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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 9 de Julho de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

ABERTA a Sessão, tres quartos depois da uma hora da tarde, verificou-se a presença de 45 Srs. Senadores.

Lida a Acta da antecedente ficou approvada. O Sr. Secretario Machado annunciou que o Sr. Aguilar participava não podér comparecer por se achar incommodado.

O Sr. General Osorio: — Hontem não pude concorrer á Sessão por me achar doente; communiquei isto mesmo a um nosso illustre Collega, que não sei se se esqueceu de o fazer saber á Camara.

O Sr. Bergara: — É verdade que me esqueceu de communicar á Camara a recommendação do Sr. General Osorio; dou uma satisfação ao meu illustre Collega, certo de que elle se persuadirá que não foi por falta de consideração que deixei de participar á Camara o seu incommodo.

(Entraram os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, e da Fazenda.)

O Sr. General Raivoso: — Tenho na mão uma Representação da Camara Municipal de Fales, minha patria, ácerca de foraes: mando-a para a Mesa a fim de se lhe dar o competente destino. (Depois de lida, proseguiu o Sr. Raivoso:) Essa Representação contém uma idéa nova, e a meu vêr luminosa, que diz respeito á Provincia do Minho. Alli todas as fazendas são morgados ou prasos, não ha lá fateosins nem allodiaes; estas fazendas que unidas renderiam algumas não mais de sete ou oito moios, conservavam-se na mesma familia por muitas gerações, e assim eram augmentadas successivamente pelo avô, pelo pai e pelo neto, que não tinham de fazer partilhas a ninguem: ora, segundo o Projecto de que se tractou na Camara dos Deputados todos estes bens ficam com a natureza de fateosins, e por tanto hão de vir a ser divididos. Pede a Camara da minha patria que na Lei dos foraes se faça um additamento a qualquer de seus artigos, de modo que se declare que os bens de que ahi falla fiquem com a natureza de prasos que hoje tem: e se assim não fôr, a Lei vai dar occasião a um sem numero de demandas; e as fazendas vão a ser retalhadas de modo que ficarão quintaes em vez de fazendas encravados uns dentro dos outros.

O Sr. Presidente: — O Projecto sobre foraes ainda não está na Camara, por tanto póde a Representação ficar reservada para ir á mesma Commissão que tomar conhecimento do Projecto, quando elle aqui vier.

O Sr. Visconde de Beire: — Eu pedia que essa Representação fosse mandada para a Secretaria, a fim de ser consultada por quem quizer; e depois, quando a Lei vier, será remettida á Commissão competente.

Resolveu-se que a Representação fosse depositada na Secretaria.

Passando-se á Ordem do dia, proseguiu a discussão do Projecto de Lei remettido da Camara dos Deputados sobre a concessão de meios ao Governo. (V. Diario N.º 224, a pag. 1401, col. 3.ª)

Approvou-se sem debate algum o seguinte:

§. unico (do Artigo 2.º) Fica livre ao Governo escolher qualquer dos meios designados neste Artigo, ou usar promiscuamente de ambos até realisar a somma declarada, conforme achar mais conveniente para os interesses da Fazenda.

Leu-se depois o

Art. 3.º No caso da missão de bilhetes de que tracta o Artigo 2.º, o Governo pagará com elles as obrigações do Thesouro, com lauto que sejam distribuidos por todos os Empregados, e Credores do Estado em proporção de seus creditos, e que não excedam a terça parte do que a cada um pertencer.

E teve a palavra

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, visto que esta Camara fez o grande sacrificio de approvar o Artigo 2.° do Projecto que está em discussão, desejaria eu, que dos meios que delle hão de resultar se tirasse a maior somma de vantagens possiveis; e que aquellas pessoas a quem hão de aproveitar possam contar com a certeza dos seus pagamentos em dinheiro: e então proporia eu a suppressão do Artigo 3.°: (leu). Supposto que os Srs. Ministros da Corôa tenham dito por muitos vezes (e eu o acredito) que façam desses bilhetes o menor uso que fôr possivel; elles não nos podem dar a certeza da estarem sempre no Ministerio, e mesmo no caso de continuarem, podem occorrer circumstancias taes que os obriguem a pagar os Soldos, e Ordenados com esses bilhetes. Se o Artigo passar aquelles funccionarios que se virem obrigados a rebater os seus vencimentos hão de achar nisso grande difficuldade, ou soffrer maior perjuizo no seu desconto; e como com a suppressão do Artigo senão prejudica de modo algum os meios postos á disposição do Governo, estimaria eu que o Artigo não passasse. Mando para a Mesa a minha proposta, a qual a Camara tomará na consideração que lhe parecer: = Proponho a suppressão do Artigo 3.º, e do paragrapho unico. = Elimino tambem o paragrapho unico, porque elle contém uma excepção.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Sr. Presidente, não é possivel poder omittir-se este paragrapho, não só porque os Srs. Ministros declararam que elles não fariam uso deste meio, mas até porque está evidente que elles o não farão porque lhes não convem. Devemos presumir que o Governo nunca usaria destes bilhetes; mas muito positivamente se fez esta differença, para que senão posesse o Governo dependente de outra operação; sabendo-se que o Governo não tinha outro meio senão a operação mixta, poderão os Capitalistas aproveitar-se disto e offerecer muito pequenas vantagens; e só neste ultimo caso é que o Governo poderá emittir estes bilhetes, e por isso é necessario que subsista o Artigo para o Governo ficar habilitado. Mesmo assim com o Artigo os Empregados não poderão receber mais de que a terça parte em bilhetes; de maneira

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que o Sr. Luiz José Ribeiro, querendo fazer um bem aos mesmos Empregados vai prejudica-los: achando-se o Governo obrigado a emittir estes bilhetes está visto que officio de os pôr em circulação é da-los em pagamento; e por tanto é melhor que as mãos dos Srs. Ministros fiquem ligadas para não dar mais que a terça parte.

O Sr. L. J. Ribeiro: — O unico fim que eu desejo obter é que aos estipendiarios do Estado se não possa pagar com bilhetes; desejo que se lhe pague com dinheiro effectivo. Depois de um sacrificio tão grande e extraordinario, deve procurar-se algum meio de conseguir isto: ou seja pela suppressão do Artigo, ou por qualquer outra fórma consignando-se de maneira que assim se entenda; e no caso de se não querer convir na suppressão do Artigo, que seria o melhor, então insisto em que se authorise o Governo a descontar os bilhetes por conta do Thesouro, de fórma que os Empregados não soffram mais esse novo prejuizo; e até para que se não venham a depreciar no mercado, porque todos sabem que quanto maior fôr o numero das pessoas a offerecê-los, maior será a sua depreciação. Eu já não espero conseguir cousa alguma boa desta malfadada discussão; digo o que entendo e me parece justo; a Camara porém decidirá o que tiver por mais acertado.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — O Governo tem tanto a peito como o illustre Senador, que acaba de fallar, que os empregados recebam effectivamente tudo aquillo que o Estado é obrigado a pagar-lhes; e comprehende muitissimo bem que não poderão receber tudo, se por ventura alguma parte lhe fôr paga que elles tenham de descontar: foi por isso que elle não fez mais do que acceitar ha outra Camara este segundo meio, que se lhe offereceu. Mas depois de acceito, e consignado no Projecto, não me parece tambem conveniente agora elimina-lo, não só pelas ponderosissimas razões que expôz o meu illustre amigo, o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; mas até mesmo porque dado o caso; que não é de esperar, de se não realisar a operação mixta, fica o Governo sem meio nenhum de poder effectuar os pagamentos, como agora acontece. Então nesse inesperado caso, seria sem duvida nenhuma, menos prejudicial aos credores do Estado receber em duas partes em metal, e uma em bilhetes, do que ficarem tanto tempo sem receberem cousa alguma. Por esta razão, e porque se se realisar a operação não haverá necessidade de pagar cousa nenhuma em bilhetes, entendo que tanto o Artigo como o paragrapho se deverão conservar.

