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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

1918-1919

SESSÃO N.º 7

EM 16 DE DEZEMBRO DE 1918

Presidência do Exmo. Sr. Zeferino Cândido Falcão Pacheco

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Caetano Pereira

Guilherme Martins Alves

Sumário.— Feita a chamada e aberta a sessão com a presença de 37 Srs. Senadores, procede--se à leitura da acta, que foi aprovada, e lê-se o expediente.

O Sr. Presidente, aludindo ao nefando atentado que vitimou o Chefe de Estado, Sr. Dr. Sidónio Paes, indica que em sinal de luto a sessão seja suspensa depois de falarem os oradores que se inscreverem, o que foi unanimemente aprovado.

Falam em seguida os Srs. Senadores seguintes: Castro Lopes, Carneiro de Moura, Mário Monteiro, Pinto Coelho, Machado Santos, Queiroz Velozo, Oliveira Santos, Ribeiro do Amaral, Costa Couraça, Afonso de Melo, Arnaud Furtado, João José da Costa, Jorge Guimarães, Firmino de Oliveira, Alfredo da Silva, António Cerqueira, e Novais da Cunha.

Suspende-se a sessão. (Eram 15 horas e 50 minutos).

Reabriu às 18 e 15. Lê-se na Mesa o projecto de lei, já aprovado na Câmara dos Deputados, referente à eleição do Chefe do Estado, cuja urgência foi reconhecida. Pôsto à votação, foi o projecto aprovado na generalidade e na especialidade, depois de falarem os Srs. Pinto Coelho e Mário Monteiro.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Alberto Correia Pinto de Almeida.

Arnaldo Redondo de Adães Bermudes.

Artur Jorge Guimarães.

Cláudio Pais Rebêlo.

Constantino José dos Santos.

Eduardo Ernesto de Faria.

Francisco do Livramento Gonçalves Brandão.

Francisco Nogueira de Brito.

Guilherme Martins Alves.

João da Costa Mealha.

João José da Costa.

João Lopes Carneiro de Moura.

João de Sousa Tavares.

José António de Oliveira Soares.

José Epifânio Carvalho de Almeida.

José Joaquim Ferreira.

José Marques Pereira Barata.

José Novais da Cunha.

José Ribeiro Cardoso.

José dos Santos Pereira Jardim.

José Tavares de Araújo e Castro.

Luís Caetano Pereira.

Luís Caetano Pereira da Costa Luz (Visconde de Coruche).

Luís Firmino de Oliveira.

Luís Xavier da Gama.

Manuel Ribeiro do Amaral.

Mário Augusto de Miranda Monteiro.

Tiago César de Moreira Sales.

Zeferino Cândido Falcão Pacheco.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto Baptista Ramires.

Adriano Xavier Cordeiro.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alfredo da Silva.

Amílcar de Castro Abreu e Mota.

António Augusto Cerqueira.

António Maria de Azevedo Machado Santos.

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Carlos Frederico de Castro Pereira Lopes.

Cristiano de Magalhães.

Germano Arnaud Furtado.

João da Costa Couraça.

João José da Silva.

José Maria Queiroz Veloso.

Júlio Dantas.

Manuel Homem de Melo da Câmara (Conde de Águeda).

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Alberto Cardoso Martins de Meneses de Macedo.

Alberto Carlos de Magalhães e Meneses.

Alberto Osório de Castro.

Alfredo Monteiro de Carvalho.

António de Bettencourt Rodrigues.

António Maria de Oliveira Belo.

António da Silva Pais.

Domingos Pinto Coelho.

Duarte Leite Pereira da Silva.

Fernando de Almeida Cardoso de Albuquerque (Conde de Mangualde).

Francisco Martins de Oliveira Santos.

Francisco Vicente Ramos.

João Rodrigues Ribeiro.

João Viegas de Paula Nogueira.

José Freire de Serpa Leitão Pimentel.

José Júlio César.

Júlio de Campos Melo e Matos.

Júlio de Faria de Morais Sarmento (Visconde do Banho).

Manuel Jorge Forbes de Bessa.

Pedro Barbosa Falcão de Azevedo e Bourbon (Conde de Azevedo).

Pedro Ferreira dos Santos.

Sebastião Maria de Sampaio.

Severiano José da Silva.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.

Eram 14 horas e 20 minutos.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 29 Srs. Senadores.

Vai ler-se a acta.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Está em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente:— Como ninguêm pede a palavra considera-se aprovada.

Vai ler-se o

Expediente

Ofícios

Do Ministro da França, em Lisboa, agradecendo o telegrama do Senado ao Presidente da República Francesa, pela vitória dos aliados.

Para a Secretaria.

Da comissão de aspirantes de marinha, convidando o Senado a assistir às exéquias solenes por alma dos heróicos marinheiros mortos no combate do Augusto Castilho.

Para a Secretaria.

Telegramas

Do Sr. governador civil do Pôrto, do Sr. general Teles, do Funchal, e do chefe do estado maior da mesma cidade, enviando telegramas de sentimento pela morte do Sr. Presidente da República.

Para a Secretaria.

Do membro de Portugal em Paris no mesmo sentido.

Para a Secretaria.

Do Ministro dos Negócios Estrangeiros do reino de Itália, em nome do Rei, agradecendo o telegrama do Senado.

Para a Secretaria.

Do Senado Italiano, agradecendo as manifestações do Senado. Para a Secretaria.

Do Vice-Presidente, em exercício, da República dos Estados Unidos do Brasil, agradecendo as expressões de saudação do Senado.

Para a Secretaria.

Justificação de faltas

Do Sr. Cristiano de Magalhães, justificando às faltas que tem tido às sessões do Sanado, por motivo de doença.

Para a comissão de faltas.

Do Sr. Júlio de Campos Melo e Matos, justificando as faltas que tem dado às sessões do Senado.

Para a comissão de faltas.

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Segunda leitura

Tiveram segunda leitura os projectos de lei da autoria dos Srs. João José da Silva, Machado Santos, José Epifânio Carvalho de Almeida e João Lopes Carneiro de Moura.

Para as comissões de finanças e guerra.

Para as comissões de legislação civil e criminal.

Para a comissão de agricultura.

Para as comissões de agricultura, fomento e finanças.

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Secretário de Estado do Comércio sôbre a reforma de ensino industrial e comercial, publicada no Diário do Govêrno de 5 do corrente.

