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REPUBLICA

PORTUGUESA

DIARIOIDO SENADO

SESSÃO lsT.Q 37

EM 16, 17 E 18 DE MARÇO DE 1926

Presidência do Ex,mo Sr, António Xavier Correia Barreto

Secretários os Ex.raos Srs,

Luís Inocôncio Ramos Pereira

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal

PRIMEIRA PARTE

Sumário.— A sessão abre àa 15 horas e 25 minutos, com 31 Srs. Senadores. Aprova-se a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Ferraz Chaves, explica porque não assistiu ao início do decreto sobre a proposta de lei que liquida o Banco Angola e Metrópole.

O Sr. Presidente propõe votos de sentimento pela morte de pessoas de família dos Srs. Augusto de Vasconcelos e Godinho do Amaral. Associam-se todos os lados da Câmara, sendo a proposta aprovada.

O Sr. Joaquim Crisóstomo insta pelo julgamento do Sr. Malheiro Beimão 'e ocupa-se de outros assuntos de importância.

Benpondem-lhe os Srs. Ministros da Guerra e da Marinha.

Aprova-se um voto de sentimento pelo falecimento do Sr. almirante Hipácio de Brion.

O Sr. Mendes dos Beis refere se a assuntos da pasta da guerra, replicando lhe o Ministro respectivo.

Ordem do dia.— Prossegue a discussão da proposta de lei sobre a liquidação do Banco Angola e Metrópole. Falam os Srs. Júlio Dantas, Ministro da Justiça e Querubim .Guimarães.

SEGUNDA PARTE

Pélas 15 horas e 30 minutos o Sr. Presidente declara reaberta a sessão.

Continua a discussão da proposta de lei que regulariza o arrolamento dos bens do Banco Angola e Metrópole.

Prossegue o seu discurso o Sr. Ribeiro de Melo que havia ficado com a palavra reservada na sessão anterior.

Usam também da palarra os Srs. Joaquim Cri' sóstomo que apresenta uma moção sendo admitida. Medeiros Franco, Querubim Guimarães e Ministro da Justiça (Catanho de Meneses}, depois de se trocarem explicações relativas a um pequeno incidente entre os Sra. Querubim Guimarães e Artur Costa.

Procedendo-se à votação foi a proposta de lei .aprovada na generalidade.

A moção apresentada pelo Sr. Joaquim Crisós* tomo e a/proposta de adiamento da autoria do Sr. Querubim Guimarães foram rejeitadas.

Foi interrompida a sessão.

, TERCEIRA PARTE

As 15 horas e 6 minutot é reaberta a sessão.

Entra em discussão na espesialidade a proposta de lei n.° 05.

O Sr. Hercula.no Galhardo pede a comparência do Sr. Ministro da Justiça,

O Sr. Ministro da Justiça esclarece o assunto.

São aprovados os artigos í.°, 2.", 3." e 4.° O artigo 5." e suas alíneas ficam ^pendentes por terem sido apresentadas emendas. Ê aprovado o artigo 6." Ficam pendentes os artiijos 7." e 8."

Sobre o artigo 9.° usam da palavra o Sr. Pedro Chaves, Herculano Galhardo, Machado de Serpa, Ministro da Justiça, Joaquim Crisóstomo, Vicente liamos, D. Tomás de Vilhena e Pedro Gil.

Ficam pendentes os artigos 10.°, 11." e 12." É aprovado o artigo 13." Ficam pendentes os artigos 14.°, 15.°, 16." e 17.° É aprovado o artigo 18.°

Sobre o artigo lí).° usam da palavra os Srs. Herculano Galhardo, Joaquim Crisóstomo, Ministro da Justiça e Pedro Chaves.

É aprovado artigo 20." Ficam pendente* os artigos 21." e 22.° É aprovado o artigo 23.° Fica pendente o artigo 24." •

Usam da palavra os Srs. Herculano Galhardo, Ministro da Justiça, D. Tomás de Vilhena, Pedro Chaves e Joaquim Crisóstomo.

É retirado o artigo 25.9 e fica pendente o artigo 26."

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Abertura da sessão às 16 horas e 15 minutos.

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Diário das Sessões do Senado

Entraram durante a sessão 22 Srs. Senadores.

F altaram^ à sessão 16 Sr s. Senadores.

,..-- Sr»f Senadores presentes -à; sessão:

.Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Álvaro António de Bulhão Pato.

António Alves de Oliveira Júnior.

António Maria da "Silva Barreto»

António Martins Ferreira.

António Xavier Correia Barreto.

Artur Augusto da Costa.

Artur Octávio do Rego Chagas.

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Ernesto Júlio Navarro.

Francisco António de Paula.

Francisco José.Pereira.

Francisco de Sales Ramos da Costa.

Francisco Vicente Ramos,

Herculano Jorge Galhardo.

João António de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira.

João Augusto de Freitas,

João Catanho de Meneses.

João Manuel Pessanha Vaz das Neves.

Joaquim Crisóstomo dá Silveira Júnior.

Joaquim Pereira Gil do Matos.

José António da Costa Júnior.

José Augusto Ribeiro de Melo.

José Joaquim Fernandes de Almeida.

José Joaquim Fernandes Pontes.

José Machado Serpa.

José Mendes dos Reis.

José Varela.

Júlio Dantas.

Pedro Virgolino Ferraz Chaves.

Silvestre Falcão.

Vasco Gonçalves Marques.

Sr s. Senadores que entraram durante a sessão:

Alfredo Narciso Marcai Martins Porto-

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Álvaro César de Mendonça.

António da Costa Godinho do Amaral.

António de Medeiros Franco. António dos Santos Graça. Constantino José dos Santos. Domingos Frias de Sampaio e Melo. Duarte Clodomir Patten de Sá Viana. Elisio Pinto de Almeida e Castro. Ernesto Maria Vieira da Roehai

Frederico António Ferreira de Simas. João Carlos da Costa. Joaquim Manuel dos Santos Garcia. José Fernando de Sousa. Júlio Ernesto de Lima D.uque.. ... Luís Augusto Simões de Almeida. Luís Inoeêncio R&môs Peíe.ira. Miguel do Espírito Santo Machado. Querubim da Rocha Vale Guimarães. Roberto da Cunha Baptista. Rodrigo Guerra Álvares Cabral-Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).

Srs* Senadores que não compareceram à sessão:

Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.

Augusto de Vera Cruz.

Francisco Xavier Anacleto da Silva.

Henrique Ferreira de Oliveira-Brás.

Henrique José Caldeira Queiroz.

João Maria da Cunha Barbosa.

João-Trigo Motinho.

Joaquim Correia de Almeida Leitão.

Joaquim Teixeira da Silva.

José Nepomuceno Fernandes Brás.

Júlio Augusto Ribeiro da Silva.

Luís Filipe de Castro (D.).

Manuel Gaspar de Lemos.

Nieolau Mesquita.

Raimundo Enes Meira.

Vítor Hugo de Azevedo Coutinho

PRIMEIRA PARTE

O Sr. Presidente (às 16 horas e lõ minutos):— Vai proceder-se à chamada. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente (às lô horas e 20 minutos) ;— Responderam à chamada 31 Sra. Senadores.

Está aberta a sessão. '

Vai ler-se a acta.

Leu-se.

Q Sr. Presidente:—Está eín discussão. Pausa,

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Séasâô de 16, 17 e 18 de Março de 1926

Vai ler-se o

'Ofioio

Do engenheiro sindicante ao serviço dos armazéns gerais dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, comunicando que no próximo dia 17, pelas 15 horas, ouvirá, no Palácio do Congresso, o Sr. Ramos Pereira e pelas 16 horas o Sr. Ernesto Navarro.

Para a Secretaria.

Do director das investigações do caso do Banco Angola e Metrópole, solicitando autorização do Senado para depor como testemunha no próximo dia 17 do corrente, o Sr. Fernando ,de Sousa.

Autorizado.

Da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, solicitando a aprovação do pro-iecto de lei da iniciativa do Sr. Simões de Almeida, sobre a alienação de baldios pertencentes a este concelho.

Para a Secretaria.

Da Câmara dos Deputados, remetendo a proposta de lei, que eleva de 3 a 5 por cento as percentagens adicionais às contribuições gerais do Estado a cobrar pela junta geral do distrito de Viseu.

Para a l.a Secção.

Projectos de lei

Considerando primeiro sargento desde 31 de Janeiro de 1891, o ex-primeiro cabo graduado da guarda fiscal e mandando reformar no posto de capitão.—José Augusto Ribeiro de Melo.

Para a 2.a Secção.

Do Sr. Ribeiro de Melo, nomeando uma comissão de parlamentares com atribuições para recompensar com postos de acesso ou qualquer outra recompensa os militares que apurar terem-se envolvido ou tomado parte nos movimentos revolucionários de 31 de Janeiro de 1891, 28 de Janeiro de 1908 e 5 de Outubro de 1910.

Para aí.* Secção.

Requerimento

Requeiro, com urgência: 1.° cópia dos ofícios derigidos pelo Ministério do Comércio à Procuradoria Ge-

ral da República que deram lugar aos pareceres n.03 833 e 848 de aquela estação consultiva relativos à aplicação da receita das sobretaxas sobre tarifas de caminhos de ferro.

2.° Indicação da data em que esses pareceres foram comunicados à repartição competente (Direcção Geral de Caminhos de Ferros).

3.° Se houve des.pacho de conformidade do Ex.!110 Ministro e em que data, sobre esses pareceres.— J. Fernando de Sousa.

Telegrama

Dos professores primários do Porto solicitando a aprovação da proposta de lei do Sr. Ministro da Instrução referente a assistência aos professores tubereulizados. 'Para a Secretaria.

Parecer.

Da comissão de faltas justificando as faltas do Sr. Silvestre Falcão. Aprovado.

Atestado de médico

Justificando. as faltas do Sr. Vasco Gonçalves Marques. Para a comissão de faltas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Ferraz Chaves (para explicações) :—Li nos jornais diários, e vejo confirmado no Boletim Oficial do Congresso, que foi notada à minha saída na última sessão desta casa do Parlamento quando se discutia se devia ou não entrar em discussão a proposta de lei referente ao Angola e Metrópole.

Obriga-me a minha lealdade a declarar que não pratiquei aquele acto com quaisquer propósitos, ou sequer melindrado com a atitude da Câmara. É certo que não tinha deixado de a estranhar, mas esse facto não influiu absolutamente em nada na minha atitude.

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Diário das Sessões do Senado

xalidade, e, assim mesmo, qnando houvesse discussão, incumbia-me discutir apenas como qualquer outro Senador que faz parte dessa Secção.

Na especialidade, como eu tinha declarado, é que havia pontos de vista jurídicos que eu precisava analisar detidamente; isso equivalia à afirmação de que eu nesse momento não estava habilitado a entrar em tal discussão.

Se se passasse à discussão na especialidade nessa sessão, eu não podia honestamente entrar nela, visto que me tinha declarado inabilitado para isso, como de facto estava.

Vendo, portanto, que era desnecessária a minha presença, retirei-me porque tinha serviços urgentes e porque entendi que não fazia aqui falta.

As únicas palavras que estranhei, daquelas que vi reveladas no Boletim, foram exactamente as do Sr. Presidente do Ministério, visto que S. Ex.a declarou, entre palavras de consideração por mini, que muito agradeço,. que «tendo o Governo sempre mostrado a urgência da proposta não fazia sentido que se tivesse agora votado o adiamento».

Preciso declarar que só requeri o adiamento depois de ter a aquiescência de todos os lados da Câmara, incluindo representantes do Governo.

O Sr. Ministro da Justiça tinha e tem todo o empenho em que saia daqui uma obra perfeita, e eu. antes de requerer o adiamento expus a S. Ex.a as minhas dúvidas e S. Ex.a concordou em que era útil estudar a proposta detalhadamente.

Portanto, quando o S1*. Presidente do . Ministério diz «que tendo o G-ovêrno sempre mostrado a urgência da proposta, não fazia sentido que tivesse agora votado o seu adiamento», S. Ex.a foi contrário à opinião que alguém do Governo me tinha dado.