O Sr. Barão do Tojal: — Sr. Presidente, eu reconheço que nenhum Governo deve pagar com uma moeda depreciada aos seus Empregados, e que os sacrificios devem ser todos soffridos pelo Governo, o qual deve pagar pontualmente a todos os seus serios; mas nós estamos em um caso especial: em Portugal, é necessario que o onus pese de alguma maneira sobre todos; por ora, em quanto não podermos conseguir saír do estado provisorio, cada qual deve tambem ír carregando com a cruz: quando eu creei o tal systema dos bilhetes admissiveis em todos os pagamentos nas Contadorias e suas Recebedorias, como moeda ao par, não obriguei nenhum Empregado a recebe-los; abri-lhe essa porta, ensinuei que o Governo não tinha com que lhe pagar por falta da cobrança dos decimas; consequencia da falta de Lei de lançamento: se elles quizessem o representante desse tributo, que eu lho cedia, e todos quizeram: e eu que igualmente queria fazer um ensaio de representar os rendimentos em quanto se não cobravam os impostos directos vencidos, emitti simplesmente uma somma, resumida em proporção da divida total ao Estado, isto é, a oitava parte, restringindo a operação a 500 contos de réis em bilhetes: vieram todos os credores e Empregados, e vi-me empenhado para emittir dobrada somma. Estes bilhetes, no principio, andaram a 5 por cento, e nunca passaram de 10 de rebate; e não teriam baixado senão tivesse sobrevindo uma época extraordinaria; então por alguns dias, não houve quem os quizesse por preço algum, mas logo passada essa causa elles recobraram consideravelmente o seu valôr; tanto, que um especulador em papeis do Estado me offereceu por 100 contos, oitenta, e cinco em metal, e eu recusei, fiel á resolução que tinha tomado de não estragar a operação no seu primeiro ensaio com uma emissão demasiada. O Sr. Ministro da Fazenda mui fielmente cumpriu as promessas que eu tinha feito resgatando o resto dos taes bilhetes do par no seu vencimento. Ora se a medida, á vista deste primeiro resultado, e em crizes tão desfavoraveis, foi bem adoptada, se os Bilhetes representarem todos os impostos, limitada á somma rigorosamente do que as Côrtes decretam, isto é de mil e quatrocentos contos, restringida esta emissão de mais a mais a duzentos contos por mez, com taes e tantas garantias, porque nós estamos em um Governo Representativo e responsavel, e um tal Governo não póde abusar, sabendo-se que a emissão não póde exceder a mil e quatrocentos contos na totalidade, os Bilhetes que tem por garantia todos os impostos vencidos e por vencer até serem amortisados, hão de ter credito forçosamente, e muita, concorrencia, ainda que os contribuintes não ganhem senão dous porcento, pagando com Bilhetes em logar de moeda, e póde tambem suppôr-se que a arrecadação ha de ser por este meio muito mais rapida e efficaz. Hoje não existem os mesmos receios da sorte da guerra civil como então; estava persuadido por tanto, que os Bilhetes assim garantidos, hão de passar com muito pequeno abatimento, e para o futuro gosarem de todo o credito, ministrando assim ao Governo promptos recursos, e eu sendo ainda credor ao Estado por grande parte dos meus ordenados como Ministro, acceito toda a divida completamente em taes Bilhetes. Um Estado que se acha empenhado em uma guerra nacional, estrangeira, ainda conserva o seu credito, mas logo que essa guerra degenere em guerra civil acabou-se o credito; eis aqui a razão porque desde 1828 para cá, o Governo, Portuguez não tem tido credito, causado pelas deploraveis e tristissimas discordias civis em que temos vivido; mas o nosso Paiz abunda em recursos, se os soubermos e quizermos aproveitar, muito superiores aos d'outros Paizes que todavia muito florecem (apoiados): por exemplo, eu vivi nos Estados Unidos muitos annos, e quaes são os seus recursos? Serão por ventura os mesmos que nós temos; vinho, azeite, fructas, sal, etc. além de todos os outros fructos que elles tem, podendo nós ter igualmente o algodão, assucar, tabaco nas nossas Provincias do Ultramar para supprir todas as Nações; de maneira que o que devemos fazer, segundo a fabula d'Esópo, é a fôrça a Hercules, pondo nós todos tambem os hombros ás rodas para tirar o carro do lamaçal (Apoiado). Por tanto, voltando á materia, os Empregados devem estimar isto porque quem tem perdido 40, e 50 por cento no rebate de suas Cedulas e recibos, póde sujeitar-se a 5 sobre o terço do seu ordenado, e é um beneficio para todos elles pela promptidão e regularidade com que se devem fazer-lhe os pagamentos; todos, estou certo se hão de sujeitar a este sacrificio temporario, em favor geral da Nação. Eu voto pelo Artigo.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, sendo dous os meios consignados no Projecto, pelos quaes o Governo fica habilitado a levantar até á quantia de 1:400 contos de réis é visivel que se se eliminasse o Artigo 3.° e o paragrapho que lhe respeita o Governo ficava, até certo ponto, inhabilitado. O Governo póde obter os 1:400 contos, ou por meio de uma emissão de bilhetes, ou por meio de uma operação mixta: se o Governo levantar todo, ou parte deste fundo por emissão de bilhetes, tendo na outra Camara sido altamente rejeitada a idéa de que esses bilhetes sejam negociaveis, é evidente que rejeitado o Artigo fica o Governo inhabilitado de emittir bilhetes, porque não sendo a idéa adoptada na Camara dos Deputados, debalde o Governo os emittiria, apenas poderia pagar com elles áquelles empregados que estão por pagar, e não poderia obrigar ninguem mais a acceita-los. O meu Collega já disse, eu repito que é da intenção do Governo fazer o uso mais moderado desta emissão, se por ventura vier a realizar-se a favor dos mesmos empregados; quero dizer, é da intenção do Governo nunca pagar aos empregados com bilhetes, a não se dar uma circumstancia extraordinaria que a isso o obrigue. E já por este lado o meu nobre amigo o Sr. Luiz José Ribeiro, convirá que sendo ainda extraordinarias as circumstancias em que se acha o Paiz, de um para outro momento se póde dar um caso tambem extraordinario em que o Governo se veja obrigado a pagar com bilhetes aos empregados publicos: nem se diga que nesta hypothese se faria violencia as credores do Estado, porque quando se paga com uma moeda que soffre algum rebate, é porque assim se recebe. Sr. Presidente, eu declaro muito francamente, como acabou de declarar o nobre Senador o Sr. Barão do Tojal, que se por ventura houvesse bilhetes e hoje se me quizesse pagar com elles uma terça parte, ou a totalidade dos ordenados que tenho vencido, eu de bom grado os receberia, e muitos outros empregados. Entretanto, como disse, o Governo deve fazer todos os exforços para pagar aos Empregados o que integralmente se lhes deve, porque não ha ninguem que não saiba que os ordenados em Portugal estão cerceados quanto póde ser; como o Governo não tem senão dous meios para levantar este fundo um delles ficaria sem effeito, se o Governo não tivesse a faculdade de poder pagar em bilhetes, por isto mesmo que na outra Camara, (como disse) se rejeitou a idéa de que os bilhetes seriam negociaveis como era da intenção do Governo, segundo a sua proposta primitiva. Em consequencia de tudo isto, sou de opinião, (e peço a esta Camara considere bem) que se não elimine o Artigo 3.°, nem o paragrapho relativo, porque effectivamente não sei, como fosse possivel pagar ferias e prets com bilhetes admissiveis no pagamento das decimas, e é visivel que as ferias e os prets, assim como as soldadas da marinhagem são pagas em pequenas quantias a cada um dos individuos, e que por tanto não seria possivel fazer-lhes uma distribuição pro rata por não haver bilhetes de tão pequenas quantias; não era possivel que o Governo negociasse o desconto; de taes bilhetes nem tambem (sem grave injustiça) que estes trabalhadores que apenas vencem um modico jornal, fossem obrigados a desconta-los, e por isso a soffrer um rebate.

Por todas estas razões entendo que o Artigo e o paragrapho devem passar na Lei, e até por outras razões que apontou o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, meu illustre amigo; se se eliminar o paragrapho 2.º deixa-se ao Governo a inteira faculdade de pagar com bilhetes na sua totalidade aos empregados, o que não seria um mal, porque o Governo não abusaria até esse ponto, mas é melhor que fique circumscripto do modo por que se acha no Projecto.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Quando eu fallei sobre o artigo em discussão creio que deixei vêr bem qual era o meu pensamento, e o meu fim; queria ao menos vêr se depois d'um sacrificio tão extraordinario seria possivel deixar aos empregados a certeza de que se lhes havia pagar em dinheiro effectivo o que houvessem de receber.

Tem-se allegado aqui de fórma que parece e não deve tocar nem n'uma virgula do que decidiu a Camara dos Srs. Deputados sobre este assumpto, porque lá não passará o Projecto com emendas, no caso de se lhe fazerem. Declaro alta e solemnemente que rejeito semelhante doutrina: os Srs. Deputados, no exercicio de suas funcções, são tão livres como nós, são tão independentes como os Senadores, e nada mais (Apoiados geraes, e repetidos). Se taes precedentes vigorassem seria melhor que os Senadores fôssem para suas casas (Apoiados).

Sr. Presidente, eu creio que os Senadores podem fazer as suas observações como entenderem; e se nós não havemos ter ao menos as nossas consciencias livres para dizermos o que entendermos, então escusada é a Camara dos Senadores. Eu estou persuadido de que os Srs. Ministros da Corôa hão de empenhar toda a boa diligencia para que a distribuição dos meios seja a mais justa possivel; mas tambem sei que quando as Leis não são bem claras não faltam pessoas que, a pretexto de zelo pelo bem publico, as entendam sempre a seu modo, que de ordinario é o mais prejudicial a quem dellas deveria tirar vantagem.

Disse o Sr. Barão do Tojal que, no tempo em que emittira bilhetes dessa mesma especie (quando Ministro), se via empenhado para emittir mais, e que todos queriam que se lhes pagasse com elles. A razão é bem clara, e nada difficil de explicar. Os bilhetes eram descontados por quem os recebia em pagamento, com o prejuizo de 30 ou 40 por cento; e como quem os recebia nenhuma certeza tinha de que se lhe pagasse com outra moeda, antes queria ter esse prejuizo do que perder tudo! O certo é que esses mesmos bilhetes, máos como eram, nem a todos chegaram, porque eu requisitei-os, e não os pude obter; e dahi vem o estarem-se me devendo 13 mezes de soldo, quando ha quem grite que estou pago em dia, o que é menos verdade. Esses bilhetes porém tiveram a fortuna de terminarem o seu curso nas mãos do meu illustre amigo o Sr. Ministro da Fazenda actual, que riligiosamente os mandou pagar no dia do

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seu vencimento, sendo a primeira vez que em Portugal acabou dignamente uma transacção de tal natureza. Se isto não fôsse, talvez que elles andassem ainda hoje por ahi; nem eu sei se está já acabado de pagai o dinheiro que se pediu emprestado para essa operação. Por tanto o que eu queria era uma segurança para os empregados publicos receberem em dinheiro effectivo os seus ordenados. Porém se houver a desgraça de passar o artigo nos termos em que está redigido (o que é muito natural), nesse caso a excepção é de absoluta necessidade, não porque o direito dos soldados e dos marinheiros seja differente do dos outros servidores do listado; mas porque a sua paga é tão mesquinha, que seria uma desgraça não lha fazer effectiva; e muito desejaria eu que se fizessem todos os sacrificios para se pôr o pagamento dos soldados e marinheiros em dia, porque eu não sei como os militares podem responder pela disciplina, dos corpos, quando ha bastantes quinzenas, que se lhe não paga. No caso que o artigo passe é de absoluta necessidade que se conserve o paragrapho: tenho manifestado bem claramente qual era a minha intenção; se me pagarem com os bilhetes tambem os recebo; mas nem todos tem as proporções que tem o Sr. Barão do Tojal, nem se podem medir as circumstancias dos empregados pelas dos capitalistas.

