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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

Sessão legislativa de 2 de Dezembro de 1925 a 31 de. Maio de 1926

Sessão n.° 11, em 6 de Janeiro de 1926

O Sr. Ramos da Costa: — Sr. Presidente: em primeiro lugar dirijo os meus cumprimentos ao Governo,

Conhecendo a quási totalidade dos seus membros, eu reconheço que neles concorrem todas as qualidades de inteligência e de trabalho necessárias para levar a bom caminho a sua "grande tarefa.

A declaração ministerial já tem sido largamente tratada por alguns colegas desta Câmara, mas há dois pontos que necessito frisar e lembrar ao Governo, salientando as vantagens de dedicar a estes assuntos a sua especial atenção.

Kefiro-me à pasta da Instrução e à pasta do Comércio.

A instrução primária, a mais importante e necessária para o desenvolvimento do País, está num. estado desgraçado.

Não há escolas em condições sofríveis.

Apoiados.

A. maior parte das escolas não funciona por não ter elementos para isso, e é assim que o analfabetismo, em vez de ser combatido, é extraordinariamente favorecido.

Conheço algumas escolas que não funcionam regularmente porque as casas onde estão instaladas não têm o suficiente arranjo nos telhados e nas janelas.

Chove lá dentro quando o tempo está chuvoso, e quando o vento é forte as crianças não podem lá permanecer.

O Sr. Ministro da Instrução, que é dotado das mais altas qualidades de inteligência e de trabalho, com certeza que há-de empregar os seus esforços para que este estado de cousas não continue.

Ao mesmo tempo, os programas da instrução primária são tam vastos e complicados que é impossível a um professor explicar, durante as horas regulamentares, todas as matérias de que se compõem os mesmos programas.

Ora era indispensável que esses programas fossem mais resumidos e que todos os alunos fossem obrigados a saber ler e escrever a nossa língua, dispensando-os de outros assuntos que seriam tratados noutra escola.

A prova do crescimento do analfabetismo está em que as nossas estatísticas acusam 80 por cento de analfabetos, o que quere dizer que só 20 por cento da população ó que sabe alguma cousa do que se passa no País e no estrangeiro.

A culpa é daqueles que têm estado à testa dos serviços públicos, por não lhe terem dedicado a devida atenção.

Há muitas repartições do Estado, mas nada de útil para o serviço público.

Apoiados.

O problema da instrução ó o mais importante para um País, pois que aquele que tem um grande número de analfabetos, como o nosso, não tem razão de existir com o qualificativo de «civilizado».

O Sr. Ferreira Simas:—Em compensação há escolas superiores em barda. • j Cada aluno da Escola de Farmácia custa 20.000$ ao Estado!

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Diário das Sessões do Senado

tores e pouco em instruir o povo que ne-1 cessita ler e escrever e ter umas noções elementares do que ó necessário para a vida prática.

Podem fechar-se todas as escolas, mas as escolas de instrução primária devem estar sempre abertas para ensinar ao povo a língua e a história do seu País.

A culpa deste mal-estar não é por por falta de dinheiro, mas sim por falta de vontade de trabalhar e da educação conveniente das pessoas que estão à testa dos serviços da instrução pública.

Lembro-me muitas vezes do que sucedia em Lisboa e em outros pontos do País, quando as câmaras municipais tinham a seu cargo as escolas de instrução primária.

Às câmaras municipais acarinhavam os professores, acarinhavam as crianças e davam-lhes certas regalias que elas não tinham em casa dos seus pais, e desta forma as escolas eram frequentadas por grande número de alunos. • j Desde que as escolas primárias passaram para a dependência do Poder Central, é uma verdadeira calamidade o que se observa, e, se não se lhe puser cobro, dentro ein pouco estaremos pior do que em alguns pontos de África!

O programa do Partido Republicano Português dizia que a instrução primária pertencia aos municípios. Este programa já esteve em vigor, mas foi inteiramente modificado, não para ser melhorado, mas para o fazer retrogradar.

Sr. Presidente: no primeiro Parlamento da Eepública tive o prazer de apresentar um projecto de lei concebido nos seguintes termos: da verba consignada para edifícios públicos seria retirada a importância de 200.000$ para edifícios escolares de instrução primária.

Contra esse meu projecto levantou-se uma campanha, mas por fim foi aprovado.

Apareceu então uma câmara municipal dizendo que havia um edifício que reunia todas as condições para boa escola e como já existia esse edifício, e o dono o cedia para escola, pediu que ele fosse adquirido e pago pela verba de 200.000$ Gonsignada.no orçamento..

Êsise edifício foi mandado examinar por um governo presidido pelo Sr. Dr. Ber-nardino Machado e todas as. pessoas que o examinaram acharam-no em perfeitas condições, tanto sob o ponto de vista da construção, como da higiene, etc., sendo a sua avaliação feita por mais de 20 contos.

