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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 15 de Julho de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Tres quartos depois das duas horas da tarde, foi aberta a Sessão: presentes 40 Srs. Senadores.

Lida a Acta da precedente, ficou approvada.

Mencionou-se

1.º Um Officio do Sr. Curry, participando que por molestia não comparece na Camara.

2.º Outro dito do Sr. Barão do Almargem, expondo que molestia de sua esposa o obrigava a ausentar-se.

De ambos ficou a Camara inteirada.

Foram distribuidos exemplares impressos de uma Exposição dirigida ás Côrtes pelos Lentes da Escóla do Exercito.

O Sr. Pereira de Magalhães, Relator da Commissão de Administração, apresentou dous apareceres della sobre os Projectos de Lei, enviados, da Camara dos Deputados, confirmando o contracto para a construcção das estradas de Braga, Barcellos, Guimarães, e outras; e alterando outro feito com a Empreza da estrada de Lisboa ao Porto em virtude da Carta da Lei de 7 de Abril de 1837. — Mandaram-se imprimir para discussão.

Passando-se á Ordem do dia, foi lido o seguinte

Parecer.

A Commissão de Legislação examinou o Projecto de Lei vindo da Camara dos Deputados sobre a prorogação da Lei de 17 de Março, e 10 de Abril de 1838; e considerando que a Lei é reclamada pelo Governo, e que as suas disposições são provisorias, é de parecer que o mesmo Projecto se approve. Casa da Commissão, em 29 de Junho de 1839. = Manoel Duarte Leilão = Felix Pereira de Magalhães = Francisco Tavares d' Almeida Proença = Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros = Francisco de Serpa Saraiva = Visconde de Laborim = Manoel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.º As Leis de 17 de Março, e 10 de Abril de 1838 ficam prorogadas até ao fim da Sessão Ordinaria de Côrtes de 1840, com as seguintes declarações.

§. 1.° Na inquirição a que se refere o Artigo 8.° da Lei de 17 de Março, poderão os Juizes perguntar até vinte testemunhas, se tantas forem precisas, mas nunca menos de oito; observando-se no mais o disposto no Titulo 6.º da 3.ª Parte da Reforma Judiciaria.

§. 2.° Haverá no anno quatro Audiencias geraes em cada um dos Circulos de Comarca, em épocas alternadas, que não se encontrem com as Audiencias geraes ordinarias.

As ditas Audiencias serio feitas pelo Juiz de Direito, e pelo Juiz Substituto, cada um na Circulo da sua competencia, em tempo affixado por acôrdo de ambos; e os ditos Juizes se substituirão reciprocamente, em caso de impedimento.

§. 3.° O Jury nunca poderá constituir-se sem que estejam presentes, pelo menos, dous terços de seus Membros; e na sua formação, e discussão dos processos, nos Circulos a que presidir o Juiz Substituto, será o Ministerio Publico representado pelo Sub-Delegado do Julgado em que o mesmo Juiz tiver fixado a sua residencia, ou pelo Advogado ou homem de letras de que tracta o §. unico do Artigo 4.° da Lei de 17 de Março.

§. 4.º As disposições da referida Lei de 17 de Março só comprehendem os crimes perpetrados depois da sua publicação.

Art. 2.° Fica revogada a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 21 de Junho de 1839. z José Caetano de Campo», Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = Antonio Caiado d'Almeida e Figueiredo, Deputado Secretario.

A requerimento do Sr. Vellez Caldeira, foi dispensada a discussão na generalidade, devendo passou-se logo á especial.

O Artigo 1.º e seus paragraphos 1.° e 2.º foram approvados sem discussão.

Lido o paragrapho 3.°, teve a palavra

O Sr. Serpa Saraiva: — Não me levanto para impugnar a doutrina deste paragrapho, levanto-me para dizer que me parecia necessario um additamento: ainda que toda esta Lei não seja bastante para corrigir e tornar effectiva a

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punição dos delinquentes, que infestam o Reino comtudo façâmo-la o melhor possivel. — Diz o paragrapho: = sem que sejam presentes dous terços dos seus membros; = e eu quereria accrescentar mais o seguinte = e que o Juiz Presidente fiscalize a habilidade legal dos Jurados. = Não é sem razão d'experiencia que eu fallo; um processo bem escandaloso teve logar, em que o Presidente do Jury não sabia lêr, nem escrever o seu nome; então offereceu-se alguem a fazer esse nome!! E foi absolvido um grande criminoso: ao que se seguiram girandolas de foguetes!!!! Que annunciavam aos povos roubados e a todos os mais = Triumphou o crime: povo submettei-vos á preversa rapacidade das quadrilhas, e ao traiçoeiro punhal dos assassinos: pigmeos que estes sejam, excedem os gigantes na mais refinada traição. — Foi este o motivo que me despertou a lembrança de mandar para a meza o pequeno additamento, que offereço á sabedoria, e consideração da Camara.

O Sr. Ministro das Justiças: — O additamento do illustre Senador tem por fim que os Jurados tenham as qualidades que a Lei exige: parece-me ocioso porque o Juiz deve cumprir a Lei; e se os Jurados não são os que a Lei chama, não são os Jurados que devem ser admittidos a julgar; por tanto acho o additamento ocioso. Os Jurados tem certas qualificações, não existindo ellas não podem ser Jurados, nem devem estar incluidos na Pauta respectiva; mas uma vez que lá estejam é de presumir que elles tenham as qualificações que a Lei exige; se ha abuso, então o Ministerio Publico deve usar dos meios que estão á sua disposição para evitar que exercitem taes funcções homens que a Lei exclue. — Quanto aos abusos que se observam, todos os dias se tem recebido participações a esse respeito, o que de certo tomam necessario modificar essa instituição; mas isso não tem nada com esta Lei, Na Lei está sufficiente garantia, e o Ministerio Publico deve requerer a sua execução; quanto ás irregularidades que possa haver, serão contempladas, quando na proxima Sessão o Governo apresentar um Projecto tendente a remediar os males diversos, constantes das queixas que tem recebido a respeito de abusos em materia de Jurados, e da experiencia que no intervallo desta á proxima Sessão deve haver, o qual habilitará o Governo a provêr de uma maneira judiciosa.

O Sr. Vellez Caldeira: — Isto é o mesmo que dizer; observe a Lei. — O Juiz ha de vêr se está preenchida a Lei; e para que havemos nós pôr aqui mais uma cousa que não é precisa? O Juiz não póde principiar a audiencia sem que o Tribunal esteja legalmente constituido.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — É sempre com repugnancia que eu fallo em materias em que sou leigo; mas não sei como de um caso especialissimo se possa argumentar para casos geraes. Porque um Jurado não sabia lêr, nem escrever havemos nós agora alterar a Lei? Como ha de o Juiz fazer retirar o Jurado que alli se apresenta habilitado? Em o Juiz querendo não ha sentença, porque em vendo um Jurado, torto ou cego de um olho diz que não é capaz. Em consequencia o additamento não faz mais do que dizer que se cumpra a Lei; se o Juiz a não cumpre, queixem-se. Em fim houve um Jurado mau, deitou-se uma girandola, se por isto devemos alterar a Lei, nunca teremos Leis que não precisem de modificações.

