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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 107

EM 20 DE JUNHO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira

João de Ornelas da Silva

Sumário.— Aberta a sessão com a presença de 42 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) requere que as emendas do Senado à proposta do empréstimo para Moçambique se discutam até a hora destinada para a discussão do Orçamento.

O Sr. Velhinho Correia expõe o seu modo de ver sôbre a melhor forma de se discutir o Orçamento, sem perda de tempo.

O Sr. Francisco Crus protesta contra a ausência do Sr. Ministro do Comércio, chama a atenção do Sr. Ministro do Interior para factos ocorridos na Mealhada e ocupa-se do açúcar armazenado na Alfândega do Pôr to.

Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso).

É pôsto à votação da Câmara o requerimento do Sr. Ministro das Colónias.

Interroga a Mesa o Sr. Viriato da Fonseca, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

É aprovado o requerimento, confirmando-se a aprovação em contraprova, com contagem.

O Sr. Sá Pereira trata da falta de constituição da comissão de trabalho e pede e cumprimento integral da Lei da Separação.

O Sr. Ministro da Justiça (José Domingues dos Santos) responde ao orador e apresenta uma proposta de lei declarando sem efeito o decreto n.º 3:856, de 22 de Fevereiro de 1918, e repondo em vigor as disposições legais por êle alteradas ou revogadas. Requere a urgência. É aprovada, confirmando-se a aprovação em contraprova.

Prossegue, seguidamente, a discussão do artigo 2.º do parecer n.º 622 (emendas do Senado) sôbre o empréstimo de Moçambique.

O Sr. Jaime de Sousa conclui as suas considerações.

Usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Rodrigues Gaspar e Ferreira da Rocha, que apresenta uma moção, a qual é admitida-

É aprovada a acta sem reclamação.

São tidas na Mesa notas de interpelação dos Srs. Pinto Barriga e Dinis da Fonseca.

São admitidos dois projectos de lei.

O Sr. Portugal Durão fala sôbre as emendas do Senado e requere que a discussão prossiga com prejuízo da ordem.

Aprovado.

O Sr. Portugal Durão conclui as suas considerações, usando, em seguida, da palavra os Srs. Ministro das Colónias, Dinis, da Fonseca e Portugal Durão para explicações.

Procede-se à votação do artigo 2.º das emendas do Senado, que é aprovado, depois de usar da palavra o Sr. Cancela de Abreu sôbre o modo de votar.

Requerida a contraprova, com contagem, verifica-se que não há número.

Feita, a chamada, como não haja número, encerra-se a sessão, sendo marcada a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.

Presentes 42 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 47 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Américo da Silva Castro.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino.

Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Custódio Martins de Paiva.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

João Salema.

João de Sousa Uva.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manual Ferreira da Rocha.

Mariano Martins.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Tomás de Sousa Rosa.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Entraram durante a sessão os Sr.:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Moura Pinto.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Correia.

António Ginestal Machado.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António Pinto de Meireles Barriga.

António Resende.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bernardo Ferreira de Matos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado Freitas.

Delfim Costa.

Domingos Leite Pereira.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cruz.

Francisco Dinis de Carvalho.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João Luís Ricardo.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.

Joaquim Brandão.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Domingues dos Santos.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel de Sousa Coutinho.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mário Moniz Pamplona.Ramos.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Paulo Cancela de Abreu.

Vasco Borges.

Vergílio da Conceição Costa.

Vergílio Saque.

Não compareceram, os Srs.:

Abílio Marques Mourão.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Lelo Portela.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amadeu Leite de Vasconcelos»

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da seca.

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António Mendonça.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Augusto Pereira Nobre.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Hermano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Cortês dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Maximino de Matos.

Nuno Simões.

Paulo da Costa Menano.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Herédia.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomé José de Barros Queiroz.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 42 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei n.° 663, que altera a tabela dos emolumentos judiciais.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Do Ministério do Trabalho, satisfazendo ao requerimento do Sr. Artur Brandão, transmitido no ofício n'.° 323.

Para a Secretaria.

Representação

Dos catraeiros do Pôrto e Gaia, pedindo modificações à lei n.° 1:368.

Para a comissão de finanças.

Telegramas

Dos escrivães de direito de Estarreja, pedindo para não serem prejudicados nas tabelas dos emolumentos.

Para a Secretaria.

Dos escrivães de Sintra, pedindo a urgente votação da tabela judicial.

Para a Secretaria.

Da Junta Geral do distrito de Castelo Branco, pedindo a conservação do Liceu Central.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Antes da Ordem do dia

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Requeiro a V. Exa. para que as emendas vindas do Senado à proposta relativa ao empréstimo para a província de Moçambique continuem em discussão até à hora de se entrar na discussão do Orçamento.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção da Mesa e da Câmara para a maneira como se inicio a e está decorrendo nesta casa do Parlamento a discussão do Orçamento Geral do Estado.

Não tenho outro desejo, nem outro propósito, senão o de ver prestigiado o Congresso da República, e o que mais ràpidamente possível se discutam os orçamentos. Todavia não posso ser insensível aos clamores e protestos da opinião pública, da opinião republicana, contra a marcha dos trabalhos parlamentares.

Sr. Presidente: com muita calma e sossego chamo a atenção de V. Exa. e da Câmara para o seguinte:

À discussão do orçamento iniciou-se há três dias; é hoje a terceira sessão, e como já tive ensejo de ver na Mesa qual o número de oradores inscritos para a generalidade do orçamento do Ministério da Instrução Pública, suponho que ainda não é possível acabar essa discussão, na generalidade, repito.

Ora, temos dezoito orçamentos a discutir, e, admitindo que cada um leva três sessões a discutir na generalidade, precisamos dez semanas. Isto na melhor das hipóteses.

O Sr. Cancela de Abreu (em àparte): — É uma estatística interessante.

O Orador: — Mas, admitindo que a Câmara discute e aprova um capítulo por sessão, o que é bastante, visto que há capítulos no orçamento do Ministério da Guerra, que tem 20 a 30 artigos, temos trinta e cinco semanas para discutir o orçamento na especialidade e com mais dez semanas na generalidade, verificamos que são precisas quarenta e cinco semanas, ou sejam cêrca de onze meses.

O Sr. Abílio Marçal (em aparte): — E a discussão das emendas?

Diário da Câmara dos Deputados O Orador: — Já não falo nisso.

O Sr. Abílio Marçal (em aparte): — Não deve chegar um ano.

O Orador: — Isto na melhor das hipóteses.

Sr. Presidente: Sempre que se houve de discutir o Orçamento Geral do Estado pela maneira, como êste ano foi iniciada a discussão, não se consegue discutir senão dois ou três orçamentos. Foi preciso adoptar certas regas para que o orçamento se pudesse discutir.

Sr. Presidente: não posso acreditar que alguém nesta casa do Parlamento tenha *o propósito de desprestigiar a Câmara porque outra cousa não é deixar de cumprir aquilo que a Constituição expressamente determina, e afigura-se-me que há necessidade de V. Exa., Sr. Presidente, e os leaders dos vários grupos, tomarem uma decisão no que respeita à discussão dêsse diploma fundamental.

Em todos os Parlamentos o presidente da Mesa não se limita, e isto sem desprimor para com V. Exa., a aceitar e a dirigir os trabalhos da assemblea, mas também trata de combinar com os leaders a maneira prática de desempenhar a sua missão.

Pregunto: Porque não se há-de adoptar o mesmo processo que se segue no Parlamento Inglês?

Na Inglaterra o orçamento é discutido em 15 ou 18 sessões, e, quando a discussão se inicia, fixa-se o número de dias em que ela se tem de fazer.

Findo êsse tempo, a Câmara dos Comuns vota sem discussão. Esta regra, que vem da liberal Inglaterra, é defensável e explica-se por esta razão muito simples: desde que o orçamento é apresentado em dia certo e tem de estar discutido e votado num certo dia.

Portanto, é preciso que a Câmara discipline essa discussão, ou seja consagrando um número limitado de dias para ela, ou limitando o tempo que os oradores devem usar da palavra, como em regra se faz no Parlamento Francês, onde cada orador não pode usar da palavra mais de uma vez, nem por mais de quinze minutos, ou seja discutido o orçamento, não por capítulos, mas em bloco, de um jacto e, no que respeita a votações, por capítu-

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los. A discussão seria feita por grandes números. Êste princípio era admissível entre nós, visto que os Deputados não têm o direito de aumentar as verbas que estão consignadas no orçamento.

É preciso limitar o tempo da discussão orçamental, ou seja por meio das regras adoptadas no Parlamento Inglês, ou por meio das regras do Parlamento Francês que são seguidas em todo o mundo.

Por isso é necessário que V. Exa. se entenda com os vários leaders dos grupos que constituem esta Câmara, para que tomem resoluções no que respeita à discussão do orçamento que não pode nem deve ser discutido, como está sendo, pela simples razão de representar uma inutilidade.

Não desejo neste momento tomar mais tempo à Câmara. Voltarei a falar sôbre o assunto, expendendo a minha opinião.

O orador não reviu.

O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: a propósito das acusações que aqui fiz contra o Sr. Ministro do Comércio, S. Exa. procede torpemente no seu jornal» lançando as mais vis insinuações ao meu carácter e dizendo que eu defendo interêsses ilegítimos.

Desafio o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações a vir aqui à Câmara provar as suas decantadas economias. O que S. Exa. tem feito no Ministério não passa duma reles política de campanário.

Protesto contra a miserável campanha que o Sr. Ministro do Comércio está fazendo no seu jornal e peço a V. Exa. que o convide a vir à Câmara, e que lhe faça chegar aos ouvidos as minhas palavras que são da maior repulsa por essa campanha.

Aguardo que S. Exa. venha à Câmara, para tratar da legalidade do decreto publicado pelo Sr. Ministro do Comércio, que representa uma extorsão para quem trabalha.

É preciso, que o Estado tenha consideração por quem trabalha.

Não é legítimo que o Estado, que tem uma administração perdulária, pretenda levar as últimas migalhas dos que trabalham honradamente.

Chamo a atenção do Govêrno para um facto grave passado no concelho da Mealhada, que é um verdadeiro crime de sedição, praticado contra o honrado secretário de finanças daquele concelho.

Vários indivíduos, sem autoridade moral, promoveram um comício, com o fim de arrastar o povo contra aquele honrado funcionário, acusando-o de estar aplicando contribuições 40 vezes superiores ao que a lei determina.

Os indivíduos que promoveram o comício pertencem ao sindicato agrícola, e estavam prejudicando o Estado. O secretário de finanças estava fazendo uma sindicância a essa instituição e teve de mandar para o tribunal 200 indivíduos pertencentes ao sindicato agrícola, aplicando-lhes a taxa respectiva, visto que eram comerciantes.

Por isso êsses indivíduos não perdoam ao secretário de finanças e promoveram o comício que constitui um verdadeiro crime de rebelião. Nesse comício tomaram parte alguns monárquicos que procuram desvirtuar as honradas intenções daquele funcionário.

Chamo a atenção do Govêrno p ara êste caso, a fim de que defenda os funcionários do Estado.

Lamento que não esteja presente o Sr. Ministro das Finanças, para lhe preguntar o que há acerca do célebre despacho sôbre o açúcar, armazenado na alfândega do Pôrto há mais de um ano e que os fiscais das subsistências quiseram apreender.

Desejo que S. Exa. explique ao País o motivo do seu despacho.

Entra o Sr. Ministro do Interior.

Chegou agora o Sr. Ministro do Interior e peço a atenção de S. Exa. para os factos passados na Mealhada.

