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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 10 de Julho de 183».

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

FOI aberta a Sessão pela uma hora e meia da tarde; presentes 44 Srs. Senadores.

Leu-se, e approvou-se a Acta da precedente.

Mencionou-se um Officio pelo Ministerio da Guerra, em resposta a outro da Camara, participando haverem já sido remettidos os trabalhos, feitos pela Commissão do mesmo Ministerio, ácerca de promoções, e que opportunamente seriam enviados os que dizem respeito a recompensas militares. — A Camara ficou inteirada.

O Sr. Pereira de Magalhães, como Relator da Commissão de Administração, apresentou o Parecer della sobre o Projecto de Lei, vindo da Camara dos Deputados, contendo diversas providencias sobre a direcção das obras da barra de Aveiro, e applicação da contribuição para ella applicada: mandou-se imprimir para entrar em discussão.

Achando-se presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, e da Fazenda, passou-se á Ordem do dia, continuando a discussão especial do Projecto de Lei, da Camara dos Deputados, sobre a concessão de meios ao Governo. (V. Diario N.º 233, a pag. 1447, col. 3.ª)

O seguinte foi approvado sem debate algum.

§. unico (do Artigo 4.º) O dinheiro emparelhado com papeis, que o Governo receber em troca das Inscripções, nunca poderá ser menos de um terço do nominal das mesmas: e o total destas não excederá o nominal do dinheiro e papeis recebidos.

Leu-se depois o

Art. 5.º São admissiveis na presente operação os Titulos de Divida legal, fundada, ou não fundada, interna, ou externa posterior ao dia 31 de Julho de 1833.

Teve a palavra

O Sr. Luiz José Ribeiro: - Eu não deveria já fallar sobre a discussão desta Lei, visto o pouco fructo que tenho tirado das minhas fadigas; todavia ainda o farei outra vez, apesar de estar persuadido que se tem apoderado desta Camara um escrupulo tal, que equivale a um anathema lançado sobre quem se opposer ao Projecto em discussão: porém apesar de tudo isso eu entendo que devo continuar com a mesma franqueza com que até agora o tenho feito (Apoiados).

Sr. Presidente, o Artigo diz o seguinte: (leu.) Eu sei muito bem que a opinião do Governo manifestada na outra Camara foi contraria ao que aqui está escripto, e essa mesma foi a opinião de muitos Deputados; mas o paragrapho é de tal fórma ligado com o Artigo em discussão, que eu não poderei deixar de fallar em ambos simultaneamente.

O pensamento dos Senhores que insistiram em que a divida anterior ao primeiro de Agosto de 1833 entrasse nestas operações, tinha um fim que não póde impugnar-se em toda a extensão, mas que não ha de realmente produzir os effeitos que essas pessoas dezejavam. Era o fim de quem assim pensava que o Governo tivesse uma margem a mais ampla possivel para poder escolher quaes os papeis que deviam vir á operação mixta com mais vantagem; e tambem que se devia proporcionar ao Governo aquelle meio que mais dinheiro effectivo lhe podesse dar; mas, Sr. Presidente, tendo todos os credores do Thesouro, ou da Nação, um direito inquestionavel a que se lhes pague aquillo que se lhes deve, nas circumstancias especiaes em que nos achâmos, entendo eu que ha dividas a que a justiça e a conveniencia publica pedem que se attenda com alguma preferencia ás outras. O Sr. Presidente do Conselho, entre as muitas razões que produzio para mostrar que devia approvar-se o Artigo 2.º, foi uma dellas a de que o Governo tinha um deficit corrente accumulado e de grande vulto, o qual devia ser obrigado a pagar immediatamente, por ser divida exigivel a todo o momento; e que esta era uma das conveniencias que se poderiam tirar da adopção da Lei em discussão. Sr. Presidente, quando em 5 de Junho ultimo eu tive a honra de offerecer á consideração desta Camara um requerimento (do qual os illustres Senadores estarão lembrados), tinha naturalmente um

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fim, que era o de habilitar-me para saber em quanto importavam as tres classes de divida seguintes: pret, ferias, e soldadas de marinhagem; soldos, e ordenados effectivos; e vencimentos das classes não activas; pois que sem estes conhecimentos de facto não era possivel deliberar com conhecimento de causa sobre tão ponderoso assumpto. Felizmente o Sr. Ministro da Fazenda (que presente está) teve a bondade de me mandar entregar aqui parte destes esclarecimentos pelo que pertence ao Ministerio a seu cargo; mas ainda faltará os que pertencem ao Ministerio da Guerra, e tambem os dos Negocios Estrangeiros, não sei porque razão, porque este Ministerio não póde ter uma Administração, ou Contabilidade complicada. Desses documentos vejo eu que peto que pertence a ferias em todas as Repartições aonde as ha, (porque por ahi veio tudo) importam as dividas em 134 contos o tantos mil réis. A divida ás classes effectivas, pelo que pertence aos Ministerios do Reino, Justiça, Marinha, e Fazenda, importa em 1183 contos até 31 de Maio, e isto satisfaz-me bastante por coincidir alguma cousa com os calculos que eu tinha feito, ainda que sem dados positivos, porque estou fóra dos segredos da Administração; e ainda bem. Pelo que pertence ás classes não activas satisfez a Marinha por onde se devem 110:844$315 réis: e o Thesouro por onde se devem 1:966:735$187; importando, ambas estas addições em réis 2:082:579$502. Foi esta parte não me fazem grande falla os exclarecimentos que não vieram do Ministerio da Guerra, porque tendo eu sido membro de uma Commissão da qual foi Presidente o Sr. Barão de Albufeira, tive então occasião de conhecer que o Montepio importava em 192:996$796 réis annuaes. Supponho por tanto que andará tudo por 2:400 contos de divida ás classes não activas, ás quaes (como disse S. Ex.ª) é de somma justiça que se principie a pagar alguma cousa. Mas, Sr. Presidente, ainda ha outra qualidade de divida tão sagrada como esta qual é a dos titulos admissiveis nos bens nacionaes e que deve ser contemplada como é de justiça: aqui estão alguns Generaes, e outros Senhores que os conservam ainda, por serena a paga dos seus trabalhos, e do muito incommodo que tiveram; mas que não foram do numero dos bem aventurados a quem se deu dinheiro effectivo, os quaes fundados em esperanças que jámais se realisaram tem guardado até hoje esses titulos, e os conservam em seu poder como dinheiro (apoiados). Desta divida ha mil e tantos contos, que juntos aos 2:400 contos da divida corrente pertencente ás classes não activas, temos 3:400 contos que é quantia superior á que se precisa para a operação. Porém, Sr. Presidente, havendo esses titulos mencionados no Decreto de 31 de Outubro de 1836 sido chamados á operação indistinctamente, convém que eu declare quaes elles são, na presença do sobredito Decreto; e vem a ser os seguintes: titulos de divida publica; os do emprestimo forçado do tempo do Usurpador, os quaes não figuram no Orçamento do Sr. Ministro da Fazenda; o Montepio que tambem lá não figura; os juros dos Padrões Reaes; as cedulas da Patriarchal; e etc.: vê-se por tanto que o Mappa n.º 30 do Relatorio do Sr. Ministro da Fazenda, aonde está consignada a parte desta divida de que havia conhecimento no Thesouro, montando a 7:000 e tantos contos de réis, deixa um vacuo immenso, por não figurarem lá os titulos do emprestimo do Usurpador, nem os outros que acabo de referir, o que tudo subirá a grande somma, além do que está no dito Mappa; e note-se que são papeis que estão por ahi no mercado a 10, 11, e 12 por cento. Mas, Sr. Presidente, qual virá a ser o resultado disto? Será que muitas pessoas que ainda hoje conservam os seus papeis na esperança que lhos pagassem, serão forçadas a vende-los por um preço muito baixo, vindo nós a fazer por esta fórma um consideravel, mal a essas classes, deixando assim de as beneficiar como dezejâmos (apoiados). Estão por tanto demonstrados os grandes inconvenientes que resultarão não se contemplando taes titulos nesta Lei; e é por isso que eu dezejaria que o Artigo ficasse concebido nos seguintes termos: = Depois das palavras delle as seguintes: - Nas quaes se comprehendem os admissiveis na compra dos Bens Nacionaes, emittidos por virtude da Lei de 15 de Abril de 1835. — No caso de ser approvado este additamento, proponho a suppressão do resto do paragrapho unico. = Parece-me, Sr. Presidente, que a adopção desta emenda não só é conforme aos principios de justiça, mas é tambem conveniente á Nação, e ao proprio Governo: e quando elle apresentar o Orçamento do anno seguinte, desapparecerá d'alli esta divida, ficando assim o Governo aliviado do pagamento della, pelo cumprimento da qual os credores o afligiam, e conseguintemente em muito melhor situação; e as classes a quem se pertende beneficiar, tirarão, senão todo, ao menos o maior beneficio possivel, consignando-se nesta Lei os principios de justiça que tenho expendido.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscoa: — Sr. Presidente, a materia do Artigo é differente da do paragrapho, e conseguintemente parece-me que se devia restringir toda a discussão á doutrina do Artigo, e depois se passaria a tractar da do paragrapho: de contrario, Sr. Presidente, achar-nos-hemos involvidos em uma muito grande confusão (Apoiados),

