta outro arbitrio. O Artigo pelo modo porque estava concebido, parecia-me, deixava todo o recurso ao Tribunal Supremo de Justiça; mas um illustre membro da Commissão já desvaneceu em parte esta dúvida, declarando que aquelle Tribunal só póde julgar segundo as suas attribuições, isto é, se ha de ou não haver um segundo julgamento; por não se haver comprido a Lei, ou porque não se observaram as fórmas legaes. A difficuldade não está todavia resolvida: o Tribunal Supremo de Justiça declara se tem ou não logar a revista; mas, concedida a revista, qual é o Juizo em que ha de a Causa ser julgada? Esta é a questão. Eu adoptaria a idéa de que fosse julgada, pelo Poder Judiciario; e então seria de voto que fosse a Relação do Districto respectivo, e não o Tribunal de Contas. Se assim se declarar, eu approvo o Artigo, e se por este modo se achasse declarado no Artigo, eu não teria dúvida alguma em approva-lo.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Aqui não se quiz alterar nada na Legislação; sómente, e (visto que não tinhamos um Tribunal competente que podesse julgar estas causas) se mandam ao Supremo Tribunal em casa de revista; e neste caso o que faz elle? Manda-as para a Relação de Lisboa, ou do Porto, se o Empregado e do Porto. Neste Artigo não se quiz fazer alteração alguma na Legislação existente por não parecer necessario.

O Sr. Miranda: — Eu só tenho a dizer que se achasse esta idéa aqui consignada, eu não diria nada mais; mas entendo que é necessario redigir-se o Artigo com clareza, porque o Artigo diz (leu). Aqui não se declara aonde as Causas hão de ser julgadas em segunda Instancia por recurso, nem se declara se hão de ser ou não julgadas as causas em uma segunda instancia; se essa é a mente da Commissão e indispensavel que assim se declare. Com esta declaração sem a menor hesitação adoptarei o Artigo.

O Sr. Vellez Caldeira: — Vejo agora que as idéas da Commissão no final do artigo, foi seguir os termos legaes, não reparei, que os meus amigos se tinham servido de um termo Francez = se pourvoir en cassation = Mas esta doutrina do recurso, como está no Artigo, ou não é essencial, ou ataca a doutrina vigente. Diz o Sr. Relator da Commissão que se não quiz alterar a Legislação; se isto é assim, não é necessario o Artigo, porque até aqui sempre se processaram, e julgaram contas, e depois se punham em execução; se esta é a idéa da Commissão peço que se consigne como tal. Depois de julgada uma conta, na Repartição de Contas, era relaxada ao Poder Judicial, citada a parte para pagar dentro em cinco dias, e não pagando penhorava-se; e a parte depois tinha os recursos marcados nas Leis; por tanto se estas decisões do Tribunal de Contas hão de ter a mesma execução das antigas Repartições de Contas, então não ha necessidade de lhe marcar o recurso de revista, porque depois de proferida a sentença na primeira Instancia podem as partes della appellar, e se considerarem que na segunda instancia houve nullidade, podem ainda recorrer em revista; e se o Supremo Tribunal julgar que houve nullidade quanto ao julgamento da conta póde annullar até essa mesma conta, e mandar que seja outra vez remettida ao Tribunal para fazer a conta de novo como a Lei lhe manda; e então não é necessario o Artigo; basta que se digas = as resoluções do Tribunal de Contas serão executadas como até aqui segundo a Legislação existente.

O Sr. L. J. Ribeiro: — As discussões servem unicamente para esclarecer os negocios, e tirar dellas o melhor proveito possivel. A Commissão de Fazenda, que tem dado exuberantes provas da sua docilidade para receber e adoptar todas as modificações propostas pelos illustres Senadores, quando ellas parecem preferíveis ás idéas da Commissão; depois do que ultimamente acabou de expender o Sr. Vellez Caldeira, não iria fóra de que o Artigo 13.º ficasse unicamente nestes termos {leu e proseguiu): A Legislação actual tem estabelecido todos os meios, e os recursos lá se seguirão pelo modo que foi dito pelo mesmo illustre Senador. Mas no caso em que a Camara não convenha nisso, então o Artigo virá a ficar redigido desta fórma (leu).