Alguns indivíduos que não têm cotação alguma moral, não por serem monárquicos, mas pôr já terem sido enviados ao Poder Judicial por não quererem pagar taxas que lhes competiam como comerciantes que se provou que eram, promoveram um comício com o fim de o povo se revoltar e linchar o secretário de finanças que era acusado de receber as contribuições agravadas 30 e 40 vezes mais.

Isto, que se passou na Mealhada, é, pelo Código, punido como crime de sedição.

Direi também a V. Exa. que muito é de louvar o proceder do administrador do concelho.

O orador não reviu.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Vou tomar todas as providências que são necessárias, assim como também, chamarei a atenção do Sr. Ministro das Finanças para os casos referidos pelo Sr. Francisco Cruz.

O Sr. Presidente: — O Sr. Ministro das Colónias requereu que se discutisse até as 19 horas o empréstimo para Moçambique.

O Sr. Viriato da Fonseca (para interrogar a Mesa): — V. Exa. diz-me se estou inscrito?

O Sr. Presidente: — V. Exa. está inscrito. Falará na sua altura.

É aprovado o requerimento.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procedeu-se à contraprova.

Sentados 43 Srs. Deputados; de pé 12.

Está aprovado.

O Sr. Sá Pereira (em nome da comissão de trabalho): — Sr. Presidente: chamo a atenção de V. Exa. para o facto de a comissão de trabalho, que tem muito que fazer, não estar ainda constituída. Não tem presidente nem secretário.

Aproveito a ocasião para chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça para os factos gravíssimos que se estão passando em matéria de liberdade religiosa.

O Sr. Presidente: — V. Exa. pediu a palavra para falar em nome duma comissão.

Vozes: — Fale, fale.

Vários àpartes.

O Sr. Presidente agita a campainha.

O Orador: — No domingo passado, na freguesia de Santa Isabel, cometeu-se um atentado contra a liberdade de consciência. Algumas meninas com trajes apropriados, depois de fazerem a primeira comunhão, vieram para a rua de mãos postas.

É preciso acabar com êstes abusos, custe o que custar, e o mais ràpidamente possível, para evitar que corra muito sangue.

O Sr. Presidente: — V. Exa. não pode-estar a tratar senão do assunto para que pediu a palavra.

Vários àpartes.

O Sr. Presidente agita a campainha.

O Orador: — Não estamos dispostos a suportar semelhante afronta.

Vários àpartes.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Pedi a palavra para afirmar ao Sr. Sá Pereira que não permitirei os abusos dos reaccionários, que já eram do meu conhecimento, e que não podem continuar; pois à sombra de certa tolerância e com a pa£ se vão postergando os verdadeiros princípios liberais da República.

Vários àpartes.

O Orador: — V. Exas. sabem que em todas as terras do país existem colégios congreganistas.

Apoiados.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Diga V. Exas. onde estão.

Muitos àpartes.

O Orador: — Eu não quero levantar a questão religiosa, mas tenho o dever de fazer respeitar os princípios da República.

Sr. Presidente: está pendente desta Câmara um projecto de lei tendente a conceder a personalidade jurídica à Igreja, e que não tem sido possível discutir-se; essa personalidade jurídica tem sido, dada, no emtanto, a alguns grupos de indivíduos que se têm constituído fora da lei e que se encontram inteiramente à vontade e por toda a parte.

São os republicanos, pois, Sr. Presidente, que têm o dever, nesta hora, de defender a liberdade, seriamente ameaçada.

O Sr.. Dinis da Fonseca: — A lei deve-ser igual para todos.

O Orador: — Sr. Presidente: sem nenhuma espécie de facciosismo, mas inteiramente dentro dos princípios republicanos, vou mandar para a Mesa uma pró-

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posta de lei tendente a anular o decreto de 22 de Fevereiro de 1918.

O Sr. Dinis da Fonseca: — Abaixo a máscara. Rasguem a Constituição!

O Orador: — Sr. Presidente: entendo que a política a fazer neste momento é a da pureza da Constituição.

Muitos apoiados.

Para esta proposta, Sr. Presidente, requeiro urgência na discussão.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

A proposta é do teor seguinte:

Proposta

Senhores Deputados. — Estão na memória de todos os apaixonados debates que entre nós provocou o problema da participação de Portugal na Grande Guerra e as violentas reacções que a solução afirmativa dêsse problema suscitou.

Entre êstes avulta o movimento revolucionário de 5 de Dezembro de 1917, que teve como principal agente pequenos núcleos de fôrças do exército, estimuladas por oficiais a quem uma errada noção dos interêsses do país e dos seus deveres cívicos impeliu para a resistência criminosa dos poderes constituídos.

E o facto foi que êsse movimento revolucionário conseguiu triunfar, dando origem a uma ditadura que, passarias poucas semanas, se converteu no mais desbragado despotismo, amordaçando todas as liberdades públicas, anulando pràticamente todo o esfôrço nacional em favor dos aliados e abastardando o regime republicano, tam calorosamente abraçado e defendido anos antes pela Nação inteira.

Entre as innovações com que essa ditadura pretendeu justificar a própria existência, sobressaiu um conjunto de alterações à Lei de Separação, da qual se afirmou então ter lançado o Estado em agitadas contendas de crença e de intolerância religiosa, inculcando-se ao mesmo tempo que a reforma de algumas das disposições dessa lei era uma condição de paz,- harmonia e reconciliação dentro da Pátria, mãe comum de todos os portugueses.

Nada mais inexacto.

A lei de 20 de Abril de 1911, longe de envolver o regime em questões religiosas, procurou, honrada e inteligentemente, defender à Nação do cerco, cada dia mais apertado, que variados intuitos confissionais vinham pondo às suas liberdades primárias.

Conseguiu estabelecer sôbre bases inabaláveis as mais elementares — e pôr isso mesmo imprescindíveis - garantias da consciência individual e do Estado Republicano, constitucionalmente neutro em matéria religiosa.

Isto explica as razões por que as alterações formuladas no decreto datado de 22 de Fevereiro de 1918 bem cedo provocaram vivos clamores da opinião pública para que se restabelecesse, em sua previdente contextura, a lei basilar do regime dentro das instituições políticas nacionais, lei que de resto já uma série de diplomas emanados do Poder Legislativo ou do Executivo procurara manter em íntimo contacto com as necessidades de cada dia, dentro da sociedade portuguesa.

A justificar êsses clamores da opinião pública surge perante nós, em negro quadro, a realidade da hora presente.

O ultramontanismo campeia à larga, sem fiscalização e sem recato.

O espírito congreganista alastra.

E sôbre a aparência de um recrudescimento do espírito religioso, sente-se pairar, por toda a parte, a reação dominadora.

Já não é apenas a República que esta ameaçada.

É a própria liberdade de consciência.

Não pretende o Estado ferir a consciência religiosa de quem quer que seja.

Não combate, nem defende religiões.

Não persegue, nem protege crenças.

O Estado vive superior a todas as religiões e independente de todos os cultos.

Não devassa a consciência dos cidadãos.

A todos respeita, exigindo em troca que lhe respeitem a lei no seu espírito e na sua finalidade.

Admitir que um cidadão português, acobertado sob pretextos de ordem confissional, possa eximir-se ao cumprimento e à fiscalização da lei, é absurdo.

Absurdo e perigoso.

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E o decreto n.° 3:806, de 22 do Fevereiro de 1918, permite que os fiéis, de qualquer confissão religiosa se organizem e vivam em completa independência do Estado, fora da lei e quási superiores a ela.

Permitir que se fanatizem espíritos débeis de crianças arrebanhadas, sob pretextos fáceis, para seminários em que se vive a mais rigorosa disciplina monástica, é abandonar aos caprichos da reacção as liberdades que uma democracia mais obrigação tem de defender, a liberdade dos mais fracos.

E o decreto n.° 3:856, facilitando a criação de seminários de instrução secundária, abriu a porta para a mais perniciosa escravatura de consciências.

Êstes inconvenientes, a par de outros que seria longo analizar, justificam bastantemente os clamores daqueles que, como nós, julgam indispensável, como medida de defesa republicana, a aprovação da proposta de lei que tenho a honra de submeter à vossa apreciação:

Artigo 1.° É declarado sem efeito o decreto n.° 3:856, de 22 de Fevereiro de 1918, e são respostas em vigor as disposições legais alteradas ou revogadas por êsse decreto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.— José Domingues dos Santos.

O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam a urgência para a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Ministro da Justiça queiram levantar-se.

Aprovada.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro à contraprova e invoco o § 2.° da artigo 116.°

O Sr. Presidente: — Estão de pé 16 Srs. Deputados e sentados 40.

É aprovada de novo a urgência, e remetida a proposta para a comissão de negócios eclesiásticos e para o «Diário do Governo».

O Sr. Presidente: — Continua, em discussão o artigo 2.° das emendas do Senado à proposta relativa ao empréstimo para a província de Moçambique.

Prossegue no uso da palavra o Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: reatando as minhas considerações, se bem que tencione ser muito breve, sôbre as emendas vindas do Senado à proposta do empréstimo para a província de Moçambique, creio ter dito o bastante ontem para justificar a V. Exa. e à Câmara as razões porque dou a minha aprovação a essas emendas.

Já tive ocasião de rebater as principais afirmações produzidas pelo Sr. Cancela de Abreu, porém, ainda me resta, e êste é um ponto interessante, responder a S. Exa. sôbre o que chamou os perigos do empréstimo.

Relativamente ao capítulo dos perigos, devo dizer que o Sr. Cancela de Abreu não viu bem a questão, porque os perigos não estão propriamente no empréstimo, se êle se realizar conforme as emendas vindas do Senado e conforme a, proposta aprovada por esta casa do Parlamento.

Os perigos estão seguramente, conforme já tive ocasião de dizer à Câmara, nas condições políticas em que se encontra Moçambique.

Ou nós dotamos a província com as condições necessárias para ela sair da situação em que se encontra, ou então passamos a nós próprios um diploma de maus administradores.

Sr. Presidente: V. Exa. sabe bem as condições precárias em que se encontra a província de Moçambique, não só no que diz respeito à rede ferroviária, como pelo que diz respeito a portos de mar, assunto êste que eu entendo que é necessário atacar de pronto, tanto mais tratando-se duma província, de tamanha extensão.

Todas as tentativas que se têm feito-sobre o assunto não têm dado os resultados desejados, justamente por falta de recursos, razão porque eu defendo o empréstimo, visto que sem dinheiro nada se pode fazer.

Figura em primeiro lugar nesta proposta e muito bem o desenvolvimento da rede ferroviária, o apetrechamento dos portos e a realização das suas obras artificiais complementares. E, tanto assim deve ser que o Sr. Brito Camacho com o seu talento e rapidez de visão, entendeu

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que lhe cumpria o iniciar dum largo empréstimo para a província de Moçambique.

A Câmara sabe que foi propósito de S. Exa. realizar um empréstimo de 10 milhões esterlinos que não chegou a efectivar em virtude das muitas dificuldades e atritos que lhe foram criados, principalmente por aqueles que desejam, não o desenvolvimento da província, mas o seu atrofiamento, porventura para com êle justificarem um gesto que os levasse a pôr fora da província os que actualmente lá se encontram;

Um dos principais elementos que contrariaram os patrióticos desejos do Sr. Brito Camacho, acaba, por assim dizer, de ser reduzido a inacção. Refiro-me ao general Smuts, que foi derrotado nas eleições sul-africanas, em virtude do seu partido ter ficado em segundo lugar, na situação de oposição. Desapareceu, portanto, êsse fantasma, sendo assim atirado para a sombra um dos elementos que mais contrariava o desenvolvimento da província de Moçambique.

