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REPÚBLICA

PORTUGUESA

SESSÃO 3ST.° 35

EM 10 DE MARÇO DE 1926

Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto

Secretários os Ex,mos Srs,

j Luís Inocêncio Ramos Pereira

í Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal

Sumário. — Depois de se verificar a presença de 28 Sr». /Senadores, o Sr, Presidente declara aberta a sessão. Procede-se à leitura da acta, que foi aprovada, e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do .dia.— O Sr. Ferraz Chaves associa-se ao voto que na anterior sessão se aprovou, referente à escolha do Sr. Afonso Costa para presidir à Assemblea das Nações.

O mesmo Sr. Senador propõe um voto de sentimento pelo falecimento da irmã do Sr. Alves Monteiro, aprovando-o todos os lados da Câmara.

O Sr. Vasco Marques comunica a organização do novo agrupamento político denominado: União Liberal Republicana. Sobre o assunto f alam os Srs. Júlio Dantas, Costa Júnior, Medeiros Franco, D. Tomás de Vilhena, Afonso de Lemos, Fernandes de Almeida e Ribeiro de Melo que declara ingressar no Partido Republicano Nacionalista.

O Sr. Bulhão Pato alude a um telegrama recebido de Timor, referente ao funcionalismo colonial.

Ordem do dia. — Entrou em discussão o projecto de lei n." 29 que regulava a aposentação dos funcionários do Ministério dos Estrangeiros. Foi rejeitado.

Interrompe-se a sessão aguardando a presença do Sr. Ministro dos Estrangeiros.

É reaberta.

O Sr. Ribeiro de Melo realiza a sua interpelação ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, que lhe responde. Apresenta uma moção.

O Sr. Querubim Guimarães produz várias considerações acerca do assunto, requerendo que o debate se generalize. Trocam-se explicações com o Sr. Herculano Galhardo, depois do que, tendo-se posto à votação a moção do Sr. Ribeiro de Melo, foi rejeitada.

Encerra-se a sessão.

Abertura da sessão às lô horas e 8 minutos*

Presentes à chamada 28 Srs. Senadores.

Entraram durante a sessão 23. faltaram Í9.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Alfredo Xareiso Marcai Martins Portugal.

Álvaro António de Bulhão Pato'.

Álvaro César de Mendonça.

António Alves de Oliveira Júnior.

António da Costa Godinho do Amaral.

António Maria da Silva Barreto.

António Martins Ferreira.

António dos Santos Graça.

António Xavier Correia Barreto,

Artur Octâvio dc^Rôgo Chagas.

Francisco António do Paula.

Francisco José Pereira.

Francisco Vicente Kamos.

Henrique José Caldeira Queiroz.

Herculano Jorgo Galhardo.

João Augusto do Freitas.

José António da Costa Júnior.

José Augusto Ribeiro de Melo.

José Joaquim Fernandes de Almeida,'

José Machado Serpa.

José Mendes dos Éeis. -

José Varela. °

Júlio Augusto Ribeiro da Silva.

Luís Augusto Simões de Almeida.

Luís Inocêncio Ramos Pereira.

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Diário ãa>s S&tsões do Senado

Silvestre Falcão.

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores que entraram durante

' Eaimundo Enes Meira. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

'Afonso Benriques do Prado Castro e Lemos.

António de Medeiros Franco.

Artur Augusto da Costa.

Constantino José dos Santos.

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.

Elísio Pinto de Almeida e Castro.

Ernesto Júlio Navarro.

Francisco de Sales Ramos da Costa.

Frederico António Ferreira de Simas.

João António de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira.

João Carlos da Costa.

João Catanho de Meneses.

João Manuel Pessanha Vaz das Neves.

Joaquim Pereira Gil de Matos.

José Fernando de Sousa,

José' Joaquim Fernandes Pontes.

Júlio Dantas.

Minei do Espírito Santos Machado.

Querubim da Rocha Vale Guimarães.

Roberto da Cunha Baptista.

Rodrigo Guerra Álvares Cabral.

Tomás de Almeida- Manuel de Vilhe-na

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Augusto.. César de Almeida Vasconcelos Correia. , /

Augusto de Vera Cruz.

Ernesto Maria Vieira da Rocha.

Francisco Xavier Anacleto da Silva.

Hsnrique Ferreira de Oliveira Brás.

João Maria da Cunha Barbosa.

João Trigo Motinho.

Joaquim Correia de Almeida Leitão.

Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.

Joaquim Manuel dos Santos Garcia.

Júlio Augusto Ribeiro da Silva.

José Nepomuceno Fernandes Brás.

Júlio Ernesto de Lima Duque,

Luís Filipe de Castro (D.)

Manuel Gaspar de Lemos.

Nicolau Mesquita.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.

fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 28 Srs. Senadores. .Está aberta a sessão. Eram l ô horas e 10 minutos. Vai ler-se a acta. Leu-se.

O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considero-a aprovada.

Vai ler-se o

Expediente

Ofícios

Do Ministério da Guerra, respondendo ao requerimento n.° 46, do Sr. António dos Santos Graça.

Para a Secretaria.

Da Presidência da Câmara dos Deputados, devolvendo com alterações a proposta de lei do Senado, que manda rever todos os processos relativos a mutilados de guerra.

Para a 2* Secção.

Da 2.a vara do Tribunal do Comércio de Lisboa, pedindo a comparência naquele Tribunal, no dia 11 do corrente, do Sr. Luís Inocêncio Ramos Pereira, a fim de depor como testemunha.

Concedida a autorização. .

Para a Secretaria.

Telegrama

Dos segundos e terceiros oficiais naturais de Timor, pedindo as regalias consignadas no artigo 19.° da lei 1^° 1:622.

Para a Secretaria, para dar conhecimento ao Sr. Ministro das Colónias.

Requerimentos

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Sessão de 10 de Março de 1928

pedindo para serem reconhecidos revolucionários civis.

Para a comissão de petições.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 916, que apresentei na sessão, de 1924-1925. — Francisco de Sales Ramos da Costa.

Para a Secretaria, a fim de juntar ao projecto e enviar à Secção respectiva.

Antes da ordem do dia

O Sr. Ferraz Chaves: — Sr. Presidente: pedi a palavra para tratai* de dois assuntos.

Primeiro, para declarar que se estivesse presente à sessão de ontem, tinha-me associado de alma e coração ao voto de congratulação pelo facto de Portugal haver sido honrado na pessoa do Sr. Afonso Costa, que foi eleito Presidente da Assem-blea Geral Extraordinária da Sociedade das Nações.

Não é nem como seu antigo discípulo, nem como antigo correligionário, nem tam pouco como seu amigo pessoal, que me associo a esse voto. É tam somente como português que muito ama a sua Pátria, e que folga de a ver distinguida na pessoa de um dos seus mais ilustres filhos.

Custa-me mesmo a compreender que, nesta hora que deve ser de jubilo para todos os portugueses, haja quem quer que seja, tam cego pela paixão política que possa vir levantar uma nuvem, embora muito ténue, ao brilho do nome de Portugal. Porque a verdade, Sr. Presidente, é que deminuir a importância do acto, ou o valor da pessoa em quem Portugal foi honrado, é um acto que não só não é político, mas ainda menos patriótico.

Chego até a pensar e a acreditar que a própria Sociedade das Nações mostra reconhecer muito melhor o valor do homem e do político do que alguns portugueses, j E se assim fosse, como isso se me afiguraria lamentável!

Sr. Presidente: feita esta declaração desejo também propor à Câmara um voto de sentimento pelo falecimento de uma irmã do nosso querido colega e ilustre membro desta casa do Parlamento o Sr. Augusto Monteiro.

Estou convencido que este voto está no ânimo de toda a Câmara.

Apoiados.

Sentimos todos a dor que neste momento o alanceia.

E, Sr. Presidente, se eu tive a honra de haver feito esta proposta é por ter sido o primeiro a usar da palavra;

Com certeza qualquer outro Sr. Senador, se não fosse esta circunstância, o teria feito também.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar também em nome dos Senadores do Partido Republicano Português ao voto proposto pelo Sr. Ferraz Chaves.

O Sr. Vicente Ramos: — Associo-me ao voto de sentimento proposto pelo nosso colega Ferraz Chaves pela morte de uma irmã do Sr. Augusto Monteiro.

O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente : vi hoje nqs jornais a notícia do falecimento de uma irmã do nosso colega nesta Câmara Sr. Alves Monteiro.

Em nome do Partido Nacionalista me associo comovidamente ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Ferraz Chaves.

O Sr. Vasco Marques: — É com o maior sentimento que me associo ao votoxproposto pelo falecimento da irmã do Sr. Alves Monteiro. Tenho, há muitos anos, a. honra de ser amigo de S. Ex.a, sei quais os primores do seu carácter e avalio muito bem a dor que neste momento o aflige e,, por isso, me associo, repito, com o maior sentimento ao voto proposto pelo Sr. Ferraz Chaves.

O Sr. Azevedo Coutinho: — Em nome deste lado da Câmara associo-me ao voto de sentimento pelo falecimento da irmã do nosso colega nesta Câmara Sr. Alves Monteiro.

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Diário das Sessões do Senado

O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente : após acontecimentos que são do domínio público, unia parte dos componentes do Partido Republicano Nacionalista deliberou afastar-se da mesma agremiação partidária para juntamente com outros elementos, republicanos constituírem um novo agregado partidário, a União Liberal Republicana.

Foi com saudade que nos afastamos dos nossos antigos companheiros, pois tais separações são sempre dolorosas e, Sr. Presidente, se eu digo com toda & verdade falando de uma maneira geral, com muito maior sentimento o expresso com relação aos nossos colegas nesta Câmara, pois foi com .saudade e também com mágua que os deixámos, visto que sempre por eles professámos a maior amizade e respeito, e deles recebendo também provas inequívocas de afecto, que jamais esqueceremos.

Partido constitucional dentro da República, queremos também exercer a nossa acç3,o dentro da ordem e da lei, propondo-nos governar no momento oportuno para podermos pôr em execução o nosso programa partidário.

Perante o actual Governo seremos oposição fiscalizadora, sem ódios e sem retaliações.

Não seremos os adversários intransigentes, apenas apostados em derrubar governos, antes seremos oposição construtiva, não hesitando em reprovar aquilo que consideremos lesivo para a Pátria e para a República, mas dando também o nosso voto franco e sincero àquilo que consideremos útil e profícuo.

A V. Ex.a, Sr. Presidente, apresento, pois, respeitosos cumprimentos em nome do novo partido republicano, assim como apresento as minhas saudações afectuosas a todos os lados desta Câmara, sendo nosso propósito viver com todos os seus componentes adentro daquela atmosfera de correcção e de respeito mútuo que são apanágio do Senado, desejando ao mesmo tempo colaborar com todos os lados da Câmara em tudo aquilo que seja para bem do País e da República.