O Sr. Serpa Saraiva: — Não é com insistencia teimosa que eu continúo o sustentar o meu additamento. Ouvi dizer a um sabio collega que este additamento é desnecessario porque já está na Lei; e ouço dizer a outro que elle é illegal, por quanto o Juiz não póde fiscalizar: isto são cousas inteiramente contrarias. — Examinando um pouco a natureza dos argumentos, direi que se já está disposto na Lei, pouco importa que aqui se accrescente; quanto mais que esta fiscalização não é senão aquella que póde recahir sobre factos ou cousas tão faceis de examinar, que á primeira vista, e de todos se verificam. Isto é tão facil d'indagar, quanto de remediar, ou determinando-se especialmente nesta Lei a exclusão do Jurado por ignorancia; ou annullando o Juiz a decisão tomada por um Jury incompleto, e congregar outro para a final decisão do processo. Serão por ventura mais justos, e patentes aquelles casos já expressos na Reforma Judiciaria para annullar os decisões do Jury?

Eu trouxe aquelle caso para demonstrar a necessidade de sermos muito escrupulosos no modo de apurar, e fiscalizar todas as qualidades necessarias para se conseguir o resultado que aqui se procura. Por tanto, se está já neutra Lei esta doutrina e preceito, nenhum mal faz, que se consigne e repita aqui; e senão está, então necessario é que elle se estabeleça agora e declare para complemento, e justiça de tão importante processo.

O Sr. Vellez Caldeira: — Sem duvida que o Sr. Serpa Saraiva não sustenta o seu additamento por teimoso; insiste nelle porque o julga necessario, e para isso é que trouxe os seus argumentos. Aqui não se tracta de annullar a sentença, salvo o que diz o Sr. Presidente do Conselho de Ministros: o Juiz tem obrigação de vêr se o Jurado está apto: o Sr. Serpa diz que isto não faz mal; mas não é preciso mais declaração porque lá está na Lei. Além de que isso traria comsigo a necessidade de fazer voltar este Projecto á Camara dos Deputados, por uma declaração que o Sr. Serpa conhece que é pouco importante; portanto ainda me opponho ao additamento.

O Sr. Ministro das Justiças: — Os Juizes de facto são tão independentes como os Juizes de Direito: o Juiz de Direito não póde excluir um Juiz de facto da sua legal intervenção, aliàs acabavam-se todas as garantias; na Lei estão todas exclusões necessarias.......

O Sr. Serpa Saraiva: — Para poupar o tempo, eu retiro o meu additamento.

O Sr. Ministro das Justiças: — Como o illustre Senador retira o seu additamento não tenho mais que dizer.

Annuindo a Camara a que o Sr. Serpa Saraiva retirasse o seu additamento, julgou-se a materia discutida, e ficou o paragrapho 3.° approvado.

Tambem o foi o 4.°, sem discussão, e bem assim o art. 2.°

O Sr. Vellez Caldeira: — Sr. Presidente, o que esta Lei teve em vista foi tractar de punir um grande numero de crimes com que a Sociedade era infestada, e occorrer tambem a grandes desordens que ha nos processos: eu offereço a este Projecto um additamento que é o seguinte = Os Juízes Substitutos serão tambem, nos Julgados em que rezidirem, Juizes instructores em todos os outros crimes, levando elles os Summarios á ractificação, exercendo a jurisdicção de Policia Correccional no dito Julgado, e sendo ahi os Presidentes dos mesmos Tribunaes. = Sr. Presidente, poderão dizer que esta materia não é propria do Projecto, porque elle não tracta de crimes excepcionaes; mas como o objecto do meu additamento é decerto importante, e com elle se atalharão graves males, pareceu-me que devia chamar a attenção da Camara sobre este assumpto.

O Sr. Leitão: — Muito pouco tenho a dizer sobre o additamento do meu amigo, o Sr. Vellez Caldeira, e começarei pelo louvar muito pelo grande interesse que elle toma pela boa administração da Justiça; entretanto não posso deixar de me oppôr ao seu additamento como improprio desta Lei; porque nella só se tracta de tomar uma medida provisoria, que vem a ser a prorogação da Lei de 17 de Março de 1838, e o additamento do illustre Senador, com quanto possa ser tomado em consideração n'outro logar, não o póde ser comtudo agora, por que elle iria complicar muito a solução que convem dar a este negocio, e que deve ser prompta, attenta a sua urgencia (Apoiados). É pois esta a razão por que eu me opponho ao additamento.

O Sr. Vellez Caldeira: — Pelo que vejo, fica o meu additamento adiado para outra occasião, e no entretanto fica a Sociedade sujeita a soffrer os mesmos males que tem soffrido até hoje. Por mais que se diga, Sr. Presidente, que o meu additamento não é proprio desta Lei, eu estou persuadido que o é; porque o fim delle é o mesmo que o destes Artigos, e por isso eu sustento ainda o additamento como proprio deste logar.

Julgando-se discutido, foi o additamento posto á votação; ficou rejeitado, Leu-se depois o seguinte Parecer

Senhores: = A Commissão de Administração Publica é de parecer que se approve o Projecto de Lei, que ao Senado foi enviado pela Camara dos Deputados, estabelecendo que o rendimento das Barcas de passagem nos Rios, que cortam as Estradas Nacionaes, fique interinamente pertencendo ás Camaras Municipaes. = Sala da Commissão, em 5 de Julho de 1839. = Anselmo José Braamcamp = Barão de Villa Nova de Foscôa = Daniel d'Ornellas e Vasconcellos = Barão de Prime = Felix Pereira de Magalhães = M. G. de Miranda (não approvo).

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.º O rendimento das Barcas de passagem nos Rios, que cortam as Estradas Nacionaes, que estão actualmente, ou estiverem de futuro a cargo do Governo, será mandada arrematar por conta do Estado.

§ unico. Em quanto o Governo não provêr sobre a construcção, reparo, e manutenção destas Estradas, a arrematação, e arrecadação do producto do rendimento das sobreditas Barcas, será feito pelas respectivas Municipalidades, ás quaes esse producto ficará interinamente pertencendo.

Art. 2.º As Barcas de passagem sobre outros quaesquer pontos ficam pertencendo ás Municipalidades, dentro de cujos limites se acharem estabelecidas.