Sala das Sessões do Senado da República, em 13 de Dezembro de. 1918. — Oliveira Santos.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: — Meus senhores: por motivo do atentado de que foi vítima o Sr. Presidente da República e enlutou a Pátria Portuguesa, é esta sessão dedicada à sua memória, como preito ao exemplo da vida do Sr. Dr. Sidónio Pais, que exercera uma benéfica influência nos destinos nacionais. (Muitos apoiados).

Proponho, por isso, que o Senado interrompa a sessão em sinal de sentimento (Apoiados) depois dos oradores inscritos terem usado da palavra.

O Sr. Castro Lopes: — Sr. Presidente: precisamente há oito dias eu, nesta casa, com o meu espírito preocupado, mas a minha alma cheia de alegria, pedi a palavra para, em nome da maioria desta casa, demonstrar a satisfação extraordinária que sentia por se ter malogrado o atentado contra o Chefe do Estado, Sr. Dr. Sidónio Pais. E mal diria eu, Sr. Presidente e meus senhores, que passados oito dias tivesse de vir aqui de luto, com a alma enegrecida de funda tristeza, prestar homenagem com palavras repassadas de saudade pelo falecimento do Chefe de Estado, da figura extraordinariamente grandiosa do Sr. Dr. Sidónio Pais. Como isto é cruel!

Sr. Presidente: eu serei muito breve. Eu queria ter a palavra brilhante daqueles oradores de raça que eu dali, daquelas galerias, ouvi falar nesta casa, para com brilho corresponder a esta homenagem. Não a tenho, infelizmente; mas tenho uma alma grande para corresponder com sinceridade das minhas palavras a esta justa homenagem.

Sr. Presidente: desde as 23 horas e 55 minutos de sábado até agora temos passado as horas mais amargas de há uns bons tempos a esta parte, porque o Sr. Dr. Sidónio Pais era a figura mais grandiosa que a Pátria,perdeu. E, Sr. Presidente, se alguém alguma vez foi injusto para com êle, terá hoje de reconhecer que essa enorme figura de português, que tanto mereceu da sua Pátria e tantas glórias lhe deu, era um grande patriota e comovidamente ajoelhará sôbre o seu túmulo aqueles que lhe foram injustos, que ajoelhem perante o seu túmulo, pedindo-lhe perdão; e os outros, como eu, que só desejam o bem da sua Pátria, que ajoelhem tambêm, beijando-lhe a mão, implorando a salvação da nacionalidade, à qual êle tanto queria.

Terminando, declaro a V. Exa., em nome da maioria desta Câmara, que me associo à proposta de V. Exa., Sr. Presidente, para que a sessão se encerre, por espaço de meia hora.

O orador não reviu.

O Sr. Carneiro de Moura: — Há um ano os funcionários do Estado resolveram ir a Belém cumprimentar S. Exa. o Sr. Sidónio Pais. Os meus amigos pediram-me que dissesse, em nome de todos, quais os sentimentos que ali nos levavam. Eu acedi ao convite.

Conhecia o Sr. Dr. Sidónio Pais desde a nossa mocidade; conheci-o como estudante brilhante e como caracter de nobre e firme vontade, como homem de pinas intenções e de tenacidade rara e preclara inteligência. Não poude então negar-me a dizer diante de S. Exa. que iamos ali prestar-lhe a homenagem da nossa consideração. Era um incentivo à sua presuposta bem intencionada acção.

Eu não sou propenso a manifestações que não se coadunem com a minha maneira de sentir não costumo lisonjear ninguêm, e muito menos políticos, e por isso falei com prazer, naquela recepção do malogrado Presidente aos funcionários.

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Vai passado um ano. Eu represento aqui, no Senado, os directores gerais e os chefes de serviço e, portanto, em nome dos funcionários públicos que represento não deixarei de levantar a minha voz, muito modesta, para lamentar o trágico acontecimento que impressionantemente vitimou é ilustre Chefe do Estado, enaltecendo as suas virtudes.

E hoje bem diferente, do de há um ano, o meu estado de alma. Entendo dever usar da palavra porque julgo que devemos prantear o passamento do Sr. Dr. Sidónio Pais eminente chefe do Estado. Devemos recordar-nos da tremenda responsabilidade que sôbre nós pesa.

Somos representantes da Nação, e, invocando esta qualidade, o meu espírito pensa nas terríveis responsabilidades que sôbre nós impendem. Nós temos assistido a iniquidades grandes, a pungentíssimas desgraças, que ferem fundo a nossa sensibilidade; e ai de nós se não soubermos marchar pelo caminho que o dever nos indica; mas para assim marchar é preciso saber o caminho que levamos e o que devemos seguir e nós temos andado multas vezes perdidos. E necessário cortar os voos à vaidade. E toda essa gente desvairada que tanto mal tem feito à nossa terra é necessário que reflita para que a nacionalidade portuguesa não tenha um fim trágico.

Nós, portugueses, andamos há muito à procura dum ideal, mas parece não querermos procurar o filão da nossa história onde um ideal se pode manter.

A Renascença foi grande porque a enalteceu o ideal cristão. Hoje, o individualismo negativista e crítico do século XIX tirou às sociedades contemporâneas a contestara ideal da crença no que quer que seja.

E a humanidade só pode progredir pela crença nos seus altos e nobres destinos.

Sidónio País pode engrandecer-se aos olhos dos contemporâneos porque foi um místico e um crente. Foi um iluminado, crente no seu idealizado destino e por isso foi um forte e um sugestionador das multidões.

Andamos perdidos dentro da nossa desorganização.

E afinal porquê? É porque não sabemos ou não queremos procurar o filão da
nossa própria história. O malogrado morto que hoje pranteamos procurou no passado a grandeza do presente.

Se nos ligarmos à nossa tradição, salvamo-nos; mas se, pelo contrário, cortarmos a nossa tradição, então virá irremediavelmente a queda.

Na literatura, os românticos, invocando a tradição puderam realizar uma grande obra, embora restrita ao campo literário.

Mas é necessário viver a tradição mais do que na literatura para nos prendermos à vida concreta das conquistas económicas e políticas; é necessário dar sequência à nossa história para não vivermos na mesquinha e inadaptada imitação dos estranhos.

O que fomos nós?! Emquanto vivemos, conquistando o solo da Pátria, contra os castelhanos e sarracenos, soubemos realizar uma obra colectiva que foi grande. Não há ideais grandes nos povos que não sentem os interêsses gerais.

Os que neste momento pranteiam o malogrado Presidente — receio bem que assim venha a acontecer - podem desvairar-se, interpretando mal a obra e as intenções do saudoso morto. Julgarão talvez que o imitam dando largas a estados de alma retrógrados, e o Dr. Sidónio Pais não era um retrógado.