Quanto ao Tribunal que ha de revêr o julgado, no caso de que o Supremo Tribunal de Justiça encontre nelle infracção de Lai, ou preterição de formula, unicos casos em que a revista se póde conceder, parece-me a mim que será mais conveniente que o formem os Supplentes do Tribunal de Contas, que se reunirão em Secção separada para este fim sómente, isto é, para reverem a permittiva sentença do Tribunal. Não posso deixar de aproveitar esta occasião para dizer ao illustre Senador o Sr. Ornellas, referindo-me á parte do seu discurso, em que elle julgou não haver fundamento para se dizer que a doutrina do final da sua substituição era anti-constuticional, que eu quando assim fallei só tinha em vista a Constituição Portugueza, porque entendo que não podemos referir-nos a outra, quando legislamos; com referencia pois a ella, sustento ainda que parte da substituição contém doutrina anti-constitucional. A Commissão tambem não ignora o que a este respeito se acha adoptado na Belgica; mas não se segue que porque uma cousa se acha estabelecida n'um paiz se deva d'ahi transplantar para Portugal, sem exame e reflexão. Eu considero como muito perigoso e anti-constitucional (tracto de contas e não de pessoas) estabelecer em principio que no seio do Corpo Legislativo, ou seja na Camara dos Deputados ou na dos Senadores, se possam erigir Commissões para julgar, seja em que sentido fôr (Apoiados); essa idéa para mim é horrorosa, e eu hei de votar sempre contra isso, ainda que estou persuadido que tal proposta foi feita com as melhores intenções; porém o Corpo Legislativo é unicamente para fazer Leis, salvos os casos em que a Constituição determina que á Camara dos Deputados compete accusar, e á dos Senadores julgar certos funccionarios e individuos. Não podia deixar de dar esta resposta ao illustre Senador, que espero fará justiça ás minhas intenções, assim como eu de certo a faço ás suas.

O Sr. Leitão: — Levanto-me unicamente para dizer que estou prefeitamente conforme na substituição do Sr. Pereira de Magalhães, á excepção da palavra = provisoriamente = que voto se supprima. Eu tinha tencionado fallar sobre a substituição deste illustre Senador, para mostrar que se devia tirar a palavra = provisoriamente = mas posteriormente declarou elle que a retirava; e por tanto a Camara me dispensará de dar as razões em que me fundava.

O Sr. Ornellas: — A minha substituição continha tres especies; as duas principaes foram adoptadas pelo Sr. Pereira de Magalhães, o então como vejo o Senado propenso a que seja o Supremo Tribunal de Justiça quem conheça do recurso, retiro a minha proposta, porque a não julgo necessaria. Tambem voto pela conservação da palavra = provisoriamente. =

O Sr. Miranda: — Nesta questão ha tres proposições todas distinctas, que eu desejava se separassem na votação. Ouvi aqui dizer que a causa depois de decidida no recurso havia de ser julgada na Relação, mas outros illustres Senadores querem que o seja em uma Secção formada dos Supplentes do Tribunal de Contas; este ultimo arbitrio acho eu impraticavel, porque os Supplentes do Tribunal não podem ter outro destino senão substituir os membros effectivos, e por tanto eu hei de votar porque o julgado, depois da revista, seja na Relação.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Para minha parte não insistirei fortemente em nenhuma das idéas que apresentei, porque não acho grande inconveniente em que o Artigo fique com esta primeira parte, porque, a fallar a verdade, vem-se a conseguir deste modo os mesmos effeitos sem promover grandes questões. No caso que o Artigo se não vença como está, parece-me que poderia passar salvos os dous additamentos do Sr. Pereira de Magalhães, que são muito rasoaveis, e que tem por fim declarar que o recurso é de revista, e que terá logar provisoriamente até a existencia do Tribunal Administrativo; quanto ao outro ponto, isto é, se ha de ser a Relação, ou a Secção dos Supplentes do Tribunal de Contas quem julgue o feito depois de concedida a revista, eu dou a preferencia a este ultimo arbitrio, e não cançarei a Camara, repetindo as razões por que hei de votar segundo esta opinião.

