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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1913-1914

SESSÃO Nº 76

EM 20 DE ABRIL DE 1914

Presidência do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretários os Exmo. Srs.

Alfredo Botelho de Sousa
Luís Fortunato da Fonseca

Sumário. — Chamada e abertura da sessão. — Leitura e aprovação da acta. — Dá-se conta do expediente.

O Sr. Faustino da Fonseca envia para a mesa um requerimento relativo a sindicâncias e inquéritos. O Sr. Nunes da Mata faz considerações relativas ao culto da árvore. O Sr. João de Freitas apresenta um requerimento pedindo documentos e faz considerações acêrca das obras da Penitenciária. O Sr. Goulart de Medeiros fala sôbre o concurso para a carreira de navegação para os Açores, respondendo o Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Bernardino Roque realiza a sua interpelação ao Sr. Ministro das Colónias, sôbre o caminho de ferro de Mossâmedes ao planalto. O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre se permite a continuação da interpelação com prejuízo da ordem do dia. É aprovado. Continua no uso da palavra o Sr. Bernardino Roque, respondendo--lhe o Sr. Ministro das Colónias, que tambêm se refere a umas considerações do Sr. Miranda do Vale sôbre o Govêrno de Angola e Macau. Replica ainda o Sr. Bernardino Roque. O Sr. Ministro das Colónias promete responder oportunamente. Sob proposta do Sr. Presidente, o Senado aprova que seja publicada no «Sumário» uma representação.

Ordem do dia. — (Continuação do parecer n.° 14. O Sr. Sousa da Câmara deseja a presença do, Sr. Ministro das Finanças. Ò Sr. Presidente, atendendo a êsse desejo, pede ao Senado que o autorize a por à discussão do parecer n.º 52 dado para antes da ordem do dia. É aprovado. Dispensada a leitura a requerimento do Sr. Abílio Barreto, é pôsto à discussão na generalidade. Ninguêm pedindo a palavra, o Sr. Presidente declara que vai votar-se. É aprovado e pôsto em discussão na especialidade e aprovado sem discussão em todos os artigos. E dispensada a ultima redacção a requerimento do Sr. Estêvão de Vasconcelos.

Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Miranda do Vale ocupa-se dos Govêrnos de Angola e Macau, com referência ao que disse o Sr. Ministro das Colónias que, tomando a palavra, esclarece o que se passou, agradecendo o orador precedente. O Sr. Ladislau Parreira apresenta algumas considerações especialmente sôbre o Govêrno de Macau, tornando a falar o Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Presidente encerra a sessão, designando ordem do dia para a imediata.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio Baeta das Neves Barreto.
Adriano Augusto Pimenta.
Alberto Carlos da Silveira.
Alfredo Botelho de Sousa.
Alfredo José Durão.
Amaro de Azevedo Gomes.
Anselmo Augusto da Costa Xavier.
Anselmo Braamcamp Freire.
António Bernardino Roque.
António Brandão de Vasconcelos.
António Joaquim de Sousa Júnior.
António Ladislau Parreira.
António Ladislau Piçarra.
António Maria da Silva Barreto.
Augusto de Vera Cruz.
Carlos Richter.
Daniel José Rodrigues.
Domingos José Afonso Cordeiro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Faustino da Fonseca.
Inácio Magalhães Basto.

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Diário das Sessões do Senado

João da Câmara Pestana.
João José de Freitas.
Joaquim Leão Nogueira Meireles.
José de Castro.
José de Cupertino Ribeiro Júnior. José Machado de Serpa. José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Miranda do Vale.
José Nunes da Mata.
Luís Fortunato da Fonseca.
Manuel Goulart de Medeiros.
Manuel Rodrigues da Silva.
Manuel de Sousa da Câmara.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Albano Coutinho.
Aníbal de Sousa Dias.
Artur Augusto da Costa.
Bernardo Pais de Almeida.
Cristóvão Moniz.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Joaquim Pedro Martins.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Maria de Pádua.
José Maria Pereira.
Leão Magno Azedo.
Manuel Martins Cardoso.
Ramiro Guedes.

Srs. Senadores que aliavam à sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Djalme Martins de Azevedo.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Augusto Cerqueira Coimbra.
António Caetano Macieira Júnior.
António Pires de Carvalho.
António Ribeiro Seixas.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Rovisco Garcia.
Bernardino Luís Machado Guimarães.
Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro.
Elisio Pinto de Almeida e Castro.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
José Afonso Pala.
José Relvas.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Luís Maria Rosette.
Manuel José Fernandes Costa.
Ricardo Pais Gomes.
Sebastião de Magalhães Lima.
Tomás António da Guarda Cabreira,

As 14 horas e 30 minutos, o Sr. Presidente manda proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 34 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada, sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Do Ministério do Fomento, satisfazendo os requerimentos n.ºs 184 e 230 dos Srs. Manuel Goulart de Medeiros e Evaristo de Carvalho.

Para entregar aos interessados.

Serviço da República. — Ex.mo Sr. Presidente do Senado da República Portuguesa. Na Câmara dos Deputados foi há dias votado um projecto de lei apresentado pelo Sr. António Maria da Silva, autorizando o Govêrno a emitir títulos de dívida pública cujo produto será destinado à construção do caminho de ferro de Estremoz por Portalegre a Castelo de Vide, melhoramento de capital importância para esta cidade e que há longos anos ela vem pedindo com todo o interesse e entusiasmo aos poderes públicos.

Devendo, pois, ter transitado para o Senado o referido projecto, venho, em nome da Camara municipal dêste concelho, solicitar de V. Exa. todo o seu valimento, intercedendo com as comissões que tem de dar o seu parecer para o fazerem com toda a urgência, e que logo que os referidos pareceres sejam apresentados, V. Exa. os designe para a ordem do dia, no mais curto prazo de tempo.

A aprovação do projecto, que tanto nos interessa pelo Senado, será um acto de justiça prestado a esta linda cidade alentejana e a gratidão dêste bom povo para com V. Exa. pelos serviços prestados será imorredoura.

Saúde e fraternidade.

Portalegre, em 17 de Abril de 1914. = O Presidente da Comissão Executiva, António Maria de Matos.

Últimas redacções

Foram aprovadas as últimas redacções dos seguintes projectos de lei:

N.° 67-D. — Excluindo das disposições do artigo 29.° da lei de 14 de Julho de

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1913, os funcionários aposentados que, recebendo diversos vencimentos, a totalidade não exceda 360$ annais.

N.° 228-E. — Relativo ao julgado municipal de Bissau.

Requerimento

Tendo o advogado Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro intentado acção crime contra Miguel E. Teixeira de Barros, por êste o ter injuriado, e tendo êste processo transitado para o Ministério da Marinha, em virtude das leis de 6 e 8 de Maio de 1913, requeiro, pelo referido Ministério, me seja fornecida com urgência, cópia das seguintes peças do processo:

1) Participação inicial, fl. 6.

2) Requerimento que motivou a queixa, fl. 7.

3) Contraminuta de agravo, fl. 42.

4) Minuta de agravo, fl. 59.

5) Certidão junta ao processo, fl. 63 e 72 v.

6) Contraminuta de agravo, fl. 74. = Inácio de Magalhães Basto.

Mandou-se expedir.

Telegramas

Funchal, 17, às 15 e 15 m. — Exmo. Presidente Senado, Lisboa. — Fui procurado representantes das duas mais importantes levadas esta ilha, dizendo me acharem justo projecto relativo levadas como foi votado Senado, mas desconhecendo modificações posteriores introduzidas Câmara Deputados pedem suspensão discussão Congresso, a fim de tomarem conhecimento essas emendas e dizerem que se lhes parecer justo. = Governador Civil, substituto.

Para o «Sumário».

Funchal. — Exmo. Presidente Senado, Lisboa. — Projecto relativo levadas Madeira votado há tempos pelo Senado era justo, desconhecendo modificações posteriormente nele introduzidas pela Câmara Deputados. Pedimos, como representantes das duas mais importantes levadas desta ilha alta intervenção V. Exa. suspensão discussão do projecto no Congresso, a fim podermos tomar conhecimento daquelas modificações e dizermos o que julgarmos conveniente a favor da agricultura. = Luís Gomes da Conceição = João Augusto Pereira.

Para o «Sumário».

Do Centro Republicano Radical do Pôrto; da secção n.° 416; do Grémio Lusitano; da Junta de Paróquia das Mercês; da Comissão Distrital Democrática de Viana do Castelo; da secção n.° 366; da redacção do Povo, de Viana; da Junta de Paróquia de Santa Maria Maior, de Viana do Castelo; do Centro Democrático de Vila Rial; da secção n.° 2Í6, do Grémio Lusitano; do Grémio Fraternidade, de Viana do Castelo; da Comissão Municipal Republicana, de Ourique; da secção n.° 260, do Grémio Lusitano; da Junta de Paróquia Civil da Lapa; do Grémio Republicano Federal; da Comissão Paroquial Republicana da Lapa; da 4.ª filial da Associação do Registo Civil, de Portalegre; da secção n.° 359, do Grémio Lusitano; da Junta de Paróquia do Campo Grande; da Comissão Paroquial Republicana da freguesia do Sacramento, Lisboa; da secção n.° 345; da secção n.° 291, do Grémio Lusitano; da secção n.° 362, do Grémio Lusitano; da secção n.° 167, do Grémio Lusitano; da Comissão Política do Partido Republicano, de Vendas Novas; do Grémio Beirão, filial do Grémio Lusitano; sôbre a Lei de Separação do Estado das Igrejas.

Para o «Sumário».

O Sr. Faustino da Fonseca: — Envio o para a mesa o seguinte requerimento, pedindo que me sejam enviados os documentos que pedi na sessão de 15 do corrente, pois careço dêles para a discussão do Orçamento.

Requerimento

Requeiro que, pela Presidência do Ministério, sejam dadas ordens urgentes para a organização da relação relativa a sindicâncias e inquéritos, requerida na sessão de 15 do corrente. = Faustino da Fonseca.

Mandou-se expedir.

O Sr. Nunes da Mata: — Pedi a palavra para rectificar uma frase pronunciada na sessão de ontem pelo ilustre Senador Sr. Afonso Pala.

Disse S. Exa. que na província da Beira Baixa não havia o amor pelas árvores.

E possível que haja ali quem não tenha amor ás arvores, mas, em geral, os beirões dedicam ás árvores simpatia e por vezes mesmo a mais entusiasta dedicação. A oliveira especialmente é geralmente tratada com solicitude e carinho.

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Ao Sr. Sousa da Câmara devo observar tambêm que na América, ao contrário do que S. Exa. afirmou, há um grande respeito pela árvore. E tanto isto é assim que, no parque nacional de Yosemite vally na Califórnia, onde há a célebre mata de welingtónias gigânteas ou sequóias gigânteas com mais de 100 metros de altura, e em que há uma que tem 9 metros de diâmetro no tronco e cujo ramo principal tem um metro de grossura e sai do tronco a uns 60 metros do solo; pois bem, ao ser construída ou aberta uma estrada neste maravilhoso parque, viu-as que ia passar por uma dessas árvores, não sendo possível mudar a directriz da estrada, no nosso país, mesmo agora com a República, deitava-se a árvore a baixo e passava a estrada. Nos Estados Unidos, apesar de no parque haver muitas sequóias gigânteas, outro foi o procedimento e bem diverso: afundaram um pouco mais a estrada, e abriram um túnel por debaixo da arvore, poupando-lhe as raíses, tanto quanto possível.

Em razão de haver assuntos urgentes a tratar, eu não cançarei o Senado com a exposição dos importantes e variados benefícios que a árvore presta ao homem.

Bastará citar que em muitas regiões, por si só, fornece ao homem o sustento e ao aquecimento, e que as suas raízes, segurando os terrenos das encostas dos montes e as suas folhas demorando no seu trajecto as chuvas torrenciais, são o obstáculo mais fácil e mais seguro que o homem pode opor às grandes inundações dos rios e ribeiras. A grande desarborização dos terrenos altos do norte da França foi a causa principal das grandes inundações que ultimamente tem havido no rio Sena, invadindo com as suas águas as ruas de Paris.

Se rialmente se notam, na Beira Baixa e em outras províncias, vastas extensões de terrenos não arborisadas e que podiam estar cobertos de oliveiras e pinheiros, não se atribua únicamente aos donos dêsses terrenos essa falta de arborização, mas sim e especialmente ao dente destruidor dos rebanhos de cabras e aos foges que os pastores deitam em matos que em geral não lhe pertencem.

Disposições há na lei que proíbem êsses abusos em parte, mas essas disposições tem-se reconhecido na prática que são insuficientes. De grande utilidade seria pois que a nossa legislação fôsse ampliada a êste respeito e por modo a evitar os abusos que a êste respeito por todo o país se praticam, com excepção única, talvez, do Minho.

Tenho dito.

O Sr. João de Freitas: — Pedi a palavra para enviar para a mesa um requerimento, pedindo novos documentos pelo Ministério do Interior e Direcção Geral de Saúde Pública.

