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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DO CONGRESSO

(Convocada por decreto de 17 de Novembro de 1914)

SESSÃO EM 23 DE NOVEMBRO DE 1914

Presidência do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretários os Exmos. Srs.

António Bernardino Roque
Bernardo País de Almeida

Sumário. — Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Não há expediente.

O Sr. Presidente expõe a razão da convocação da Câmara. È lido o decreto da convocação. O Sr. Presidente propõe que se levante a sessão até que o Govêrno possa comparecer no Senado. É aprovado por unanimidade.

É reaberta a sessão. Lê-se na Mesa a proposta vinda da Câmara dos Deputados, relativa à nossa intervenção na guerra actual. O Sr. Presidente do Ministério lê a proposta que apresentara à Câmara dos Deputado, com o respectivo relatório.

Dispensadas as formalidades regimentais, por unanimidade, entra a proposta em discussão. Usam da palavra os Srs. Estêvão de Vasconcelos, que apresenta uma moção em nome do partido republicano português, Miranda do Vale, em nome do partido unionista, Feio Terenas, em nome do partido evolucionista, Pedro Martins, Goulart de Medeiros, João de Freitas e Nunes da Mata.

E aprovada por unanimidade a proposta do Govêrno. O Sr. Presidente do Ministério declara, em resposta ao Sr. João de Freitas, que será dada toda a publicidade às negociações diplomáticas, logo que seja oportuno. Termina saudando a República Portuguesa.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio Baeta das Neves Barreto.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Albano Coutinho.
Alfredo José Durão.
Amaro de Azevedo Gomes.
Aníbal de Sousa Dias.
António Bernardino Roque.
Bernardo Pais de Almeida
Anselmo Augusto da Costa Xavier.
Anselmo Braamcamp Freire.
António Bernardino Roque.
António Joaquim de Sousa Júnior.
António Ladislau Parreira.
António Maria da Silva Barreto.
António Pires de Carvalho.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Artur Rovisco Garcia.
Augusto de Vera Cruz.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Richter.
Cristóvão Moniz.
Daniel José Rodrigues.
Domingos José Afonso Cordeiro.
Faustino da Fonseca.
João da Câmara Pestana.
João José de Freitas.
Joaquim Leão Nogueira de Meireles.
José Afonso Pala.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José de Castro.
José de Cupertino Ribeiro Júnior.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Maria de Pádua.
José Maria Pereira.
José Miranda do Vale.
Leão Magno Azedo.
Luís Fortunato da Fonseca.
Luís Inocêncio de Ramos Pereira.

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Diário das sessões do Senado

Luís Maria Rosete.
Manuel António da Costa.
Manuel Goulart de Medeiros.
Manuel José Fernandes Costa.
Manuel Martins Cardoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Ramiro Guedes.
Ricardo Pais Gomes.
Tomás António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que entraram, durante a sessão:

Alberto Carlos da Silveira.
António Brandão de Vasconcelos.
António Caetano Macieira Júnior.
Bernardino Luís Machado Guimarães.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Inácio Magalhães Basto.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
Joaquim Pedro Martins.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Nunes da Mata.
José Relvas.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Augusto Pimenta.
Alfredo Botelho de Sousa.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Ladislau Piçarra.
António Ribeiro Seixas.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro.
Francisco Eusébio Lourenço Leão.
José Machado de Serpa.
Manuel Rodrigues da Silva.

As 14 horas e 30 minutos o Sr. Presidente mandou proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 47 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente: — Do expediente apenas consta uma carta do Sr. Queiroz Montenegro, justificando as suas faltas.

Tendo sido esta sessão convocada por um decreto publicado no Diário do Govêrno, vou mandar ler na Mesa êsse decreto.

Lê-se na Mesa o decreto de 17 de Novembro do corrente mês e ano, convocando a reunião extraordinária do Congresso.