§ 1.° Quando as sobreditas Barcas forem estabelecidas em Rios, cujas margens pertençam a Concelhos diversos, o producto da sua arrematação será divido em partes iguaes, pelos mesmos Concelhos.

§ 2.° Neste caso o Governo designará a Municipalidade, á qual deve ficar pertencendo a gerencia, e administração destas Barcas.

Art. 3.º As Camaras Municipaes, com dependencia da approvação do Conselho de Districto, formarão as tarifas dos preços de passagem, e designarão os limites, em que as Barcas devem estabelecer-se.

§ 1.º Os direitos de passagem serão iguaes para todos os passageiros.

§ 2.º São exceptuados do pagamento destes direitos os Militares em serviço, e os Correios do Governo, e sua bagagem, e cavalgaduras.

§ 3.º Os Lavradores, que forem obrigados a passagens frequentes com obreiros e gados para o cultivo das terras adjacentes aos Rios, poderão avençar-se com os Arrematantes das Barcas, ou com as Camaras, quando a administração das mesmas correr por sua conta.

Art. 4.º As disposições desta Lei não são applicaveis ás Cidades de Lisboa, e Porto, nem ás Barcas de passagem, estabelecidas nos pontos de quaesquer Estradas, que são mantidas por particulares, e gratuitas para os passageiros.

Art. 5.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 28 de Julho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

Abriu a discussão geral

O Sr. Miranda: — Eu opponho-me a este Projecto na sua generalidade, e o rejeito em todas as suas partes; e a primeira cousa em que não posso convir é nos principios em que elle se acha estabelecido. Sr. Presidente, o Governo está em tal falta de recursos, que elle carece de todos os meios, e não está em circumstancias de os desprezar por pequenos que sejam. Por isso não sei eu como se possam, ou devam entregar gratuitamente ás Municipalidades os rendimentos das Barcas que são do Estado, quando estes rendimentos muito bem podem ser applicados para concerto das estradas, e para outras obras publicas. Além de que eu pergunto, se depois de se terem dado já tantos rendimentos ás Camaras, porque ellas os requereram, será justo que o Estado ceda agora estes áquellas que os não solicitam? Todos convirão comigo em que este dom gratuito não póde ter logar.

Sr. Presidente, em vista do que acabo de expôr, digo, que não posso achar uma só razão em favor deste Projecto, no qual não vejo senão uma prodigalidade dos rendimentos do Estado, e é por estes motivos que eu voto contra o Projecto na sua generalidade,

O Sr. Pereira de Magalhães: — Foi na Camara dos Srs. Deputados que leva origem este Projecto, e nella foi approvado. Em quanto á origem referirei a sua historia; e em quanto á sua approvação, direi o que na outra Camara se passou.

A origem deste Projecto foi porque algumas Municipalidades do Reino representaram á Camara dos Srs. Deputados, que havendo Barcas de passagem em taes pontos, destas Barcas estavam amas quasi abandonadas, e que outras eram de especuladores particulares que dellas tiravam o proveito sem encargo algum, e que por isso conviria muito formar dellas um rendimento municipal, em proveito publico. — Então a Camara dos Srs. Deputados, ponderando estas razões, entendeu, que era bem tomar

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sobre este objecto uma medida geral, para todas as Barcas do Reino, entregando a sua administração ás Camaras Municipaes, fazendo distincção entre as Barcas sobre as passagens das estradas reaes, e as outras. Esta medida geral é a que está neste Projecto. As Barcas que estão sobre as passagens das estradas reaes, é claro que devem ficar pertencendo ao Governo; porque o reparo destas estradas compete ao Estado; aquellas porém que estão nos Districtos dos Municipios, isto é, que são só para serviço das Municipalidades, devem ficar pertencendo ás Camaras: mas como hoje o Governo não póde reparar as estradas reaes, e os reparos que nellas se fazem, se se fazem, são feitos pelas Camaras Municipaes, entendeu a Camara dos Srs. Deputados, que tambem ás Camaras ficasse provisoriamente pertencendo os rendimentos dessas Barcas, já que tinham o encargo. — Agora direi, que não acho tão insustentaveis como o quiz mostrar um illustre Senador, as disposições que se acham tanto no paragrapho unico, como no artigo 2.° do Projecto, e que dizem assim: (leu). Por quanto, Sr. Presidente, é indubitavel que os rendimentos de uma Barca que está sobre a passagem de uma estrada, devem pertencer a quem sustentar a estrada; e se o Governo a não sustenta, mas a Camara Municipal respectiva, claro está que é de razão e de justiça que esta receba os seus rendimentos. Ora, no estado actual qualquer particular póde pôr uma Barca, te-la hoje, e não a ter ámanhã, exigir o que quizer pelo transporte dos viandantes; fazer seus os proveitos, sem algum encargo, e nem ao menos o de assegurar uma passagem certa e inalteravel, de que resulta manifesto prejuizo publico; é esta desordem e este prejuizo que o Projecto pertende evitar.

O Sr. Bergara: — No Riba-Téjo algumas Camaras ha a quem estão commettidas estas Barcas; comtudo ellas cuidam tanto das estradas como o Governo cuida: e porque? Porque para isso não tem meios (apoiados). Eu concordaria de boamente em que se entregasse a direcção das Barcas ás Camaras, se na mesma Lei se determinasse que o rendimento das Barcas seria applicado para concerto das estradas, e isto se fizesse extensivo áquellas que já as administram; porém em quanto isto assim não vier não o posso approvar. — Sr. Presidente, eu não fallo de cór nesta questão, porque a experiencia me tem dado a conhecer o estado de miseria em que isto está. Eu passo muitas vezes os rios Zezere e Téjo, e vou ás vezes até em perigo de vida pelo mal servido que são estas Barcas, que já se acham entregues ás Camaras respectivas. O porto d'Abrantes, um dos pontos mais essenciaes de Portugal, pelo grande movimento de commercio que alli ha, não se póde atravessar o rio quando ha grandes cheias; por quanto as Barcas sendo tripuladas por homens muito velhos não podem fazer o serviço que a corrente demanda; e mesmo em tempo ordinario commettem faltas vergonhosas; e não vejo por isso que a Camara, a quem se acham entregues, preveja o seu melhoramento fazendo-as trabalhar com a necessaria presteza e regularidade; e, por isso a maior parte dos cidadãos que tem meios, e que querem alli passar o fazem por meio de botes, e a que são obrigados principalmente depois do sol posto; tempo em que deixam de navegar as Barcas; e é Por esta razão que tambem me opponho a este Projecto que parece vai dar o odioso exclusivo ás Camaras. Já me aconteceu, Sr. Presidente, que sendo eu encarregado do melhoramento dos quarteis de Santarem, estivesse por espaço de meia hora (armado, e ao sol), esperando que os barqueiros me transportassem no rio Zezere do poente ao nascente! — Digo pois, Sr. Presidente, que uma vez que se queira que passe esta Lei nesta casa, é indispensavel fazer-lhe um additamento o qual vem a ser = que o producto das Barcas seja applicado para o concerto das estradas, e para o melhoramento da navegação = Da fórma que o Projecto está concebido, rejeito-o; porque não vejo que delle resulte commodidade alguma para o publico; e antes pelo contrario eu votaria que as Camaras se lhes tirassem as Barcas que ellas administram, pelo mal que o fazem.