Nestes termos, os perigos a que se referiu o Sr. Cancela de Abreu não estão na realização do empréstimo, mas ao contrário na sua não realização, na manutenção do statu quo, na falta de vida económica e de dotações necessárias para a província poder progredir.

Desde que se trata de salvar,uma província atingida por tantos perigos, entendo que devemos habilitá-la financeiramente a fazer face às despesas que ela tenha de fazer para se colocar em condições de enfrentar os perigos que a ameaçam.

Sr. Presidente: creio ter completado as minhas considerações e julgo ter demonstrado que, em face do estado financeiro-económico da província de Moçambique, o Parlamento Português tem o dever de dar as providências necessárias para fazer sair essa província do ponto morto em que se encontra presentemente, poupando a essa magnífica colónia do Oceano Índico horas de amargura e talvez situações irredutíveis dum prejuízo que não podemos prever.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: ninguém ignora, pelo menos nenhum dos
assíduos freqüentadores destas sessões, desconhece que ultimamente se tem adoptado um processo curioso: o de subordinar todas as votações apenas à razão do número.

Eu bem sei que sempre os partidos fizeram prevalecer determinadas opiniões sôbre o critério individual dos seus membros. Mas a verdade é que se procuravam inteligentemente razões para convencer os adversários. Hoje quási nos dispensamos disso. Os adversários são ouvidos com um ligeiro sorriso e as suas palavras resvalam pela pele dos defensores de qualquer proposta ou projectos como bolas do papel podem resvalar por uma couraça de bronze. E nós estamos couraçados.

As discussões são inúteis, porque está determinado que isto esteja aprovado sejam quais forem as razões apresentadas.

Êste reconhecimento da inutilidade dos nossos esfôrços magoa-nos. Todos nós sentimos o que há-de fictício, o que há de inútil na instituição a que pertencemos.

Queremos honrar o Parlamento, mas «alguns dos seus membros sistematicamente o condenam com os seus actos. Como, porém, não vale a pena a gente irritar-se, cumpra-se o nosso dever, embora reconhecendo a inutilidade de o cumprir.

Fica a gente mais sossegada e mais tranqüilamente repousamos à noite a cabeça no travesseiro.

Vejamos agora o que se discute neste momento.

A Câmara dos Deputados tinha aprovado determinada redacção do artigo 2.° da proposta de lei.

O Senado, discutindo êste assunto, alterou o número de 31:500.000$ para 18:000.0000.

A primeira cousa a notar é a infelicidade de redacção dêste artigo, tanto na proposta inicial aprovada nesta Câmara como na transformação vinda do Senado.

Eu sei que o que vou dizer não produzirá qualquer efeito, habituado, como estou, a ver que não importa o que está escrito nas leis e nas moções, mas sim o que algumas pessoas que mandam neste país nelas querem ver escrito.

Ainda ontem a Câmara, tendo aprovado uma moção de desconfiança ao Sr. Ministro da Justiça, entendeu pouco depois que se tratava duma moção de confiança

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Não compreendo a alusão a duas espécies de escudos: em papel e em ouro. Gostaria que me dissessem em que lei está estabelecida esta diferença.

Imaginemos que eu ia contrair o empréstimo na Alemanha. Só poderia contraí-lo numa importância que não era suficiente para fazer circular um simples jornal.

Quere dizer, as leis são feitas tam de afogadilho, com tam pouca atenção, que nem ao menos há o cuidado de as fazer em português que se entenda. Isto que aqui está quere dizer que o empréstimo, feito em moeda estrangeira, era sempre feito em relação à moeda de cada país. Em libras seria uma importância, em dólares outra.

É preciso realmente não nos deixarmos Cair neste desânimo -em que estamos, a ponto de nada nos importar, nem -sequer

O respeito pela nossa inteligência, e evidentemente nós não a honramos quando fazemos leis com a redacção que esta tem.

Mas, deixando a infelicidade da redacção e discutindo apenas o pensamento do legislador, encontramo-nos em presença dum conflito entre a Câmara dos Deputados e o Senado, quanto ao montante do empréstimo a realizar. Diz a Câmara que para a província de Moçambique são precisos 31:500 contos, ouro; diz o Senado que bastam 18:000 contos, ouro. Quem tem razão?

Para compreendermos as razões que a uma e outra Câmara assistem temos de ler os processos das comissões e verificarmos então uma cousa curiosa: é que tanta razão pode ter a Câmara como o Senado.

Os números são escritos por palpite! Imaginou-se um certo número de obras; fala-se nas obras do Vale de Limpopo — que eu ouço citar há muito tempo e que devem ser iguais às obras de irrigação do Alentejo, que já faziam as delícias do Marquês de Pombal! — e fala-se também em obras de caminho de ferro. Estas foram contestadas aqui na sua utilidade pelo Sr. Brito Camacho, que acaba de regressar da colónia, dizendo que quási todos os caminhos de ferro só davam déficits.

Ficaram, pois, subsistindo duas opiniões: uma das pessoas que, sem conhecerem a colónia, declaravam a utilidade dá obra; outra dum homem a quem ninguém pode contestar a inteligência, e que acabava de ver com os seus próprios olhos êsses caminhos de ferro.

Mas deixemos êste ponto e pergunte-se: quais as autoridades em que se firmou a comissão desta Câmara para dizer que 7 milhões de libras serão suficientes para fazer as obras que se projectam? Em nenhumas! O número é um número de palpite! Quem terá adivinhado? A Câmara ou o Senado? Talvez ninguém, sendo, todavia, possível que a alguém saia a sorte grande!

E qual era a moeda em que se pensava contrair o empréstimo inicialmente gizado de 7 milhões de libras? Por uma feliz indiscrição dum Ministro honrado chegaram ao conhecimento de vários Deputados algumas„ bases, aliás afrontosas para a nossa inteligência, para o nosso patriotismo e para os interêsses da província, pelas quais ficamos sabendo que se pensava num empréstimo de 5 milhões de libras, com a faculdade de ir até 7, sendo êstes dois últimos milhões em moeda portuguesa, ou outra que não fôsse a inglesa.

Naturalmente pensava-se repetir em Moçambique aquele regabofe do empréstimo dos 10:000 contos entre um Govêrno imprevidente e um banco astucioso, como se fez em Angola. Naturalmente projectava o Sr. Alto Comissário de Moçambique contrair com o Banco Ultramarino determinados empréstimos em moeda portuguesa.

Mas a emenda do Senado, sob êste aspecto, prejudica alguém? Estou convencido de que ela satisfaz toda a gente no fundo e que a Câmara dos Deputados não terá dúvida, com os crentes do empréstimo, em a aprovar. E as razões são as seguintes: por mais que a maioria queira, é impossível que tapemos os olhos para deixarmos de ter diante de nós as maravilhosas bases que foram negociadas em Londres, e, assim, sabemos que de momento a casa Atmstrong só tinha conveniência em emprestar 2.300:000 libras, e só passados três anos tinha interêsse em emprestar as restantes 2.500:000 libras.

Inicialmente, portanto, tudo gira à volta, de 2.000:000 libras, e dêsse modo

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4 ou 7 milhões de libras nada devem influir nas pessoas que querem o empréstimo, e por isso estou convencido de que a Câmara vai votar a emenda do Senado, porque daqui a três anos até talvez o Sr. João Camoesas nos tenha trazido já de Leninegrado algumas modificações ao regime português.

Mas em todo o caso repare-se nos argumentos que a comissão que se encarregou de estudar êste assunto conseguiu descobrir para recomendar à atenção dos fiéis os 7 milhões de libras em vez dos 4.

Sr. Presidente: foi bom, foi mau, conceder, a autonomia às colónias?

Sem pretensão de apoio de quaisquer coloniais, eu disse que as circunstâncias transformaram os factos em crimes grandes contra a vitalidade da nação.

Que proveito se tirou em Angola?

Gastaram era estudos de portos 3:000 libras. Para quê?

Absolutamente para nada. A maior parte dos portos não deve ser construída segundo êsses estudos, pela simples razão de que ninguém vai gastar milhões de libras para não ter tráfego senão daqui a anos.

Gastou-se dinheiro em material para caminho de ferro, para estar ao sol e à chuva, simplesmente.

O director do caminho de ferro de Loanda a Malange declarou que eram necessárias seis meninas e o sonho das grandezas achou pouco e encomendou dezoito.

O sol e a chuva se encarregarão da sua destruição completa, mas os homens que permitiram tais desmandos se lembrarão das loucuras do cônsul, transformado em imperador romano, que as praticou.

A respeito das obras de Moçambique, disse-se que não era à Câmara que competia saber da decisão dessas obras.

Quere dizer, 6 milhões de portugueses abdicaram em 30:000 para a contextura da administração da vida da província, e chegamos a esta conclusão: de influírem' nessas obras comerciantes, funcionários, etc., todos que possam ter interêsse em que as obras se façam.

A experiência fez-se em Angola e, desde que haja audácia, o Alto Comissário pode pôr toda a província sob os seus desejos e por meio dessas obras ter nas suas mãos 30:000 homens livres transformados em escravos.

Quere dizer, tudo quanto nós possamos aqui fazer pode, por uma circunstância do acaso, ser mudado, se não tivermos cuidado na escolha do Alto Comissário.

Não farei a análise duma personalidade que nos é simpática, porque não quero magoar o Alto Comissário de Moçambique, que é digno, honesto e não quere ter as aspirações do Sr. Norton de Matos, mas não vejo em S. Exa. qualidades de energia, decisão e de senso administrativo capazes de guardar com eficácia o dinheiro que lhe vamos entregar.

S. Exa. seguirá certamente caminho diferente do que seguiu o Alto Comissário de Angola. O

Ainda agora, nesta hora aflitiva para as finanças da província, deve estar a chegar um serviço de Sèvres que foi encomendado e que custou bastantes contos.

Ainda agora está a desembarcar um magnífico automóvel Delage, última palavra de construção desta marca.

Vemos tudo isto no próprio momento em que damos à província providências financeiras para de qualquer forma atender à sua situação.

Estou indicando estas cousas porque vamos conferir o direito de administração de 4 milhões de libras a um homem.

Emquanto se não modificassem as condições administrativas da colónia, devo dizer à Câmara que não daria uma autorização tam alta.

Não faço proposta alguma para não ter o mesmo destino que teve a outra, pois o Ministro das Colónias não se lembrou de fazer sua a minha proposta.

O Ministro, apresentando uma proposta, quis mostrar que sabia alguma cousa das condições em que era feito o empréstimo.

Mas depois vieram outras bases e nós, afinal, temos de nos pronunciar sôbre um empréstimo que não existe.

Mas diz-se que existe um empréstimo.

Para nos arrancar o voto começaram por nos iludir.

Apoiados.

Depois disseram-nos que esquecêssemos tudo, como se nada soubéssemos.

Foi isto o que se fez.

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12 Diário da Câmara dos Deputados

Imagine-se que eu tinha conhecimento de um crime e que se me dizia que o esquecesse, porque assim era necessário.

A minha consciência repugnaria fazer semelhante cousa.

O Parlamento deve ter completo conhecimento da questão do empréstimo.

Porventura se julga o Parlamento tam desacreditado que não poderá tomar conhecimento de toda essa questão?

Àpartes.

Então admite-se que o país olhe indiferente para êste caso?! Não podemos desconhecer as bases que se projectam; não podemos ser consentidores delas, e a circunstância de depois dum voto do Parlamento, em que se exigia a publicação das bases, a mesma publicação ser recusada por uma espécie de reviravolta mental da maioria, significa apenas o desejo não de impedir a discussão, que se não pode impedir, mas de se dizer que nós não temos que discutir as bases.