O Sr. Barão do Tojal: — Peço a palavra meramente para responder a uma asserção do Sr. Luiz José Ribeiro sobre a parcialidade, segundo S. Ex.ª diz, com que se tinham distribuido aquelles bilhetes. Não houve parcialidade nenhuma, não se poderam pagar senão áquellas classes que expontaneamente se propunham a recebe-los, e quem os queria acceitar ao par fazia as suas propostas, e com toda a igualdade se faziam esses pagamentos, e só houve uma circumstancia que talvez o Sr. Ministro do Reino (que está presente) poderá corroborar, lembrando-se de que uma occasião os fornecedores do Exercito, ás quatro horas da tarde, insistiram em que lhe fizesse um pagamento de duzentos contos de réis, e que se se lhe não fizesse mandariam por aquelle mesmo correio suspender o fornecimento: tinha eu unicamente um resto de cem contos de réis dos taes bilhetes, e com grande repugnancia cedi esses cem contos, para que elles não suspendessem o fornecimento; mas só o Corpo de Marinha é que tem razão de se queixar, porque já tinha annuido a recebe-los, e já se estavam preparando para elle. (O Sr. L. J. Ribeiro: — E eu que não recebi.) O Orador: — Foi porque os não pediu; e o meu amigo, e então collega, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, estará lembrado da repugnancia com que eu cedi, arrastado pela crise e força das circumstancias; quanto mais, eu nunca fiz pagamentos com parcialidade, salvo levado pelas circumstancias de maior ou menor apuro.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu não fiz a menor censura a S. Ex.ª o Sr. Barão do Tojal, que muito respeito: repeti um facto verdadeiro, que estou prompto a provar de modo que não deixe dúvida. Disse que na distribuição desses bilhetes não fui contemplado, nem os meus subordinados, apesar de fazer a requisição em tempo. Não sei quem fez essa distribuição; o que sei é, que, em quanto outras repartições receberam quatro mezes d'uma só vez, eu e os meus subordinados soffremos essa desigualdade, que ainda dura.

O Sr. Ministro da Fazenda: — (Sobre a ordem.) Sr. Presidente, eu creio que não fui bem entendido pelo illustre Senador, o Sr. Luiz José Ribeiro. Não era possivel, Sr. Presidente, que eu, nem como Deputado, nem como Ministro da Corôa, viesse negar a este Senado o direito que tem de introduzir nos Projectos de Lei que vem da outra Camara, quantas alterações e excepções quizer, porque esta Camara está tanto no seu direito, como a dos Deputados, em estatuir o que julgar conveniente ao bem do Estado; mas, Sr. Presidente, o que eu disse para instrucção da Camara era que não se podia eliminar o artigo 3.°, visto que na outra não tinha passado a faculdade de se negociarem os bilhetes. E porque disse eu isto? Porque não vi que nesta Camara, até agora, se quizesse estabelecer o principio, de que os bilhetes hão de ser negociaveis. Embora se elimine o artigo 3.° e o paragrapho; mas em quanto se não fixar nesta Lei a idéa de que effectivamente os bilhetes que o Governo emittir hão de ser negociaveis, digo que é de muita necessidade sustentar o artigo com os seus paragraphos. Agora se a Camara entende que os bilhetes devem ser negociaveis, póde fazer uma alteração no Projecto, para o que está tanto no seu direito como a outra Camara. Conclúo repetindo que não era possivel que eu, nem como Deputado, nem como Ministro da Corôa, viesse contestar á Camara um direito que lhe compete pela Constituição do Estado; tanto mais que, feita uma emenda nesse sentido, o Governo via passar a propria idéa emittida no seu primitivo Projecto.

O Sr.s Conde de Villa Real: — Completam-se hoje sete mezes, que eu com os meus illustres collegas concorremos á abertura da sessão; e é depois de tanto tempo que temos ainda que votar sobre uma Lei, que todos reconhecem como provisoria, por uma Lei de necessidade, por uma Lei de urgencia; e isto acontece quando se póde dizer que a maior parte das notabilidades constitucionaes e liberaes se acham reunidas na Camara dos Srs. Deputados, e aqui nesta Camara, e quando o Ministerio é composto de homens cuja sinceridade em sustentar a Constituição e os principios de liberdade todos reconhecem, e cuja capacidade não é duvidosa! (Apoiado). De donde pois procede isto, quando todos festão animados do mesmo desejo! Só posso imaginar que ha uma mão occulta, que influe indirectamente no andamento dos nossos negocios, que os entorpece, e á qual todos estamos sujeitos mais ou menos, e que talvez mesmo nos não deixe livres de emittir a nossa opinião para promover as medidas tendentes ao restabelecimento da ordem, fundada no melhoramento da administração nos seus differentes ramos, cuja necessidade o Sr. Ministro dos Negocios do Reino ainda hontem no seu discurso reconheceu. Não posso deixar de lamentar muito este facto, até porque não faltará quem queira inferir daqui, que se depois de sete mezes isto aconteceu em negocio de tanta importancia, pouco se poderá fazer em uma sessão de tres mezes. Não se póde impugnar a boa vontade de todos em qualquer lado da Camara que se assentem, qualquer que seja a opinião de cada um, e por isso todos sentem que seja necessario recorrera uma medida tal, como o é a emissão de bilhetes, e applicação desta emissão, que neste artigo se authorisa. Em quanto a emissão já na votação do artigo 2.° está vencida, deixando-se liberdade ao Governo para emittir bilhetes ou não, conforme o julgar preciso. A este respeito diz o Sr. Ministro da Fazenda que é necessario que o Governo tenha essa faculdade, para poder fazer esta transacção com mais vantagem: mas tambem acaba de dizer que, se por acaso nesta Camara se propozesse authorisar o Governo para negociar estes bilhetes, elle não impugnaria esta idéa. Eu sobre isto não venho preparado a fazer uma emenda que bem se poderia propôr: só desejo fazer algumas observações geraes sobre a materia, visto que já hontem fallei ácerca deste negocio.

Devo ponderar que poderão ser emittidas duas qualidades de papeis: bilhetes sobre o Thesouro, que são titulos de divida publica, e que sendo applicados aos pagamentos podem ser comparados ao papel-moeda; e além disso letras sobre a Junta do Credito Publico, que de facto são letras do Thesouro. No caso que se venha a pagar com bilhetes, porque ainda fica ao arbitrio do Governo o faze-lo, virão os empregados a receber uma terça parte dos seus soldos ou ordenados neste papel, e ao par. Conservará elle o seu valôr no mercado? Parece que ninguem o poderá affirmar. É pois faltar ao promettido o não pagar em dinheiro, ou em papel que se possa trocar n'um banco por dinheiro, como as notas. Não sendo assim vem a ser estes bilhetes uma especie de papel-moeda. É verdade que este se pagava por metade, e se recebia do mesmo modo; mas apesar de ter curso em todas as transacções soffreu um desconto grande. Eu bem percebo a distincção que se faz de um ao outro; mas, Sr. Presidente, se este papel se orçar, e fôr empregado nos pagamentos, virá a produzir uma correspondente diminuição nos ordenados e nos soldos, porque a maior parte daquelles que o receberem são obrigados a troca-lo, e nessa diminuição feita por este modo, consiste a minha objecção principal. É certo que o Sr. Ministro da Fazenda acaba de declarar que esta emissão não fica absolutamente decidida, que espera poder evitar que ella tenha logar; mas entretanto, a faculdade de pagar aos empregados, á excepção das praças de pret e da marinhagem, uma terça parte em papel existe, e todos os empregados permanecerão, por em quanto, debaixo do receio de vêr reduzidos os seus ordenados ou soldos, segundo o valôr incerto que tiver este papel no mercado. Uma vez que nesta Lei se authorisa a emissão de papel, deveria fixar-se um minimo para o valôr que deverá ter cada bilhete, para não se podér dar a ninguem um valôr tão pequeno que venha a entrar era pagamentos muito pequenos, porque se augmentaria muito o mal depreciando-se mais o seu valôr. Por tanto, Sr. Presidente, eu não, poderei nunca sanccionar que se fizessem desse modo os pagamentos, particularmente aos militares que tem um soldo apenas sufficiente para se sustentarem com as suas familias. Nesta Lei, como já disse, vem exceptuadas os prets, e as soldadas da marinhagem; mas ha tambem pagamentos muito pequenas, como por exemplo o dos egressos, que não vem exceptuados. Se lhes fôsse paga uma terça parte da sua prestação em bilhetes, soffreriam um prejuizo tanto maior e tanto mais injusto, que já estão muito atrasados em pagamentos.

Por tanto, Sr. Presidente, eu não approvo um artigo em que se dá a faculdade de diminuir por este modo os ordenados que estão designadas por Lei aos empregados publicos, e que na minha opinião não podem ser mais reduzidos (Apoiados).

O Sr. Miranda: — Este artigo tem dado logar a uma questão um pouco extensa, porque se não tem considerado exclusivamente a doutrina que contém. Se elle não estivesse aqui escripto talvez eu não votasse pela sua admissão, mas tambem não votarei contra elle, porque da sua approvação não resulta consequencia que possa causar receio. O Governo tem á sua disposição a decima de 1838 a 1839, que não está cobrada, e esta decima ha de importar em 1.300 a 1.400 contos; além disto está authorisado para poder realisar até igual quantia pela emissão de Inscripções de 5 por cento; por consequencia tem á sua deposição meios muito maiores do que solicitou, e póde, sem dúvida alguma, lavar-se em agua de rosas, por achar-se com meios de pagar aos seus empregados e credores, e quanto o permittem as circumstancias em que se acha este paiz: por consequencia nenhum embaraço póde achar o Governo, nem me é necessario estar a imaginar difficuldades que não póde haver, porque os empregados hão de ser pagos em dinheiro de contado. Quanto aos titulos, de divida por conta de atrazados vencidos, voto pela admissão de todos sem excepção, com tanto que não sejam de empregados ou contractadores que auxiliaram, ou serviram D. Miguel. Se o Governo quizer negociar, dentro em breves dias tem meios de realisar 1.400 contos, com que póde dar principio aos pagamentos; e se houver muita demora em pagar a culpa será sua. Á vista disto está claro que não ha necessidade de recorrer desde logo á emissão de bilhetes, mas é bom que passe o artigo, para que os negociadores de papeis não possam dar a Lei ao Governo; e ainda mesmo quando se visse obrigado a emittir estes bilhetes até á quantia de duzentos a trezentos contos, bastariam os contribuintes de Lisboa e Porto para lhe assegurarem o valôr; e então já se vê que não ha inconveniente em que passe o artigo, assim como tambem o não haveria se elle Se não achasse no Projecto, porque, em minha humilde opinião, a sua rejeição ou admissão não valia a demora que haveria em voltar á outra Camara para nova discussão.