Nestes termos agradeço as palavras amáveis que me foram dirigidas e creio estar encerrado o incidente. Tanto assim que estou aqui hoje disposto a discutir a proposta até onde puder e até onde os meusfracos conhecimentos mo permitirem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente : —Tendo falecido a mãe do nosso colega Sr. Augusto de Vasconcelos, bem como o sogro do Sr, Godi-

nho do Amaral, proponho que se lancem •na acta um votos de sentimento.

O Sr. Alves Monteiro:—Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar em nome da maioria desta casa do Parlamento aos votos de sentimento propostos por V. Ex.a pela morte da mãe do nosso colega Sr. Augusto de Vasconcelos, e pela morte do sogro do Sr. Godinho do Amaral.

Aproveito, a ocasião de estar no uso da palavra para agradecer à Câmara o voto de sentimento que aprovou pela morte de minha irmã.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Medeiros Franco : — Sr. Presidente : em nome da Esquerda Democrática associo-me aos. votos de sentimento propostos por V. Ex.a

O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome da União Liberal Eepublicana, me associar aos votos de sentimento pelo falecimento da mãe do nosso colega Sr. Augusto de Vasconcelos e pela morte do sogro do Sr. Godinho do Amaral.

Tenho dito.

O orador não reviu.

- O Sr. João de Azevedo Coutitího : - - Sr. Presidente : em nome da minoria monárquica associo-me aos votos de sentimento propostos.

O Sr. Vicente Ramos:—Sr. Presidente: é para me associar aos votos de.sentimento propostos por V. Ex.a pela morte da mãe do nosso colega Sr. Augusto de Vasconcelos e pelo falecimento do sogro do Sr. Gpdinho do Amaral.

O Sr. Ferraz Chaves:—Sr. Presidente: em meu nome individual associo-me aos votos de sentimento que V. Ex.a propôs e- que dizem respeito aos nossos ilustres colegas Srs. Augusto de Vasconcelos e Godinho do Amaral, que são dois dos membros desta casa do Parlamento que mais simpatias gozam e muito justamente.

E, Sr. Presidente, permito-me especializar o nome do Sr. Godinho do Amaral, meu amigo e meu antigo condiscípulo.

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Sessão de 18, tf e 18 de Éarço dê 1920

O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente: em nome da minoria nacionalista associo--me ao voto de sentimento por V. Ex.a proposto.

O Sr. Augusto de Vasconcelos é um dos membros mais ilustres desta Câmara, e foi ferido no seu coração de filho amantíssimo, precisamente quando lá foraj na Sociedade das Nações, prestava ao seu País um alto e nobre serviço.

Tenho dito. ,

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: em nome do Governo associo-me ao voto de sentimento que V. Ex.a propôs pelo falecimento da mãe do nosso ilustre colega Sr. Augusto de Vasconcelos e pela morte do sogro do Sr. Godinho do Amaral.

Ambos estes parlamentares merecem de nós todas as atenções e eu acrescentarei mesmo, todo o carinho.

O Sr. Augusto de Vasconcelos é uma das figuras que marcam na política portuguesa pelos serviços prestados à República; o Sr. Godinho do Amaral é também uma pessoa que está bem em evidência.

É portanto com a máxima devoção, deixe-me V. Ex.a assim exprimir, que o Governo se associa aos votos de sentimento propostos.

O orador não reviu.

O Sr. Ramos da Costa: — Sr. Presidente : é para me associar aos votos de sentimento propostos por V. Ex.a e para propor à Câmara um outro voto de sentimento pelo falecimento do. vice-almiran-te Sr. Hipácio de Brion, um oficial distintíssimo que prestou grandes serviços ao País, e que ultimamente desempenhava o lugar de director do Instituto de Socorros a Náufragos. '

Acho pois de toda a justiça que se lavre na acta um voto de sentimento pela morte deste ilustre oficial, e que ao mesmo tempo seja comunicada à família a deliberação do Senado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara considero aprova-

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dos por unanimidade os votos de sentimento respeitantes à mãe do Sr. Augusio .de Vasconcelos, e sogro do Sr. Godinho do Amaral.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente : aproveito o ensejo de estar presente o Sr. Ministro da Guerra, a fim de tratar de um assunto que corre pela sua pasta'.

Há dias no jornal O Século faziam-se sensatíssimas considerações acerca da situação em que se encontra .o Sr. Malheiro Reimão. Nessa local, que não é mais do que a repetição daquilo que eu mais duma vez aqui tenho afirmado, sustenta-se e muitíssimo bem, que se não protele por mais tempo o julgamento do referido oficial.

Sobre o Sr. Malheiro Reimão recaem as mais graves acusações; não .é um caso simples e banal, mas sim de altíssima importância sob o ponto de vista moral, militar e até financeiro.

O Sr. Malheiro Reimão é acusado de, ao regressar a Portugal, ter adquirido uma quinta denominada «Lameira», por interposta pessoa, e ainda de ter negociado com a casa Terra & Irmão o for-. necimento de material e mão de obra destinados ao nosso pavilhão no Rio sem que tivesse aberto concurso ou firmado com aquela casa contrato escrito, do que resultou ele mandar abonar à referida casa a quantia de 700 contos brasileiros, correspondentes a 1:700 contos nacionais, quando está absolutamente provado no respectivo processo que não se podia exceder a quantia de 300 contos brasileiros ou sejam 600 nacionais.

Tendo regressado a Portugal, foi o Sr. Malheiro Reimão intimado pelo comandante da l.a divisão a entrar nos cofres do Estado com a quantia de 300 contos, sem que até hoje o tivesse feito. Recebeu também o referido funcionário em serviço na Exposição do Rio de Janeiro muitos contos, sem que ele sequer pudesse receber a quarta parte dessa quantia. Depois, nas folhas da casa Terra & Irmão, figura o mesmo operário com quatro e cinco nomes.

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tHário áa» Sessões ao Senado

nlodesto cidadão seja chamado à responsabilidade criminal por um pequeno furto e uma figura como é o Sr. Malheiro Rei-mão passeie livremente pelas roas da capital sem que seja liquidada definitivamente a sua situação.

Há muito tempo que este caso devia ter merecido a atenção do Governo.

Numa democracia nenhuma pessoa pode proceder livremente, consoante o seu critério ; o regime da autocracia já acabou.

Nestas condições posso afirmar que nenhum regime, por mais radicado que esteja na opinião pública, se pode manter procedendo da forma como está procedendo em relação ao caso que acabei de referir.

Mais de uma vez tenho acusado a República por esbanjamentos e escândalos, de que a República não tem a menor responsabilidade. Delinquentes sempre houve, em todos os países e em todos os regimes, mas aquilo de que se pode acusar os homens que estão à testa do País é da sua tolerância e da morosidade com que tratam todos os assuntos,

O Poder Judicial é fiscalizado pé'o Executivo, o Poder Executivo é um poder de acção e como tal tem meios necessários para evitar que muitos abusos se pratiquem.

Espero que o Sr. Ministro da Guerra não deixará de tomar na devida consideração as minhas palavras. =

Sr. Presidente: em virtude dos numerosos escândalos cometidos aos Bairros Sociais, e reconhecida a impossibilidade de continuarem as obras a cargo desta entidade, foi nomeada uma comissão sob o título de liquidatária; a essa comissão pertencia um engenheiro, o Sr. Inácio Pimentel, que a breve trecho, num conjunto de intrigas, foi afastado da comissão, e, não obstante este senhor ter pedido que o exonerassem, o que é certo é que o Sr. Ministro não teve a coragem de o fazer, e o que é facto é que este engenheiro Sr. Pimentel continua pertencendo a esta comissão há dois anos, 'mas afastado do exercício das suas funções.

g Mas porque ó que se fez o afastamento do Sr. Inácio Pimentel do exercício das suas funções? Segundo diz esse senhor, porque na sua acção quis evitar que o Estado fosse roubado em alguns ínilhares de contos.

Eu não sei o que há de verdade nessa afirmação, mas o que não se compreende ó que não haja no gabinete dos- Ministros ou de quaisquer outras entidades um funcionário que leia os jornais e que remeta um exemplar deles à polícia para essa chamar o acusador e exigir-lhe a prova do que ele afirma. Se houve quem o afastasse das suas funções pela sua atitude nobre e honrada, que esse alguém seja condenado; se essas afirmações são menos exactas então é o seu autor que deve ser demitido e relegado aos tribunais.

Corno está presente o Sr. Ministro da Marinha vou-me referir a um facto citado num telegrama que me foi enviado da Horta* Queixam-se de ainda não ter sido montada uma estação de radiotolegrafia devido a falta de mão de obra e de material. Eu creio bem que esse facto não é da culpa do Sr. Ministro da Marinha, mas quero chamar a atenção de S. Ex.a para ele, a fim de que possa informar os meus eleitores do que há a este respeito.

Queria falar também a respeito da Companhia das Aguas e .pedir providências para o que se passa.

Ainda hoje o jornal O Século diz que a civilização europeia não passava além dos Pirinéus até há tempo, e não passando agora para cá das nossas fronteiras, o que me parece exacto.

Essa Companhia recebe hoje $40 a mais em cada metro cúbico de água, em virtude de uma lei de 1923, sendo essa. verba destinada a obras necessárias para melhorar os serviços. Não obstante a Companhia ter já embolsado alguns milhões de escudos, ainda nada fez tendente a beneficiar o fornecimento de águas à população da capital.

Este caso é dos que envolvem responsabilidade civil e criminal, porque a doença que grassa actualmente em Lisboa deve atribuir-se aos abusos praticados por aquela. Companhia.

E preciso que o Governo tome providências para evitar estes factos, para que um dia o nosso bondoso povo não acorde e se revolte contra este estado de cousas, proveniente do canal do Alviela não fornecer a quantidade de água indispensável para o consumo, e fazer-se por isso uso das águas orientais.

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Sessão de Í6, li e 18 de Março de 1920

impróprias para o consumo, mas não obstante esse facto elas estão sendo bebidas pela população da capital. O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mas-carenhas): — Sr. Presidente: o processo do Sr. Malheiro Reimão tem estado demorado por virtude de vários factos.

O Sr. Senador interpelante, sendo juiz, sabe muito bem que os processos têm de seguir vários termos, têm de se fazer de-precadas, têm de se ouvir as testemunhas, etc., e tudo isso leva muito tempo.

Para mais, o Sr. Dr. Almeida Ribeiro esteve afastado muitíssimo tempo do seu lugar, e tendo ele pendente do Supremo Tribunal de Justiça a sua reintegração, não foi nomeado outro juiz para o subs-tuir e durante esse tempo o processo não caminhou.

S. Ex.a já foi reintegrado o prometeu--ine que ia estudar o assunto para em breve se fazer o julgamento.

A respeito do Sr. tenente-coronel Pi-mentel é caso que não corre pela minha pasta, e portanto nada posso, dizer.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva):—Sr. Presidente : eu desejava responder, ao Sr. Joaquim Crisóstomo que os trabalhos relativos ao posto radiotele-gráfico do Faial, na Casa da Torre, vão prosseguir com a necessária actividade.

Já dei ordens nesse sentido e posso declarar que a demora tem sido por falta da torre para a antena, que tem estado a desenhar uo arsenal, e conto que no primeiro paquete irão o plano da torre e o pessoal necessário para fazer a instalação.

Espero que daqui a 3 ou 4 meses o posto já esteja montado apenas com os recursos do meu Ministério. )

O Sr. Presidente: — Eu tenho de pedir desculpa aos Srs. Júlio Dantas e Azevedo Coutinho por não lhes ter dado a palavra há pouco, mas imaginei que era para usarem dela no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Júlio Dantas:—Sr. Presidente: eu pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento proposto pelo faleci-

mento do vice-almirante Sr. Hipácio de Brion.

O Sr. Hipácio de Brion, oficial distintíssimo da Armada, com larga folha de serviços coloniais, a quem neste momento presto a minha homenagem póstuma, era, de uma perfeita cortesia e de uma cultura de espírito verdadeiramente notável.

Ele merece bem o preiío que lhe acaba de prestar esta Câmara,

Õ orador hão reviu.