Aproveito esta ocasião para, em nome da União Liberal Republicana, declarar que, se ontem estivéssemos presentes à sessão, nos teríamos associado ao voto de congratulação que aqui foi proposto relativo à elevação do Sr. Afonso Costa à

presidência da Sociedade das Nações, pelo alto e honroso significado que essa eleição teve para Portugal.

O Sr.. Bulhão Pato : — Sr. Presidente : recebi ontem de Timor um telegrama assinado por alguns representantes de várias classes do funcionários, em que se pede a minha interferência no sentido de ser revogado o diploma legislativo colonial n.° 86.

Não estando presente o Sr. Ministro das Colónias, peço a V. Ex.a, Sr. Presidente, a fineza de transmitir àquele Sr. Ministro o conteúdo do telegrama que tomo a liberdade de mandar para a Mesa.

Já acui há tempo me referi a este assunto, e até em primeira mão, em face do telegrama1 vindo do Moçambique.

Não renovarei as minhas considerações, tanto mais que, na outra Câmara, alguns Srs. Deputados se referiram já ao assunto, que está no espírito de todos os coloniais.

O Sr. Ministro' das Colónias, em resposta às minhas considerações, declarou que o diploma era de carácter muito transitório; e eu quero crer que S. Ex.a o tornará o mais transitório possível, a ponto de o revogar, porque está causando um mal-estar e sobeja má vontade contra os serviços, a que ó necessário pôr cobro.

O Sr. Presidente: — Transmitirei ao Sr. Ministro das Colónias as considerações de S. Ex.a

O Sr. Júlio Dantas:—Pedi a palavra para declarar que é com profunda mágoa que a minoria nacionalista vê afastarem--se das suas fileiras dois parlamentares experimentados como são os Srs. Vasco Marques e Fernandes de Almeida.

Não ficamos no mesmo campo, é certo; mas também não nos encontramos em campos opostos.

A dissidência não foi motivada por divergência de ideas ou de doutrinas, ou de princípios, mas, tam somente, por nobres e naturais paixões de homens.

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Sessão de 10 de Março de 1926

Apresento-lhes, a ambos, as minhas homenagens.

O Partido Republicano Nacionalista constituíu-se sobretudo no propósito de dar satisfação, dentro da República, às correntes de opinião conservadora, o de estabelecer um maior equilíbrio entre as forças políticas do regime, equilíbrio julgado necessário, para empregar a frase do Sr. Millerand, à «paz civil» da República.

Os nossos propósitos são os mesmos; os de hoje como os de ontem. Mantemo--nos no nosso posto, serenamente, para servir o País e as instituições com a mesma dedicação o a mesma fé.

Teve há dois anos o Partido Nacionalista o desgosto de ver afastar-se das suas fileiras a alta figura de republicano que é o Sr. Álvaro de Castro, meu particular amigo.

0 seu afastamento determinou-, nessa ocasião, a constituição de um novo grupo político : a Acção Republicana.

Tive agora o desgosto, não menor, de ver sair do partido o Sr. Cunha Leal, meu amigo também, meu companheiro de três Ministérios, individualidade de superior relevo da República e um dos maiores parlamentares que honram, neste momento, a tribuna política em Portugal.

Tal qual como sucedera quando do afastamento do Sr. Álvaro de Castro, outro novo agrupamento se formou: a União Liberal Republicana.

Faço sinceros votos, Sr. Presidente, para que a União Liberal, agora constituída, possa ter uma vida mais larga do que aquela que tove a Acção Republicana, da qual já o próprio Sr. Álvaro de Castro se afastou.

Os altos destinos da política reservam sempre às dissidências uma existência efémera.

1 Que desta vez —lealmente o desejo — os destinos só nãovcumpram!

Quando o Partido Nacionalista se constituiu, houve quem dissesse que as suas forças eram reduzidas.

Pois bem!

E esta a segunda dissidência; afastaram-se de nós figuras com o prestígio de Álvaro de Castro o de Cunha Lea!s e o-partido continua a viver, lamentando profundamente a perda de alguns correligionários valiosos, é certo, mas, hoje como

ontem, cheio de fé nos seus destinos e ocupando no quadro das forças políticas da República o alto lugar a que tem direito.

Sr. Presidente: renovando os meus cumprimentos aos meus dois antigos correligionários, espero que, batendo-nos, como nos batemos, no mesmo campo e pelas mesmas doutrinas, muitas vezes, no decurso dos trabalhos parlamentares, nos encontremos do-mesmo lado.

Tenho dito.

O Sr. Costa Júnior:—Sr. Presidente: este lado da Câmara lamenta sinceramente a dissidência que se deu no grupo nacionalista. Mas, como dessa dissidência resultou um novo agrupamento republicano, o Partido Republicano Português cumprimenta-o e faz votos pelas prospe-ridades do novo partido.

O Sr. Medeiros Franco: — Sr. Presidente : as declarações que acaba de fazer o ilustre Senador e meu particular amigo Sr. Vasco Marques acerca da constituição do Partido da União Liberal Republicana não podem deixar de me merecer, nesta hora, uma referência especial. E não a faço em obediência simplesmente a meros sentimentos do cortesia.

Tenho pelos dois ilustres Senadores Srs. Vasco Marques e Fernandes de Almeida unia alta e justificada consideração.

Positivamente, Sr. Presidente, estamos na hora das dissidências, e se é certo o ditado latino solatio est miseris sócios ha-bere pmnates, o que eu podia traduzir por a consolação dos dissidentes é ter companheiros; todavia, não encaro nunca uma dissidência, como todo aquele que se preocupo com a alta política nacional, sem mágoa.

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Viário das Sessões do

Sr. Presidente: o que posso dizer é que há males que vêm por bem, e pelo que respeita à minha causa, e ao meu grupo poderei dizer a S. Ex,aí! os Srs. Vasco Marques, e Fernandes de Almeida que, quando tenham de reunir com os seus correligionários nesta Câmara não deixará de haver reunião por falta de número, e que isso sirva de lenitivo para a nossa pequenez.

Dirijo saudações calorosas aos dois ilustres Senadores.

Disse o ilustre Senador Sr. Costa Júnior, e muito bem, que estamos na maré das divisões. Efectivamente assim sucede; há pouco, poderemos dizer, foi a divisão do Partido Democrático, em que teve de sair um grupo, digamos pela violência do seu directório; hoje ó

Isto, Sr. Presidente, dá a impressão de que estamos atravessando uma grande crise, a crise dos partidos constitucionais.

Ainda se em resultado destas dissidências resultasse a arrumação das forças políticas, que tam necessária se torna, era motivo para dizermos: ainda bem que se deram estas dissidências, porque então delas alguma cousa devia resultar de prestigioso e eficaz para a vida da República.

Aos ilustres Senadores que acompanham o novo Partido União Liberal Republicana as minhas homenagens, com votos de prosperidades- para o seu partido.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Divise-runt sibi vestimenta mea et super vestem meam miserunt sortem. É uma triste verdade, Sr. Presidente, é uma triste verdade da história:— «Dividiram entre si os meus vestidos», mas havia -ima outra cousa que não se dividia — a capa, e então «lançaram sortes».

Isto é o que acontece meus senhores; há muita divisão, há muitas histórias e depois querem «lançar sortes sobre a veste», mas com essa divisão não pode sair bera ninguém.

Apoiados.

Estamos atravessando um período na humanidade muito grave, e isto porque os ideais têm-se desfeito e um individualismo cruel e brutal é o que domina hoje as sociedades.

O que não pode haver ó sociedades bem organizadas sem cada qual sacrificar um pouco do que é seu.

Apoiados.

Quando cada um não trata senão de chegar a si o que de momento pode, mal vai e surgem estas contradanças que estamos vendo.

Pelo País e pela Pátria só uma cousa, e mais nada, tenho a dizer: — Tenham juízo \

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Sr.. Presidente: trémulo ainda de comoção pela tirada latina do ilustre leader da minoria monárquica, e impressionado pela declaração que fez o Sr. Vasco Marques, da organização dum novo partido republicano, é chegado o momento de declarar a V. Ex.a e à Câmara, sem me importar com as «vestes» a que aludiu o Sr. D. Tomás de Vilhena, que dispo a minha veste de independente, para fazer a declaração da minha adesão ao Partido Republicano Nacionalista.

As pessoas desapareceram e como sou republicano de princípios e de ideas? e lançando os meus olhos ao hemiciclo desta Câmara, tenho de ir procurar os velhos republicanos e esses estão no Partido Nacionalista. É o Sr. Afonso de Lemos, que conheço dos tempos da propaganda, antes de 1910 e que fez parte da antiga comissão municipal republicana; é o Sr. Augusto de Vasconcelos, que também conheço de presidente da comissão municipal e é o Sr. Silvestre Falcão, um republicano da província, que com o seu calor e com a sua voz vinha animar a idea generosa duma mocidade a que eu pertenci.

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Sessão de 10 de Marçolde 1926

ficaram no Partido Nacionalista e pelos que dele se separaram.

Só a generosidade de S. Ex.a podia deixar tão bem colocados os que se afastaram daquele partido.

Como republicano a quem preocupa pouco a generosidade das palavras dos homens públicos, mas muito as ideas e os princípios, faço gostosamente essa declaração, fazendo-a todavia, também com sentimento, visto já estar habituado à minha rebeldia partidária e à minha independência. Prometo no emtanto respeitar a disciplina partidária e obedecer-lhe.

O Partido Nacionalista conta pois mais um adepto.

Infelizmente não leva ele vantagem a nenhum dos dois ex-nacionalistas que se separaram, mas na disciplina levará um pouco mais de vantagem porque ficará ligado aos sãos princípios do Partido NaT cionalista, e não irá atrás de 'ninguém seja qual for a sua categoria mental e por mais . que se proclame a sua honra pessoal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente: as funções que exerço obrigam-me neste momento, com infinito júbilo; a saudar o nosso novo correligionário, Sr. Ribeiro de Melo, pessoa a quem me prendem os mais estreitos laços de amizade, parlamentar que esta Câmara conhece bem pela competência com" que versa todos, os assuntos, pela sua viva combativi-, dade.

A minoria nacionalista felicita-se, certa de que a cooperação do ilustre Senador Sr. Ribeiro de°Melo lhe será, de futuro, valiosíssima.

Conheço 'há largo tempo S. Ex.a Conheci-o no exercício das suas funções consulares, em que é inexcedível de competência e.de zelo.

Vi-o no estrangeiro, cercado de amigos, quási como se natural fosse do país onde exercia as suas funções, tam querido era. Vi-o aqui, nesta Câmara, desempenhando as suas funções parlamentares, sempre com elevação, sempre com desassombro, e sempre com brilho.

Sr. Presidente : o ilustre Senador Sr. D. Tomás de Vilhena falou-nos há pouco em latim, pronunciando um trecho, não

sei se de Cícero, para aconselhar juízo aos republicanos.