O Sr. Serpa Saraiva: — Fui prevenido, e por isso pouco me resta a dizer. O Tribunal de Contas julga as dos responsaveis do Estado, mas quando algum destes se repute lesado pelo juizo do Tribunal, o negocio deverá ir ao Poder Judicial; porque é proprio delle; e então não acho incoherencia que ahi se sigam os devidos termos, e que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça tenha os mesmos effeitos neste caso, que ordinariamente tem todas as suas decisões; como é mister que seja, visto que cessaram as attribuições do Tribunal recorrido: por tanto approvando a doutrina do Artigo; fazem-me escrupulo as ultimas palavras delle, que proporia fossem eliminadas, como deveria ter a sua doutrina de todo a qualquer processo em similhantes termos. Conceder um recurso de uma sentença, e ao mesmo tempo tirar logo ás partes a faculdade de se aproveitarem delle, parece-me sempre injusto. Que é dar um recurso? É verdadeiramente suspender a execução de uma sentença até que um outro Tribunal decida da sua justiça ou injustiça: mas no caso de que tractamos, não se suspendendo a execução quando chega a declarar-se a injustiça da sentença acha-se esta já executada; e o re-

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corrente esbulhado de sua propriedade, ou seus bens todos arrematados, e por ventura em termos de lhe não aproveitar a reparação do aggravo que lhe foi feito, na revogação da injusta sentença. Por consequencia parece-me que deve assignar-se um termo determinado, e rasoavel para a decisão, mas que se eliminem as palavras = sem prejuizo da execução = com que conclue o Artigo.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Não póde haver questão sobre se o recurso ha de ser para o Supremo Tribunal de Justiça, porque não ha outro que delle possa tomar conhecimento; agora quanto a conservar ou eliminar o adverbio = provisoriamente = é indifferente, porque quando venha a crear-se o Conselho d'Estado ou o Supremo Tribunal Administrativo, se a Lei attribuir a algum delles o conhecer destes recursos é evidente que aquella palavra não prejudicará esta disposição. A questão é se depois de concedida a revista a causa ha de ser julgada n'uma Relação ou pelos Substitutos do Tribunal de Contas: á Commissão não occorreu esta ultima idéa, e então é claro que se devia seguir o que dispõe a Legislação vigente ácerca de revistas, mas agora que por este modo ha um Tribunal que póde pronunciar sobre o Feito depois do recurso concedido, não admitto as idéas do Sr. Vellez Caldeira. Concluo que a Commissão adopta o arbitrio indicado pelo Sr. Pereira de Magalhães.

O Sr. Vellez Caldeira: — A questão é se deve existir todo o resto do Artigo, ou se é inutil todo elle menos a sua primeira disposição. O Tribunal Supremo de Justiça, quando lá subir alguma destas causas, não ha de julgar a conta nem de um modo nem de outro, porque aqui não ha embargos, como pareceu talvez a algum dos illustres Senadores; repito que além da primeira parte, o Artigo não é necessario, porque as Causas de fazenda tem um modo de processar particular, e julgada a conta pelo Tribunal e devolvida ao Poder Judiciario lá tem o seu seguimento marcado na Lei da Reforma Judiciaria. A principal questão é se deve em tudo seguir-se a Legislação actual para estes casos, ou o que a Commissão propõe de novo; e por tanto a primeira cousa a decidir é a emenda do Artigo tal qual eu a apresentei.

O Sr. Serpa Saraiva: — Eu propunha se pozesse a votos, em ultimo logar, a eliminação das palavras = sem prejuizo da execução. =

O Sr. Vellez Caldeira: — Isso é que não póde ser, porque é contrario ás Leis vigentes, e mesmo a todas as idéas sobre revistas, cuja interposição não póde ter effeito suspensivo. Eu oppunha-me á idéa de revista, como aqui está, mas agora que esta idéa parece será vencida, considero que é necessario que se conservem as palavras finaes do Artigo, não só porque a natureza geral das revistas, é não suspender a execução do julgado, mas porque de contrario se seguiria grave prejuizo á Fazenda Publica. Votando assim mostro a lealdade com que entro nas questões.

