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SESSÃO N.° 23 DE 18 DE JULHO DE 1911 19

que lhes deu todos abusos da força; no fundo era um absolutismo mascarado, uma carta de alforria dada aos seus subditos por um rei de Portugal por Graça de Deus, que bifou o mandato da Nação expresso nas Côrtes de 1641.

Mas estamos noutra epoca em que criámos a sciencia da social, que tornará normaes e conscientes as instituições dos povos.

Nós temos para a formação da sciencia social cinco mil annos de marcha historica ascencional, e desde o momento que estamos da posse d'esse documento supremo do nosso percurso, podemos deduzir de onde isto vem e para onde vae.

A sciencia social é que vem dar o criterio para julgar, e assim a ideia dá Constituição funda-se em quatro tópicos estructuraes; origem do poder, sua fonte, suas formas e o modo da sua delegação, e assim representando a soberania nacional, no poder legislativo, no poder executivo e no poder judicial. Cada um diz o que pensa e o que quer, sem ter uma concepção positiva dos phenomenos sociaes; se fossemos a inquirir opiniões pessoaes, isto nunca teria fim.

O homem que compõe um poema se o rever vinte vezes, vinte vezes o emenda, com fez Haydn remodelando dezoito vezes uma symphonia; exactamente, neste caso está o esboço da Constituição que aqui foi apresentado.

Carece de ser remodelada, dando-lhe systema que não tem e eliminando excrescencias regulamentares estranhas ao que é exclusivamente Constituição. Começa apenas por falar na soberania da Nação em uma simples rubrica e uma vez só. Nem sabemos, que soberania seja. De forma, que não sabe de onde isto vem, e até os dignos membros da Constituinte estão aqui e não sabem porque aqui estão.

Fez-se a Revolução de 5 de outubro de 1910 e ainda não se disse que pensamento determinou este caso: tem premiado heroes e não se sabe porque estes sacrificios se fizeram. A causa é simples.

A Nação Portuguesa tinha delegado a sua soberania em D. João IV, e este rei transformou esse mandato em poder por Graça de Deus e não da Nação que lh'o tinha conferido e caminhou para o mais degradante absolutismo, a ponto de acabar com as cortes portuguesas e abandonar-nos ao estrangeiro e vender-nos como carneirada.

Todas as tentativas que se fizerem para revindicar esta soberania, para restabelecer as garantias do povo, como foi a da revolução de 24 de agosto de 1820, e a revolução de setembro de 1836, para as tentativas da reforma da carta outorgada, fracassaram, e tudo se fez; para evitar uma constituinte, porque lhe tinha medo a dynastia da fraude. Ainda ha quem tenha sustos ao falar-se na soberania nacional.

Meus nobres collegas, quando se fez a sessão solemne de 19 de junho, a allocução dirigida á Assembleia, começava por um ponto que vou ler á Camara porque é a razão da Constituinte, e d'elle tirei toda a base para uma Constituição politica e para a discussão d'este projecto:

"A Nação Portuguesa é livre e independente, porque só nella reside a soberania, constituida, sustentada e reconhecida pela continuidade historica de auto secular; é d'ella que por delegação temporaria, revogavel e condicional derivam todos os Poderes do Estado conferidos a representantes responsaveis pelo cumprimento do seu mandato".

Foi isto o que revindicou a Revolução de 5 de outubro de 1910; e a Nação reassumiu-a immediatamente, vindo nós aqui não para sanccionar a Revolução, como diz o projecto, mas exercer essa soberania, proclamando a Republica e depondo os Braganças. A razão d'esse acto sublime de 19 de junho foi omittida, e omittida a data historica, que anda conjunta.

Tal é ainda o terror d'esta expressão soberania nacional!

Mas que millennios levou a attingir a comprehensão da soberania nacional!

O poder na terra começou por uma empalmação; antigo abuso lhe chamou Camões.

É pois preciso intrujar, para o fraco vencer o forte.

Dizia-se: todo o poder deriva de Deus, Omnis Potestas a Deo. Na astronomia, na medicina, em todas as sciencias predominou o criterio theologico e o sabio era um theurgo, o poder era Deus.

Identificado na theocracia, de que o papado é ainda um archaico representante, essa theocracia caiu e passou o poder para os réis, com a mesma origem divina, Per me Reges reynant, dando assim a independencia absoluta do poder. Sic volo, sicjubvo; sit pro ratione voluntas.

Os réis serviram-se fundamentalmente d'esse poder, identificando em si o Estado: L'État c'est mói.

Hoje já não tem razão de existir essa poder imperialista. A soberania reside na Nação, representada por todos os elementos que a compõem.

Mas o povo, a Nação, somos todos nós em conjunto; e o sapateiro, é o proprietario, tudo isso é o que representa o povo e constitue a Nação, como já no seculo XIII o comprehendera Affonso, o Sabio, no Codigo das Sete Partidas.

Esse conjunto todo representa a Nação, na consciente solidariedade territorial e ethnologica.

Todos nós, do mais elevado logar ao mais baixo mester, fazemos parte da Nação, e portanto somos o povo, a soberania d'essa Nação, que a cada um garante a igualdade civil e a liberdade politica.

Vê se, por consequencia, que se não pode admittir a ideia de classes nem a differenciação privilegiada de um Senado a titulo irrisorio de estabelecer um freio para as deliberações d'esta Camara, então dita baixa. A soberania da Nação tem sido profundamente falsificada.

Vamos, pois, a observar essa soberania nos seus orgãos, os Po4eres do Estado:

Apparece o poder executivo. O que é o poder executivo? Estou convencido de que ninguem responderá senão subjectivamente a esta interrogação. Elle tem tambem a sua origem historica. Pertencia a uma fase social em que o poder soberano ou real tinha em si accumulados todos os poderes sociaes. Era rei, era administrador, era banqueiro, era julgador e general, era tudo. Os réis tinham cm si todos os poderes; mas, como não podiam resolver todas as questões occorrentes, tinham de delegar noutras entidades, que foram primeiramente os Maires de Poiais. Não podiam ir para a guerra, abdicavam num chefe militar; criou-se o poder do generalato.

Não estavam para attender pedidos, para que sobre qualquer assunto fosse feita justiça; delegavam nos seus Missi Dominici, e assim se criou o Ministerio Publico, para conceder essa justiça, já impessoal.

Da mesma maneira se criaram as instancias e os tribunaes acima das justiças locaes.

Quem eram, pois, esses Ministros?

Eram primitivamente uma especie de criados graves do rei.

Faziam todos os serviços os Maires du pedais, como serventuarios juntos da realeza.

Mas como havia homens que exerciam estes logares com. consciencia e com seriedade, veio d'aqui o poder ministerial. Foi a Inglaterra que converteu o titulo de maires du poiais em poder ministerial unificado em uma funcção collectiva ou gabinete. Este poder confia-se a um sujeito que, pela sua competencia ou pelo conhecimento immediato das questões que interessam á sua terra, é escolhido para exercer as funcções governativas. A magistratura ministerial é uma criação moderna, é uma criação social, que hoje está acima de todos os poderes pes-