O Sr. Azevedo Coutinho:—Pedi a palavra para me associar ao voto de sentimento proposto pelo falecimento do vice--almirante Sr. Hipácio de Brion.

S. Ex.a foi um oficial de marinha distintíssimo, e depois de ter servido o seu País com o maior brilho, como oficial de marinha, no Instituto de Socorros a Náufragos prestou inolvidáveis serviços que foi ainda completar na Sociedade de Geografia, onde a par de personalidades como o general Sr. Garcia Rosado, Ernesto de Vasconcelos e outros, tanto se distinguiu defendendo os interesses do nosso País.

O orador não reviu.

O Sr. Vasco Marques:—Associo-me em nome deste lado " da Câmara ao voto de sentimento proposto pelo falecimento do vice-almirante Sr. Hipácio de Brion.

O Sr. Medeiros Franco: —Associo-me em nome da Esquerda Democrática ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Ramos da Costa pelo falecimento do Sr. Hipácio de Brion.

O Sr. Carlos Dias:—Associo-me pessoalmente ao voto de sentimento pelo falecimento do vice-almirante Sr. Hipácio: de Brion.

O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva): — Em nome do Governo associo--me a esta manifestação de sentimento.

Como oficial de marinha tenho de manifestar o meu sentimento que o meu coração sente pelo seu falecimento.

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âas Sessões do Senado

palavras proferidas nesta Câmara pela sua morte.

O Sr. Presidente: — Em virtude da manifestação produzida por todos os lados da Câmara, considero aprovado por una-nimidadade o voto de sentimento proposto pelo Sr. Eamos da Costa pelo falecimento do almirante Sr. Hipácio de Brion.

O Sr. José Pontes:—Pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra, a fim de me referir a telegramas vindos do Funchal e dirigidos a diversos parlamentares, de que se fez eco o Sr. Vasco Marques nesta Câmara.

Eu quero secundar Osse protesto e pedir a S. Ex.a que a guarnição do Funchal desse todas as facilidades aos clubes desportivos dessa terra, que representam nessa linda terra do Atlântico uma vida constante de movimento e uma grande atracção para os turistas.

Sei que S. Ex.a já deu solução transitória a esse problema.

O que eu peço ao.ilustre militar que actualmente ocupa a pasta da Guerra e que a estes problemas' tem dedicado a máxima atenção, porque de facto estão a ser atendidos em primeiro lugar os assuntos, desportivos, era que concedesse todas as facilidades a essas agremiações concedendo-lhes a cedência dos campos militares,, porque do auxílio mútuo entre militares e civis pode resultar uma maior eficiência para o desenvolvimento desportivo nacional.

Entrego a S. Ex.a a defesa desta cansa porque estou convencido que S. Ex.a, com a fé' e carinho de que eu seria capaz, procurará dar-lhe satisfação.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mascarenhas): — Ouvi com a máxima atenção as considerações feitas pelo ilustre Senador Sr. José Pontes.

Sobre o assunto devo informar que me foi pedida autorização para a concessão de uns terrenos para realização de festas beneficentes.

Foi concedida essa autorização durante o prazo de três meses, findos os quais pediram ,a sua prorrogação que foi concedida, prorrogando-se essa autorização até 31 de Dezembro de 1924.

Chegou-se a esta data, e nunca mais se pensou em semelhante cousa, até que ultimamente surgiu essa questão a que S. Ex.a se referiu.

Em virtude das necessidades da instrução, o comandante militar, ao abrigo da autorização, deu ordem para que esse ta-pamento fosse arrancado, mas, porque os clubes queriam realizar uma festa a favor de instituições de beneficência, o comandante militar declarou que até o fim de Fevereiro não faria diferença que o tapa-mento ficasse.

Como em 24 de Fevereiro se tornasse a insistir em que o taparnento ficasse por mais tempo, foi adiado o arrancamento até o dia 6 deste mês,.

No dia 8 recebeu-se aqui uma comunicação em que se dizia ser absolutamente necessário tirar o tapamento, tanto mais que os clubes já não tinham necessidade do campo que era necessário para a instrução e experiências da nova tática.

Em virtude disto tive de ceder.

O Sr. comandante militar é filho da Madeira.

Ninguém mais do que ele é conhecedor das necessidades de uns e de outros e saberia harmonizá-las se assim o entendesse.

Não vejo inconveniente ei*1 que, terminada a instrução dos recrutas, se volte a fazer o tapamento para que se possam continuar as festas dos clubes.

Tenho dito.

O orador não reviu,

O Sr. Mendes dos Reis:—Cumprimento e presto homenagem ao Sr. Ministro da Guerra, que não está naquele lugar pelos seus largos galões, nem pelas importantes comissões de serviço público para que tem sido nomeado, mas. sim pela fornia criteriosa como têm sido desempenhados esses serviços.

Eu vi a acção .eficaz de S. Jiix.a em todas as incursões monárquicas, onde comprovou bem evidentemente o seu republicanismo.

Eu vi a forma como S. Ex.a, nas operações do sul de Angola, manifestou as suas qualidades de actividade, inteligência e energia, a ponto de a sua presença numa coluna de tropas ser considerada uma «mascote».

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Sesão de 16, 17 e 18 de Março de 1926

Impôs-se à consideração e estima dos seus camaradas, afirmando bem as suas qualidades de distinto e cornpetentíssimo oficial do nosso estado maior.

Apesar de tudo, move-se uma campanha contra S. Ex.a

A propósito de todas as suas medidas, S. Ex.a é criticado.

No emtanto, S. Ex.a em todos os decretos manifesta uma boa vontade de ser útil às instituições militares.

Proferidas estas palavras, eu desejava que S. Ex.a me dissesse se realmente estará para breve a publicação dos novos regulamentos táticos do exército, e que tam necessários se tornam, por quanto, após a guerra, grandes modificações sofreram todos os processos de combate.

Parece que os trabalhos neste sentido estão adiantados, mas bom será que tais trabalhos se concluam no mais curto prazo.

Outro assunto: diz-se que o Sr. Ministro da Guerra pensa em alterar os uniformes do exército.

Desejava que S. Ex.a me dissesse o que havia a esse respeito.

O Sr. Ministro da Guerra (José Masca-renhas):—Agradeço ao Sr. Senador as palavras amáveis que me dirigiu.

Não há dúvida que estou aqui para cumprir o meu dever de militar, sem ou-, trás preocupações.

Reconheço a necessidade imediata de se modificar o regulamento.de harmonia com os ensinamentos da Grande Guerra.

A culpa não me cabe a mim.

Quando assumi a gerência desta pasta, chamei o chefe do estado maior general do exército, e pedi-lhe que envidasse os seus esforços no sentido de que a comissão encarregada de elaborar o novo regulamento concluísse os seus trabalhos o mais depressa possível, e há dias, falando com esse ilustre oficial, disse-me que pouco já faltava para que os trabalhos fossem dados por concluídos, tendo' esperança de que o mais tardar lá para Junho do corrente ano o novo regulamento .possa estar publicado.

Creio que é uma notícia que deve dar satisfação ao ilustre Senador.

Sabe S. Ex.a muito bem que para haver promoções no exército é preciso fazer selecção e que esta selecção se faz por meio

de um certo número de provas e exames. E como é que se há de proceder nesta conjuntura se se não sabe qual o critério e doutrina a seguir?

Pelo que-respeita a fardamentos torna--se também de absoluta necessidade fixar doutrina, porquanto neste assunto tôin-so dado casos verdadeiramente extraordinários.

Sabe V. Ex.a que mesmo nos países mais aristocráticos do mundo se trata presentemente de simplificar os fardamentos.

Na Itália, por exemplo, há dois tipos do fardamento e era natural que, no nosso país, estando do mais a.mais a viver num regime democrático, se seguisse o mesmo caminho. No entanto', como para certas cerimonias em que o oficial se tem de apresentar de forma a que não se sinta rebaixado, estabelecer-se-há que aqueles que queiram, e tenham possibilidades para o fazer, usem o uniforme n.° 1.

Aqui tem V. Ex.a o que eu penso sobre o assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Mendes dos Reis: — Agradeço a resposta de V. Ex.a

O Sr. Fernandes de Almeida: — Pedi a palavra para consultar o Senado sobre se consente que entre em discussão a proposta de lei n.° 44, relativa a pensões, que já se acha na Mesa e foi apreciada pelas respectivas secções, e sem prejuízo dos oradores inscritos bem como da ordem do dia.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa a proposta de lei e aprovado, seguidamente, o requerimento.

O Sr. D. Tomás de Vilhena : — Sr. Presidente : este tristíssimo caso para o qual chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça—o da eleição do Funchal — está tomando um aspecto de tal modo sombrio que nSo me parece que possa constituir glória e honra para um regime, seja ele qual for, e muito principalmente para um regime democrático, um regime de opinião.

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natural das cousas, em 30 de Abril, o círculo do Funchal esteja privado de um dos seus representantes uesta casa.

Isto vem mais uma vez provar aquilo que já mais de uma vez tenho dito: que isto da, verificação de poderes ser feita pelos Parlamentares não pode continuar, sendo preciso acabar com tal prática — . e de vez.

É preciso que qualquer outra entidade que esteja mais longe deste tumultuar da política, que tenha o prestígio do Poder Judicial de modo a que os interessados de um e outro lado possam claramente, muito à sua vontade, dizer de sua justiça, seja o encarregado de resolver estes pleitos.

Sr. Presidente: depois de várias disputas entre os indivíduos que formavam na . Câmara dos Deputados a comissão de verificação, dilatando- até há bem pouco tempo a sua sentença sobre o caso, e na qual termina pela necessidade de se mandar fazer um inquérito, parece que nem sequer está nomeado o magistrado que iâ-de proceder a esse inquérito.

Ora isto, Sr. Presidente, brada aos céus.

Peço ao Sr. Ministro da Justiça'que junto das estações competentes -r- e demais a mais eu sei que S. Ex.a é natural da Madeira e com muita honra—que envide todos os seus esforços para que se ponha termo a este escândalo, que não tem outro nome.

Isto de estar em divagações constantes e a privar um povo de ter o seu legítimo representante nesta casa, não tem explicação.

Fazendo o meu protesto nos termos mais enérgicos, espero que o Sr. Ministro da Justiça intervenha de maneira a que seja resolvido o assunto rapidamente.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Sr. Presidente : agradeço as frases amáveis quo o Sr. D. Tomás de Vilhena teve a bondade de me dirigir.

Apesar de militar num. campo absolutamente oposto, é certo que S. Ex.a tem sido para mini sempre de uma correcção notável e não posso deixar de mais uma vez lhe testemunhar o meu mais profundo reconhecimento.

S. .Ex-a é um alto carácter, espírito ilustrado e correcto, devendo, por consequência ter em bastante conta e muito apreço as palavras de simpatia que se tem dignado dirigir-me.

Quanto ao assunto que tratou tem razões em dizer que o tribunal, seja ele qual fôr, que esteja incumbido da verificação dos poderes, deve ser um tribunal de ordem absolutamente à.parte dos interesses políticos,- para ser unicamente dos interesses da generalidade.

A Constituição adopta o sistema de ser a própria Câmara esta entidade judicial que, por intermédio das suas comissões, verifique os poderes dos seus membros.

Foram democráticos, e de todo o ponto justos, os princípios que impuseram esta disposição constitucional.

Não posso acreditar, Sr. Presidente, que qualquer membro de uma comissão, desde o momento que essa comissão é constituída em tribunal, possa ter a mais pequena parcela que seja de espírito político ou de interesse partidário.

O Sr. Fernando de Sousa (em aparte):— Assim devia ser, mas não é.

O Orador: — O juiz tem de pôr de parte todas as suas predilecções.

E evidente, pois, que fazendo eu este conceito do que é um tribunal, não posso nem devo partir do princípio que ele se possa desviar do fim para que foi instituído.

Mas o certo é, Sr. Presidente, que a comissão de verificação de poderes determinou, naturalmente para sua elucidação, que era necessário um inquérito.