O Sr. Presidente: — Reunindo a Câmara em virtude do decreto que acaba de ser lido, poderia parecer estranho que a Mesa não se referisse a alguns sucessos que se tem dado desde a última sessão extraordinária até o presente momento. Não faço referência a êsses sucessos e não me refiro à falta dalguns colegas nesta casa, porque entendo que êsses assuntos tem cabimento na primeira sessão ordinária.

Faço esta declaração para que se não julgue que há qualquer omissão ou desatenção por parte da Mesa.

Isto posto, proponho que, a exemplo do que se tez na última sessão extraordinária, a sessão seja interrompida até que o Govêrno compareça aqui (Apoiados gerais).

Atenta a manifestação da Câmara, interrompo a sessão.

Eram l5 horas e l5 minutos.

Ás 16 horas e l5 minutos é reaberta a sessão.

Lê-se e oficio da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta do Govêrno ali aprovada.

O Sr. Presidente dó Ministério e Ministro do Interior (Bernardino Machado): — Sr. Presidente: peço licença a V. Exa. e ao Senado para ler a proposta apresentada pelo Govêrno e que é a seguinte:

Sr. Presidente: — Durante anos sucessivos, lidando com ardor pela conquista das liberdades cívicas, fizemos amorávelmente a campanha generosa da atracção de todos os portugueses em volta da bandeira sagrada do ressurgimento nacional. Mas um momento chegou em que, até pelas próprias imposições da nossa solidariedade patriótica, fomos resolutamente, pára a revolução de 5 de Outubro. E é com orgulho que hoje apontamos ao mundo para a nossa República.

Igualmente, desde o advento do novo regime, que nos restabeleceu, dentro e fora do país, a continuidade da vida histórica, temos procurado sempre fazer uma

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política externa de concórdia e dignidade, e nenhum ódio nos move para com qualquer outra nação.

Neste transe, porêm, de angustiosa luta internacional, tam decisivo para a independência e segurança dos povos, não há ninguêm, entre nós, cônscio dos deveres imperativos do nosso destino, que não sinta que o nosso glorioso património, material e moraL, corre os maiores perigos, se os não conjugarmos, previdentemente, cimentando a todo o custo, ainda mesmo com o sacrifício do sangue, a solidariedade secular entre Portugal e a Inglaterra, base imprescindível da nossa progressiva valorização mundial.

Com êsse firme propósito, bem patente na espontânea declaração aqui expressa pelo Govêrno, em 7 de Agosto, com o assentimento solene do Congresso e do povo, concertou com o Govêrno Inglês prestar-lhe, alêm de todos os mais serviços ao nosso alcance, o concurso militar a que êle, significando-nos nobremente o alto apreço em que o tem, nos convida (Apoiados).

É, certos de que, seja qual fôr o campo onde a República Portuguesa haja de zelar o prestígio da nação, ela não hesitará nunca, nem um só instante, em ocupar o lugar de honra, que, em defesa dos nossos próprios direitos, ao lado da nossa eminente aliada, lhe pertença, vimos resolutamente tambêm apresentar, obedecendo à Constituição, a seguinte

Proposta de lei

É o Poder Executivo autorizado a intervir militarmente na actual luta armada internacional, quando e como julgue necessário aos -nossos altos interêsses e deveres de nação livre e aliada da Inglaterra, tomando para êsse fim as providências extraordinárias que as circunstâncias de momento reclamem.

O Sr. Presidente do Ministério (continuando): — Vou ler agora a nota elucidativa da presente proposta, redigida de acôrdo entre os Govêrnos Português e Britânico:

«Logo ao princípio da guerra, Portugal afirmou expontâneamente que estava pronto, como aliado da Grã-Bretanha, a dar-lhe todo o concurso. O Govêrno Inglês, apreciando altamente êste claro testemunho de cordial solidariedade, convidou, com entranhável reconhecimento, o Govêrno Português a contribuir, de facto, consoante entre ambos se estipulasse, com a sua cooperação militar. E, por êste modo, os dois Govêrnos assegurarão os fins da aliança há séculos já subsistente entre as suas nações, cuja manutenção tanto é do interesse comum como duma e doutra».