É assim que S. Exas., com a responsabilidade inerente, fazem um contrato que é ruinoso para o país.

Não quero como alguns Deputados, e nisto não vai censura para êles, examinar uma por uma as bases. Sujeito-me à sanção do Parlamento; o Parlamento não quere discutir as bases, não quere ver aquilo que está escondido atrás da autorização, e eu não discuto também, desde que das bancadas da maioria ou do Govêrno não vem, sequer, uma explicação. Contudo, V. Exas. hão-de ver que esta questão ainda há-de dar que falar. Faço aqui esta fácil profecia.

Veremos depois, com os 2.500:000 libras que a tanto se reduz o empréstimo por agora contratado, as obras que se vão iniciar e a quem aproveitam. Discutiremos, então, porém já não para evitar mas para remediar, o que é bem triste.

Veremos o que se pode fazer com 1.400:000 libras que é afinal a parte aproveitável do empréstimo, descontados os juros e o preço da emissão do empréstimo.

De resto, fala-se em saneamento da moeda de Moçambique. Quere dizer, por cima dêste mistério ainda há outro: é o do saneamento da moeda. Atrás disto ainda existe porventura o pagamento de dívidas contraídas, e o problema complexo da moeda em que se deve fazer êsses pagamentos. E nós nada; sabemos do que pensam a êste respeito a maioria e o Sr. Ministro das Colónias.

Fala-se em saneamento da moeda!

Vai-se instituir a moeda-ouro, ou a moeda-escudo?

Não se sabe. Afinal, esta cousa simples de fazer obras, vejam V. Exa. aí em que se transforma!

Há uma operação de empréstimo, há uma operação de obras, há uma operação de saneamento da moeda, e o pagamento de dívidas, anteriores.

Nada disto, que deveria estar explicado num quadro bem feito, para se compreender bem a sua utilidade, está especificado. Vivemos em maré de mistério...

Os homens em Portugal só são grandes, como o Sr. Norton de Matos, emquanto se conseguem rodear do silêncio e do elogio pago a tanto a linha. O Sr. Norton de Matos pagou êsse elogio à razão do 12$ a linha.

Os mistérios só interessam emquanto se não podem desvendar, e o mal desta proposta é não só ter mantido até ao fim misteriosa.

 certa altura, conseguiu-se raspar um bocado e ver o que estava por baixo. E triste que não tenhamos ficado entusiasmados e, se a maioria democrática e o Sr. Ministro das Colónias mais tarde se arrependerem, ao menos peço que decretem pára a província de Moçambique um futuro inquérito, já que o não quiseram decretar para a província de Angola. Êsses inquéritos, por muito desacreditados que estejam, são necessários, e até o Congresso Colonial aconselhou que se nomeasse uma comissão de técnicos para estudar as condições em que cada província se encontra.

Suponho que, actualmente, as províncias de Angola e Moçambique não podem desenvolver-se sem que sejam feitos inquéritos às suas condições de vida, e êles visam tanto a apreciar as culpas dos homens, de modo a mandá-los para o Capitólio se o merecerem, ou a mandá-los para a Rocha Tarpea, se o merecerem também, que neste caso será a Penitenciária ou qualquer outra cadeia, como para apreciar as condiçOes de vida das duas províncias.

Os fados hão-de cumprir-se. Mais uma

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vez se falará em política de fomento, mais uma vez os encargos provenientes do empréstimo vão onerar a vida já tam difícil da província.

Profeta um pouco tristonho, eu agouro mal do empréstimo que se vai lazer.

Como bom português e republicano, só peço a Deus, se o Sr. Ministro da Justiça o não matou ainda, que eu me engane.

Não sou tam mau patriota que, fazendo a minha oposição a uma medida que julgo ruinosa, queira que os factos previstos sejam inevitáveis e se dêem por fôrça.

Oxalá que o Sr. Alto Comissário consiga o milagre de fazer frutificar os milhões de libras do empréstimo; oxalá as não disperdice em automóveis e louças de Sóvres, em bambochatas e passeios, como aqueles à Inglaterra que têm custado cêrca de 600 contos por mês.

Faço êste voto sincero. Êle não é motivado por qualquer intuito de especulação política, é o voto de alguém que tem a suficiente consciência para, no momento em que dar o seu voto negativo a esta proposta, fazer os mais ardentes votos para que as suas apreensões sejam desmentidas pelo futuro.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador? quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Rodrigues Gaspar: — Sr. Presidente: tem-se estado a discutir a questão das emendas do Senado, como se voltasse novamente à discussão a proposta de lei já aprovada nesta Câmara.

Devo dizer que o ilustre leader, Sr. Cunha Leal, começou por fazer uma afirmação com a qual, salvo o devido respeito, não estou perfeitamente de acordo.

Disse S. Exa. que não valia a pena estar a discutir por que já se, sabia que o empréstimo havia de ser aprovado.

Ora isto seria a negação absoluta do sistema parlamentar, porque das discussões há-de resultar a luz, quando elas são feitas com conhecimento de causa, e o facto de haver alguém que não consiga expor o seu ponto de vista de modo a obter a maioria não é bastante para se condenar o sistema parlamentar pela forma como S. Exa. o fez.

O ilustre leader deu uma forma especial às suas considerações, para deixar como que na dúvida se seria regular o assunto, que eu considero importante, da autorização à província de Moçambique para contrair um empréstimo. S. Exa. disse que a Câmara dos Deputados tinha aprovado a proposta de 7 milhões de libras, e que ela tinha sida reduzida, pelo Senado, a 7 milhões, acrescentando que a comissão de colónias tinha seguido o caminho de que não valia a pena demorar mais a. questão, e, portanto, que se aprovasse a proposta do Senado.

Ora isto não é precisamente o que aquela comissão disse.

Do onde vêm os 7 milhões?

Não é nesta Câmara que existem os elementos para se poder ver se são necessários 7 milhões ou 7 milhões e uma libra.

Não tinha a comissão elementos para poder discutir, como eu não tenho, se são precisos 7 milhões ou ainda mais alguma cousa.

Nesta densa atmosfera em que vivemos é indispensável que as cousas não fiquem tratadas de maneira velada, mas sim que sejam esclarecidas.

Mas são 7 milhões?

O leader nacionalista acha que bastam 4 milhões.

Na Câmara quem conhece o assunto directamente pode dizer se são 7 milhões ou se são 4 milhões.

Há aqui quem conheça a província, e que, pela sua inteligência, deve ser atendido. Êsse alguém disse que as obras que se iam executar não dariam rendimento; seriam improdutivas e se não deviam fazer.

Pois bem. Eu também deponho sôbre a capacidade do Sr. Brito Camacho, ex-Alto Comissário de Moçambique, e direi ao leader nacionalista que êle é de opinião que não são demais 4 milhões para -obras em Moçambique.

Apoiados.

O ex-Alto Comissário de Moçambique disso que entendia serem necessários 10 milhões, e não 7 ou 4, como aqui se tem dito.

O leader nacionalista fez também uma crítica ao artigo 1.° votado nesta Câmara sôbre o empréstimo, e mostrou como só por falta de conhecimento é que podia ter-se feito a redacção que tem o artigo.

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Não tenho competência sôbre assuntos financeiros para poder discutir com S. Exa. os termos dêsse artigo. Como relator da comissão de colónias, creio não ter feito senão prestar homenagem aos altos conhecimentos dum ilustre correligionário de S. Exa., o Sr. Vicente Ferreira.

Ao analisar esta proposta do Senado, o que a comissão de colónias disse foi que Moçambique precisa urgentemente de obras de fomento.

Considerei sempre esta questão como uma questão, não só de ordem económica, mas principalmente de ordem política. Sustentei sempre ser indispensável acudir, e sem delongas, à obra de fomento, de maneira que Moçambique não possa ser acusada de estar a impedir o desenvolvimento doutras, colónias.

É preciso evitar todas as campanhas dos nossos vizinhos, feitas com pretextos vários para nos acusarem de que, sendo nós um país colonial, nada fazemos pela colónia de Moçambique.

Não se fazem caminhos de ferro porque daí só derivam despesas; não se desenvolve a agricultura nem o país porque não há meios de condução. Vejam V. Exas. se êste é um princípio, que possa adoptar-se quando é preciso fomentar uma região ainda muito atrasada.

Como é necessário desenvolver a colónia, são indispensáveis capitais, e como grande parte do apetrechamento tem de vir do estrangeiro, torna-se realmente muito útil contrair o empréstimo em moeda estrangeira.

Eu compreendo que apareçam dificuldades para Moçambique, em virtude da atmosfera muito pesada que se vive em Angola. Se em Angola, em vez de se recorrer ao empréstimo do Banco Emissor da colónia, se tivesse adoptado o sistema do empréstimo, essa província ultramarina não se encontraria na crise que atravessa.

Sr. Presidente: o ilustre leader nacionalista falou da grande latitude que tem hoje um Alto Comissário, e atribui a essa latitude os males que podem advir para a administração colonial.

Estou plenamente de acordo com S, Exa. Encontrei-me quási isolado no Senado no debate que contra adopção.do, regime dos Altos Comissários e a Câmara está vendo como eu realmente tinha razão.

Há ainda alguma cousa de mais grave que eu previa e que pode suceder em virtude da grande latitude dos Altos Comissários, porque efectivamente é demasiado entregar à autoridade de um só homem todo o futuro de uma província colonial.

Eu não sei o que se passará ainda em Angola quando resolvermos apreciar em boa paz a situação crítica da província.

Nós temos muito o espírito de imitar o que fazem os estrangeiros e em geral já se considera um sábio no nosso País aquele que traduz uma revista transportando para cá o que se faz lá fora.

Não basta que os outros tenham Altos-Comissários para que nós os queiramos; ter também sem atendermos a que as nossas condições são muito especiais; mas neste caso deu-se a circunstância do os outros países não terem entidades correspondentes aos nossos Altos Comissários.

Eu admito a necessidade do se nomear um homem a, quem se confiram plenos-poderes para ir a determinada colónia resolver qualquer assunto; mas o sistema de poderes descricionários para governar uma colónia a seu belo prazer é inteiramente condenado visto que não podemos contar com os conselhos coloniais para efectivar a sua função de organismos fiscalizadores.

Em todo, o caso, sendo esta a minha maneira de pensar, eu nunca procurei pôr, embaraços à obra dos Altos Comissários, pelo facto de ter condenado a instituição, porque não quis que pudesse conceber-se que eu pretendia levá-los a uma situação crítica para fazer valer o meu ponto de vista.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — V. Exa. limitou-se a cruzar os braços.

O Orador: — Os meus braços não se cruzam assim; tem de vez em quando, os seus movimentos. Tenho a consciência, tranqüila de não ter concorrido para este estado de cousas.

O Sr. Cunha Leal: — Pelo que vejo, V. Exa. tranqüiliza a sua consciência só, por gestos.

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O Orador: — Eu aguardava, a chegada do Alto Comissário de Angola, que chegou muito mais tarde do que eu esperava, para com S. Exa. o Alto Comissário de Moçambique, que ainda se encontrava em Lisboa, estudar e combinar as alterações a introduzir no estatuto colonial, de modo a garantir à metrópole uma acção fiscalizadora mais efectiva do que aquela que a lei concede.

A verdade é que eu ainda evitei alguma cousa. Os gestos seriam, possivelmente, um pouco ocultos, mas os factos são públicos e conhecidos.