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu sei muito bem que o paragrapho é distincto do Artigo; mas parece-me que se se pozer á votação a doutrina do Artigo sem as distincções apontadas, póde ficar prejudicado o paragrapho; e não se tirará então o fructo que eu desejo. Faça porém V. Ex.ª as distincções que lhe parecer no acto da votação, mas permitta que eu diga que se se approvar o Artigo, é então necessario o paragrapho. Sr. Presidente, foram consolidados os Titulos que representavam as Peças mandadas vir por João Paulo Cordeiro para arrazar a heroica Cidade do Porto; foram cansolidados os que representavam a divida da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, que era um banco de D. Miguel, (apoiados) e não o hão de ser os que representam divida do tempo Constitucional? Os credores da divida a que tenho alludido, tem um direito indisputavel a que de seus creditos se faça uma menção especial, porque todos são pessoas que se sacrificaram pela Patria; e grandissima injustiça será confundir a sua divida com a do tempo de D. Miguel, A Companhia dos Vinhos, o Contracto do Tabaco capitaniado por João Paulo Cordeiro, assim como outras pessoas e Corporações da igual jaêz, foram os que auxiliaram o usurpador com mais afinco; e quando se abrio um Emprestimo de 2:000 contos em Novembro de 1830, não se obrigou ninguem; todos os que a elle concorreram foram livremente e por sua vontade, e então parece-me que por modo algum se devem igualar os Titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes, com os da divida contrahida anteriormente ao 1.º de Agosto de 1833, Os Titulos a que alludo, e que pela maior parte estão hoje em poder dos credores originarios, representam o sangue derramado em defeza da Patria, ou serviços relevantes de outra qualquer especie; e senão tiveram sahida vantajosa, é porque taes possuidores não pertenciam ao numero dos bem-aventurados; porque a esses ou se pagou em bellos Soberanos, ou se lhes passaram logo os Titulos para os empregarem nas melhores propriedades nacionaes, É dessa desigualdade monstruosa, e da facilidade com que se emprehendiam e concluiam operações ruinosissimas que datam as desgraças deste malfadado paiz; é por essa causa que ainda hoje se não sabe o caminho que levou um milhão de Libras Sterlinas pertencentes aos emprestimos então contrahidos; é pela mesma razão que se amortisará 500:000 Libras Sterlinas acima do par, sem haver obrigação de o fazer, quando os possuidores de taes fundos tinham desembolsado muito menos de metade do seu valôr nominal, mas procedeu-se assim porque pertenciam tambem esses Titulos ao numero dos bem-aventurados; finalmente é porque houve um tempo em que se despendiam milhões sem conta, peso, nem medida para proporcionar riquezas collossaes a pessoas que ha meia duzia de annos apenas tinham de que viver parcamente, ou não tinham aonde caír mortos; sendo certo que taes fortunas se não podiam fazer sem haver grande inepcia, ou o quer que fôsse, nas pessoas que então dirigiam os Negocios do Estado. O certo é que os bem-aventurados receberam tudo integralmente, e que os outros credores foram despresados ou abandonados; e ainda agora estão ameaçados da mesma desgraça! Direi mais, os que então engordaram por meio de grandes ordenados e especulações de toda a especie, são aquelles que actualmente se pertendem inculcar como strenuos defensores das economias, procurando reduzir á fome e á miseria os que actualmente estão empregados (apoiados). Depois de empenhada a Nação, e de ser destruída a fortuna publica por meio de operações mal calculadas, e que não tinham, base alguma solida, argumentam-nos (como então) com a historia das finanças dos paizes estrangeiros, sem se lembrarem que nem em Portugal ha os homens d'Estado que lá existem, nem os habitos, usos, costumes, e circumstancias peculiares do paiz para nos poderem conduzir aos mesmos resultados! E por essa, e por outras razões, que eu, para ir mais seguro, me refiro sempre á deploravel historia das finanças de Portugal, e me não faço cargo do que se passa ou tem passado nos paizes estrangeiros. Lá o progresso consiste na prosperidade da industria, e da civilisação; entre nós o progresso tem dado de si uma liberdade licenciosa que serve, pela maior parte, para deprimir creditos alheios, para desmoralisar o povo, e desconsiderar as pessoas constituidas em authoridade (apoiado). Tal progresso será sempre por mim abominado, em quanto não produzir bens reaes para a Nação Portugueza; e se continuar como até agora muito me lisongearei de ser retrogrado. O certo é, que antigamente havia mais prosperidade do que ha hoje; a gente era mais sincera, leal, e menos ambiciosa. Os Edificios que então se constituiam eram solidos e duradouros, como tudo o mais que então se empreendia; actualmente tudo é feito com precipitação ou leveza, e por isso em nada ha permanencia (rumor). Sr. Presidente, o que eu acabo de referir são factos verdadeiros e palpaveis que todos podem confrontar, e por isso me parece que não deveriam encommodar tanto alguns dos illustres Senadores.

Finalmente, eu entendo que a votação deve ser por partes, e não em globo para que a Camara tenha acção livre de approvar, ou rejeitar aquelles periodos do Artigo uteis, ou desvantajosos, e assim o peço a V. Ex.ª

O Sr. Pereira de Magalhães: — O Sr. Luiz José Ribeiro no seu excellente discurso disse que a Companhia dos Vinhos do Porto fôra um banco de D. Miguel: é necessario fazer distincção, e eu sou obrigado a dar uma explicação n este respeito, porque fazia parte della quando o Exercito Libertador entrou no Porto; até então foi o banco de D. Miguei, mas depois foi o banco do Exercito da Rainha. Quando o Exercito chegou ao Porto todo o Thesouro, se a minha memoria me não engana, tinha 16 mil Libras em Letras das quaes se descontaram logo, e a muito custo, cinco mil e o resto o tomou um verdadeiro patriota, apesar do empenho que fizeram certas figuras para desacreditar estas Letras. Todo este dinheiro se gastou nos primeiros dias, e o Thesouro ficou exhausto. A Junta da Companhia havia fugido, e levado o cofre, então o Governo nomeou uma Commissão, de que eu fiz parte, para tomar conta dos Vinhos da Companhia, e curar da sua administração. Esta Commissão prestou importantissimos serviços, e muito concorreu para o triumpho da nobre causa que alli se defendia, da qual o maior perigo era a falta de recursos, e a Commissão forneceu grande cópia delles não só em dinheiro effectivo: tuas tambem forneceu o Exercito de vinho, e de muitos utensilios e instrumentos para a defesa dos fortes e das linhas: a minha casa estava aberta de dia e de noite para satisfazer ás continuadas requisições que a toda a hora se faziam á Companhia, já de pipas vazias para os reductos e trincheiras, já de enchadas, piqueretes etc. etc. em fim a Companhia durante o memoravel cerco da Cidade Eterna entregou ao Governo mais de 700 contos de réis, em dinheiro, generos e mais effeitos: por tanto com esta explicação fique-se entendendo que se a Companhia foi banco de D. Miguel foi tambem banco para a Causa da Rainha e da Liberdade. Em quanto ao reconhecimento da divida, a que alludiu o Illustre Senador, não posso dar uma explicação tão clara porque no tempo a que se refere, já eu não pertencia á administração da Companhia, nem tinha ingerencia alguma nos seus negocios: direi com tudo, que a Companhia era ao mesmo tempo um banco commercial e uma casa fiscal que arrecadava rendas publicas, e applicava o seu producto á sustentação e obras da Academia, da Barra, das Estradas, como banco ou Companhia mostrou que o Governo lhe devia tantos contos (não sei quantos) que lhe forneceu durante o cerco; o Governo reconheceu esta divida sagrada e em vez de pagala com dinheiro effectivo, como era de rigorosa justiça, creio eu, não sei se me engano, pagou-a com Inscripções de 4 por cento, que valiam menos de metade do seu valôr representativo, quando o Governo havia pago em dinheiro forte a todos os outros Credores do

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porto!!! Como casa fiscal prestou contas da administração das rendas publicas a seu cargo e nellas mostrou ser credora de outra somma de contos, porque creio, se lhe passaram Inscripções, ou hão de passar. Nestas duas operações não vejo senão justiça. Nada mais direi por tanto sobre este objecto, porque não tenho mais esclarecimentos a dar.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Quando eu disse que se mandavam liquidar titulos no valôr de trezentos e tantos contos de réis pertencentes ao tempo de D. Miguel, tinha sciencia do facto; e quando eu digo que tenho esta sciencia estou no caso de o provar. Esses Titulos eram provenientes de vinhos, e agoas-ardentes dados ao Exercito de D, Miguel; isto sei eu porque os documentos estiveram na minha mão para informar o Governo sobre isso.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Pedi a palavra simplesmente para pedir uma explicação ao Sr. Ministro da Fazenda. S. Ex.ª neste artigo com o seu paragrapho estabelece positivamente que serão admittidos os titulos de tal, e tal, e no paragrapho dispõe que se poderão admittir Titulos de divida legal anterior a 31 de Julho de 1833, eu suponho que se quer dar uma preferencia ao Titulos de divida posterior a esta época, mas tendo eu entrado com o Exercito Libertador no Porto em Julho de 1832, havendo uma expedição muito importante que foi a do Algarve, contrahindo-se para sustentação do Exercito Libertador divida anterior a 31 de Julho de 1833, queria saber a razão porque se marcou a época de 31 de Julho de 1833, e se não marcou a de 9 de Julho de 1832 em que o Exercito entrou no Porto, e principiou logo a fazer divida, da qual sei eu que alguma parte della já foi liquidada e paga; mas tambem sei que existe ainda outra parte que o não foi. O Sr. Ministro ha de ter a bondade de me explicar a razão da differença nas épocas.

O Sr. Ministro da Fazenda: — (Sobre a ordem). Sr. Presidente, convém rectificar dous annunciados que fez o Illustre Senador, e meu amigo o Sr. Luiz José Ribeiro. Disse elle que tinha sido reconhecida e consolidada a divida contrahida no tempo da usurpação por João Paulo Cordeiro, e disse igualmente que tinha sido reconhecida e consolidada alguma da divida contraída durante o tempo da usurpação pela Companhia dos Vinhos do Alto Douro. — Parece-me que o Nobre Senador á vista do que vou dizer rectificará as suas ideias. — É verdade que se reconheceu parte do credito dos antigos Caixas do Contracto do Tabaco do tempo de João Paulo Cordeiro, por uma Consulta do Tribunal do Thesouro, mas não é verdade que esse credito fosse consolidado e convertido em Inscripções de 4 por cento: não ha duvida nenhuma que parte deste credito provém de objectos hostis que se lançaram sobre o Porto; entre tanto permitta-me S. Ex.ª que lhe repita, que me não consta que parte alguma desta divida fosse convertida em Inscripções. O mesmo digo a respeito dos creditos da Companhia do Douro: a Companhia tem duas vezes requerido Inscripções de 4 por cento, mas não entrou aqui nem um real por fornecimentos feitos a D. Miguel, tudo isso existe por liquidar, e por reconhecer: não quero com isto dizer que a Companhia não tenha direito, porque tem o mesmo que tiveram os antigos Caixas do Contracto do Tabaco, mas nenhuma dessa divida foi ainda consolidada, nem convertida em Inscripções; o que se lhe tem dado é pela divida legal, contrahida com o Exercito Libertador.

Agora quanto á explicação que pede o Sr. Felix Pereira de Magalhães, observarei que se marcou aqui esta época por que é justamente a época fixa que já se acha marcada para a divida interior, e exterior; mas apezar disso, foi sempre considerada divida legal, (nem podia deixar de o ser) aquella que se provar feita com o Exercito Libertador. Com esta explicação creio eu que o Illustre Senador se dará por satisfeito, porque elle o que queria saber era se essa divida legal seria ou não admittida, tem sido admittida e reconhecida como legal, como se tivesse sido contrahida na segunda época.