O Sr. Serpa Saraiva: — Tambem eu, Sr. Presidente, rejeito este Projecto, por trazer comsigo o principio de uma flagrante injustiça, que é o exclusivo; contra o qual nós devemos sempre estar álerta, porque delle tem nascido a desigualdade, a emulação, e a ruina do commum interesse e direitos sociaes dos cidadãos (Apoiados).

Naquelles portos, onde não houvesse Barcas, ou que havendo-as, fossem insufficientes: mesmo ainda em quaesquer outros portos, cuja estrada estivesse contractada pelo Governo com certa Empreza, conviera eu no estabelecimento de Barcas, reguladas debaixo das vistas da publica Administração; sem com tudo embaraçar o livre uso dos Barcos particulares. Mas onde ha Barcas já estabelecidas, e sufficientes para o uso publico, e para o particular de seus donos, generos, e gados, e dos moradores, ou proprietarios de uma, ou ambas as margens cultivadas do rio navegavel, eu não posso comprehender, como uma administração exclusiva dê o lucro todo á Camara e obrigue os moradores a servir-se sómente de Barcas Municipaes. Não tardaria que por paridade de abuso todos os mais transportes fossem Municipaes. Se o progresso caminhar nesta direcção, só haverá liberdade para os oppressores do povo; e o chamado bem publico será antes um monstro que ataque, e devore os bens, e o interesse dos particulares, mas nunca será a somma provada destes bens como é mister que seja; para se cumprirem os fins, a que se propõe uma Nação, quando se congrega: o cidadão só sacrifica parte de seus direitos, e interesses, quando este se torna incompativel com o bem, e conservação nacional.

Será no caso presente applicavel esta doutrina? Nem estas migalhas escaparão aos Exactores publicos. Tem ainda de passar por maiores provas a paciencia do lavrador, e proprietario? Que não sente já, que ha Governo, senão na pessoa dos Contadores, em milhares de execuções de Fazenda, na arbitrariedade das Camaras Municipaes, e de centenares de empregados, que opprimem e pesam sobre a Nação, sem poder governa-la, nem dar segurança á propriedade, e pessoa do cidadão pacifico?

Qual seria o resultado de reduzir a Lei semelhante Projecto? Além dos expostos, ou uma administração de Barcas mais custosa que proveitosa, ou mais uma addição aos rendimentos Municipaes, (que já dispõem quasi livremente de tudo quanto é nosso) para augmentar os ordenados de seus empregados, emprehender obras de pouco proveito, e muitas vezes prejudiciaes, e de mero capricho, ou de parcial conluio (Apoiados).

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — É vizivel que este Projecto não tem as simpathias da Camara, e (é perciso dizer a verdade) não teve tambem muitas simpathias na Commissão; entre tanto, a Commissão observou que este ramo do serviço publico estava muito mal regulado, por quanto cada um que quer pôr Barcas, põem-as, e eleva o preço a seu arbitrio; e os passageiros não encontram meios de continuar a sim jornada, ficando embaraçados á primeira passagem dos rios: em consequencia disso procuravamos vêr se este ramo de serviço se poderia melhorar entregando-o ás municipalidades. Eu estou persuadido que se o rendimento destas Barcas fôr concedido ás Camaras, ellas o aperfeiçoarão pelo effeito do interesse, e que o povo será muito mais bem servido. As difficuldades do Sr. Miranda provêm de achar neste Projecto uma especie de generosidade mal intendida, entre tanto que o Estado está em precisão: este argumento do meu illustre amigo seria bom se o Estado recebesse alguma cousa destas Barcas; mas eu tenho recorrido o Orçamento muitas vezes e nunca lá encontrei um real de rendimento proveniente de Barcas, não fallando na do Douro: por consequencia o Estado não faz nenhuma generozidade nem perde cousa alguma porque d'ahi não recebe nada. Olhada a questão debaixo destes dous pontos de vista, entendeu a Commissão que seria conveniente concederas Barcas temporariamente ás Camaras Municipaes, por isso que se diz que ellas estão faltas de antigos rendimentos, e para accorrer ás suas despezas carecem de onerar os povos. Entre tanto as reflexões que fez o Sr. Bergara parecem muito judiciozas e as apoio, não por parte dos Membros da Commissão, porque não sei a intenção dos meus collegas, mas pela minha parte adopto o additamento do Sr. Bergara, para que se o Projecto passar na generalidade se declare, quando se tractar na especialidade, que todo o rendimento das Barcas, seja exclusivamente applicado para construcção das estradas.