Não posso assegurar a V. Ex.a se o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, por cuja pasta correm directamente estes serviços, se informaria sobre se algum juiz da comarca do distrito do Funchal quereria proceder a esse inquérito, porque a verdade é, Sr. Presidente, que o princípio de ser um juiz inamovível prende um pouco os braços do Poder Executivo quando precisa de qualquer magistrado.

Efectivamente um magistrado não pode, segundo o preceito constitucional, ser distraído dós deveres da sua profissão.

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trado da comarca do Funchal queria proceder a esse inquérito segundo foi determinado pela comissão de verificação de poderes.

Estas são as informações que posso dar ao ilustre Senador que pode ter-a certeza que o Governo de maneira nenhuma quere influir para que se protele por mais tempo este assunto.

Mais posso garantir a V. Ex.a que pela minha parte não demorarei por uma hora sequer o despacho sobre este assunto.

O orador não reviu,

O Sr. D. Tomás de Vilhena (para explicações) : — Sr. Presidente : eu agradeço muito as palavras amáveis com que mais uma vez me honrou o Sr. Ministro da Justiça, assim como a boa vontade de -S. Ex.a em me dar explicações.

Em verdade devo dizer que fiquei aterrado, porque afinal de contas a entrada de um legislador, seja ele Deputado ou Senador, no Parlamento, está dependente de um juiz de direito querer ou não fazer um inquérito.

Ora suponhamos que nenhum dos juizes da Madeira quere fazer o inquérito; como os outros juizes do continente e ilhas adjacentes têm o mesmo direito, e desde que o Poder Central não tem o direito de coagir o magistrado, daí resultará que o parlamentar eleito não entrará na respectiva Câmara.

E o que eu concluo das palavras do Sr. Ministro da Justiça e nem outra cousa posso concluir.

Deste modo não teremos Deputado pelo Funchal...

Pode isto ser? É o que eu deixo ao critério esclarecido do Sr. Ministro da Justiça para ponderar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: "faltaria a um dever se não elucidasse o ilustre Senador que acaba de falar e o Senado sobre as objecções postas.

Disse o Sr. D. Tomás de Vilhena que, estando no ânimo de todos os juizes não quererem fazer o inquérito, o parlamentar ficaria eternamente à espera dele.

.Ora, perdoe-me S. Ex.a que lhe diga, não é bem assinii

Primeiramente partiu-se do princípio que o inquérito oferecesse mais garantias sendo feito por um membro do Poder Judicial; depois, considerou-se que para mais economia — e o Estado Português não está em condições de ser perdulário— que se devia encarregar juiz .já apossado em qualquer juízo das ilhas. Mas nós podemos recorrer ao continente e aos adidos para fazerem o inquérito.

Se assim não acontecer, se ainda se desse a hipótese de não haver adidos e não haver pessoas que quisessem fazer o inquérito, seria nomeada qualquer pessoa idónea para o fazer, mas teria o Governo sempre o argumento de dizer a V. Ex.a que pugnou, tanto quanto lhe foi possível, para que essa diligência fosse feita por um magistrado, quere dizer, por uma pessoa que oferecesse todas as garantias de imparcialidade.

Por consequência, se os juizes da comarca do Funchal não quisessem aceitar esse encargo e se se desse a hipótese que eu não julgo muito provável de qualquer juiz do continente não o aceitar também, o Sr. Presidente do Ministério com certeza que recorreria a qualquer pessoa fora da magistratura para fazer esse inquérito.

O orador não reviu.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei n.° 55

O Sr. Júlio Dantas:—Sr. Presidente: duas palavras apenas sobre a generalidade da proposta em discussão, palavras que me esforçarei por que sejam simples e claras.

jiiste lado da Câmara deseja, e nunca será demais afirmá-lo, que se apurem todas as responsabilidades, que se castiguem todos os criminosos e que se acautelem devidamente todos os direitos e todos os legítimos interesses em jogo, quer do Estado, quer dos particulares nesta burla em grande estilo que é o caso do Banco Angola e Metrópole.

Não faremos do assunto questão política, nem criaremos embaraços ao Governo .

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pelo respeito que lhe merecem as boas normas legais,. é que a lei que vai ser votada seja quanto possível um diploma juridicamente perfeito e que à sua sombra não se pratiquem injustiças nem se cometam arbitrariedades contra aqueles que, porventura, de boa fé com o Banco negociaram ou trataram.

Apoiados da direita.

E porque nos anima este propósito, nós demos o nosso voto, desde qua quais-

• quer dúvidas se suscitaram, ao adiamento da discussão para a sessão de boje, e ainda porque esse propósito nos animava, nós entendemos pouco aceitável que a proposta se discutisse sem a presença do seu ilustre relator.

A proposta de lei n.° 55, que está em discussão na generalidade, confere ao Poder Executivo determinadas autorizações; declara em liquidação o Banco Angola e Metrópole, e ainda na impossibilidade, que parece ter-se verificado, de aplicar ao caso a legislação de falências, estabelece uma nova forma administrati-

- vá e processual, que permite uma maior rapidez na rescisão dos contratos e na pro-mo^ão dos arrolamentos judiciais.

É a mesma proposta n.° 9-A, que foi apresentada na outra Câmara, proposta que se encontra agora, devo confessá-lo, bastante melhorada. '

Trata-se, entretanto, de uma de lei de excepção^, que, além do todos os inconvenientes próprios dos diplomas desta natureza, contém disposições que me parecem delicadas, para não dizer graves.

Esta proposta confunde demasiadamente os burlões com os burlados, estabelece, em princípio, a má fé de todos aqueles que negociaram com o Banco, quando é certo que esse Banco, declarado «de vantagem para a Nação» pelo Conselho Bancário, aprovado por um decreto referendado pelo Sr. Ministro das Finanças, e fiscalizado pela Inspecção do Comércio Bancário, funcionava em condições que em lícito supor legais ; além disso o ar-tipo 14.° permite a rescisão de actos e contratos sob simples indícios de culpabilidade, e pelo artigo 3.° o assunto é entregue a uma comissão, à qual se conferem, simultaneamente, atribuições de comissão liquidatária e de tribunal de l.a instância, quere dizer, funções de administração e funções de judicatura, o que estabelece a

confusão entre poderes que devem ser distintos.

Eu bem sei que o Sr. Ministro da Justiça quererá argumentar com o precedente da constituição da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, criada pela Lei de Separação do Estado das Igrejas.

Mas, porque se cometeu um erro, não quere dizer que se cometa outro; e além disso, a Comissão Jurisdicional exerce as suas funções administrativas por delegação, em condições diferentes e em matéria menos melindrosa do que aquela em que vai exercê-las a comissão criada pela proposta.

Sr. Presidente: se o Governo entende que tudo isto está bem, se o Governo julga necessário que a proposta seja convertida em lei, nestes preciosos termos o • lado da Câmara que represento não lhe cria dificuldades, mas deixa-lhe todas as responsabilidades.

O Sr. Ministro da Justiça, a quem tenho o prazer de cumprimentar deste lugar, advogado dos mais distintosg notável cultor das seiências jurídicas, tem nesta matéria uma competência que eu não tenho, por^qne não sou jurisconsulto.

E essa competência que eu neste momento invoco para fazer a V. Ex.a uma pregunta.

Sr. Ministro:

Foi ou não foi? Se não foi ilegal, se se cumpriram todas as determinações do decreto n.c 10:634, se os próprios depósitos eram em dinheiro bom, pelo menos 70:000 libras eram em cheques sobre Londres, conforme se depreende do relatório do Sr. Viegas, ontem publicado, «;como se explica que sejam tratadas com demasiado rigor as pessoas que de boa fé, confiadas na acção fiscalizadora do Estado, com o Banco negociaram? ,

E, se o Banco foi ilegalmente constituído, £ como se explica, também, que as entidades oficiais que intervieram na sua ilegal constituição não sejam, como era de justiça, abrangidas nas disposições da proposta e chamadas à devida responsabilidade?

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O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses):— Sr. Presidente : eu começo por agradecer ao ilustre homem de letras, que ó o Sr. Júlio Dantas, as exprsssões bondosas que só a sua benevolência me poderia dirigir.

Disse S. Ex.a que o seu partido está empenhado em que todos os culpados sejam castigados, sem distinção absolutamente nenhuma, sendo caso de dizer nesse assunto que a justiça tem os olhos vendados para ver através da venda unicamente aquele caminho de rectidão que a sua missão lhe impõe.

Por outro lado assegurou S, Ex.a também que desejava que fossem respeitados os legítimos direitos de cada um.

Quere dizer: S. Ex.a no seu espírito altamente criterioso e inteligente não quere que se confun.da o culpado com o inocente. Não quere que demasiado rigor da lei contra os infractores vá fazer sentir o seu peso sobre os que não tenham responsabilidade criminosa perante as leis de País.

É assim que S. Ex.a entende que deve ser modelada a proposta que tive a honra de apresentar na Câmara dos Deputados e que foi alterada em alguns pontos pela comissão a que baixou. A esse respeito, e como parêntesis, devo dizer que a proposta que tive a honra de apresentar na Câmara dos Deputados foi aceite em todos, os seus princípios basilares e 'que o resto era questão de regulamentação.

Eu vou dizer a V. Ex.a e à Câmara qual a orientação que o Governo entende dever seguir neste assunto.

O Governo não podia ficar inerte e conservar-se absolutamente estranho a um assunto que contendia não só com os seus interesses financeiros, porque o Estado tem comparticipação por metade, 50 por cento, nos lucros do Banco de Portugal, mas ainda com princípios de ordem porventura mais elevada, pois contendia com o nosso brio nacional, sendo necessário que os autores dessa burla,-dessa colossal burla como doutra não há memória nos anais da história do nosso crime, pelo que diz respeito a falsificação de notas, não ficassem impunes ou não se lhes aplicasse uni castigo severo que mostrasse também ao estrangeiro que nós tomávamos a peito esta questão.

Daqui, Sr. Presidente, os motivos que orientaram o Governo a fim de que ele estudasse e examinasse;' como efectivamente estudou e examinou, este caso.

O Governo partiu deste princípio: houve grave lesão feita aos direitos, aos interesses de diversas entidades. Essas lesões foram devidas principalmente ao fabrico de notas falsas. Com essas notas falsas fizeram transacções, adquiriram-se bens imóveis, bens móveis e fez-se essa série de operações que se sabe. ..

O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrom-do]: —E outras cousas mais .. .

O Orador:—E outras cousas mais, que se sabe que um Banco deve fazer ou faz.

Isso causou prejuízos. Era necessário ressarcir esses prejuízos.

(? Para ressarcir esses prejuízos qual foi o critério seguido?

O critério seguido foi. que os bens duma origem viciosa servissem para pagar àqueles que tinham sido lesados, ou melhor, para indemnizar os lesados.

Esses bens seriam vendidos e far-se-ia como que uma partilha proporcional, como diz o artigo 21.°, entre as pessoas lesadas.

Mas, posto que se tenha de proceder a partilha, eu não quero—ao contrário do • que V. Ex.a pensa e eu com todo o respeito lho digo — eu não quero sair para uma legislação excepcional, eu quis tanto quanto possível moldar-me nos modelos do nosso direito. £ Havia uma partilha a fazer, havia bens qne deviam entrar nessa partilha ?

Pois bem, sigamos os princípios do nosso Código do Processo Civil, faça-se um arrolamento.

E de duas uma, ou esse arrolamento compreende na verdade bens que pela sua origem viciosa, e sem prejuízo do direito legítimo de terceira pessoa, devem ser compreendidos no arrolamento, ou não.

Na primeira hipótese estavam bem compreendidos, na segunda hipótese havia a reclamação.

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O Sr. Júlio Dantas (interrompendo)*.— Quanto ao artigo 33.° que cria a comissão.

O Orador: — Nada disso. Eu cinjo-me às normas seguidas no processo de falôn-cia, ou cinjo-me a um dos capítulos ou secções do nosso Código do Processo Comercial relativamente a arrolamento de bens.

ÍSabe V. Ex.a que nas falências, quando se arrolam bens, há sempre reclamações,

Eeclamações não só daqueles que querem fazer valer os seus créditos, mas, também, reclamações daqueles que querem mostrar qoe os bens arrolados pelo administrador da massa falida não estavam nas circunstâncias de o ser.