A Câmara recorda-se certamente de que na primeira proposta para a criação dos Altos Comissários, havia uma disposição muito interessante em que se dizia que o Alto Comissariado de Angola seria constituído por essa província e ainda por S. Tomé, Cabo Verde e Guiné. Eu nunca cheguei a compreender a razão por que excluíam a Madeira e os Açores.

Risos.

E procurando que me fizessem compreender as razões étnicas que levaram o legislador a esta federação colonial, eu, tive ocasião de notar que havia grande dificuldade em demonstrá-lo. Tanta dificuldade que a federação se escangalhou ficando, por muita condescendência, incluída a província de S. Tomé.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Êsse acto de V. Exa. não foi no Parlamento.

O Orador: — Não, senhor. Foi feito muito caladinho, no meu gabinete do Ministério das Colónias.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Antes da criação dos Altos Comissários?

O Orador: — Foi em 1919. A proposta de V. Exa. foi apresentada em 1920.

O ilustre leader do Partido Nacionalista, pondo em foco erros de Angola, chama a atenção da Câmara para aquilo que S. Exa. denomina o espelho de Angola e pregunta se queremos o mesmo para Moçambiqne. Modos de ver de que discordo porque, a seguirmos tal critério, teríamos de abandonar por completo qualquer plano de desenvolvimento das nossas colónias.

O Sr. Cunha Leal: — O que eu pus em foco foi o perigo duma autonomia excessiva como aquela que concedemos às colónias e Cujos resultados são aqueles que vemos através da administração de Angola.

O Orador: — O que eu sempre sustentei e continuo sustentando é que a província de Moçambique precisa de obras de fomento. Há obras iniciadas e que se perderão totalmente se as não concluirmos dentro em breve.

Não entro em discussões sôbre propostas ou bases de contratos, porque à nossa apreciação elas não foram submetidas.

O Congresso estabeleceu as condições dentro das quais é autorizada a províncias de Moçambique a contrair um empréstimo.

O que há depois?

O modo de realizar. Essa parte compete ao Poder Executivo. Êle e só ele, dentro das bases estabelecidas pelo Congresso, deverá realizar o empréstimo. Seria realmente uma côa sã curiosa vermos o Parlamento a negociar directamente com uma casa estrangeira as condições do empréstimo. Essa é a parte que eu dizia que não nos pertencia, mas sim ao Poder Executivo.

A proposta que foi apresentada lá no Conselho Legislativo tem a vantagem de ser elaborada por menor número de pessoas, sem dúvida, mas que conhecem melhor do que nós as condições da província.

V. Exa. sabe também, melhor do que eu, que as condições do empréstimo podem variar de momento, e uma proposta, que em certa ocasião nos pode parecer muito favorável, pode noutra ocasião ser substituída por outra mais vantajosa.

Sr. Presidente: há dois pontos para mim importantes, e que, em minha opinião, só o Poder Executivo pode definir: primeiro, ser ou não urgente iniciar determinadas obras que o Poder Executivo, com todos os elementos que possui, pode dizer se realmente são indispensáveis; segundo, conhecer se as condições em que se pode contrair um empréstimo são melhores ou piores, neste ou naquele prazo.

Assim, direi a V. Exas. que a ocasião em que foi apresentada aquela proposta.

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da casa Armstrong não era boa para obter capitais, e nesses termos rejeitei-a.

Tudo isto, repito, depende de circunstâncias que só quem está nas cadeiras do Poder é que pode avaliar, não só do momento indispensável para começar determinadas obras, mas ainda da aceitação ou não de determinadas propostas.

Àparte ao Sr. Cancela de Abreu, que não se ouviu.

Para mim, o que é de atender é a necessidade impreterível de fomentar Moçambique; isso é que eu acho urgente, não só sob o ponto de vista económico, mas político.

Quanto ao modus faciendi, isso é com o Poder Executivo.

Sr. Presidente: o ilustre leader nacionalista referiu-se também, duma maneira que podia produzir certa hesitação na acção da Câmara dos Deputados, ao facto de o empréstimo aqui votado ter sido de 7 milhões de libras, e de o Senado reduzir êsse empréstimo a 4 milhões, e a colónia dar-se por satisfeita.

Porque foi que o Senado reduziu êsse empréstimo a 4 milhões de libras?

Foi porque, fazendo as contas de tanto por linha a assentar, e de tanto por máquina a adquirir, chegou a essa conclusão.

Mas como obteve o Senado elementos para fazer essas contas?

Ouvindo declarações de uma parte e declarações de outra, o Senado concluiu que a província de Moçambique não podia destinar a obras de fomento mais de que 333:333 libras.

Há uma dívida de 900:000 libras a satisfazer.

Por que aparece essa divida?

Porque o Alto Comissário de Moçambique era então o Sr. Brito Camacho; vendo-se na necessidade de mandar fazer certas obras, encomendou-as, sem ter o dinheiro necessário.

Aqui tem V. Exa. como, de facto, agora temos de pagar dinheiro que foi empregado em obras de fomento.

Uma voz: — Sem haver dinheiro!

O Orador: — Não havia mas é preciso que o haja agora, para se pagar.

Risos.

Há muito material adquirido para o porto — guindastes, dragas, etc.— que representa uma importante verba.

Agora não o podemos devolver, num sobrescrito, aos fabricantes.

Temos de pagar.

Logo da primeira vez que a comissão de colónias estudou o seu parecer, se viu, se a colónia podia ou não podia arcar com o encargo dos 7 milhões de libras.

Ninguém pensou em que êsse empréstimo fôsse feito de um só jacto.

Devia ser feito em séries, e assim a colónia estava em condições de a todo o tempo dizer: basta!

Não podemos continuar com o empréstimo e, portanto, param-se as obras até que a metrópole tome qualquer resolução.

São precisos 7 milhões de libras, mas o Senado entende que 4 milhões é que devem ser.

Há só aqui uma diferença:, é que, esgotados os 4 milhões e podendo a colónia de Moçambique arcar com um novo empréstimo, terá a Câmara de aprovar uma nova proposta e, tendo isso de dar-se, eu não sei quanto tempo levará, mas é de supor que seja muito, pois vejo que já estamos em Junho e ainda estamos tratando da proposta que o Sr. Vicente Ferreira aqui apresentou em Dezembro do ano passado.

Haveria, pois, o inconveniente de se começarem as obras, sem a certeza de ste poderem concluir.

E o Sr. Cunha Leal, que é engenheiro distinto, sabe, melhor do que eu, o que de prejudicial há em se iniciarem obras em tais condições.

Em conclusão, temos o seguinte: ou se vota o empréstimo de 7 milhões e neste caso será menor a probabilidade de termos de votar novo empréstimo, ou que traria os inconvenientes que apontei, ou se vota o de 4 milhões de libras e, neste caso, como eram necessários 7 milhões, terá a Câmara, mais tarde, de se pronunciar sôbre novo empréstimo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Seguidamente foram lidas na Mesa duas notas de interpelação que são as seguintes:

Notas de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Ministro da Instrução Pública acerca da portaria de 12

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de Junho de 1924, que anulou o acto de doutoramento de António de Azevedo Souto. — Pinto Barriga.

Expeça-se.

Desejo interpelar o Sr. Ministro da Instrução Pública sôbre a portaria de 12 de Junho de 1924 (Diário do Govêrno, n.° 138, 2.a série) que declarou nulo o doutoramento de António de Azevedo Souto, organizada na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

19 de Junho de 1924. — Joaquim Dinis da Fonseca.

Expeça-se.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: perdoar-me há V. Exa. e a Câmara terá de me relevar também que eu tenha de lazer referência à questão que incidentalmente tem sido tratada por todos os Srs. Deputados que têm tomado parte neste debate e que é a questão do regime dos Altos Comissariados e das possíveis ligações dêsse regime com as desastrosas conseqüências em Angola e as possíveis conseqüências futuras em Moçambique.

Lastimo que a Câmara não tenha já dedicado uma sessão para, especialmente, discutir êste assunto.

É lamentável, num caso que tem fatalmente de emocionar, pelo menos, a opinião daqueles que têm responsabilidades na vida pública portuguesa, que a Câmara não tivesse ainda encontrado um dia que pudesse dispensar para essa discussão.

Quando o Sr. Ministro das Colónias se declarar habilitado a responder à interpelação que fiz anunciar a S. Exa., discutirei melhor o assunto, mas não quero deixar de fazer desde já algumas referências que foram provocadas, naturalmente, pelas palavras proferidas pelos oradores que me precederam.

Sr. Presidente: não existe autonomia administrativa de nenhuma colónia.

Não é verdade que as colónias portuguesas gozem de autonomia administrativa.

Mas ainda que com autonomia se quisesse confundir o regime que regula a administração das colónias portuguesas, não havia lugar a confundir «autonomia» com «nortonia».

O que tem havido em Angola é um sistema a que, naturalmente, dando-se-lhe a classificação que deriva do nome do seu inventor, eu só poderei chamar «nortonia».

E para ser justo não quero dizer que «nortonia» seja regime de governo de Norton de Matos.

«Nortonia» é um regime de governo de colónias, em que o delegado do Poder Executivo procede como S. Exa. procedeu em Angola e em que o Ministério ou o Ministro pratica o gesto referido pelo Sr. Cancela de Abreu, de cruzamento de braços, a propósito do que o Sr. Rodrigues Gaspar afirmou que os braços não se cruzavam por completo.

No sistema presente não seria possível ao Sr. Norton de Matos fazer o que fez se não existisse o cruzamento de braços, completo ou incompleto.

É isso condição indispensável para poder haver «nortonia».

Nenhuma colónia tem autonomia administrativa.

O que se chama autonomia financeira das colónias é confundido com o significado de independência das colónias.

Foi a Câmara dos Deputados, foi o Senado, já em 1914, que estabeleceram o significado do termo «autonomia financeira», e naturalmente, empregaram êsse termo no mesmo sentido, e mesmo significado que em sciência de colonização êle sempre teve, quere dizer: que a colónia aplica as suas receitas, as receitas derivadas do seu próprio território.

Não quere dizer que a colónia mande nos dinheiros que recebe para o efeito de os aplicar sem fiscalização ou autorização.

Quere dizer simplesmente que as receitas das colónias tem de ser aplicadas na própria colónia.

Quere dizer que as receitas das colónias não podem ser derivadas para a administração da metrópole ou para a administração de outros territórios.

Nenhuma outra cousa quere dizer a expressão «autonomia financeira».

Nenhuma outra cousa se compreende no significado das disposições legais em vigor.

Tam pouco é verdade que as colónias se administram sem a fiscalização da metrópole.

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Mesmo no campo da descentralização que adoptamos — e é limitado — nós estamos muito atrás, talvez, de outras nações coloniais.

Sentindo simplesmente que não haveria maneira de se governar uma colónia administrando-a do Terreiro do Paço, do gabinete do Ministro, tivemos de reconhecer, que era indispensável dar a corpos locais as possibilidades de colaboração efectiva para que as medidas a aplicar à colónia fossem pelo, menos de iniciativa local, sem isso impedir que a aprovação da metrópole fôsse necessária, sem isso impedir que a fiscalização da metrópole tivesse de se exercer.

Agora vamos aos Altos Comissários.