O Sr. Cordeiro Feyo: — Na Sessão de hontem votei pelo Projecto em discussão, porque estava, e estou persuadido de que, nas actuaes circumstancias, é o unico meio de obter os recursos indispensaveis para supprir as despezas correntes, e cuja falta poderia occasionar gravissimos males; no entretanto já hoje um jornal inverte todas as minhas idéas, e diz que eu me esforcei por defender o Ministerio, (o Sr. L. J. Ribeiro: — Eu sempre apoiei o Ministerio, e o apoio ainda). O Orador: — mas que só consegui mostrar que o emprestimo se acha já contractado. Permitta-me a Camara que publicamente declare que eu não tenho a honra de me achar relacionado com algum dos Srs. Ministros da Corôa, que nunca lhe fallei a favor de alguem, e que até ignoro onde seja a sua residencia e morada: em consequencia parece evidente, e é um facto que se hontem votei pelo Projecto em discussão, foi porque estava, e estou convencido de ser o melhor nas actuaes circumstancias, e não por defender o Ministerio, que não tem precisão de tão fraco apoio. Tambem me será permittido o declarar que eu mandei vender ao mercado a um tal Pastor os titulos de divida de minha irmã, que

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abrangiam mais de 24 mezes; e quem assim procede mal poderia mostrar que o emprestimo se achava já contractado. Sr. Presidente eu entendi dever fazer esta declaração para que o Publico não desse algum peso as asserções do jornalista.

Em quanto ao Artigo em discussão, eu o approvo vistas as explicações dadas pelos Srs. Ministros da Corôa; aliàs eu votaria contra elle. Ainda que esta Camara seja absolutamente independente da outra Camara, com tudo parece-me que lhe cumpre votar com muita circumspecção quando se tracta de approvar um objecto que já foi reprovado na outra Camara, Entendo tambem que o Governo deve ficar authorisado para negociar com vantagem, e de maneira que não seja obrigado a submetter-se á Lei que os Capitalistas lhe quizerem impôr; e para este fim é conveniente que o Artigo seja approvado. Estou persuadido que só neste ultimo caso é que o Governo emittirá Bilhetes, e pagará com elles aos Empregados; o que elle deverá fazer com a devida prudencia, estabelecendo-lhe logo o prazo certo e pequeno para o seu pagamento; pagamento que deve fazer com a maior exacção e pontualidade, ainda que seja obrigado a emittir novos Bilhetes até serem amortizados; e em tal caso e com as mais providencias, obvias a quem tem algum conhecimento pratico, destes objectos, é para mim de fé que os Bilhetes podem obter no mercado um desconto modico, e que não exceda a 6 por cento: e então o Empregado que receber nestes Bilhetes a terça parte dos seus vencimentos, apenas perderá 2 por cento, o que é certamente muito modico, e preferivel a qualquer atrazo que a falta destes Bilhetes poderia motivar. Em consequencia o Artigo deve passar como se acha.

O Sr. Luiz José Ribeiro é de opinião contraria, e argumenta com os Bilhetes ultima mente emittidos e admissiveis aos pagamentos das decimas: mas esses Bilhetes não tinham um prazo certo e pequeno para é seu pagamento: nem o Governo contractou com alguma corporação de Capitalistas que os descontasse por um preço certo, como se praticou com os Bilhetes do Thesouro, que o Banco descontava a 4 por cento, e até chegou a descontar a 2 por cento. Tudo está na fórma de se levar a effeito esta medida: e é de presumir que na sua adopção se tenha presente o que a experiencia tem mostrado é a natureza do objecto demanda. Voto portanto pelo Artigo.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Como eu tenho a honra de ter pertencido á Classe dos Empregados Publicos, aproveito esta occasião para lhe dar um testemunho da consideração que tenho por esta benemerita classe. Este Artigo nada menos importa que sanccionar uma moeda cujo curso ha de ser forçado para os Empregados Publicos: o creador de uma moeda igual a esta está dentro desta Camara, mas não deu á moeda da sua creação curso forçado como lhe dá este Artigo; perguntou aos Empregados se a querem receber no pagamento de seus ordenados, todos disserem que sim, e eu tambem o disse, e os recebi: agora adoptando-se a então feliz creação do illustre Senador alterou-se para peior porque se lhe dá um curso forçado. Faço esta observação para que a Camara tome em consideração os males que resultam da adopção de uma tal medida: males por que eu não hei de ser responsavel; porque já me declarei contra todo o Projecto em geral, menos o 1.º e 7.° Artigo, e hei de votar em especial contra este. Todos os que tem sustentado o Artigo produzem dous argumentos, que parecem muito fortes; mas que para mim não tem força nenhuma: o primeiro é que este Artigo, é de Cautela, porque senão existisse na Lei, os Contractadores do emprestimo poderiam dictar Leis duras ao Governo: mas este argumento não convence porque já no Artigo 2.° está dada ao Governo ampla faculdade, para realisar o emprestimo por differentes meios e até o de bilhetes; a que não se accrescenta senão dar-lhe o curso forçado; que é uma calamidade incalculavel. Se a Camara entende que deve votar uma nova moeda com curso forçado, vote por ella, que da minha parte rejeito-a. Outro argumento é que o actual Ministerio tem promettido constantemente não fazer uso dessa moeda senão na ultima estremidade; isto é, quando por outro meio não possa realisar o emprestimo: este argumento para mim tem muito peso, porque tenho toda a confiança na promessa do Governo, mas dezejava saber se os illustres Senadores que assim argumentam tem na sua mão a vida natural e politica do Ministerio, e se tambem tem na sua mão a nomeação das pessoas que os hão de substituir.. Supponha-se, o que é muito natural, que este Ministerio deixa de existir, e que vem outro que não se julgando, como é de razão, ligado ás promessas do actual dá uma grande latitude á faculdade dada por este Artigo: qual será o remedio aos males que d'ahi provierem? O Sr. Ministro da Fazenda reconhecendo de algum modo os inconvenientes da doutrina deste Artigo, deu a entender que se poderia admittir uma alteração para que os bilhetes só podessem ser negociaveis; mas houve quem lembrasse que isso já foi discutido na outra Camara e não adoptado por ella: eu repito o que já tenho dito muitas vezes. Quando eu entender que uma medida é util, hei de propô-la tenha ella a sorte que tiver na outra Camara; por tanto se alguem propozer a emenda de que os bilhetes sejam negociaveis, hei de apoiala.

Eu não o proponho, porque já declarei que rejeitava todo o Projecto, menos o 1.° e 7.° Artigos. Tenho exposto os motivos porque assim voto; e o principal motivo por que pedi a palavra, que foi para dar um testemunho aos Empregados Publicos, a cuja classe tive a honra de pertencer, do interesse que tomo, porque se não crie uma moeda com curso forçado para se lhes pagar os seus ordenados, ganhos a custo de tantos sacrificios e privações (Apoiados).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Um illustre Senador, lamentou, e lamentou muitissimo, até certo ponto com razão, que depois de sete mezes da reunião das Camaras Legislativas, ellas tivessem de votar sobre um Projecto de similhante natureza. Eu tenho a recordar ao illustre Senador, a V. Ex.ª, e á Camara toda, que já o meu illustre Collega o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, em uma das Sessões passadas, pediu á Camara que não perdesse de vista que o Ministerio actual data de 18 de Abril, e que só pelos actos posteriores a esse dia, é que elle póde ser responsavel. Assim entrando em exercicio a 19 de Abril, ainda não ha tres mezes que elle se acha constituido. E querer-se-ha arguir-lhe e fazer-lhe um crime porque antes da sua existencia elle não tivesse apresentado um Projecto? Ou querer-se-ha arguir e fazer-lhe um crime porque depois de existir o não apresentasse antes? Parece-me que nem uma nem outra cousa: a primeira seria grandissimo absurdo; a segunda uma injustiça: porque, o Projecto foi apresentado ha mais de mez e meio, não tendo nesse tempo o Ministerio mais de mez e meio de existencia. Direi mais que o Ministerio anterior pelos principios por que se regulava, não póde ser tambem muito censurado por não ter apresentado o Projecto, porque elle se propunha apresentar medidas cuja base eram as decimas, e pelos seus principios nada podia fazer a este respeito, sem que passasse a Lei do lançamento: esta passou em Maio. Por tanto nem um nem outro Ministerio póde com razão ser accusado. Agora aproveitarei tambem a occasião para dizer a um illustre Senador, que se resentiu de alguem dizer (ou um jornal), que elle tinha defendido o Governo nesta discussão, e que a operação estava contractada. Sei, e ha muito tempo, que um jornal disse que ella está contractada com o Banco: tanto está ella contractada com o Banco como com qualquer dos illustres Senadores, com quem o Governo não teve contrario nenhum. E como era possivel haver um Governo que principiasse a negociar uma operação sem que a respectiva Lei tivesse passado em Côrtes? A operação ha de ser concluida em concorrencia publica, não só pelos principios do Governo, mas até porque assim se acha consignado no Projecto, que passou na outra Camara. Por consequencia declaro solemnemente inexactissima (por lhe não dar outro nome) toda a idéa de que o Governo já obtivesse dinheiro sobre esta negociação, ou que a contractasse com alguem: está livre e desembaraçadissimo para contractar com quem melhores condições apresentar, se passar o Projecto, porque não tem recebido um real, nem o tem pedido para esse fim.