• É o artigo duzentos e quarenta e tantos do "Código do Processo Comercial exactamente a fórmula que eu adoptei.

<_ p='p' viciosa='viciosa' tinham='tinham' bens='bens' esses='esses' origem='origem' ser.arrolados='ser.arrolados' não='não' devem='devem' porque='porque'>

Há reclamação.

É também uma reclamação ordinária •regulada num capítulo do Código do Processo Comercial, e, daí, recurso para os tribunais superiores.

Vê assim V. Ex.a, Sr. Júlio Dantas, •que eu mio vim buscar uma legislação excepcional, não quis afastar-me da índole do nosso direito.

Fui assim, Sr. Presidente, buscar àquele processo fecundo, benéfico, salutar, fundamental do grande monumento jurídico que ainda temos, o Código Civil, que no seu artigo 16.° aos diz que as questões se devem resolver pelos casos análogos.

Eu fui buscar a causa análoga, às causas que devem ser solucionadas, os assun-

• tos que devem ser ponderados n?sta emer-•gência.

Tenho, parece, explicado a S. Ex.a de uma maneira, tanto quanto possível clara, as razões por que não fui basear o decreto das congregações para dirimir os diferentes recursos a respeito da responsabilidade civil do domínio da responsabilidade criminal, raas fui ao nosso Código do Processo Comercial buscar a origem das disposições que eu devia trazer para a minha proposta.

Pregunta-rne S. Ex.a se o Banco An-

gola e Metrópole estava constituído legalmente.

Eu não podia deixar de dar a S. Ex.a uma resposta afirmativa.

Eu não poderia mesmo compreender que as estações oficiais tivessem procedido de forma que deixassem constituir-se um Banco a não ser por aquelas normas que a legislação clara e precisamente indica para que a constituição possa ser permitida.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Ou por falta de zelo.

O Orador: — Mas essa ialta de zelo é preciso demonstrá-la.

Compreendo que haja falta de zelo em todas as cousas e até, permita-me V. Ex.a que o diga, nas afirmações, mas, é preciso, e eu -não estou- habilitado a dizê-lo ao Parlamento, que não houvesse qualquer falta no cumprimento das formalidades legais exigidas na constituição desses Bancos.

Depois de constituído legalmente, porque ama cousa é a sua constituição e outra é o seu funcionamento...

O Sr., Júlio Dantas: —

O Orador: — Entendo que se constituiu

legalmente.

O Sr. Júlio Dantas: — Registo a declaração de V. Ex.à

O Orador: — Procedeu depois ilegalmente porque estava a fazer operações com notas falsas.

Pregunía o ilustre Senador como é que se explica o demasiado rigor havido para com pessoas que contrataram, porventura, de boa :é. É assunto esse para apurar. E necessário ver se os bens arrolados, que hão-de fazer, porventura, parte mais tarde dos que hão-de ser vendidos para indemnizar os interessados, estão bem ou mal arrolados.

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O Governo ficará satisfeito por esta Câmara poder introduzir modificações nesta lei que a melhorem e a tornem o mais perfeita possível, porque uma perfeição absoluta não se conseguirá.

A Itália, a grande mestra do direito, diz que, feita uma lei, fica íeita a malícia.

Por mais bem elaborada que seja, sempre fica com uma porta aberta.

O génio do homem, por mais fecundo e imaginoso que seja, não pode nunca fazer uma obra absolutamente perfeita, mesmo nas cousas mais comezinhas.

O grande cérebro que era o de Napo-leão Bonaparte, ao ler o primeiro comentário ao Código Civil, teve um estremecimento daqueles qne eram naturais à sua índole de impulsivo, porque julgava que todas as questões tratadas naquele importante documento o estavam por tal forma que era impossível haver dúvidas.

Ele imaginava, na sua pequenez de cérebro potente, porque os cérebros potentes também têm as suas fraquezas, imaginava que todas as hipóteses estavam previstas.

Pois não aconteceu assim, e acabou por verificar, nos inúmeros comentários que teve essa obra de direito, que a sua concepção, por mais ampla que fosse, não pôde abranger as muitas hipóteses que não estavam previstas.

Não podia o Governo, pois, apresentar uma proposta perfeita. Por maior consideração que eu tenha pelo corpo legislativo do meu País, não posso alimentar a ilusão de que do seu trabalho fecundo possa sair uma obra que mais tarde não encontre reparos ou não provoque dificuldades.

-tíj um assunto árido, mas na solução do qual todos estamos interessados e espero que esta Câmara, com as suas luzes, que V. Ex.as, com o seu saber, hão-de contribuir, e muito, para o aperfeiçoamento desta proposta, tanto mais que o Sr. Júlio Dantas acabou por declarar que o Partido Nacionalista, atenta a gravidade dó caso, não faz uma oposição sistemática, pois o que quere é uma lei o menos defeituosa possível, o que sem dúvida se dará se S. Ex.a e os demais Srs. Senadores concorrerem para que ela adquira aquela perfeição relativa que é lícito esperar do trabalho dos homens.

Antes de concluir, e para não ficar mal

com a minha consciência, eu quero dirigir me também a um ilustre Senador, o Sr. Machado Serpa, que foi o primeiro a pedir a palavra sobre a generalidade da proposta,°e que, começando por apreciá-la, proferiu, a meu respeito, palavras de tam entranhado carinho, que eu não posso deixar de agradecer a S. Ex.a essa prova de simpatia que me quis dar, não porque os meus merecimentos estejam à altura dos seus elogios, mas porque S. Ex.a assim quis incitar-me a que eu, continuando a discutir nesta casa do Parlamento esta proposta, possa ainda dar-lhe alguma cousa mais, embora seja uma parcela humilde traduzida na vontade que tenho de que o Senado mais uma vez se honre na confecção dum documento que a Eepú-blica possa registar nos seus anais como uma desafronta ao crime extraordinário que se praticou, a essa burla inqualificável que não olhava só a interesses particulares, mas visava a atentar contra a integridade das nossas colónias.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Ferraz Chaves: — Requeiro a V. Ex.a, Sr. Presidente, que consulte o Senado sobre se permite que a sessão seja prorrogada até se votar esta proposta de lei, podendo ser interrompida quando V. Ex.a o julgue oportuno.

Posto á vetação este requerimento, foi aprovado.

O Sr. Júlio Dantas :— Agradeço a resposta que teve a gentileza de dar-me o Sr. Ministro da Justiça. As declarações de S. Ex.a habilitam-mó a seguir o meu raciocínio.

S. Ex.a o Ministro da Justiça, respondendo à pregunta que tive a oportunidade de lhe fazer sobre se considerava legal ou ilegal a constituição do Banco Angola e Metrópole, declarou que, em seu critério, este Banco fora legalmente constituído.

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Mas há mais ainda: S. Ex.,3 o Ministro da Justiça, ao apresentar à outra casa do Parlamento a sua proposta de lei n.° 9-A, fez, em dois artigos dessa proposta, a afirmação de que o Banco se constituíra ilegalmente.

Mas, mais ainda, Sr. Presidente.-

O próprio artigo 1.° da proposta de lei que está em discussão é decalcado sobro o artigo 107.° do Código Comercial, que obriga pelos seus actos pessoal, ilimitada e solidariamente aqueles que contratam em nome de sociedades ilegalmente constituídas.

Não tenho prazer algum, Sr. Presidente, em verificar quo S. Ex.a o Ministro da Justiça está em desacordo consigo próprio. O que ou pretendo ó demonstrar à Câmara a instabilidade e a inconsistência do critério que presidiu à elaboração da proposta que se discute. O Sr. Ministro, que há um mês iulgava ilegal o quo agora julga legal, partiu dum principio errado, e quási todas as disposições que na proposta nos parecem mais violentas ou menos justas, como as do artigo 9.°, são apenas uma consequência desse erro,.

i Com que fraca solidez do convicção e de critério se fazem as leis!

Mas, Sr. Presidente, esto lado da Câmara não pretende criar dificuldades ao Governo, nem faz questão política deste triste caso. E preciso que só apurem res-pon-sabilidades e se acautelem direitos e interesses legítimos, j Mas qne. à sombra dos propósitos de defesa desses direitos e desses interesses, só não cometam violências !

A minoria nacionalista colaborará com o Governo para converter a proposta num diploma quanto possível perfeito. NSo a animam intenções de oposição sistemática, muito menos tratando-se de um assunto que interessa à Nação ver resolvido quanto antes. O quo sinceramente desejaria "é que S. Ex.a o Ministro tivesse trazido à Câmara um trabalho mais em harmonia com as responsabilidades do seu espírito e com as tradições da sua competência. Bem sei que não pode haver íeis perfeitas; mas há leis melhores e leis piores. Esta não ficará, por certo, no número das primeiras.

Apoiados da direita.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: agradecendo novamente as palavras que me dirigiu o ilustre Senador Sr. Júlio Dantas, tenho a dizer-lhe com toda a sinceridade que, quando formulei a minha proposta, tinha a convicção de que o Banco Angola e Metrópole tenha sido constituído sem que tivessem sido seguidas todas as formalidades; mas, por um estudo qua fiz do assunto, verifiquei, posteriormente, que estava em erro o por consequência a proposta de lei devia assentar não na legal constituição do Banco mas íinicamen-te no seu funcionamento e relações.

O Sr. Júlio Dantas : —No que eu disse quis afirmar que essa convicção em que íá. Ex,a se encontrava nos aparece na essência e na letra do diploma que trouxe à Câmara.. ,

O Orador:—Perfeitamente. Pregunta S. Es.1» se o Governo deseja que a proposta seja aprovada tal como foi apresentada, vindo da secção, ou se deseja que seja melhorada, tanto quanto possível, e- a minha resposta não pode ser senão a de declarar, em nome do Governo, que esto não dispensa de rnodo nenhum a colaboração desta Câmara. O Governo não quere que, esta Câmara seja uma chancela mas antes que melhore este diploma, que constitui um capítulo inédito em direito.

A minoria nacionalista pode ter a certeza de que o Governo se honrará com a discussão da proposta, em que se apresentem as emendas necessárias. Espero, pois, que o Senado entre numa colaboração activa propondo as emendas que entender, e demais eu mesmo trago algumas para apresentar, porquanto trata-se de um documento que se reflecte não só na nossa vida pública como na vida moral do nosso País.

O orador não reviu.

G Sr.. Querubim Guimarães: — Sr. Presidente : encarregado pela minoria monárquica dosta casa do Parlamento do tratar do assunto em discussão, cumpro esse dever, dever, que não é só inerente à minha função porque também o impõe a minha qualidade de profissional do foro.

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deria de modo algum alhear-me da discussão de um projecto que tain fundamente afecta os bons princípios constitucionais e as rigorosas normas jurídicas em que devem moldar-se todos os diplomas legislativos.

Mas antes de entrar propriamente no assunto eu quero significar a V. Ex.a, Sr. Presidente, e à Câmara que a minoria monárquica deseja, exige e reclama uma severa punição para a escandalosíssima burla do Banco Angola n Metrópole, burla extraordinária, colossal, tam grande que não tem similar na história da nossa criminologia e que, pela audácia da concepção o espantosa mecânica do seu vasto plano tenebroso — de duplos fins criminosos e anti-patrióticos, ferindo profundamente os mais altos interesses materiais e morais do País — marcará para sempre na nossa história a decadência duma época, sem grandeza, nem elevação moral, sem disciplina social e sem honra política, sem prestígio da autoridade e sem força no Poder, sórdida de egoísmos, baixa de instintos, vegetando e não vivendo, sem regra, sem freio, sem punição para os seus crimes mais monstruosos.

Essa tremenda burla, só possível numa sociedade em tal deliqúescência que a impunidade é incentivo e exemplo, por culpa dum regime onde são possíveis todas as fraudes e impossível qualquer castigo, de tal modo se reflecte no nosso nome, no conceito que de nós formem os estranhos, que ou uma severíssima punição se aplica a todos o? criminosos, qualquer que seja a sua categoria, ou- a maior das vergonhas cairá sobre nós, tornando-nos incapazes de assumir perante o futuro as res-ponsabilidades duma tradição notável de nobreza, de heroísmo e de virtude, como a que se vem afirmando através de largos séculos de gloriosa independência.