Por agora não tenho mais nada a dizer sobre a ordem, e creio ter satisfeito aos dous Illustres Senadores.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, quando se tracta da rectificação de factos não ha homem de bem que deva insistir, mostrando-se-lhe que estava em erro. Eu estava persuadido, como disse, de que a divida de João Paulo Cordeiro tinha sido consolidada; mas diz-se agora que não é assim, e que ha equivocação da minha parte. Não admira que eu me enganasse, porque realmente estou fóra do centro dos negocios, e não posso saber os promenores de cada um delles; porém o caso ainda é mais aggravante do que eu o descrevi, á vista das explicações dadas por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda com a intenção de me combater. Disse S. Ex.ª que a divida do Contracto em que figurou João Paulo Cordeiro não fôra consolidada, mas sim encontrada nas contas de que aquelles Contractadores deviam ao Thesouro; o que equivale a pagar-se-lhe com dinheiro effectivo: isto ainda é peior!

Porém, Sr. Presidente, o que eu disse a respeito da Companhia dos Vinhos do Porto, é exacto; porque pela repartição a meu cargo lhe foram dados titulos na importancia de trezentos e noventa e tantos contos de réis, que eu tive na minha mão, provenientes de fornecimento feito ao exercito do usurpador. O Governo actual porém nenhuma culpa tem disto, porque as inscripções que se passaram foi em virtude de uma Lei feita pelas Côrtes Constituintes: e então digo eu que se houve unta justiça para se passarem essas inscripções á Companhia dos Vinhos do Porto, devia haver a mesma para todos os outros credores; porém infelizmente a desgraça está sempre do lado dos pequenos.... Além de que, credores ha desse tempo, de unia natureza tal, e por quantias tão pequenas, que não tem culpa nenhuma dos successos d'então, e que por isso deviam (como o foi a Companhia) ser igualmente attendidos; (apoiados) mas não o foram, nem vejo disposições para o serem.

O Sr. Ministro da Fazenda: — É exacto o que acaba de dizer o Illustre Senador de que estiveram na sua mão aquelles documentos; mas o que não é exacto é que se passassem inscripções sobre esses titulos. Nesta parte está equivocado o illustre Senador: e parece-me que á vista desta informação poderá terminar o incidente (Apoiado).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Vejo que ha um additamento ao Artigo 5.°, que se reduz a transferir para elle as palavras do paragrapho = e bem assim os titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes emittidos em virtude da Lei de 15 de Abril de 1835. = Esta alteração póde retardar o effeito da Lei, por isso espero que o Senado, pelas mesmas razões com que até aqui tem tido a condescendencia de approvar as disposições do Projecto, attendendo ás razões geraes apresentadas pelo Governo, tambem terá a bondade de dar o seu assentimento ao Artigo tal qual se acha. Sr. Presidente, este paragrapho do Artigo 5.º não foi aqui posto sem muita reflexão, tanto da parte do Ministerio, como da Commissão de Fazenda da outra casa; roas o pensamento della no Artigo em discussão, foi dar preferencia aos titulos de dividas posteriores a 31 de Julho de 1833: e porque? Porque essa é uma divida exegivel, e contrahida na defesa do Throno da Rainha; nella se comprehende aquillo que ha mais sagrado em materia de credito, porque a maior parte provém dos fornecimentos feitos no tempo do cerco do Porto, na época a que já alludiu o Sr. Pereira de Magalhães; assim como a hospitaes civis para o tractamento dos militares do Exercito Libertador; por exemplo, eu estou pagando o curativo dos doentes de 1834, e ainda hoje mandei alguma cousa para o hospital de Villa Viçosa. Então quiz-se dar preferencia a esta divida, não só por ser sagrada, mas porque entrando na operação, o Governo fica aliviado do pagamento d'uma somma exequivel; e pôsto que haja outras dividas igualmente sagradas, aos olhos do Governo, nenhuma é tão attendivel como esta. Entretanto se se marcasse ao Governo a não admissão dos titulos anteriores a Julho de 1833, limitava-se a esphera da operação, e dava-se a possibilidade de algum conloio: eis-aqui porque se redigiu o paragrapho unico, deixando assim mais amplitude ao Governo, no sentido da utilidade do Estado, e não dos Ministros. Concluirei pedindo ao Senado, que, em vista destas considerações, approve o Artigo 5.º sem alteração alguma.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O additamento do Sr. Luiz José Ribeiro não apresenta materia nova, porque aquella que elle contém, é exactamente a mesma que se encontra tanto no Artigo, como no § unico, e que vem a ser: o tornar admissivel a divida fundada, externa ou interna, na presente operação. Sr. Presidente, a minha opinião é que só devem ser admittidos os titulos pela fórma que este Artigo diz, que é a seguinte: (leu). Conseguintemente, se o Governo fizer qualquer outra operação, admittindo nella titulos que não deva, as Camaras estão no seu direito pedindo-lhe a responsabilidade, e então não ha nada a temer (Apoiado).

Agora direi, que até ao presente não se conhecem, para desonerar os Estados de dividas; outros meios senão os da Banca-rota, ou Capitalisação; o da Banca-rota é o mais facil; porém ninguem o quer: — e então o que resta? É a capitalisação. Digo pois, que não ha razão nenhuma para que se lance um anathema sobre a divida anterior a 1833 de que muita é legal, e a prova é o que acabou de dizer o Sr. Ministro da Fazenda, e o Sr. Presidente do Conselho, além tambem do que me consta dever-se ainda parte do cerco do Porto, como é aos bagageiros, por exemplo. — Ponderarei agora que se isto fosse uma medida financeira, cujo fim fosse fazer desaparecer a divida por uma capitalisação, então devia ser geral, mas não o sendo, e sim um emprestimo simplesmente, procurou-se que só fossem admittidos nelle estes titulos, porque se conheceu que era conveniente ao Estado a sua admissão, em consequencia de estarem depreciados; o que faria com que se amortizasse uma maior somma, ou os concorrentes a déssem maior em dinheiro. Concluo por tanto dizendo, que se deve conservar o Artigo como está, porque elle apresenta o meio de se obter maior somma de dinheiro, sem gravame da Junta do Credito Publico (Apoiados).

O Sr. Barão do Tojal: — Eu pedi a palavra particularmente para fazer algumas observações relativamente ás Inscripções de 4 por cento, que se passaram á Companhia dos Vinhos do Porto, porque sendo eu então Ministro da Fazenda fui aquelle que inspeccionei essa conta corrente com a Companhia, e em virtude da qual se lhe mandaram passaras taes Inscripções. O saldo liquidado a favor da Companhia era, segundo tenho idéa, de pouco mais ou menos uns 1:400 e tantos contos de réis: além disto havia já verbas examinadas, com todo o rigor e imparcialidade, que a constituiam credora de outras parcellas consideraveis mas que por não estar aqui preparado não posso positivamente expecificar. Então o Congresso Constituinte authorisou o Governo para passar estes 1:000 contos de Inscripções de 4 por cento por conta, de fórma que se podesse ir embolsando a Companhia, com a declaração porém de que as taes Inscripções fossem calculadas ao par. Esta conta andou sempre muito debaixo das minhas vistas, e a examinei com muitissimo zêlo, e cuidado, devendo declarar que a Companhia se submetteu a este enorme sacrificio, recebendo as Inscripções ao par em seu pagamento, a fim de as poder empenhar, e obter dinheiro por ellas, para se habilitar a satisfazer ás reclamações que lhe faziam os seus credores. Observarei porém que nessa conta não entrava addição nenhuma de fornecimento feito ao exercito do Usurpador, antes pelo contrario ella constituia uma divida muito sagrada, e o Governo foi muitissimo feliz em achar a Companhia disposta pelas suas peculiares circumstancias a fazer esta transacção.

Passando agora ao Artigo direi que voto por elle como se acha, e igualmente pelo paragrapho, porque entendo, como axioma, que o Governo tem obrigação de pagar todas as suas dividas ao par: mas se esses papeis se acham tão depreciados, que elle póde remir alguns ainda com o seu sangue em mãos de terceiro que por combinação lhes cedem em operações mixtas, com grande desconto do valôr nominal, faça-o; mas fique-se entendendo sempre que isso é de mau pagador, e só tem desculpa na complicação do nosso estado financeiro actual, e effeito de nossos desastres politicos, e desarranjos de remota data, que só com o tempo, muita perseverança, e intelligencia se poderão de todo vir a vencer. Todos nós sabemos, Sr. Presidente, que aquelle individuo que é muito escrupuloso e pontual nos seus contractos, é sempre o que levanta meios com mais facilidade e menos custo: outro tanto deve acontecer aos Estados, pois que nestes casos se dá muita paridade entre os individuos particulares e as Nações. A boa fé, a integridade, o exacto cumprimento das obrigações, é um dever já pelo exemplo, já pelas consequencias de pratica contraria, tanto, ou ainda mais essencial nos Governos do que nos particulares. Para mostrar até que ponto o Governo leva esta mo-

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ralidade, este espirito de rectidão em Inglaterra, eu concluirei estas minhas observações com fim caso. V. Ex.ª estará lembrado da grande ponte de suspensão em Bargor (Menai bridge), ahi havia uma pobre mulher que estava, havia muitos annos, no costume de passar atravez daquelle braço de mar as malas e os passageiros que vio para a Irlanda por Holihead, de cujo exercicio tirava um proveito (se me não engano) de umas 150 libras por anno; aconteceu porém que o Governo concebeu a idéa, e teve o arrojo de formar alli uma enorme ponte de ferro de suspensão, e em virtude disso ficou a pobre mulher sem ter que comer; porém o Governo apesar de estar perfeitamente no seu direito em construir a ponte, respeitou ainda assim, levado da sua innata idéa de justiça, a posse adequirida por aquella familia alli; reconheceu que isso era motivo bastante para se indemnisar aquella mulher, e por isso lhe deu uma pensão igual ao rendimento que ella d'alli tirava, para si, e para toda a sua familia em perpetuidade, isto, Sr. Presidente, é que é verdadeira moral, e o Governo que a observa, terá sempre recursos em abundancia, e muito quem o sirva bem.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Se eu tivesse sido bem entendido, não teria de certo progredido esta discussão. Sr. Presidente, em uma das Sessões passadas queixou-se um dos Srs. Ministros da Corôa de que se lhe respondesse a expressões que elle não tinha dito: é exactamente isto mesmo o que hoje me tem a mim acontecido; porque tenho sido combatido sobre idéas que não são minhas, nem eu ennunciei!