Receio que a seguir à sua morte mais se acendam os ódios, mais se ostentem as vaidades, mais se manifestem os orgulhos e as ambições que nos trazem presos a uma desorganização que ameaça ser incurável. A nossa administração pública é o vivo reflexo da nossa perturbante doença colectiva. Ninguêm quere ocupar o seu lugar; todos se atropelam, não sabemos cooperar na obra comum. Nos tribunais, nas escolas, nas secretarias, em todos os organismos da administração do Estado se revela a nossa profunda desorganização. Dir-se-ía que o Estado, entre nós, faliu.

E no emtanto as sociedades humanas podem viver juridicamente se forem capazes de conceber um ideal colectivo, e por êsse ideal poderem destinar a ser a uma gloriosa e útil finalidade, dentro da própria evolução histórica.

E nós temos êsses ideais e grandes. Bastará para os realizar que conjuguemos esforços e que nos convençamos que só trabalhando pela causa comum é que ca-

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da um se poderá salvar. Enganamo-nos a nós próprios, quando julgamos que, nos valorizamos ludibriando os outros. A filosofia do egoísmo leva sempre a um desastre.

O individualismo do século XIX, que só encontrou no romantismo um contraditor, aliás meramente literário, tem tanto na Monarquia como na República, subvertido cada vez mais a nossa vida colectiva, pela forma facciosa da política. A sciência do século XIX estonteou os espíritos pelo exagero do valor humano. Eritis sient dii! E daí proveio êsse fatal feudalismo industrial e político, em que o mais habilidoso tenta ludibriar os incautos. Contra essa falta de honestidade revoltou-se a probidade de lutador do Dr. Sidónio Pais.

A nossa tradição dos municípios, das sesmarias e das corporações de artes e ofícios é uma tradição que podemos apresentar ao mundo moderno, como sendo nós os portadores da forma jurídica que ainda hoje constitui, a mais elevada concepção política e económica dos povos civilizados. Dizem os alemães e os noruegueses que são povos libertos dos vícios do individualismo como uma contestura perfeita porque sabem realizar o sistema democrático da feliz corporação das classes.

Nós, com a nossa lei das sesmarias fomos nos séculos XIV, XV e XVI o povo mais socialista da Europa. Bem mais felizes teríamos sido se, aperfeiçoando aquele sistema agrário e industrial, tivéssemos sabido desenvolver a nossa vida estética, dentro da própria tradição.

Nem os alemães nem os noruegueses poderão apresentar, na sua história, obra mais perfeita do que a nossa organização económica tradicional. Mas desvairámos. As especiarias do Oriente, o comércio dos escravos, o ouro do Brasil, tornando-nos a vida fácil, desabituaram-nos do trabalho. Depois veio o individualismo do século XIX que a nós, desligando-nos da tradição, nos lançou nas aventuras políticas. Foi um «salve-se quem pudor!». Cada um, pensando; só em si, só pôde cooperar para a ruína colectiva. Indivíduos, classes e profissões ninguêm quis transigir; todos se julgaram na posse da verdade e todos quiseram obrigar os outros a pensar segundo o despotismo alheio.

Esta intransigência levou-nos ao caos. Na ordem económica, como na ordem política, ninguêm cede. I)aí a situação insolúvel em que nos encontramos, parecendo que entre nós o Estado faliu, na ordem jurídica. O ilustre presidente muito pensou em pôr um dique a esta anarquia, e isso o matou, embora gloriosamente! Êle pôde deslumbrar pela galhardia da sua pessoa e pelas scintilações do seu espírito, a população portuguesa. Neste momento a perturbação e a saudade são tantas, que a alma arrebatada da multidão que chora o desventurado português, ainda o vê, em alucinações fantásticas, percorrer as ruas de Lisboa, galopando, esquelético, a fazer a continência ao povo atónito!

É assim a alma do povo, em visões de delírio!

A obra do Sr. Dr. Sidónió Pais, digamo-lo, não foi completa, porque não encontrou o malogrado Presidente quem a soubesse interpretar precisando por Isso duma eficaz cooperação.

É necessário que, no dia em que pranteamos o ilustre morto, saibamos afirmar caracteres que as nossas tradições, criadas dentro da fé cristã, bem compreendidas e firmemente realizadas, nos podem salvar da actual decadência, integrando-nos nos nobres e altos destinos da nossa história.

Tenho dito.

O Sr. Mário Monteiro: — Sr. Presidente. Em nome da minoria monárquica desta Câmara, permita-me V. Exa. que me associe às comovidas expressões por V. Exa. proferidas e pelos ilustres oradores que me antecederam.

Entre o Sr. Dr. Sidónio Pais e nós os monárquicos portugueses havia um íntimo ponto de contacto, que se baseava em matéria fundamental de administração política; e era que, tanto o Sr. Dr. Sidónio Pais como nós, tínhamos a absoluta convicção de que a pátria portuguesa não pode realizar as condições necessárias, não digo já para o seu desenvolvimento, progresso e bem estar, mas nem sequer os indispensáveis para á sua própria existência e conservação, como sociedade orgânica e civilizada, sem a intemerata e intransigente defesa dos princípios políticos conservadores.

Divergíamos, Sr. Presidente, em que

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nós, os monárquicos, entendíamos, e cada vez mais convencidos estamos, que a realização dêsse alto pensamento político só era possível com a restauração do regime monárquico, ao passo que o Sr. Dr. Sidónio Pais entendia, e propôs-se demonstrar praticamente, que o podia ser com o regime republicano.

Era uma tentativa honesta e patriótica e por tal forma só impôs à consideração do país, pela maneira sincera, lial e generosa como foi iniciada, que os monárquicos não duvidaram prestar ao Sr. Dr. Sidónio Pais toda a colaboração e apoio que era possível e compatível com o seu decoro e dignidade política (Apoiados).

E se, Sr. Presidente, neste, hora amarga de luto e dor nacional, algum sentimento, não de alegria porque a não podemos ter, mas de consolação e conforto nos eleva o espírito, é o que resulta de, consciência que temos de que nem um só momento desfalecemos na prestação dêsse apoio (Apoiados).

Circunstância esta que noto, Sr. Presidente, não para elevar-nos ou engrandecer-nos no conceito do público, mas apenas para constatar que à nossa constância, persistência e tenacidade, na prestação do apoio prometido, correspondeu sempre, por parte do infortunado Presidente, a mesma constância, perseverança e firmeza na defesa e sustentação da orientação e princípios que nos uniam. (Apoiados).