Se Portugal não for capaz de afirmar altivamente a sua personalidade, impulsionado por uma reacção poderosa e salutar que para longe varra todas as causas da sua decadência moral e política, mal lhe irá e sobre todos os da actual geração fará recair a história o peso duma maldição tremenda. E é tendo em vista todos os altos interesses da Nação, para qu.o fique bem marcada a sua posição no debate e bem definidas as suas

responsabilidades, que este lado da Câmara reclama o mais rigoroso castigo para todos os prevaricadores, para todos os incriminados na grande burla, para todos sem excepção, sem que para qualquer deles haja clemência, magnanimidade ou tolerância. A minoria monárquica reclama esse. castigo, mas não confia no regime, não espera dele esse papel de julgador severo e inclemente porque lhe falta autoridade, prestígio, íôrça para punir quem quer que seja.

Sim, não tem a República autoridade para punir quando impunes têm ficado todos os numerosos crimes praticados desde 1910 para cá, todos os latrocínios, desfalques, roubos, atentados à mão armada contra a propriedade é a vida das pessoas, toda essa série monstruosa de vilipêndios e delapidações que tem sido a administração pública do regime, formal condenação deste opróbrio eterno da Pátria.

,;0nde estão os criminosos autores dos estupendos roubos dos Transportes Marítimos ?

Já foram punidos? £ Já foram sequer julgados ?

(j E os que roubaram o Estado nos Bairros Sociais, na Exposição do Rio de Janeiro, no Lazareto?

£ Já se sabe quem foi?

Vá, digam Srs. republicanos, onde está uma única punição de qualquer crime dessa natureza? Apontem-na, indiquem--na e eu calar-me hei.

(jComo quere então a República ter autoridade para castigar com aquela severidade que o caso impõe, os culpados deste monstruoso crime?

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í)iárío 'das Sessões do Senado

de uma grande obra que de futuro se traduziria em benefícios incalculáveis para o País. Era por assim dizer o Banco da República, criação genial do espírito e da actividade republicana, que assim vinha -fazer frente aos outros Bancos existentes onde imperava o espírito reaccionário de -inimigos do regime. .Todos se recordam disso. O Banco célebre foi recebido nos escudos pela imprensa do regime e apro-.veitou-se o ensejo para desacreditar os outros Bancos -- o de Portugal e o Ultramarino principalmente— que se quiseram tomar de assalto para ali se insta--larem, em pingues conezias, os bons re-.publicanos.

Foi assim, nessa atmosfera de dascré-dito e nesse combate porfiado contra tam velhos e tam acreditados estabelecimentos bancários, que apareceu o famoso Angola e Metrópole, reclamado corno a oitava maravilha do mundo, afagado pelos poderes públicos, tratado afectuosamente pela República, como se fora um seu filho dilecto.

Eeformou-se a lei pela qual se podiam constituir os Bancos, deu-se um novo título e uma nova composição ao organismo que tinha por fim fiscalizar as operações por eles efectuadas, tudo isso no aparente intuito de moralizar a instituição bancária, mas, no fundo, com o objectivo de proteger o Banco famoso e de lhe assegurar uma existência próspera em prejuízo dos outros que a essa indústria se dedicavam.

A começo apresentaram-se dificuldades para a instalaç.ão do Angola e Metrópole, mas num dado momento tudo isso' passou, tudo isso desapareceu, tudo isso se dissipou.

Com a entrada para os corpos dirigentes de duas ou três pessoas que de modo algum podiam inspirar qualquer suspeita à opinião pública arranjou-se uma fachada que servisse para iludir os incautos, para atrair os que -de boa fé precisassem de transaccionar e obter capitais, sobretudo os que viviam nas colónias só-•frendo .todas as consequências de uma administração perdulária e desastrada e que julgavam ver nesse malfadado Banco • uma salvação certa para os seus interesses ameaçados.

Era o sonho feito .realidade. Era a esperança para muitos que não podiam, da

África para o continente, íazer as suas transferências e assim viam paralisada toda a vida económica da província e o seu comércio, a sua indústria, a sua agricultura a definhar e a perder-se.

Era também o salvatério para o Estado, imprevidente e esbanjador, que não via meio de acudir à situação aflitiva das suas colónias e ali, no Banco famoso, cheio de ouro, qualquer que fosse a sua proveniência, encontrava fácil recurso para ?e livrar de dificuldades e canseiras.

Era para outros a sórdida satisfação de inconfessáveis interesses, de ambições as mais vis, de sentimentos os mais criminosos e indignos.

E num meio corrupto, de desenfreado materialismo, sem moral política, sem pudor administrativo, como era fácil triunfar e vencer todos os obstáculos. A fachada encobria a miséria, a desonra, o crime!

Foi assim, usando ardilosamente destes processos de ilusionismo, que os audaciosos autores da burla conseguiram enredar nas malhas da corrupção muitos nomes absolutamente insuspeitos. Poderiam estes ficar inutilizados, perdidos? Que importava isso só, para eles, os fins justificam todos os meios ?

Com toda essa fachada de uma lega-lissima constituição do Banco, erguida ao alto a luzida taboleta de nomes insuspeitos, os burlões, ao abrigo de situações acomodatícias que lhes criavam os seus representantes junto dos poderes públicos, pouco se importando de anavalhar a honra da Pátria, eles que tam pouco se importavam com a honra própria, sentiram-se em terreno conquistado, terreno admiravelmente tratado para receber a semente do crime mais monstruoso, - E marchavam decididamente confiados mais uma vez na impunidade do regime.

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já há muito às habilidades pirotécnicas da República; vi logo que mais cedo ou mais tarde alguma cousa de negro surgiria. E surgiu a tragédia! A lachada afinal não era de um Banco; a fachada era antes de uma Penitenciária.

Quando a Minoria Monárquica pede que punição completa seja feita, repito, não é porque tenha confiança na República e porque julgue que ela seja capaz de aplicar uma punição severa. Posso dizer isto sem receio, porque até hoje a República, declaro-o novamente, não assumiu aquele papel de autoridade e de prestígio precisos para meter na cadeia os que a têm enxovalhado e enxovalhado o País.

Pois então alguém desconhece o que tem sido esse tremendo estendal de miséria da administração republicana?

Triste quadro esse em que vagueiam sombras de pesadelo e de infâmia.

Tudo isso .acode à minha mente porque até hoje não houve ninguém que tivesse a coragem de fazer punir quaisquer criminosos.

Assim se têm esbanjado centenas de milhares de contos, num país onde não há estradas, com uma deficiente rede de caminhos de ferro, sem portos e sem irrigação, sem tudo aquilo ernfim que seria necessário ao seu desenvolvimento.

Como querem V. Ex.as Srs. republicanos que confiemos absolutamente, cegamente, no império da justiça sob a égide ' da República?

Como querem V. Ex.as que nós tenhamos confiança na justiça da República, se até hoje ela ainda não praticou qualquer acto que merecesse pelo menos a nossa benevolente aprovação?

Sr. Presidente: lembro-me agora — desculpe o Senado esta divagação, que é interessante — daquela afirmação de um republicano francês que em 1910, quando se proclamou a República, viajando com um português, dizia a ôste :

«Vós, portugueses, sois pobres demais para sustentar uma República».

Tam sugestiva é a frase, tam cheia de verdade a afirmação, tanto está ela de acordo com os factos que infelizmente observamos na nossa casa, que não a podemos tomar como ofensiva da dignidade do País, ou como animada por um espírito de acrimónia para Portugal. A acri-

mónia para a República, sim, mas para todas as Repúblicas, até mesmo, portanto, para a República Francesa.

As Repúblicas ficam caras, sem dúvida, e bem cara nos- tem custado a nossa.

As grandes crises morais que afectam certos períodos das sociedades tomam proporções assustadoras nos regimes democráticos, onde o horror das responsa-bilidades pessoais as faz diluir no movimento da soberania popular.

O crime é mais fácil nas repúblicas p^or não serem um regime de autoridade. É por isso, Sr. Presidente, que hoje se agita pelo mundo fora uma nova corrente, cheia de fé'e de entusiasmo, em cuja defesa se abraça o espírito combativo da mocidade das escolas, na qual vive e palpita um sentimento bem diverso do que animou a mocidade do meu tempo. O que era então ânsia de liberdade, em cujo altar se sacrificavam as mais brilhantes inteligências e os mais generosos corações, passou hoje a ser, bem ao contrário, ânsia de autoridade, ânsia de poder, ou seja desejo intenso de uma nova ordem onde a supremacia de um chefe se faça sentir impondo uma forte disciplina social.

A esta necessária reacção nos levavam os desmandos da liberdade. 9

Os democratas de todo o mundo começam então a ver ruir o seu sonho de liberdade e de democracia, porque aquela e esta não favorecem as prosperidades dos povos como um regime de autoridade e de força. Os povos são como ,os cegos: precisam de um guia inteligente e forte que os conduza e anime. Se se deixam guiar apenas pela sua cabeça e pela soa vontade, tropeçam e caem.

E emquanto que para erguer um homem ou outro basta, para erguer um povo é preciso o esforço de uma ou mais gerações.

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num regime de autoridade e de força. E agora analisemos o projecto.

Estamos, Sr. Presidente, em face de uma nova lei de excepção e não com o aspecto que o Sr. Ministro da Justiça lhe quere dar, de modo a iludir-nos — desculpe S. Ex.a a frase, que nas pretendo sei\ desprimoroso.

É um projecto de lei de excepção, puro e simples, como tal odioso e perigoso.

Se eo, porventura, apelasse para o espírito jurídico do Sr. Ministro da Justiça, para a sua larga experiência de advogado e de homem de foro, e se a S. Ex.a fosse possível deixar, falar a voz do seu sentimento, de ferrenho constitucionalista, chegaria fatalmente à conclusão de que foi num momento de precipitação que S. Ex.a elaborou uma preposta que. realmente, não honra o seu nome, a sua categoria de advogado distinto, que não honra o Poder Legislativo que a aprovar e que certamente hoje merecerá do seu próprio autor o mais completo repúdio.

Foram as circunstâncias de momento, aturdidos os poderes do Estado com o pavor de uma imperiosa exigência da opinião pública, que levaram o Sr. Ministro da Justiça a pôr de parte os seus escrúpulos constitucionais, as boas normas da téchriica jurídica e os rigorosos princípios do direito, para acudir de pronto a uma situação que se afigurava-muito próxima do descalabro irremediável.

E então S. Ex.ft perturbou-se e apresentou-nos este monstrozinho.

Sim, porque este projecto é nm aborto.

Tecnicamente, desastrado; juridicamente, condenável; eonstitucionaloente, não tem defesa.

Eepito sinceramente: o Sr. Ministro da Justiça perturbou-se, apavorado com os graves danos produzidos pelo Angola e Metrópole, e daí o sair das suas mãos, capazes de melhor obra, trabalho tam inferior.

S. Ex.a, no remanso, do seu gabinete, com todo o cuidado e ponderação, serenamente, sem perturbações, era muito capaz de elaborar um diploma que honrasse o seu nome e as suas tradições forenses.

Mas não foi só o Sr. Ministro da Justiça o culpado de tam mesquinha obra.

Igual responsabilidade tem a comissão de legislação civil da Câmara dos Deputados que deu parecer favorável.

j E abona-se com ele o Sr. Ministro da Justiça!

Com uma certa ufania, S. Ex.a, ao ro-ferir-se há pouco ao assunto, informou--nos que na comissão foram absolutamente aceitos todos os seus pontos de vista.

Pois não é caso para tal satisfação; muito ao contrário.

Devo dizer com franqueza ao Sr. Ministro da Justiça que a comissão de legislação civil, composta aliás por alguns distintíssimos jurisconsultos, como por exemplo o Dr. Matos Cid a quem presto a nhã homenagem da minha admiração e respeito pelo seu valor que é incontestável, igualmente precipitada foi, pouca reflexão teve, certamente por dispor de pouco 'tempo, para melhorar esta proposta.