Havendo-se julgado o Artigo discutido, conveio a Camara em que o Sr. Ornellas retirasse a sua substituição.

O Sr. Presidente pôz á votação a emenda do Sr. Vellez Caldeira, e ficou rejeitada.

Votado o Artigo, approvou-se sómente até ás palavras = executivamente. = Em logar do resto delle, approvaram-se a 1.ª e 2.ª parte da substituição do Sr. Pereira de Magalhães, a saber = que o recurso é de revista =, e que deve interpôr-se para o Supremo Tribunal de Justiça. Indo o Sr. Presidente a propôr a 3.ª parte da mesma substituição, isto é, = que para cumprir a decisão do recurso, os Supplentes do Tribunal formarão uma Secção = disse

O Sr. Miranda: — Eu julgo esta decisão da maior importancia, por isso pediria que ainda fosse concedida a palavra aos Senadores que sobre a materia quizessem dizer alguma cousa (Apoiado).

O Sr. Pereira de Magalhães: — Se se admittir a emenda que, concedida a revista, o processo volte ás Relações para dar cumprimento á Lei, está inteiramente destruido o Projecto do Tribunal de Contas. Como é que os Juizes das Relações hão de julgar de contas? Tal nunca se vio: era mais facil augmentar o numero dos membros do Tribunal, ou mesmo dos empregados do Tribunal de Contas do que cometter similhante faculdade ás Relações. Uma Relação julga pelas Leis civis e criminaes, mas nunca póde julgar de causas que pertencem á Administração. Disse um illustre Senador que os Supplentes do Tribunal de Contas se tornam effectivos neste caso mas nem ha outro meio de sahir deste embaraço. O Senado decida o que quizer; mas permitta que eu lhe diga que este principio é inteiramente destruidor do Tribunal. Em consequencia insisto em que são os Supplentes do Tribunal quem deve supprir neste caso a defficiencia de membros do Tribunal para formarem outra Secção; mas ir dar essa attribuição á Relação, é a maior das anomalias que póde dar-se, e que não é possivel admittir em administração, e até mesmo porque não sendo as Relações superiores em graduação ao Tribunal de Contas, não podem conhecer dos recursos que deste se interpozerem.

O Sr. Miranda: — Qual é a questão que ha de julgar o Tribunal? É uma questão de contas. E em uma questão de contas não póde haver Lei violada ou formulas preteridas? Certamente que póde: e então já se vê que uma Relação é muito competente para julgar estas questões. Dando-se porém esta faculdade aos substitutos do Tribunal de Contas, é necessario então que no Tribunal em logar de 6 haja 12 membros, e assim mesmo hão de ter muito que fazer; eu tenho para mim que as Relações no estado actual, são as que melhor podem julgar estas causas, e se nisto ha alguma anomalia, maior a haverá em se fazerem julgar no mesmo Tribunal aonde em primeira instancia foram julgados pelos membros delle, visto que então uma causa julgada em primeira instancia pelos seus membros teria de ser julgada pelos seus substitutos, o que seria contra todas as regras. Não acho razão nenhuma de conveniencia para se querer que sejam os substitutos do Tribunal de Contas aquelles a quem se dê tão importante attribuição, porque então, como já reflecti, tornar-se-hia necessario augmentar e muito o seu numero. Se porém se quizer augmentar, isso é uma questão á parte; sem embargo antes adoptaria o que já está directa e indirectamente estabelecido no Projecto.»

O Sr. Serpa Saraiva: Eu persuado-me que em quanto o Tribunal de Contas julga, e sobre as mesmas contas, ainda isso não é um contencioso entre as partes; porém quando ha o recurso, então já se dá o contencioso, e é este o momento em que deve passar para os Tribunaes judiciaes. Ora, não havendo no Tribunal de Contas outros membros, e havendo só os supplentes que se deve suppor ligados aos primeiros, está visto que não póde decidir-se a contenda com legalidade, ou ao menos com imparcialidade. Em consequencia digo que eu admitto inteiramente a idéa, de que quando se derem taes circumstancias, seja a questão remettida aquelles que julgam em casos similhantes, em quanto não houver entre nós um Tribunal proprio para isso.