Nesse pôsto de combate, onde tam galhardamente implantou o seu perdão político, acaba, Sr. Presidente — e, ai de nós, para sempre! — de ser fulminado por um braço traiçoeiro e assassino, o Sr. Dr. Sidónio Pais.

Parece que ao destino aprouve que essa grande figura moral ficasse una e íntegra na história, não consentindo que as injúrias do tempo e do insucesso pudessem apoucá-la ou diminuí-la na sua grandeza e prestígio, antes preferindo lançá-la de golpe na algidez da morte, mas na plena radiação e brilho da sua gloriosa popularidade! (Apoiados).

Os monárquicos portugueses inclinam-se piedosamente, confrangidos ante o ataúde onde repousa a mais nobre, mais simpática, mais cavalheiresca e gentil figura da política republicana de Portugal, dominados por um sentimento profundo e
complexo, pois o é, ao mesmo tempo, de dor, amargura e tristeza e de repulsa, indignação e vergonha!

De vergonha, sim, Sr. Presidente, por vermos que a sociedade portuguesa, na sua enorme maioria, na sua quási totalidade ordeira, pacífica e legalista, continui, ante o olhar atónito do estrangeiro, a dar o espectáculo miserando de ainda não ter conseguido dominar, reduzir à impotência ou expungir de si uma insignificante minoria, mesquinha e reduzidíssima pelo número, mas tam bárbara, despótica e cruel nos seus processos, que há longos anos nos traí: envolvidos na mais completa desordem e anarquia, manchando a cada passo a luminosidade e a pureza da nossa história com a prática dos mais repugnantes e odiosos atentados. (Apoiados gerais).

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem! Muito bem!

O Sr. Pinto Coelho: — Sr. Presidente: associo-me com a mais profunda comoção ao voto de sentimento por V. Exa. proposto.

É Portugal, principalmente hoje, um país pobre ou empobrecido sob vários aspectos.

Creio não melindrar ninguêm dizendo que a sua principal pobreza é em homens.

Fez-se uma revolução em 1910.

Nestas surribas profundas no solo dum país, que ordinariamente são as revoluções, há a legítima espectativa de que aflorem à superfície camadas novas e que surjam, pois, novas competências.

A revolução de 1910 foi, a tal respeito, infelizmente estéril.

Não assim a de 1917.

Essa, senhores, produziu um homem.

Um homem com uma tal estatura para ser chefe, que todos nós, sem o mínimo esforço, antes com o mais espontâneo respeito, como chefe o acatávamos e venerávamos.

Eis porque o crime, que nós todos hoje aqui estigmatizamos horrorizados, me aparece como um dos maiores crimes que neste momento podiam ser cometidos contra a pátria portuguesa.

Vozes: — Muito bem.

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O Orador: — Eu não sou um ingrato.

Rememoro, com a mais funda saudade a íntima alegria do dia 8 de Dezembro de 1917, alegria de resto, a breve trecho sombreada por um luto cruel de família.

A revolução triunfante não era, evidentemente, o triunfo pleno do meu ideal religioso, ou político, mas era o desafogo duma violenta opressão, desafogo tanto mais de comover quanto; mais inesperado.

Desde que o chamado movimento das espadas, tinha naufragado no 14 de Maio, que fizera reverter o país a uma situação ainda pior se possível, do que o statu que ante, eu, e creio que comigo muitos, tínhamos absolutamente perdido a esperança de salvação.

Apelava-se para qualquer transformação que porventura as futuras, condições da paz pudessem trazer-nos.

Mas apelava-se, vagamente, porque o homem nunca pode renunciar inteiramente à esperança, mas sem convicção, sem nenhuns visos de probabilidade.

Pois a obra que todos reputávamos inverosímil, realizou-a Sidónio Pais num rasgo verdadeiramente heróico.

Foi dêste homem, deste herói, dêste chefe, que uma mão, não sei se mais criminosa do que imbecil, se mais imbecil do que criminosa; nos privou em poucos minutos.

Sr. Presidente ontem num jornal, referindo-se ao atentado: Vingança! Vingança!

Eu não acompanho esse grito, porque a vingança dos homens não realiza a justiça de Deus: (Apoiados).

Clamo, porêm: Justiça! Justiça! (Apoiados).

Mas justiça que não fique a meio caminho, justiça completa.

E é preciso mais atingir aqueles que, pela mais nefasta das propagandas, trataram, de criar a atmosfera, o ambiente propício à realização de tais atentados. (Apoados).

A todos êstes deve alcançar uma justiça que têm de ser inexorável!

Porque, na verdade, corta o coração, reflectir que tendo Portugal, à custa do sangue e de indizíveis sofrimentos dos
seus filhos e à custa de sacrifícios de toda a ordem, logrado conquistar perante o concerto das nações uma situação do maior relevo, corra o risco de a ver estragada às mãos de assassinos que são a vergonha da humanidade!

Sr. Presidente: não há mais de dois ou três dias que eu, discutindo nesta casa o projecto sôbre suspensão de garantias, manifestava as minhas apreensões pela notoriedade que, em consequência de sucessivos crimes e movimentos revolucionários, Portugal ia ganhando ao estrangeiro, notoriedade triste, em contraposição tam lamentável, àquela que, noutros tempos, tinham chamado sôbre esta pequena, mas gloriosíssima nação de feitos dos nossos guerreiros é navegadores.

Mal pensava eu quê a poucos dias de intervalo aquela notoriedade ia ser de tam horroroso modo avolumada! (Apoiados).

Isto é grave, Sr. Presidente!

Tam grave, que todos os rebates me parecem poucos para salientar aos olhos de todos os congressistas as responsabilidades tremendas da hora presente!

Sr. Presidente: eu que não tenho absolutamente nenhumas ambições pessoais de ordem política, eu que, do modesto lugar, que ocupo nesta Câmara, só aspiro à função de aqui pugnar pelas essenciais liberdades católicas que reputo indissoluvelmente ligadas ao bem do meu país, eu tenho porventura, únicamente sob êste ponto de vista, alguma autoridade para clamar a todos desinteresse a abnegação.

Pará longe senhores, todas as ambições pessoais! (Apoiados).

Saibamos medir a grandeza dos sacrifícios que a todos nós nos pede a salvação do país. (Apoiados).

E desde que seja êste o nosso ponto de vista, não nos será difícil unir-nos num pensamento comum. {Apoiados).