Desejava tambêm que V. Exa., Sr. Presidente, me informasse se em alguma das sessões da semana passada, a que eu não pude assistir, foram enviados à mesa alguns documentos que eu tivesse pedido e, nomeadamente, a cópia da correspondência trocada entre o Ministério da Justiça e a Direcção Geral de Obras Públicas acêrca das obras efectuadas na Penitenciária.

Já por mais duma vez solicitei êstes documentos, mas, apesar disso, ainda me não foram enviados.

Em mais duma sessão do mês passado eu pedi tambêm autorização ao Ministério da Justiça para poder examinar o processo de inquérito sôbre o serviço dos guardas da Penitenciária.

Peço tambêm a V. Exa. para me dizer se existe na mesa qualquer resposta a êste meu pedido.

O Sr. Presidente: — Não tenho documento algum para V. Exa.

O Orador: — Nesse caso peco a V. Exa. para instar com o Ministério da Justiça no sentido de me serem enviados não só êste documento, como outros a que há pouco me referi.

O meu requerimento é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério do Interior e Direcção Geral de Instrução Pública, me seja fornecida, com a maior urgência, uma nota da reclamação e petição dirigida em 20 de Janeiro de 1913 ao então Sr. Ministro do Interior pelo médico-

1 -chefe do Laboratório de Bacteriologia do Pôrto, respeitantemente ao inquérito sôbre

, os serviços de moléstias infecciosas da

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mesma cidade, e bem assim cópia dos despachos ministeriais de 22 de Janeiro e 2 de Maio de 1913, lançada na dita reclamação e petição.

Requeiro, outrossim, que pelo mesmo Ministério e Direcção Geral me sejam enviados tambêm com urgência:

a) Informação sôbre o motivo porque não prosseguiu no referido inquérito o Dr. Mário Calisto, que foi nomeado para o continuar, depois da demissão da comissão que para o fazer tinha sido nomeada pelo ex-Ministro Dr. Silvestre Falcão;

b) Cópia de qualquer ofício de comunicação em que o Dr. Mário Calisto houvesse pedido escusa dêsse pedido ou alegado impossibilidade de o continuar;

c) Informação sôbre o estado das averiguações feitas pelo Dr. João Elói, que foi nomeado posteriormente, em substituição daquele, para o mesmo serviço, sôbre os motivos porque êste ainda não estava findo, e, finalmente, sôbre se o mencionado Dr. João Elói declinou ou não o encargo de que foi incumbido. = João de Freitas.

O Sr. Goulart de Medeiros: — Pedi a palavra para preguntar ao Sr. Ministro da Marinha o que há com respeito ao contrato de navegação para os Açores.

Por proposta minha apresentada aqui no Senado foi autorizada uma comissão, que devia ser nomeada pelo Sr. Ministro da Marinha, a elaborar as bases para o concurso de navegação para os Açores. Posso afirmar a V. Exa. que o projecto foi feito com o maior cuidado. Não se estranhe que eu fale assim, porque a parte técnica não me pertence. Tive apenas interferência na parte comercial e financeira.

A parte técnica foi estudada pelo meu colega desta casa, jovem oficial da armada mas muito conhecedor dos assuntos da sua especialidade.

Estudou-se e ponderou-se o que havia de melhor no estrangeiro. Estou perfeitamente convencido que nada se pode propor melhor para a navegação para os Açores e América do Norte.

As casas armadoras tiveram os seus representantes nessa comissão, e não fizeram a menor objecção ao projecto. Os seus representantes podiam ter dado a sua opinião, podiam até ter discordado completamente do projecto, podiam ter dito que o subsídio era pequeno em relação aos encargos e nessa altura qualquer modificação poderia ter sido feita nesse sentido.

Mas não se deu isso, não fizeram a menor objecção, o que era um dever de patriotismo.

Nós temos o dever de respeitar a liberdade do comércio, como o direito da propriedade, que está na Constituição, mas êsse direito é garantido pela policia, pelo Poder Judicial, por um conjunto de disposições legais que a sociedade aprovou e por isso tambêm os comerciantes e proprietários tem deveres, pelo menos morais, para com essa sociedade.

Os armadores não senhores do seu dinheiro, do qual só querem dispor com proveito para êles, não lhes contesto êsse direito, mas devem-se lembrar que o exercício da sua profissão lhes é garantido e protegido e até auxiliado pelas leis, á sombra das quais actualmente as empresas de navegação tiram grandes lucros.

Toda a gente sabe que os dirigentes dessas empresas estão cansados, velhos e ricos, e que não querem dar desenvolvimento às suas explorações no sentido moderno e avançado, satisfazendo assim as necessidades dos Açores e do país e fomentando a riqueza nacional, porque isso lhe ia dar novos cuidados, trabalhos e desgostos.

Mas isso não é motivo para nós, Parlamento e Govêrno, nos julgarmos impotentes para resolver o problema. As empresas por contractos particulares continuam t explorando as carreiras dos Açores e África e se tem ocasião de tratarem com o Govêrno a êsse respeito, tambêm podem dizer quais os motivos porque não foram aos concursos.

Se êsses motivos forem só de dinheiro, e devidas às pequenas vantagens que se lhes concede, é o caso do Govêrno propor aumento dos subsídios, mas o que se não pode permitir é que o Govêrno seja forçado pelos negociantes a fazer contratos como êles desejam, prejudicando os interêsses nacionais.

Sei particularmente que a Empresa Insulana se presta a substituir um dos vapores por um vapor melhor, mas não é à empresa que pertence reconhecer as necessidades das ilhas adjacentes e do país; a empresa estuda e desenvolve a sua ex-

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ploração como melhor quiser dentro da lei, mas nós, legisladores, é que sabemos as necessidades públicas a que devemos atender.

É forçoso que pensemos a sério no desenvolvimento da riqueza pública.

É necessário que estabeleçamos uma carreira para a América do Norte. O contrato que existe com a Companhia Francesa está a findar, o que, até certo ponto, é vantajoso, porque essa companhia não cumpriu as cláusulas dêsse contrato.

Insisto, pois, em que as necessidades dos Açores e as do continente impõem um auxílio da parte do Govêrno para a montagem duma carreira entre Lisboa e os Estados Unidos, tocando nos Açores. Se a dificuldade é por causa do subsídio, eu estou certo de que o Sr. Ministro da Marinha não terá dúvida em solicitar do Parlamento que êsse subsídio seja aumentado.

Eu fiz parte da comissão que foi encarregada de elaborar as bases para o estabelecimento duma carreira entre Lisboa e o Brasil, tendo essa comissão chegado à seguinte conclusão:

As carreiras da África e Açores estilo devidamente montadas, dão grandes lucros e por isso justo era que as empresas cujos navios fazem essas carreiras tomassem o encargo de desenvolver a navegação para o Brasil e América do Norte. Formar se-ia assim urna grande empresa que certamente daria incremento à nossa marinha mercante e que poderia mais fácilmente resistir aos conluios das empresas estrangeiras.

Chamo, pois, a atenção de V. Exa. para o assunto, afim de que seja elaborado um projecto que relacione estas carreiras.

Não há dúvida de que, neste como em todos os negócios importantes, o nosso país está nas mãos de meia dúzia de indivíduos poderosos, que talvês não desejem esta solução por lhes convir mais o estado actual dos negócios.

Quási todos são criaturas já cansadas da luta pela vida mas, certamente, terão o patriotismo suficiente para auxiliarem o Govêrno e os interêsses nacionais tornando-se o núcleo duma companhia poderosa que ligue os Estados Unidos da América do Norte o Brasil, a África e os Açores com Lisboa, se lhe assegurarmos que os seus capitais serão absolutamente garantidos.

O Sr. Presidente: — São horas de se passar à segunda parte da ordem do dia; porêm, consulto o Senado sôbre se permite que eu dê a palavra ao Sr. Ministro da Marinha.

Foi concedido.

O Sr. Ministro da Marinha (Augusto Neuparth): — Sr. Presidente: apenas meia dúzia de palavras.

Naturalmente a cláusula do subsídio é a parte mais importante da questão; se a comissão concordar com o aumento de subsidio, eu apresentarei uma proposta ao Parlamento nesse sentido.

Enquanto à segunda parte, acho tambêm vantagem em que as duas companhias unidas explorem a carreira para os Estados Unidos.

Com respeito ao Brasil, está pendente uma proposta do Sr. Ministro das Finanças, e é possível que se possa organizar uma companhia poderosa que explore a carreira do Brasil e dos Açores.

Sr. Presidente: em breves dias espero informar a Câmara do que disserem os armadores acêrca da proposta da comissão.

O orador não reviu.

O Sr. Bernardino Roque: — Sr. Presidente: as considerações que vou fazer e a que se refere a minha interpelação, dizem respeito ao caminho de ferro de Mossâmedes e podem resumir-se em quatro preguntas.

Primeira: Qual o objectivo dêsse caminho de ferro ?

Segunda: Qual o traçado a adoptar para galgar a Serra da Cheia?

Terceira: Onde se há-de ir buscar o dinheiro para a sua construção?

E quarta: Quem é o responsável pelo desvio de cento e tantos contos, gastos com o traçado da cremalheira?

Sr. Presidente: as razões das minhas considerações, umas são remotas e outras são próximas.

As razões remotas são: o muito amor que tenho às colónias e em especial aos distritos de Mossâmedes e da Huíla, onde passei uma grande parte da minha vida, e a minha convicção de que será o planalto onde, como no Brasil, Portugal se poderá expandir de modo a mostrar ao mundo as suas aptidões de povo colonizador. A rã-

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zão próxima é êste ofício da câmara de Mossâmedes, que passo a ler, onde se pede para que eu empregue todos os meus esforços para as obras do caminho de ferro recomeçarem, pois já há muito se encontram paradas.

Leu.

Aqui tem V. Exas. a razão próxima da minha interpelação: satisfazer um pedido da Câmara Municipal de Mossâmedes.

Sr. Presidente: antes de entrar própriamente na primeira parte da minha interpelação, farei uma pequena resenha histórica dêste caminho de ferro, mas muito resumida. E antes permita V. Exa. que eu lhe diga, que nas referências a funcionários públicos, que eu fizer, não me movem contra êles, que não conheço, quaisquer intuitos agressivos.

Sr. Presidente: êste caminho de ferro foi decretado, em 1905, pelo meu amigo e condiscípulo o Sr. Moreira Júnior. Nessa ocasião eu lembrei a S. Exa. a conveniência que havia em adoptar o traçado do Sr. coronel Artur de Paiva pela margem esquerda do Rio Bero, por ser o que oferecia a todos os respeitos maiores vantagens. Vem agora a propósito dizer, Sr. Presidente, que o país ainda está em dívida para com êste oficial, o herói, nunca vencido, das guerras africanas na costa ocidental, e que foi vítima na fôrça da vida da sua dedicação pela pátria que depressa o esqueceu. A Sociedade de Geografia que por vezes tem levantado nos seus escudos, quem desejaria ter metade do valor do coronel Artur de Paiva, ainda se não lembrou de lhe coligir os seus trabalhos, dedicando-lhe uma sessão solene. Já que tam depressa o esqueceram eu, seu companheiro de trabalhos, quero dizer ao primeiro Parlamento republicano que Artur de Paiva foi um benemérito e que lamento o olvido a que foi votado o seu nome, por aqueles que nunca o deviam esquecer.

Pois, foi êste homem, como já disse, o que apresentou um traçado mais viável, por mais rápido, fácil e económico.

Lembrei tambêm então ao Sr. Moreira Júnior a existência duma portela, na Serra da Cheia, ao norte do Bentiaba, apenas conhecida pelos carreiros boers por onde o caminho de ferro poderia fácilmente, e em rampa suave, entrar no planalto.

S. Exa. admirou-se de que eu conhecesse esta portela e que o governador geral lhe não tivesse dado conhecimento dela. E que os governadores gerais, Sr. Presidente, são em regra os últimos a conhecer cortas cousas da província que governam. A verdade é que nem uma nem outra indicação foi tomada em consideração, e, cousa extraordinária, é por essa portela que hoje se pretende fazer passar o caminho de ferro, isto passados nove anos, e depois de se gastarem inutilmente centenas de contos em procurar uma entrada. Êsse Ministro referendou um decreto criando êsse caminho de ferro, e autorizando um empréstimo de 1:500 contos para a sua construção. Êsse caminho de ferro de há muito era exigido não só como via de penetração, mas principalmente para dar vida às colónias do planalto; mas naquele momento o que levou o Ministro à sua criação foi o transporte das forças que teriam de ir ao Cuamato vingar o desastre que ali tiveram as nossas armas. E foi essa a razão porque se lhe arbitrou a bitola de Om,60 com plataforma para lm,067. Diz-se que tal bitola foi um êrro. Não me parece.

Apesar de não ser um técnico, entendo que a bitola de Om,60, então adoptada, deve ser conservada por tornar a construção mais barata e rápida e por satisfazer por emquanto ao tráfego desta linha. Se fôr preciso, mais tarde se alargará.

O objectivo dêste caminho de ferro deve ser a região de Cuangar. Seguir já para o Lubango, Huíla e Chibia; caminhar para o sul, seguindo o Rio Cacolovar, cujas margens já estão mais ou menos povoadas, e dirigir-se pelo Cuamato e Cuanhama até a fronteira alemã.