O Sr. Leitão: — V. Ex.ª faz favor ce me dizer se se approvou a substituição do Sr. Pereira de Magalhães, sem a palavra = provisoriamente =?

O Sr. Presidente: — Sim Sr.

O Sr. Leitão: — Bem: porque a não estar ainda votado, desejaria sempre dizer, que ao Supremo Tribunal de Justiça, pela mesma natureza da sua instituição, deve pertencer ou conhecer em recurso de revista da legalidade de qualquer Sentença definitiva dos Tribunaes que julgam em ultima instancia; e que sejam quaes forem os Tribunaes, uma vez que se admitta recurso de revista, deve ser para o Supremo Tribunal de Justiça, porque assim o determina a Constituição; e por consequencia não se podia dizer que o recurso de revista só provisoriamente pertencia ao Supremo Tribunal de Justiça. Os Juizes deste Tribunal, não são Juizes do fundo da causa e do direito das partes, mas sim julgam as Sentenças dos outros Juizes. Porém deixando isto, direi que sómente me levantei para apoiar a emenda do Sr. Pereira de Magalhães; Sr. Presidente, nenhum Juiz, nem nenhum Tribunal, tem jurisdicção nem a póde ter, senão aquella que é expressa na Lei: e a Lei não lhe póde dar jurisdicção em contrario do que está decretado na Lei das Leis, que é a Constituição. A Constituição diz «que ao Tribunal de Contas pertence verificar e liquidar as contas da receita e despeza do Estado, e a de todos os responsaveis para com o Thesouro publico.» Para este fim está instituido este Tribunal com jurisdicção propria e privativa, a qual nenhuma Lei que nós agora fizessemos poderia dar a outros Tribunaes; porque não póde destruir o que esta determinado no § 1.º do Art. 135 da Constituição. Portanto concedida a revista deve a causa ser remettida a um Tribunal, que tenha jurisdicção para a julgar; e este só póde ser o mesmo Tribunal de Contas, porque não ha outro que tenha, ou possa ter tal jurisdicção; logo ha de a causa ser examinada no mesmo Tribunal, mas por outros Juizes quaes são os supplentes. Repito portanto, que o Supremo Tribunal de Justiça não julga as causas entre partes, e quando lá fôr o recurso o que elle tem a fazer, é o vêr se se offendeu ou infringiu alguma Lei expressa, ou se se faltou a alguma das formalidades; e achando que sim, ha de depois remetter, o processo a um Tribunal que julgue, mas nunca deve elle julgar das contas, e só póde dizer, = esta Sentença está nulla = e dizendo-o vai então a causa a outros Juizes para a julgarem. Sendo por conseguinte esta jurisdicção privativa, e dada pela Constituição, voto por isso pela ultima parte da substituição do Sr. Pereira de Magalhães.

O Sr. Miranda: — Apesar do muito respeito que tenho pelo meu illustre collega, não posso do entretanto concordar com a sua opinião, porque esta questão é uma questão Constitucional a que eu comprehendo muito bem. Peço ao illustre Senador que abra a Constituição, e nella verá que o Supremo Tribunal de Justiça, está debaixo do mesmo titulo em que estão as outras Repartições Judiciaes do Estado; e por isso, digo eu, que tanto pertence ao Poder Judicial o Supremo Tribunal de Justiça, como as Relações; é isto que se acha fundado na letra da Constituição, a qual diz assim: (leu). Não me parece por tanto muito legitimo e concludente o argumento do meu illustre collega.

O Sr. Vellez Caldeira: — Está vencido (e eu respeito muito os vencimentos) que haja recurso: mas a questão agora é, quem ha de julgar esse recurso de revista, se a Relação, ou o Tribunal de Contas? Quando o Supremo Tribunal de Justiça declara nullo um Processo, isto é, ou por preterição de solemnidades substanciaes, ou por falta de conformidade da Sentença com a Lei; no primeiro caso, tem que tornar-se a instaurar o Processo desde o ponto de donde parte a nullidade; e se foi por falta de conformidade com a Lei, deve ir a outro Tribunal differente daquelle que proferiu essa Sentença em que se offendeu a Lei: por consequencia, quando se der o caso de revista (na questão que actualmente discutimos) não póde ir á Relação, porque as Relações julgam conjunctamente dos factos; o que ellas neste caso não podem fazer, por não poderem julgar das contas, attribuição privativa do Tribunal de Contas, e que lhe é dada pela Constituição.