O Sr. Miranda: — Toda a Camara ouviu com muita attenção tudo o que se tem dito para sustentar este Projecto. As razões que deu o illustre Senador que primeiro sustentou o Projecto reduzem-se simplesmente ás vantagens que se tiravam do exclusivo das Barcas em relação ás estradas porque, visto que o Governo não cuidava nellas, as Camaras applicariam esse rendimento a beneficio das mesmas estradas. O segundo orador que fallou a favor do Projecto, disse que o Governo nada recebia do rendimento dellas, e concluiu que faria um additamento para que o producto das Barcas fosse applicado para o melhoramento das estradas. Em quanto á primeira parte parece que não é exacto o argumento, porque neste Projecto não se impõe a obrigação de que o producto das Barcas seja applicado para o melhoramento das estradas, e ainda mesmo que se impozesse esta condição não se podiam encarregar os Concelhos destas obras: e como se ha da encarregar a uma Camara o melhoramento de uma estrada que sahe fóra do seu Concelho? No Concelho aonde estivesse a Barca muito bem, mas o resto da estrada não teria melhoramento nenhum, e este melhoramento devia ser em beneficio do publico e não limitado ao dos Concelhos em que se acham as Barcas, dos quaes muitos talvez não sejam os que mais soffrem pelo mau estado das suas estradas. Por conseguinte se se adopta a idéa de que o producto das Barcas deve ser em beneficio do publico, então é necessario tomar isto debaixo de outro ponto de vista; o Estado não arrecada os rendimentos das Barcas, e então o melhor seria arremata-las por conta do Estado, coso em que não se dá privilegio exclusivo. É necessario que eu diga que as Camaras arbitram o preço á proporção dos rendimentos do Concelho porque isto é natural, é a tendencia de qualquer privilegio exclusivo. Por conseguinte não póde haver beneficio nas estradas. Eu cito um exemplo; ha uma pequena Villa em Traz-os-Montes; a Barca do Pocinho tem rendido muitos contos de réis; e a que titulo se ha de dar o rendimento daquella Barca áquelle Concelho? Em beneficio da Provincia de Traz-os-Montes e da Beira Alta já se projectou fazer uma ponte de ferro, junto áquella Villa, e o rendimento da Barca era um dos elementos com que se contava para auxilio da companhia; um conto de réis, ou tres mil cruzados annualmente ajudaria muito esta empreza. Então que utilidade tira o resto da Provincia de Traz-os-Montes, e da Beira se fosse entregue a um Municipio que não póde tractar de estradas senão dentro do seu Concelho? Isto são dons de prodigo, que dá o que tem a quem encontra sem distincção de individuos: não ha outra razão para approvar este Projecto (apoiados). Os rendimentos das Barcas estão sobre as estradas geraes, devem estar a cargo da Administração Geral, e debaixo da inspecção das Juntas de Districto; ás Camaras Municipaes compete especialmente o cuidado das estradas concelhiaes ou particulares de seus Municipios. Mas de estradas geraes, segundo o Projecto quem lhe tomaria contas? Ninguem... (Sussurro). Tomam-se-lhe contas, mas como? Aqui não se lhes marca a despeza, e podem applicar o rendimento das Barcas para o que bem lhes parecer; podem tractar sómente das estradas do seu Concelho, e a Nação em geral nada lucra nisto: debaixo deste ponto de vista geral, e em attenção aos interesses propriamente nacionaes, o concerto d'uma estrada particular com a renda diurna Barca, é um monopolio. Bastaria esta consideração para rejeitar o Projecto, senão houvessem os inconvenientes que apontou o meu illustre collega. Pela Constituição é garantida a liberdade do transito, e nós ás cegas tornaríamos illusoria esta garantia; porque uma Camara tem uma Barca a que se dá o privilegio extraordinario de ninguem poder passar naquelle sitio senão naquella Barca: e será isto admissivel? Não, porque é incompativel com a natureza de um Governo Representativo. Digo mais, seria crear um novo exclusivo o exclusivo do transito, (apoiado geral) quando se deve dar a liberdade a todos de caminharem por onde quizerem, e conforme lhe convier. Os privilegios exclusivos, Sr. Presidente, só se concedem temporariamente a favor daquelles que tomam empreza de uma obra interessante, a uma invenção etc: é a recompensa do seu trabalho; mas fazer um dom gratuito, e dar ao mesmo tempo um privilegio exclusivo, é cousa inaudita e que ninguem acreditará. Por esta e por outras muitas razões, que é escusado repetir, está visto que este Projecto não satisfaz aos seus fins. Se ha alguma Camara no Reino a quem de justiça se deva conceder o rendimento d'uma Barca de passagem, conceda-se-lhe; mas tomar por fundamento as representações de algumas para uma concessão geral de todas as Barcas que cortam as estradas, isto sem conhecimento de causa, é

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DIARIO DO GOVERNO.

inaudito; o Projecto em discussão póde com propriedade chamar-se uma especie de Jubileu Municipal (apoiado). Por tanto, Sr. Presidente, eu não me proponho fazer emenda alguma, porque esta materia considerada em si, é um ramo da Administração Publica, que pede providencias muito diversas daquellas que se acham consignadas neste Projecto: pode-se fazer um Regulamento de Barcas de transito de que se tire algum proveito, arrematando-as, não pelo Governo, nem immediatamente pelas Municipalidades, mas commettendo-as ás Authoridades Administrativas debaixo de um ponto de vista geral e em beneficio do publico. E não se diga que o Governo não tracta de estradas, não tracta porque não quer; porque alheia um elemento prompto, e que tem á mão para principiar a fazer alguma cousa. Por conseguinte eu exigiria que os Srs. Ministros declarassem a sua opinião a este respeito, porque se tem interesse pelo bem publico, não devem por maneira nenhuma consentir em que se alheiem estes rendimentos, porque estes taes quaes são auxiliados com alguma cousa mais bastam para principiar a fazer algum melhoramento nas estradas. Eis-aqui as razões porque eu não me proponho fazer additamento algum a este Projecto, e por isso mesmo rejeito todos quantos se lhe quizerem fazer. De que serve melhorar um quarto de legoa, á sahida ou entrada de uma ponte, se o resto não tem melhoramento nenhum? E se estas rendas chegassem ao menos para isso; mas dá-se muito pouco a umas Camaras, e a outras com escesso, sem attenção ás estradas que respeitam aos diversos Concelhos; alguns poderão ter as estradas da sua ponte muito bem conservadas, e outros apenas transitaveis. Por consequencia sendo este producto um rendimento publico, não se póde conceder senão para beneficio publico: rejeito por tanto o Projecto na sua totalidade (Apoiados).