Tenho pena de que me não envolva neste momento uma toga de senador no-mano para poder dignamente responder a S. Ex.a —-também em latim — que. s,e os republicanos precisam de juízo, os monárquicos não precisam menos dele.

Todos nós, portugueses, somos os mesmos, com as mesmas qualidades e os mesmos defeitos, e não me parece que o simples' facto de militar nas fileiras realistas dê juízo ou competência a alguém. Não sei se Cícero disse estas cousas, mas podia muito bem tê-las dito.

Devolvo, pois, ao ilustre Senador os bons conselhos que S. Ex.a se dignou ofe-. recer aos republicanos, porque os correligionários devem precisar bem,,deles. •

Tenho dito.

O Sr» D. Tomás do Vilheua:—Sr. Presidente : agradecendo as referências amáveis do meu eminente colega Sr. Júlio Dantas, tenho a dizer-lhe que por cá a atmosfera é muito diferente.

Não gosto, Sr. Presidente, de aludir a essas cousas, porque nunca desejo" ser desagradável, mesmo aos, meus adversários políticos.

Mas deixem-me dizer-lhes : no mesmo dia, à mesma hora, havia duas grandes reuniões de partidários.

Uma delas era das Juventudes Monárquicas Conservadoras, onde se tratava ,de fazer uma eleição muito renhida.

A outra era o Congresso, e vejam V. Ex.as o que aconteceu lá.

Claro está que nós temos outra disciplina, e assim a cousa passou-se optimamente, e por outro lado todos sabem o que aconteceu.

Incontestavelmente nós temos correntes diversas de política.

Deus nos livre que todos pensássemos do mesmo modo, porque então se amanhã tivéssemos o poder teríamos de revezar com V. Èx.as, ao passo que assim contamos com correntes diferentes, mas todas assentes no mesmo, princípio: que ó o principio monárquico, sem necessidade, portanto, de recorrermos a um rotativis-mo com V. Ex.as ou com outros quaisquer.

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Diário âat Sessões do Senado

São sobretudo os jornais republicanos que se comprazem em estar sempre a inventar essas dissidências entre nós.

A nossa assemblea correu nos melhores dos termos, sem um protesto, sem um incidente, e ao mesmo tempo V. Ex.as, que sSo os conservadores da República, deram o espectáculo 'que toda a gente sabe.

O Sr. Júlio Dantas: — Faço votos para que a S. Ex.a-, amanhã ou depois, não venha a suceder o mesmo que a uós porque ato há quatro dias ainda isso não nos tinha sucedido.

O Orador: — No dia cru que no meu partido . não houver obediência, vou para minha casa, onde tenho muito com que me entreter.

Agora ser governado pelos mais, não.

O orador não reviu.

O Sr. Afonso de Lemos:—Sr. Presidente: já o ilustre leader do meu partido dirigiu palavras de entusiasmo, em nosso nome, ao nosso novo correligionário Sr. Eibeiro de Melo. •

Pedi a palavra para responder, como velho republicano, às considerações do S. Ex.a

Sou absoluta o convictamente respeitador da Constituição.

Sou absoluta o convictamente parlamentarista.

Nem mesmo nos tempos da propaganda republicana fui revolucionário.

Todos os republicanos desse tempo se devem lembrar que os trabalhos do Partido Republicano Portuguôs estavam divididos em duas secções, trabalhos do ordem revolucionária, e trabalhos de organização partidária.

Eu era o chefe destes últimos trabalhos, de natureza pacífica.

Por ocasião do enterro do Miguel Bombarda o Cândido dos Reis, fui eu c os meus companheiros, quem fez a polícia na cidade, de que resultou não haver a mais pequena nota discordante.

Foi, Sr. Presidente, com o esforço destas duas organizações republicanas, a revolucionária e a pacífica, que se fez a Ko-pública, e ó por isso que eu digo que metade da República mo pertence.

Sr. Presidente: após a implantação da República, e após o Congresso da Rua da Palma, onde não quiseram seguir a minha orientação, foi aberta- a scisão partidária.

En fui filiar-me no Partido Unionista, e, em harmonia com os meus princípios, o reconhecendo depois, que por um lado estava o Partido Democrático que tinha herdado a grande organização política do velho Partido Republicano, o por outro lado o'pequeno Partido Unionista,

Naturalmente era provocar o engrandecimento' dOsso partido, de forma que ele pudesse opor-se um dia ao Partido Democrático c, sem lutas, nem revoluções, aqui de-ntro do Parlamento esperar a ocasião de dizer : «agora saem os senhores e entramos nós».

Infelizmente, tem sido tudo ao contrário.

Pois, muito bem, numa dada altura o Partido Evolucionista, reconhecendo igualmente que com as forças de que dispunha, se não podia opor ao partido Democrático, pensou, como o Partido Unionista, na conveniência de se juntarem e aproveitou a ocasião do o Sr. António José de Almeida ter sido elevado à Presidência da República para levar isso a efeito,

Eu, Afonso de Lemos, fiquei —friso esta palavra— fiquei.

Se cada um dos partidos valia como dois, passámos a valer como quatro, mas o Partido Democrático valia como oito.

Mais tarde, um outro grupo, o Partido Reconstituinte, reconhecendo também como nós que isolado não nodia faxer cousa nenhuma, ligou-se-nos também.

Eu, Afonso de Lemos, ofiquei», repito a palavra.

Houve uma scisão no partido nessa altura, devida ao Sr. Ribeiro de Carvalho.

Eu, Afonso de Lemos, fiquei.

Passado tempo, o Sr. Álvaro do Castro entendeu que se devia retirar do partido.

Eu, Afonso de Lemos, fiquei.

Agora, devido a uma precipitação — que outra cousa não é— e até mesmo a um,fundo do injustiça praticado pelos que saíram do Partido Nacionalista .. .

Não apoiados.

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Saíram alguns correligionários, e eu sou o primeiro a lamentar— e não sei se V. Ex,as repararam que eu, hoje, logo que entrei na sala, depois de cumprimen-tar a Presidência como era meu dever, fui imediatamente cumprimentar os meus antigos correligionários, como prova de que lamento a sua saída.

Eu, Afonso de Lemos, fiquei.

E ficarei sempre porque emqnanto se não bolir com a minha dignidade de homem e de político, continuarei onde sempre tenho estado, no meu lugar.

Fiz a afirmação de que havia sido um acto de precipitação e de injustiça praticado para com o Partido Nacionalista a saída desses antigos correligionários.

Sr. Presidente: naquele congresso — eu não me queria referir a ele, mas vejo-me obrigado a isso — naquele congresso como é já do domínio público, depois de um congressista ter formulado uma pregunta à Mesa a que eu presidia, sobre a leitura do relatório do Directório, à qual eu respondi que não constava nada a esse respeito, levanta-se imediatamente o Sr. Cunha Leal julgando-se muito ferido e pede, por assim dizer, que aquele congresso se constituísse em tribunal de honra.

Ele ia dar as explicações e aguardava que todos os homens que ali estavam fizessem o seu juízo e pronunciassem a sua sentença, à qual ele se submeteria.

O que se passou depois?

Passou-se o seguinte:

Depois das discussões levantadas, e depois da intervenção de elementos que nunca ali deviam ter ido, de vários partidos, e indivíduos de fora de todos os partidos,

O Directório na pessoa do Sr. Grines-tal Machado fez esta declaração: foi o Directório, que, por proposta minha (Gri-nestal Machado) e respondendo ao pedido do Governo sobre a colocação de várias entidades na administração pública, foi esse Directório, que, sob a sua responsabilidade indicou o nome do Sr. Cunha Leal para governador do Banco Nacional Ultramarino, com o fundamento legítimo nas suas altas qualidades.

Aplaudiu unanimemente, não houve quem não acompanhasse com o maior entusiasmo as palavras do Directório.

Julgou-se assim a causa, com justiça para o Sr. Cunha Leal.

í O que fez este senhor e os que o acompanharam ?

Saíram.

Houve alguém que disse que a moção enviada para a Mesa por um Sr. congressista não devia ter sido, sequer, admitida à discussão. Ó Sr. Presidente! eu estava a presidir e não foi nessa ocasião que a moção foi enviada para a Mesa, mas declaro aqui muito categoricamente que, se estivesse a presidir, fazia o mesmo que fazia no caso de dirigir os trabalhos do Senado : não me pronunciaria sobre a moção e c onsultaria a assemblea sobre a. admissão dessa moção.

O Sr. Fernandes de Almeida (iiítèrrom-gerido);—Foi isso que se não fez,

O Orador : — Essa moção uma vez votada e cuja votação já se conhecia de antemão pela manifestação da assemblea, colocava, evidentemente, o Sr. Cunha Leal, na circunstância de, com honra e dignidade, se conservar naquela sala do congresso.

Por mim, declaro a V. Ex.a que continuo a manter-me onde estava, assim como continuo com os mesmos princípios: sou pela Constituição e pelo parlamentarismo e desejo que as lutas políticas sejam dirimidas aqui dentro, à boa paz.

Se, porventura, se não organiza um partido forte de forma a poder opor-se ao Partido Democrático a culpa não ó minha, nem daqueles que seguem a minha orientação mas dos que seguem o caminho oposto.

Tenho dito.

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to...

Diário das Sessões do Senado

alta consideração e o mais profundo respeito.

Sr. Presidente: feitas as declarações que acaba de fazer o meu ilustre colega e leader Sr. Vasco Marques, não teria que usar. da palavra nesta sessão se não tivesse usado, por parte do Partido Nacionalista, da palavra também, o Sr. Afonso de Lemos.

É certo que eu sei bem, Sr. Presidente, que as palavras que marcam num momento destes a atitude de uni partido são aquelas que são proferidas pelo seu delegado Sr. Júlio Dantas. S. Ex.a é aqui, e muito bem, o leader do Partido Nacionalista; 6 foi, como sempre, de uma gentileza, carinho e galhardia para com aqueles que com desgosto profundo abandonaram o Partido Nacionalista, que eu seria menos delicado se lhe não manifestasse daqui o meu- -mais 'íorte sentimento de gratidão.

, ..O Sr; Afonso de Lemos, procurando fazer ainda um pouco de história sobre os acontecimentos que determinaram a dissidência, fez afirmações que a mim, como'antigo .elemento'dos mais humildes e menos prestimosos do Partido Nacionalista, me feriram, porquanto desde que :se formou este partido e para elo entrei nunca dele pensei em sair porque me sentia nele' muito bem. ' - :

Julgo, Sr. Presidente, poder afirmar aqui que não dependeu da vontade das maí's altas figuras do Partido Nacionalista D que se deu; mas, se S. Ex.a o Sr^ Afonso de Lemos se julga no direito 'de afirmar que aquele acto da dissidência foi Tím acto de justiça para com os 'que -ficaram, devo dizer que o acto de injustiça praticado foi antes dos que ficaram para com os que saíram, pois eu "declaro, sob minha honra, que saí imica-mente 'por esse motivo e com a alma a sangrar, porque dentro desse partido nunca recebi de nenhuma da s'mais altas figuras senão provas de consideração e •respeito-. - '

• • Nunca pedi a ninguém cousa alguma, •;nunca pedi, situações de destaque, nem lu-

• gafes de onde proviessem vantagens de •ordem material.