Se nesta hora solene é nosso objectivo prestar homenagem à memória do grande homem que foi Sidónio Pais, estou convencido de que será êsse o melhor modo de lhe testemunharmos que a nossa gratidão não morreu com êle, antes lhe sobrevive mesmo à custa dê todos os sacrifícios, para continuar e fecundar a sua gloriosa obra!

Tenho dito.

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O Sr. Queiroz Veloso: — Sr. Presidente: com sacrifício vim assistir a esta sessão, porque a minha saúde mal mo permitia. Mas, representando nesta Câmara as Universidades portuguesas, entendo que, ainda com maior sacrifício, eu não podia deixar de vir aqui prestar a última homenagem ao professor ilustre da mais antiga das Universidades portuguesas.

Estão de luto as Universidades; está de luto todo o professorado português. E que ninguêm, como o Sr. Sidónio Pais, melhor soube compreender e conjugar os legítimos interêsses do professorado com as mais altas conveniências do ensino.

Sem o mínimo ressaibo de lisonja para a sua memória, é de justiça proclamar-se que nunca as Universidades portuguesas tiveram um Estatuto mais perfeito, uma Constituição mais liberal, uma organização mais flexível, capaz de preencher os múltiplos anos do ensino universitário moderno.

Pois êsse Estatuto não foi, apenas, simplesmente assinado pelo falecido Chefe do Estado. Com pleno conhecimento de causa o posso dizer, pois tambêm tive a honra de colaborar nesse diploma, que a nova Constituição universitária foi por êle considerada em todas as suas minudências, amorosamente discutida em todos os seus fins, promulgada com a absoluta consciência de que o novo Estatuto representava a pedra angular do ensino superior em Portugal.

O mesmo sucedeu com a reforma do ensino secundário e, em geral, com todos os diplomas que refundiram e melhoraram as nossas Faculdades e Escolas. Nunca o professorado português tinha visto, naquele alto cargo, um homem que tam profundamente se interessasse, com tanta sinceridade e tam verdadeiro entusiasmo, não só pela miserável situação material dos professores, como pelos fecundos resultados que duma nova organização do ensino público podiam advir para a reconstrução scientífica e económica da nossa nacionalidade.

Mas o atentado de que foi vítima o Sr. Dr. Sidónio Pais não feriu apenas, dolorosamente, o professorado português: ofendeu a nação inteira.

Como disse o orador que me precedeu, Portugal não é rico de homens notáveis,

E o Sr. Dr. Sidónio Pais era incontestavelmente um homem. Mostrou-o na sua ponderada energia, na rapidez das suas resoluções, no rasgado, das suas vistas, na generosa acolhida com que recebia os deserdados, na intrépida serenidade com que afrontava os maiores perigos. Mostrou-o até na morte! (Apoiados).

Pois é de homens que Portugal precisa, tanto tem baixado, infelizmente, o carácter da gente portuguesa. É desta decadência — triste sintoma de todas as grandes crises nacionais — que resulta êste espírito de desordem, êste fermento de anarquia, esta permanente intraqùilidade, que nos violenta e oprime há alguns anos. A indispensável que êste desvario acabe por uma vez. Assim não se pode trabalhar, estudar, viver! (Apoiados).

Portugal atravessa um dos momentos mais difíceis da sua história. E certo que até hoje uma estrela providencial parece ter velado por nós. Mas não esqueçamos que uma tenebrosa nuvem a obscureceu já, durante uma longa noite de sessenta anos.

Estamos a poucas semanas da abertura da Conferência da Paz. Nela temos o nosso lugar marcado, por legítimo direito de conquista, mercê dos heróicos sacrifícios dos nossos soldados. Pois é nesta conjuntura, quando o mais pequeno deslize nos pode fazer perder a situação ganha à custa de tantos esforços, que um monstruoso crime prostra o Chefe do Estado!

É, preciso, Sr. Presidente, que esta desorientação termine. Por honra nossa, pelo perigo que pode correr a nossa independência, ponham-se de parte todas as ambições e todas as vaidades, unam-se todos os esforços numa desinteressada e generosa conjunção de boas vontades. Só assim faremos de Portugal um país livre, tranquilo, honesto, trabalhador. (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Machado Santos: — Sr. Presidente: como homem de acção, que até hoje apenas de frente tem sabido atacar os seus inimigos; como homem público que tem como emblema da sua política apenas o estandarte da reconciliação nacional, não posso deixar de protestar contra êsse atentado que veio neste momento vi-

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brar um golpe profundo na nossa nacionalidade.

Sr. Presidente: associando-me aos votos de sentimento por V. Exa. propostos pela morte do Sr. Dr. Sidónio Pais, eu apelo para o Parlamento do meu país porque espero que dêsse Parlamento, voltando-se às normas do direito constitucional, se possa promover a obra da salvação da Pátria.

Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Oliveira Santos: — Sr. Presidente: como homem de ordem e arredado de qualquer facção política declaro sinceramente que me sinto envergonhado de ser português e de ser professor de história perante o assassinato cobarde e revoltante que prestou para sempre o Sr. Dr. Sidónio Pais.

Sr. Presidente: eu não encontro fácilmente palavras para exprimir a minha repulsa íntima, profunda, por êsse crime que arrebatou de entre os portugueses um homem que, como muito bem disse o Sr. Dr. Queiroz Veloso, era um homem notável em Portugal.

Repugna à minha consciência, como português e como republicano que preza a ordem e ama a vida, um crime tam monstruoso, como monstruoso foi e me repugnou o que se praticou em 1908 nas pessoas do Rei D. Carlos e do Príncipe Rial.

Em meu entender não houve ainda razões que pudessem levar num impulso de revolta um tresloucado, fôsse qual fôsse o seu ideal político ou religioso, a praticar um tam hediondo acto.

E, se me repugnou o atentado, como me repugnam todos os atentados pessoais sejam quais forem, estou absolutamente de acôrdo com todos os actos, mesmo, violentos que porventura sejam e que o Govêrno julgue necessário pôr em prática para restabelecer a ordem e o sossego neste desgraçado país.

Tenho dito.

O Sr. Ribeiro do Amaral: — Sr. Presidente: é tam grande a estatura moral do Presidente morto, e eram tam excelsas as suas qualidades e virtudes, que creio não haver palavras que descrevam a sua figura.