Quando estive na Câmara em 1920, havia um projecto de Altos Comissários ultramarinos estabelecidos, creio eu, na Conferência da Paz. Por êsse projecto, que chegou a ser concretizado em decreto-lei, é que se dava realmente a certos indivíduos o direito de legislar no ultramar, transferindo-se para êles completa-mente as faculdades do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Opus-me a êsse projecto e exactamente para evitar os graves inconvenientes que dele resultariam é que lutei na Câmara dos Deputados para que, adoptando-se o sistema de Anos Comissários, que então apareciam a todo o mundo como os salvadores das colónias, para que, adoptando-se êsse sistema, mais faculdades lhe não déssemos do que de Ministros, de quem seriam delegados, para que não fossem êsses homens legisladores da colónia, mas pura e simplesmente delegados do Ministro na colónia, exercendo outras funções que se julgava, porventura, inconveniente, pela distância entre a metrópole e a colónia, reservar exclusivamente para o Ministro.

Foi isto que eu propus, foi isto que eu defendi na Câmara dos Deputados; não foi isto que foi executado.

Não confundamos o regime com os erros da sua execução.

Os Altos Comissários das colónias não tinham outras funções além das de governador, que não vão além de aprovar as medidas votadas pelo Conselho Legislativo que carecessem de sanção ministerial.

Simplesmente o Sr. Norton de Matos legislou sôbre assuntos da competência
exclusiva do Congresso da República, legislou sôbre assuntos em que somente o Ministro das Colónias podia intervir.

O Sr. Norton de Matos afastou tudo que havia em matéria de fiscalização financeira, mas, pregunto: é êle o culpado, somente, ou culpados são também aqueles que o permitiram?

Apoiados.

Dir-me há V. Exa. Sr. Presidente, que eu fui também Ministro das Colónias quando o Sr. Norton de Matos era Alto Comissário de Angola.

É verdade; fui Ministro das Colónias durante o curto prazo em que o meu partido foi Govêrno e que uma revolução entendeu dever depor, mas afirmo a V. Exa. que durante êsse curto prazo lutei com o Sr. Norton de Matos e, quando já cansado de lutar, lembrei-me de dizer a S. Exa. que os parlamentares de todos os partidos condenavam o acto que queria praticar.

Pois nem isso me serviu; o que houve imediatamente foi uma campanha da imprensa paga em todos os jornais contra a minha intervenção; o que houve imediatamente foi a intervenção de todos os interessados contra o Ministro porque lhes ia fazer deminuir os seus interêsses, sendo o Ministro que a revolução pôs no meu- lugar, quem, por um parecer dúbio, fez aquilo que eu desejava impedir e que originou as desastrosas conseqüências que todos lamentamos. Mas ainda fiz mais do que isso.

Durante êsses curtes dias fiz notar a S. Exa. que o Ministro era eu e, para o fazer crer, não cruzava os braços nem mesmo naquela forma a que o Sr. Rodrigues Gaspar se referiu, mas, pronto a ir até o fim, só até o fim me deixassem ter continuado.

Não confundamos, pois, autonomia cont nortonia.

Os Altos Comissários não são presentemente necessários em nenhuma colónia. Se é verdade que os Altos Comissários; só devem ser excepcionalmente levados a qualquer colónia, como o Sr. Rodrigues Gaspar disse, eu direi também a S. Exa. que é isso precisamente o que se encontra nas leis em vigor. O Poder Executivo só submeterá, temporariamente, são os termos da lei, a colónia a êsse regime quando o entender necessário.

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Ponderem-se os próprios termos da lei e já o Sr. Rodrigues Gaspar verá qual é o papel do Alto Comissário.

Creio que não são inúteis os termos que vêm na Constituição e por conseguinte o termo «temporariamente» tem de se respeitar.

Nem a monarquia com os seus comissários régios, nem a República com êsse único exemplo de Altos Comissários fixaram o tempo de serviço de tais funcionários.

Assim Mousinho de Albuquerque foi comissário régio emquanto as cabalas políticas do seu tempo o não fizeram cair. Com os outros sucedeu o mesmo.

Devo dizer ao Sr. Rodrigues Gaspar que a existência de Altos Comissários -entre nós não é tradução de nenhuma regista estrangeira.

Em nenhum outro país colonial há ou houve nenhum Alto Comissário com as funções dos nossos.

O termo Alto Comissário empregado pela Inglaterra refere-se aos governadores de certos domínios que exercem ao mesmo tempo a função executiva de protectorado em territórios do domínio directo inglês.

Nunca houve Altos Comissários no significado que lhes damos e que é da nossa exclusiva tradição, substituindo o termo de comissários régios que deram muito bons resultados no tempo da monarquia e que os dariam também agora se não fôsse Alto Comissário o Sr. Norton de Matos.

Não praticamos nenhum êrro, nem nenhum crime quando votamos a descentralização colonial, procurando concretizar melhor as leis orgânicas de 1914. É certo que é necessário fazer algumas alterações às leis orgânicas das colónias, mas para isso não há senão que juntar os homens que disso percebem e fazer as alterações que são necessárias.

Sr. Presidente: sôbre o parecer em discussão devo dizer que a alteração introduzida no Senado, salvo no que diz respeito à emenda da redacção, que me parece muito infeliz, pode reduzir-se apenas à mudança do montante do empréstimo de 7 milhões para 4 milhões de libras.

Quando o projecto se discutiu aqui entendi que êle devia apresentar-se em termos de conhecermos minuciosamente a aplicação do empréstimo, verba por verba! Disse-se então que ao Conselho Legislativo da colónia competia discutir êsse ponto.

Eu tenho graves responsabilidades nessa pseudo autonomia colonial; era de parecer que nós, membros do Parlamento, tínhamos o direito de exigir que a colónia nos dissesse em que pretendia gastar êsse dinheiro e com que meios contava para satisfazer o respectivo pagamento.

O Senado, calculando quais os recursos das colónias em face dos orçamentos anteriores, mudou de 7 milhões para 4 milhões de libras o montante do empréstimo; mas, em boa verdade, nenhuns elementos tinha o Senado para fixar o número de 4 milhões de libras, nem a Câmara dos Deputados para fixar o de 7 milhões de libras.

As emendas de redacção que o Senado fez sôbre a proposta da Câmara dos Deputados tornaram esta ainda mais confusa.

Evidentemente nem eu, nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado podemos dizer qual a verdadeira interpretação da frase «moeda corrente no país». Será a moeda corrente em Moçambique? Será a moeda corrente da metrópole? A dúvida existe e pode ter desastrosas e gravíssimas conseqüências.

Todos sabem que a situação de Angola é hoje principalmente conseqüente do contrato pelo qual a colónia adquiriu o empréstimo equivalente a 10:000.000$, ouro, por um alargamento enorme da sua circulação fiduciária. Desde que uma colónia lance na circulação um grande número de notas inconvertíveis, toda a gente sabe que essa inflação de meios circulantes origina uma larga transfusão de moeda para a metrópole em termos que a breve trecho a própria cobertura para as necessidades de importação de mercadorias não é possível.

Sabe toda â gente que em Angola ninguém obriga o Banco Ultramarino a cumprir o seu contrato.

Êsse perigo é enorme em Moçambique, onde o Banco Ultramarino tem o cuidado de estabelecer uma diferença cambial entre a moeda de Moçambique e da metrópole.

Não tinha o Govêrno, porventura, de ter de acudir a qualquer revolta, embarcando uma expedição, que sairá cara,

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para fazer sustentar a soberania dessa colónia.

Não posso deixar de reconhecer que as emendas do Senado são inconvenientes.

Procurarei remediar o mal dentro dos termos do Regimento, pedindo à Câmara que aprove uma moção, que é a seguinte:

A Câmara dos Deputados, desejando evitar dúvidas na interpretação do termo amoeda corrente no país», dúvidas de que poderia resultar o grave êrro de um governo colonial contrair empréstimos sob a base do aumento da circulação local de notas inconvertíveis, e esperando que o empréstimo de que tratam as emendas em discussão só será realizado quando o Govêrno se certificar de que as disponibilidades verificadas asseguram o serviço do pagamento dos respectivos juros e amortização:

Afirma a sua intenção de na expressão «empréstimos em moeda corrente no país» do projecto em discussão fazer incluir somente «empréstimos em moeda corrente no continente da República», excluindo, portanto, empréstimos em notas inconvertíveis de circulação privativa da colónia, e continua na ordem do dia.— Ferreira da Rocha.

Entendo dever ser aprovada pela Câmara esta moção, porque não representa senão o desejo da Câmara em matéria de interpretação.

Vozes: — Muito bem.

Foi lida e admitida a moção, entrando em discussão juntamente com o parecer.

É aprovada a acta.

Projectos de lei

Do Sr. Ernesto Carneiro Franco e mais onze Srs. Deputados, autorizando o Govêrno a ceder o bronze e ordenar a fundição da estátua do grande poeta Guerra Junqueiro, a erigir em S. Paulo (Brasil).

Para a comissão de guerra.

Do Sr. Lourenço Correia Gomes, isentando de direitos, durante cinco anos, os materiais necessários ao assentamento de linhas férreas eléctricas.

Para a comissão de comércio e indústria.

O Sr. Portugal Durão: — Vou ser breve nas minhas considerações, que, porém, entendo não devo deixar de fazer dado o contrato que tinha tido com a província de Moçambique, donde ainda há pouco regressei.

Começarei por dizer que se a mim coubesse o espinhoso encargo de governar a província, e não representando, o que vou dizer, a mais pequena censura para ninguém e muito menos para o meu amigo Sr. Azevedo Coutinho, possivelmente eu não teria começado por pedir autorização para contrair um empréstimo, mas teria seguido para lá, teria procurado conhecer intimamente a província, toda a província e não' apenas Lourenço Marques, e teria então ocasião de reconhecer quais as obras de fomento a realizar, tendo começado naturalmente por pôr a casa em ordem.

De facto a Província atravessa uma fase dificílima da sua vida.

Erros vários, má administração, esbanjamentos diversos e aumento constante do funcionalismo.

Para citar um exemplo,típico direi que, quando há cousa de 8 anos sai de Tete, havia na estação telégrafo-postal 4 empregados; há hoje lá 16. Tete recebe uma mala de 8 em 8 dias, e em todo o distrito não há mais de 200 europeus.

A primeira medida que o Alto Comissário tem que tomar é introduzir ordem na administração e isto antes de iniciar a obra do fomento.

É indispensável construir caminhos de ferro e estradas e abrir canais, mas é forçoso começar por administrar. O fomento só por si não resolve nada, é forçoso que na província se criem aquelas circunstâncias que fazem atrair e conservar os capitais.

É necessário reduzir as despesas de modo que seja possível a expansão natural das fôrças económicas da província, e isso não é possível se as despesas de administração conduzirem a exageros tributários.

A copra paga actualmente de direitos de exportação, de facto, 14,5 por cento, e entretanto é um produto especialmente cultivado por europeus, e os coqueiros levam 15 anos para entrar em plena exportação.

Não há exploração agrícola que resista a uma tributação destas.

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E contudo, Sr. Presidente, as receitas não cobrem as despesas, e a situação da província é dificílima. Vou ler o que vem no Guardian, de 8 de Abril, jornal que não é desafecto ao Govêrno, sôbre o ocorrido na sessão do Conselho Legislativo:

«O Sr. Director da Fazenda disse que a razão do projecto — trata-se do aumento de contribuições— era aumentar as receitas.

Eram grandes os encargos que incidiam sôbre os cofres da Província — dívidas ao comércio e ao banco, e para breves encargos do crédito e do empréstimo — e as dotações estavam esgotadas. Vivia-se de artifícios, não só no que respeita a material, mas a pessoal.

O que se pedia no projecto era apenas uma gota do que o contribuinte teria a pagar.

S. Exa. disse que as receitas haviam sido inferiores à previsão 350:000 libras, tendo sido superiores de cêrca de 10:000 contos».