1 Kepito, Sr. Presidente, se se praticou :um acto de injustiça, esse acto não partiu jdos que saíram, mas dos que ficaram. ;- Eu me explico, J3r. Presidente : se eu

fosse o presidente dessa assemblea na altura em que foi recebida a moção que deu origem ao conflito, teria, antes de mais nada, pegado nela com dois dedos, com receio de que ela me sujasse a mão, e consultaria imediatamente o congresso sobre se. consentia, ou não que a mesma fosse admitida. -

Assim, Sr. Presidente e ilustres Senadores, teria terminado o incidente, porque tenho a convicção de que'ela não seria admitida, e, portanto, muito menos seria discutida.

Dito isto não tenho que fazer recriminações a ninguém: tenho apenas de me louvar nas palavras produzidas pelo Sr. Vasco Marques e de agradecer o carinho e nobreza de sentimentos com que falou nesta casa o ilustre Senador Sr. Júlio Dantas Q à Câmara pedir desculpa por lhe ter tomado por tanto tempo a atenção.

Tenho dito.

Apoiados.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão a proposta de lei n.° 356 (permis-.são para os alunos matriculados nas escolas superiores realizarem os exames de frequência). Este projecto foi já rejeitado pela secção.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.

O Senado aprovou a rejeição feita pela secção.

O Sr. Presidente ! — Vai entrar-se na segunda parte da ordem do dia:

.Interpelação do Sr. Ribeiro de Melo ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr, Ribeiro de Melo : — Roqueiro que continue em discussão o projecto de lei que trata da aposentação dos funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: — Este projecto foi rejeitado pela secção.

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$essâo de 10 de Março de 1926

O Sr. Presidente: — Interrompo a sés,-são até chegar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a fim de se efectuar a interpelação do Sr. Eibeiro de Melo.

O Sr. Presidente declara reaberta a sessão às 16 horaa e 40 minutos.

O Sr. Ribeiro de Melo í — Começo por ler à Câmara uma moção que é do teor seguinte:

Moção

A Câmara do Senado, reconhecendo que a transferência do primeiro secretário de legação, José de Lima Santos, promovido há menos de seis meses' a esta categoria, contra as disposições dos n.os 3.° e 4.° do artigo 71.° da lei orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, promulg, da por decreto com força de lei de 26 de Maio de 1911 e do artigo 14.° da lei de 30 de Junho de 1912 e do artigo 13.° do decreto n.° 5:741, de 10 de Maio de 1919, para o cargo de cônsul geral de" Portugal ein Paris, despacho publicado no Diário do Governo, 2." série, de 2 de Março corrente, convida o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a suspender a execução desta transferência e de todo o movimento consular ô diplomático a que deu lugar até que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie sobre o processo de recurso e de anulação de despacho, que lhe está pendente, e passa à ordem do dia. — Ribeiro de Melo.

Sr. Presidente :. vou tentar justificar' esta minha moção dentro dos limites da cortesia e até da admiração que pessoalmente nutro pelo Sr. Ministro dos 'Negócios Estrangeiros, declarando que não me move nenhum sentimento de animosidade contra S. Ex.a.

Ê facto que nem todos os actos praticados por S. Ex.a na administração do seu Ministério me merecem aplauso.

De maneira nenhuma posso ser admirador, ou comparsa nos despachos de nomeações e transferências feitas pelo Sr. Vasco Borges no que toca ao organismo do Ministério dos Negócios -Estrangeiros, tam desamparado pela República, tam alheado das cousas públicas e, sobretudo, da necessidade que há em premiar serviços que são bem serviços prestados ao regime e à Pátria e, muito menos, em

corresponder à atitude tomada por muitos funcionários desse Ministério, que têin legítimas aspirações dentro da sua carr reira, quando S. Ex.a lhes tapa as por,-•tas de saída aj)ós muitos, anos de tra-

. . _

1 O Sr. Vasco Borges fem méreqiáo cLà imprensa do País e de todos os laílos dá Câmara as mais lisonjeiras palavras de encómio pela sua anvisada política intèr--nacional.

Não pode, porém, S. Ex.á com galhá£-dia ' enfileirar nos seus grandes serviços prestados à República aquela 'obra' de administração que-, seria mester fazer no Ministério dos Negócios Estrangeiroá, que não se compadece de modo algum com as legitimas aspirações dós funcionários que ali prestam-serviço, nem com a justiça que dimana de .um regime demo,-crático. ',-'

As palavras .qúé vòp proferir não pç^ dem ser levadas à conta -dê-ánimosidacíé pelo Sr. Ministro dós 'Estrangeiros.' ''

Tem belas qualidades, ma's têm a fraqueza também de possuir um coração que não é insensível às amizade^., . :. ,.

As legítimas aspirações .dos.'funcionários do quadro consular' aqab'ams- -.rpélp Diário do Governo de 2 de IVfarçQ., de sor esfaceladas, uma vez quê ò 'Sr.' Ministro', para atender a uma pessoa, amiga, 'cometeu uma verdadeira injustiça.L ' ' """'

Era uma aspiração legítima à' cios' funS cionários desejarem mais tarde' que lhep-pertencessem de direito os consulados gerais de Paris e Londres. Isso representa- , ria uma tal ou qual comodidade ou 'recompensa para esses funcionários depois de uma longa carreira.

Poderá o Senado julgar que actos administrativos praticados pelo Sr. Ministro de modo nenhum podem sombrear a sua carreira cheia de glória. " • , o

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t)iárío das Sessões do Senado

Faço-o por pertencer a uma classe a que me honro de pertencer, e as palavras que vou proferir em nada demi-nuem a consideração e o respeito que tenho pelo Sr. Ministro. Mas S. Ex.a ó fraco quando trata de ambições de amigos, ou quando certo poder oculto lá de longe manobra os cordelinhos desta República.

O dossier que eu podia ler à Câmara é bastante prolixu, o levaria o Sr. Ministro a'pedir a sua demissão.

Não se atendeu à competência do funcionário em questão, nem às disposições da Lei n.° 223, nem à informação do di-'rcctor geral dos negócios consulares, qne faz a declaração de que é contra a letra expressa do artigo 6.°

O decreto não foi elaborado na Direcção Geral dos Negócios Consulares, foi-o numa direcção privada, particular, obtusa "das conveniências do grupo que domina no Ministério dos Negócios Estrangeiros,

Se eu aprecio a obra do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros no seu aspecto inais interessante, que é no aspecto internacional, se o admiro pela facilidade com que assimila os altos problemas e pelas qualidades afirmadas nas relações amisto-síssimas com o corpo diplomático acreditado em Lisboa, tenho, como a figura da Justiça, do vendar os olhos a tudo isso, para o censurar asperamente pela maneira como tem dirigido o Ministério dos Ne-' gócios Estrangeiros nas suas funções administrativas.

,Se o Senado quiser atentamente escutar uma voz que se arvorou em arauto dos funcionários prejudicados pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Vasco Borges, ficará cônscio da justiça que assiste a esses funcionários nas suas reclamações, e do estado de desespero em 5 que &e encontram.

" Esses funcionários, tendo prestado serviços ao regime, no estrangeiro, com sacrifício da sua vida e da siia algibeira, em determinadas festas, quiseram honrar os cargos para que tinham sido nomeados, na esperança do que isso seria considerado pelas instituições republicanas e pela Pátria, quando vagassem os consulados de Paris ou do Londres.

Apesar de conhecer esses desejos dos funcionários do quadro consular em alcançar os dois mais brilhatites postoâ que

são, por assim dizer, um prémio de consolação pelos serviços prestados, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tirou--Ihes essa grande esperança, o maior dos desejos, nomeando para esses dois altos postos, não nenhum dos funcionários que há cerca de 20 anos têm dado à República e ao País provas inequívocas da sua competência e inteligência, mas foi buscar ao campo diplomático dois secretários de legação.

Um, que jamais serviu fora de Lisboa, coloca o no consulado de Paris, o outro, habituado ao remanso e ao passear pelo atapetado das embaixadas, coloca-o no consulado de Londres.

Pela sua competência ? Pela sua inteligência? Pelo-seu valor republicano?

i Suborno e alto suborno é o que resulta da leitura do despacho publicado no Diário do Governo de 2 de Março corrente! Tam suborno, tanto esse despacho queimou o coração do Sr. Vasco Borges o a sua consciência, que S. Ex.a não teve a coragem de dar ao funcionário nomeado para a Legação de Portugal em Paris a qualidade que lhe pertencia, pois transfc-riu-o apenas para o Consulado Geral de Paris. Mas como? Como cônsul adjunto? Como cônsul geral de Portugal.

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sição à opinião do director geral dos negócios políticos e consulares, Sr. Oliveira Soares, que declarou ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que a transferência que S. Ex.a queria fazer do Sr. Lima Santos para o Consulado Geral de Paris era ilegal, pois ia de encontro às disposições do artigo 6.° da lei.

Forjou-se um despacho que não vem nos termos legais e que não diz qual a categoria, nem em que qualidade foi transferido para o Consulado de Portugal em Paris o Sr. José Lima Santos.

Sr. Presidente : já estamos habituados, nós os que nos interessamos pelo Ministério "dos Estrangeiros, não só na sua parte internacional, mas também na sua parte administrativa, a ver a série de injustiças praticadas pelo Sr. Vasco Borges, não praticadas de consciência, mas obrigado pelas pessoas de sua amizade e sobretudo por aquelas que pontificam nos partidos da República e até extra-repu-blicanos.

Quando o Sr. Vasco Borges era Ministro dos Estrangeiros sob a presidência do Sr. Domingos Pereira, fez S. Ex.a um despacho que bradou aos céus, sem pensar sequer na responsabilidade que poderia ocasionar um despacho tam leviano como este a que me acabo de referir.

Os funcionários daquele Ministério, vil-mente esquecidos pelo titular daquela pasta, viram ser promovido, por mérito comprovado e por urgência de serviço, a chefe de missão de 2.a classe, que ó um título honorífico com que se enfeitam os pavões do Ministério dos Estrangeiros, um primeiro oficial, o Sr. Santiago Prezado, que não tinha sequer um dia con~o oficial do Ministério dos Estrangeiros, ou o seu equivalente.

Sr. Presidente: no tempo da monarquia compravam-se títulos e condecorações; na'República compram-se lugares.

Digo isto calmamente, serenamente. Prová-lo hei.

Há marqueses, há condes e barões que nem eles, nem os seus próximos ou longínquos antepassados deram o menor esforço em favor das instituições monárquicas,

Estea são os barões, os duques, os marqueses feitos pelo Diário do Governo.