Pois o proprietário, para beneficiar a câmara municipal, isto é, o ensino primário do concelho vendeu-lho por 4.500$. Em consequência deste acto de boa administração houve quem promovesse uma acção contra o Governo, por abuso de confiança, em virtude deste ter adquirido esse edifício por 4.500$, quando ele valia mais de 20 contos! jE lá está pendente na Boa Hora uma acção contra um governo por ter praticado esse grande crime!...

O Sr. Silva Barreto" (interrompendo): — Eu digo a V. Ex.a: algumas escolas começaram os edifícios, mas por falta de verba não os acabaram. Há anos e anos que se estão a deteriorar. Mas agora a verba que foi distribuída foi exclusivamente para se concluírem esses edifícios.

O Orador: — Estou convencido de que o Sr. Ministro da Instrução é jum apóstolo da educação popular e que não há-de desistir de levar a cabo esta obra, efectivando a conclusão dos edifícios escolares já principiados e iniciando a construção de outros.

Outro assunto que corre pela pasta do Comércio e que de há muito vem reclamando enérgicas providências. é o que se reíere ao serviço de estradas. •

A lei n.° 88, de 7 de Agosto de 1913, lei que constitui ou substitui o Código Administrativo (sendo para lastimar que depois de 15 anos de Eepública ainda não haja esse Código) estabelece que as estradas se dividem em três classes: as pertencentes à l.a classe chamam-se nacionais, à 2.a pertencem as estradas distritais e à 3.a as estradas municipais, estando as do primeiro grupo a cargo do Estado, as do segundo a cargo das juntas gerais dos distritos e as do terceiro são entregues aos cuidados das câmaras municipais.

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Apêndice da sessão legislativa de 1925-1926

E um costumo na nossa terra, não se fazer caso das leis, o que dá em resultado a anarquia mansa mas perigosa.

Se o Poder Central tivesse feito muito bons serviços e tivesse as estradas em muito bom estado, a reclamação que acabo de fazer não tinha muita razão de ser, mas o Governo tem desprezado as estradas por completo, estando-se .agora a proceder à reparação de algumas delas pelo sistema antigo, que foi inventado pelo engenheiro escocês Mac-Adam.

E preciso atender, Sr. Presidente, qae este processo não servo actualmente para nada. Tem de ser modificado ou melhorado, pois a viação de hoje ó muito diversa da de outros tempos.

E evidente que .a estrada que foi cons--trnída para aguentar .uma tonelada não pode suportar 4 ou 5.

Actualmente há viaturas em serviço nas estradas com mais de 5 toneladas e percorrem o seu trajecto com grandes velocidades, o que exige uma resistência muito maior do que as antigas. Construindo, pois, as estradas por este processo, não .se consegue um bom resultado.

Há poucos anos houve um congresso sobre este assunto em Londres, e mais modernamente outro em Sevilha.

Ficou assente nesses congressos que as estradas deviam sor modificadas exactamente para resistirem à tracção mecânica, devendo-se atender não só ao peso da viatura como também ao facto de pelo efeito da velocidade haver uma espécie de sucção que vai desagregando as camadas superiores e conseqúentemente arruinando as estradas.

Não se fazendo pois uma estrada no sentido de a tornar resistente, não tendo poeiras de verão, nem lama de inverno, que ó precisamente o contrário do que entre nós sucede, não se consegue nada de bom resultado.

Nesse congresso de Sevilha apareceu um engenheiro americano com um sistema de aparelhos para a reconstrução das estradas. Todos esses mecanismos eram de uma insignificância em relação ao valor do trabalho que produziam.

Ora se V. Ex.a ordenasse a aquisição de uma colecção desses aparelhos para se fazer uma estrada, como por exemplo a de Lisboa a Cascais, ela duraria imenso

tempo, pois as estradas francesas que são construídas por este processo já têm mais de sete anos e ainda não tiveram reparação alguma.

Como V. Ex.as vêem as estradas ficam assim muito mais económicas do que as construídas por qualquer outro processo. Isto ó qao ó necessário que se faça, e V. Ex.a, Sr. Ministro do Comércio, que é um ponderado administrador e que se interes-,sa por tudo quanto traga benefício para a nossa terra, estou certo que se há-de empenhar por resolver esto grave assunto da melhor forma.

Se isso não se fizer, o dinheiro destinado à construção de estradas será preferível dá-lo aos pobres para tomarem umas sopas.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos) (interrompendo):— V. Ex.a sabe que há uma lei que manda fazer as camadas de brita com 23 centímetros, pois agora estão-se fazendo com 32 centímetros, o que aumenta a resistência sem dúvida. Mas não podemos empregar processos modernos porque não temos dinheiro para isso; no emtanto algumas estradas já estão em reparação e outras em concurso para empreitadas, mas o que ó necessário é que o Parlamento habilite o Ministério do Comércio com a verba necessária para reparar as estradas, ou sejam 240:000.000$ e mais 400:000.000$ que são necessários para a construção da rede projectada.