Eu bem sei que há muita gente, e até homens dalgum valor, que entendem que não deve ser êste o objectivo de tal caminho de ferro; João de Almeida, por exemplo, que foi um dos governadores mais ilustres do planalto da Huila, que publicou um livro que todos os que não conhecem esta região devem consultar. Êste livro, que eu chamarei a Bíblia do planalto sul de Angola, pois é o mais completo que conheço, tem algumas inexactidões, filhas do facto do seu autor se ter socorrido doutros livros, copiando duns os seus erros e alterando, noutros, factos que a observação tinha confirmado. Um exemplo bastará.

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Para a confecção da secção VII — Climatologia e nosologia — do do capítulo I do seu livro, serviu-se o Sr. João de Almeida dum trabalho meu, publicado pela Sociedade de Geografia nos seus Anais, em Julho de 1905. Fê-lo sem indicar a origem onde foi beber, mas de tal modo que em muitos pontos alterou factos que a observação tinha dado, o que o levou a afirmações que não são verdadeiras.

Quem quiser fazer a comparação, verá que não faço afirmações gratuitas.

Diz o Sr. João de Almeida no seu livro que o caminho de ferro não deve seguir até o Humbe, e para justificar êsse modo de ver pregunta; que riquezas tem o Humbe, que justifiquem a ida ali da locomotiva? Eu responderei que as mesmas que outro qualquer ponto de África e mais a sua riqueza pecuária. Só a orisicultura pode fornecer o mercado da metrópole e das colónias. Não falando, está claro, nas razões políticas que nos aconselham a fazer ir êste caminho de ferro através do Cuanhama até a fronteira alemã.

Tambêm a Companhia de Mossâmedes dia num seu relatório, que o caminho de ferro não deve seguir êsse trajecto, dizendo ser o Humbe apenas uma expressão geográfica.

Isto só o pode dizer quem professar um desconhecimento de toda a região sul, ou quem esteja animado de intuitos menos patrióticos.

A verdade é que a região sul de Angola não tem progredido, porque não existe ali a viação acelerada.

Desde que êsse caminho de ferro se conclua, atravessando a região sal que eu indiquei, as causas hão-de mudar de figura. De resto, a importância actual das colónias do planalto exige que não se lhes negue a viação acelerada, mesmo como único meio capaz de as tirar do marasmo em que tem jazido.

Eu não quero estar a cansar o Senado expondo em números as características do seu delicioso clima e o seu valor industrial e comercial; mas posso afirmar com dados scientíficos de observação própria que é um clima salubérrimo, admirável para o desenvolvimento da raça branca, sem perda ou degenerescência das suas qualidades ancestrais; êste trabalho que aqui tenho o prova.

Disse Cameron, referindo-se ao Bailundo no planalto de Benguela, que aquela região era «the glimps of Paradise»; o encanto do paraíso.

Eu não vi, nem creio., nas belezas do paraíso; mas o que posso afirmar a V. Exas. é que o clima do planalto é muito superior ao clima de Lisboa. Para isso bastam estas características — temperatura média 21°, máxima 25°,6 e mínima 10°,6,; humidade relativa 46, tensão do vapor de água 8,4 e evaporação 0,1. Tem uma média no ano de 100 dias de chuva, com uma média de 980 milímetros de água. Isto numa altitude média de 1:700 metros que pode ir até 2:000 metros.

Permitam V. Exas. que eu lhes apresente uns dados populacionais e demográficos dessas colónias, isto para responder àqueles que dizem que tais colónias nada valem, e que foi mal gasto o dinheiro ali empregado pelo Estado. Em 1910 a população das colónias do planalto podia assim classificar-se:

Lubango, 1:712 brancos, 85 de cor e 310 pretos, meio civilizados.

Humpata, respectiva mente, 1:121, 80 e 230.

Huíla, 80, 56 e 200.

Chíbia, 321, 181 e 620.

O que dá um total de 3:234 brancos, 777 de cor e 1:340 pretos, ou seja um total geral de 5:351, com 15 a 20 mil gentios na região limítrofe.,

No Lubango, colónia, mais importante e capital do distrito, num período de 10 anos, de 1900 a 1910, houve 477 nascimentos e 110 óbitos, ou seja por cada óbito 4,3 nascimentos, dando assim uma taxa de natalidade igual a 27,8 e obituária, igual a 6,4 o/oo - Em Lisboa, por exemplo, a taxa da natalidade é igual a 27,6, igual à do Lubango, e a obituária é igual a 25,65, quatro vezes maior do que a do Lubango. Quere dizer, se os números não enganam, que no Lubango se morre 4 vezes menos do que em Lisboa. É simplesmente brilhante. E notem V. Exas. que no planalto há pontos mais saudáveis do que o Lubango, como o platô da Humpata, que tem altitudes superiores a 2:000 metros.

Eu desejaria ainda dizer a V. Exas. qual o rendimento municipal das colónias, sua importação e provável exportação, logo que o caminho de ferro as atinja; limitar-me hei a indicar-lhes uns números que dão a nota da sua riqueza agrícola e pecuária.

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Em 1910 fez-se uma exposição no Lubango de produtos do planalto e nela se averiguou haver nas colónias 45:000 bovídeos: 329 equinos; 242 asininos; 49 muares; 15:400 suínos, sendo 4:400 dêstes de raça superior; 4:400 ovinos, lanígeros Linkoln e Merinos; e 8:000 caprinos. No distrito existem mais de 300:000 bovídeos. Sendo a indústria pecuária o principal ramo da actividade comercial, e a base da riqueza dos brancos e indígenas, não devem admirar os números que acabo de indicar, e maiores seriam êles se os bovídeos não tivessem sido terrivelmente dizimados pela peste bovina, e os cavalos e muares não estivessem sujeitos à enzootia — horse sikness — e a outras mortíferas epizootias.

Quanto à produção agrícola a exposição mostrou ela ser em 1910 de 905 toneladas de trigo; 140 de algodão; 1:260 de batata; 3:240 de batata doce; 20:000 de milho; 14:000 de mandioca; 6:700 quilogramas de centeio; 42:360 de cevada; 623:000 de feijão; 9:000 de fava e 33:000 de ervilha. E não falo na enorme produção de massambala e massango, principal alimento do indígena.

Verificou-se ainda existirem e darem-se admiravelmente no planalto 78 qualidades de fruta, incluindo quási todas as espécies da metrópole.

Pelo pouco que eu acabo de expor, podem V. Exas. fazer uma idea do valor actual das colónias do planalto, e se vale ou não a pena dar-lhe já a viação acelerada. Vale sim, e creio bem que o Sr. Ministro é o primeiro a concordar comigo em que é urgente fazer seguir já o caminho de ferro da Vila Arriaga para o Lubango, modificando já as tarifas existentes. Estas devem variar conforme forem aplicadas a géneros ricos ou pobres, - e conforme os comboios forem, ascendentes ou descendentes. As tarifas não devem visar lucros imediatos e devem evitar êste despautério, de custar mais uma arroba no caminho de ferro do que o seu transporte em carro do Lubango a Mossâmedes.

Das colónias para onde deve seguir o caminho de ferro ? Para leste e para o sul; mas primeiro para o sul, a fim de valorizar a vasta região do Humbe, fazer a ocupação definitiva do Cuamato e Cuanhama e dar saída aos produtos da Damaralândia. Assim procedendo, pode fazer-se a exploração intensiva pecuária e agrícola do Humbe, sob o ponto de vista de produção de arroz e algodão; evita-se a despesa duma expedição militar e valoriza-se o caminho de ferro com o trânsito de mercadorias e produtos alemães. Ouvi falar em que se tentava um caminho de ferro da fronteira alemã para Pôrto Alexandre; creio haver equívoco nesse ponto, porque a região intermédia é puramente estéril, e tal caminho de ferro aproveitaria ,só à Alemanha. Como as notícias da imprensa tem sido nesse ponto contraditórias, eu espero que o Sr. Ministro elucidará o Senado, pois não creio que se vá fazer um caminho de ferro através do nosso território só para servir interêsses alemães. S. Exa. dirá o que há de verdade nessas notícias, tanto mais que à comissão alemã, que seguiu no paquete alemão de 17 do corrente, foram agregados dois distintos oficiais do nosso exército, um dos quais engenheiro experimentado e conhecedor da região sul de Angola.

Parece-me ter já dito que a bitola dêste caminho de ferro deve ser a que êle tem abaixo da serra de Om,60, não só porque é essa a do caminho de ferro alemão, mas ainda porque durante muito tempo o seu tráfego não exigirá ^bitola maior. De resto, no caminho de ferro alemão, apesar da sua reduzida bitola, circulam locomotivas de 33,7 toneladas de seis eixos, com o peso de 6,6 toneladas por eixo; isto em carris de 15 quilogramas por metro.

Como muito bem diz o Sr. engenheiro Navarro, «isto representa o record de locomotivas pesadas em via de Om,60».

^Porque se não há-de dar o mesmo no nosso caminho de ferro, tornando compatível a sua bitola com um tráfego intensivo, se condições económicas da região o exigirem ?

Feito êste caminho de ferro, ou mesmo antes dêle confluído, nada impede que o seu ramo principal siga das colónias para leste, a passar o Cunene na Capelongo, e o Cubángo no rápido Mucolamgongo; e mais tarde siga para a fronteira leste. Segundo, êste traçado, atravessaria regiões altamente férteis e ricas em minério, e ficaria em comunicação com o ramal sul pelos rios Cunene e Cubángo, navegáveis nos regimes máximo e médio das suas águas, depois de devidamente regularizada a sua corrente.

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O Sr. Presidente: — São horas de se passar à ordem do dia.

O Orador: — Mas V. Exa. está a ver a conveniência que há em que eu termine hoje a minha interpelação.

O Sr. Presidente: — Ê o Regimento que manda.

O Orador: — V. Exa. pode consultar o Senado se permite que eu continuio no uso da palavra.

Vozes: — Fale, fale. Consultado o Senado, êste permitiu que o orador falasse.

O Orador: — Agradeço ao Senado, ou melhor, aos Srs. Senadores que permitiram que eu continui no uso da palavra.

O Sr. Brandão de Vasconcelos: — Sim. Eu não fui dêsse parecer.

Sr. Presidente: V. Exa. diz-me, isto é com prejuízo da ordem do dia?

O Sr. Presidente: — Evidentemente.

0 Orador: — Sr. Presidente: passarei agora à segunda parte da minha interpelação.

Há verba para continuar com êste caminho de ferro?

E se não existe, como obtê-la?

Como V. Exa. sabe, a verba de 1:500 contos, autorizada pela lei de 1905, há muito que está esgotada.

O decreto n.° 136 de Setembro do ano passado autoriza, no § 1.° do seu artigo 3.°, que uma parte, não superior a dois terços, do chamado fundo especial do carrinho de ferro de Malange seja empregado na construção dêste caminho de ferro; mas a verdade manda que se diga que o total daquele fundo mal chegará para a construção do caminho de ferro de Malange, quanto mais para a construção dêste de Mossâmedes.

É preciso arranjar uma verba especial e eu não vejo meio de o fazer, senão criando, por uma lei, um fundo especial. Isto, a não ser que o Sr. Ministro queira dar por empreitada a sua construção; mas ainda neste caso é preciso arranjar verba para pagamento e juros, e uma anuidade determinada para amortização do capital.

Espero, pois que o Sr. Ministro me dirá o que pensa a êste respeito.

Vou agora entrar na terceira parte das minhas considerações, isto sôbre qual o traçado a seguir para levar o caminho de ferro, da base da Cheia, onde êle se encontra, até o planalto; isto é, qual o traçado para galgar a serra da Cheia.

Eu, neste ponto, apenas seguirei o critério do mais rápido e do mais económico, abstendo-me de considerações de natureza técnica, para o que me falta a competência, tanto mais que já se está fazendo em Angola questão política dêstes traçados.

A política, ou melhor, a intriga envenena tudo; e isto é um grande mal, sobretudo nas colónias.

Em questões de economia e de interesse local, os dois distritos do sul de Angola devem caminhar de mãos dadas.

Que importa a uns e outros que se adopte êste ou aquele traçado, desde que êle seja o mais económico e de mais rápida execução, seja êle de Pedro, Sancho ou João?

Resolva V. Exa. o pleito o mais depressa possível, porque toda a demora é prejudicial.

Eu não sou da especialidade, como já disse, mas pelo estudo que tenho feito dos trabalhos existentes no Ministério das Colónias, afigura se me que o traçado do engenheiro Artur Torres representa, sob o ponto de vista técnico, um trabalho digno de todos os elogios, e que faz honra ao seu autor; isto alêm de representar um esgotante trabalho físico, a que nem todos seriam capazes de resistir, porque êle é feito quási em plena serra.

O outro traçado é o do engenheiro Valente, que para evitar as dificuldades do macisso da serra a contorna, fazendo penetrar o caminho de ferro no planalto pela portela do Caungue.

Qual dêles é o melhor, isto é, qual o mais barato e que se executa em menos tempo?

Eu não sou técnico, como disse; mas, se me deixar guiar pelos trabalhos que. existem no Ministério das Colónias, e cuja cópia aqui tenho, entre os quais o anteprojecto Valente com os respectivos dados comparativos, chego á conclusão de que merece a preferência o do engenheiro Valente, devendo o do engenheiro Torres ser pôsto de parte, por ser mais moroso e mais caro.