Quanto a passar ou não passar o Artigo, já se tem expendido as razões pró e contra; e permitta-me V. Ex.ª tambem que eu diga, que na verdade das que se expenderam contra, nenhuma acho plausivel a favor da eliminação do Artigo. O Ministerio dezeja como todos os outros pagar em numerario, e não em papeis; conta que o ha de fazer, se a operação se realisar; senão ficará no mesmo estado em que ora se acha, o de não podér pagar: não sei qual das cousas é mais prejudicial; mas creio que todos terão por mais prejudicial não pagar de fórma nenhuma. Pareceu que eu tinha duvidado se as Camaras teriam o direito de dar um curso forçado a estes bilhetes: se as Côrtes deste anno não tem menos poder Legislativo, do que as dos antecedentes, como de certo não tem, segue-se que as Camaras actuaes tinham esse direito, porque nunca se contestou ao Poder Legislativo algum o de estabelecer moeda-papel, e de lhe dar o curso que bem entendesse. Abstenho-me de dar mais razões a este respeito, e concluirei renovando a idéa de que o Ministerio nunca, nem um instante, nem explicita, nem implicitamente duvidou de que a Camara dos Senadores tem iguaes direitos, que a dos Deputados, salvo no que toca a eniciativa sobre impostos e recrutamentos, porque lhe resiste a Constituição; em tudo o mais esta Camara é igual á outra, e por isso ninguem lha póde disputar o direito de introduzir nos Projectos de Lei os melhoramentos, que julgue necessarios; nunca o Governo lho disputou, nem ha de disputar. Está por conseguinte a Camara no seu direito quando no Projecto era discussão innovar tudo aquillo que julgar Conveniente (Apoiado).

O Sr. General Zagallo: — Assim como eu não desejo empecer os meios de que o Governo necessita, para satisfazer ás obrigações do Estado, tambem desejo que a adopção desses meios seja feita com a maior utilidade possivel. Tracta-se de pagar aos Credores do Estado, que são os Empregados Publicos, e aquelles que tem tido transacções com o Governo; mas entre uns, e outros ha diversos gráos de justiça; não tem todos a mesma: aquelles Credores do Estado que tem tido transacções com elle, já tiraram dellas não pequenos lucros; e por ventura os Empregados Publicos tem alguma recompensa pela demora do pagamento de seus ordenados em cima de lh'os haverem cerceado de maneira que mui difficultosamente chegára para a subsistencia diaria? Pela demora do pagamento de quatorze, quinze e mais mezes, tem elles tido alguma compensação? Por certo nenhuma; e longe de se lhes pagar o que se lhes deve, ou dar-se-lhes o juro da sua divida, como era de justiça, eu vejo que se lhes vai impôr um tributo tão barbaro, que se não sabe a quanto chegará, por isso que quando se paga com um papel, como elle fica sujeito ao mercado, é só este quem governa o seu valôr; por consequencia não posso conformar-me com que os Empregados sejam pagos em parte do seu ordenado com a moeda papel, que se vai crear por esta Lei. A mesma Lei reconhecendo a desigualdade, já faz uma excepção a favor das praças de pret, e marinhagem, concedendo se lhes pague tudo em metal; e então porque se não ha de praticar o mesmo com todos os Empregados Publicos? Srs. todas as cousas neste mundo tem a sua proporção; assim como faz falta ás praças de pret e marinhagem, o desconto do papel, em que se lhes pagassem seus soldos, se a Lei fosse igual para todos, como devia ser, porque razão não fará uma falta proporcional aos outros Empregados, a quem se quer forçar uma excepção odiosa? Ainda que o ordenado destes seja maior que o daquelles, tambem a sua representação, é as suas despezas são maiores; por consequencia a minha opinião é que todos os Empregados sejam pagos em metal, sem excepção alguma, embora se pague em papel aos outros Credores do Estado, por isso que esses já tiveram bastantes interesses nas transacções que fizeram com o Governo.

Não sou de opinião que se elimine o Artigo como alguem quer, mas que se elimine do Artigo a palavra.... (Rumor). Eu ainda não disse tudo, sei muito bem que todos são Credores do Estado, e tendo-o eu dito ainda pouco antes, não esperava que tivesse esquecido já. Não sou de opinião (repito) que se elimine o Artigo, mas sim que se faça uma emenda ao paragrapho, isto é, que sejam supprimidas as palavras = Empregados = e desta maneira esta conciliado tudo, segundo eu entendo; porque se os Senhores Ministros da Corôa dizem que não tem tenção, e que mesmo lhes não convém pagar em papel, então que necessidade ha de consignar na Lei uma cousa, que não ha de ter outro effeito se não o odioso? Já lá está na Lei uma excepção, pois exceptuem-se todos os Empregados Publicos: se o que se lança na Lei houvesse de ter effeito, bem, era um mal, mas um mal necessario; porém um mal que não ha de ser feito, não se deve consignar em uma Lei; por consequencia não havendo ne-

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cessidade disso, pois que senão tira ao Governo a alternativa que elle deseja; eu voto para que aquella excepção comprehenda todos os Empregados Publicos.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Melhor esclarecido pelas razões que acaba de expôr o Sr. Zagallo, retiro a minha proposta, e adopto a delle.

O Sr. Conde de Villa Real: — Tendo pedido a palavra para uma explicação, esta se reduz a dizer, que o Sr. Ministro do Reino alludindo á época em que se formou o Ministerio, suppoz que eu o queria arguir. As explicações que já deu o Sr. Ministro da Fazenda em outra Sessão, mostrando os motivos pelos quaes tinha sido obrigado a apresentar este Projecto na outra Camara, não deram logar a observação alguma. Não podia por tanto referir-me ao Ministerio de 18 d'Abril, nem mesmo ao Sr. Ministro da Fazenda, que já estava no Ministerio quando as Camaras se abriram. Só fallei em geral do facto do tempo que tem durado esta Sessão, sem querer fazer censura a Ministerio algum.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Eu desejaria muito que os illustres Senadores, que combatem as idéas do Ministerio, combatessem exactamente aquellas, que elle emitte, e como elle as emitte, mas não como elles as querem tomar, ou comprehender. O illustre Senador que acabou de fallar sobre a materia, tomou uma hypothese sómente daquellas que o Ministerio havia estabelecido, e d'ahi concluíu que o Ministerio tinha em todo o caso declarado que nunca havia de pagar com bilhetes, para concluir depois a inutilidade do Artigo, cuja eliminação sustenta. O Ministerio disse que contava não ser obrigado a usar de bilhetes, mas accrescentou que convinha conservar o Artigo, porque se a operação mixta se não realizasse, melhor seria pagar aos empregados com esses bilhetes, do que não lhes pagar de fórma alguma. Por tanto, assim é que eu entendo que o illustre Senador deveria combater a opinião do Governo, mostrando que não poderia haver hypothese em que ella fosse obrigado a pagar em bilhetes. Mas isso esqueceu-lhe, ou achou-o escusado, e só se lembrou da outra hypothese, que podia ajudar o seu argumento. Disse mais o illustre Senador que já está votada no Artigo 2.° a emissão dos bilhetes, e que sempre ao Ministerio fica faculdade de os emittir, e isto ainda que se elimine o Artigo 3.º e seu paragrapho, ou as palavras cuja eliminação elle propõe. Então de que serve uma emissão de bilhetes, quando se não possa fazer uso della? D'ahi é que vem o odioso. Uma das Camaras Legislativas resolveu que os bilhetes não fossem negociaveis: ora se o Senado introduzir aqui de novo essa idéa no Projecto, não sabemos se a Camara que já a rejeitou a admittirá agora; e se a não admittir fica o Governo sem poder fazer uso della; e então, aqui vai um odioso, porque apparece escripta na Lei uma operação, que não póde realisar-se. Parece-me por tanto que nenhuma das razões dadas pelo illustre Senador é suficiente para a eliminação das palavras que elle pertende se eliminem, salvo se na hypothese do Governo não poder realisar a operação, elle quer que se pague com os 400 contos, com que unicamente conta por mez; e neste caso estou bem certo que o illustre Senador, como Empregado Publico que é, se não queixará se fôr um dos que ficarem por pagar.

O Sr. Miranda: — Durante esta discussão tem-se apresentada e desenvolvido algumas idéas que lhe são estranhas, alludindo-se mesmo a votações que tem tido logar fóra desta Camara. Um illustre Senador que muito respeito (o Sr. Conde de Villa Real) fallou de uma mão, ou antes de uma força, occulta que parece ter-se apossado de todas as notabilidades, tanto desta como da outra Camara, e tambem do Ministerio: eu (sem a pertenção da contar-me entre estas notabilidades) não sei se laboro debaixo dessa mesma influencia, porque talvez esta influencia, similhante á da electricidade ou do magnetismo, ainda que permanente, seja insensivel, e só possa ser apreciavel em certas circumstancias e mórmente quando se acumula a ponto de haver uma explosão: é possivel que os meus nervos se achem modificados, por esta influencia; porém, quanto eu posso ser conscio de mim mesmo, tenho fallado e votado segundo a minha convicção (Apoiado).

Eu já declarei que não me oppunha á eliminação do paragrapho, mas que tambem não votaria pela introducção delle neste Projecto, se nelle se não achasse. Nesta questão tem-se, por vezes, tomado as cousas mui diversamente, além do que ellas realmente são, e muito desejaria que se não produzissem argumentos de necessidade e urgencia; porque de resto esta Camara ha de votar como entender, ainda que seja necessario haver uma Commissão mixta, se o Projecto não passar tal qual veio da Camara dos Deputados. Sobretudo é necessario remover os inconvenientes que possa haver na Lei sobre os meios com que o Governo deve ser auxiliado para satisfazer a suas obrigações. A simples emissão de bilhetes pagaveis pela decima vencida de 1838 a 1839 foi considerada como uma emissão de papeis de curso forçado, da natureza destes, e com todas as suas consequencias e resultados; estou certo que esta comparação não foi feita com a intenção de produzir um argumento ad verecundiam, ou ad terrorem, no entretanto não posso deixar de dizer que esta comparação é forçada e destituida de todo o fundamento, e de razão de paridade, e os Empregados Publicos podem estar tranquillos, porque com esta Lei ha todos os meios de receberem seus ordenados em dinheiro, e por conseguinte sem desconto. Não póde dizer-se que os bilhetes, de que se tracta neste Projecto, são de curso forçado; porque em nenhuma de suas disposições se acha, como para este effeito era indispensavel, a declaração de que estes bilhetes seriam admissiveis em todos os pagamentos entre particulares, e entre estes e o Governo. Pelo contrario, a declaração simples e positiva de que os bilhetes serão admissiveis fios pagamentos da decima vencida de 1838 a 1839 limita a sua applicação, e não deixa logar ao em preço que teriam como papeis de curso forçado.