Fallou-se em banca-rota; mas por ventura proferi eu similhante expressão, ou disse que a queria? Não, porque nunca foram nem são essas as minhas idéas; nem por sombras: o que eu disse foi que todos os credores do Estado tinham igual direito para receber o que se lhes devia; e quem falla assim não vai para banca-rota: a minha vida publica não tem sido tão curta que não conte já 35 annos de serviço, durante os quaes tenho dado bastantes provas de que não possuo taes idéas. Eu, Sr. Presidente, sou declarado inimigo de banca-rota, e de pontos; e dezejo que se proceda em tudo com honestidade e boa fé, como o deve dezejar todo o homem justo (Apoiados). Ouvi em uma das Sessões passadas dizer ao Sr. Presidente do Conselho, que uma das razões que havia para dever passar o Artigo 2.º, era para que assim se podesse pagar o deficit corrente porque era uma divida exigivel a todo o momento, e nisso concordo eu: porém confundir uns titulos com outros, nisso é que eu não posso concordar; por quanto torno a repetir, que ha aqui Generaes a quem se pagaram os seus soldos com titulos admissiveis e que são o equivalente do sangue que derramaram; e por isso será uma grande injustiça o não serem admittidos: opponho-me por tanto a que se confunda a divida do tempo da usurpação com aquella que custou muitos sacrificios e muitos incommodos em ganhar-se, o que seria uma injustiça muito grande; nem sei como alguem possa querer que se considere tal divida a par dos credores da divida contrahida do 1.º de Agosto de 1833 em diante; apesar de não estar convenientemente definida a época que fixe com justiça o ponto de partida para taes liquidações ou distincções, porque o Governo da Rainha estabeleceu-se no Porto em 9 de Julho de 1832; em Lisboa em 24 de Julho de 1833; e nas Provincias do Reino em Abril e Maio de 1834; e porque taes épocas não estão bem definidas, e todas as liquidações se tem querido referir ao 1.º de Agosto de 1833, é que eu tenho infringido essas disposições, e não me arrependo: muitos credores se me apresentaram para receber, e eu não lhes paguei, porque vendo que era divida anterior e do tempo de D. Miguel disse-lhes que fossem a elle que lhas pagasse.

No entre tanto eu observo que nós estamos todos de acôrdo; porque, o que os Senhores Ministros querem é que se approve o Artigo; porque assim deixam nesta parte de ser incommodados pelos credores, e nisto lhes acho eu muita razão; porém o meu dezejo era que se tirasse daqui este escandalo, salvando-se ao mesmo tempo os credores que tem taes titulos; porque, torno a repetir, eu não posso consentir em que elles sejam confundidos com os outros do tempo da usurpação: tenho-me empenhado em que se faça justiça, e senão confundam os creditos dos Constitucionaes com os dos Miguelistas; a minha consciencia fica salva; a Camara decida o que quiser porque eu não fallo mais neste assumpto.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O illustre Senador que acaba de fallar pareceu escandalisar-se de eu ter fallado em banca-rota, porque elle não tinha fallado nisso. Mas quem me priva a mim de fallar em banca-rota? Se eu tivesse attribuido ao Sr. Luiz José Ribeiro a idéa de banca-rota, então teria alguma razão, mas o que eu disse foi que quando uma Nação se vê obrigada a deixar de pagar os ordenados aos seus empregados, e estes se accumulam anno sobre anno, e essa Nação não tem meios de os pagar, ou ha de fazer banca-rota, ou capitalisar. O illustre Senador é muito instruido para não conhecer a verdade desta proposição. No estado actual do mundo, nenhuma Nação paga em dia, que eu saiba, á excepção dos Estados-Unidos, e Inglaterra; os Estados-Unidos porque não tem atrazados, nem divida nacional corrente; e em Inglaterra porque lá apenas se faz uma despeza, não se deixa em abandono a sua liquidação dous ou tres annos, tracta-se logo dos meios de a liquidarem quanto é facil precaver as malversações; logo que marcha um Exercito, que parte uma Esquadra, ou em fim que ha outro qualquer motivo de despeza, lança-se a competente verba nos livros da Thesouraria, e destinam-se-lhe fundos; assim existe sempre liquida a Conta do Estado. Nós desgraçadamente não podemos fazer isto, nem as Nações aonde a receita não chega para a despeza; mas deve fazer liquidar esta despeza, e não deixar passar de annos para annos, porque de outro modo até os documentos se podem substituir por outros falsos; emfim, este é o modo de evitar fraudes. É o que tinha a dizer, e concluo que em nada me referi ao Sr. Luiz José Ribeiro.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, a mim soou-me muito mal a palavra banca-rota, por que tenho horror a tal medida; mas não me passou pela idéa, que o Sr. Barão de Villa Nova de Foscoa me attribuisse que eu o offendia nos seus principios; e nesta parte dou ao Ilustre Senador a mais ampla satisfação; mas S. Ex.ª tambem me ha de fazer justiça, porque creio conhece as minhas intenções. Eu respeito muitissimo a todas as pessoas e principalmente, o Sr. Barão de Villa Nova de Foscoa (que ha muitos annos me honra com a sua amisade) e por isso não podia dar-me por offendido com as expressões proferidas por S. Ex.ª por que são muitas as provas que tenho da distincção com que me tracta; mas desejo tambem que se acredite, e nessa parte creio que S. Ex.ª me fará justiça, que eu não sou capaz de atacar pessoa alguma acintosamente; posso tornar na discussão alguma parte mais acalorada, como succede a diversos Senadores, mais ahi acabam os meus ataques, sem que me fique a menor reserva (Apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda: — Direi poucas palavras, apesar de que muito podia dizer, porque realmente a materia é um pouco vasta. Sr. Presidente, o nobre Senador o Sr. Luiz José Ribeiro, a segunda vez que fallou, explicou um pouco melhor (pelo menos eu entendi-o melhor) o que S. Ex.ª pertende que se accrescente no Artigo 5.º que está em discussão, isto é, a circumstancia de que devem ser admissiveis nesta operação, os Titulos que o são na compra dos Bens Nacionaes; e deste modo é para elle indifferente que se elimine ou não o paragrapho do Artigo: eu não percebi logo ao principio, e julguei que ainda mesmo com esta circumstancia, elle tinha proposto que, uma vez que isto se consignasse, se eliminasse todo o paragrapho; e então eu havia de me oppôr altamente á sua opinião, porque eliminado o paragrapho ficava o Governo inhibido de podér usar dos meios da emissão; mas agora estamos entendidos.

Sr. Presidente, é exacto quanto tem dito os illustres Senadores: um pertendeu que os Titulos admissiveis estejam em paralello com os Titulos de divida legal posteriores a Agosto de 1833; e outro entendeu que os Titulos anteriores ficassem em iguaes circumstancias e valôr, porque effectivamente tanto a divida posterior como a anterior, comprehendem muitas classes que estão todas em identicas circumstancias. Mas, Sr. Presidente, qual seria a razão porque a Lei passou assim na outra Camara? Na Commissão de Fazenda, e tanto desta, como da Camara dos Deputados, aquelles Srs. que concebam esta operação como um emprestimo entenderam, e entenderam bem, debaixo deste ponto do vista, que quanto mais larga fôsse a esphera dos Titulos admissiveis, tanto mais facilidade haveria para o Governo, em contractar o emprestimo, e contracta-lo com clausulas menos morosas; admittidos aquelles Titulos anteriores a 81 de Julho de 1833, que tinham um preço menor no mercado, havia de apparecer maior numero de concorrentes, e offerecer-se mais dinheiro com menor sacrificio: mas, Sr. Presidente, muitos outros individuos, tanto nesta como na outra Camara, suppõem que esta operação debaixo de um aspecto, seja emprestimo, e debaixo de outro entendem que é capitalisação; e estes querem dar preferencia aos Titulos de divida posterior a 31 de Julho de 1833, tractando assim de os capitalisar, por se reputar que essa divida é um aguilhão pungente que está sempre ao lado do Governo. Já se vê por isto, Sr. Presidente, que diversos modos de pensar deveriam apparecer na outra Camara, e que diversos modos de pensar deveriam tambem apparecer nesta, a respeito de taes especies. Quanto a mim considero isto como uma capitalisação; e debaixo deste ponto de vista, direi que deveram ser admissiveis os bonds de 3 por cento Inglezes, e diria tambem o fôssem os Titulos que constituem o deficit moderno, porque uma vez que entrassem nesta operação, o Governo ficava exonerado do seu pagamento, porque, é necessario que a Camara note que o Governo, quando depois tiver recursos, sendo obrigado a pagar igualmente a todas as classe, não póde alterar esse methodo: portanto os Titulos das classes inactivas que entrarem nesta operação, são outras tantas obrigações de que o Governo fica aliviado, e então mais facilmente poderá attender ao pagamento de todos os Empregados. Ora, Sr. Presidente, não é esta a occasião de se entrar na questão se isto se deve considerar emprestimo ou capitalisação, porque é uma e outra cousa, nem se devemos dar preferencia a certos Titulos, por se considerar Capitalisação, ou se a outros por se reputar uma operação mixta; o que é certo, Sr. Presidente, é que se a Lei passar tal qual está, o resultado ha de ser que os Titulos que hoje tem mais valôr, isto é, os posteriores a 1833, talvez desçam, e os anteriores hão de pôr-se em paralello; de maneira que, nem os anteriores a 1833 se hão de vender pelo barato preço porque se vendem actualmente, nem os outros subirão, e eu creio que irão ao par com pouca differença. É preciso mais saber, Sr. Presidente, (porque a Camara deve ser informada de tudo) que o Governo propendeu sempre para que se admittissem os Titulos posteriores a 1833, mas quando ouvio razões em contrario na outra Camara, entendendo que nenhum grave prejuizo resultava á Nação nem aos possuidores desses Titulos, em se admittirem os anteriores áquella época, accedeu a isso; e debaixo desta accedencia, houve uma transacção (permitta-se-me a expressão) nos dous modos de pensar da Camara, e veio-se a este accôrdo, que o Governo julgou muito vantajoso em relação ás circumstancias em que se acha collocado, quero dizer, que o Governo ha de admittir na operação os Titulos de divida legal, fundada ou não fundada, interna ou externa, posteriores a 1833, e quanto aos outros, tem a faculdade de os admittir ou não; o que o Governo ha de fazer é escolher; se por ventura se lhe offerecer mais dinheiro com menor sacrificio em proposta na qual entrem Titulos anteriores a 33, deve admitti-los; mas a differença é que elle não póde excluir a divida legal designada no Artigo 3.º ao mesmo tempo que póde excluir a outra.