Mas quere isto dizer que eu tenha uma

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orientação definitiva e opinião formada sôbre o assunto, e que o meu modo de ver seja o melhor?

De maneira nenhuma. O que se deve fazer é seguir o traçado mais rápido e barato, quer seja o do engenheiro Torres, quer o do engenheiro Valente; e só competentes o poderão dizer.

Estou certo de que o Sr. Ministro das Colónias tem a sua opinião formada a êste respeito e, por consequência, S. Exa., que é um engenheiro distinto, vai elucidar o Senado sôbre qual o traçado que deve ser adoptado.

Vou agora referir-me à última parte, a mais interessante, da minha interpelação, para a qual peço a atenção do Sr. Ministro das Colónias e a do Senado; quero referir-me às despesas feitas com o traçado, já abandonado, da cremalheira.

A quem compete a responsabilidade do facto de se haver malbaratado mais de 100.000$ dispendidos com êste traçado?

Sr. Presidente, eu vou fazer a história dêsse sonho, para ver se podemos apurar a quem compete essa responsabilidade.

Aprovado o traçado Torres, iniciou-se a respectiva construção, a qual em Junho de 1912 atingia já os primeiros degraus da Cheia. Nessa ocasião o engenheiro Valente que estava dirigindo as obras, soube que mais ao norte existia uma portela, a do Caungue, a que eu já me referi, por onde fácilmente poderia passar o caminho de ferro em rampa suave, atingindo assim o planalto.

Participou o facto à comissão do caminho de ferro e esta, por sua vez, comunicou-o ao governador geral.

0 que fez o Sr. governador?

Mandou parar as obras e muito bem; e ordenou que o engenheiro Valente procedesse aos respectivos estudos, sob a indicação que fizera.

O engenheiro Valente começou êsses trabalhos e continuou com êles até Fevereiro de 1913,

Nessa ocasião o inspector Galvão, indo visitar os trabalhos de construção, lembrou--se de que o traçado do engenheiro Torres poderia ser adoptado, encurtando-o por meio duma cremalheira, que iria do quilómetro 183 ao quilómetro 224.

Quere dizer: aplicou ao caso o critério geométrico, que nem sempre é o melhor,
de que é a recta o caminho mais curto entre dois pontos.

E, nesse sentido, dedicou-se êle próprio a êsse estudo, ordenando que o engenheiro Valente continuasse com os estudos da solução por êle indicada, ordenando tambêm ao condutor Peiroteu que, por sua vez, estudasse o traçado do engenheiro Joaquim Machado pelo Tendenkita, ou pela Leba. As obras continuaram paradas, até que fôsse adoptada uma das três soluções, o que só se deveria fazer depois de cada um dos três apresentar o seu relatório.

Pois não se fez assim.

O primeiro a apresentar o resultado do seu trabalho, opinando pela cremalheira, foi o engenheiro Galvão; e é aqui que começa a gravidade da questão.

O Sr. governador geral, e quando digo o governador geral, digo tambêm o Sr. engenheiro Galvão, cujas responsabilidades dificilmente poderão ser separadas, sem esperar pelos resultados dos trabalhos dos outros dois, repito, resolveu que a melhor solução era a da cramalheira. Ordena então, a continuação dos trabalhos nesse sentido e manda ao Ministro o seguinte telegrama:

Loanda, 22 Março 1913. — Acabo receber telegrama inspector obras públicas dizendo ter encontrado magnifica solução subida Cheia cramalheira desenvolvimento 6 quilómetros, inclinação máxima 25 por cento substituindo traçado Torres com economia 33 quilómetros ligando traçado 8 quilómetros, ligando quilómetro 183 a 224. Diz ser alto benefício passageiro recovagens concluir já linha até quilómetro 182. Dou hoje ordem telegráfica êste sentido. Mesmo inspector pensa com 400 contos pode pôr caminho ferro Lubango fins 1914. Peço V. Exa. inscrição essa verba próximo orçamento despesa extraordinária como proporei. Felicito V. Exa. resultado obtido. = Governador,

Quere dizer: na só o inspector como o Sr. governador praticaram a leviandade de resolver o caso por uma das três hipóteses, sem esperar pela solução dos outros dois engenheiros.

Era natural, desde que o Inspector e o Governador Geral se pronunciaram por uma das hipóteses, a subida da serra por meio

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de cremalheira, natural era, digo, que ordenassem ao engenheiro Valente a suspensão dos seus estudos, por desnecessários; mas não aconteceu assim, e ainda bem, e êsses estudos continuaram. Adiante.

Tal era a pressa da cremalheira, que a 16 de Junho o mesmo governador geral enviava o seguinte telegrama:

«Trabalhos construção caminho de ferro Mossâmedes devem estar Agosto quilómetro 182. Urgente adquirir cremalheira para não haver interrupção trabalhos».

Eu, nessa ocasião, soube que se pretendia comprar uma cremalheira já enferrujada, só boa para sucata, para êsse caminho de ferro. Protestei aqui, no Senado, contra tal compra, e creio que foi devido a isso que a cremalheira não foi adquirida.

Mais: na sessão de 22 de Junho de 1913, o ex-Ministro das Colónias foi avisado por mim do inconveniente que havia em se continuar com êsses trabalhos, para o traçado da cremalheira.

Vou ler ao Senado o que então disse:

«Pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão, por nessa ocasião estar presente o Sr. Ministro das Colónias.

Já há dias tinha chamado a atenção de S. Exa., como consta do Sumário, para as preguntas que novamente lhe vou fazer e sôbre as quais desejava resposta pronta.

V. Exa. sabe que no caminho de ferro de Mossâmedes já se gastaram perto de 2.000 contos, quando o que está feito não vale sequer 1.000 contos, tudo devido a ordens precipitadas e inconvenientes, mudança de pessoal, trabalhos mal dirigidos, etc. É uma barafunda onde ninguêm se entende.

Vou contar a V. Exa. o que me afirmaram, positiva e terminantemente, pessoas da máxima confiança, e por aí verá S. Exa. a desorientação que está presidindo na direcção dêste caminho de ferro V Exa., sabe que os trabalhos estavam feitos até o: quilómetro 172 e as terraplanagens estavam concluídas até o quilómetro 182, já na Chela

Para continuar com os trabalhos tinha de adoptar-se um dos caminhos— ou o traçado do engenheiro Torres, mas com 3 quilómetros de cremalheira, — ou abandonar êste traçado e seguir para diante e procurar outra solução já apontada, que consiste em a linha contornar um certo morro mais ao norte, entrando por aí no planalto em subida suave, diz-se.

O engenheiro inspector ordenou que comissões se encarregassem de estudar a questão, procurando a solução melhor. Até aqui muito bem. Infelizmente o disparate não se fez esperar. Como a comissão encarregada de estudar a solução por meio de cremalheira apresentasse primeiro o resultado do seu estudo, adoptando-a o inspector, sem esperar os trabalhos das outras comissões para os comparar.

O inspector participou ao governador geral que achava óptima a solução por meio da cremalheira e êste último ordenou que principiassem os trabalhos em harmonia com o parecer daquela comissão.

Ora, Sr. Presidente, não há dúvida que esta resolução foi um pouco precipitada, por isso que, tendo sido nomeadas três brigadas para, sôbre êste assunto, apresentarem a sua opinião, depois de o haverem estudado convenientemente, devia-se ter esperado pelo resultado dos trabalhos de todas elas, a fim de só então se tomarem deliberações, adoptando a melhor.

Sei tambêm, Sr. Presidente, que êste assunto está sendo estudado por uma comissão competente, no Ministério das Colónias, e é por isso que os trabalhos deviam ser suspensos até que essa comissão apresentasse o seu parecer; doutra forma arriscamo-nos a, gastar muito dinheiro sem proveito, visto que esta comissão pode não adoptar a cremalheira.

Com as obras realizadas já se despenderam 2:000 contos de réis, quando é certo, repito, que o que está feito não vale mais de 1:000 contos de réis; não vamos, pois, inutilmente tornar êste caminho de ferro ainda mais caro.

Sr. Presidente e Srs. Senadores: brada aos céus o que se tem dado com êste caminho de ferro, visto que muitas vezes o seu traçado não tem seguido a linha que devia seguir, simplesmente porque interêsses de ordem particular a isso se opuseram. É por isso que êle está caríssimo. Pois para não o tornar mais caro é que eu venho pedir ao Sr. Ministro das Colónias para dar ordem de suspensão aos trabalhos até a comissão do Ministério das Colónias dar o seu parecer, visto que se esta

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comissão fôr contrária à cremalheira, terão de ser abandonadas as obras que se estão fazendo.

O Sr. Ministro das Colónias (Almeida Ribeiro): — Pedi a palavra, Sr. Presidente, para declarar a V. Exa. e ao Senado que presto realmente a maior atenção ao assunto a que acaba de referir-se o Sr. Senador Bernardino Roque, desejando, como S. Exa., que a reconstrução da linha siga o mais rapidamente possível.

Evidentemente, o processo da cremalheira é pouco simpático, mas êsse meio de resolver dificuldades é por vezes empregado na África do Sul.

O caso está afecto a uma comissão técnica, a qual com brevidade apresentará o seu parecer.

O Sr. Bernardino Roque: — Nesse caso, o governador geral andou mal em mandar continuar os trabalhos.

O Orador: — Já não há oportunidade para mandar cessar trabalhos alguns, visto que o parecer da comissão a que o assunto está entregue deve ser dado por êstes dias.

O Sr. Bernardino Roque: — Suponha V. Exa. que o parecer da comissão é contrário á idea da cremalheira. Se assim for, o dinheiro que se está gastando será todo deitado à rua».

Aqui tem V. Exas. como eu avisei o Sr. Ministro das Colónias da inconveniência de se continuarem êsses trabalhos. S. Exa. fez ouvidos de mercador, como quási sempre fazia com respeito a qualquer indicação sôbre as colónias feita pelo Senado.

Pois fez mal porque, como V. Exas. verão, se S. Exa. tivesse tomado em consideração o meu aviso não teriam sido gastos inutilmente cento e tantos contos.

Pelos telegramas já lidos se vê que foi o Governador de Angola que ordenou a continuação dos trabalhos por indicação do inspector Galvão. A êles pois pertence a responsabilidade do dinheiro gasto com as obras do começo da cremalheira, visto que ordenaram êsses trabalhos sem esperar pelo parecer do Conselho Técnico das Obras Públicas, para o qual enviaram o respectivo ante-projecto.

Êsse ante-projecto foi presente á 4.ª Repartição da Direcção Geral das Colónias em 19 de Maio, que o reprovou, e foi presente à Comissão Superior Técnica de Obras Públicas das Colónias em 8 de Julho. Esta Comissão termina o seu parecer dêste modo:

Esta Comissão Técnica é, pois, de parecer que não deve ser aprovado o ante-projecto de cremalheira agora submetido á sua apreciação, e que convêm persistir nos estudos já encetados das demais soluções, que o problema em questão comporta. Ó Govêrno da República resolverá, porêm, como fôr mais conveniente».

Êste parecer é muito bem justificado. Dois factos importantes consigna êste parecer: o primeiro é que para rampas de 20 por cento, que teria a cremalheira, não se constroem por emquanto máquinas com poder suficiente para arrastarem um peso superior a 00 por cento do seu próprio peso, o que, só por si, condena a cremalheira; e que, empregando as máquinas actuais, teria de haver dois trasbordos, o que o próprio engenheiro Galvão, autor do ante-projecto, condena. O outro facto que o parecer consigna é que, alêm do traçado do engenheiro Torres, que podia ser adoptado com modificações, havia outro pelo Caungue do engenheiro Valente, que o próprio engenheiro Galvão no seu relatório diz estar adiantado.

Isto é importante, e não foi desconhecido pelo governador geral, visto que o Ministro, em despacho, ordenou — «que o parecer, por cópia, fôsse enviado ao governador geral, comunicando-lhe logo (10 de Julho de 1913), telegráficamente, um ex-tracto da sua parte essencial».

O Ministro, depois do parecer da comissão, só tinha um caminho a seguir: ordenar a suspensão das obras da cremalheira, visto que me respondera em 22 de Junho, quando lhe pedia para mandar parar as obras—«que o melhor era esperar o parecer da Comissão».

Pois o Ministro não mandou parar as obras, apesar do parecer, e vejam V. Exas. o caso que o Ministro fez da opinião dum Conselho Superior.

Não admira, pois, que o seu delegado fizesse o mesmo, como realmente fez. Pois, Sr. Presidente, ainda era tempo de o fa-

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zer; mas, infelizmente para Angola, se à frente da pasta das Colónias estava um teimoso ou caprichoso, quem estava à frente da província não o era menos; e digo infelizmente porque foi ela que pagou êsses caprichos e teimas.

Em 14 de Julho o Ministro, pois, enviou em telegrama ao governador a opinião da Comissão Técnica. É concebido nos seguintes termos:

«Não aprovado projecto cremalheira Quilemba peço concluir rapidamente estudos Caholo e Tenderiquita. Segue parecer comissão».