Pouco a modificou, ó certo; mas isso só avoluma as suas responsabilidades.

Esta proposta, Sr. Presidente, está absolutamente dentro daquele sistema de contradições que tern sido até hoje a legislação republicana e a administração pública do regime, principalmente se compararmos o se pregou nos tempos saudosos da propaganda com o que tem sido a tristíssima realidade da Eepública triunfante.

Contradições, só contradições entre as promessas e as obras, entre o sonho e a realidade, entre a doutrina e a prática.

<_:_ aquela='aquela' haja='haja' com='com' plena='plena' que='que' de='de' constituição='constituição' garantias='garantias' uma='uma' dos='dos' fundamental='fundamental' democracia='democracia' especificadas='especificadas' excepção='excepção' lei='lei' se='se' onde='onde' estatuto='estatuto' alguém='alguém' um='um' admira-se='admira-se' respeito='respeito' deve='deve' como='como' a='a' os='os' e='e' arranjar='arranjar' proposta='proposta' em='em' cidadãos='cidadãos' direitos='direitos' vá='vá' individuais='individuais' pretende='pretende' o='o' p='p' democratas='democratas' as='as' merecer='merecer' investir='investir' esta='esta' expressamente='expressamente' acham='acham' política='política' todos='todos' bons='bons'>

Não, Sr. Presidente, nada isso é de admirar, porque se pegarmos na legislação republicana e a examinarmos com alguma atenção, veremos a cada passo postergados os princípios e calcados todos os escrúpulos, tais as incongruências e as contradições com que deparamos.

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que aliás já estava na Carta Constitucional, foi a da lei ser igual para todos: igualdade perante a lei, igualdade perante a justiça, igualdade perante as funções públicas, igualdade perante o imposto.

,; O que representa essa igualdade ?

A injustiça mais flagrante, o favoritismo mais desenfreado, o despotismo sectário mais aviltante.

Igualdade perante a justiça!

^ Quantos jnízos de excepção e quantos processos excepcionais se têm criado contra, sobretudo os inimigos do regime?

Acabou a Constituição com todos, os privilégios: de nascimento', foros de nobreza, títulos nobiliárquicos e até com as condecorações, determinando expressamente que ninguém.pode ser galardoado por feitos cívicos e militares, a não ser por diplomas especiais.

E todos nós, Sr. Presidente, temos visto o que tem sido o desapego da democracia republicana por esses crachás, por toda a espécie do condecorações e fitinhas" que de qualquer modo representem uma distinção pessoal.

Chegou-se ao delírio!

Como seria interessante fazer um exame cuidadoso sobre o que a tal respeito se tem decretado, canfundindo-se por vezes no mesmo louvor actos nobres com actos que são pelo menos dignos de crítica, ou de molde a provocar dúvidas.

j Como seria curioso, pelo imprevisto dos resultados, submeter tantos dos medalhados a rigorosas provas morais !

Não há ninguém que não ostente veneras.

j Até o Marang foi agraciado!

E assim posso afirmar que se vive numa falsa democracia, democracia só no nome, porque outra cousòi»não é o que para aí se exibe e o que se vê praticar por parte dos Srs. democratas mais ardorosos.

Contradições, contradições!

O mesmo acontece com as leis excepcionais, em matéria de impostos, que. tantas vezes aqui tenho criticado, demonstrando que elas vão de encontro ao que se apre-guou na propaganda, quando se dizia nos comícios, por esse, país fora, que o povo não podia nem devia pagar mais.

Hoje, nesta democracia republicana, o povo paga o que nunca pagou na ominosa monarquia, o que nunca julgou poder-vir a pagar.

Morre em holocausto aos princípios, asfixiado ao peso de tantas contribuições.

E o regime absurdo de impostos, os mais variados, que dificultam e quási pa-ralizam a vida económica do País.

Contradições, contradições !

Em política internacional mantemos hoje a aliança inglesa, contra a qual os republicanos da propaganda dirigiram os mais audaciosos ataques.

E assim em tudo.

Um dos primeiros cuidados que teve a República, apenas se proclamou, foi publicar aquele célebre decreto de 10 de Outubro de 1910, que acabou com todas as odiosas leis de excepção existentes no tempo da monarquia, tremendas leis, horríveis leis, sob as quais o indivíduo não podia ter acção própria, por virtude das quais a sua liberdade estava absolutamente ao desabrigo da protecção do Estado, com as quais não havia segurança, absolutamente alguma, nem quanto à pes-. soa do cidadão nem quanto à sua propriedade !

j Toda a gente se recorda com horror desse tempo ominoso!

Ninguém podia viver, ninguém podia respirar, ninguém podia falar, embora os republicanos dissessem nos comícios tudo -o que. lhes vinha à cabeça.

Todos nos recordamos do que se pregou contra a terrível, a famosa lei de 13 de Fevereiro, esmagadora de todas as liberdades, que só o referi-la punha todos os bons republicanos numa atitude nervosa ; a célebre lei de 13 de Fevereiro, com a Bastilha da Calçada da Estrela, à roda da o ii n l se chegou a criar uma lenda tenebrosa.

Verdadeira inquisição!

j Lugar de suplício e de tortura!

(jPois examinando as leis de excepção da monarquia, o que vemos nós em plena República, que as revogou logo de entrada ? •

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Veja V. Ex.a se dentro dos princípios liberais e de pura democracia, que se dizem ser os deste regime, é de aceitar um acto de força desta ordem, e como a tal respeito, pondo-se em confronto a situação de hoje com a de ontem, a legislação anterior com a actual, pode haver-confronto que não seja a condenação da obra rep ublicana.

Já hoje se faz justiça ao juiz "Veiga, admirável juiz de instrução, que, tendo nas suas mãos poderes discricionários, nunca deles abusou.

Está vingado o digníssimo magistrado, a quem os republicanos tanto agrediram em outros tempos.

i É um socialista na Câmara dos Deputados, o Sr. Ramada Curto, quem o glorifica !

Tudo contradições, tudo contradições, Sr. Presidente!

A respeito deste caso do Banco Angola e Metrópole publicaram-se vários diplomas, todos eles de excepção, e é curiosís-simo por exemplo confrontar a lei de 19 de Outubro de 1902, que criou uma jurisdição excepcional, estendendo a acção do juiz de instrução criminal a todos os pontos do País, pois atribuía a direcção superior das investigações e diligências necessárias para a verificação dos crimes contra a segurança do Estado, anarquismo, e moeda lalsa e descobrimento dos responsáveis, ficando sob as suas ordens a polícia de investigação e judiciária, e todas as autoridades administrativas e policiais do continente, concentrando emfim nas suas mãos todos os elementos de acção repressiva e preventiva com o decreto n.° 11:339, de 10 de Dezembro último, o primeiro da série de diplomas que o Grovêrno publicou sobre a burla do Angola e Metrópole.

Digo bem alto: neste caso do Angola e Metrópole temos de fiar tudo da dignidade e prudência das autoridades investigadoras e nada podemos esperar da lei que lhes conferiu especiais poderes. Senão houver um grande critério, um superior critério de ponderação e equilíbrio, de aprumo e verdadeira integridade da parte dessas autoridades que' se acham investidas de tam largas autorizações, se emfim essas autorizações não foram dadas ajuízes, como foi o juiz Veiga, modelo cie prudência e de admirável bom senso, sem dú-

vida que muitas injustiças poderão vir a ser praticadas, tam extraordinários são os poderes conferidos a esses investigadores.

Sr. Presidente: (;como se têm feito as investigações? <_ permitida='permitida' a='a' constituição='constituição' é.='é.' é='é' indeterminado='indeterminado' tempo='tempo' porventura='porventura' p='p' por='por' incomunica-bilidade='incomunica-bilidade' não='não' pela='pela'>

É permitida pélas leis ordinárias? Não é.

Eu, intérprete das leis, homem de direito e do foro, educado o meu espírito e o meu carácter no respeito pelas normas jurídicas que devem corresponder a normas inflexíveis de moral colectiva, sinto--me revoltado perante estes constantes atropelos das leis ordinárias e constitucionais. Não é porque o sistema constitucional mereça, aos meus olhos, uma tal dedicação e ternura que me levem a quebrar por ele fortes lanças.

Acho-o, pelo menos, digno de críticas muito justificadas.

Mas encontro-rne perante uma situação de facto e de direito, com um diploma fundamental, a que se chama Constituição, que define direitos que é preciso respeitar, emquaato ele subsistir e cujas disposições não pode ninguém desconhecer, mormente os que se dizem os verdadeiros zeladores e guardas dos papiros democráticos.

Pois bem, á Constituição é expressa e não permite que ninguém seja preso sem culpa formada, a não ser nos casos excepcionais ali indicados e, mesnTo nesses casos, aos arguidos são asseguradas todas as garantias de defesa, quer antes quer depois da formação da culpa. Uma dessas garantias é a da não incomunicabilidade além das quarenta e oito horas, a contar da prisão, não podendo também o despacho de pronúncia ir além dos oito dias, a não ser por virtude de diligências judiciais requeridas pelo preso.

E nunca essa incomunicabilidade existe para a família do preso durante uma hora, pelo menos, em cada dia. Foi o decreto de 14 de Outubro de 1910 que tal determinou. Apressadamente, logo ao romper da República, dez dias depois da sua proclamação, se fizeram nesse diploma essas garantias aos arguidos, garantias que em pouco aumentavam as anteriormente consignadas nas leis da monarquia.

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Logo em Dezembro desse ano, apenas dois meses depois, se organizava um foro especial para a acusação e julgamento dos crimes contra a forma do Governo e integridade da República. Era o ódio e o desejo de perseguição contra os inimigos do regime.

Mas não ficou por aí.

Dois meses mais decorridos, ou seja em Fevereiro de 1911, um outro diploma apareceu, ad odium, contra os monárquicos, propositadamente para os vexar, sujeitando-os aos maus tratos,-agressões e violên-. cias da fúria jacobina na triste odisseia^ por tantos suportada desde os mais recônditos lugares do País até as ruas da capital ou do Porto e, uma vez nas prisões, fazendo-os sofrer crueldades das maiores.

Por esse novo decreto a investigação dos crimes de rebelião ou de outros de igual natureza podia ser feita também pelas autoridades administrativas e policiais de Lisboa e Porto, podendo para esse efeito o Ministro do Interior ordenar a remoção de qualquer detido, sob proposta do governador civil do distrito em cuja área se praticara o delito. E só finda essa investigação, que podia durar tempos infinitos, é que o- preso era remetido para o juízo competente, começandoTse só então a contar os prazos para a incomunicabili-dade e para o despacho de pronúncia consignados no decreto de 14 de Outubro! Horrorosa e odiosa excepção!

Pondo-se essa lei em paralelo com o referido decreto n.° 11:339, que dá funções especialíssimas-aos investigadores do caso do Angola e Metrópole, facilmente se vê como era bem mais benigna a lei de 1902 e muito menos atentatória dos direitos individuais e das garantias dos cidadãos.

Os poderes conferidos aos actuais investigadores da burla do Angola e Metrópole são muito mais discricionários que os que a lei da monarquia dava ao juiz de instrução criminal.

Ao passo que na lei de 9 de Setembro de 1902 eram. conferidos ao juiz de instrução criminal poderes de direcção superior das investigações policiais, mas isto, como se diz no relatório que pre-

cede a lei, para dar unidade aos trabalhos — «que não podem ser embaraçados por complicação de jurisdições, comple-, xidade de competências ou dificuldades formularias»— no decreto n.° 11:339 de-termina-se que a Procuradoria Geral da República (hoje o Sr. Dr. Alves Ferreira pelo decreto n.° 11:381, de 2 de Janeiro de 1926) assumirá a direcção superior das investigações respeitantes ao caso do Angola e Metrópole, — «que serão feitas (diz-se expressamente no § 1.° do artigo 1.°) sem limitação de qualquer espécie no País e no estrangeiro, de modo a conseguir-se o apuramento integral da verdade». ,

«Sem limitação de qualquer espécie», o que equivale, segundo a interpretarão já aqui defendida pelo Sr. Ministro da Justiça, à plena suspensão de garantias.