Na República, como não temos títulos honoríficos, como não podemos agarrar numa pessoa querida e fazê-la conde ou barão, promovemo-la ao lugar imediatamente superior e damos-lhe o título de chefe de missão de 2.a classe, que corresponde exactamente a chefe de repartição. Ora, no caso sujeito, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros reconheceu méritos àquele funcionário, não por serviços prestados à República ou ao País, mas talvez por ser proprietário de um jornal, ou porque tem ainda muito dinheiro e vo-. tos para dar e oferecer às instituições republicanas.

Miserável compra osta, Sr.^ Presidente, compra que indigna todo o indivíduo que ó sincero e leal no seu ataque, e que é nobre pelo amor da República.

Mas, Sr. Presidente, isto fez-se.

Nessa altura eu quis, por espírito de solidariedade com os meus colegas do Ministério dos Estrangeiros que tinham sido vilipendiados por este despacho, levantar o meu protesto, mas não o fiz porque esperava que o Sr. Vasco Borges, pelo facto de ter cometido um acto irregular que a lei não permitia, o emendasse para que de futuro pusesse o timbre da justiça e verdade absoluta que deviam merecer os interesses legítimos dos funcionários.

O Sr. Vasco Borges, e é bom que o Sr. Costa Júnior ouça estas palavras porque estou também habituado a ouvir S. Ex.a há muito tempo, apregoando, por toda a parte o cumprimento dos bons princípios, que obrigam todos os políticos ao restrito cumprimento da lei. Mas foi mais longe S. Ex.a o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Havia no Ministério um funcionário, primeiro oficial daquele Ministério, o Sr. Quartin, que ninguém sabe qual o partido republicano em que milita; não há uma manifestação republicana deste funcionário. Pelo contrário há afirmações Sistemáticas de que é monárquico convicto.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): — Não apoiado.

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Diário das Sessões do Seuáào

ca de me interromper porque não ó meu propósito colocá-lo mal.

Não houve um único Ministro que dissesse ao Sr. Quartin que estavam satisfeitas as suas aspirações para ser colocado como secretário em qualquer delegação portuguesa. Foi necessário que o Sr. Vasco Borges fosse ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e levasse para o seu gabinete este'Sr. Quartin para depois o encarregar de uma missão diplomática a Btdapest, como se reconhece pelo despacho de 21 de Outubro de 1925.

Pois bem, Sr. Presidente; desaparece o Sr. Quartin de chefe do gabinete do Ministério indo para Budapesi, faz um tratado que'já estava feito, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros assinou e nós ratificámos no Senado.

Colocou-se o nosso homem em Viena. O Sr. Quartin desapareceu das festas de Lisboa e está colocado em Viena. Não prejudicou ninguém e apenas foi nomeado por uma disposição legítima do Sr, Ministro simplesmente porque tinha o direito de o fazer.

Mas retirou-se imediatamente para o lugar de chefe de gabinete o Sr. Francisco de Calhari Meneses, que é um funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do qual do Anuário respectivo consta a sua situação.

O Sr. Francisco de Calhari Meneses não é um republicano e com franqueza ficar-lhe-ia mal se não seguisse a política de tradição dos seus antepassados, preferindo sacrificar-se a não ser promovido.

Pois bem.

Não vale a pena ler agora a biografia do Sr. Francisco de Calhari Meneses, porque a lazeira e a preguiça dos funcionários que compõem o gabinete do Sr. Vasco Borges foram até o ponto de podar o nome daquele senhor. Ele tem muitos apelidos, sendo palheiros em vez de Calhari, e aparece-nos como Francisco de Calhari Meneses ^Será porque não parecerá bom republicano, um nome, permita-se sem desprimer, com tantas albar-

Sei que o Sr. Vasco Borges pouco se importará com as apreciações que sejam feitas de qualquer dos partidos, incluindo o seu. Não apareceram todos os apelidos do funcionário em questão porque não convinha à preguiça do gabinete do Sr. Vasco Borges.

O Sr. D. Tomás Vilhena: — Que terríveis revelações!...

O Orador: — Nada se importarão com as considerações que produzo, nem a maioria da Câmara nem o Sr. Vasco Borges.

A maioria tem de cobrir o Ministro, o Ministro tem de continuar no seu lugar.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: —Neste momento a maioria somos nós.

O Orador : — Para o efeito da votação S. Ex.a verá como eles correm a agarrar-se à saca de açúcar que tem sido a política administrativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Acho que o Sr. Vasco Borges já não pode cometer mais injustiças do que aquelas que tem realizado até hoje.

Sr. Presidente: também eu já fui demitido por ter protestado em telegrama dirigido ao embaixador de Portugal, Sr. Duarte Leite, e confirmado por ofício que enviei directamente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Informavam-me do Governo constituído após a revolução que nós chamamos sidonista, e eu não aceitei esse Governo e protestei contra a expulsão do Presidente constitucionalmente eleito, Sr. Bernardino, Machado.

O despacho dizia: — «aceite-se o protesto, mas demita-se».

E eu fui demitido e castigado durante seis meses por este feito altaneiro de velho republicano e justo constituciona-lista!

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serviço até por infracções disciplinares, sói disant, a começar pelo Sr. António Maria da Silva e a acabar em qualquer amanuense do Ministério.

Sorviu-me de experiência.

E quando eu supunha—j tive a veleidade de supor tal cousa! — que o Ministro dos Estrangeiros ia reconhecer em mim o mérito comprovado nos muitos relatórios que mandava periodicamente para o Ministério dos Estrangeiros, o mérito e. a competência para ser promovido a cônsul de l.a classe vi passar todos à minha frente e só alcancei a actual categoria, por antiguidade!

^ Que importava quo a pessoa que esperava legitimamente a promoção tivesse sido um dos autênticos revolucionários de 5 de Outubro de 1910? Não direi ainda mea culpa, Sr. Presidente, mas estou quási a chegar a isso.

,jQue importava que a pessoa que esporava legitimamente a sua promoção por mérito comprovado, em gozo de licença no ano de 1912 tivesse ido até às bandas de Trás-os-Montes oncorporado na coluna militar comandada pelo Sr. Pires Monteiro, pôr um dique à segunda incursão monárquica capitaneada por Paiva Cou-ceiro?

óQue importava que essa pessoa estivesse filiada no Partido Republicano Português, como sócio fundador, tivesse elevado a sua pálida voz contra os atropelos da lei e contra a entrada dos maus políticos no meio dos partidos constitucionais da República ?

óQue importava, Sr. Presidente, que eu fosse ainda um-parlamentar ?

óQue importava que eu marcasse na situação política do meu país uma posição absolutamente assegurada pelo meu eleitorado, pelos meus actos e até pela minha indisciplina partidária doa a quem doer ?

foram Ministros dos Estrangeiros mas que mandam mais que o Ministro e- até que S. Ex.a o Sr. Presidente da República?

Sr. Presidente: mas um dia ao abrir a minha correspondência encontrei três ou quatro cartões de felicitações.

Preguntei: — porquê? íelicitam-me porquê?

Pouco tempo se fez esperar a resposta. Recebendo o Diário do Governo, e folheando-o, encontrei a promoção de Tomás Ribeiro do Melo a chefe de missão de 2.a classe e colocado como chefe de repartição da Direcção Geral dos Negócios Consulares.

Sr. Presidente: pessoas que mal conhecem a política dos Ministros dos Estrangeiros, as" suas conveniências diplomáticas, convenceram-se de que tinha sido promovido o seu correligionário, Ribeiro de Melo por mérito comprovado e urgência e conveniência de serviço. • Mas, Sr. Presidente, o Sr. Tomás Ribeiro de Melo não é da minha família, não é meu correligionário, nem meu amigo, e vagamente o conheço dos poucos momentos que me demoro no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Todavia, Tomás Ribeiro de Melo que foi promovido a chefe do missão de 2.a classe, por mérito comprovado, estava muitos graus abaixo da minha categoria.

Era primeiro oficial do Ministério, como eu, mas estava, como se verifica a p. 188 do Anuário Comercial em que se estabelece a escala dos respectivos quadros, muito à minha esquerda.

E tudo incompleto o que sai do Ministério dos Negócios Estrangeiros pois até lhe chamam Ferreira de Melo.

Está tudo a pedir chuva lá para a banda das Necessidades.

Fui demitido por uma questão política, por um acto legítimo que saiu duma revolução triunfante, o outro funcionário sabe o Sr. Vasco Borges muito bem as razões por que foi demitido e eu por decoro não o digo.

Foi exonerado por decreto de l de Outubro de 1910, repare S. Ex-.a nesta data que diz alguma cousa.

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Isso pouco importa, é chefe de missão de 2.a classe, frequenta os chás elegantes de Lisboa e é frequentador assíduo da casa de S. Ex.a

. Mas, Sr., Presidente, houve um Depn-' tado que, aproveitando-se da discussão do orçamento "do Ministério dos Negócios Estrangeiros, disse a S. Ex.f que era infeliz aã administração do seu Ministério.

Ouvi em parte as considerações que esse Deputado fez e reconheci que não estava bem seguro na sua argumentação » e que não tinha estudado ,bern o assunto.

Os apontamentos que tomei sobre o assunto foram feitos meia hora antes de iniciar a minha interpelação.

Conheço de cor e salteado os meandros dos Negócios Estrangeiros e as razões que levaram S. Ex.a a fazer estes infelizes despachos.

Sou um adversário que quando entendo que devo dizer as cousas não há forças humanas qvse me demovam de o fazer.

Só lamento que o Sr. Vasco Borges e o seu oculto gabinete não lhe tivesse comunicado da justiça, que assiste a funcionários, que não foram incluídos na próxima promoção, ou até para serem promovidos em altos postos para que outros .foram nomeados.

Esqueceu-se S. Ex:a dum funcionário a quem S. Ex.* e os seus antecessores têm declarado a maior estima e consideração e a quem têm incumbido altas funções, como a que exerceu na Legação da Argentina.

£ Esqueceu-se S. Ex.a deste funcioná-' rio, que é 2.° secretário de legação há muito tempo?

Se S. Ex.a me preguntar se ele tem competência e mérito comprovado para .poder ser promovido, eu digo que a medida que S. Ex.a emprega para avaliar o mérito comprovado dos funcionários tem dois fundos: um, aquele que S, Ex.a coloca sob o peso da sua amizade pessoal ou ainda do valor das recomendações que lhe fazem os seus correligionários, e outro, aquele que verdadeiramente devia existir no Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo seu trabalho e estudos feitos, e ainda pela maneira como eles se têm comportado na gerência desses postos.

Esqueceu-se S. Ex.a do velho republicano de 31 de Janeiro, Manuel Fran Paxeco, dum velho muito antigo que es-

pera há muito tempo a sua promoção a cOnsul de l.a classe, homem que dentro da carreira é tido e considerado como um dos maiores intelectuais, companheiro querido de Teófilo Braga e dessa plêiade de homens estudiosos do nosso País.