A êsse telegrama e ao parecer da Comissão Técnica, que chegou a Loanda em Agosto, que respondeu o Sr. Norton de Matos? Mandou parar os trabalhos da cremalheira? Era essa a sua obrigação, visto que tinha de respeitar a opinião da Comissão Superior de Obras Públicas das Colónias; mas não o fez e pasmem V. Exas. da sua ousadia. A resposta consta dêste telegrama para o Ministro das Colónias:

«Loanda, 8 de Outubro de 1913. — Aberto exploração troço caminho ferro Mossâmedes até quilómetro 176. Peço V. Exa. urgência resolução directriz prolongamento. Salvo devido respeito opinião técnicos continuo convencido traçado cremalheira perfeitamente possível viável e o melhor rápido desenvolvimento planalto Huila. Peço dizer quando posso contar material Koppel para Golungc. = Governador».

Quer dizer que S. Exa., respeitando a Sciência dos técnicos da Comissão Superior reconhece ser a sua superior à dêles e resolve continuar com a cremalheira: e quere dizer que o Ministro, acatando a resolução do seu delegado, se tornou solidário com êle nas responsabilidades de tal solução. Eu bem sei, Sr. Presidente, que na África muitas vezes temos, por necessidade impreterível, de adoptar pontos de vista diferentes, que só quem lá está poder ter; mas não é êste o caso presente. Mas admitindo a resolução do Sr. Norton de Matos, o que não pode contestar-se, depois de tal telegrama, é que: ou havia de levar até ao fim a solução cremalheira, ou no caso de mais tarde reconhecer os inconvenientes dela como aconteceu, pagar do seu bolso os gastos feitos inutilmente, e filhos do seu capricho. Sim, Sr. Presidente, eu admito que um funcionário público tenha caprichos, veleidades, prosapias e mais qualidades se quiserem; mas com a condição de pagar os prejuízos que para o Estado vierem, filhos da sua atitude. E no caso presente o Sr. Governador Geral é o principal culpado do gasto diário de 400 e tantos escudos, que é quanto custaram as obras desde que S. Exa. recebeu o telegrama participando-lhe a opinião da Comissão Superior, condenando a cremalheira. E essa despesa ascende meus senhores, a cento e tantos contos de réis, nada menos.

Eu disse Sr. Presidente, que o Sr. Governador Geral era o principal culpado, porque o próprio engenheiro Galvão, autor do projecto cremalheira, logo que soube que a Comissão Superior era contra ela tratou de tomar as medidas necessárias, para que de futuro não lhe fossem exigidas as responsabilidades pelas obras que tam improficuamente continuavam. Isto consta do oficio dêste engenheiro que eu vou ler ao Senado. Neste ofício, o engenheiro Galvão sacode de si as responsabilidades e afirma um facto grave, que é falso, e é que o Governador Geral lhe telegrafara dizendo-lhe que de Lisboa tinham ordenado a continuação das obras, que êste engenheiro mandara parar, logo que teve conhecimento do parecer da Comissão Superior. Ora, meus senhores, isso é falso; isto é, do Ministério das Colónias não foi ordem alguma para êsses trabalhos continuarem; isso mesmo se me diz neste ofício que acabo de receber e que vou ler ao Senado:

Exmo. Sr. — Em referência ao ofício de V. Exa. n.° 232 de 3 do corrente mês, e para conhecimento do Sr. Senador António Bernardino Roque, tenho a honra de comunicar que por êste Ministério não foi ordenada ao Governador de Angola a continuação das obras do caminho de ferro de Mossâmedes até ao quilómetro 183, motivo por que não pode ser satisfeito o pedido daquele Sr. Senador.

Saúde e Fraternidade.

Ministério das Colónias, em 18 de Abril de 1914. — Exa. Sr. Secretário do Senado. = Alfredo Augusto Lisboa de Lima.

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Mas não antecipando, Sr. Presidente, é melhor ler ao Senado o ofício do engenheiro inspector, que é um documento precioso.

Eu leio.

Inspecção de Obras Públicas — N.° 3/60 — Série de 1913. — Ex.mo Sr. — Tenho a honra de remeter a V. Exa. duas colecções dos estudos, agora mesmo recebidas do caminho de ferro de Mossâmedes, feitos pelo Sr. engenheiro Valente entre o quilómetro 174 da actual linha férrea, e o alto da Tunda pela portela de Cahungue. — Remeto tambêm a V. Exa. o reconhecimento do conductor Peyreteu feito pela Bibala e Humpata, através da portela do Tchoi por onde em 1889 o Sr. General Joaquim José Machado conduziu os estudos do mesmo caminho de ferro. Êstes estudos foram feitos em harmonia com o plano que esbocei no meu relatório de Inspecção àquela linha «Relatório duma inspecção ao Caminho de Ferro de Mossâmedes — Fevereiro de 1913 — Sôbre êles nada direi. Os ilustrados Conselhos que de Lisboa tem orientado e continuam orientando a construção dêste caminho de ferro, tem agora, em meu entender, à sua disposição elementos que bastam para assentar numa resolução definitiva. Esta resolução reputo-a urgentíssima. Para o comprovar limitar-me-hei a repetir aqui o que acêrca dum mês disse a S. Exa. o Governador, Geral; e é que se estão gastando na construção, para alêm de Vila Arriaga, bastantes contos de réis por mês, sem se saber se tal dispêndio é ou não em pura perda. — Para mim, não quero glórias, mas tambêm não quero responsabilidades. — No meu relatório acima citado disse eu o seguinte: «a não ser possível a subida da Quilemba por meio duma cremalheira, o trabalho de construção mais importante que já se fez para alêm da Vila Arriaga e que vai do quilómetro 175 ao 182, tem de ser provavelmente abandonado. E êsse abandono representa já um prejuízo superior a 100:000^000 de réis. — Por isso mandei parar os trabalhos e deliniei o plano de estudos a fazer para esgotar o assunto antes que se recomeçasse com a construção. — Eu mesmo tomei conta duma brigada e logo que concluí os estudos informei telegrá6camente dos resultados. — Em resposta recebi um telegrama dizendo-me que de Lisboa mandavam continuar com a construção até o quilómetro 183; e eu, pensando que o meu relatório, já atraz referido, tinha sido tomado em consideração, concluí que em Lisboa se achava viável a solução da cremalheira. — O telegrama que meses depois me era enviado, quando eu me encontrava novamente no sul em inspecção, provou-me que eu estava enganado. A solução cremalheira não era aprovada (telegrama de 16 de Julho de 1913). — Nestas condições, e em harmonia com a minha orientação anterior telegrafei a S. Exa. o Governador dizendo que julgava absolutamente indispensável ir a Lisboa solucionar êste e outros assuntos. E declarei-lhe que declinava a responsabilidade pelo dispêndio de dinheiro que sé estava fazendo na construção, não tendo mandado parar imediatamente com os trabalhos pelos desastrados efeitos políticos de tal medida e pela perturbação económica que tal facto iria ocasionar. Entretanto telegrafei aos senhores governadores dos distritos pedindo-lhes a suspensão de remessa de trabalhadores. — Regressei apressadamente a Loanda afim de conferenciar com S. Exa. o Governador Geral, o qual me comunicou que o Ministério não concordava com a minha ida a Lisboa por causa da muita despesa que isso acarretava. — Acatando, como me cumpria, tal resolução, ponderei apenas o que aqui consigno, para conhecimento de V. Exa., e é que se estão gastando nos trabalhos entre o quilómetro 175.° e 183.°, diariamente, talvez para cima de 400$000 réis. E êsse dispêndio pode ser em pura perda. — Com efeito dizia eu já em Fevereiro de 1913 «a não ser possível a subida da Quilemba, por meio duma cremalheira, o trabalho de construção mais importante que já se fez para alêm de Vila Arriaga, e que é o que vai do quilómetro 175 ao 183 tem de ser provavelmente abandonado. E êsse abandono representa já um prejuízo superior a 100:0000000 de réis.

Saúde e Fraternidade.

Inspecção das Obras Publicas de Loanda, 18 de Agosto de 1913 — Ex.mo Sr. Chefe da 4.ª Repartição da Direcção Geral das Colónias. — O engenheiro inspector, A Galvão.

Dêste ofício se depreende: primeiro, que o engenheiro Galvão antes de 18 de Julho,

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isto é, já quando o governador geral sabia por telegrama a opinião do Conselho Técnico, lhe disse que as obras se estavam fazendo eram uma pura perda, visto que teriam de ser abandonadas, e que por isso as mandara parar; segundo, que o governador ordenara a continuação das obras, invocando ordens recebidas de Lisboa, o que é falso; terceiro, que declina & responsabilidade dos gastos feitos; e, quarto, que afirma que, como]as obras continuavam (á data do ofício) se estavam gastando 400$ diários em pura perda — palavras textuais.

A cremalheira não foi adoptada e agora pregunto eu quem assume a responsabilidade dêste desperdício de dinheiro?

A província de Angola, Sr. Presidente, não é tam rica, nem está em condições financeiras tais que possa, por capricho dos seus funcionários, estar assim a esbanjar dinheiro.

Quem é que resolveu continuar as obras?

Afirma o engenheiro Galvão que o governador geral lhe telegrafara, que daqui do Ministério fora essa ordem.

Ora, aqui, dizem que não.

Veremos o que V. Exa. diz a êste respeito, que eu reputo muito grave.

Eu, Sr. Presidente, por várias vezes censurei o ex-Ministro das Colónias por actos de administração das colónias, que eu reputo maus, e que produziram uma acção deletéria nas mesmas colónias e até dentro do próprio Ministério; mas creio bem, e nesse ponto sou o primeiro a fazer-lhe justiça, que S. Exa. é incapaz de enjeitar qualquer parcela de responsabilidade nas medidas por êle mandadas executar, e muito menos sonegar um telegrama. Averigúe-se, pois, de tal acto, que eu julgo criminoso.

E preciso saber a quem compete a responsabilidade de tal ordem.

Continuaram, pois, as obras para o traçado cremalheira, por puro alvedrio do governador geral, sancionada pelo Ministro que em telegrama lhe entregara a solução do caso, conforme se depreende do telegrama seguinte:

«11 de Outubro de 1913 — Governador, Loanda. — Respondendo telegrama 8 corrente, segue com ofício 25 de Setembro informação repartição e autorização V. Exa. resolver assunto consoante interêsses colónia e melhor aproveitamento dinheiros publico Contrato material Golungo demorado formalidades deve ser assinado próxima semana fornecimento será remetido Fevereiro próximo».

Entretanto, como V. Exas. vêem, o Ministro, á cautela, diz: «que o governador resolva o caso conforme interêsses da colónia e melhor aproveitamento dinheiros públicos».

V. Exas. vão ver como é que o Sr. Norton de Matos aproveitou os dinheiros públicos.

Levou avante a cremalheira?

Êste telegrama, de 7 de Marco último, responde:

Baseado informação inspector obras públicas, são opinião melhor traçado é do engenheiro Valente. Julgo máxima conveniência aprová-lo por decreto para acabar relutâncias entre técnicos, que tanto tem atrasado marcha aquele caminho de ferro. Pondo como sempre acima interêsses país, meu desejo é caminho de ferro avance mais rapidamente possível, neste sentido patrocinei cremalheira, apoiado informação inspector obras públicas, que Março 1913 me declarou que com ela a despesa 400 contos caminho de ferro Lubango fins presente ano. = Governador ».

E de pasmar!

O governador geral, depois de despresar a opinião da Repartição e do Conselho Superior de Obras Públicas das Colónias, onde pontificam homens de reconhecido mérito e encanecidos no serviço das colónias; depois de desprezar as sensatas palavras do inspector Galvão, não querendo responsabilidades, S. Exa. não só pode de parte a cremalheira e adopta o traçado do engenheiro Valente, mas mais extraordinário ainda, atira, e agora injustamente, as responsabilidade;? para cima do engenheiro Galvão!

Eu não o acreditaria senão o visse, êste telegrama!

Pois é verdade, o Sr. governador patrocinou a cremalheira, porque o Sr. inspector das obras públicas Galvão, em Março de 1913, o informou da sua conveniência, segundo reza o telegrama.

Simplesmente lamentável.

S. Exa. ao fazer êste telegrama nem se

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lembrou que o inspector Galvão lhe indicara a inconveniência de tais obras depois, em Agosto do mesmo ano; S. Exa. esqueceu-se ao expedir êste telegrama que o Inspector Galvão, se continuou com as obras, é porque S. Exa. lho ordenou; e S. Exa. esquece-se que devia ter lido nos Diários ou Sumários das Sessões que essa questão foi aqui tratada no Senado, clamando-se que se estava deitando dinheiro à rua. E que eu já sabia que a portela do Caungue era a melhor solução, pois já a tinha indicado ao Sr. Moreira Júnior, depois dêle decretar êste caminho de ferro, indicação que me fora fornecida pelos Boers no tempo que com êles convivi.

E lança agora o Sr. Governador a responsabilidade sôbre o seu subordinado Galvão.

É o jôgo do empurra, Sr. Presidente.

O Ministro entrega o caso ao governador; êste atira a responsabilidade para cima do Inspector e êste para cima do Governador. E o que fará V. Exa. Sr. Ministro? Deixará passar o caso em julgado? Não o creio, para honra da República.