Peço ao Senado dispensa do Regimento, para que esta proposta entre desde já em discussão.

O Sr. Presidente: — O Senado acaba de ouvir a proposta do Sr. Presidente do Ministério para que seja dispensado o Regimento, a fim de entrar desde já em discussão a proposta vinda da Câmara dos Deputados.

Foi aprovado.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: — Sr. Presidente: a hora é toda de ponderação e de sacrifício.

Os problemas que da conflagração europeia podem derivar para a nacionalidade portuguesa são tão graves que a todos se impõe, neste momento, uma atitude uniformemente patriótica. Não há ódios, não há divergências, não há lutas partidárias que possam prevalecer. Acima de tudo temos agora de pensar, neste momento, na obrigação indeclinável de honrar os nossos compromissos internacionais com a lealdade e correcção dum povo, que pode não ter assinalado ainda a transformação progressiva dos povos mais civilizados, mas que nunca foi e nunca será um povo de cobardes. (Muitos e prolongados apoiados).

Sejam quais forem as fases da guerra, sejam quais forem as intrigas e as intentonas manobradas pela espionagem alemã, o soldado português há-de estar sempre à altura da sua tradição de valentia e há-de cumprir integralmente o seu dever. (Apoiados).

E com esta convicção e com êste estímulo que os Senadores do grupo parlamentar democrático votam a autorização pedida pelo Govêrno; e dão a sua adesão e a sua solidariedade às considerações com que o Sr. Presidente do Ministério fundamentou a sua proposta.

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São tremendas as responsabilidades na actual conjuntura, todos nós as compreendemos e todos nós as sentimos, avaliando bem a gravidade e as consequências do nosso voto (Apoiados). Mas nenhum de nós podia proceder doutra forma, a não ser que traíssemos o nosso mandato e deixássemos de interpretar a vontade, os sentimentos e os interêsses da nação.

Como já tive ensejo de acentuar na última sessão de 7 de Agosto, a linha de conduta a que somos forçados pela aliança inglesa é precisamente aquela que mais se coaduna com a necessidade de valorizar as nossas riquezas e de manter o nosso domínio colonial. Por isso a participação de Portugal, sendo um acto que nos é imposto pela nossa consciência moral, é, ao mesmo tempo, um acto que o interesse superior do país justifica em absoluto. (Apoiados).

Não vamos para uma aventura, não obedecemos a quaisquer propósitos de ambição ilegítima. Limitamo-nos a tomar no conflito europeu o lugar que nos é designado pela fé dos nossos tratados, pela reciprocidade de interêsses que nos ligam à Inglaterra, pela comunhão intelectual que temos mantido com a França e pela própria natureza da missão histórica em que está integrada a República portuguesa. (Apoiados).

Sr. Presidente: terminando, eu não posso deixar de fazer duas saudações: a primeira — e apenas lamento que ela seja expressa em frases tam descoloridas — a todos aqueles que no campo de batalha tem derramado o seu sangue em defesa do direito, da justiça e da liberdade; a outra saudação é a que vai na seguinte moção que envio para a Mesa:

«O Senado saúda, neste momento, o exército de terra e mar, confiando ao seu patriotismo e bravura a honra da Pátria Portuguesa. = Estêvão de Vasconcelos». (Apoiados}.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Lê-se na Mesa a moção apresentada pelo Sr. Estêvão de Vasconcelos, que é admitida e seguidamente aprovada sem discussão.

0 Sr. Miranda do -Vale: — Sr. Presidente: os Senadores da União Republi-
cana votam a proposta do Govêrno, com todos os sacrifícios que dela possam derivar, fazendo, porêm, votos por que os ditames da honra nacional e o cumprimento dos nossos deveres internacionais se harmonizem o mais possível com os nossos legítimos interêsses.