Estas declarações do director de fazenda no Conselho Legislativo são verdadeiramente alarmantes; as receitas não chegam, não se cobra o que se esperava cobrar, verga-se ao pêso dum funcionalismo excessivo e, como não se remedeiam os males, torna-se necessário aumentar os impostos.

A situação financeira da província é verdadeiramente assustadora, a sua situação económica não é melhor.

Rara é a empresa do sul da província que dá dividendo. Das emprêsas do norte, só a Sena Suggar consegue distribuir dividendos regulares e isso devido ao,aumento do valor do açúcar.

A grande maioria dos capitais empregados na província não dá dividendo. Diz-se, é certo, que a província é riquíssima, que é fecundíssimo o seu solo, que basta lançar a semente à terra, etc. Santas ilusões que os factos todos os dias destroem.

É necessário que o Alto Comissário vá para Moçambique e veja a situação. É indispensável reduzir as despesas que a província não pode suportar, é necessário, com pulso de ferro, reduzir a proporções razoáveis os quadros do funcionalismo, dispensando talvez 50 por cento dos funcionários.

É necessário acabar com os 3 governos de Tete, Quelimane e Moçambique, reduzindo tudo a um só governo.

Meter a casa em ordem é obra que reclama bem mais urgência do que realizar medidas de fomento, e porque, diga-se a verdade, a província não está atrasada como por aí se diz.

Em caminhos de ferro contamos hoje os de Moçambique, o de Quelimane ao Lugela, os da Beira a Macequece e ao Zambeze, e prolongando-se depois até Blaniyce, o de Inhambane, o de Lourenço Marques a Johannesburgo e o que se dirige para a Suasilândia.

Comparado o nosso desenvolvimento agrícola com o dos territórios do Tanganika, com a colónia de Kenya, ou o Nyassaland, não temos razão para nos sentirmos envergonhados.

Mas as obras de fomento que nos últimos anos se têm realizado têm sido feitas à custa das receitas normais da colónia.

São as gerações presentes que estão pagando obras que só às gerações futuras virão de facto a aproveitar.

Foi um êrro não se ter há mais tempo recorrido á política do empréstimo, não para realizar espaventosos programas de fomenta, mas àquelas obras que dia a dia se vão reconhecendo necessárias.

Não é esta Câmara o lugar onde se pode discutir o plano de fomento a realizar na província de Moçambique. O Alto Comissário vai encontrar no Conselho Legislativo homens de mais alta competência, homens que pertencem à elite intelectual portuguesa e que estão inteiramente à altura de discutir todos os problemas que interessam a província. Eu sou daqueles que não concordam com a actual composição do Conselho Legislativo, onde, entre 18 membros que compõem os distritos do norte, apenas estão representados 3 membros, mas se deve prevenir o Alto Comissário contra a parcialidade do Conselho pelo distrito de Lourenço Marques, não tenho dúvida em afirmar que se encontram lá homens absolutamente competentes e verdadeiros patriotas.

O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à segunda parte da ordem do dia.

O Orador: — Como me parece que o debate está a findar, requeiro a V. Exa.

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que consulte a Câmara sôbre se permite a prorrogação da sessão até êle findar.

Consultada o Câmara, foi aprovado o requerimento.

O Sr. Presidente: — Pode V. Exa. Sr. Portugal Durão, continuar no uso da palavra.

O Orador: — E necessário que, de acordo com o Concelho Legislativo, o Sr. Alto Comissário, depois de ter percorrido toda a província, averiguado das suas necessidades o dos seus recursos, depois do ter visto com os seus próprios olhos, elabore então um plano de obras a realizar. Só então é que S. Exa. deve pensar em empréstimos e não se meter desde já em aventuras de 31:000 ou 18:000 contos para empregar em cousa que pessoalmente não conhece.

Deve S. Exa. ir prevenido contra o grande perigo de, à chegada a Lourenço Marques, se deixar arrastar pela opinião local. Nós temos tido toda a província subordinada a Lourenço Marques e esta financeira, e economicamente subordinado ao Transvaal e para a manutenção desta situação se deixam arrastar todos os governadores. Chegados a Lourenço Marques, encontrando-se numa cidade linda que verdadeiramente honra a nossa obra de colonizadores, são levados a imaginar que toda a província é Lourenço Marques è daí a tendência para se deixarem dominar pela política mineira do Transvaal.

Em virtude do resultado das últimas eleições vai naturalmente ser chamado ao poder um partido que tem advogado a conclusão da mão de obra portuguesa, e é necessário fazer aquilo que há muito tempo já devíamos ter feito, isto ó, dispor as cousas para empregarmos na província todos os milhares de trabalhadores-que durante tantos anos têm ido enriquecer o Transvaal.

Mas não são necessárias grandes obras de fomento e como as não há eu não vejo inconveniente algum em que seja votada a emenda do Senado, e porque de certo a província também não está em condições de suportar grandes encargos.

Nada de grandiosos planos, nada de fantasias como nos caminhos de ferro de Inhambana, Lourenço Marques, já ligados pelo mar, e tantas outras em que ouço falar.

Precisamos, sim, e sem demora, pagar o que devemos em Moçambique, precisamos fazer aquelas obras que se tornam indispensáveis à valorização da província pelo capital privado.

Não me referirei à proposta do empréstimo apresentada pela casa Armstrong.

Trata-se tam somente duma proposta que não está em discussão e que na sua fórmula definitiva, se lá chegar, deve ser apreciada pelo Conselho Legislativo.

Para sua apreciação confio nela como confio no Alto Comissário da província.

Sr. Presidente.: vou concluir. A província vai dar sozinha os seus primeiros passos no mundo, vai iniciar a sua convivência com a finança internacional, e, como a um filho que pela primeira vez sai da casa paterna, eu darei um conselho: tenha cuidado, nada faça sem um estudo meticuloso, nunca será por demasia prudente, mas, se chegar a comprometer a sua palavra, adopte a divisa honesty is the best policy, a honestidade é a melhor política; os compromissos tomados devém ser religiosa e indefectívelmente cumpridos.

Tenho dito.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: em Dezembro do ano passado, foi apresentada uma proposta nesta Câmara, e que entrou logo em discussão, concedendo autorização para ser contraído um empréstimo pela província de Moçambique.

Essa proposta teve discussão, foi aprovada, foi para o Senado, onde lhe introduziram as emendas que se discutem agora nesta Câmara.

A comissão de colónias, no seu parecer, aconselha a Câmara a que aceite as emendas vindas do Senado.

Aproveitou o Sr. Ferreira da Rocha esta ocasião para fazer algumas considerações sôbre a autonomia das colónias, apresentando pontos interessantes, com os quais estou de acordo.

Eu vou também fazer a êsse propósito algumas considerações.

Assim, eu digo, como o Sr. Ferreira da Rocha, que nas colónias não existe autonomia administrativa, só existe uma descentralização administrativa.

Era necessário que as colónias tivessem uma independência, que realmente

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não têm, para disporem de autonomia administrativa.

Muita gente supõe que o regime dos Altos Comissariados deu às colónias, que estão sob êle, uma independência administrativa.

Não deu.

Na lei constitucional n.° 1:005, está regulamentada a maneira como o Congresso da Republica delega no Poder Executivo, e no Govêrno da colónia, parte da sua competência.

Ficou estabelecido, nessa lei, que o Poder Executivo poderá permanentemente legislar sôbre assuntos respeitantes a colónias, e que os Governos locais poderão legislar também para a colónia a que respeitam.

Ainda a mesma lei n.° 1:005 determina que o Poder Executivo poderá colocar qualquer colónia sob o regime dos Altos Comissários, quando tenha isso por conveniente, para o que lhe foi conferido o direito de expedir os decretos competentes.

Foi por virtude desta disposição que foi publicado um decreto colocando à frente de cada uma das províncias de Angola e de Moçambique, um Alto Comissário.

Para que foi criado o regime dos Altos Comissários?

Foi para se impulsionar o desenvolvimento material das colónias.

E que se entendia que a administração feita do Ministério das Colónias não permitia que elas entrassem abertamente num caminho de progressos rápidos.

Da Conferência da Paz, realizada em 1919, na qual se versaram assuntos relativos às colónias portuguesas, veio uma sugestão para se dar mais ampla descentralização administrativa às colónias de Angola e Moçambique.

Não me parece que houvesse necessidade de colocar as províncias de Angola e Moçambique num regime de descentralização tam pronunciada, como a que lhes foi dada, com a instituição dos Altos Comissariados.

Não havia necessidade de transferir funções do Poder Executivo, para os Governos de Angola e de Moçambique.

Bastava dar a essas colónias elementos por virtude dos quais elas pudessem ter uma descentralização administrativa mais ampla que a das outras colónias.

Embora não seja favorável ao regime dos Altos Comissários, entendo que não podemos abdicar de um momento para o outro dêsse regime; não devemos, ás mais pequenas dificuldades, mudar de ideas.

Precisamos de largo espaço de tempo para pela prática verificar se se deve manter êsse regime, ou introduzir lhe alterações, tanto mais que não se pode dizer que, em verdade, a lei n.° 1:005 foi posta em prática.

O Sr. Brito Camacho foi nomeado Alto Comissário de Moçambique, mas a falta de dinheiro e de colaboradores impediram S. Exa. de realizar.uma obra produtiva.

Mas, se S. Exa. não desenvolveu a província de Moçambique, também não a deixou na ruína.

A sua administração foi zelosa e de homem honesto.

Entregou Moçambique nas mesmas condições em que a recebeu, mas não a prejudicou nem à metrópole.

Pelo contrário, em Angola, o Alto Comissário teve muito dinheiro e muitos colaboradores, mas S. Exa. consubstanciou em si todo o poder; fez uma obra individual e daí a situação um tanto ou quanto difícil em que a província-hoje se encontra.

Angola encontra-se, com efeito, numa situação embaraçosa de que é mester arrancá-la. Nesse sentido deveremos todos empregar os nossos esfôrços, colaborando, patriòticamente, nessa obra que 'é comum a todos os portugueses.

Disse o Sr. Ferreira da Rocha que era agora ocasião para retirar da província de Angola o regime dos Altos Comissários.

Não concordo! Independentemente de quaisquer razões que, porventura, possam existir para eu ter de discordar de S. Exa. entendo que não devemos estar a dar ao país e ao estrangeiro a impressão de que não temos ideas definidas e assentes no tocante a administração das colónias. »

Necessariamente seria essa impressão a resultante de pormos hoje uma província colonial sob o regime dos Altos Comissários, para logo no dia seguinte a tirarmos dele.

Exactamente agora é que Angola carece de ter à sua frente um homem dispondo dos poderes que são conferidos.

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aos Altos Comissários, para na própria colónia se resolverem determinados assuntos que não podem esperar por quaisquer resoluções a tomar aqui na metrópole. Neste momento é que acho perigoso tirar à província de Angola o regime dos altos comissários.

Só me. conservar neste lugar, terei o cuidado de ir escolher, de entre as pessoas mais competentes, aquela que deva ir ocupar o lugar do Alto Comissário em Angola.

Sr. Presidente: não se fez na proposta apresentada ao Parlamento a discriminação por verbas, da aplicação do produto do empréstimo.

É êsse o defeito da proposta!

O Sr. Ferreira da Rocha: — Apoiado.

O Orador: — Logo que compulsei a proposta, reconheci que ela não fornecia êsse elemento de apreciação, tam indispensável para uma conveniente discussão nesta Câmara.

Apoiados.

Pede-se um empréstimo de 7 milhões de libras, sendo 5 milhões utilizáveis, desde logo, em duas séries.