O Sr. Bergara: — Sr. Presidente, eu ía propôr a V. Ex.ª o adiamento desta questão; mas depois que o Sr. Miranda pediu esclarecimentos a algum dos Srs. Membros do Conselho, eu reservarei para depois a minha proposta, porque desejo ouvir o Sr. Ministro do Reino. Esta Lei é daquellas que parecem ter passado em outra Camara sem se ter prestado attenção a todas as circumstancias necessarias para ella dever passar: de mais aqui ha uma falta, e uma falta grande. Entretanto eu queria requerer a V. Ex.ª que o Sr. Secretario tivesse a bondade de lêr os esclarecimentos que vinham da Camara dos Deputados, e que deram logar á remessa desta Lei, porque queria vêr quaes são as Camaras que pedem isto, e quaes os fundamentos que as mesmas Camaras apresentam; porque quero que o publico e o Senado conheçam o que dizem essas Camaras.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Quando este Projecto passou na Camara dos Deputados, não assisti á discussão delle, porque nem cheguei a saber que se tinha dado para Ordem dia; tudo que a este respeito posso dizer, pelo conhecimento que tive de toda esta materia, é que algumas Camaras Municipaes, entre outras as de Santarem e da Figueira, requereram ao Congresso Constituinte e á actual Camara dos Deputados o exclusivo para Barcas de passagem, que anteriormente existiam nos rios dos seus Municipios, e que pelo Decreto, creio que de 22 de Dezembro de 1832, do tempo da primeira Dictadura, foram todos extinctos. Os fundamentos por que as Camaras pertendiam que esses exclusivos lhe fossem de novo concedidos, reduziam-se pouco mais ou menos a dizer que os rendimentos dos seus Municipios tinham quasi todos sido extinctos, e que ellas, por conseguinte, não tinham meios para fazer face ás despezas dos mesmos Municipios; e que se seguia dahi o terem de sobrecarregar os povos com grandes fintas e derramas; e que destes encargos podiam os mesmos povos ser em grande parte aliviados se se lhe restituisse o exclusivo dessas Barcas, porque pelo producto da passagem podiam obter uma boa renda para se satisfazerem as despezas a cargo das Municipalidades; em quanto que por outro lado não se prejudicava muito o publico pela concessão deste privilegio exclusivo, porque ordinariamente estas Barcas estavam em rios, aonde agora existiam muitas; que sendo dividido o rendimento desta passagem por um grande numero vinha a dar quasi nada a cada um delles, e sendo todo concedido ás Municipalidades servia de muito para aliviar os povos de impostos que aliàs teriam de pagar. Se se pesarem bem estes fundamentos e estas razões, vê-se que com effeito se por um lado ha algum odioso na concessão do exclusivo, por outra parte dahi ha de resultar um grande favor; porque aquillo que devia saír directamente da bolça dos Municipios, sahe das dos concorrentes a esses rios, que forçosamente haviam de pagar fosse a quem fosse.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Os illustres Senadores, que impugnam este Projecto na sua generalidade, reconhecem um facto pelo qual hão de tambem reconhecer a necessidade do Projecto: o facto é que ha uma grande difficuldade em passar nas margens dos Rios pela desordem e confusão que se introduziu no estabelecimento das Barcas de passagem, já postas por particulares, já pelas Camaras Municipaes, sem que nem uns nem outros tenham authorisação legal para as estabelecerem, nem estejam sujeitas a algum regulamento fixo; e dahi provém a irregularidade de que se queixam os illustres Senadores: ora entregando ás Camaras todas as Barcas com a obrigação de empregarem esses rendimentos em obras das estradas tanto Reaes como Municipaes está tudo remediado. Esta obrigação talvez não esteja bem expressa no Projecto, mas entende-se (Vozes: - Não se entende): quero conceder ainda que se não entenda; póde o Governo impôr ás Camaras esta obrigação no regulamento que fizer (Vozes: — Não póde); quero tambem conceder que não póde. Mas póde-se impôr esta obrigação aqui na Lei; e então, reconhecendo-se que ha desordem neste ramo de serviço publico não se deve rejeitar o Projecto na generalidade; porque tende a remediar essa desordem; e senão é perfeito, emende-se.

Agora responderei a alguns outros argumentos: disse um illustre Senador que se dava um exclusivo ás Camaras, e que era tão rigoroso que os Lavradores visinhos não poderiam passar os seus gados, sementes, e trem de lavoura para as terras que tivessem na outra margem dos Rios. Não é isto exacto, porque no Projecto vem um artigo em que authorisa as avenças nesses casos com o Administrador da Barca; e além disso o Projecto não prohibe a esses Lavradores terem Barca sua para seu serviço particular; e se a não tem, no Projecto está a providencia das avenças. Não ha por tanto inconveniente nenhum em se approvar o Projecto na generalidade; se ha alguma duvida façam-se emendas quando se tractar na especialidade. Agora em quanto ás estradas diz o Sr. Miranda que as Camaras o mais de que tractariam era das estradas que estão no seu Municipio: e qual será a estrada que não esteja dentro de um Municipio? Não póde existir estrada que não esteja dentro do Districto de algum Municipio. Por tanto em quanto á generalidade do Projecto julgo que não deve haver duvida em se approvar, e quando se passar á especialidade os illustre Senadores podem fazer as emendas que tiverem por justas e razoaveis.

O Sr. Bergara: — Eu estimaria que o Sr. Secretario lê-se algum dos requerimentos das Camaras Municipaes. Na Camara dos Srs. Deputados passou este Projecto de entregar a Administração das Barcas aos Concelhos; sem se attender a que este Projecto vai coarctar a liberdade do transito: o Artigo 4.º diz: (leu). E então os outros Barcos, que depois do sol posto navegam, quando já não trabalham as Barcas das Camaras Municipaes, e que fazem tão bom serviço, ficará o publico delles privado? Isto é o que eu não quero, e nem com tal exclusão me posso conformar. Não vejo aqui Artigo algum que destrua esta idéa; e sobre isto é que eu desejaria alguma providencia. Se os Srs. Senadores que sustentam o Parecer, o querem approvado, convem-lhes apresentar neste sentido um additamento á Lei»

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Não se diz no Projecto que ninguem possa pôr Barcas; como senão diz que cada um póde pôr Barcas como quizer, porque todos podem fazer o que a Lei lhe não prohibe; e não penso que seja boa argumentação suppôr no Projecto o que lá não está. Em quanto aos Lavradores e mais pessoas dos Concelhos que precisam de passar frequentemente nas Barcas, podera avençar-se com a Barca da Municipalidade, da mesma fórma que cada um quizer; porque se tem que passar tres, ou quatro vezes por dia pagando por avença, não ficarão por certo mais gravados do que actualmente se acham... (Não se ouviu o resto do discurso pelo susurro que havia na Sala).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, eu peço a palavra para antes de V. Ex.ª dar a Ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Dar-lha-hei.

O Sr. Bergara: — Eu peço o addiamento do Projecto.

O Sr. Serpa Saraiva: - O excluzivo é a essencia deste Projecto, o qual não a póde sustentar por senão compadecer com as regras e doutrina que hoje se tem adoptado. Diz o Artigo 4.º: (leu). Porque razão exceptuam logo da disposição desta Lei as principaes Cidades de Lisboa e Porto? Só estas duas Cidades é que podem gozar de liberdade, e não os outros povos da mesma Nação? A razão de differença torna-se parcial e pouco airoza pela desigualdade, parecendo que houve mais contemplação e respeito com estas grandes Cidades, pela sua numeroza, e importante população, para lhes não subtrahirem o livre uso dos meios de adquirir, e sustentar-se por seu trabalho; nem dar mais esses lucros ao Municipio, a quem os mesmos povos já sustentam com luxo, e demazias. Por tanto, se mesmo a Lei reconheceu a necessidade de sustentar estes direitos já adquiridos, que por todos os Cidadãos devem ser partilhados, para que havemos de fazer todos os dias novas Leis repressivas da liberdade sem necessidade, nem interesse publico? Eu chamo a attenção desta Camara sobre este paragrapho que elle só por si é bastante para destruir a Lei na sua generalidade,