O Sr. Feio Terenas: -— Sr. Presidente: os Senadores evolucionistas votam tambêm a proposta do Govêrno, como votaram, ainda há pouco, com muito prazer, a moção apresentada pelo Sr. Estêvão de Vasconcelos.

Sr. Presidente: de 7 de Agosto para cá o partido evolucionista tem mantido sôbre esta grave questão a mesma atitude, adoptando a fórmula seguinte:

«Ir até onde fôr preciso, sendo preciso».

Hoje essa fórmula tem que ser substituída pela seguinte:

«Ir ate onde fôr preciso, porque é preciso».

E esta a síntese do pensamento político do partido evolucionista.

Para terminar, Sr. Presidente, eu vou ler uma declaração publicada hoje no órgão do partido a que tenho a honra de pertencer, para a qual chamo a atenção da Senado, por isso que traduz o sentir de todas, as agremiações evolucionistas de país. É a seguinte:

«A sessão de hoje do Congresso é um acontecimento do mais alto significado nacional, porque vai decidir dos destinos da Pátria, perante a conflagração europeia.

O partido evolucionista, fiel ao lema de que o país deve ir até onde fôr preciso, mas sendo preciso, vota unanimemente as devidas autorizações, visto que elas são precisas, para se dar, segundo a letra dos tratados e conforme é reclamado pela Inglaterra, cumprimento às disposições da aliança luso-britânica.

A sessão de hoje é uma afirmação de fé republicana, de amor pátrio e de solidariedade com a Inglaterra».

O Sr. Pedro Martins: — Sr. Presidente: quando, na sessão de 7 de Agosto, o Govêrno se apresentou a pedir a amplíssima autorização que é do conhecimento de todos, eu, sem a menor perplexidade, antes com a maior clareza, defini nessa hora, já

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para nós sombria, o meu critério sôbre qual devera ser a orientação governativa e nacional em política externa e ante a luta pavorosa e colossal que de Agosto para cá se tem estado a pelejar.

Estreitamente aliados e mais do que nunca aliados da Inglaterra.

Com ela a vitória e com ela a derrota; com ela a glória e com ela o infortúnio. E acrescentei então que a neutralidade de Portugal era um sonho, que nem mesmo se podia dizer um belo sonho.

E que previa que numa luta em que jogavam a sua situação mundial, e não simplesmente a europeia, a Alemanha e a Inglaterra, da qual éramos e somos aliados, era fatal que soaria a hora pavorosamente trágica em que sangue português se houvesse de verter, se não na Europa, na África, onde a dementada fúria e ambição germânicas não deixariam de nos criar toda a espécie de dificuldades e de nos agredir deslial e traçoeiramente.

Não quero discutir, nesta hora, decerto a mais grave da vida nacional de há um século para cá, o uso que o Govêrno há feito da autorização votada, pela qual o Parlamento lhe pôs nas mãos, inteiramente, a pedido dele, os destinos, a honra" e a vida nacional.

E calo toda a minha legítima curiosidade, que é tambêm meu direito, de conhecer todas as negociações havidas e quaisquer notas trocadas entre o Govêrno e os Govêrnos estrangeiros, nomeadamente o Govêrno Inglês.

Apraz-me acreditar que o Govêrno tem envidado todos os esforços de que é capaz para zelar a honra e promover a prosperidade e defesa nacional, e, bem assim, que a nota por êle há pouco lida e redigida de acôrdo com o Govêrno Inglês, é corolário lógico e o resultado natural e espontâneo dos entendimentos e negociações entre os dois Govêrnos. E se alguns erros tem sido cometidos e se o tempo se há perdido para dar à nação o máximo expoente da sua fôrça e às nossas colónias as necessárias condições de defesa e de luta, quero tambêm acreditar que nem dêsses erros, nem dessa perda, se poderá dizer que nenhuma eternidade repara a perda de um minuto.