Sr. Presidente, os Titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes constituem um divida sagrada, e todos sabem que representam a indemnisação daquelles individuos que foram obrigados a emigrar, que soffreram trabalhos, e que fizeram serviços; todos sabem igualmente que estes Titulos tiveram um valôr muito grande, que teriam conservado se por ventura as vissisitudes do paiz não nos obrigasse a dar aos Bens Nacionaes outra applicação diversa da que tiveram na sua origem; V. Ex.ª, e toda a Camara sabe que até certo tempo, estes Titulos eram exclusivamente admittidos na compra de taes bens, mas as circumstancias do paiz, Sr. Presidente, tem feito com que o Governo, e em muitas occasiões tambem as Côrtes, tenham, por assim dizer, commettido injustiças relativamente fallando, mas que não são injustiças relativamente pensando, dando outro destino aos Bens Nacionaes, o resultado foi que os Titulos admissiveis ficaram depreciados. O Governo tanto reconhece que esta divida é sagrada que apenas na outra Camara se levantou uma voz para que podessem ser admittidos nesta operação immediatamente acquiesceu; mas é necessario notar outra circumstancia. O Governo

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apresentou na Camara dos Deputados uma Proposta tendente a facilitar a venda dos Bens Nacionaes, admittindo nova moeda na compra delles, e tão certo é que o Governo considerou as Titulos de que tenho fallado, que propoz que elles entrassem naquella venda: então, como os bens Nacionaes (além daquelles cujo donativo tem sido pedido por Camaras e outras corporações) ainda sobem ao valôr de 800 e tantos contos só os que estão já avaliados, segue-se que postos alguns desses bens em praça sendo os Titulos asues reputados como moeda, tem esta saída certa para o futuro. Havia ainda mais outra razão, Sr. Presidente, para o Governo não insistir em que os Titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes, não fôssem incluidos na disposição do paragrapho, e vem a ser, que esses Titulos tinham admissão na conformidade da Lei primitiva, e toda a divida que já tem um meio de amortisação, deve sim ser considerada, mas não mais privilegiada do que todas as outras que ainda não tem nenhum. E que meio tem as classes inactivas? Nenhum outro senão aquelles que mencionou o illustre Senador o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: ou se lhe ha de pagar em dinheiro effectivo, o que é impossivel, ou então fazer uma bancarota, ou capitalisar. Diz-se que o Projecto em discussão veio da outra Camara muito defectivo: e porque? Pelas razões que eu expliquei ao Senado, a primeira vez que tive a honra de fallar nesta Casa relativamente a este assumpto; pelas circumstancias em que se acha o paiz excepcionaes a todos os respeitos, e ainda muito mais a respeito de Fazenda, o que obsta a que se possa tomar uma medida geral sobre este objecto. Nós havemos de ir applicando remedio ao mal, havemos de abraçar Juno e não a nuvem, mas ha de ser pouco a pouco, porque attender ao mesmo tempo a todas as dividas estrangeiras e nacionaes, accudir a todos os encargos do Estado, é impossivel. Como pois os Titulos admissiveis não eram excluidos pela Lei, e tambem porque immediatamente se preencher o contracto com o Banco, devem entrar na compra dos mesmos bens, na conformidade da Lei, o Governo não insistiu sobre isto.

Em vista das considerações que tenho feito, concluo que a Camara póde encarar a questão como entender, porém qualquer que seja a sua resolução a este respeito, os nobres Senadores podem ficar certos de que o Governo ha de andar nisso com a moralidade que lhe cumpre; e não só pela sua propria reputação, mas porque, como V. Ex.ª sabe, elle tem de dar conta do que fizer, tanto na outra como nesta Camara.

O Sr. Miranda: — Eu não referirei algumas expressões do primeiro orador que fez uma grave censura a esta Camara; tenho votado segundo a minha convicção, e por convicção hei de votar por este artigo, tal qual está redigido. Não ha razão nenhuma para rejeitar o artigo porque todos os titulos legaes que se admittem são de justiça admissiveis, e não podem ser excluidos na sua generalidade. Para melhor me explicar, considere-se um d'entre os muitos casos que realmente existem: por exemplo, o de um Official mutilado em consequencia das feridas que recebeu na guerra Peninsular: senão existisse o facto da usurpação, deveria marcar-se alguma época para deixar de ser considerado por seus vencimentos neste Projecto de Lei? Mas os serviços deste Official serão desconsiderados, e desattendendo o direito que elle tem por um facto em que não interveio, e pelos excessos de barbaridade que não auxiliou nem promoveu? Certamente que não; e o que deste Official digo, direi a respeito de todos os Officiaes, Empregados, ou Pensionistas que estão no mesmo caso. Uma unica excepção é justa, e essa excepção é sómente relativa aquelles Credores que concorreram para sustentar o usurpador; porque este é illegal, e illegal é por consequencia a admissão dos Titulos relativos aos que estão neste caso: por tanto em se dizendo que é a divida legal anterior a 33, fica excluida toda aquella que está nas circumstancias que apontei, por isso mesmo que não é legal. Parece-me que estas considerações bastavam para approvar o artigo; e tudo quanto se tem dito em contrario não serve senão para lançar algum desfavor sobre aquelles que votam segundo a sua convicção: e eu o que quero é que nem a mais leve alluzão se faça á idéa de que nesta Camara se vota sem ser por convicção. Approvo por tanto o artigo 5.º e o paragrapho.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu já disseque não respondo senão pelas expressões que profiro, e não pelo que gratuitamente se me quizer attribuir. Se eu tivesse proposto que se restringissem as faculdades ao Governo, razão teria o Illustre Senador a quem respondo. Eu não propuz a suppressão do artigo, propuz uma transposição, que, a adoptar-se, deixará fóra de duvida o direito que assiste a todos os Credores que estão nas mesmas circumstancias, o que não succederá com a redacção actual da Lei; e nessa hypothese será desnecessario o paragrapho. O que eu levo em vista é que os Credores que possuem Titulos de divida de igual ou identica natureza sejam francamente admittidos a concorrer á operação por meio de disposições claras inseridas nesta Lei, e não por favor do Governo, ou por arbitrios adoptados por quem o representar na execução desta Lei; finalmente dezejo que a justiça seja igual para todos os Credores que tiverem igual direito, e que se não confundão as dividas contrahidas no tempo da usurpação com as que foram contrahidas pelo Governo legitimo; e é por essa causa que insisto na minha opinião.

O Sr. Vellez Caldeira: — O Regimento diz que ninguem poderá fallar mais de duas vezes, não sendo Relator, e por isso o Sr. Luiz José Ribeiro não podia fallar tanta vez. O Sr. Luiz José Ribeiro disse que se queria explicar: vontade de o entender linha eu; mas não me foi possivel. O Illustre Senador já modificou a sua emenda porque elle depois do additamento ao artigo 5.º queria eliminar o paragrapho, agora que está addicionando o artigo quer que fique o paragrapho unico; isto não póde ser. O paragrapho deve subsistir quanto á divida anterior a 33 que está legitimada, pois que no paragrapho se diz sómente a divida legal: agora quanto aos titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes, esta divida tem uma hypothese especial, que subsiste logo que acabe a divida do Banco; de mais ha um Projecto de Lei na Camara dos Deputados a respeito destes titulos, a maior parte dos quaes já não existem na mão dos Originarios Credores; eu tenho ainda os meus, e não quero o privilegio, porque sempre é odioso. Portanto o artigo deve passar como está.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Em questões desta natureza toda a liberdade é pouca, e é necessario que cada um possa fallar francamente. Respeitando muito o Illustre Senador que me precedeu, assim como as suas opiniões, declaro que o não quero para Juiz da minha consciencia, porque ainda lhe não conferi essa faculdade. Se elle me não entendeu não sou eu o culpado, não é facil decidir em qual dos dous está o defeito; o certo é que eu tambem o não entendo a maior parte das vezes que falla, e ainda lho não disse. A questão é grave e importante, e quando se tracta de administrar justiça recta devem ouvir-se livremente todas as opiniões. O Illustre Senador entende que faz justiça defendendo a doutrina do artigo; e eu entendo que se elle passar produzirá a Lei o effeito contrario. O que elle póde fazer, e eu lhe não devo disputar, é votar pelas suas opiniões rejeitando as minhas; mas é necessario que me conceda igual direito, porque a sua authoridade tem a mesma origem da minha; e pelo que me respeita não estou disposto a admittir aristocracias nesta Casa. Paro aqui por me parecer mais prudente proceder assim do que continuar.

O Sr. Presidente: — Esta questão de ordem não me parece concorrer para a ordem da discussão; (apoiado) e sem necessidade se perde o tempo em vez de se ganhar. Toda a Camara sabe que pelo Regimento nenhum dos seus Membros póde fallar mais de duas vezes, excepto os Relatores das Commissões; mas creio que toda a Camara convirá tambem em que, havendo nesta questão uma opposição pouco numerosa, e completamente de boa fé, não seria fóra de proposito conceder a palavra a algum Illustre Senador um pouco mais amplamente do que em regra se acha estabelecido para as discussões do Senado (Apoiados geraes).

Dando-se a materia por discutida, foi o artigo 5.° posto á votação, e approvado salvo o additamento do Sr. Luiz José Ribeiro; quanto a este, sendo proposto, ficou rejeitado.

Os que seguem foram approvados sem discussão.

§. Unico (do artigo 5.°) O Governo poderá tambem, se o julgar conveniente, admittir Titulos de divida legal anterior ao dia 31 de Julho de 1833, designados nos Decretos de 31 de Outubro, de 26 de Novembro de 1836, e bem assim Titulos admissiveis na compra dos Bens Nacionaes, emittidos por virtude da Lei de 15 de Abril de 1835.

Art. 6.° Os contractou que tiverem logar para levar a effeito o todo, ou parte das operações desta Lei, serão realisados, procedendo concurrencia publica, dividamente annunciada, com sufficiente espaço de tempo; e fica o Governo obrigado a admittir nella todas as propostas que não offerecerem menos de cem mil réis em dinheiro effectivo.

Leu-se depois o

§. Unico. Todos as papeis de credito, que forem admittidos nas operações, entrarão no Thesouro conjunctamente com a parte que deve ser recebida em dinheiro.

