O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

18 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

Tambem não preciso desenvolver o argumento fundamental e irrespondivel de Mathieu de Montmorency, que dizia que, se as duas Camaras são constituidas da mesma forma, uma d'ellas é inutil, e, se o não são, constitue-se um corpo aristocratico.

Não preciso, finalmente, de dissertar sobre o outro não menos fundamental argumento, que Armand Marrast concretizou no relatorio do projecto da constituição francesa de 1848, nestas palavras: - a soberania é una; a nação é una; a vontade nacional é una. Como, pois, se quer que a delegação da soberania não seja unica, que a representação nacional seja dividida em duas, que a lei, emanando da vontade geral, seja obrigada a ter duas expressões para um mesmo pensamento?

O Sr. João de Freitas: - Vejo que V. Exa. quer uma só Camara.

O Orador: - Sim, senhor; já o disse; entendo que o corpo legislativo deve ser uno e que nenhuma razão ha para o scindir em duas secções.

O Sr. João de Freitas: - Veja V. Exa. o exemplo da republica de Espanha em 1873.

O Orador: - Era uma assembleia constituinte, como esta em que estamos e não foi por ter só uma Camara, como nós temos agora, que a Republica Espanhola caiu.

Devo, porem, dizer a V. Exa. que, principalmente em direito constitucional, eu attendo mais ao meu criterio, ao meu raciocinio, do que aos argumentos de ordem historica.

E digo a V. Exa. porquê: é que os factos historicos, especialmente quando se trata de epocas proximas ou contemporaneas, não só são quasi sempre desvirtuados, como tambem diversamente interpretados ao sabor de cada um que os invoca.

Os mesmos factos, as mesmas circunstancias, teem servido para justificar doutrinas contrarias.

E tambem o que acontece com as estatisticas. Com os mesmos numeros, os mesmos mappas, os mesmos dados, tem-se chegado a conclusões diversas, se não diametralmente oppostas.

Vou dizer a V. Exa. e á Camara qual é o meu modo de ver em relação a este ponto do projecto, e, já agora, começarei mesmo por argumentos de ordem historica, estudando a origem e a evolução das duas Camaras legislativas, para em seguida ir aos argumentos mais de ordem pratica, mais terra a terra, pois, como já disse, não preciso desenvolver os argumentos de ordem theorica, a que aliás só se pode responder com sophismas transparentes.

A constituição e organização de uma só Camara tem sido sempre desejada e decretada no dia seguinte ao das revoluções.

Sempre que a vontade popular se pode pronunciar abertamente e que as ideias liberaes podem expandir-se e vingar, apparece uma só Camara como orgão do poder legislativo. Assim, em França, numa das vezes em que se votou o poder legislativo com uma só Camara, a opinião publica manifestou-se por tal forma e essa ideia estava tão radicada no espirito radical de então, que a questão foi resolvida por 500 votos sobre 100, pouco mais ou menos.

Sr. Presidente, depois de decorridos os momentos que se seguem ás revoluções, depois de começar a dominar o conservantismo, é que começa a apparecer a ideia que cada vez mais se vae accentuando de se constituir uma segunda Camara, que modere, diz-se, os impetos da primeira.

Sr. Presidente: se nós formos á origem d'esta segunda Camara, vê-se que ella foi criada, para como dizia Royer Collard, auxiliar o rei contra as correntes democraticas, ou então para se constituir um centro de acção conservadora de opposição democratica e liberal.

Assim, vemos que nasceu a segunda Camara para dar logar aos representantes da aristocracia, da alta propriedade e do alto capitalismo, e que ainda se quer que ella seja o que Guizot dizia e era a reunião dos que se diz terem mais autoridade do que os outros, pela riqueza, pelo explendor do nascimento, pelos merecimentos, pela reputação e pela idade.

Depois, Sr. Presidente, a evolução d'esta segunda Camara, que se encontra, é certo, em quasi todos os países, tem sido feita no sentido de lhe diminuir as prerogativas e de a collocar, como deve ser, num grau de inferioridade relativamente á primeira Camara.

Ora eu não comprehendo que, sendo essa a Camara em que se deseja e se presume que haja mais ponderação, mais commedimento, onde teem assento os mais idosos, os mais notaveis, os que representam as forças vivas da Nação, seja afinal dependente da outra que, embora represente as boas, generosas e altas ideias, se presume ser mais irreflectida, mais leviana, mais ardente e impulsiva. Não comprehendo, Sr. Presidente, que seja inferior em direitos e prerogativas a Camara que tem por fim, diz-se, corrigir os excessos da outra, mas tambem menos comprehendia que essa segunda Camara fosse collocada superiormente á primeira, ou de alguma forma coarctasse os direitos d'essa, que é a lidima e directa representante da soberania da Nação, da vontade popular.

Sociologicamente não se comprehende que haja dois orgãos para desempenhar uma mesma funcção; e, se se diz que as duas Camaras constituem um só orgão, embora dividido e complexo, esquece-se que entre as duas Camaras se podem dar tantos ou mais e maiores conflictos, do que entre os proprios poderes politicos entre si.

Diz-se mais, Sr. Presidente, para sustentar a doutrina da segunda Camara, que, sob o ponto de vista politico, ella é necessaria para ali se estabelecer um centro de acção conservadora e para dar logar á correcção indispensavel aos trabalhos da Camara Baixa, e, sob o ponto de vista legislativo, que é preciso tambem fazer convergir sobre as leis a maior discussão, que convem que da segunda Camara reveja a obra da primeira, para lhe tirar as arestas vivas, para as adaptar ao meio a que ellas são destinadas, e para dar tempo a que o assunto seja meditado e estudado.

Mas, se por um lado não admitto e acho até inconveniente a constituição d'esse centro de acção conservadora, que em breve se pode tornar reaccionaria, tambem me repugna que se crie uma especie de Casa de Correcção para a obra d'aquelles que são os representantes da Nação.

E mesmo sob o ponto de vista da feitura das leis bem se podem conseguir aquelles objectivos, a que me referi, com disposições regulamentares, de forma que as leis saiam tanto quanto possivel perfeitas, depois de um estudo demorado e de sobre ellas a opinião publica e os diversos interesses em jogo se terem podido pronunciar, sem necessidade de uma segunda Camara.

É corrente o argumento de que antes haja poucas, mas boas leis, do que muitas e más.

Mas é preciso dizer que não é fazendo-as passar por mais do que uma assembleia legislativa, e submettendo-aa á discussão e votação de muitas pessoas e de muitas commissões que ellas saem mais perfeitas. Ao contrario, saem mais incoherentes e contraditorias.

E como é, Sr. Presidente, que se ha de constituir a segunda Camara?

Aqui divergem as opiniões, aqui se veem as ideias mais diversas e heterogeneas, aqui apparecem continuamente a indecisão, a duvida, a discussão.

E em regra não ha opiniões definidas, como vemos nos projectos de Constituição apresentados, ou não se querem