Só quere apreciar a situação tal como ela se encontra.

Na África, principalmente na África Ocidental, os alemães invadiram violenta e traiçoeiramente o nosso território, derramando o sangue de oficiais e soldados portugueses e assassinando alguns, sem que a mais ligeira explicação fôsse dada. O estado de guerra foi assim brutalmente declarado, e não há senão que aceitá-lo e enviar, com a possível urgência, porêm, não pelo processo de conta-gotas, ridículo, dispendiosíssimo e ineficaz, os reforços que sejam precisos para defender e firmar a integridade do nosso domínio colonial e vingar a afronta recebida.

Na África, a Inglaterra é obrigada a lutar contra o alemão para defesa das suas colónias. Pela aliança a que ela nos prende e pela amizade e solidariedade de interêsses que aí entre ela e nós existem, dúvida alguma tenho em votar autorização ao Govêrno para a nossa intervenção militar aí, ao lado da Inglaterra, contra a Alemanha.

Mas a nobre e grande Inglaterra, nossa aliada tambêm, e aí com ingente esforço e admirável e heróico denodo, batalha na terra da cavalheirosa França e no solo sagrado da sublime e heróica Bélgica pela liberdade, pelo direito e pela civilização ocidental, contra a fúria do desvairado militarismo teutónico e a ambição torva e incomensurável de um dementado pan-germanismo que não hesitou em rasgar vandálicamente as páginas iluminadas da própria cultura alemã e arrojar o povo alemão para o crime mais hediondo e a mais pavorosa hecatombe que há memória.

Podem os tratados conhecidos da nossa aliança com a Inglaterra suscitar justificadas dúvidas sôbre a nossa obrigação de intervir com a modéstia dos nossos recursos militares na luta travada na Europa.

Mas a excepcional gravidade da hora presente, a grandeza e importância dos interêsses que ela envolve, os deveres que nos impendem para com a geração de amanhã, não se compadecem com a rigidez literal dos textos dos tratados. E a nota lida há pouco, redigida de acôrdo com o Govêrno Inglês, sugere que a nossa intervenção, se se der na Europa, ao lado da Inglaterra, pode rasgar para a nossa vida futura horizontes mais largos e iluminados, e acaso é ela o prenúncio dêsse provir mais confortante duma aliança mais definida e íntima e de mais completa garantia para Portugal.

Confrange decerto a alma e corta o co-

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ração a dor de enviar para os horrores da guerra e arrojar para a morte portugueses, nossos irmãos; mas a honra, a Maldade, o futuro nacional e o destino trágico querem que na vida das nações haja momentos em que é necessário que jorre o sangue para que as aspirações nacionais floresçam os grandes interêsses sejam solidamente cimentados.

Sei que é esmagador o sacrifício em sangue e dinheiro que pesa sôbre a geração actual; confio, porêm, em que o Govêrno, com os olhos postos na honra nacional, se ampare a um patriotismo inteligente e fervoroso, para que o sacrifício de hoje se transmude em glória e prosperidade de amanhã.

Voto a proposta e creio que ela obterá o voto do Senado.

Votada a proposta, pode dizer-se desde já desfraldada a gloriosa bandeira nacional ao lado da heróica bandeira da Inglaterra.

E assim, parafraseando, se dirá àqueles que, por motivos, respeitáveis de sentimentos ou de convicções, são contrários à nossa intervenção na guerra da Europa, as nobres, belas e luminosas palavras de Prévost-Perodal:

«A bandeira é uma razão suficientemente persuasiva; ela clama que a Pátria deve ser seguida, ainda mesmo quando se engana; porque ela perece ou perde honra e consideração quando os seus filhos a abandonam ou desfalecem; e a sua queda ou desonra é um mal infinitamente maior que o seu êrro ou engano».