Ele tem-se mostrado dos mais estudiosos nos seus postos, mas ainda não chegou ao conhecimento do Ministro dos Ne-pócios Estrangeiros a competência deste' funcionário.

Esqueceu-se também S. Ex.a dos velhos republicanos.

Um deles ainda há pouco tempo publicou no jornal de que é dono o Sr. Santiago Prezado um artigo em que se referia a S. Ex.a nos termos mais elogiosos, publicando até o seu retrato.

Pois S. Ex.a esqueceu-se dele para a promoção.

Esqueceu-se também dum político que goza duma certa fama, sobretudo no que respeita ao seu poder eleitoral na xndia, o nosso colega nesta casa do Parlamento, Sr. Constantino José dos Santos.

Tudo isto são ninharias, são nomes que, existem no Anuário, mas que não atravessam o Gabinete alcatifado do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e não se encontram com S. Ex.a, e não são felizes porque não tem os altos protectores que tiveram os que foram nomeados, dês-de os Srs. Calheiros,. Quartin e Lima Santos até o cumpridor e zeloso funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Sr. Santiago Prezado.

Sr. Presidente: a parte capital da minha interpelação refere-se ao despacho publicado no Diário do Governo de 2 de Março, e que diz respeito ao Sr. Josó de Lima Santos—uma vez é Lima, outra vez é José de Lima.

Em vista do artigo 6.°.da lei n.° 293, emprazo S. Ex.a a dizer-me se o Sr. Lima Santos esteve algum dia fora da Europa em qualquer posto consular. S. Ex.a conhece bem a lei, porquanto o director geral dos negócios consulares declarou-lhe que uma tal transferência era contra a lei.

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mesma carreira duas promoções por dis- -tine. ao.

Ninguém conhece o Sr. Lima Santos a não serem aqueles que foram a Paris em missões diplomáticas, e a quem ele apareceu a auxiliá-los no conhecimento da cidade.

Devido à recomendação do homem de importância política que é o Sr. Cunha Leal, esse homem que a todos mete medo, ele conseguiu a sua promoção a 1.° secretário de legação.

O Sr. Vasco Borges não trepida, mas não hesitou em atender um pedido do homem da honra e da força, do homem heróico do Arsenal, para promover um funcionário num lugar para o qual não tinha competência, nem a tal a lei lho permitia, atirando para a disponibilidade o 1.° secretário de legação em Varsóvia.

Bem pequeno sou eu, mas podia o Sr. Cunha Leal, com a sua força tigrina de político comprovado nos arraiais políticos da República, impor-me esta nomeação que eu não o faria.

E quando os talentos da República Portuguesa assaltam a verdade e a justiça e tojnam uma responsabilidade deste tamanho e deste calibre não têm S. Ex.as autoridade para se imporem à Nação e ao País como os seus próximos futuros administradores, porque nessa hora a justiça seria subvertida e os funcionários descontentes, fossem eles quais fossem, .seriam altamente castigados.

Sr. Presidente: injustiças temos nós visto cometer pela pasta dos Negócios -Estrangeiros, mas desta natureza não.

O Sr. José de Lima Santos, que era um 2.° secretário de legação, e não ha • muitos anos, tendo entrado para a carreira consular e diplomática já na vigência da República, subiu vertiginosamente nestes últimos meses.

O -Sr. Josó de Lima Santos ó um -funcionário habilitado com o antigo curso da Escola Politécnica.

O Sr. Vasco Borges não conhece a biografia do seu protegido. Como não tem tempo certamente para ler o Anuário Diplomático e Consular, bom seria que o ouvisse ler para se cenvencer da injustiça flagrantíssima que praticou.

Pois bem, Sr. Presidente, este funcionário, que V. Ex.as viram que não tem sequer um dia de serviço prestado numa

legação fora da Europa, nem um dia de serviço como funcionário consular, foi ó Sr. Vasco Borges, por imposição dos Srs. Afonso Costa e Cunha Leal, e possivelmente por imposição devida a um conúbio entre essas duas figuras e o Sr. -Presidente do Ministério, foi buscá-lo à Legação de Paris e colocou-o no consulado geral de Portugal em Paris.

Á hora da justiça chegará um dia quando as considerações que faço neste momento nesta Câmara as repetir em plena praça pública. Aqueles que têm a coragem de fazer estas acusações também hão-de ter a coragem de pedir a justiça popular.

Quem quere mandar em Portugal tem de viver em Portugal e quem quere governar no Ministério dos Negócios Estrangeiros tem de vir para a política activa arrostar com as vicissitudes da mesma política aparecendo de cara descoberta a ouvir e pugnar pelos direitos daqueles que reclamam.

Esqueço por momentos a minha recente filiação no Partido Nacionalista para declarar que serei implacável e desobedecerei a toda a disciplina partidária, sempre que seja preciso ir à praça pública fustigar o procedimento do Sr. Ministro .dos Negócios Estrangeiros.

Sei que quem deu ocasião a isto foi o poder omnipotente do Sr. Afonso Costa e do Sr. Cunha Leal.

- Foram esses que levaram o titular da pasta dos Estrangeiros a esquecer os seus deveres de bom republicano para acudir a uma coterie que não se coloca ao lado dos republicanos, que pontificam no -Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou -que ali deviam pontificar.

O Sr. José de Lima Santos, colocado no Consulado Geral de Paris, ficou provado .que não tem sequer um dia de serviço em qualquer legação, ou consulado.

Sabe-se que a lei diz, e como tal tem -de ser respeitada, quer queira, quer não queira o Sr. Cunha Leal, quer queira ou não queira o Sr. Afonso Costa, quer queira ou não queira o Sr. Vasco Borges, que . são precisos cinco anos de serviço fora da Europa para poder ser nomeado para -esse lugar.

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& Então o Sr. Vasco Borges, que ó uma criatura inteligente, quê1 sabe muito bem defender-se dos biltres que proclamam o seu poder, não podia dizer que acima deles estava a lei?

<íNão que='que' a='a' podia='podia' faria='faria' artigo='artigo' o='o' p='p' dizer='dizer' lei='lei' mandar='mandar' se='se' paris='paris' para='para' _6.='_6.' opunha='opunha' ela='ela' não='não' da='da' porque='porque' tal='tal' nomeação='nomeação'>

É ou não S. Ex.a o executor da lei?

S. Sx.a poderá argumentar, objectando que, como membro do Poder Executivo, faz as nomeações, transferências e lança os despachos que muito bem quere. Mas nós, membros do Poder Legislativo, ó que lhe podemos responder dizendo que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros pode fazer a colocação do funcionalismo do seu Ministério como quiser, mas tem sine qua non de respeitar a lei, e esta proibia que se fizessem estes favores ao Sr. Ganha Leal e ao Sr. Aíonso Costa.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sabe bem que os cônsules que estão fora da Europa e outros que estão dentro da Europa e que têm a pretensão de ser colocados em Paris e Londres têm dado provas da mais alta competência.

Neste momento apenas sou urn eco dos meus colegas, ficando eu de fora. , Mas se S. Ex.a, tendo acedido às injustas imposições que lhe fez o Sr. Cunha Leal, o Sr. Afonso Costa e o Sr. António Maria da Silva, colocasse nesse consulado outro cônsul de l.a classe, eu não teria neste momento de realizar uma interpelação sobre esse assunto, e até se estivesse sentado nesse lugar o Sr. Barbosa de Magalhães, ou outra qualquer pessoa, S. Ex.a veria com que satisfação eu dirigia o meu ataque, mas ao Sr. Vasco Borges, íaço-o muito contrariado.

Para remediar esta situação, vou mandar para a Mesa a minha moção na qual peço ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que suspenda a execução dessa transferência, e bem assim a de todo o movimento consular e diplomático a que ola deu lugar, até que o Supremo Tribunal Administrativo se pronuncie sobre o processo de recurso que dele está pendente.

O Senado pode não acreditar que haja um recurso pendente do Supremo Tribu-

nal Administrativo sobre este caso, mas garanto que esse recurso deu ali entrada por intermédio do meu advogado.

E porque ó que eu o apresentei?

Foi porque ouvi o Sr. Vasco Borges dizer na Câmara dos Deputados que a maior parte dos seus actos tinha merecido censuras, mas que ainda ninguém os havia impugnado.

Daqui resultou que não sendo eu pretendente ao consulado, de Paris, porque o não posso ser devido ao facto das minhas relações pouco amistosas com o Ministro de Portugal em Paris, interpus recurso no Supremo Tribunal Administrativo contra esse acto cometido pelo Sr, Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Ganhá-lo hei?

Não sei, mas também não me parece que seja fácil perdê-io.

E visto que só a uma alta imposição S. Ex.a obedeceu, nada mais natural do que o Sr. Vasco Borges aceitar o convite que lhe faço na minha moção.

Desde já declaro que não há nesta moção qualquer propósito de hostilidade ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e muito menos o desejo de ver S. Ex.a obrigado a abandonar a sua pasta. Pelo contrário, ó do meu agrado pessoal e até político ver a pasta dos Negócios Estrangeiros sobraçada pelo Sr. Vasco Borges.

Mas se assim não acontecer, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros dá-nos a entender que, consciente do acto ilegal que praticou, vai muito em breve reconhecer essa ilegalidade, mostrando a todos nós e sobretudo ao país que, como ó natural, ao fazer essa transferência, se esqueceu do texto do artigo 6.° dá lei e que, portanto, deixa a última palavra ao Supremo Tribunal Administrativo para recorrer do despacho ou anulá-lo.

Dessa forma demonstrará o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que, não sendo rebelde à amizade que o levou imperiosamente a fazer essa transferência, é todavia um homem de Estado e de consciência, que atende "as reclamações que lhe'fazem.

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de que seria feita justiça e que S. Ex.a teria de revogar o seu despacho.

E triste este despacho, Sr. Presidente, porque ele não atendo ao mérito, e porque por ele não se promovo um funcionário trabalhador e inteligente.

Vejam V. Ex.as como eu sou justo na apreciação qno faço de determinados factos.

Ainda mo sentava daquele lado da Câmara, e, algumas vezes, tive ocasião de levantar a minha voz, pelo facto de o Sr, Veiga Simões ser promovido ilegalmente.

Mas, Sr. Presidente, terminava sempro reconhecendo que essas promoções eram feitas do harmonia com as qualidades excepcionais da inteligência e da cultura do Sr. Veiga Simões.

E eu que era colega de S. Ex.a, mas muito mais antigo, não mo insurgi contra essas promoções, a não ser sob o aspecto da legalidade.

Mas agora, Sr. Presidente, sermos preteridos por uma pessoa que não tem nenhum atributo pelo que se lhe possa ro-conhecer o mérito, não está certo.

Não vale a pena levar mais longo as minhas considerações, não quero diluir o assunto, embora já o tenha feito cm demasia.