Mas Sr. Presidente há uma parte neste telegrama que é realmente engraçada; é quando o governador pede que o traçado do engenheiro Valente seja aprovado por decreto.

Porque será? S. Exa. diz que é para acabar com relutância entre técnicos. Quais? os de lá? não creio, porque S. Exa. foi ultimamente contra a opinião do engenheiro Galvão, que queria parar com as obras. Serão os de cá ? tambêm não, porque S. Exa. não respeitou a opinião dêles, e até fez o contrário. £ Então porque seria tal pedido? Provavelmente para S. Exa. não se tentar de novo a fazer o contrário do que os técnicos indicarem, porque reconhece, mas já tarde, o quanto a sua teimosia foi prejudicial ao país.

Mas Sr. Presidente, porque seria, que o Sr. Norton de Matos mudou de opinião, sacrificando a cremalheira ao traçado Valente?

Creio que a razão está no seguinte: Disseram-me, ou eu vi escrito algures, que S. Exa., abalado pelas razões contra a cremalheira, e vendo as suas grandes responsabilidades no caso, recorrera aos engenheiros estrangeiros para ver se neles encontrava o apoio, que os técnicos portugueses lhe não davam.

E assim recorrera aos engenheiros ingleses do construtor Pauling, do Caminho de Ferro do Lobito. Pois bem êsse técnico estrangeiro não só condenou a cremalheira, por inexequível, com a inclinação que se lhe queria dar; mas diz-se até que empregara uma frase pouco delicada para os engenheiros portugueses; dissera parecer impossível que houvesse engenheiros que se lembrassem de tal. E isto que me afirmaram.

Foi assim? Não sei, mas a verdade é que o último gesto do Sr. Norton dê Matos bem pode explicar o abandono da cremalheira, para cuja conclusão S. Exa. tanto teimou, indo até o ponto de não respeitar a opinião da Comissão Superior de Obras Públicas das Colónias, cujo relator foi, creio, o Sr. engenheiro Joaquim Machado.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que a solução cremalheira tem já sido adoptada noutros caminhos de ferro.

Evidentemente, esta solução era uma solução como outra qualquer; mas temporária, não era definitiva, o que já é importante.

Na África do Sul adoptou-se muito a cremalheira e até ela se empregou no caminho de ferro do Lobito; mas muitas já foram substituídas, e creio que a do Lobito, ou já o foi, ou está para ser substituída, e isto por ela representar uma solução que não é definitiva, e porque representa sempre um entrave ao tráfego, quando êle toma um certo desenvolvimento.

E, Sr. Presidente, aqui tem V. Exa. a questão cremalheira rapidamente exposta. Qual a conclusão ? E que se gastaram cento e tantos mil escudos e ninguêm quere tomar a responsabilidade deles.

É preciso saber-se de quem ela é, e exigir-se essa responsabilidade.

Não há lei de responsabilidade ministerial, bem sei, e é uma vergonha até para a República que ela não exista, tanto os republicanos se esfalfaram a preconizá-la durante a propaganda; devia ter sido a primeira cousa que se devia ter feito; mas se ela não existe, há a lei de responsabilidade dos funcionários públicos, que os obriga a responder pelos seus actos, quando se não conformarem com a opinião dos superiores, fazendo o contrário.

Portanto, a responsabilidade a quem compita.

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O Sr. Ministro das Colónias tem obrigação cê mandar saber quem é o responsável pelos prejuízos que eu indiquei, e creio bem que S. Exa. o fará, tanto mais que me consta que S. Exa. quere mandar adoptar o traçado do engenheiro Valente.

E para isto que chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias e vou terminar as minhas considerações com as seguintes preguntas:

1.ª Qual o traçado definitivo, escolhido para levar o caminho de ferro ao planalto de Mossâmedes?

2.ª Concorda o Sr. Ministro em que, chegado ao planalto, o caminho de ferro siga para o Lubango, Huíla, Chíbia e seguindo o vale de Cacolovar, se dirija à fronteira alemã a entroncar com o de Otavi?

3.ª Sendo assim, tenciona o Govêrno entender-se com o governo alemão?

4.ª Tenciona o Sr. Ministro mandar construir êste caminho de ferro por empreitada ou por administração? E nesta última hipótese tenciona apresentar ao Congresso um projecto de lei criando um fundo especial para essa construção?

5.ª Está o Sr. Ministro disposto a nomear uma comissão que inquira a quem compete a responsabilidade do prejuízo para o Estado de mais de 100.000-), gastos improficuamente neste caminho de ferro, por incúria, incompetência ou abuso do poder, com a hipótese cremalheira para a subida da Cheia?

Estas são as preguntas em que se resumem todas as considerações crie eu acabo de fazer.

Creio que o Sr. Ministro das Colónias vai elucidar o Senado, não só sôbre qual o traçado a adoptar, mas saber a quem compete a responsabilidade da péssima direcção dos dinheiros do Estado, que tam mal administrados foram.

Tenho dito.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Sr. Presidente: se o acaso não fisesse com que eu fôsse engenheiro, ver--me hia embaraçado para responder a algumas das considerações, do Sr. Bernardino Roque, porque por vezes desceram elas aos menores detalhes técnicos. Mais parecia que era um engenheiro que falava do que um médico como o ilustre Senador.

Sr. Presidente: vou procurar ser breve no que tenho a dizer. A muitas das considerações que S. Exa. fez, se eu tivesse que falar apenas para o ilustre Senador e não para a Câmara, bastaria responder que estava de acôrdo com elas, tanto elas representam realmente o meu modo de ver.

Em relação a outras das considerações de S. Exa., não poderei dizer o mesmo, porque não estou de acôrdo com elas.

Há uma certa confusão da parte de S. Exa. em alguns dos assuntos que abordou na sua interpelação, confusão que o levou a formular juízos que não são realmente exactos; mas, para dar uma certa ordem ao que tenho a dizer, começo por responder às primeiras preguntas que S. Exa. me dirigiu.

Perguntou S. Exa. qual o traçado definitivo, escolhido para o caminho de ferro de Mossâmedes. S. Exa. decerto quer que eu diga se já tenho opinião assente sôbre qual deve ser o traçado das nervuras principais da rede ferroviária do sul de Angola que tenha por testa marítima o pôrto de Mossâmedes.

Sôbre tal assunto responderei que justamente para se colherem dados precisos e concretos que interessam profundamente à fixação do traçado daquela rede ferroviária, é que eu vou nomear em breves dias uma comissão que irá localmente estudar êste importante assunto.

Direi apenas ser minha opinião que de Mossâmedes deve partir uma linha férrea que vá até a fronteira de leste e uma outra que se dirija à fronteira do sul.

Deseja ainda S. Exa. saber qual deve ser no meu modo de ver o objectivo dos caminhos de ferro de Mossâmedes. Êsse objectivo é promover o desenvolvimento de toda a região de Angola ao sul do paralelo 14 e facilitar às colónias estrangeiras limítrofes de tal região o seu desenvolvimento e progresso, criando-lhes vias de comunicação rápidas e económicas para o mar pelo pôrto de Mossâmedes.

E assim duplo o objectivo dos caminhos de ferro de Mossâmedes, um regional, outro de carácter internacional.

Eu julgo que muitas das censuras que S. Exa. dirigia às autoridades da província de Angola, e até ao meu antecessor na pasta das Colónias, era relação ao proceder havido, quanto às soluções tentadas

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para se vencer com o caminho de ferro o degrau da Cheia não são justas, porque a culpa do que se tem passado acêrca do caminho de ferro de Mossâmedes e a que S. Exa. se referiu é talvez de muitos e talvez não seja de facto de ninguêm.

Êste caminho de ferro, Sr. Presidente, foi iniciado com um fim exclusivamente militar. Tratava-se em 1904 de combater os cuanhamas e cuamatas, e era para isto preciso facilitar o avanço das nossas tropas desde Mossâmedes para os planaltos, contra aqueles gentios rebeldes.

Foi um caminho de ferro começado a construir sem estudos e quási sem qualquer outro fim determinado, a não ser o fim militar a que já me referi.

Foi assim, Sr. Presidente, que se iniciou a construção do caminho de ferro de Mossâmedes e que rapidamente se desejava ver construído outra vez da zona marginal daquela parte de Angola, onde a falta de água muito difícil e penosa tornava a marcha de tropas.

Liquidada a campanha que fora a causa determinante do início da construção do caminho de ferro de Mossâmedes, afrouxou o empenho em o fazer avançar e o de deter os recursos indispensáveis ao seu rápido avanço.

E embora desde logo se compreendesse a grande conveniência, eu antes a imprescindível necessidade de se utilizar o caminho de ferro de Mossâmedes no desenvolvimento económico da região, certo é que não se tratando de o dotar dos fundos indispensáveis, a construção se tem arrastado durante anos e anos, estando nove anos decorridos no quilómetro 180 ou pouco mais.

Êste caminho de ferro não pode continuar a ser construído por forma assim, lenta e demorada, porque a verdade é que não só o desenvolvimento das férteis regiões do planalto está dependendo do seu rápido avanço e ao desenvolvimento das colónias estrangeiras limítrofes êsse avanço muito interessa, mas porque a utilização dos 180 quilómetros actuais é quási nula emquanto o caminho de ferro não atingir a região dos planaltos, saindo da zona marginal estéril.

^E porque não saiu ainda tal caminho de ferro da base da Cheia, internando-se tanto para leste como para o sul?

É que não basta apenas a boa vontade de quem tenha de intervir em tal assunto para evitar que esta construção se arrastasse pela forma de todos conhecida.

V. Exa. sabe, Sr. Presidente, que a província de Angola não tem tido ao seu dispor dinheiro para as avultadas despesas que uma construção destas exige e isso basta para explicar a situação.

O momento histórico actual obriga-nos a tomar, porêm, em relação não só ao sul de Angola, mas em relação a toda a província, obriga-nos a tomar, repito, na administração daquela província, uma orientação muito diversa da que tem sido a seguida até hoje.

É preciso resolver o problema financeiro e económico da província de Angola por forma a fazer terminar o regime de expedientes até agora para isso adoptados.

É preciso enveredar por medidas muito mais rasgadas, que sejam solução dêsse problema e não adiamentos para a sua solução.

Se o Sr. governador geral de Angola não estivesse para chegar breve a Lisboa, eu. já teria, Sr. Presidente, apresentado o meu modo de ver sôbre o assunto concretizado numa proposta de lei. Mas S. Exa. chegou ontem, e desde que vem com a última palavra sôbre a verdadeira situação económica e financeira de Angola, desde que traz a sua opinião inteiramente actualizada, entendo dever demorar por mais alguns dias a apresentação do meu trabalho sôbre o fomento de Angola, desejoso de ouvir sôbre êle a opinião do Sr. governador geral antes de o apresentar ao Parlamento.

Continuando a responder ao ilustre Senador, devo afirmar que não basta fazer caminhos de ferro em Angola para promover a transformação das condições económicas da província; é preciso tambêm rasgar estradas e preparar os portos comerciais; preciso, emfim, resolver todo o problema das comunicações de Angola na sua grande vastidão e complexidade. Não há dúvida que o problema da economia de Angola é, entre todos os problemas coloniais portugueses, aquele que está actualmente em primeiro lugar. E, de entre as soluções dêsse problema, o que mais urge é justamente a do problema das comunicações.

Para se solucionar o problema das co-

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municaçoes, porêm, faltam ainda muitos elementos de informação, que só um estudo criterioso e bem orientado pode fornecer. E foi justamente por falta de informação que tanta hesitação tem havido para a província de Cheia pelo caminho de ferro de Mossâmedes, e algum dinheiro se tem gasto em trabalhos que depois são abandonados, como o caso a que o ilustre Senador 3e referiu.

Justamente, para evitar a repetição de tais casos, é que para o sul de Angola vai partir uma missão de estudo, que permitirá resolver, de vez, a questão ferroviária ao sul do paralelo 14.

Sr. Presidente: o mal, de que tem enfermado o caminho de ferro de Mossâmedes, provêm das condições em que se deu começo á construção. Tratou-se de fazer avançar o caminho de ferro para as montanhas da Cheia, sem saber como se havia de vencer a dificuldades que estas montanhas opunham ao avanço do caminho de ferro para o planalto.

Outro ponto a que S. Exa. se referiu na sua interpelação: maneira de se arranjar dinheiro para êste caminho de ferro. Eu responderei que, no projecto de fomento de Angola, que dentro dalguns dias apresentarei a Câmara dos Deputados, se encontra a minha opinião sôbre o assunto.

Finalmente, £ quem é o responsável, pregunta S. Exa. % pelas ordens e contra-ordens recentemente dadas em Angola, acêrca da continuação da construção do caminho de ferro de Mossâmedes alêm de Vila Alrriaga?

Sr. Presidente: entre as tentativas, feitas para vencer com o traçado do caminho de ferro a montanha da Cheia, o que representam estudos mais ou menos completos de vários engenheiros, um tinha sido ultimamente adoptado e que, dispensando cremalheira, vencia a serra por um traçado largo e dispendioso, embora fôsse, talvez, o melhor que pela garganta por onde se desenvolvia se poderia encontrar.