O Sr. Goulart de Medeiros: — Sr. Presidente: pedi a palavra porque, afastado dos partidos, desejo fazer algumas considerações para justificação do meu voto.

O momento é solene e temos todos grandes responsabilidades.

É, portanto, meu dever não ficar calado.

Quando eu, na sessão de 7 de Agosto, votei a proposta apresentada pelo Govêrno, compreendi logo nitidamente a responsabilidade que me acarretava essa votação.

Esta proposta não é senão a consequência da proposta votada em 7 de Agosto.

Tendo eu, portanto, ligado a minha responsabilidade a essa proposta, votada em Agosto, claro está que neste momento não posso deixar de prestar a minha inteira
adesão à proposta que acaba de ser apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério.

Tenho, porêm, de acrescentar o seguinte:

Eu estou convencido de que o Govêrno, depois da sessão de 7 de Agosto, empregou, todos os meios para que Portugal desempenhe e papel que lhe compete, digna e gloriosamente, tendo em atenção os seus recursos e os seus deveres para com a nação aliada.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. João José de Freitas: — Sr. Presidente: dou o meu voto à proposta do Govêrno.

Nesta conjuntura grave da vida nacional, em que estão em jôgo os nossos domínios coloniais e os próprios interêsses da nossa nacionalidade, eu desejaria que o Parlamento do meu país pudesse conhecer as negociações diplomáticas que, desde o começo da guerra europeia, foram entaboladas pelo Govêrno Português com os Govêrnos de Inglaterra, da França e da Alemanha, e em virtude das quais o Govêrno entendeu dever neste momento apresentar o pedido de autorização para que Portugal intervenha na luta armada que se está travando.

É possível, Sr. Presidente, que melindres internacionais não permitam que o Govêrno desde já possa dar conhecimento ao Parlamento do nosso país da maneira como essas negociações foram conduzidas, até o ponto de vir apresentar-nos o pedido da nossa participação na guerra, mas eu desejo, desde que desapareçam êsses melindres, que o Govêrno se apresse a dar conhecimento dessas negociações.

V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que o Govêrno da Inglaterra acaba de fazer uma enorme distribuição da correspondência que trocou com os Govêrnos das nações hoje envolvidas na guerra, e com essa publicação fez ver quais as razões que o levaram a declarar guerra à Alemanha e à Áustria.

Depois dessa publicação a opinião inglesa ficou completamente elucidada e informada de que a Gran-Bretanha tomava parte na guerra em defesa do principio das pequenas nacionalidades e em defesa dos tratados que foram violados pelo Govêrno Alemão.

O Govêrno Inglês, nessa publicação,

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mostrou claramente quais as razões que o levaram a intervir na luta armada.

A Inglaterra só se resolveu a entrar nessa luta quando viu uma pequena nação ser invadida pelo exército alemão.

A Inglaterra não se poupa aos maiores sacrifícios para conseguir o seu fim, que é a completa derrota do militarismo germânico.

Eu desejo, Sr. Presidente, que a nação inteira possa identificar-se com o sentir do nosso Govêrno, mas para que essa identificação se dê e para que não. existam dúvidas a tal respeito, preciso é que o Govêrno, não neste momento, mas quando cessem êsses melindres de natureza internacional, dê conhecimento ao Parlamento das negociações que tiveram lugar entre o Govêrno Português e a Inglaterra, assim como entre o Govêrno Francês e mesmo o da Alemanha, e em virtude das quais chegámos à situação presente, levando o Govêrno a pedir ao Parlamento autorização para intervir militarmente nos campos de batalha, quer na África, onde as nossas colónias já estão ameaçadas, quer na luta da guerra europeia.

Sr. Presidente: confio no patriotismo com que o Govêrno tem procurado zelar os interêsses nacionais, quanto ao seguimento das negociações com o Govêrno da Inglaterra e dos outros países aliados. Todavia, Sr. Presidente, desejo que a nação se identifique completamente com o Govêrno, para que nenhuma dúvida possa restar, no espírito português, sôbre a necessidade da nossa intervenção na guerra.