E teve a palavra

O Sr. L. J. Ribeiro: — Este paragrapho contém uma idéa muito luminosa, que faz muita honra a quem fez com que ella fosse inserida nesta Lei, mas para cohibir completamente os abusos que se possam vir a cometter sobre este objecto, desejo que se lhe addicione o seguinte paragrapho: = Os titulos que se houverem de receber serão remettidos ás Estações competentes, a fim de serem averbados e trancados. = Eis-aqui a medida que eu proponho, e o que se praticava quando as cousas se faziam em boa ordem; e de se não adoptar esta emenda resultarão graves inconvenientes; pois que estão sendo dadas em relação muitas dividas que já não existem; porque a maior parte dos titulos entrados nas operações ficavam por longo tempo em poder dos mutuantes, por não os obrigarem a entrar com elles no mesmo acto que entregavam o dinheiro; e quando entravam (se entravam todos) não eram enviados ás Repartições por onde originariamente foram contrahidas as dividas para alli serem averbadas e trancadas como cumpria. O certo é que da facilidade com que no Thesouro se pagavam em outro tempo Titulos de divida contrahida em Repartições que lhe eram estranhas, sem a intrevenção destas, ou de os admittirem nas operações mixtas, tem resultado graves prejuizos á Nação, por se abonarem documentos illegaes, e alguns falsos! Eu tenho recebido ordem para mandar resgatar documentos na importancia de centenares de contos de réis, sem saber quem recebeu o dinheiro, mandando dar em troco delles conhecimentos em fórma legal passados pelo Thesoureiro e Escrivão do Cofre da Repartição que dirijo como dinheiro recebido effectivamente, figurando depois na Conta do Commissariado grandes verbas de despeza que elle immediatamente não pagou. No acto da conferencia desses Titulos, tenho dado ordem para que sejam refutados todos os documentos que não estiverem legaes, ou fossem pagos, ou acceites no Thesouro sem as formalidades que as Leis requerem; e não são de pequeno valôr aquelles que já estão postos de parte.

Em outro tempo, sendo Deputado da Junta dos Juros, assisti á realisação de diversos emprestimos contrahidos pelo Governo, e jámais se receberam papeis em operações mixtas sem que os mutuantes os apresentassem logo, nem se lhes davam as Inscripções ou Apolices, antes que das Repartições competentes mandassem dizer que eram legaes os sobreditos titulos. Sendo muito luminosa, como já disse, a doutrina do paragrapho, com tudo, para se conseguir o fim que se teve em vista, dezejava se lhe fizesse o additamento que proponho, pois que as vantagens que delle podem resultar são visiveis, e os males que se tem seguido da pratica contraria, pouca gente os sabe avaliar. Houve anno em que resgatei 840 contos de réis de documentos de despeza, os quaes nem vi, nem mandei pagar, e só porque tinham pertencido á Repartição que actualmente dirijo mandaram-se arbitrariamente entrar na Conta da minha responsabilidade; e dizia-se depois que o Commissariado era um sorvedouro, dos dinheiros da Nação, sem se averiguar a origem disto! Eu sei que ha por ahi muitissimos titulos que não são legaes, e houve tempo em que appareceu uma infinidade de documentos falsos por saberem que antes de serem pagos não eram examinados por quem tinha conhecimento pratico da origem da divida; por casualidade pude dar com o passador d'um delles, e apesar de ser já em tempo constituional, não tive dúvida em dar ordem á guarda da Repartição para apanhar o portador; partecipei o facto ao Ministro da Guerra, que então era o Sr. Marquez de Saldanha, fazendo-lhe uma relação muito circumstanciada do acontecido, e fazendo-lhe vêr o perigo que havia em se pagarem taes documentos sem conhecimento das Repartições a que a divida pertencia; e o Mi-

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nistro do Reino, que era o Sr. Magalhães, veio a saber que o author da falsidade era um preso que já estava no Limoeiro por outros crimes similhantes. Os documentos estavam tão bem feitos que eu ainda cahi em mandar pagar um delles, apesar das minhas cautelas. Mas que providencia deu o Thesouro a tal respeito? Disse que os pagamentos continuavam como até então a ser feitos no Thesouro e que viriam ao Commissariado dous Officiaes daquella Repartição (feitos procuradores das partes) indagar se os documentos apresentados lá estavam ou não façaes! Para que não venham a repetir-se factos taes como os que relatei, é que eu julgo indispensavel adoptar-se uma disposição que evite o mal na sua origem. Em materia de Administração o grande benefico não está em conhecer os roubos depois de feitos; a grande providencia consiste em precaver, do melhor modo possivel, que se não commettam outros facilmente. Ora eu estou persuadido que o fim essencial que se pertende obter pelo paragrapho em questão não fica completo: é verdade que nelle se determina que os papeis entrem no Thesouro conjunctamente com o dinheiro, mas isso só não basta tempo houve em que alguma gente entrava com elles quando queria; especulava-se sobre a miseria dos pobres Reformados que eram obrigados a recorrer a essa mesma gente que cumpria as suas obrigações quando lhe fazia mais conta: a providencia consignada no paragrapho será muito efficaz se antes de se darem as inscripções aos mutuantes se mandar ás Repartições donde os titulos sahiram, saber se estão no caso de ser pagos, para se trancarem. Á minha mão tem vindo alguns que já estiveram no Thesouro, talvez com a promessa de pagamento. Em quanto se não estabelecer como regra geral que o documento para ser pago deve previamente, sujeitar-se ao exame da Repartição onde se processou, ha de haver possibilidade de lezar a Fazenda. Por exemplo, um titulo que representar tres contos de réis, e tenha sido originado de 50 ou 60 documentos, e estes tenham sido distruidos no acto do resgate, não se póde conhecer depois se houve dolo a maior parte dos documentos que figuram nas contas do Estado são realmente verdadeiros quanto á fórma, mas alguma da divida que elles representam era falsa na sua origem! Por tanto, ao menos para cortar o mal pela raiz, não se dêem logo as Inscripções aos mutuantes: bem sei que ás vezes uma divida está ligada com milhares de documentos, e quando se vai proceder ao necessario exame, não se sabe já quem foi o portador, e a Fazenda perdeu sem remedio; mas isto não se dá em todos os casos, e naquelles em que fôr possivel evitam-se grandes males. Proponho pois este additamento, o qual espero a Camara tomará na devida consideração, e resolverá como entender.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu queria dizer poucas palavras. São muito luminosas as idéas do illustre Senador, mas tudo é regulamentar, tudo o Governo deve fazer, e estou certo que o fará, sem que para isso seja necessario que tal disposição vá incerta na Lei. Não são as Leis minuciosas que dão logar a menos infracções: o Artigo já foi composto com alguma prudencia, e é provavel que o Governo occorra a esses inconvenientes. O illustre Senador disse que houve embaraços; é verdade, mas o Governo não os causou, e por isso é de esperar que o Governo não será tão indolente que ou não se lembre desses embaraços, ou que se lhos lembrarem, se esqueça delles. Eu creio que o paragrapho póde approvar-se como está.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Depois das explicações que acaba de dar o Sr. Presidente do Conselho de Ministros não insistirei no additamento visto que os Senhores Ministros promettem, como era de esperar, que nos Regulamentos que o Governo ha de fazer ficará tudo acautelado: entre tanto o facto é que desde 1833 até hoje ainda taes Regulamentos se não tem feito. Os Senhores Ministros hão de perdoar-me, porque eu nem me refiro aos actuaes, nem aos seus antecessores, refiro-me a factos; e elles provam que até hoje se tem feito o contrario do que SS. EE. acabam de asseverar; e d'ahi se tem seguido grandissimos males. Eu dou-me por satisfeito com o que S. Ex.ª acaba de dizer, porque dezejo se consigam os fins e não me importam os meios; por tanto fico certo que isto se ha de prevenir no Regulamento da Lei. Nem eu posso ser censurado por ter esta lembrança, util, porque os Senhores Ministros hão de convir que ha seis annos nada se tem feito que bom seja sobre tal ponto; e não posso deixar de dizer que estimei muito que os Senhores Ministros estivessem possuidos das idéas que acabei de ennunciar: não faço mais questão sobre isto, e retiro o meu additamento, por ter conseguido o meu fim.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Eu não posso prescindir da palavra, não para combater as idéas que se tem expendido, porque ellas são santas e justas, mas porque é necessario dar uma explicação, para não recahir no Thesouro o que se tem feito depois de certa época.

Sr. Presidente, o paragrapho que estamos discutindo é puramente Regulamentar, e por tanto não devia ser inserido na Lei; isto pertence propriamente ao Governo; mas houve uma lembrança na outra Camara, e assim se approvou: entre tanto se eu só fosse o Legislador, é claro que tal paragrapho não entraria no Projecto. Para se obter o que quer o Sr. Luiz José Ribeiro, era perciso que a Lei não contivesse o paragrapho, porque, entrando os titulos conjunctamente com o dinheiro, não fica entrevallo nenhum para o Thesouro mandar ás Repartições competentes saber se esses titulos são ou não legaes, e para que o Thesouro o possa saber é perciso que haja tempo para isto se perguntar, por exemplo, ao Commissariado, ao Arsenal do Exercito etc.: mas se os titulos hão de entrar conjunctamente com o dinheiro esta claro que a operação se não póde fazer se não á posteriori. É necessario distinguir duas épocas; quando no Thesouro se passavam cautelas que deviam ser pag as pelas Repartições competentes..... nesse tempo não sei que houve, nem isso me importa: mas desde que no Thesouro se fez a primeira operação mixta (devo dizer isto em abono de um homem com cuja amisade muito me honro, o Sr. Passos Manoel) como se procedeu? Admittiram-se propostas de dinheiro e de titulos, mas estes titulos não foram logo legalisados da mesma fórma que o não hão de ser agora, porque, Sr. Presidente, para uma operação de 100 contos de réis entram talvez 600 titulos, e então já se vê que entrando no Thesouro conjunctamente com o dinheiro, é preciso tempo para se classificarem peias relações, manda-los depois ás Repartições para os legalisaram, e averba-los de pagamento, porque, como bem disse o Sr. Luiz José Ribeiro, ha muitas Repartições que estão dando por divida aquillo que já não é divida. Digo pois que, entrando os titulos conjunctamente com o dinheiro, é absolutamente impossivel esta operação; melhor fôra que a Lei não dissesse nada a este respeito, porque o Governo tendo a responsabilidade sobre si, só admittiria os titulos cuja legalidade não podesse soffrer dúvida nenhuma, e a respeito dos outros receberia o dinheiro assignando um prazo certo aos concorrentes á operação para apresentarem os titulos. Mas, Sr. Presidente, é preciso dizer em abono da verdade o que se tem praticado nas operações mixtas: os titulos entravam no Thesouro, do anno de 1836 para cá, com differença de dias e mezes, mas é tambem necessario que eu diga que nem todos podem trazer immediatamente os titulos, como conviria; e então que prejuizo ha para o Estado em que esses homens entrem hoje com os titulos? Ou elles são legaes ou não; se o são, tanto importa que entre já como d'aqui a quinze dias, e senão forem hão de ser rejeitados, ou entrem mais tarde, ou mais cêdo. E preciso fazer justiça a todos os homens, até áquelle ponto que elles a merecem: um individuo tem o seu direito fundado a ser reputado homem de bem, em quanto por factos não mostra o contrario. Os titulos entraram no Thesouro, foram para um cofre, mas cada um dos preponentes foi obrigado a assignar uma obrigação sobre a totalidade dos seus titulos; as circumstancias do tempo não permittiram que se tomasse logo conhecimento disto, mas ultimamente, por uma indicação do Sr. Deputado (irmão do meu nobre Amigo o Sr. Visconde de Sá da Bandeira) nomeou-se uma Commissão, que está reunida ha perto de anno e meio; esta Commissão trabalha na classeficação destes titulos, e são tantos que ainda não estão classificados metade delles, porque se foi buscar a época de 31 de Agosto de 1833 para cá; á proporção que se claseficavam, iam-se remettendo ás Repartições para serem averbados. Sr. Presidente, houve certa época em que se receberam no Thesouro muitos titulos da cuja legalidade não havia conhecimento, porque cada Repartição é organizada para uma cousa, e a propria é que deveria legalisar os seus titulos, por exemplo o Commissariado para liquidar os seus, assim a Secretaria de Guerra etc. etc. Por esta occasião posso asseverar á Camara que já por despacho meu tinham sido rejeitados titulos no valôr de 7, 10 e 15 contos de réis, obrigando os proponentes a substituilos por titulos legaes na época determinada nos mesmos Decretos das respectivas operações.