Apenas desejo que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros aceite esta moção, e ela seja, ao abrigo do Regimento, submetida h apreciação do Senado e votada no sentido de S. Ex.a emendar um acto injusto.

Portanto, confio nas qualidades do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros no seu espírito do justiça, c tanto ou mais no espírito da Câmara do Senado, que sabe bem quanto é necessário defender os interesses de uma classe, como a consular. "Tenho dito.

O orador não reviu.

Ê lida e admitida a moção.

O Sr. Herculano Galhardo (para interrogar a Mesa):—Sr. Presidente: desejava que V. Ex.a mo dissesse o que significa a admissão dessa moção, segundo os termos do Regimento.

O Sr. Presidente :—Como V^ Ex.a sabe, o artigo 141.° é expresso. Portanto, tenho que a pôr à admissão.

O Sr. Herculano Galhardo:—Não tem portanto nenhuma significação essa admissão.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): — Sr. Presidente: poucas palavras vou proferir, não por menos consideração pelo ilustre Senador, -Sr. Ribeiro de Melo, mas porque a meu ver, polo menos pelo que me respeita, o assunto não comporta largas considerações.

As primeiras palavras que vou proferir são para agradecer ao ilustre Senador, Sr. Ribeiro de Melo, as referências amáveis e exageradas que a sua muita condescendência quis endereçar-mo, em relação a uma parte da minha obra ministerial, mas está o Sr. Ribeiro do Mela infelizmente em inteiro desacordo com a parto propriamente administrativa ou burocrática da minha acção de Ministro.

Sr. Presidente: devo francamente declarar a V. Ex.a e ao Senado que não me admira quo assim seja, sendo de mais a mais certo, como o ilustro Senador inter-pelante também declarou ao Senado, que ó um distinto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Não obstante as consequências que lhe resultaram de um gesto de louvor, num determinado período da política portuguesa, esse funcionário não tem sido dos mais mal tratados, dos mais atingidos pelas injustiças que S. Ex.a afirmou que se têm praticado naquele Ministério, e com isso eu me congratulo.

Há poucos dias ainda tive ocasião de o dizer nesta casa do Parlamento, que um dos meus ilustres antecessores nesta pasta, o Sr. Matoso dos Santos, Ministro no tempo da monarquia, já dizia que preferia um grave conflito, com uma grande potência, à vaga de um posto diplomático, ou consular apetecido pelos funcionários do seu Ministério.

Não podendo ser provida senão por um funcionário, dai resultam sompre muitos descontentes.

É o que sucede agora.

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faiaria da» Setsôet do Senado

arauto dos funcionários desse Ministério.

Esta declaração, e esta circunstância, permitem-me pensar que os protestos do' ilustre Senador, Sr. Ribeiro de Melo, seriam talvez, de preferência a um protesto, um desabafo ao abrigo das suas imunida-des parlamentares.

O Sr. Ribeiro de Melo (interrompendo):— Só se estivesse na disponibilidade.

O Orador:-r S. Ex.a pode ir para a disponibilidade sem embargo do Senado.

S. Ex.a sabe muito bem que os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros podem encontrar-se numa destas situações, ou em serviço no Ministério num posto diplomático qualquer, oo na disponibilidade; depende do critério exclusivo do Ministro.

O Sr. Ribeiro de Mela (interrompendo) : — Se o Sr. Ministro quisesse pôr-me a disponibilidade havia de alegar motivos.

O Orador: — A discussão seria ociosa, não há motivo para colocar S. Ex.a na disponibilidade, mas S. Ex.a sabe perfeitamente que os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros podem ser colocados em qualquer situação ao arbítrio do Ministro, porque há funções naquela secretaria do Estado em que ó necessário que assim se proceda.

Sr. Presidente: a questão aqui levantada pôde revestir-se de um aspecto que não desejo considerar, e que não tenho de considerar, porque seguramente não é esse o aspecto que o ilustre Senador Sr. Eibeiro de Melo pretende que a questão tenha; esse aspecto seria do descontentamento de funcionários qae em um determinado momento não obtiveram o que desejavam.

Mas, Sr. Presidente, não é disso que se trata; do que se trata é de um outro aspecto que reveste a questão e que eu não posso deixar de pôr em evidência.

Sr. Presidente: todos sabemos o que pela Constituição da República pertence ao Poder Executivo.

Portanto, a matéria que se está tratando é da exclusiva pertença do Execu-

tivo, qoere dizer, da minha exclusiva pertença como Ministro.

É claro que isto não implica que o Ministro não possa abusar, quero até admitir, de barato, que eu próprio tenha abusado, mas quando isso aconteça pela Constituição não é o Poder Legislativo a instância competente para estabelecer a respectiva sanção.

O Sr. Ribeiro de Melo (interrompendo):—O n.° 2.° do artigo 26.° da Constituição, referente às atribuições do Congresso da República, é explícito.

O Orador: — A observância do artigo que S. Ex.a cita está exceptuada pelo artigo a que me referia, onde concreta-mente se diz tudo o que pertence ao Executivo. Não pode, evidentemente, o Poder Legislativo, imiscuir-se em nomeação, suspensão e demissão de pessoal, o que não quere dizer, é claro, que os funcionários se encontrem sem defesa, para o efeito dos abusos praticados; então os tribunais decidirão.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Há atribuições marcadas pela lei.

O Orador:—O Sr. Senador compreende que, se o Poder Legislativo estivesse a dizer a toda a hora ao Poder Executivo que nomeou mal um funcionário, daí resultaria uma perigosa confusão dê poderes.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Ribeiro de Melo colocou já a questão onde devia colocá-la, recorrendo para o Supremo Tribunal Administrativo, não tendo eu mais como membro do Poder Executivo e S. Ex.a como funcionário do Ministério dos Estrangeiros, do que esperar a decisão desse tribunal. ;

Agora pretender um funcionário, lá porque é membro do Poder Legislativo, duplicar as possibilidades em matéria de recurso parece-me que, tanto sob o ponto de vista constitucional, como de justiça geral, não é de admitir, porque então teríamos iam membro do Poder Legislativo com- direitos que outros não tinham.

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Administrativo, para que o Sr. Ribeiro de Melo, como disse, já recorreu.

Além de que, e de passagem, acentuarei ao Senado que o meu despacho já íoi submetido a uma instância que tem faculdade para apreciar da sua gravidade. Refiro-me ao Conselho Superior de Finanças.

Ora, todos os despachos a que S. Ex.a se referiu foram submetidos ao Conselho Superior de Finanças e por ele foram visados, e portanto, considerados viáveis.

O Sr. Ribeiro de Melo: bem uma razão.

Isso não é

O Orador: — Em todo o caso é uma razão e basta que o seja.

,jO que estabeleceu o Conselho Superior de Finanças a respeito da legalidade dos meus despaqhos ?

A mesma opinião que eu tenho.

E felizmente para o meu critério administrativo e legalista essa instância não me contrariou; pelo contrário, confirmou as nomeações.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Ninguém pode contrariar S. Ex.a

O Orador : — £ Porque havia de contrariar? Onde infringi eu a lei?

S. Ex.a apontou muitos casos, mas sem poder afirmar que eles constituíam uma infracção legal, e portanto uma ilegalidade. Era tudo consentido, permitido pela lei.

De modo que, concluo eu, se S. Ex.a tivesse motivos para insurgir-se seria então contra a lei e não contra qnem a cumpre, e que dela se serviu tam escrupulosamente que as instâncias superiores verificaram a sua exactidão.

S. Ex.a por exemplo, referiu-se ao artigo 6.°' da lei n.° 293.

Ora S. Ex.a até me emprazou a que harmonizasse eu a nomeação do Sr. Lima Santos primeiro secretário de legação que foi nomeado nosso cônsul em Paris com este artigo.

Mas francamente não vejo em que colidam.

E se eles colidissem certamente o Concelho Superior de Finanças, que suponho não estará sob a influência de ne-

nhum suborno — nem mesmo dos subor.-nos a que S. Ex.a se referiu a meu respeito, e que explicou tratar-se de um suborno de afecto, amigável— não visse, e visse bem, a disposição do artigo 6.°

Eles não colidem em nada, e para o verificar basta ler o artigo que em demasia é conhecido.

Estou convencido de que quem legislou nesta matéria o não teria feito sendo um ignorante pelo que respeita à orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Não sei quem foi, mas estou convencido de que devia ser versado no assunto, e consequentemente pessoa que sabia que os funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que concomitantemente são secretários de legação, cônsules, ou funcionários de secretaria, podem ser transferidos, deslocados de uma situação para outra.

Ora, conhecedor desta circunstância, não posso admitir o contrário, isto é, que estivesse no seu ânimo, nos seus objectivos, aplicar aos secretários de legação a mesma disposição que taxativamente aplicou aos cônsules.

Se assim fosse, não teria deixado de mencionar os secretários de legação e não os menciona.

Não sei qual a razão porque o legislador assim procedeu e, portanto, só tenho de interpretar os'meus actos de harmonia com esta lei.

O facto é que esses funcionários estão isentos dessa disposição.

O Sr. Ribeiro de Melo : — Na opinião de S. Ex.a '

O Orador: — Não é opinião minha, é a letra do artigo que o afirma.

S. Ex.a compreende que eu não estou a atribuir à redacção do artigo palavras que lá não estão.

Por consequência, tratando-se de um secretário de legação que pode, por lei, ser destacado para as funções de cônsul, como não é exigido esse tempo de ser-•viço, posso colocar um secretario como cônsul.

Mas a lei está mal feita, dir-me hão.

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um membro do Poder Legislativo, deve ter a iniciativa de um projecto de lei dessa natureza.

O Sr. Ribeiro de Melo: — O Sr. Ministro argumenta como advogado mais do que como Ministro dos Negócios Estrangeiros.

' S. Ex.a, antes de colocar o Sr., Lima Santos, fê-lo cônsul.

Colocou-o depois,, pelo mesmo despacho, em Paris.

jiiste procedimento é contra o texto do artigo 6.°

O Orador: — Há movimentos diversos num só tempo, e movimentos diversos ein tempos diferentes.

S. Ex.a poderia ter razão se eu tivesse necessidade de proceder de dois modos: 1.° íazer um decreto transferindo o Sr. Lima Santos do cargo do secretário para o do cônsul; 2.° fazer outro decreto nomeando-o cônsul em Paris.

Mas, pelo que respeita ao argumento fundamental de S. Ex.a, já S. Ex.a o pôs no seu lugar, estando disposto a esperar pelo que resolve o Supremo Tribunal Administrativo.

Pois esperemos.

E se o Tribunal entender que assim não é? eu próprio, de futuro, nas mesmas circunstâncias, poderei deixar de assim fazer e, até, o própio Conselho Superior de Finanças rectificará a sua doutrina e não visará tais despachos.