Peço ao Sr. Presidente do Ministério e ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, visto a conveniência que há para o país, que, logo que as circunstâncias o permitam, essas negociações sejam levadas ao conhecimento da nação inteira, por meio do Livro Branco.

O orador não reviu.

O Sr. Nunes da Mata: — Sr. Presidente: neste momento solene e tremendo que atravessa a humanidade inteira, entendo que todos tem o dever de expor com sin- ceridade a sua opinião a respeito da proposta apresentada pelo Govêrno.

E por pensar assim que me resolvo a pedir a palavra e a tomar alguns minutos de tempo ao Senado, limitando-me, entretanto, a dizer muito sucinta e lacónica-mente as razões que me movem a dar o meu voto à referida proposta.

São seis as razões principais, que passo em seguida a explanar:

1.ª As batalhas sangrentas, que se ferem nos campos da França, Bélgica, Alemanha, Áustria, Rússia, Sérvia e Turquia tem como litigantes, dum lado, os povos que defendem os direitos, a liberdade, a justiça e os progressos sociais alcançados pela humanidade, e, do outro lado, os que, bárbara e cruelmente, pugnam pelo despotismo, pela tirania cruel, pela brutalidade imperiosa e pelo arbítrio.

Em uma luta desta natureza, em que os campos estão nitidamente distintos, nenhuma nação, que preze o futuro da humanidade e que tenha em conta a defesa do seu próprio futuro, deve permanecer de braços cruzados, e antes se deve colocar lialmente ao lado dos que defendem o bem-estar social e impugnar com ardor os que pretendem encher, e já enchem, a terra de luto, morticínios e horrores.

2.ª A nação portuguesa é aliada da Gran-Bretanha, em virtude de antigos e repetidos tratados e, pelo cérebro e pelo coração, é tambêm antiga aliada da brilhante, altiva e generosa França. Portanto, ainda que essas alianças não impuses sem a obrigação da cooperação na presente guerra, o nosso brio, a nossa honra e a nossa dignidade é que nos impõem êsse dever como imprescindível.

3.ª E bem sabido que se as nossas colónias, e com especialidade Angola, ainda hoje estão em nosso poder e não foram empolgadas pela voracidade alemã, isso se deve à intervenção da Gran-Bretanha e da França. Portanto, ainda sob êste ponto de vista restrito de interesse nacional, alêm de cumprirmos o nosso dever social, temos tudo a ganhar, auxiliando, tanto quanto podermos, as duas importantes e generosas nações. Se estas, por um absurdo inconcebível do acaso, ficassem vencidas, ninguêm tenha dúvidas em que, não só perderíamos todas as nossas colónias, mas que igualmente perderíamos a nossa independência. Por isso o nosso futuro e a nossa própria salvação exigem o sacrifício do nosso auxílio, com todas as veras de entusiasmo e dedicação. Bom é notar-se que, ainda mesmo que ficássemos neutrais, ou cometêssemos o monstruoso crime só-

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cial de auxiliar a Alemanha, se esta vencesse, havíamos do mesmo modo, irremediavelmente, de perder as colónias e a independência, apesar dos nossos valiosíssimos e bons ofícios. Ninguêm tenha dúvidas a êste respeito.

4.ª Se a Alemanha vencesse, ficando, como consequência, a Europa esmagada, nunca mais haveria paz na terra, a não ser que os alemães conseguissem esmagar e aniquilar todos os povos que não fossem da sua raça. Em prazo que não deveria ser superior a dez anos, podíamos ficar certos de que uma outra tremenda conflagração sã levantaria entre a Europa, dominada e arrastada sob as patas teutónicas, e a América. Vencida a América, teríamos nova guerra de extermínio entre a Europa e os povos do Oriente. Deveria ser um nunca acabar de guerras, de morticínios e de revoluções. Em contraposição, se os aliados vencerem, como é de supor, não só teremos um longo período de paz, mas mais ainda, deixará de pesar sôbre as diversas nações o esmagador encargo de enormes exércitos permanentes e de caríssimos armamentos. É preferível, pois, êste sacrifício agora, embora grande, mas que apenas durará alguns meses, a deixar o mundo escravizado pelo tentão e entregue a incessantes guerras e morticínios.