Assente que êsse seria o traçar o definitivamente escolhido para a província de Cheia, para tal garganta se dirigiu o traçado a partir de Vila Alrriaga.

Estava escrito, porêm, que tal solução não seria ainda a definitiva e se. por um lado o engenheiro Valente pensou em baratear a subida da Cheia, tentando para a sua travessia uma outra garganta mais ao diário das Sessões do Senado norte, o inspector das obras públicas de Angola, por seu lado, pensava em utilizar o traçado Torres, substituindo, porêm, uma grande parte dêsse traçado por uma cremalheira.

A vontade de todos tam grande, em procurar a melhor e mais económica solução para a província da Cheia, que os estudos para as duas citadas soluções foram iniciados e cada um dos dois engenheiros afanosamente trabalhava no estudo que lhe fora confiado.

A adoptar-se o traçado do engenheiro Torres, com a modificação de cremalheira, nenhum inconveniente havia em prosseguir a construção iniciada alêm da Vila Alrriaga. A adoptar-se a solução que o engenheiro Valente estava estudando, seria perdida rima parte do trabalho já feito e todo o trabalho alêm de Vila Alrriaga. Daí as ordens e contra-ordens para a continuação do trabalho de construção conforme parecia que ia ser adoptada uma ou outra das soluções.

O Sr. Bernardino Roque: — V. Exa. está enganado; a solução cremalheira é posterior ao estudo que estava fazendo o engenheiro Valente.

O Orador: — Quási ao mesmo tempo foi possível tirar conclusões dos dois estudos.

O Sr. Bernardino Roque: — Quando o engenheiro Galvão se lembrou da cremalheira já estava estudado o traçado Valente. O engenheiro Galvão chegou em Março de 1913 e a hipótese da cremalheira é de 1912, portanto, muito anterior.

O Orador: — Em Agosto de 1913 é que o governador do distrito foi pela primeira vez ver, juntamente com o engenheiro Valente, se havia viabilidade para a solução por êste indicada.

O engenheiro Galvão, estando absolutamente seguro de que o seu estudo seria o preferido, não podia ser de opinião que os trabalhos alêm de Vila Alrriaga não continuassem. E era tam grande a confiança dêste engenheiro na viabilidade da sua solução que apesar dela não ter merecido em Lisboa a aprovação da Comissão Superior Técnica de Obras Públicas das Colónias,

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êle continuou insistindo pela sua adopção, e de tal forma, que o meu antecessor na pasta das Colónias entregou ao Sr. Governador de Angola a solução do assunto, isto é, tacitamente se consentia a solução da cremalheira que a comissão técnica condenava.

Em face disto não havia razão para interromper os trabalhos alêm da Vila Alrriga, antes ao contrário convinha que êles continuassem.

De resto não me parece que haja utilidade em estar a interromper os trabalhos destas para os fazer recomeçar pouco depois. (Apoiados).

Trabalham ali milhares de indígenas, e não me parece que por uma simples dúvida que possa surgir no espírito de alguém os trabalhos parem hoje para recomeçar no dia de amanhã.

Para tudo há um meio termo e tudo se deve subordinar a um custeio que se inspire no desejo de alcançar o que mais conveniente seja. Ora, radicada no espírito do inspector das obras públicas a idea de que o traçado Power com a variante da cremalheira seria a solução adoptada, não havia razão para interromper os trabalhos alêm da Vila Alrriaga. Nem dúvida havia acêrca da realização de tal solução.

O Sr. Bernardino Roque: — Mas há caprichos.

O Orador: — Caprichos, se caprichos tem havido nesta questão, tem-se evidenciado agora, dando ao assunto o aspecto pessoal.

Os amigos dum determinado engenheiro dizem que é bom tudo o que êle faz e mau o que o outro realiza; os amigos dêste último afirmam precisamente o contrário.

Nesta questão, que tem estado a tomar o aspecto de política local, há contudo alguma cousa que louvar; é a atitude tomada pelo Sr. governador geral e pelo engenheiro Galvão, êste não hesitando em pôr de parte o seu amor próprio, não insistindo na solução da cremalheira por êle aconselhada quando se convenceu de que era preferível a solução dum seu colega.

O Sr., governador geral que, baseando--se na opinião do seu consultado técnico, não pretendeu culpá-lo pela sua primeira insistência.

Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que até êste momento as obras não recomeçaram; mas devem recomeçar no mais curto prazo de tempo possível, e vão recomeçar sem dúvida.

Há uma reclamação de centenas de habitantes da região que julgando que o traçado Valente não passará pelos importantes centros povoados do planalto, reclamam a adopção do traçado do engenheiro Torres.

O Govêrno há-de resolver neste assunto segundo o que julgue ser de maior conveniência para os interêsses gerais da região.

Quer o caminho de ferro passe no Lubango, quer passe um pouco afastado desta povoação, a solução a adoptar será a que mais convenha aos interêsses gerais e não aos interêsses de A de B ou de C.

Não há-de acontecer o mesmo que sucedeu com o caminho de ferro de Ambaca, que devendo ter uma linha de pouco mais de 260 quilómetros tem mais de 300, isto porque se entendeu que a linha devia passar pela fábrica do Sr. A, pela casa do Sr. B, etc.

É preciso que fiquem fixados os traçados do caminho de ferro de Mossâmedes, tanto para leste como para o sul, e que com tais traçados se realize o duplo objectivo dêstes caminhos de ferro: o de interesse regional e o de interesse internacional.

Mesmo por necessidade de ocupação o seu prolongamento até as fronteiras do sul e leste se torna necessário e um dia virá em que a rede de Mossâmedes se ligará às linhas da África do sul e central.

Creio ter respondido a tudo quanto o ilustre Senador me preguntou.

E agora que estou com a palavra, e pela muita consideração que me merece o Senado em geral, e cada um dos Srs. Senadores em particular, julgo do meu dever dar explicações sôbre um assunto tratado nesta casa do Parlamento quando eu não estava presente.

Vi, pelo Sumário, que foram pronunciadas pelo Sr. Miranda do Vale, algumas palavras com respeito às nomeações de dois governadores interinos: um para Macau e outro para Angola.

Mal devia eu ser julgado se, depois das declarações categóricas que fiz, fôsse infringir os regulamentos, passar por cima dos direitos do Senado; seria incapaz disso.

Eu explico, Sr. Presidente, em duas pá-

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lavras a situação. Em Angola o lugar de secretário geral não estava provido quando o governador geral dali partiu para a metrópole, nem o está ainda hoje. À data do decreto, quê encarregou do governo de Macau um oficial de marinha que naquela colónia se encontrava, o lugar de secretário geral de Macau estava provido, é certo, mas o secretário geral estava separado do serviço, em consequência duma questão no tribunal, acêrca da qual lhe eram feitas diferentes acusações, motivo até porque mandei proceder a uma sindicância.

Nessas condições, tendo de vir à metrópole tanto o Sr. governador da Angola como o Sr. governador de Macau, eu não tinha nem numa colónia nem noutra secretário geral a quem pudesse incumbir nessas condições o encargo do governo.

E em tal conjuntura entendi que se devia fazer o que se tem feito sempre, encarregar alguém do desempenho das funções de governador até que os governadores voltassem a assumir os respectivos cargos.

Não se trata da nomeação de governadores interinos, mas de encarregados do governo, por não haver em nenhuma das colónias, na ocasião, secretários gerais.

Pode dizer-se que em todo o caso, tanto numa como noutra das duas colónias citadas se não estavam providos os cargo3 de secretários gerais alguém nelas desempenhava tais funções.

Não determina a lei que ao encarregado do desempenho do cargo de secretário na falta dêste caiba o desempenho de cargo de governador na sua ausência.

Alêm disso, entre as qualidades a atender nas nomeações dos secretários gerais deve considerar-se as que são necessárias para o desempenho das funções de governador na ausência dêste e eu entendo não há razão de seguir nem as mais das vezes se poderá seguir quando temporariamente se investir um funcionário da colónia nas funções de secretário geral.

No caso sujeito, e o mais temporária possível a situação já foi nomeado novo secretário geral para Macau e vai em breve ser nomeado secretário geral para Angola.

O Sr. Bernardino Roque: — Eu esperava que o Sr. Ministro das Colónias tivesse estudado com todo o cuidado o assunto da minha interpelação, tanto mais que eu a anunciei com bastante antecedência.

Vejo com desprazer que S. Exa. não o fez, e não somente não destruiu os argumentos por mim apresentados, mas nem atenuou as graves responsabilidades que impendem sôbre funcionários dependentes de S. Exa.

Tenho aqui a cópia do dossier sôbre o assunto, que me foi fornecida pela repartição competente do Ministério das Colónias; e estão todos os documentos devidamente autenticados pelo chefe da repartição. Merecem, pois, toda a confiança.

Vou provar a S. Exa. que não está ao facto da questão, ou então que não quis lançar a responsabilidade sôbre ninguêm.

Uma ou outra cousa não é admissível. Mas antes deixe-me dizer a V. Exa. que só há dois rios que possam aproveitar ao tráfego diste caminho de ferro, ligando o ramal leste sul com o de leste. São o Cunene e o Cubango, como eu já tive ocasião de dizer. O resto são pequenos confluentes, só navegáveis no tempo das chuvas por dongos, que são canoas indígenas, e portanto inaproveitáveis para a navegação por Ia achas a vapor.

A rede ferroviária do distrito de Huíla só por êstes dois rios pode estar em comunicação, e isto mesmo no regime médio e máximo das suas águas, porque, no regime mínimo, a profundidade nalguns pontos não vai alêm de cinco decímetros, levando nos anos de seca, e na época seca, apenas um filete de água, em alguns pontos do ser precurso. Alêm disso, mesmo êstes dois grandes rios para serem aproveitados preciso é fazer despesas com a sua balisagem e trabalhos de limpeza.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Far-se ia a limpeza do rio.

O Orador: — Mas isso custa muito dinheiro. Só há êsses dois rios portanto, que possam ser aproveitados.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Basta que haja êsses dois.

O Orador: — Vamos à parte mais importante. V. Exa., com certeza por esquecimento, não respondeu a todos os pontos da minha interpelação, concretizada nas, preguntas com que terminei. Entre outras

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cousas parece-me que o Sr. Ministro afirmou que as obras dêste caminho, de ferro vão continuar já.

Assim deve ser. Deve ir já ao Lubango, seguir na direcção leste-sul, isto sem prejuízo da linha principal para leste, quando as circunstâncias o permitam.

Mas S. Exa. não disse se já há entendimentos com o governo alemão, no caso presente necessários, porque é antes de iniciados os trabalhos na direcção da fronteira sul, ainda não delimitada, que os dois governos se devem entender. É necessário uma acção combinada, visto que êste caminho de ferro deve ser o principal dreno do comércio de importação e exportação da colónia vizinha alemã.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Já estão dados os primeiros passos para o entendimento.

O Orador,: — Com relação ao apuramento feito à face dos documentos que eu li, da responsabilidade dos cento e tantos contos de réis com a cremalheira, S. Exa. pretendeu desviar dos funcionários que eu visei a responsabilidade que lhes cabe. Eu explico a atitude do Sr. Ministro; o que não posso admitir é que não mande proceder às averiguações necessárias para, liquidar essas responsabilidades.

Disse S. Exa. que havia uma certa confusão na exposição dos factos e que lhe parecia que não havia responsabilidades, na questão cremalheira. Há sim, e para mostrar que estudei o caso com todo o escrúpulo, contando os factos como êles se deram, só me servindo de documentos oficiais, eu vou em resumo cronológico apresentar êsses factos, servindo-me dos documentos. Só aludirei a êles. visto que o Senado já os ouviu ler. Ora ouça V. Exa. e verá que eu em nada alterei os factos quanto à época em que êles se deram.

Estava-se atacando a Cheia para seguir o traçado Tôrre, isto em Junho de 1912. Nessa ocasião o engenheiro Valente lembra a hipótese Caungue. O governador geral ordena que êste engenheiro comece os estudos nesse sentido, e manda parar os trabalhos que se estavam executando no traçado Torres.

Em Fevereiro de 1913 o engenheiro Galvão chega à Cheia e começa êle próprio com os estudos para o traçado cremalheira; o engenheiro Valente continua com os estudos pelo Caungue, e o condutor Peiroteu pelo Tendirikita; os trabalhos do traçado Torres continuam parados, e muito bem. Em 22 de Março de 1913, o governador geral envia um telegrama ao Ministro felicitando o pela solução obtida, que é a cremalheira e manda continuar com as obras.

Em 16 de Junho de 1913 o governador, em telegrama, insiste pela cremalheira. Em 17 de Maio a Repartição de Obras Públicas das Colónias emite parecer contra a cremalheira, parecer que é reforçado pelo parecer, tambêm contra, da comissão superior técnica de obras públicas das colónias. Em 18 de Junho interpelo o Ministro, protestando contra o que se estava fazendo e pedindo para pararem as obras da cremalheira.

Em, 14 de Julho o Ministro envia ao governador um telegrama, comunicando-lhe o parecer da comissão superior sôbre a cremalheira.