Se o Parlamento habilitar agora o Governo com 60:000 contos já alguma cousa de útil se poderá fazer.

O Orador: — Se V. Ex:a apresentar qualquer medida nesse sentido ninguém lhe regateará um centavo.

Folgo muito em que as cousas estejam nesse pé e que seja V. Ex.a o iniciador dessa obra moderna.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (aparte): — Eu não fui o iniciador dessa obra.

O Orador: — Mas pelo menos ainda nenhum Sr. Ministro aqui trouxe esse assunto.

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Diário das Sessões do Senado

e que entendo ser necessário existir, é o cadastro industrial.

V. Ex.a sabe que não pode haver conhecimento do desenvolvimento da nossa indústria sem haver cadastro; já devia estar feito há muito tempo.

V. Ex.a nas diferentes circunscrições tem pessoal técnico e especializado para colher os elementos necessários para ver o estado em que se encontra a indústria nacional, e, se se reunissem esses elemen| tos que andam dispersos, teríiamos ura cadastro de muito valor para se ajuizar do estado das indústrias nacionais.

Um outro cadastro que também devia estar feito era o cadastro geométrico; é uma cousa indispensável, não só para a questão tributária como também para conhecimentos vários como o crédito agrícola e outros.

Eu em tempos alvitrei que oficiais do exército fossem para os trabalhos geodésicos tratar desse.assunto, chegando até o director desses trabalhos a organizar uma brigada; mas nessa ocasião caía o Ministério e nada se fez.

Isto era feito com uma despesa insignificante e o alcance dessa medida era grande. ^Porque não se faz agora este trabalho, que tam importante era para os interesses nacionais?

Ao Sr. Ministro da Instrução eu desejo lembrar um facto de que me esqueci há pouco.

Há no seu Ministério a Direcção de

Belas Artes, à qual devem estar entregues os monumentos nacionais. E necessário organizar o serviço dessa Direcção, em cumprimento da lei n.° 1:700, que já tem mais de um ano de existência, mas que não tem sido cumprida.

V. Ex:.a prestará um grande serviço ao País se a puser em execução, salvando assim da, destruição grande número de edifícios valiosos na nossa história e até na história da humanidade.

Assim o edifício dos Jerónimos está quási ao abandono, chovendo lá dentro como na rua. Estava a ser reparado, mas esse trabalho foi interrompido por falta de verba,,

Na frente do mesmo monumento estão vários barracões, verdadeiramente indecentes e ofensivos daquele grande edifício.

Damos, pois, deste modo, direito a que os estrangeiros que rios visitam digam que nós temos o maior desprezo pelo que nos pertence, e infelizmente é isto em grande parte a expressão da verdade.

Eu podia citar dezenas de monumentos abandonados, mas V. Ex.a tem na sua secretária elementos bastantes para poder pôr um dique a esta desgraçada situação.

É necessário que V. Ex.a dedique a esse assunto todo o seu interesso, vincando assim a sua passagem por essa pasta com uma obra verdadeiramente patriótica.

Tenho dito.

Sessãoln.0 38, em 19 de Março de 1926

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos): — Sr. Presidente : pedi a palavra para informar o Sr. Alvares Cabral de que, de facto, a comissão nomeada pelo Governo para estudar as reclamações das escolas em greve, e doutras classes, devia ter concluído os seus trabalhos há já alguns dias, a instâncias do Sr. Ministro da Instrução e minhas ; e na verdade, há quatro ou cinco dias o presidente.; dessa comissão, Sr. Queiroz Veloso, procurou-me no meu gabinete, dizendo-me estarem concluídos os respectivos trabalhos, mas que não podia dinda dar a fórmula escrita dos resultados a que se tinha chegado, porque as

actas eram muito longas, estando a fazer e tendo de haver nova reunião para se ultimarem esses trabalhos e se poder apresentar as cópias dessas actas.

Fui hoje, na verdade, procurado por dois professoras do Porto, que me participaram terem recebido um telegrama do Sr. Queiroz Veloso a dizer-lhes que a comissão reunia outra vez e que era conveniente que estivessem presentes para tratar de assuntos relativos às reclamações anteriores.

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Apêndice da sessão legislativa de 1925-1926

^ Houve, porventura, qualquer tentativa para reacender a questão e discuti-la novamente? Não sei. Os comissionados, depois de terem falado comigo e trocado ideas, dirigiram-se à comissão. Não sei o que se passou, mas suponho que os trabalhos estão concluídos e que dentro dalguns dias a comissão os apresentará d$-vidamente formulados.

Seja como for, esteja V. Ex.a tran-

quilo porque se trata apenas duma comissão de estudo, que evidentemente tem as suas minutas já feitas e não vai alterar o que fez.

Logo que eles tenham os trabalhos definitivamente redigidos apresentá-los hão, e o Governo, se concordar com eles, enviá-los há ao Parlamento e resolverá as reclamações como entender ser justo.

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