5.ª Desde que, do norte ao sul tio país, se falou em que íamos mandar um corpo de exército para a guerra, e que algumas dúzias de miseráveis e traidores tentaram uma revolta, dando como pretexto êsse facto da remessa do corpo de exército, já não devemos, em caso algum, deixar de o mandar, pois se o não mandarmos, todas as nações estrangeiras ficariam a imaginar que a tal revolta era apoiada realmente pela alma portuguesa. Ora isto representaria, uma eterna vergonha para êste generoso povo português que na sua história possui os fastos mais brilhantes da história da humanidade em actos de audácia, patriotismo, coragem e heroísmo. Se deixássemos agora de cooperar na, presente guerra, os manes dos nossos antepassados erguer-se hiam indignados do seu túmulo para protestar.

6.ª Finalmente, desde que tropas alemãs, segundo publicaram os jornais, invadiram a nossa, província de Angola e feriram e mataram oficiais e soldados nossos, facto que constitui casus belli, desnecessário é procurar razões que justifiquem a nossa intervenção na guerra, pois que, ainda que o não quiséssemos, a ela nos vemos constrangidos pelos próprios alemães».

Ao terminar, devo declarar com toda a sinceridade que desde o dia tristemente memorável em que a Alemanha declarou a guerra à Rússia e à Franca, tive sempre a convicção de que aquela seria vencida e esmagada. Em carta que nesse dia tive de escrever ao Sr. Ministro da Marinha, aproveitei o ensejo para a êste respeito lhe dizer a minha opinião. Mas, ainda mesmo que tivesse dúvidas com relação ao resultado final da presente guerra, não alteraria em cousa alguma o meu voto e, se o alterasse, seria para o tornar mais expressivo e enérgico.

Em resposta ainda, por último, aos que pretendem que a nossa cooperação na guerra se deva limitar a África, direi que as vitórias e as derrotas na África pouco ou nenhuma influência terão no resultado final da guerra.

E na Europa, e só na Europa, que deve, ser resolvida esta guerra tremenda. Se os alemães perderem tudo o que tem na África, mas ganharem a vitória final na Europa, tornarão a adquirir, não só o que perderem, mas tudo o mais que quiserem.

Portanto, é na Europa que Portugal deve cooperar ao lado dos aliados, para que a história no futuro o possa honrar, colocando-o ao lado das nações generosas que actualmente se sacrificam pelo bem-estar, dignidade, liberdade, direitos e progressos da humanidade.

Tenho dito.

Foi lida na mesa a proposta do Govêrno & aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Bernardino Machado): — Sr. Presidente: pedi a palavra, apenas para dar uma explicação ao digno Senador Sr. João de Freitas.
Tenha S. Exa. a certeza de que toda a publicidade será dada oportunamente às negociações que tem havido e que decorreram desde 7 de Agosto até hoje.

Quando essa publicidade se der, há de toda a gente verificar que o Govêrno zelou como devia a honra e a dignidade da

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nação; e, porque o fez, é que o Govêrno neste momento se orgulha de estar dignificado com o voto do Senado, a quem saúda e nele a pátria portuguesa. Viva a República Portuguesa!

Esta saudação é correspondida por todos os Srs. Senadores.

As galerias acompanham, a manifestação do Senado.

Levantam-se vivas à Inglaterra representada na pessoa do respectivo Ministro que, da galeria diplomática, assistia à sessão.

O Sr. Presidente: — Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas.

O REDACTOR = Alberto Bramão.

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