Sobre isto, Sr. Presidente, não me resta nada mais a dizer: repito que a minha opinião seria que não estivesse o paragrapho na Lei, porque ao Governo tocam estes promenores, visto que é responsavel; mas visto que esta regra aqui se acha, tambem não julgo de absoluta necessidade o additamento do illustre Senador.

O Sr. Barão do Tojal: — Levanto-me só para observar que o Artigo em discussão está mal redigido, e que elle ficaria melhor do seguinte modo: (leu). Porque, Sr. Presidente, como acaba de observar o Sr. Ministro da Fazenda, quando taes operações tiveram primeiramente logar, foi no Ministerio do Sr. Passos (Manoel) recebendo-se então dinheiro e titulos, pelos quaes se passavam escriptos adimissiveis nas Alfandegas, os quaes escriptos as partes exigiam se lhes dessem logo. Dava-se então a necessidade em razão do apuro pecuniario, de se condescender com as suas requisições, e esperar-se algum tempo pela entrada desses titulos; porém o Governo hoje não está nesse caso, nem vai a dar desses bilhetes, e sim Apolices, as quasi hão de levar muito tempo a preparar; e eu votaria por tanto, porque o Governo as não entregasse sem ter recebido primeiro todos os titulos. Não desejando eu porém promover embaraços ao Governo, nem causar mais demora á conclusão deste negocio, declaro que voto pelo Artigo tal qual está concebido.

Julgando-se a materia discutida, foi o §. unico (do Artigo 6.º) approvado como se achava.

Entrou em discussão o

Art. 7.º O Governo applicará os fundos extraordinarios, que por esta Lei lhe são concedidos, para auxiliar as despezas legaes do Thesouro; e fará pelo menos em cada mez um pagamento completo a todas as classes.

Disse

O Sr. Bergara: — Tambem eu, Sr. Presidente, quero fallar na Lei das finanças, porque desejo que os Srs. Ministros da Corôa me expliquem, se este pagamento a todas as classes, comprehende as inactivas? (Vozes: — Comprehende.) Muito bem, é isso mesmo o que eu quero; mas preciso que o Ministerio declare solemnemente; e permittam-me os nobres Senadores que lhes note que a minha observação tem algum fundamento: por quanto vendo eu pelo Orçamento que o deficit mensal é muito maior de 200 contos, quantia com a qual (além dos rendimentos publicos) os Srs. Ministros esperam fazer face ás despezas mensaes; entro em dúvida se serão incluidas na letra do Artigo 7.° aquellas bem infelizes classes. Bem infelizes, digo eu, Sr. Presidente, porque vejo que as Viuvas, os Egressos e os Reformados estão a morrer de fome; e os mesmos amnistiados da Convenção d'Evora-Monte, a quem a miseria está obrigando a desertarem para as fileiras rebeldes, aos quaes eu quero tambem que se pague, para se evitar assim que elles tomem aquelle expediente, e nós termos que os fusilar depois; (apoiados) procedimento que é sempre desagradavel a corações verdadeiramente Constitucionaes. Concluo por tanto dizendo, que se os Srs. Ministros concordarem com os meus principios, nada mais accrescentarei a este respeito; mas se S.as Ex.ªs responderem negativamente, eu peço então a palavra desde já a V. Ex.ª, para mandar um additamento para a Mesa, que espero terá as simpathias deste Senado.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sr. Presidente, quando eu apresentei este Projecto na outra Camara, entendi que fazia um grande serviço tanto aos Illustres. Senadores, como aos Srs. Deputados, em lhe juntar aquelle mappa, para poderem á vista delle formar melhor o seu juizo; porque nesse mappa se acham comprehendidas as classes activas, e não activas. Agora direi que com os 600 contos de réis cada mez, póde o Governo accudir ás dispezas até ao fim do anno, pagando ás classes activas, e inactivas, pelos menos eu assim o supponho. Em quanto porém ao atrazo em que se achara as classes inactivas, direi que o Ministerio actual não tem culpa disso. Sr. Presidente, todos sabem quaes são os meios com que o Governo tem vivido; e tambem sabem todos que durante o Contracto da Companhia Confiança e o Banco, não houve mez nenhum em que eu ti-

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vesse á minha disposição, mas de 250 contos, porque havia a pagar obrigações anteriores; e então já se vê que com tal dinheiro não era possivel que eu fizesse mais pagamentos; por quanto se até agora eu tivesse tido outros meios, mais pagamentos teria feito por certo; mas eu tenho estado a viver apenas com o rendimento das Alfandegas, que anda por 300 contos de réis mensaes; mas assim mesmo eu acudi a outros pagamentos de differentes classes. A unica que não tem tido pagamento nenhum, e á infeliz classe de criados da Casa Real, os quaes estão em um atrazo muito grande. Agora direi que a intensão do Governo é pagar um mez a cada classe, o faze-lo sem alterar a ordem dos pagamentos (apoiados); declaração estaque eu aqui faço muito terminantemente para que conste, accrescentando tambem, que o Governo tem desejos de igualmente o fazer aos criados da Casa Real (apoiados) Desta fórma creio ter dado os precisos esclarecimentos, e darei outros quaesquer que a Camara julgar necessarios para podér votar com conhecimento da causa.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Por maiores que sejam os desejos do meu illustre amigo o Sr. Bergara, elles por certo não excedem os meus, e disto tenho dado bastantes provas sempre que tenho tomado assento na Camara dos Srs. Deputados, ou nesta Casa depois que tive a bom a de ser eleito Senador; porque sempre que se tem offerecido occasião, eu tenho tomado a peito a defesa dessas classes (apoiados). Mas, Sr. Presidente, ha uma razão a ponderar, e é ella, que quando o Governo está agoniado para pagar a uma classe, esquece-se da outra: quando se lembra desta esquece-se daquell'outra, etc. e porque será isto? É porque elle não tem meios para attender a todas ao mesmo tempo. Mas agora habilitado como o vai ser, elle ha de pagar em cada mez, um mez a todas as classes do Estado, convém porém saber-se por esta occasião, que a despeza que é Exercito faz cada mez é de 261 contos de réis, o que eu muito brevemente poderei mostrar aqui se a Camara o desejar vêr; mas o Governo só tem dous terços dos fundos precisos para esse fim. Comtudo agora que se dão os 600 contos, parece-me que é possivel pagar mensalmente, como disse o meu collega o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Bergara: — Eu tenho toda a consideração pelas Srs. Ministros da Corôa, mas apezar disso não posso deixar de fazer uma observação, porque ouvi dizer ao Sr. Presidente do Conselho que tinha os dous terços dos fundos das despezas mensaes. Eu porém observo que na classe militar a que pertenço, ha pessoas que estando em effectividade, não recebem um real ha oitenta dias, devendo então receber pela declaração do Sr. Ministro, um mez no fim de quarenta e cinco dias, e receber dous mezes no fim de tres. Não tem porém acontecido assim, e antes pelo contrario tem havido nesta classe uma grande falta de consideração; e é por isso que eu peço a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda que não faça distincções a tal respeito, pois não querendo eu que a classe militar seja melhor attendida e com preferencia, quero com tudo que a mesma classe ande a pár das outras, e desappareça o odioso de se pagarem com preferencia aos Empregados civis: desta desigualdade de pagamentos, resultam inconvenientes que é preciso pesar, e que não são desconhecidos aos honrados membros do Conselho. Em resultado, Sr. Presidente, todos os individuos que recebem pelo Thesouro, devem ser nivelados em seus pagamentos, para se não repetirem actos de immoralidade como os que vou referir. Ainda ha poucas horas, Sr. Presidente, me appareceu um miseravel desses da Convenção á Evora-Monte, o qual me disse que pelo seu soldo de dez mil réis, lhe deram uns dezesete tostões! Isto aconteceu a um desgraçado homem que nasceu nas fileiras, e de boa familia, e que para viver recorre é beneficencia dos Constitucionaes, como muitos outros em identicas circumstancias o estão fazendo, o que eu sei, sabe V. Ex.ª e toda esta Camara (apoiados). Eu não grito contra os agiotas como é moda, porque os agiotas são tão precisos como o pão para a boca (riso), e o serão, em quanto não fizermos todos os esforços por organisar as nossas finanças; elles tem feito serviços aos Empregados Publicos muitas vezes, menos nestes ultimos dias, porque um (agiota) chegou a offerecer meia moeda sobre um recibo do valôr de trinta e quatro mil réis como pinhor, até que se discutisse aqui esta Lei! (Sensação). Mas este alguma razão tem.... Eu sei deste facto, facto que horrorisa, e que até é indigno (apoiados). No entretanto desgraçadamente acontece que os Empregados Publicos, e os Militares, já senão livram dos agiotas sem que se lhes pague em dia, porque isto é um contagio: o Empregado que uma vez troca um mez do vencimento, nunca mais sahe das mãos dos agiotas.