Em Agosto o inspector Galvão, autor da cremalheira, em ofício, alija de si as responsabilidades dos dinheiros já mal gastos e dos que se estavam gastando.

Em Setembro a Repartição de Obras Públicas emite opinião sôbre o traçado Valente, enviado pelo inspector Galvão, com o seu ofício de Agosto.

Em 23 de Setembro o Ministro entrega a solução a adoptar (traçados Galvão e Valente) ao governador geral.

Em 8 de Outubro o -governador geral envia um telegrama ao Ministro, «dizendo-lhe que, apesar da opinião dos técnicos, êle continua a admitir a solução cremalheira». E, em virtude desta orientação, os trabalhos da cremalheira continuam.

As obras, pois, para a solução cremalheira continuaram por vontade própria do governador geral, isto até Março último, e em 7 dêste mês o governador geral enviou ao Ministro êste extraordinário telegrama: «Que achava como melhor o traçado Valente e que era êste o que devia ser adoptado».

Aí tem V. Exas., num resumo claro e com os documentos oficiais à vista, como-as cousas se passaram, e eu pregunto ao Sr. Ministro? se isto não é claro, e se da minha exposição se não deduz com facilidade que há responsabilidades e graves a liquidar ?

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Compete agora ao Sr. Ministro liquidá-las., nomeando uma comissão de inquérito.

Houve caprichos? Houve teimosias ou abusos de poder? Evidentemente houve. Mas, Sr. Presidente, a administração dos dinheiros públicos não pode estar á mercê de caprichos, e se os funcionários públicos, responsáveis por êsses dinheiros, os querem ter, que os paguem.

Nem os interêsses do Estado., nem os da província de Angola podem servir para satisfazer caprichos. Então praticam-se irregularidades e não se exige a respectiva responsabilidade ?!

Se vamos por êste caminho, onde é que vamos ter?

A República tem de ser honesta e justiceira! (Apoiados).

O Sr. Nunes da Mata: — Mas o governador, reconhecendo o êrro, só merece elogios.

O Orador: — O governador geral foi contra a opinião de todos; é natural que seja o primeiro responsável. E a sua responsabilidade começa depois de o engenheiro Galvão declarar que declinava a sua pelo gasto que se estava fazendo.

Não julgue V. Exa. que eu tenho má vontade contra alguém.

O que eu quero é simplesmente que S. Exa. o Ministro apure a verdade.

V. Exa. tem obrigação de apurar quem é o responsável ou responsáveis.

Todo o funcionário público é responsável pelos seus actos. Eu, num caso dêstes, pedia imediatamente uma sindicância, começando por assumir a responsabilidade dos meus actos.

V. Exa. sabe que se vai discutir no Parlamento a carta orgânica das províncias ultramarinas, um belo trabalho do Sr. Almeida Ribeiro. Por ela se dão atribuições muito latas aos governadores.

Eu tambêm assim penso, mas entenda-mo-nos; ás máximas atribuições devem corresponder as máximas responsabilidades.

Os governadores exorbitam? Tem de cair debaixo da alçada da lei.

Em conclusão; houve prejuízo grave e grande para o Estado, e é preciso que alguém responda por êle. E a V. Exa. que compete empregar os meios para se averiguar das responsabilidade», e o Senado espera que V. Exa. se não demorará em fazê-lo. Tenho dito.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Supus ter respondido a tudo quanto o Sr. Bernardino Roque me preguntou na interpelação, mas como S. Exa. se não julgue satisfeito com as considerações que fiz, vou torná-las na devida consideração, não para neste momento responder, mas para posterior discussão.

Trarei depois à Câmara as indagações que S. Exa. deseja.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: Vão ler-se duas últimas redacções. Foram aprovadas.

ORDEM DO DIA

Parecer n.° 14

O Sr. Sousa da Câmara: — Sr. Presidente: como não está presente o Sr. Ministro das Finanças, talvez conviesse, e V. Exa. nisso não tivesse dúvida, avisar S. Exa. para estar presente à discussão dêste projecto.

O Sr. Presidente: — Tambêm me parece conveniente a presença do Sr. Ministro das Finanças; mas então seria talvez melhor passar-se à discussão doutro projecto dado para ordem do dia.

Proponho ao Senado que entre em discussão outro projecto.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o projecto n.° 52.

O Sr. Abílio Barreto: — Requeiro dispensa da leitura do projecto porque já é do conhecimento do Senado.

Foi aprovado.

É pôsto à discussão e aprovado sem discussão na generalidade e na especialidade.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos: — Requeiro a dispensa da última redacção. Foi aprovado,

O Sr. Miranda do Vale: — Sr. Presidente: ouvi as considerações do Sr. Mi-

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nistro das Colónias a respeito das palavras que pronunciei ao encerrar a última sessão.

Eu compreendo bem a situação do Sr. Ministro das Colónias, e a nomeação dos governadores das províncias ultramarinas nas condições em que os criou o antecessor de V. Exa. Mas V. Exa. compreende tambêm que o Senado deseja ardentemente, e isso foi objecto duma moção votada aqui, que essas nomeações dos governadores ultramarinos se resolvam constitucionalmente, o mais depressa possível.

Eu compreendo a distinção que o Sr. Ministro das Colónias fez entre o encarregado do Grovêrno das Colónias e o governador interino, mas não quero entrar na discussão dêsse assunto, porque me fale cem para isso conhecimentos de jurisprudência.

A distinção, porêm, deve ser tam pequena que até no Diário do Govêrno de 16 de Abril se diz:

Leu.

Para Angola o Sr. Ministro das Colónias prometeu-nos que cumpriria a lei, e a lei foi respeitada.

Em Macau a situação, porêm, é diferente e reclama enérgica solução. O governador tinha sido nomeado ilegalmente contra a Constituição e mesmo contra as leis ordinárias, porque o § único do artigo 4.° da organização militar do ultramar, de 14 de Novembro de 1901, proibia a acumulação de serviços nas repartições militares nas províncias ultramarinas, com outros cargos. O Sr. Sanches de Miranda não tinha sido nomeado dentro da legislação em vigor. Êste oficial estava desempenhando interinamente funções de governador.; Como é que êsse indivíduo, saindo da província, conservava ainda a categoria de governador?

Queremos parecer que seria o caso, para me servir duma expressão, que ficou célebre, do Sr. Presidente do Conselho, que êle estaria demitido automaticamente. Desde o momento em que o Sr. Sanches de Miranda era apenas um governador interino, um governador de ocasião, desde que êsse senhor abandonasse a província, estava automaticamente demitido do cargo.

O certo é que o Senado já se pronunciou a êste respeito, na sua sessão de 13 de Fevereiro de 1914.

Nessa sessão ficou assente que as reclamações que eu fazia, e que foram traduzidas em uma moção aqui aprovada, tinham de ser aplicadas, tanto ao governador da Guiné, como ao de Macau.

O que eu peço, e nisto creio que interpreto o sentir do Senado, é que, no mais curto prazo de tempo possível, se regularize a situação do governador de Macau, como foi regularizada a situação do governador da Guiné.

E é isto o que eu desejo, cumprindo-me acrescentar que não houve a mais pequena má vontade contra o Sr. Ministro das Colónias, cuja acção no Grovêrno eu muito tenho apreciado e muito tenho louvado.

Vozes: — Muito bem. O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Sr. Presidente: eu aproveito a oportunidade para explicar ao Senado os actos que pratiquei em relação ao governo de Macau, como em relação a outros processos, e expor as razões justificativas do meu proceder.

Com respeito aos indivíduos que estavam à frente das diferentes províncias ultramarinas, com a categoria de governadores efectivos, mantive-os nas suas situações.

Com respeito ao governo da Guiné, limitei-me a acatar a resolução do Senado.

Em Macau encontrei um governador interino.

O Sr. Miranda do Vale: — O que era inconstitucional.

O Orador: — Nestes termos, eu podia fazer uma de duas cousas.

Vir ao Senado, imediatamente, com uma proposta nomeando para governador um indivíduo que não fôsse aquele que lá estava, ou uma proposta nomeando definitivamente governador o Sr. Sanches de Miranda.

E eu devo dizer ao Senado que estava tam à vontade para me resolver por qualquer destas duas soluções, quanto é certo que o Sr. governador interino de Macau, quando eu assumi a gerência da pasta das Colónias, nem sequer pediu a sua demis-

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são, à imitação doutros, alegando que, tendo mudado a situação política, êles não sabiam se mereciam a confiança do Govêrno.

O Sr. Sanches de Miranda limitou-se a enviar-me um telegrama, dizendo-me que a colónia estava pacificada, e que não havia nada de novo.

Já vê o Senado que o Sr. Sanches de Miranda pôs-me inteiramente à vontade.

Nestes termos, Sr. Presidente, eu estava na intenção de apresentar uma proposta tendente a nomear governador efectivo de Macau o Sr. Sanches de Miranda, porque não tinha, ao assumir a gerência das Colónias, motivos que me levassem a preceder de maneira diversa, nada me fazendo supor que êle não devia ser o governador efectivo da colónia.

Êle tinha sido escolhido pelo seu antecessor.

Há um decreto especial que não sei se o Sr. Miranda do Vale conhece e que permite aos oficiais em comissão ordinária acumular essas funções com as de governador.

O Sr. Miranda do Vale: — Conheço, sim senhor.

O Sr. Ladislau Parreira : — O artigo 86.° da Constituição não comporta êsse decreto.

O Orador: — O Sr. governador de Macau, não tendo pedido a sua demissão, como tem sido costume quando há mudança ministerial, não me obrigou a dizer-lhe que continuaria à frente da província e por isso com mais liberdade de acção fiquei para o exonerar ou para propor o seu nome ao Senado como governador efectivo.

E era mesmo minha intenção de assim proceder se logo depois de ter assumido a gerência da pasta das Colónias se não chegassem ao meu conhecimento factos que se tinham, dado em Macau, e que me obrigavam a aguardar informações completas acêrca dêles antes de me pronunciar definitivamente sôbre o assunto. Não chegaram ainda tais informações, apareceu, porêm a necessidade de chamar à metrópole o Sr. Sanches de Miranda, e, desde que êle saía de Macau como governador, não era intenção minha exonerá-lo, ainda que tal fôsse a minha intenção, sem êle chegar a Lisboa.

Desta forma eu aguardei que os casos de Macau se esclarecessem para depois ver qual o proceder que devia ter.

Aqui está a razão da demora que tem havido da minha parte.

O Sr. Miranda do Valo: — Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro das Colónias a sua resposta e ao mesmo tempo pedir a S. Exa. que o mais breve possível regularize êste assunto dentro das conveniências do país.

O Sr. Ladislau Parreira: — A mim, Sr. Presidente, é que me não satisfez a resposta que o Sr. Ministro das Colónias acaba de dar às considerações do Sr. Senador Miranda do Vale, sôbre o governo de Macau.

Pela vocação que se fez no Senado quando se tratou, em 13 de Fevereiro, da nomeação do governador da província da Guiné, S. Exa. não pôde deixar de cumprir imediatamente o artigo 25.° da Constituição, a que o Senado está ligado, tendo até tomado o compromisso solemne de fazer respeitar a Constituição, e donde não há que fugir.

O caso de Macau é mutatis mutandis o caso que se deu com a Guiné, e êle não comporta senão uma solução: a exoneração do governador interino, ilegalmente nomeado, seguida da nomeação do governador efectivo — o mesmo nome doutro.

O Sr. Sanches de Miranda é um governador interino que foi nomeado ilegalmente, e nunca a sua nomeação se tornou efectiva; portanto, o que se torna necessário é que seja apresentada uma proposta ao Senado.

Eu sou tambêm amigo pessoal do Sr. Sanches de Miranda, como era do governador da Guiné, e como então faço esta declaração prévia: é que acima dos amigos estão para mim os princípios.

Por causa desta questão eu perdi da outra vez um amigo; se outro tanto suceder com o Sr. governador de Macau, se se der o mesmo, eu sentirei muito, mas acima de tudo tenho a lei.

Percam-se os amigos, mas salvem-se os princípios.

De resto eu já estou habituado a êsse resultado, desde 5 de Outubro de 1910,

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O Sr. Ministro das Colónias (Lisboa de Lima): — Se o Senado entende que a única forma de se manter a lei é exonerar imediatamente o Sr. Sanches de Miranda, eu cumpro a resolução do Senado.

Trocam-se explicações entre o orador e vários Srs. Senadores.

O Sr. Ladislau Parreira: — A lei manda que seja o Sr. secretário geral quem substitua o Sr. governador; como V. Exa. tem já o secretário para seguir para lá, para que é que se há-de ir nomear outro interino.

O Orador: — O governador interino supõe que não há governador efectivo. Eu não tenho a minha responsabilidade ligada á situação do Sr. Sanches de Miranda (Apoiados).

Êle nem lá tem estado até agora porque eu lhe mantivesse a confiança que lhe entregou o Governador de Macau, pois como já disse, não me tendo pedido a sua demissão não tive que me pronunciar sôbre o assunto.

Trocam-se diversos apartes.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã.

Antes da ordem do dia, os pareceres n.ºs 35, 46, 67 e 241; na ordem do dia, os pareceres n.ºs 14 e 69-D.

Está levantada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

O REDACTOR = Alberto Bramão.

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