O Sr. General Raivozo: — Sr. Presidente, não fallarei sobre o interesse, ou desinteresse dos exclusivos; são aborrecidos entre nós, mas alguns ha que eu dezejaria que existissem ainda: tal é o da Companhia dos Vinhos do Alto Douro. Não sei se o Projecto dá um exclusivo ás Camaras, ou não...? (Vozes: — Dá; dá). Parecia-me que não; mas antes da franquia tão louvada das Barcas de passagem, ninguem estava ao pé dos grandes rios sem poder passar toda a hora; eu achei sempre passagem prompta para mim, e para os meus Cavallos por um preço determinado, porque quem arrematava tinha obrigação de passar os viandantes a toda a hora, e sem augmento de preço: depois que esta se acabou o resultado foi chegar eu algumas vezes a um rio, e dizerem-me. = agora não póde passar, espere se quizer: quiz uma vez passar um rio aonde o meu amigo Bergara passa muitas vezes, e disseram-me = não passa senão por um cruzado novo cada pessoa, porque o rio vai muito cheio! Nada disto reconhecia antes da franquia; houve occasiões em que tiveram de passar porcos; os donos alugaram todas as Barcas, e em quanto houve porcos não passou gente. (Riso). Pelo que respeita á excepção do Porto e Lisboa, já passou outra mais saliente com as carnes frescas que mandadas arrematar pelas Camaras foram excluidos desta obrigação o Porto e Lisboa, aonde cada um póde cortar carne pelo preço que quizer; mas como a illustração do Porto e Lisboa não chegou ainda ás Provincias, o resultado era, quando havia a franquia das carnes verdes, não haver carne e ficar eu sem jantar; e embora me preguem com boas theorias quando a minha barriga me disque não jantou bem, não quero nada dellas. (Hilaridade).

O Sr. Castro Pereira: — Tambem eu, Sr. Presidente, rejeito o Projecto tal qual está, por muitas razões, e além daquellas que tenho ouvido aos illustres Senadores que o tem combatido, por outra que para mim é muito forte; e vem a ser, porque elle não satisfaz ao fim que se pertende (apoiados). Antigamente, Sr. Presidente, fazia-se a passagem dos rios com mais commodidade do que hoje, porque como se acabou o privilegio appareceram muitas Barcas, resultando depois o desapparecerem as novas e as antigas. Conseguintemente a grande necessidade é estabelecer o exclusivo para os pontos de pouca concorrencia, e conservar a liberdade para os de maior concorrencia: porém como o Projecto não acode a nenhuma destas cousas, é a razão porque eu o rejeito.

(Vozes: — Votos. Votos).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - Permitta V. Ex.ª que eu diga que a Camara vai votar, e eu não sei qual será o resultado da votação; mas qualquer que elle seja, sempre eu dezejaria muito que não fosse de natureza tal, que o Projecto fosse posto de parte; e eu até o peço á Camara. Reconheço que talvez certas cousas se devam modificar neste Projecto, e já foram lembradas algumas; e como outras poderão lembrar ainda, seria conveniente por isso reconsiderar o mesmo Projecto a fim de se lhe fazerem os possiveis melhoramentos; porque eu estou intimamente convencido de que, ao menos em algumas partes, elle é adoptavel e será util.

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DIARIO DO GOVERNO.

Julgando-se a materia discutida, foi posto a votos na generalidade, e ficou o Projecto rejeitado.

O Sr. Vellez Caldeira, Relator da Commissão de Legislação, leu e mandou para a Mesa a ultima redacção do Projecto de Lei sobre as Congruas dos Parochos: foi approvada.

Foi lido o seguinte

Parecer.

Senhores: — A Commissão de Fazenda examinou o Projecto de Lei, remettido da Camara dos Deputados, sobre authorisar o Governo a arrendar por tempo de quinze annos o Convento de Xabregas á Companhia de fiação e tecidos Lisbonense, e bem assim a estabelecer no mesmo edificio, de acôrdo com a Companhia, e em local para isso separado, uma Casa de correcção e trabalho.

A Commissão, attendendo a quanto é necessario promover a nossa industria nascente, de cujos felizes resultados nós podêmos desde já conceber as mais lisonjeiras esperanças, e igualmente quanto é não só necessario mas urgente o estabelecer uma Casa de correcção, e trabalho, tanto para moralisar, como para dar meios de subsistencia, sem gravame do Estado, ás infelizes, que antes a miseria do que a preversidade põem debaixo do rigor da Lei, é de parecer que o Projecto seja adoptado para ser submettido á Sancção Real. Casa da Commissão, 11 de Julho de 1839. = José Cordeiro Feyo = José Ferreira Pinto, Junior = Barão de Villa Nova de Foscôa.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.º Fica o Governo authorisado para arrendar, pelo seu justo preço, e pelo espaço de 15 annos, o edificio e cêrca do extincto Convento de Xabregas, á Companhia deflação e tecidos Lisbonense; podendo ajustar com a mesma Companhia o que mais convier para a reparação e conservação da dita propriedade, mas de fórma que findo o arrendamento, a Companhia não possa allegar direito a indemnisação por bemfeitorias.

Art. 2.° Fica igualmente authorisado o Governo a separar do mesmo edificio, de acôrdo com a Companhia, o local necessario para estabelecimento de uma Casa de correcção e trabalhos, uma vez que isto não prejudique o estabelecimento da Companhia.

§. unico. O Governo dará as providencias, e fará os regulamentos necessarios para execução do disposto neste Artigo, quando venha a verificar-se o estabelecimento de que elle tracta.

Art. 3.° Fica, para este fim sómente, revogada a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 6 de Julho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = Antonio Caiado d'Almeida Figueiredo, Deputado Secretario.

Aberta a discussão geral, teve a palavra

O Sr. Miranda: — Levanto-me para sustentar este Projecto, e para o fazer basta eu vêr, que o edificio pedido é para a collocação de um estabelecimento industrial, e que demais a mais se offerece a pagar renda por elle, circumstancia esta que bastava para se lhe não fazer opposição.

Eu tive occasião, Sr. Presidente, de examinar este estabelecimento, não em todos os seus trabalhos, porém em parte delles, e nos mais importantes; e confesso que fiquei muito satisfeito por vêr o bom methodo nelle adoptado, e a sua muita regularidade: todavia eu tive muitissimo sentimento em vêr que elle estivesse tão mal collocado. Agora porém vejo, que se pede para esse effeito o Convento de Xabregas; e de certo, Sr. Presidente, que não se lhe póde dar uma melhor applicação do que esta, e mui especialmente depois de se pagar renda por elle (apoiados). Em consequencia parece-me que se póde votar, e approvar o Projecto (Apoiados).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, eu muito pouco tenho que accrescentar ao que acaba de dizer o Sr. Miranda; e só poderei rectificar as suas idéas as quaes me parecem muito justas. Pelo contexto do Projecto se vê que não se vai fazer uma alienação daquelle Edificio; mas que sim vai dar-se de arrendamento para um fim tão justo e conveniente como são sempre todas as emprezas industriaes (apoiados). Agora devo dizer que o Administrador Geral foi com esses Fabricantes examinar o Edificio, que o achou apropriado para o desejado fim, e tambem para estabelecer nelle uma casa de correcção, (pois que o local offerece para isso todas as vantagens) cuja precisão entre nós é de todos certamente reconhecida (apoiados). É de justiça confessar que foi o actual Administrador Geral de Lisboa quem (apenas entrou em exercicio) suggerio ao Governo a idéa da conveniencia da casa de correcção, pelo que elle é digno de todo o elogio, e não menos pelos exforços que tem feito, e quanto está ao seu alcance, para levar essa idéa a effeito, d'accôrdo com a Companhia, vencendo todas as difficuldades para que ella se estabeleça, como vai estabelecer-se, porque para isso já a mesma Companhia está de conformidade. — Parece-me por tanto, que á vista de todas estas razões, a Camara certamente julgará muito conveniente dar a sua approvação a este Projecto (Apoiados geraes).