O que poderia dizer-se com alguma apparencia de verdade é, que a emissão dos bilhetes seria forçada; isto é, que o Governo seria authorisado a pagar, e os seus credores obrigados a receber os seus pagamentos nestes bilhetes, com tanto que, na totalidade a emissão não excedesse o montante do lançamento da decima de 1838 e 1839. Mas ainda que está interpretação se aproxima mais á verdade não me pareceu mui legitima; porque, se por excepção da Lei ou regra geral, o Governo é authorisado para pagar em bilhetes, d'ahi não se segue, como consequencia necessaria, a excepção do direito que tem os credores, do Governo a serem pagos em moeda legal e corrente deste Reino, ficando obrigados a acceitar os bilhetes em pagamento dos seus ordenados e vencimentos; antes, segundo a letra, e espirito do Projecto, fica ao arbitrio dos Empregados e mais credores, o acceita-lo, ou esperar por occasião em que a Governo possa pagar-lhes em moeda corrente.

Já disse, e ainda o digo, e repito, que o Governo necessariamente ha de pagar a dinheiro; a não me refiro só ao Governo actual; porque confio que, qualquer que elle seja, tem o mesmo interesse de augmentar os meios para occorrer aos seus encargos; e como nenhum ha de querer restringir estes meios, segue-se que

o interesse do Governo é a garantia mais segura que póde desejar-se. Neste Artigo dá-se ao Governo uma faculdade que o habilita para podér negociar vantajosamente a emissão das Inscripções; porque se os proprietarios dos papeis do Governo vissem que o Governo não tinha outros meios a que recorrer, então podiam elles dar-lhe a Lei: mas em consequencia desta faculdade não podem, visto que o Governo tem outro arbitrio a que póde recorrer, aliàs vantajoso para elle, e para os Empregados Publicos. Um illustre Senador disse que se eliminassem deste Artigo as palavras = Empregados = porque estes tambem são credores do Estado... (Uma voz: — Já está vencido). Então era melhor supprimir o paragrapho, e dou a razão: Empregados são todos aquelles a quem o Governo paga, menos os fornecedores, não fallando em operarios, porque esses, em todo o caso, são pagos em dinheiro; mas para estes escusada é uma declaração especial; porque, pelo que respeita aos fornecimentos já feitos, ou contractados, o Governo ha de pagar-lhe na fórma dos contractos, e para o futuro elles se arranjarão, quanto aos preços e qualidade dos generos, de maneira que assegurem os seus lucros contra qualquer eventualidade no valôr dos bilhetes emittidos. De que se tracta pois é dos Empregados Publicos; e a minha opinião é que esta palavra não seja eliminada; porque entendo que ella firma os interesses dos Empregados, e que assim ficam de melhor condição; a razão é porque, se o Governo tem meios, paga-lhes, e se os não tem dá-lhes a escolher se querem receber os bilhetes, em que virão a perder dous ou tres por cento, ou se preferem esperar até que o Thesouro tenha meios: creio que nem um só haverá que prefira o esperar (Apoiado).

Eu quizera que o Sr. Ministro da Fazenda declarasse que só no caso extremo de não poder verificar a operação mixta, é que lançará mão do meio dos bilhetes; nem S. Ex.ª póde, creio eu, ter duvida em assim o fazer. Os meios que por este Projecto se concedem ao Governo são dous: um a cobrança da decima de 1838 para 39; este já está vencido; e além deste tem mais 1:400 contos de réis. Claro é que se emittir bilhetes por conta sobre a decima perde igual quantia no total dos seus meios, a restringe por sua propria vontade a faculdade que lhe é concedida. Mas por ventura quererá o Governo restringir suas faculdades? Se elle podér dispôr de 2:000 contos, quererá pôr-se nas circumstancias de dispôr sómente de 1:400? Creio que ninguem o afirmará, e por tanto nem carecemos de garantia alguma, porque temos a melhor, e a mais segura na conveniencia do Governo, podendo estarmos certos de que só na ultima necessidade é que o Governo ha de verificar em bilhetes o pagamento dos Empregados.

Supponhamos porém que assim acontecia em grande parte, e que effectivamente havia uma emissão por alguns centos de contos de réis. Neste caso os bilhetes seriam muito procurados pelos contribuintes, e ainda que eu seja da opinião já manifestada de que grande descredito teriam se fossem emittidos pelo valôr de 3:000 contos sem que no Orçamento, se ache calculada a decima e impostos annexos, e ainda mesmo pelo valôr de ametade desta somma, no entretanto, se a emissão não passasse de 500 contos, estou certo que o desconto dos bilhetes seria muito pequeno, pelo muito que seriam procurados. Para firmar-me nesta opinião basta-me vêr o premio que no mercado desta Capital tem as Acções da Companhia Confiança; e basta-me saber que a Cidade de Lisboa e Porto pagam mais da ametade do total da decima, e que nestas duas Cidades as partes interessadas na venda e compra dos bilhetes se acham em contacto por via dos rebatedores. E sendo assim cada um metta a mão ha sua consciencia e diga se podendo receber em bilhetes os seus vencimentos, ainda com uma quebra de cinco ou seis por cento, terá alguma duvida em recebe-los. E com effeito qual seria o Empregado que não quizesse ficar pago, posto que perdendo alguma pequena quantia? Mórmente em uma época em que ninguem póde, prudente e tranquillamente, contar com o futuro. Entendo, por tanto, que maior garantia se offerece aos empregados passando o paragrapho tal qual se acha. Eu bem sei que ha algum receio de entrar no exame dos motivos que o Governo poderia ter para lhe convir a emissão dos bilhetes; e por isso desejava que o Sr. Ministro da Fazenda quizesse fazer uma declaração, a mais solemne a este respeito.

Quando na entra Camara se agitou a questão de meios suscitaram-se grandes difficuldades ácerca da capitalisação das inscripções; e então disse o Sr. Ministro da Fazenda que capitalizaria o menos que lhe fosse possivel; agora mudou a questão de especie, e diz o Sr. Ministro que emittirá a menor quantidade de bilhetes que ser possa: mas porque? Porque já está estabelecida a regra geral. Segundo já observei é do interesse do Governo obter a maior quantia de dinheiro; e parece-me impossivel que o Governo não possa realisar os 1:400 contos, caso que ella, contra a expectação do Sr. Ministro da Fazenda, fosse necessaria, porque só deste modo, só em necessidade extrema emittiria os bilhetes. Em conclusão, o Sr. Ministro da Fazenda póde fazer francamente a declaração a que o tenho convidado; porque a faz sem risco de se comprometter: e nestes termos assento que a doutrina do paragrapho aproveita mais aos Empregados do que a sua suppressão, pois que á maior parte delles convirá, no caso de se lhe não poder pagar em dinheiro, em receber os seus vencimentos em bilhetes, visto que a promptidão compensa bem qualquer pequeno rebate, e considerando que os bilhetes hão de ter bom preço no mercado, sendo emittidos com a prudencia que caracterisa o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Vellez Caldeira: — O Sr. Conde de Villa Real disse ha pouco que havia um poder occulto que nos não deixava fazer o bem que entendiamos. Eu declaro que não estou debaixo de influencia de poder algum, tracto as ques-

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tões como entendo sem respeito algum humano, sem attenção a cousa nenhuma estranha a ellas; e estou certo que o mesmo acontece ao Sr. Conde. A questão tem mudado de face depois que o Sr. Luiz José Ribeiro retirou a sua emenda, porque com ella, em logar de alcançar o bem que queria, fazia mal; porque dispondo-se no Artigo que os Empregados só poderão receber um terço dos seus ordenados em bilhetes, supprimido elle poderia o Governo dar-lhes a quantia que bem quizesse: agora, no caso em que está a questão, eu que sou Empregado Publico voto pelo Artigo como está, porque além das razões que já se expenderam tanto a proposito pelo Sr. Miranda, digo que os Empregados não estão em diversas circumstancias do que os outros Credores do Estado; e imposta esta obrigação a uns, devia tambem impôr-se a todos, porque a base da justiça, é a igualdade; os Empregados devem fazer este sacrificio, se preciso fôr, quando toda a Nação está fazendo tantos outros. Eu voto pelo Artigo (Apoiado).

Julgando-se a materia discutida, foi posto á votação a proposta do Sr. Zagallo, e ficou rejeitada; logo depois se approvou o Artigo 3.°

Tambem se approvou, mas sem discussão, o

§. unico. (do Artigo 3.°) Exceptuam-se da disposição deste Artigo os pagamentos das ferias, dos prets, e das soldadas da marinhagem, que serão feitas em metal na sua totalidade.

Leu-se o seguinte

Artigo 4.º Os juros das inscripções, que se emittirem em virtude desta Lei, serão pagos pela dotação da Junta do Credito Publico na razão de 5 por cento ao anno.

Obtendo a palavra, disse

O Sr. L. J. Ribeiro: — A este Artigo desejaria eu que se addicionasse o seguinte = e um por cento de amortisação annual. = Senão se addicionar isto terá a Nação que pagar um juro eternamente.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — É verdade que se não deve contrahir um emprestimo sem se estabelecer o modo de o amortisar, mas nós temos alguns outros emprestimos que não tem amortisação. A meu ver esta é uma Lei provisoria; nós não temos ainda tractado da Lei de Fazenda, quando nas proximas Côrtes nós conhecermos quaes são os nossos meios, e as nossas necessidades, então eu approvarei em todo o tempo que se estabeleça uma amortisação, mas por agora, como esta emenda faria parar a Lei, parece-me que se deveria approvar o Artigo como está, e eu voto por elle (Apoiado).