Esgotado o produto dessas duas séries e concluídos os trabalhos executados com êsse dinheiro, utilizar-se há o restante, ou sejam 2 milhões.

Na verdade havia simplesmente o artigo 8.° que dizia que o produto do empréstimo devia ser aplicado às seguintes obras de fomento: caminhos de ferro, portos, telégrafos, telefones e não sei a que mais matérias é que essa proposta se referia. Nesse, artigo, pois, é que se devia dizer, para caminhos de ferro, tanto; para portos, tanto; para telefones, tanto; para estradas, tanto; e ao lado apensos a essas propostas deviam estar os orçamentos dizendo o quantitativo a aplicar a cada obra de per si. Repito, êsse é o defeito da proposta.

Na província de Moçambique parece-me que também não sabem bem qual a importância a aplicar a cada obra de per si. Da mesma forma, o Parlamento também sem êsses elementos vê-se embaraçado para dizer que a importância total do empréstimo é suficiente para as despesas com as obras que estão descritas no artigo 8.°

Quanto àquela célebre nota que foi publicada no jornal A Época e que o Sr. Cancela do Abreu analisou tam detalhadamente nos discursos que fez pelo espaço de três sessões, e tendo eu dito, como resposta a uma pregunta que S. Exa. fez de que realmente algumas alterações ligeiras tinham sido propostas para a modificação dêste contrato, devo dizer mais claramente a S. Exa. o que eu queria dizer, referindo-me a essas ligeiras alterações: em primeiro lugar que as bases do contrato estavam elaboradas para a hipótese de um empréstimo de 5 milhões de libras com uma determinada característica e que pela proposta que está agora sendo estudada a importância do empréstimo será de 4 milhões de libras com uma característica diferente.

Precisamos saber, portanto, em primeiro lugar, se a casa com que primitivamente se fez a negociação aceita as condições e, se as aceitou, precisamos saber as 'condições em que se pode elaborar o respectivo contrato. Essas modificações eram importantes. E posso dizer isso francamente, porque tive ocasião de elucidar sôbre êste assunto o Sr. Aires de Ornelas e de lho mostrar as modificações que ia estava combinado fazer. Não sei qual o parecer de S. Exa., e se concorda com a minha opinião, ou se discorda. Em todo o caso mostrei essas modificações ao Sr. Aires de Ornelas que pode ser testemunha de que essas modificações realmente são importantes. Sob êste ponto de vista o espírito patriótico do Sr. Cancela de Abreu pode estar sossegado.

O Sr. Cancela de Abreu: — V. Exa. dá-me licença?

Fui informado pelo Sr. Aires dê Ornelas que me disse que as modificações não o satisfaziam em nada.

Além disso, meses depois apareceu o assunto tratado na imprensa e todos êsses pontos foram defendidos pelo Sr. Santos Gil e lembra-me do Sr. Aires de Ornelas ter dito que não considerava suficientes as alterações feitas.

O Sr. Aires de Ornelas defendeu as bases, tais como estavam no princípio.

O Orador: — Se o Sr. Aires de Ornelas disse a S. Exa. que as modificações

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não o satisfaziam, em todo o caso devo dizer que essas modificações parecem acautelar devidamente os interêsses do Estado.

Há cousas muito importantes sob o ponto de vista das modificações das obras e que foram introduzidas pelo engenheiro Sr. Costa Serrão.

Portanto essas modificações deviam realmente satisfazer o Sr. Aires de Ornelas e até me admira do que S. Exa. nEo tivesse sossegado o espírito timorato do Sr. Cancela Se Abreu, levando-lhe a sugestão que fez com que S. Exa. durante três sessões tivesse efectuado, não obstrucionismo, mas um ataque cerrado à proposta do empréstimo.

Por fim, o Sr. Ferreira da Rocha entreteve-se a definir a frase: «empréstimo em moeda corrente no país» que se encontra na base 2.ª em discussão.

Devo dizer que essa frase deve ser de aceitar, porque, se ela não vai interpretar as palavras que se encontram escritas na proposta, é muito importante para quem amanhã tenha de realizar o contrato.

Quanto ao Sr. Portugal Durão não disse nada sôbre a proposta. Limitou-se a fazer queixas da administração do governo de Lourenço Marques.

Tem S. Exa. razão.

A província, encontra-se dividida em duas secções: uma do sul, outra do norte.

A verdade é que durante muito tempo não nos preocupámos com a ligação da província com o Sul Africano.

Entendia-se que, não estando a província bem desenvolvida, não podia dar aqueles rendimentos convenientes à sua administração e entendeu-se proporcionar ao Transvaal facilidades de transportes dos produtos para êsse Estado pelo caminho de ferro.

Fez-se a União Sul Africana e começou-se à fazer, uma guerra a êsse tráfego, e a situação do caminho de ferro começou a ser difícil, não tendo as receitas que era de esperar por tanto capital gasto.

Àpartes.

Espero, pois, que o Alto Comissário de Moçambique, pessoa inteligente que todos conhecemos, saberá atender aos interêsses do norte e dá sal da província de modo a acabar com êstes antagonismos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: não vou fazer largas considerações e apenas uma declaração do meu voto.

As razões por que me limito a uma declaração de voto são: em primeiro lugar, porque não vejo que haja na Câmara a esta hora os elementos necessários para uma votação; em segundo lugar, porque me parece que os assuntos não estão de antemão fadados para certas votações determinadas.

Era costume antigo da Câmara que nunca os assuntos passassem na Câmara sem que se desfizessem os argumentos da oposição.

Êsse costume era antigo e por isso se perdeu.

Faço, pois, a minha declaração de voto para salvaguardar as minhas responsabilidades de Deputado das conseqüências que possam vir da votação da Câmara.

Votei, da primeira vez que êste assunto foi discutido na Câmara, contra o empréstimo; votarei também desta vez contra o empréstimo.

Assisti à discussão que em volta dele se fez, procurei formar a minha consciência de parlamentar, e, resumindo aquilo que foi dito por todos os oradores, cheguei à conclusão de que se nos pedia uma autorização de empréstimo sem se nos dizer claramente os fins dêsse empréstimo nem os meios de o efectuar.

Pregunto, pois: qual é a função do Parlamento em face duma, autorização destas?

Se isto não é uma simples comédia política, requerer a uma Câmara para votar uma cousa que não sabe o que é, não si o que seja o regime parlamentar!

Mas, reconhecido, por declarações feitas nesta Câmara, que o empréstimo para obras de fomento, com a situação financeira da província, era um êrro, apelou-se para o lado político e sugestionou-se que estas obras são impostas por sugestões estrangeiras.

Diz-se que em volta da nossa província de Moçambique adejam cobiças e que elas nos impõem essas obras.

É êste o argumento político que se quere impor à nossa consciência para votarmos às cegas uma autorização.

Mas êste argumento, que se diz que temi pêso nada pesa na minha consciência para, me obrigar a votar um emproa-

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26 Diário da Câmara dos Deputados

timo que se me afigura profundamente anti-nacional.

Se, porventura, nós chegámos, à situação de ter as nossas colónias neste estado, toda a questão se resume nisto: ou numa desnacionalização forçada, ou uma desnacionalização disfarçada.

Eu não votarei, por conseguinte o empréstimo, e foi apenas a razão dêste meu voto que eu quis afirmar à Câmara, salvando a minha responsabilidade futura para 4ue ela caia inteiramente sôbre aqueles que nesta Câmara, não sei se por ignorância se .por inconsciência, assim comprometem o futuro daquilo que justifica aos olhos do mundo a nossa razão de ser como povo livre.

Tenho dito.

O Sr. Portugal Durão: — Duas palavras apenas para responder ao Sr. Ministro das Colónias que me deu a honra de se referir ao que eu disse. Procurarei resumir, porque há muito tempo que ocupo a atenção da Câmara com questões acerca da província de Moçambique.

Debate-se o empréstimo, e, apesar de S. Exa. me dizer que eu versei vários assuntos alheios à questão, direi a S. Exa. que estou convencido de não me ter afastado do assunto. Não se pode tratar de um empréstimo para a província de Angola o Q Moçambique, ou qualquer outra, ou para qualquer empresa ou Banco, sem se encarar a situação da província ou da entidade que vai contrair êsse empréstimo. - Não me ocupei, por exemplo, de uma questão importantíssima de que me devia ocupar, da questão agrária, para a qual devo chamar a atenção da Câmara.

Para o Transvaal vão, por ano, 90:000 homens, rapazes novos. O problema é complexo. Tudo isto se liga com o empréstimo.

Estou novamente tomando tempo à Câmara, mas desejava responder ao Sr. Ministro de quem me cumpre receber o aviso para que para a outra vez seja mais cuidadoso na maneira de tratar das questões.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo

Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pelas considerações que fiz nesta Câmara ficaram todos sabendo que nós não queremos que, por qualquer motivo, fique o nosso nome com responsabilidades ligadas à proposta que vai votar-se, nem desejamos que o Alto Comissário de Moçambique contraia o empréstimo nestas condições.

Como vão ser votadas as emendas do Senado, e sabemos que todos estão de acordo em votá-las, declaro a V. Exa. que, para que o nosso nome não fique ligado a essa votação, saímos desta sala, a fim de não votarmos o artigo 2.° da proposta.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai votar-se o artigo 2.°

É aprovado.

O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a contraprova e invoco, o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que rejeitam queiram levantar-se.

Estão de pé 6 Srs. Deputados e sentados 42.

Não há número, pelo que se vai proceder à chamada.

Procedeu-se à chamada.

Disseram «aprovo»:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Ferreira Vidal.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

António Abranches Ferrão.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Maria da Silva.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

Artur Brandão.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bernardo Ferreira de Matos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim Costa.

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Sessão de 20 de Junho de 1924 27

Domingos Leite Pereira.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João José da Conceição Camoesas.

João de Ornelas da Silva.

João Salema.

João de Sousa Uva.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José Carvalho dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Nunes Loureiro.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Mariano Martins.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silvai

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Disseram trejeitou:

Hermano José de Medeiros, João José Luís Damas.

O Sr. Presidente: — Está encerrada a votação.

Disseram «aprovo» 43 Srs. Deputados e «rejeito» 2.

A próxima sessão será na segunda-feira, 23 do corrente, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Pareceres

Da comissão de comércio e indústria, o n.° 759-B, relativo a isenção de
direitos de materiais para linhas férreas eléctricas.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 759-B, que isenta de direitos o material para linhas férreas eléctricas.

Imprima-se.

Projectos de lei

Dos Srs. Vitorino Godinho e Custódio de Paiva, autorizando a Câmara Municipal de Leiria a elevar a sua percentagem sôbre as contribuições directas do Estado, até 120 dias:

Para o «Diário do Governo».

Dos Srs. Joaquim Narciso de Matos, Crispiniano da Fonseca,e Pires Monteiro, autorizando a Junta de Freguesia de Leça da Palmeira a lançar 100 por cento sôbre as contribuições directas do Estado.

Para o «Diário do Governo».

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério do Trabalho, me seja fornecida cópia das memórias referentes ao projecto ale melhoramentos que a Empresa das Águas do Gerez se prontifica a executar em harmonia com o pedido de prorrogação do prazo da concessão.

20 de Junho de 1924.— Artur Brandão.

Expeça-se.

Declaração de voto

Declaro que aprovo a redacção do Senado, porque sou obrigado a escolher essa ou a da Câmara dos Deputados, o que me leva, e embora discorde de ambas, a escolher a que menos inconveniente ó.

Sala das Sessões, 20 de Junho de 1924.— Lúcio C. Martins.

Para a Secretaria.

Para a acta.

O REDACTOR—Avelino de Almeida.

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