Não desejando cançar mais a Camara, concluo, Sr. Presidente, dizendo que eu confio nos Srs. Ministros, e que espero que elles de futuro cumprirão o que promettem tão solemnemente.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu não pedi a palavra para impugnar o Artigo, porque se fizesse iria d'encontro aos meus principios; o fim porque a pedi foi para obter uma explicação dos Srs. Ministros da Corôa. Eu sou inimigo da banca-rota, e de ponto nos pagamentos; porque conheço que tanto uma como outra, cousa é sempre um mal; mas desejo fazer uma excepção aos principios que tenho seguido constantemente na minha vida, porque quero que o beneficio desta Lei approveito o mais que seja possivel ás pessoas para quem é destinada. Disse o Sr. Ministro da Fazenda que havia de fazer o pagamento de um mez (cada mez) pela ordem em que elles estão estabelecidos s mas com isto é que eu me não posso conformar, pelo que diz respeito ás Viuvas, e aos Reformados, por se acharem em um atrazo muitissimo grande: e por isso, se o pagamento que a estes se fizer agora não fôr do mez de Julho em que estamos, seguir-se-ha que nenhum beneficio tirarão desta Lei, uma vez que se vão pagando os mezes mais antigos, ficam do mesmo estado de miseria, e o proveito ha de ser unicamente para os agiotas, que lhes tomaram os recibos dando a 10 e 12 por cento. Vejo que o Governo está na intenção de pagar os soldos na ordem do atrazo em que estão, e isso bom é; mas pelo que pertence ás classes não activas, entendia eu que o primeiro pagamento que se lhes houvesse de fazer fôsse o do mez de Julho corrente, porque é o unico meio de as arrancar das garras da fome. Desejaria pois ouvir a opinião dos Srs. Ministros a este respeito. Tenho aqui um mappa que lhes apresentaram á Camara dos Deputados quando apresentaram este Projecto, no qual a despeza mensal do Thesouro está calculada em 540 contos de réis, neste mappa ha uma verba de 16 contos, para pagamento de letras estrangeiras, que talvez não continue por muitos mezes: desejava mais que o Governo, tendo satisfeitas as despezas ordinarias de cada mez, segundo esse calculo, applicasse exclusivamente toda a quantia que excedesse essa somma, até chegar aos 600 contos, em pagar o pret aos soldados até vêr se era possivel pôlos em dia, porque me consta que ha corpos que tem de atrazo quatorze e mais quinzenas. S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra sabe melhor do que eu, se em alguns casos será possivel que os Chefes se façam obedecer, estando os soldados com tal atrazo. Ha ainda outra razão que me induz a pugnar pelo regular pagamento do pret dos soldados: a Guarda Municipal, tanto de Lisboa como do Porto, tem 240 réis por dia para cada praça, em quanto os do Exercito não tem se não 60 ou 80 réis; achando-se muito mais atrazados: ha nisto uma notavel desigualdade entre uns e outros, que deve desapparecer quanto antes.

Nada mais accrescentarei, entregando á consideração dos Srs. Ministros o que acabo de dizer, e que tenho por muito importante.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O Governo ha de cumprir a Lei: não póde nem deve mesmo comprometter-se a responder a todos os pensamentos que occorrerem a cada um dos illustres Senadores, e de que o Ministerio não tenha noticia nenhuma: repito, o Governo ha de cumprir a Lei, porque a isso é obrigado; e se a não cumprir, na outra Camara está o direito de accusar os Ministros, e nesta o de os julgar quando a accusação cá vier.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu fiz uma pergunta legal aos Srs. Ministros da Corôa, e creio que ninguem me póde disputar esse direito: sei que S.as Ex.ªs tem obrigação de cumprir as Leis sem que me digam, e sei tambem quem tem o direito de os accusar, e de os julgar quando o não fizerem. Esperava outra resposta, por me parecer que a Camara pelo orgão de seus Membros, deve preferir o cumprimento dos seus deveres a ter contemplação com a susceptibilidade de S.as Ex.ªs......

O Sr. Ministro da Fazenda: - (Para explicação). O meu caracter, é a sinceridade; nasci assim, assim me tenho educado, assim cheguei a velho, e com esta mania hei de morrer. Sr. Presidente, o Governo foi censurado pelo meu nobre amigo (que de certo me não queria censurar) de ser parcial: suppoz o illustre Senador que havia desigualdade nos pagamentos, e é sobre este objecto que eu me quero explicar. Sr. Presidente, a desigualdade não se dá nos pagamentos, senão quando pagando a um individuo d'uma classe se deixa de pagar a outro individuo da mesma classe; mas sempre por uma dellas se ha de principiar: quando eu entrei para o Ministerio achei estabelecido em regra, que primeiro se pagava um mez ás Secretarias, e depois ás mais Repartições; segui esta mesma regra até agora, e se a alterasse eu teria sido injusto; tenho pois constantemente conservado o systema de pagar um mez ás Repartições e classes efectivas, e depois tambem ao Exercito; e posso assegurar a V. Ex.ª que não tenho receio de que ninguem me diga o contrario, isto é, que durante o meu Ministerio haja um só individuo, que tenha sido pago com preferencia a outro da mesma classe. É um facto, Sr. Presidente, que parte do Exercito está por pagar desde Novembro, mas a razão é porque ainda não tive meios para isso: a minha conveniencia seria pagar a todas as classes, por que não ha Ministro da Fazenda que seja bom em Portugal quando não paga effectivamente; mas eu ainda não tive dinheiro senão para occorrer aos soldos de Novembro aos Officiaes arregimentados, a prets e ferias, e tambem alguma cousa á Casa Real. É preciso que eu observe á Camara que ninguem está mais atrazado em pagamentos do que a Casa Real; porque eu quando entrei para o Ministerio disse a RAINHA, Vossa Magestade regule-se como podér, porque eu não lhe hei de adiantar mais do que aos Empregados. Sr. Presidente, eu estou trabalhando ha quatro dias, a vêr se convenço uma grande corporação do Estado a fornecer-me os meios de pagar um mez aos Empregados, que estão na maior desgraça, porém o Governo não é obrigado senão a pagar quanto póde; e não entrarei agora nos motivos disso, porque teria mais a dizer, e a discussão tem já sido bastante longa. Eu tenho por principio não antecipar um real, e tanto assim é, Sr. Presidente, que hontem entreguei treze contos de réis de letras aos Contractadores do Tabaco, que tinha na minha mão, e consegui que elles se demorassem 30 dias para pagar o mez de Fevereiro á Camara dos Deputados. Quanto á igualdade de pagamentos, eu já aqui disse que era inimigo de pontos; está feito um ponto, desse para diante ninguem me conserva no Ministerio um quarto de hora se se quizer fazer outro, porque entendo que é um grande mal que se faz aos Empregados. É duvidoso para mim, se se realisarão todos os mezes 800 contos, e tambem se os receberei logo que os necessitar; mas supponhamos que tinhamos 600 contos de réis: pois nós estamos n'um leito de rozas, (sirvo-me da expressão d'um illustre Senador) para julgarmos que ámanhã não precisemos remover uma Divisão de Tropas de um para outro logar? Supponhamos que para algum effeito extraordinario seja preciso tirar 100 contos dos 600; se eu tiver feito um ponto, qual ha de ser o individuo de classe activa que possa achar um só rebatedor que lhe queira descontar o seu recibo? Nenhum, Sr. Presidente, o Governo é responsavel, e não ha Ministerio nenhum que tenha a fazer um acto do qual ella senão possa justificar na presença das Côrtes; mas se as Camaras estabelecerem certas regras, ou épocas a respeito de pagamentos, repare-se que nesse caso já o Governo não tem responsabilidade. Posso asseverar a esta Camara que o Ministerio tem em consideração todas as classes, e permitta-se-me que eu diga a V. Ex.ª que é uma iniquidade o que sobre pagamentos se tem dito em alguns Periodicos: eu hei de justificar o procedimento do Governo, quando apresentar as contas, o que senão tem feito porque nas circumstancias actuaes, o Ministro da Fazenda é um homem que não dorme senão quatro horas, perdendo dias inteiros, e sendo obrigado a vir ás Camaras, cercado de mil objectos, não é possivel que attenda a tudo: mas hoje dei ordem ao Thesouro para se concluirem os necessarios esclarecimentos, e respondo com a minha cabeça se houver cinco réis dados em pagamento que não devesse preferir a outro. (Apoiado, apoiado).

Julgado o Artigo sufficientemente discutido, foi posto a votos e approvado.

Os dous seguintes (ultimos do Projecto) foram approvados sem discussão.

Art. 8.º O Governo decretará os Regula-

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mentos e mais providencias necessarias para levar a effeito a authorisação que por esta Lei lhe é concedida; e do seu resultado dará conta ás Côrtes na primeira reunião, remettendo cópia de todas as propostas que lhe houverem sido feitas para este fim.

Art. 9.º Fica revogada a Legislação em contrario.

O Sr. Presidente: — Está concluida a discussão do Projecto: como passou sem alteração alguma não carece da ultima redacção, e se parecer á Camara, em vista da urgencia do assumpto, poderá reduzir-se logo a Decreto, a fim de ser apresentado á Sancção Real, apenas conste o dia e hora que Sua Magestade designar para receber a respectiva Deputação. (Apoiados).

A Camara se conformou com estas propostas; pelo que o Sr. Presidente disse que a Deputação seria composta dos

Srs. Castro Pereira,

Sampayo e Pina,

Raivoso,

Marquez de Fronteira,

Trigueiros,

Visconde de Beire,

de Laborim.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu queria pedir a V. Ex.ª me fizesse a honra de dar para ordem do dia, com a maior urgencia possivel, a Lei sobre as Congruas dos Parochos, a Lei excepcional, e outra sobre expropriações que penso estará já na Secretaria desta Casa, pois que o intenção dos Ministros da Rainha, aconselharem mui brevemente a Sua Magestade a interrupção dos trabalhos Legislativos; porque muitos Srs. Senadores e Deputados se tem já retirado de Lisboa.

O Sr. Presidente: — Em vista da declaração que acaba de fazer o Sr. Presidente do Conselho, ámanhã (não obstante ser dia de Commissões) a Camara se reunirá pelas duas horas da tarde: a Ordem do dia será a continuação da discussão especial do Projecto de Lei, da Camara dos Deputados, sobre as Congruas dos Parochos. Está fechada a Sessão.

Passava um quarto das quatro horas.

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