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu creio que actualmente não ha emprestimo nenhum contrahido por quem queira pagar, que não tenha decretada uma amortisação annual.... (Sussurro). Quero conceder que os haja, e se os ha contra factos, não ha argumentos, posto sejam exemplos máos: a minha insistencia é debaixo de um principio de conveniencia, e de utilidade publica. Os meus principios quanto á theoria dos emprestimos, principios a que não renuncio só porque aqui se impugnam, são os seguintes: já mais poderá ser util a uma Nação decretar emprestimo para provêr ás despezas correntes e ordinarias. O emprestimo que se decretar, sem que na mesma, ou em outra Lei immediata, se criem novos rendimentos que sirvam de hypotheca especial ao pagamento dos respectivos juros e amortisação, será, no meu conceito, e no de muita gente boa, um encargo eterno, e por conseguinte uma decepção. Quem tiver opiniões diversas, seria bom que as applicasse aos seus negocios particulares, mas não aos da Nação. São notoriamente conhecidos os meios que se empregam para amortisar os emprestimos: uns amortisam-se por consignações certas; outros pelo methodo do juro composto; e outros a muito longos prazos sem obrigação de restituir o capital: o do juro composto tenho eu mais vantajoso que se tem conhecido; sendo o emprestimo o juro de 5 por cento em 37 annos está amortisado, e assim proporcionalmente os outros. Apesar do que disse o meu illustre amigo o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, asseverando que esta Lei é provisoria; eu digo que nós não sabemos o tempo que ella ha de durar; o que eu sei é que é um emprestimo sem amortisação, o que me obriga a sustentar o meu additamento proposto; a Camara porém decidirá o que melhor lhe parecer, porque a questão é tão simples que todos conhecem os seus effeitos.

(Entrou o Sr. Presidente do Conselho).

O Sr. Barão do Tojal: — Eu acho a emenda occiosa e desnecessaria, nas nossas circumstancias, e por essa razão, e não pela sua doutrina, é que me opponho; 1 por cento de amortisação, acho eu, que só deve, e póde ter logar quando nós podermos pagar o juro de toda a divida; porque não é justo estarmos nós pagando a amortisação duma parte da divida, emquanto da outra se devem os juros. Demais os Inglezes que são os mestres nesta materia, e entre os quaes se tem feito grandes ensaios sobre theorias e systemas financeiros, hoje só empregam o excesso do seu rendimento na amortisação da divida: Pitt foi o primeiro que estabeleceu este systema de amortisação (sinking fund) e estabeleceu-o a 5 por cento, e não havia divida alguma que não fosse remida em breves annos, a ter querido o povo Inglez sujeitar-se aos mesmos impostos que pagava durante a guerra, pois bem se demonstrou que qualquer somma posta a juro composto de 5 por cento dobrasse no espaço de 14 annos. Mas como a Nação não quiz submetter-se a impostos directos tão violentos para amortisar rapidamente a Divida Publica em puro beneficio das operações futuras, e que por tanto para levantar tal fundo de amortisação annual era forçoso recorrer a novos emprestimos, isto se provou a final, ser (perdoe-se-me a expressão) um sofisma financeiro, e que era peor que occiosa a medida. O Governo Inglez contentou-se desde então em empregar para isto o excesso do seu rendimento sobre a sua despeza annual. Por consequencia considero eu intempestiva essa providencia que o illustre Senador pertende introduzir na Lei. Senão fosse por alterar a Lei em hora já tão adiantada, eu proporia que as inscripções ou apolices fossem de 6 por cento, porque, por ora, quanto maior juro o Governo der, maior capital obterá no mercado, e se o nosso credito chegar (como eu espero) a melhor consideração o Governo poderá vir então a contractar um emprestimo de 4 por cento a 85 ou 90, com que podesse resgatar ao Paiz essas apolices de 6 por cento que agora emittisse. Não é isto materia para duvida, ou incredulidade, porque eu lembra-me bem que em 1830 a casa de Rotschild contrahia em França com o Governo de Carlos X, um emprestimo de cem milhões de francos a 4 por cento de juros ao preço de 102 1/2 por cento; e então nós tambem o poderemos vir a fazer, ainda que não por tão vantajoso preço, de certo por um valôr muito mais subido do que presentemente. Concluo, repetindo que, por agora, acho intempestivo o additamento do illustre Senador, e voto pelo Artigo tal como está.

O Sr. Miranda: — Eu tambem voto contra o additamento; e rejeitarei toda a amortisação da divida Portugueza, não estabelecida nos contractos, em quanto Portugal não estiver mais florecente. O que digo é contrario ás idéas do illustre Senador, idéas que são conformes com os principios de uma theoria abstracta, vulgares, ha muito tempo estabelecidos, admissiveis em um paiz no seu estado normal; todavia sujeitos a excepções, segundo os tempos, e segundo as circumstancias. E isto tanto assim é que no mesmo paiz, em Inglaterra, aonde estes principios nasceram e vigoraram, nelle se adoptaram não só as excepções, mas o que é mais ainda outros principios em sentido opposto aos da antiga regra, e ninguem póde dizer que o Governo e as Camaras de Inglaterra não conhecem quaes são os interesses do seu paiz, ou os principios de administração que mais lhe podem convir.

A divida da Inglaterra anda por oitocentos milhões Sterlinos, mais de oito mil milhões de cruzados, e esta enorme divida, até ao anno de 1832 não tinha fundo algum de amortisação; porque naquelle paiz se adoptou a regra de não se obrigar o Governo ao pagamento do capital por uma somma annual estabelecida, reservando para si, e por este modo, o arbitrio, e livre faculdade de fazer as amortizações como e quando melhor lhe convier; obrigou-se sim ao pagamento dos juros, e a fidelidade e escrupulo com que tem cumprido e cumpre esta obrigação, tem estabelecido, e consolidado o seu credito.

Em 1832 apresentou-se na Camara dos Communs um Projecto para se pôr uma contribuição, ou, como dizem os financeiros, para se crear uma renda, de tres milhões Sterlinos (trinta milhões de cruzados), o fim de se estabelecer um fundo, ou caixa de amortização; porém este Projecto devia ser repelido, e esta era a opinião dos homens mais entendidos, e especialmente a de Mr. H. Parnell, que apezar de concordarem com os principios geraes em que o Projecto se fundava, entendiam que a occasião não era opportuna; e que não era opportuna, porque achando-se a industria do paiz em grande actividade e incremento, o effeito deste imposto seria a suspensão dos seus progressos, ao mesmo tempo que este mal não estava em proporção com o beneficio immediato, apenas sensivel, de uma pequena reducção sobre a quota dos juros da divida da nação; ou, por outros termos, que o mal do imposto estava para o beneficio da reducção, na razão de 100 para 3 1/2, que é a razão dos juros da divida Ingleza.

Creio que o meu Collega está persuadido de que o credito e reputação das obrigações de divida não provêm de ellas serem amortizaveis, em prazos marcados, e por um minimo definido e designado; mas sim do fiel, regular, e constante pagamento dos seus juros, o que é facil demonstrar, dando-se por certo, como effectivamente é, que este credito e reputação das obrigações depende essencialmente da maior ou menor procura que ellas têem no mercado. Examinemos agora quem são os concorrentes nesta procura, e qual o fim da sua concorrencia. Esta concorrencia é a de todos aquelles capitalistas, que não querendo, ou não lhes fazendo conta, empregar os seus capitaes na agricultura, ou em algum ramo de industria ou de commercio, dezejam convertê-los em uma renda annual; ou tambem daquelles industriaes que tando um excesso de capital, que por qualquer motivo lhe não convem empregar em materias primas ou em salarios, por o não conservarem ocioso e improductivo, tem interesse em o converter em renda temporariamente, e em quanto não ha occasião de o empregarem com maior vantagem. Estes são os concorrentes; e estes os motivos mais communs da sua concorrencia; motivos em que não tem parte a amortização das obrigações; antes pelo contrario ella tende a atenua-los; porque o principio, que indiscriminadamente a provoca, concorre para privar o publico, e os particulares das inquestionáveis vantagens que rezultam da conversão destes capitaes em renda fundada pelo Estado. Daqui se vê que as obrigações do Thesouro, ou uma divida publica, quando em divida proporção com as forças industriaes de um paiz, está bem longe de ter o caracter e influencia que vulgarmente se lhe attribuem.

Na presença destas considerações entendo que não póde admittir-se um additamento, o qual me parece, ao menos por agora, injusto, intempestivo, e sem conveniencia. Parece-me injusto; porque achando-se a honra e o credito nacional altamente compromettidos pelo atrazo em que se acha o pagamento dos juros da divida contrahida em Londres, seria uma flagrante injustiça, um acto incompativel com a honra e com os interesses do paiz, sobre carregar a nossa industria com qualquer imposto, para fundar uma amortização que ninguem exige, em quanto não houver os meios necessarios para o fiel e prompto pagamento dos juros daquella divida.

Parece-me intempestivo e sem conveniencia; porque, apezar de achar-se a nossa industria agricola aliviada dos dizimos, de uma parte das cizas, de foros e alcavalas, e do pezadelo dos privilegios, monopolios, e de companhias com exclusivos, assim mesmo, se por uma parte podemos dizer que a nossa industria se acha em um estado nascente de progresso e movimento; por outra parte forçoso é convir em que este estado nascente não passa de um estado de tendencia, e que esta tendencia se achará entorpecida, em quanto não desapparecerem os obstaculos que até ao presente se tem opposto ao seu desenvolvimento. E será em taes circumstancias, em uma crize de inanicção ou de espasmo, a occasião opportuna de sangrar a nossa industria, exhausta de forças e meios, a fim de estabelecer uma renda, que ninguem solicita, e para um fim que nenhuma necessidade publica reclama? Certamente que não; e mórmente em quanto se não fizerem as reformas necessarias, productivas, a suppressão dos serviços que não forem indispensaveis para a existencia e boa ordem do Estado, a respeito das quaes tanto se tem fallado, e clamado; porém até ao presente vozes perdidas no dezerto (Apoiados!)

Tenho combatido o additamento em quanto tende a estabelecer um fundo de amortização nas circumstancias actuaes, e tambem não o approvo em quanto ao modo de amortização que propõem o meu Collega. Dous são os meios geralmente adoptamos até agora para satisfazer aos encargos de uma divida até á sua extincção; a saber: por annuidades constantes, e por annuidades variaveis e decrescentes. No primei-

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DIARIO DO GOVERNO.

caso, a renda fundada para os encargos e extincção da divida, é uma somma da qual uma parte é applicada ao pagamento dos juros do capital existente, e o resto é applicado em toda a sua totalidade á amortização do mesmo capital. E como o capital vai com o tempo e progressivamente diminuindo, a quota restante para a amortização vai na mesma progressão augmentando, de sorte que a extincção da divida é por este modo forçadamente progressiva e rapida. Se a annuidade fôr, por exemplo, de 6 por 100 do capital das obrigações, como no emprestimo de 1827, e o juro de 5 por 100, amortizando ao par, a divida achar-se-ha extincta na fim de 37 para 38 annos.

