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20 DIARIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE

rem exigidas para o recenseamento politico, sendo sempre preferivel a sua eleição pelo povo á nomeação pelo poder executivo, como agora.

E preciso dar ao poder judicial, mas com mais largueza de que o faz o projecto da commissão, que deixa o seu exercicio dependente da impugnação de uma das partes, a attribuirão de apreciar a constitucionalidade das leis e a legalidade de todos os diplomas emanados do poder executivo.

Só assim, com este conjunto de disposições, poderiamos estar certos de que jamais se fará ditadura em Portugal, e de que este diploma será rigorosamente observado. Para inim o^ principal, portanto, é constituir como deve ser o poder judicial.

Neste ponto, repito, as disposições do projecto são insufficientissimas, pois no artigo 45.° não se faz, como era mister, a distincção das duas instancias; não se diz em additamento ao artigo 46.°, ou noutro artigo, que nenhuma sentença pode ser annullada ou modificada pela autoridade legislativa ou por uma autoridade administrativa, como diz a Constituição de Berne, e que, como estabelece o artigo 73.° da Constituição italiana, a interpretação das leis, por forma obrigatoria para todos, pertence exclusivamente ao poder legislativo.

Diz o projecto, Sr. Presidente, que será mantida a instituição do jury, mas dizer isto ou não dizer nada é o mesmo, porque amanhã uma lei, sem infringir esse preceito constitucional, pode reduzir a intervenção do jury ás causas eiveis, e facultativamente, como é agora.

Torna-se necessario dizer expressamente que o jury será facultativo em materia civil e commercial e obrigatorio em materia criminal, quando ao crime caiba pena mais grave do que prisão correccional e quando os delictos forem de natureza politica.

Eu queria tambem que se dissesse que nenhum juiz poderá accceitar do Governo funcções remuneradas senão em certos termos e casos concretos e definidos, e que, não só se consignasse que as autoridades e funccionarios são responsaveis pelos actos que pratiquem no exercicio das suas funcções, mas ainda se determine mais que as respectivas acções poderão ser intentadas directamente contra o Estado, provando que não teve seguimento dentro de um certo prazo a sua reclamação perante a autoridade executiva superior.

Nada d'isto, que eu julgo indispensavel para garantir a independencia do poder judicial e a Constituição, o projecto contem; - o que ali está e nada é a mesma cousa.

E se nada se acrescentar ao que está no projecto, nós ficaremos nas mãos, não só do legislativo, como do executivo.

O Sr. José Barbosa: - Mas porque é que V. Exa. não apresenta emendas?

O Orador: - Fálo-o-hei quando se tratar da especialidade.

Por agora limito-me a lançar estas ideias de uma forma geral, para que sobre ellas possa recair a attenção e o estudo da Camara.

E aproveito a occasião para prestar a minha homenagem de respeito e reconhecimento á commissão, pelo trabalho que apresentou, homenagem esta que aliás me não inhibe de criticar o projecto.

Reservo-me, pois, para na especialidade apresentar as respectivas propostas de additamentos, substituições e emendas.

Não as apresento já, por não ser a occasião propria, mas não pude deixar de enunciar aquellas ideias, porque, se não as fizesse, atraiçoaria o meu pensar, e não cumpriria, penso eu, o meu dever, porque não posso suppô-las que essas ideias, sobre este assunto restricto, relativo ao pó der judicial, e3tejam na cabeça de todos.

O Sr. José Barbosa: - V. Exa. sabe que nas diversas Constituições o assunto não vem tratado com maior desenvolvimento do que no projecto.

O Orador: - As ideias que expendi não são minhas, não quero ter o merito da originalidade, nem da invenção.

Tudo aquillo que disse é tirado de outras Constituições, que tive o cuidado de rever.

Em todas procurei e d'ellas tirei aquillo que julguei absolutamente necessario, porque, fazendo nós hoje uma Constituição, entendi devermos aproveitar de todas aquillo que é bom e util.

Uma voz: - Isso é que é o melhor.

O Orador: - Eu preferiria que a commissão fizesse isso, a trazer para cá só aquillo que achou numa unica Constituição.

Devo dizer a V. Exas. que não fui só consultar Constituicões de outros países, vi todos os projectos de Constituições apresentados agora a esta Assembleia.

O Sr. José de Castro: - Teve tempo.

O Orador: - V. Exa. sabe que eu tenho muito que fazer, mas não viria para este logar se não tivesse podido estudar o assunto.

Não vinha para aqui expor as minhas ideias se não tivesse estudado a fundo o projecto; estudei o problema como jurisconsulto, que me preso de ser, e da mesma forma que estudo qualquer outro problema juridico, e vim aqui expor as minhas ideias com a sinceridade e lealdade que sempre costumo usar.

Todas as indicações que dei com respeito ao poder judicial foram tiradas da Constituição de Berne, da italiana, etc., e tambem do projecto de Constituição apresentado pelo grupo Montanha.

Ali se expressa tambem um principio, que desejava ver na Constituição e que consiste na separação das magistraturas do ministerio publico e judicial.

Esse projecto. Sr. Presidente, merece as minhas sympathias, porque contem muitas disposições com que estou de acordo e é eminentemente democratico.

Por ultimo, Sr. Presidente, para terminar as minhas considerações, direi que desejaria tambem que no projecto, alem de se consignar, embora de uma maneira geral, o principio da autonomia local, se consignasse já tambem, ainda que restrictamente, o referendum administrativo, e que de uma maneira completa se assegurasse a responsabilidade effectiva e efficaz de todos os agentes da autoridade publica, especialmente no que respeita aos direitos individuaes do cidadão.

Sr. Presidente: eu sou por tradição de familia e por temperamento, profundamente democrata, mas não posso deixar de reconhecer quanta verdade conteem as palavras de um distincto e recente escritor francês quando diz: "que a forma democratica só vale pelo uso que d'ella se faz".

É, em parte, verdade isto, e como o é, eu quero terminar expressando á Camara o meu maior desejo de que na nossa lei fundamental faça uma obra de boa e sã democracia. Só assim, Sr. Presidente, prestará uma verdadeira e condigna homenagem a todos aquelles que combateram pela implatação do novo regime, e só assina, Sr. Presidente, conseguirá a consolidação das instituições, dando fortes e inabalaveis alicerces á Republica Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes da Mata: - Envio para a mesa um projecto de Constituição.