O Sr. Leitão: — Ha muitos annos que eu respeito como devo o Sr. Miranda, e por isso tenho toda a consideração pela sua pessoa, e não menos pelo seu talento; entretanto não posso agora deixar de dizer a S. Ex.ª que elle não entendeu o que eu disse, nem o tomou no verdadeiro sentido. S. Ex.ª avançou que eu tinha dito = qualquer decisão = mas permitta elle que eu lhe observe que não usei de tal expressão, e sim de Sentença de = qualquer Tribunal = o que muda muito de figura: nem toda a decisão é uma Sentença. Em segundo logar observarei a S. Ex.ª que eu não disse que o Supremo Tribunal de Justiça ía conhecer de contas, ao contrario, porque foi contra este principio que eu me pronunciei quando disse, que o Supremo Tribunal de Justiça só conhecia da falta de observancia da Lei, porque o Supremo Tribunal de Justiça não conhece nunca das questões entre partes: eu disse que o Tribunal não conhecia senão da contravenção de Lei: então como está o principio violado? Disse eu por ventura que o Supremo Tribunal havia dei verificar e liquidar as contas? Não senhor, nem julgar é decidir uma contestação entre partes. E da mesma fórma poderá a Relação conhecer e julgar de contas, quando a Constituição só o permitte a um Tribunal exclusivamente creado para este fim?

Eis aqui as razões porque me levantei para fazer esta explicação.

(Vozes: — Votos, votos). O Sr. Presidente pôz a votos a ultima parte da substituição do Sr. Pereira de Magalhães, e ficou approvada, salva a redacção.

O Sr. Vellez Caldeira: — É preciso que se declare tambem que o recurso póde ser proposto, tanto pela parte como pelo Procurador da Fazenda (Apoiados).

A Camara approvou que se fizesse esta declaração.

O seguinte

Art. 14.° Fica authorisado o Governo a fazer um Regimento para o Tribunal, e este o enviará á Camara dos Deputados na seguinte Sessão Ordinaria, acompanhado das suas refle-

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DIARIO DO GOVERNO.

xões, e depois de ser discutido e approvado pelas Côrtes, só por ellas póde ser alterados

Foi approvado em discussão; e assim ficou terminada a de todo o Projecto.

O Sr. Presidente deu para ordem do dia da Sessão de Terça feira (25 de Junho), a discussão do Projecto de Lei declaratorio das de 19 de Janeiro de 1827 e 20 de Fevereiro de 1835; a do outro sobre a continuação da precepção dos impostos e sua legal applicação; e a final, havendo tempo, a do Projecto de Regimento interno da Camara: fechou a Sessão, pelas cinco horas menos um quarto da tarde.

Errata: — No Diario N.° 163, Sessão de 21 de Junho, devem fazer as seguintes.

A pag. 1050, col. 3.ª, lin. 20 (Discurso do Sr. Vellez Caldeira), onde se lê = Segundo este = deve lêr-se = Segundo está.

A pag. 1051, col. 3.ª, lin, 59 (Discurso do mesmo), onde se lê = porque trás comsigo a precisão do facto, = lêa-se porque trás comsigo a apreciação do facto.

Na mesma pag. col. 1.ª, lin. 41 (Discurso do mesmo), onde se lê = delegação ao Poder Executivo = deve lêr-se = delegação do Poder Executivo.

A pag. 1053, col. 1.ª, linha 82 (Discurso do Sr. Serpa Saraiva), onde se lê = Senão admittissemos = lêa-se = Se nós admittissemos.

Na mesma pag. e col. lin. 88 (Discurso do mesmo), onde se lê = áquelles que apenas depõem = deve lêr-se = áquellas que apenas dispõem.

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