No segundo a annuidade é variavel e decrescente: estabelece-se uma somma constante para a amortização do capital, e o Governo obriga-se ao pagamento dos juros do capital existente. Nas circumstancias actuaes eu preferia este meio, não só por ser hoje o mais seguido, mas tambem em attenção ás circumstancias em que nos achâmos, e porque dá mais folga ao Governo para amortizar por maiores sommas, quando e como lhe convier. Por tanto em quanto á sua essencia e ao modo, voto contra o additamento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros;

Sr. Presidente, depois do que acabam de dizer os illustres Senadores, os Srs. Manoel Gonçalves de Miranda, e Barão do Tojal, nada tenho a accrescentar; e acho que o Artigo é explicito, por conseguinte espero que o Senado terá a bondade de o adoptar (Apoiado).

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, quando tive a honra de propôr o additamento, parece-me que fui bem explicito; se bem me lembro, disse que eu entendia ser conveniente que na Lei que authorisa o emprestimo, se consignasse tambem um por cento para amortisação; mas não declarei qual devia ser o methodo, se por juros compostos, se por outro qualquer; e não pediria novamente a palavra se um illustre Senador não dissesse que a minha proposição era viciosa; eis aqui no que eu não contenho, coque eu não esperava ouvir d'uma pessoa tão illustrada como é o mesmo Sr. Senador. Argumenta-se com a historia das finanças de Inglaterra, e argumenta-se muito bem, porque é o paiz aonde se conhece a theoria pratica dos emprestimos: mas veja-se a historia das nossas emissões de divida fundada, e então se conhecerá que quando eu fallo, refiro-me á historia do paiz, contemplo o estado de Portugal, e não me refiro á historia ou ao estado de Inglaterra, ou de França; oxalá que a Nação Portugueza estivesse nas circumstancias em que se acha a Nação Ingleza, quanto a credito, e que se fizessem as operações com o methodo porque lá se fazem, porque teriamos a certeza dos mesmos resultados. Mas eu sem tractar de encrepar ninguem, e ainda menos de moralisar factos, remetto os Srs. que fallam em operações, para a historia das conversões ou operações Portuguezas; e então vendo o que lá vai, sentirão que esperança podemos nós ter de vir a melhorar o nosso estado financeiro! Por conseguinte, sustento que é proprio da Lei em que se authorisa um emprestimo consignar nella o meio da amortisação; e se isso não fôr consignado na mesma Lei, haverá que pagar juros eternamente, porque sem diminuição progressiva do capital, não ha diminuição ele juros. Disse-se que era conveniente para as Nações o pagar juros. Será isso muito conveniente na intelligencia do illustre Senador, mas não o é nem o será jámais, na minha opinião (O Sr. Barão do Tojal: — Peço a palavra). Não me refiro a ninguem. = Disse-se tambem que ha tres ou quatro annos se propoz em Inglaterra separar uni fundo de milhões de Libras para amortisação da sua divida, e que esta proposta cahia no Parlamento; e que a prosperidade daquelle paiz era tal, que se reconheceu ser essa operação desvantajosa em attenção ao progresso da sua industria, e que aquella somma poderia empregar-se com maiores interesses em outras operações! E porque não sería o contrario, applicado para um paiz onde a industria está na maior decadencia? Se lá foi rejeitada em attenção á prosperidade de Inglaterra, parece-me que a medida seria util a Portugal, porque estamos muito longe de caminhar para o estado prospero em que se acha aquelle paiz. Por consequencia restringindo-me ás menos palavras possiveis, porque as cousas são mais ou menos uteis conforme cada um as quer entender, digo que na minha consciencia entendo ser conveniente ir amortisando a divida do Estado: eu como particular, quando peço alguma quantia emprestada, supponho-me sempre melhor se vou diminuindo a divida, do que ficando individado eternamente. Eu propuz o additamento na persuação de que elle era util, se tal se não julgar, a responsabilidade não recahirá sobre a minha cabeça; e isso me basta, porque os meus constituintes me julgarão.

O Sr. Barão do Tojal: — Eu não combati nem condemnei o systema de amortisação, porque não era capaz de preferir similhante absurdo, o que disse é, que era intempestivo, no nosso caso, introduzir essa especie na Lei; porque, repito o que já observei, em quanto nós não pagarmos os juros de toda a nossa divida consolidada, não podemos amortisar uma parte della; emquanto nós não pagarmos os juros da divida estrangeira, não devemos commetter o acto immoral de amortisar a nacional; e todo o dinheiro que entra na Junta do Credito Publico, deve ser empregado em pagar igualmente as amortisações de todas as dividas, depois bem entendido de pagos todos os respectivos dividendos. Disse o illustre Senador que olhassemos para a historia das nossas conversões; refere-se elle á época anterior á divida estrangeira! Parece-me que sim. Mas agora estamos em outro caso, porque temos uma enorme divida estrangeira, é preciso pois que procedamos a respeita della do mesmo modo que procedermos a respeito da Nacional com boa fé. Muitas Nações, e muito illustradas em taes materias não tem fundos para amortisação, por exemplo, a Hollanda, que depois da Inglaterra é a Nação que á proporção da sua extenção tem maior divida, (cuja divida numericamente fallando é em florins igual é de Inglaterra em Libras esterlinas) a Hollanda tendo uma divida consolidada de 800 e tantos milhões de florins, (que são cruzados) e a Inglaterra outra de 800 e tantos milhões de Libras esterlinas. No entretanto, a Hollanda com dous terços da nossa população, e um sólo esteril, paga mui religiosamente os seus juros, mas não tem amortisação, porque não quer faltar aos juros, deixando isso para épocas mais felizes, e por outras operações indirectas que são bem entendidas naquelle paiz, e que nós havemos de emitar quando se introduzir em Portugal melhor systema financeiro, e houver mais estabilidade nas cousas que eu espero em Deos não ha de tardar muitos mais annos. Este fim póde alcançar-se ainda mais efficazmente pelo systema, ou escala das annuidades. A Inglaterra que não resgata mais de dous a cinco milhões da sua divida annualmente, tem resgatado 70 milhões nestes ultimos annos por este methodo, e está a porta aberta sempre a todos os possuidores de fundos, que quizerem ir amortisar, recebendo uma annuidade muito mais avultada que o juro regular por um perfixo espaço d'annos: eis-aqui outro auxiliar pelo qual a Inglaterra vai diminuindo a sua divida que talvez daqui a cem annos, não haja testo della. Concluo que isto mostra que ha muitos meios de amortisar, e quanto ao que lembrou o illustre Senador, não o condemno, mas nas circumstancias em que nos achamos, acho-o intempestivo, injusto e parcial na sua natureza.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, para mim é principio inquestionavel que toda a Nação que é devedora, tem a obrigação de tractar quanto é possivel de resgatar aquella parte da divida que podér pagar, sem perjudicar os interesses materiaes do paiz, e bem assim que todo o emprestimo convém que vá acompanhado de um fundo de amortisação; mas é tambem para mim principio inquestionavel que ainda que os emprestimos não sejam acompanhados de um fundo para a sua amortisação, nem por isso a Nação deixa de ficar nas circumstancias de fazer a amortisação. Sendo isto para mim inquestionavel, não seria eu certamente quem combatesse a emenda offerecida pelo illustre Senador o Sr. Luiz José Ribeiro, senão houvesse uma circumstancia que já foi tocada nesta Camara, o que eu peço permissão de repetir: e vem a ser, que no momento em que o Governo acaba de reconhecer a necessidade de lançar mão dos fundos de amortisação existentes na Junta do Credito Publico, para occorrer a parte dos pagamentos em Inglaterra, seria um pouco intempestivo que nós estabelecessemos fundos de amortisação para este emprestimo. Sr. Presidente, é um facto sabido que para occorrer a alguma parte do pagamento dos juros da divida estrangeira, o Governo lançou mão de 62 contos das amortisações da Junta do Credito Publico; e lançou mão delles bem persuadido de que quando o Estado não póde pagar a divida Ingleza, e quando julga que apenas tem meios para occorrer a algum dividendo, o credor Portuguez não reputará que o Governo lhe faz injustiça retirando-lhe uma amortisação que lhe foi offerecida ha muitos annos. Estas são as razões porque o Governo deseja que actualmente se não torne em consideração a emenda, e que convirá que esta Camara deixe passar o Artigo em discussão, tal qual se acha no Projecto.

Julgando-se o Artigo 4.º sufficientemente discutido, foi posto a votos e approvado; o additamento do Sr. L. J. Ribeiro ficou rejeitado.

Mencionou-se a correspondencia seguinte:

1.° Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, remettendo uma Mensagem da mesma Camara, que incluia um Projecto de Lei sobre o Contracto para a construcção das estradas do Minho; da ponte de ferro suspensa, junto ao Peso da Regoa; e estabelecimento de Diligencias. — Á Commissão de Administração.

2.º Outro dito dito, remettendo uma dita, que incluia um Projecto de Lei sobre a restricta applicação do imposto destinado para as Obras Publicas do Districto de Aveiro. — Á mesma Commissão.

3.º Outro dito dito, remettendo uma dita incluindo um Projecto de Lei sobre o arrendamento do edificio do extincto Convento de Xabregas, e sua cêrca, á Companhia de fiação e tecidos. — Á Commissão de Fazenda.

O Sr. Presidente: — Amanhã é dia de grande Galla; mas como não foi annunciado Beja-mão, talvez a Camara julgue conveniente dispensar no Regimento para o fim de haver Sessão.

O Sr. Vellez Caldeira: — O maior tributo de respeito que podemos dar a Sua Magestade Imperial é trabalharmos (Apoiado).

Sem mais discussão resolveu a Camara que no dia seguinte houvesse Sessão, para se continuar a tractar do Projecto de Lei sobre a concessão de meios ao Governo.

Passava um quarto das quatro horas, disse o Sr. Presidente: — Está fechada a Sessão.

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