Sem mais discussão, foi o Projecto entregue á votação e approvado na sua generalidade, para ser tractado em especial.

Acto continuo foram lidos, e successivamente approvados todos os artigos de que se compunha, sem preceder discussão.

Em seguida leu-se este

Parecer.

Senhores: — A Commissão de Administração Publica é de parecer que se approve o Projecto de Lei que ao Senado foi remettido pela Camara dos Deputados, dando recurso para o Conselho de Districto das Deliberações das Camaras Municipaes, sobre demissão, ou suspensão dos Medicos, e Cirurgiões de Partido. Sala da Commissão, em 2 de Julho de 1839. = Daniel d'Ornellas e Vasconcellos = Manoel Gonçalves de Miranda = Barão de Prime = Anselmo José Braamcamp = Manoel de Castro Pereira = Felix Pereira de Magalhães = Barão de Villa Nova de Foscôa. Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.º As deliberações das Camaras Municipaes, para suspender, ou demittir os Medicos, ou Cirurgiões, providos nos Partidos, ou para diminuir os mesmos Partidos depois de arbitrados, só poderão ser executadas, precedendo approvação do Conselho de Districto respectivo, que ouvirá previamente os Facultativos.

Art. 2.º Ficam revogadas todas as Leis em contrario. Palacio das Côrtes, em 26 de Junho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario = João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

Não havendo quem reclamasse a palavra, foi o Projecto proposto e approvado, assim em geral, como em cada um dos seus artigos.

Leu-se então o seguinte Parecer.

Senhores: — A Commissão de Administração Publica é de parecer que se approve o Projecto de Lei, que ao Senado foi reemitido pela Camara dos Deputados, estabelecendo que os fóros, censos, pensões, e quaesquer outros bens denominados proprios, que pertenciam aos Concelhos extinctos, e que foram annexados a outros, ficam pertencendo aos Concelhos, de que fazem parte.

Sala da Commissão, em 5 de Julho de 1839. = Anselmo José Braamcamp. = Manoel Gonçalves de Miranda. = Daniel d'Ornellas e Vasconcellos. = Barão de Villa Nova de Foscôa. = Barão de Prime. = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.º Os fóros, censos, pensões, e quaesquer outros bens denominados proprios, que pertenciam aos Concelhos extinctos, que foram annexados a outros pelas Leis concernentes á divisão de territorio, posteriores ao anno de 1833, pertencem ao Concelho, de que fazem parte desde a data da annexação legal.

§. 1.º Se para o futuro occorrerem novas alterações na divisão do territorio, os bens denominados proprios, os fóros, censos, e pensões, de que tracta este Artigo, passarão ao Concelho, a que ficarem pertencendo os logares, em cujos limites estiverem situados os bens proprios, e os predios, em que aquelles fóros, censos, e pensões estiverem impostos.

§. 3.° Esta mesma regra é applicavel aos fóros, censos, pensões, e quaesquer outros bens, existentes nas Freguezias, ou parte das Freguezias, desannexadas dos antigos, a que pertenciam, e unidas a outros Concelhos, por effeito das citadas Leis.

Art. 2.° Os baldios, matas, celleiros communs, e quaesquer outros bens, situados n'um Concelho, Freguezia, ou parte de Freguezia, cuja fruição pertencia aos seus respectivos habitantes, continuarão a pertencer a estes exclusivamente, e pelo mesmo modo, não obstante as alterações, que os referidos Concelho, Freguezia, ou partes de Freguezia tenham soffrido, ou hajam de soffrer, por virtude das Leis concernentes á divisão do territorio.

Art. 3.º Fica derogada a Legislação em contrario. = Palacio das Côrtes, em 1 de Julho de 1839. = José Caetano de Campos, Presidente. = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario. = Manoel Justino Marques Murta, Deputado Secretario.

Sem discussão alguma, foi approvado em geral, e logo em cada uma das suas disposições.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Eu peço a V. Ex.ª queira ter a bondade (sendo possivel) de dar para Ordem do dia o Projecto de Lei que veio da outra Camara, sobre expropriações, vista a sua grande necessidade.

O Sr. Secretario Machado: — Ainda a respectiva Commissão não deu o seu parecer sobre elle.

O Sr. Ministro do Reino: — Pois então eu rogo a V. Ex.ª queira convidar os Srs. da Commissão a dá-lo quanto antes.

O Sr. Visconde de Laborim: — Visto não estar presente o Sr. Relator da Commissão, eu direi que o Parecer está escripto, e que ámanhã provavelmente será assignado para ser presente ao Senado.

O Sr. Bergara: — Eu peço a V. Ex.ª que dê para Ordem do dia da Sessão de ámanhã o Projecto de Lei sobre as accumulações; porque as vistas do publico estão fixas nelle. Ainda hoje, Sr. Presidente, recebi uma carta de Campo Maior, na qual se me diz que o Parocho da Matriz recebe de Congrua 350$000 réis, além de benesses, e 200$000 réis pela Cadeira de Latim; e de mais a mais é um Parocho que manda citar um freguez por lhe não pagar trinta réis de Congrua, que elle nunca pediu, e obriga por este vexame a pagar o freguez cem mil réis de custas! (Riso). Ha pois toda a razão para que os Parochos tambem não accumulem (Apoiados).

O Sr. Presidente: — A Ordem do dia para ámanhã é a discussão dos Projectos da Camara dos Deputados, sobre serem authorisadas as Camaras Municipaes de Sines, de Sant-Iago de Cassem, e de Lisboa, a contrahir emprestimos; depois tractar-se-ha o Projecto do Sr. Cordeiro Feyo sobre o preço e modo por que se hão de amortisar as Inscripções que se houverem de crear pela authorisação dada ao Governo para realisar até 1:400 contos de reis; e, havendo tempo, discutir-se-ha o Projecto do Sr. Bergara sobre accumulações. — Está fechada a Sessão. - Faltava um quarto para as cinco horas.

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