Lastimando profundamente o atentado contra a vida dum homem como era o Sr. Dr. Sidónio Pais, eu, em meu nome, assim como em nome das classes que represento nesta Câmara e que são as mais prejudicadas com a sua morte, as classes trabalhadoras, aquelas de quem êle se acercou de preferência, associo-me à expressão de pezar por V. Exa. Sr. Presidente proposto, e fazendo-o, nada mais faço do que cumprir um dever, e expressar o sentir que me vai na alma.

Sr. Presidente: o Sr. Dr. Sidónio Pais não cumpriu a sus obra que devia ser grandiosa a avaliar pelo que êle já fizera em tam pouco tempo. Julgo, porêm, que ela se consumará, porque todos nós, portugueses, devemos ter o desejo, o afan, de a concluir, para que esta Pátria tenha uma época de felicidade e de justiça.

Êle, no seio de Deus onde se encontra, velará por todos nós, e o seu sangue derramado redimirá esta infeliz terra que, em verdade, quási o não merecia.

O Sr. Costa Couraça: — Sr. Presidente: cumprimentando V. Exa. e a Câmara nesta hora dolorosa, permita-me V. Exa. que em nome da classe que represento e em meu próprio nome me associe, de todo o coração, à proposta de V. Exa. relativa ao terrível acontecimento que enlutou a nossa nacionalidade, com a perda do grande homem, público, grande cidadão e grande português, que em vida se chamou Sidónio Pais.

Conheci-o quando Ministro das Obras Públicas e no pouco tempo que durou o nosso convívio eu tive ocasião de apreciar a superioridade da sua inteligência, a bondade do seu coração, a generosidade do seu ânimo e a levantada nobreza do seu carácter!

Assim, pois, com muitas lágrimas me associo à comemoração da perda dolorosíssima do homem que neste momento era para mim a encarnação da Pátria Portuguesa.

O Sr. Afonso de Melo: — Sr. Presidente: ao entrar nesta sala, os ilustres Senadores que aqui representam a agricultura delegaram em mim o encargo de, em nome dêles, manifestar à Câmara o profundo sentimento que a todos nos domina ao encontrarmo-nos em face dêste tremendo acontecimento,

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Sr. Presidente: já que tal encargo me foi cometido, não será apenas no cumprimento dessa delegação, que eu pronunciarei as palavras que vou dizer, parque satisfarei também um dever muito íntimo do meu coração, obedecerei, a uma como que uma imposição da minha sensibilidade, dizendo a V. Exa. e à Camara que o assassinato cometido na pessoa do Sr. Sidónio Pais foi um dos desastres que, no decorrer da minha vida, mais profundamente me tem impressionado.

Tenho a felicidade de ainda ter os meus pais, vivos e de nunca ter perdido um filho.

Não conheço, por isso, as grandes dores que esmagam o coração ou aniquilam toda a felicidade, duma vida.

Mas creia V. Exa. que a morte do Sr. Presidente da República produziu no meu sistema nervoso o mesmo abalo que me causaria talvez a perda de um amigo querido, arrebatado inesperadamente à minha convivência e ao meu afecto.

Sr. Presidente: eu não soube da morte do Sr. Sidónio Pais se não no dia seguinte ao atentado, pelas nove horas. Percebi que na rua se fazia um desacostumado alarido e que se comentava o bárbaro assassinato com uma vivacidade impressionante; e se alguma cousa me consolou, para que não tivesse de corar de vergonha por ser português, foi o verificar imediatamente que, toda aquela gente, que era na maior parte gente humilde e proletária, se associava aos protestos contra o atentado, com uma indignação igual à que me possuía nesse momento.

Era a verificação iniludível de que a perda do Sr. Dr. Sidónio Pais tinha sido uma perda nacional. Eu vi quanto ela comovera a alma popular, e quanto, a figura gentil ao Presidente morto se insinuara no animem do povo generoso e bom.

E, todavia, seria de presumir, que as pessoas que se não podiam aproximar do Sr. Dr. Sidónio Pais, não conhecessem os dotes que encerrava o seu coração e o seu espírito!

Eu tive ocasião de me aproximar dêle algumas vezes, e, cada vez que o ouvi, tive a impressão nítida de que estava em frente de um homem verdadeiramente superior.

Devi-lhe provas de consideração que não esqueço, mas não é de mim que me cumpre falar agora.

Em nome dos Senadores pela agricultura é que eu preciso de pôr em relêvo a vasta acção governativa de Sidónio Pais, porque não raras vezes se cometeu a injustiça de se dizer que Sidónio Pais não se preocupava com fazer, obra de Govêrno, porque não tinha outra preocupação que não fôsse a da manutenção da ordem pública.

Isto não é verdade, Sr. Presidente!

Sidónio Pais não, fez a imensa obra de Govêrno que podia ter feito, porque realmente a necessidade, de manter a ordem e de garantir a estabilidade da situação política foi, de todas a maior. Mas muito fez, que é preciso que se não olvide nesta terra onde a crítica floresce e os benefícios depressa caem no esquecimento.

Num país onde o espírito de ordem estava desorganizado, num país onde cada conservador se sentia metido, por assim dizer, dentro de si mesmo, mal conhecendo o seu vizinho, êle conseguiu reùnir em volta de si todas essas fôrças que representam a paz social, a vontade de trabalhar e de progredir dentro da lei e da verdadeira liberdade.

Bastaria isto, Sr. Presidente, para ser grande a sua obra.

Mas êle fez mais: deu impulso à assistência pública, criando uma obra admirável de socorro aos inválidos e às criancinhas, a que para sempre ficará ligado o seu nome; pela primeira vez em Portugal deu uma forma orgânica e prática à independência da magistratura judicial; reformou, com a sua intervenção directa, o ensino secundário e superior, nos termos felizes e brilhantes a que acabou de referir-se o ilustre Senador e director, da instrução superior, Sr. Queiroz Veloso; ao exército, a quem tanto devemos, reforçou o espírito militar, aumentou-lhe a disciplina abalada por lutas intestinas, e de soldados pouco garboso, mal vestido, que aí topávamos pelas ruas, fez essa cousa briosa e disciplinada, que é hoje o corpo de tropas da guarnição de Lisboa.

Fez mais ainda: concorreu para a solução dum dos mais importantes problemas da vida nacional, restituindo-a paz à alarmada consciência dos católicos portugueses, e não descurou os mais importais dos aspectos das nossas questões económicas.