Até esse momento visa-os todos, não só porque ele e eu pensamos do mesmo modo, mas também porquo cumprimos com a lei.

Declarei a S. Ex.a que poucas palavras proferiria e como neste momento tenho a felicidade de já ver esclarecido o Senado (Apoiados) e haver respondido ao ilustre Senador, dispenso-me de mais largas considerações, agradecendo mais uma vez as palavras amáveis e lisonjeiras, mas imerecidas, que S. Ex.a me dirigiu.

Fico confiando, pelos conhecimentos especiais que a respeito deste assunto tem o ilustre Senador, que S. Ex.a enviará para a Mesa um projecto de lei que, de futuro, impeça que o Sr. Ribeiro de Melo tenha novas, razões do se insurgir em casos idênticos. O orador não reviu.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Sr. Presidente : ouvi com muita atenção a resposta do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros às minhas considerações.

O espírito do legislador não deve estar longe do espírito da Câmara.

O que posso garantir é que a lei impedia o Sr. Ministro de colocar no consulado de Portugal, em Paris, qualquer funcionário, ou mesmo cônsul que não tivesse, pelo menos, um estágio de cinco anos.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges): — Muitos lugares da carreira consular são óptimos. Os proventos são bem maiores que os da carreira diplomática.

Ho consulados que são um manancial. Na carreira diplomática não há disso.

O Orador: — Eu tive de desistir do consulado de Johannesburgo, apesar de ser um consulado bem remunerado, porque os seus proventos não chegavam para os encargos da minha numerosa família.

Já vô V. Ex.a, e é um país novo, rico de dinheiro, o onde o cônsul geral do Portugal recebe menos 60 £ que o cônsul da Bélgica e menos 80 £ que o cônsul da América; o nosso vencimento corresponde ao soldo de um capitão do exército do Transvaal.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vasco Borges) (interrompendo)-.— Os meus votos são para que esse lugar não vague neste momento.

O Orador: — Não discutamos o assunto.

Fiz a minha interpelação como parlamentar, unicamente para mostrar a S. Ex.a a inobservância rigorosa das leis, não a fiz como funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e fi-la também para defender os interesses das pessoas que se julgaram lesadas.

Já disse até a S. Ex.a que, se se referisse ao consulado geral de Londres, eu seria incapaz de dizer a S. Ex.a qualquer cousa, porque era um dos candidatos ao lugar. .

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liz em colocar em Paris o Sr. José de Lima Santos. .

S. Ex.a deixou de ser primeiro secretário de legação, passou para a carreira consular, e depois de ser cônsul é que o Sr. Ministro o colocou, e ilegalmente, no consulado geral em Paris.

As habilidades de advogado não podem servir para Ministro dos Negócios Estrangeiros; a interpretação do artigo 6.° da lei citada não pode ser diferente daquela que eu tenho feito aqui.

Podia apresentar um projecto de lei para esclarecer este artigo 6.°, se porventura os meus filhos estivessem na situação caótica de serem republicanos esperançados na justiça da República, e sobretudo na justiça dos homens republicanos.

Mas como não tenho a pretensão de lhes dar a eles uma orientação política como a que eu ass.umi pela propaganda, não desejo que eles respeitem a minha opinião política republicana, e, portanto, não o faço.

±Liles que sigam a corrente onde ainda há um fundo de verdade, onde os Ministros não tenham obliterado os seus sentimentos a ponto de fazerem uma justiça vesga e obtusa no que respeita aos direitos de alguns funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Portanto, Sr. Presidente, o que está feito, está feito, o que se fez, feito está.

Se um dia pudermos remediar estes inconvenientes, podem crer V. Ex.as que não há advogado que venha defender o Sr. Vasco Borges, e muito menos a interpretação que ele deu ao artigo 6.° da lei citada.

As cousas são o que são.

Conseguiu o Sr. Lima Santos o lugar de cônsul geral em Paris. Por muitos anos lá estará, emquanto tudo isto não levar uma grande volta.

S. Ex.a acalenta no seu peito uma víbora que lhe há-de morder na primeira ocasião.

Essa víbora é a injustiça que S. Ex.a tera feito aos funcionários do seu Ministério, e todo o homem que quiser fazer justiça há-de revoltar-se contra a atitude de S. Ex.a -

O orador não reviu.

O Sr. Querubim Guimarães (para in--terrogar a Mesa):—Apresentou o Sr»

Ribeiro de Melo uma moção. Ela foi admitida, e a esse respeito o Sr. Herculano Galhardo iuterrogou o Sr. Presidente.

Parece-me que V. Ex.a disse que a votação se faria imediatamente, e que não haveria discussão sobre a moção em consequência de uma deliberação tomada por esta lei.

A observação do Sr. Herculano Galhardo ó de admitir.

Não se compreende que se vá votar sem primeiramente se emitir opinião.

Ora desejaria que V. Ex.a se pronunciasse sobre o assunto, de modo a 'fixar doutrina.

O próprio artigo que V. Ex.a citou, como o anterior, não determina que para a generalização do debate seja preciso "que alguém o requeira.

O artigo 140.° diz:

«Se a interpelação versar sobre algum ponto importante da política ou da administração, ou sobre responsabilidade de Ministro em • casos de traição, peita, suborno ou concussão, abuso -de poder e dissipação dos bens públicos, generalizar--se há o debate, que será regulado pelas disposições do artigo 73.° do Regimento».

Não ó preciso que algum Sr. Senador requeira a generalização. Esta se .fará por imperativa disposição da lei desde que se dêem quaisquer das hipóteses ali consideradas.

E quem tem de se pronunciar sobre a verificação ou não verificação, de qualquer dessas hipóteses em qualquer interpelação que se realize é V. Ex.a, Sr. Presidente, e mais ninguém.

Sr. Presidente: posto isto, direi a.V. Ex.a que assisti com interesse a este debate e que as razões apresentadas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não me convenceram.

Parece realmente que o Sr. Lima Santos— desculpe-me a frase o Senado — nasceu num fole. Em 1919 foi nomeado adido extraordinário de legação; em 1919 foi nomeado 2.° secretário de legação sem concurso e seis meses depois passou a 1.° secretário.

Ignoro quais os motivos por que assim se procedeu.

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zoes aduzidas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não podem de maneira alguma colher. Argumentar com o «visto» do Conselho Superior de Finanças e dizer que a nós, membros do Poder Legislativo, não cabe chamar à responsabilidade os membros do Poder Executivo,, por virtude dos seus actos de nomeação de funcionários, não pode admitir-se.

Mas o fim essencial para que eu pedi a palavra foi para que V. Ex.a, Sr.. Pre-sideute, me dissesse se perante uma moção desta natureza nós estamos privados de entrar no debate.

O Sr.Presidente:—Em 1919 realizou--se uma interpelação, tendo* o respectivo interpelante apresentado uma moção. Eu supus que essa moção teria de ser discutida depois de ser admitida. O Sr. Ricardo Pais Gomes, que era então nosso colega, levantou dúvidas a esse respeito, dúvidas que foram resolvidas pelo Senado, no sentido de se não discutirem moções.

Tenho aqui apontado no meu Kegi-mento que a apresentação de moçOes não generaliza o debate. Esta deliberação foi tomada em 19 de Outubro de 1^19.

Relativamente ao artigo 140.°, tem S. Ex.a razão, mas parece-me que só o Senado é que pode deliberar se o assunto da interpelação do Sr. Ribeiro de Melo está contido nesse artigo.

Essa resolução não podia ser tomada pelo Presidente desta Câmara, porque era duma grande responsabilidade.

O Sr. Mendes dos Reis: — Recordo-me muito bem que foi exactamente para que a apresentação duma moção não servisse de pretexto para se discutirem todos os assuntos que o Senado deliberou que as moções se não discutissem, a uão ser que fosse apresentado- um requerimento para a generalização do debate e que o Senado a aprovasse.

O?Sr. Querubim Guimarães:—A deliberação que a Câmara tomou não é muito de invocar neste caso restrito. A deliberação que o Senado tomou foi princi: palmente quanto à apresentação de moções e sua discussão ou não discussão.

O artigo 140.° é anterior àquele que permite a apresentação de moções.

O artigo 141.° diz:

«As interpelações poderão terminar pela apresentação e votação duma proposta ou moção que exprima o juízo do Senado sobre a matéria da interpela-

Ora, o artigo 140.°, que providencia sobre* matéria estranha a moções, é quê diz que o debate se generalizará dadas certas circunstâncias, e entre elas a importân-, cia do assunto.

O Sr. Mendes dos Reis compreende que nós temos de confiar no são critério do Sr.. Presidente do Senado, sobre se S. Ex.a entende-ser de grande ou pequena importância o assunto, desde que o Regimento nada determina a tal respeito. Nos tribunais não é só dentro do critério restrito da lei que se decidem as questões; o Presidente, para decidir, tem a lei e o seu são critério.

Se porventura houvesse uma disposição expressa, bem estava, mas, como n,ão há, a minha dúvida está em se, à face do artigo 140.° do Regimento, é indispensável que algum Sr. Senador requeira a generalização do debate para que a moção possa ser discutida.

Se V. Ex.a, Sr. Presidente, consultar a Câmara nesse sentido, eu devo dizer que não é ao critério desta que tenho de me subordinar, mas sim, ao critério do Presidente do Senado.

O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente : pedi a palavra por ter sido eu quem levantou a questão e porque fui o primeiro a preguntar a V. Ex.a o que significava a admissão da moção. V. Ex.a ' respondeu-me que significava uma admissão, nos termos d,o artigo 141.° • .Depois o Sr. Querubim Guimarães invocou o artigo 140.° para dizer que o debate estava generalizado por si mesmo ou automaticamente, visto ter havido abuso 'de poder.

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Mas eu ainda não concordo com V. Ex.a, porquanto não somos nós que devemos apreciar se houve, ou não abuso de poder, mas sim o tribunal, desde que o caso já está entregue ao Poder Judicial.

S. Ex.a o Sr. Ribeiro de Melo convidou o Governo, na pessoa do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a suspender o seu despacho ato que se pronunciasse o Supremo Tribunal Administrativo. / Se o Sr. Ministro, depois duma sentença do tribunal, saltasse por cima dessa sentença e mantivesse o seu ponto de vista, então é que estaríamos num caso de abuso de poder. Mas não ó este o caso. O próprio ilustre interpelante apenas pede ao Sr. Ministro que suspenda as suas de-

liberações até que o tribunal se pronuncie.

Sobre a generalização do debate entendo que ela não deve ser concedida sem que seja requerida.

O Sr. Presidente : — A interpretação dada sobre este assunto subsiste emquan-to a Câmara não resolver alterá-la.

Ê rejeitada a moção.

O Sr. Presidente : — A próxima sessão é na próxima sexta-feira, com a seguinte ordem do dia:

Projecto de lei n.° 55.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 6 minutos.

O KEDACTOR — Albano da Cunha.

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