Veja V. Exa. Sr. Presidente, para não

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citar mais factos, aqueles decretos inspirados por S. Exa., e que estabeleceram princípios em que de há muitos anos, desde o tempo da monarquia se pensava já, sem que houvesse coragem política para os efectivar: a cobrança em ouro de porte de direitos alfandegários, que fez com que o preço da libra esterlina passasse de mais de 11$ para o preço, relativamente favorável, em que está hoje; o resgate da linha férrea de Ambaca; a adjudicação do privilégio temporário para o fabrico de ferro e aço; a compra da maioria de acções da Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro, que eu tenho como um pensamento feliz, a que o futuro há-de prestar justiça, fossem quais fossem os erros da sua execução.

Mas para nós, os Senadores pela agricultura, o que merece maior relevo, entre a acção que o Dr. Sidónio Pais exerceu em todos os ramos dá administração pública, foi a criação do Ministério da Agricultura, que êle, vendo ao longe e ao largo, dotou com todos os órgãos necessários ao desenvolvimento e ao progresso dêste ramo fundamental da economia da nação.

Oxalá, Sr. Presidente, que à largueza da concepção corresponda a inteligência, o zêlo, a devoção cívica dos que hão-de, na sequência dos tempos, efectivar, até os menores detalhes, esta grande obra!

É por isso que, como cidadãos, como patriotas, como agricultores, nós deploramos esta perda irreparável.

Em nome da agricultura portuguesa, em nome da agricultura que vive da terra, da agricultura que, vivendo apegada ao solo sagrado de Portugal, é como que a concretização da própria idea da Pátria, eu junto o meu voto de sentimento ao de todos os ilustres oradores que me precederam.

O Sr. Arnaut Furtado: — Como Senador e como amigo pessoal de S. Exa. o Sr. Dr. Sidónio Pais, com cuja amizade muito me honrava, amizade que, apesar de não ser longa, foi intensa e acrisolada em muitas horas de amargura e tambêm algumas de alegria, eu procurarei que a comoção me não embargue a voz para dizer a V. Exa., Sr. Presidente, e à Câmara, que, apesar do frio da morte ter já invadido essa grande individualidade, ainda nos acalenta e ampara neste momento de dor o seu grande prestígio.

Devemos, pois, todos, pelos meios ao nosso alcance, evitar que essa fôrça nos não desampare; e, pela minha parte, será esta a maior homenagem que, como amigo, posso prestar-lhe, sendo tambêm êste o maior elogio que, como parlamentar, posso fazer-lhe.

O Sr. João José da Costa: — Associo-me, em meu nome, a todas as homenagens prestadas à memória do morto ilustre S. Exa. o Sr. Dr. Sidónio Pais e faço minhas as palavras do Sr. Castro Lopes.

Mal diríamos nós todos que havíamos de prantear hoje aqui a morte do ilustre Presidente da República.

Eu protestei sempre contra os atentados pessoais, e não podia, portanto, de forma alguma deixar de prestar esta homenagem àquele que foi um grande português.

Eu não esqueço as suas últimas palavras: «Não me apertem». E porque nos queria ainda dizer com toda a sua grandeza de alma: «Eu morro pela Pátria».

O Sr. Jorge Guimarães: — Começo por cumprimentar a V. Exa., Sr. Presidente, visto ser a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Câmara.

Protesto contra o infame atentado de que foi vítima o Sr. Presidente da República, Sidónio Pais, e acompanho V. Exa. no voto, de sentimento proposto, não só pessoalmente, mas tambêm em nome da província do Douro, que represento nesta Câmara, e que foi quási em todo o tempo que S. Exa. ocupou o seu alto cargo a mais fustigada por grandes desgraças, alêm da fome e suas consequências.

Essa província, e especialmente a sua capital, foi flagelada por várias epidemias, e o ilustre Presidente extinto, cujas qualidades nós tanto apreciamos, teve ocasião de manifestar os grandes dotes do seu coração. Esforçou-se para que não faltassem socorros, e foi êle mesmo mais de uma vez junto do leito dos doentes verificar como eram tratados e confortá-los, expondo aquela vida tam preciosa, que infamemente nos foi arrebatada agora.

Por isso, na minha província, a sua memória ficará eterna.

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Tenho a certeza, e poderei afirmar a V. Exa. que na província, do Douro, tanto na casa dos ricos como na choupana, dos pobres se chora a morte de tam benemérito cidadão.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Em nome desse povo, que tanto lhe deve, porque o grande morto se preocupou mais com os pequenos de que com os grandes, apresento os meus sentimentos.

O Sr. Luís Firmino de Oliveira: — Pedi a palavra, para declarar a V. Exa. e ao Senado, em meu nome e da Associação Industrial Portuense, que represento nesta Câmara, que acompanho V. Exa. e todo o Senado nas manifestações de pesar pelo luto que acaba do cair sôbre a nação.

O Sr. Alfredo, da Silva: - Sr. Presidente e meus senhores: quando pedi a palavra supus que o meu ilustre colega da Associação Industrial do Pôrto ainda não o tinha, feito.

Não a teria pedido nesse caso porque fá-lo hia em nome da Associação Industrial Portuguesa.

Mas antes devo declarar, a V. Exas. que não tenho dotes oratórios, e estou muitíssimo incomodado de saúde.

Falo mal como costumo, com dificuldade, e hoje ainda, mais pelo meu estado de espírito anuviado com o enorme desgôsto que a todos resulta do grande crime há, pouco praticado.

Sr. Presidente: tive ocasião de trabalhar algumas vezes com o Sr. Presidente da República, e pude por isso observar todo o interêsse que lhe mereciam as questões de carácter económico.

Tive ocasião de apreciar a receptibilidade, fácil do seu espírito; a maneira fácil como S. Exa. entrava nas questões que não haviam sido objecto das suas ocupações.

Muitas vezes discordei de S. Exa. mas isso simplesmente representava e provava exactamente, de que S. Exa. estudava os diversos assuntos, acentuando o seu grande, individualismo, tendo um ponto de vista invulgar que, evidentemente, o superiorizava, afirmando-o como um verdadeiro Chefe de Estado..

Sr. Presidente: debaixo do ponto de viste, económico, estou intimamente. convencido de que, se o Sr. Dr. Sidónio Pais mais não conseguiu foi porque absolutamente mais não pôde.

Não se puderam realizar a despeito de tudo algumas das suas grandes aspirações, era virtude de dificuldades que surgiam, por vezes insuperáveis.

Quere-me parecer, Sr. Presidente que o real de S. Exa. o Sr. Dr. Sidónio Pais era exactamente o chamar a si as questões até os seus últimos pormenores deixando ao Secretário de Estado somente a sua aplicação.

O Sr. Dr. Sidónio Pais era um homem com um grande amor pela causa pública, à qual com todo o seu esforço se dedicava. Nós, 3r. Presidente, só vamos devidamente avaliar o que êle foi, agora que o perdemos. (Apoiados).

Eu não quero ser uma ave agourenta, mas nesta momento sinto-me envolvido de pessimismo.

Se nós viemos aqui, a esta casa do Parlamento, foi em razão duma idea do Sr. Dr. Sidónio Pais. Creiam V, Exas. que não voltaremos cá mais e se, voltarmos, há-de ser com muitas dificuldades, pois se procurará obstar a isso.

E por tal motivo que eu faço esta afirmação, como um dos representantes das classes, pois desejava que ela fique consignada.

O princípio da representação das classes foi um ensaio. Talvez que êle não perdure, mas estou certo de que é uma grande prova de que só procurou trazer à. Câmara elementos de muito valor, e isso foi uma idea, uma iniciativa do Sr. D r. Sidónio Pais.

Sr. Presidente: não quero abusar da atenção do V. Exa. e da Câmara, em pretender desenvolver um elogio ao falecido, depois dêle ter sido já feito por pessoas da maior competência e respeitabilidade.

O momento é de angústia para aqueles que vêem neste nefando assassinato um grande perigo para a nossa nacionalidade. (Apoiados).

O orador não reviu.

O Sr. Augusto Cerqueira: — Sr. Presidente: em nome da classe que represento não posso deixar de me associar às manifestações de condolência da Câmara

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pelo bárbaro atentado de que foi vítima o Sr. Dr. Sidónio Pais e contra o que lavro tambêm p meu veemente protesto.

Quaisquer que fossem os defeitos que o malogrado Presidente pudesse ter — os defeitos são próprios de toda a criatura humana — o facto é que o país não pode esquecer os seus serviços.

Ao capitaniar a revolução de Dezembro do passado ano, teve êle incontestavelmente por fim, como disse algures, restaurar o império da lei e da justiça.

Creio firmemente que foi seu intuito engrandecer a nossa Pátria.

Julgo assim que as melhores homenagens a prestar à sua memória não consistem apenas em discursos, por muito eloquentes que sejam, mas em se unirem, neste grave momento, todos os bons portugueses pondo de parte credos políticos e abatendo as bandeiras partidárias, para continuarem a obra por êle começada.

O Sr. Novais da Cunha: — Sr. Presidente: em nome das corporações que represento, devo declarar a V. Exa. e à Câmara que me associo com a maior dor a todas os manifestações de sentimento da Câmara péla morte do querido Presidente Sr. Dr. Sidónio Pais.

O orador não reviu.

O Sr Presidente: — Está esgotada a inscrição.

Suspendo a sessão por meia hora em sinal de sentimento.

Eram 15 horas e 5 minutos.

Reabertura da sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° São suspensos, até a revisão constitucional determinada no artigo 2.° das disposições transitórias do decreto n.º 3:996, de 30 de Março de 1918, os artigos 116.° a 121.°, inclusive, dêste decreto.

§ único. Até à revisão constitucional considera-se em pleno vigor a Constituição Política de 1911, na parte alterada pelos referidos artigos.

Art. 2.° O Presidente da República, a eleger desde já, nos termos do § 2.° do artigo 38.° da Constituição Política, exercerá o cargo até a posse do presidente da República que fôr eleito, de harmonia com o novo Estatuto Constitucional.

Art. 3.° Até a posse do Presidente da República, que o Congresso, vai, eleger, conforme o citado artigo 38.º, §§ 2.° é 3.º, são mantidos na plenitude do Poder Executivo os actuais Ministros ou Secretários de Estado, sob a presidência do Ministro da Marinha e interino dos Negócios Estrangeiros, almirante Sr. João do Canto e Castro Silva Antunes.

Art. 4.° Esta lei considera-se desde já promulgada e entra imediatamente era vigor.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Oliveira Santos: - Requeiro, que entre imediatamente em discussão com dispensa de todas as formalidades regimentais (Apoiados).

O Sr. Castro Lopes: — O mesmo requerimento ia fazer.

Em face dos considerandos que precedem a proposta e que mostram a gravidade do momento sob diversos aspectos, nada mais se me oferece dizer acêrca da necessidade da aprovação desta proposta.

O Sr. Pinto Coelho: — Breves palavras vou dizer, começando por declarar que dou o meu voto ao projecto que acaba de ser lido. Simplesmente como vejo que, por êle, são revogadas diferentes disposições da lei eleitoral, devo explicar que está muito longe do meu espírito contribuir para que, sobretudo neste momento, seja anulada, em qualquer ponto, a obra do Sr. Dr. Sidónio Pais.

Trata-se apenas de atender a uma situação essencialmente provisória.

Suspendem-se diversos preceitos da lei eleitoral, obra do Govêrno do extinto Presidente, mas não se revogam.

E nesse sentido que eu aprovo o projecto em discussão.

Fica assim explicado o meu voto, e desejo que estas minhas palavras fiquem consignadas na acta.

O Sr. Mário Monteiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Cama

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rã que a minoria monárquica não impugna o projecto§ convencida como está de que quem, no exercício da alta magistratura presidencial, suceder ao Sr. Sidónio Pais, não deixará de inspirar-se dos altos princípios políticos e patrióticos que orientaram o malogrado Presidente, e que, assim, se terá a defesa da ordem como primacial condição de Conservação e progresso social.

O Govêrno que se constituir mio poderá deixar de apoiar-se nas fôrças militares de terra e mar, que constituem o mais vivo penhor da realização daquele pensamento.

Em Portugal a desordem e a indisciplina chegaram ao ponto culminante, e é necessário que termine, duma vez para sempre, a anarquia em, que nos debatemos.

A demagogia acabou. A morte de Sidónio Pais foi o seu último e mais infame atentado.

É preciso que assim seja, e só am Govêrno forte, solidamente apoiado na fôrça pública, pode restituir a Portugal a paz e o sossego há tanto tempo perdidos. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Os Srs. Senadores que aprovam o projecto na generalidade, tenham a bondade de se levantar.

Foi aprovado por unanimidade, sendo em seguida igualmente aprovado na especialidade.

O Sr. Castro Lopes: — Pedi a palavra para pedir a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite a dispensa da última redacção para o projecto que acaba de se votar.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Como S. Exas. sabem, vão reùnir as duas Câmaras em sessão conjunta. Portanto a próxima sessão será na segunda-feira da próxima semana, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

O REDACTOR — Albano da Cunha.

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