E no artigo 2.° desse mesmo diploma acrescenta-se que esse magistrado procederá a todas as diligências que julgar necessárias, «poderá efectuar a detenção à sua ordem de qualquer pessoa suspeita, impor selos, proceder a buscas e apreensões, etc.»...

^Confrontando estes dois diplomas pode haver dúvidas sobre a benignidade da lei monárquica -em comparação com a republicana? Pregunto a V. Ex.a e à Câmara: <_ antigo='antigo' com='com' que='que' de='de' do='do' juiz='juiz' mais='mais' angola='angola' instrução='instrução' criminal='criminal' _='_' actual='actual' investigador='investigador' e='e' ou='ou' ficou='ficou' é='é' discricionários='discricionários' burla='burla' o='o' p='p' _0='_0' poderes='poderes' quem='quem' da='da' metrópole='metrópole'>

Estou a discutir em princípio, não estou a discutir propriamente o caso do Banco Angola e Metrópole e a querer de qualquer modo atenuar as responsabilída-des dos incriminados na famosa burla. Aproveito mesmo a ocasião para apresentar ao Sr. Dr. Alves Ferreira as homenagens do meu respeito pela sua reconhecida probidade. Falou-se muito e fala-se a cada passo ainda nos ódios às leis de excepção do tempo da monarquia. Faço o paralelo entre essas e as da República e tiro as minhas conclusões, o que me é permitido na discussão na generalidade,.

Não há confronto possível entre umas e outras que não redunde em prejuízo, das leis da República. '.

Tudo isto serve também para comprovar que se vive num regime de falsa democracia e de flagrantes contradições.

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sido contraditória a vida da República, não só sob o ponto de vista dos princípios da democracia política, que inspiraram a propaganda, aquela sedutora e bem criminosa propaganda que preparou a madrugada redentora de 5 de Outubro de 1910, mostrando ou antes fazendo crer às multidões ignaras que a monarquia era um inimigo cujo extermínio se impunha para salvação do País, mas também sob o ponto de vista da sinceridade, ou antes da falta'de sinceridade da maior parte dos apóstolos da República,, que depressa atiravam às ortigas os apregoados propósitos com que se apresentavam ao povo, iludindo-o e burlando-o quando o incitavam, na exaltação comicieira, e, repetir o gesto dos franceses derrubando ou incendiando a nova Bastilha da Calcada da Estrela,

ST. Presidente: se porventura se estivesse a fazer uma dissertação numa academia de jurisprudência, continuaria nesta ordem de ideas e seria interessante confrontar outros e variadíssimos diplomas da República com outros publicados pela monarquia e que mereceram o atatue dos republicanos. Mas não me proponho, nem tal me é permitido, fazer semelhante dissertação. /

Aponto dois ou três factos para mostrar •a V. Ex.a a à Câmara que não é debalde que faço a afirmação de que é uma mentira o regime de liberdade e de respeito à Constituição em que se diz vivermos e que muito ao contrário da Constituição se afasta a República a cada passo, pois estamos vivendo num verdadeiro regime de excepção discricionária.

Quando aparecia um conspirador monárquico era remetido logo para Lisboa ou Porto, onde havia sempre bons defensores do regime que o agrediam e enxovalhavam. Só a grande íé na causa monárquica não fazia sucumbir essas desgraçadas vitimas do ódio republicano, j E falam então nos ódios às leis de excepção da monarquia!

Não há confronto possível. E tem pejo o Sr. Ministro da Justiça em declarar que esta proposta é a duma nova lei de excepção. Tenha a sinceridade ao menos de concordar connosco. Em regime de excepção tení vivido sempre a República. (jMais uma outra lei dessa natureza, que importa ?

Se o Sr. Ministro não quere usar dessa sinceridade, qne não chegue a sua audácia até o ponto de dizer que essa sua proposta se acha condicionada dentro das boas normas constitucionais. Isso é demais, Sr. Ministro da Justiça. Não pode ser.

Juridicamente esta proposta não tem defesa possível. Moralmente, ofende a justiça, porque envolve nas suas malhas toda a gente que teve contratos com o Banco, até mesmo aqueles que procederam com a melhor boa fé.

Os próprios Ministros que autorizaram a sua fundação podem ser apanhados nessa rede que é a proposta.

<_:_ com='com' que='que' no='no' de='de' estado='estado' trabalham='trabalham' constituição='constituição' do='do' dês.='dês.' fiscalização='fiscalização' se='se' nesse='nesse' má='má' desse='desse' das='das' jpois='jpois' logo='logo' presunções='presunções' gente='gente' não='não' investigadores='investigadores' devia='devia' pois='pois' conhecida='conhecida' acreditar='acreditar' _='_' ser='ser' dinheiro='dinheiro' a='a' repugna='repugna' os='os' e='e' admite-se='admite-se' é='é' banco='banco' autorizasse='autorizasse' compreende-se='compreende-se' campo='campo' p='p' nessas='nessas' responsabilida.='responsabilida.' processo='processo' polícia='polícia' proveniência='proveniência' cadastro='cadastro' da='da'>

Mas continuemos.

Não havia.

'O Banco de Portugal estava prejudicado, e com ele o Estado, em virtude" das relações contratuais entre um e outro existentes? Mas não havia nenhum tribunal que lhe não fosse favorável se ele, como legítimo credor que era, visto que trocou à boca dos seus cofres as notas falsas por notas boas, requeresse a falência do Banco Angola e Metrópole.

O Banco de Portugal ficou, à face do Código Civil, subsidiário do Código Comercial, sub-rogado em todos os direitos dos credores, que eram os portadores das notas falsas.

Mas esse processo seria o único ?

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Já aqui se falou no artigo 147.° do Código Comercial.

• Creio que foi o Sr. Júlio Dantas quem a ele se referiu.

Era um outro recurso de que se podia lançar mão.

Por essa disposição é o Ministério Público, como representante do Estado, quem pode recorrer aos tribunais para que se considere como não existente, qualquer sociedade que funcione ou se estabeleça em contravenção das disposições desse Código.

£ Não estarão aí .compreendidos os motivos que impuseram o encerramento do Angola o Metrópole? Não é difícil, por maioria de razão até, aplicar ao caso sujeito essa disposição, pois é fácil demonstrar que esse Banco não podia de modo nenhum funcionar, porque, acima de tudo, havia um alto interesse nacional a impor o seu encerramento, de modo a evitar-se que continuasse exercendo a sua acção dissolvente, criminosa, anti-patriótica.

O crime nunca em parte alguma pôde servir do argumento, e para invocar a lei muito menos. Seria o absurdo.

Tribunal algum negaria deferimento a uma petição dessa natureza ou à falência requerida nos termos anteriormente expostos.

Não havia júri, não havia juiz togado que a tal se opusesse, tal a pressão da opinião pública, justamente alarmada pelo acontecimento.

E, assim, ^lá teríamos então o arrolamento do todos os bens dessa sociedade, a interdição civil do falido, pelo que respeita aos seus bens havidos ou por haver, e dentro do Código Comercial ficaríamos com todas as garantias para todos os prejudicados, sem necessidade de recorrer a um processo excepcional.

Dirá, porém, o Sr. Ministro da Justiça: «Tornava-se necessário proceder sem delongas». ^Era então muito urgente o arrolamento ?

Vão decorridos já dois meses, ou perto disso, e eu pregunto se durante todo esse tempo perdido não se poderia ter avançado muito com qualquer dos processos que a lei ordinária indica. Pregunto ain-

da se durante todo este tempo se verificou algum prejuízo de monta ou se deu qualquer facto grave revelador da necessidade de arranjar uma lei de excepção como esta.

^Não estão de facto arrolados esses bens há muito?

«;Não está a polícia de guarda ao edifício onde o Banco se achava instalado?

,;Não está a investigação já a par de tudo o senhora, portanto, de todos os valores do Banco? <_:E que='que' com='com' seus='seus' circunstâncias='circunstâncias' se='se' negociar='negociar' ia='ia' dissipar='dissipar' encontram='encontram' _='_' nas='nas' a='a' os='os' bens='bens' ou='ou' em='em' achando-se='achando-se' p='p' erapossível='erapossível' estes='estes' criminosos='criminosos' quem='quem' eles='eles' jcomo='jcomo' ocultar='ocultar'>

<íE que='que' ser='ser' disposição='disposição' expressa='expressa' quaisquer='quaisquer' fizessem='fizessem' anulados='anulados' p='p' lei='lei' por='por' se='se' simulados='simulados' civil='civil' podiam='podiam' contratos='contratos' não='não' da='da'>

(j-Para que servo o artigo 1030.° e os seguintes do Código Civil, que permite a rescisão dos contratos celebrados em prejuízo de terceiros, a requerimento dos respectivos interessados ?

Sr. Presidente: esta proposta de lei tem outros aspectos que a tornam verdadeiramente monstruosa. Veio restaurar o j regime do sequestro e o da confiscação dos bens, há muito abolidos das nossas leis e expressamente proibidos pela Constituição.

Nas Ordenações Filipinas havia o sequestro dos bens. Decretava-se em seguida à pronúncia para garantia de todos os passíveis prejuízos derivados dos crimes de certa espécie. Isso acabou há muito.

Agora, em plena República, restaura--se, embora com outro nome. Chama-se--Ihe arrolamento de bens. Questão de palavras apenas. Mas as palavras não querem dizer nada; quando os efeitos são os mesmos as palavras têm a mesma significação.

Antes de se averiguar quem são os verdadeiros criminosos arrolam-se bens. Por esta proposta podem arrolar-se todos os bens de qualquer presumido culpado. E não há boa fé que salve o desgraçado. Torna-se suspeito pelo mais leve contacto que teve com o Banco, e vê-se, por esse simples facto, privado dos seus bens.

Isto é admissível ? Isto é justo ?

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Constituições mantiveram o principio, que ficou igualmente consignado na Novíssima Reforma Judiciária.

Mais de cem anos depois dessa conquista feita restabeleceu-se, ainda que eu-femisticamente, a doutrina condenada.

Com esta proposta de lei ataca-se o princípio da personalidade da pena, hoje um axioma de direito público consignado em todas as legislações dos povos cultos e expressamente fixado no n.° 23.° do artigo 3.° da Constituição e nos artigos 123.° e 28.° do Código Penal.

Por esse princípio nenhuma pena pode passar da pessoa do delinquente e por tal razão não é permitida a confiscação dos bens e a infâmia transmitida aos parentes como o admitia o velho direito.

Repugnava tanto à consciência o princípio contrário, que já Melo' Freire, no seu projecto,, excluía da confiscação dos bens os condenados à morte que tivessem descendentes em qualquer grau ou transversais dentro do artigo 3.°

A família dos criminosos tem de ficar estranha, para os efeitos das sanções penais, ao acto criminoso do seu parente condenado.

Mas isso não exclui claramente a responsabilidade civil conexa com a responsabilidade civil pela qual os bens do criminoso respondem pelos prejuízos causados pelo crime.

' Nunca, porém,, essa responsabilidade representa uma confiscação.

O Código Civil define-a claramente. Os prejudicados recebem a respectiva indemnização civil pela qual respondem os bens do criminoso, sem que estes lhe sejam arrebatados, a não ser por efeito do penhora nos que forem suficientes para garantir essa indemnização.

E a responsabilidade civil, ainda que conexa com a criminal, tem, quanto à prova, independência desta quási absoluta. £ Porque se não deixou para essa responsabilidade civil a exigência de todas as indemnizações aos prejudicados?

Para evitar o desvio ou a dissipação dos bens lá estava o arresto que a lei permite em tais casos para prevenir todos esses inconvenientes.

O q ue era preciso fazer ? Investigar rapidamente, o mais rapidamente possível, para chegar ao despacho de pronúncia, ao julgamento, à • condenação dos

criminosos ou à sua absolvição e depois proceder-se-ia com os seus bens conforme a lei determina, exigindo-se-lhes a responsabilidade civil. Creio bem que com cuidado e decisão todos os prejuízos teriam deste modo a sua completa reparação.

É revoltante essa igualdade em que todos ficam colocados perante a lei. -

,íPara onde vai toda essa boa doutrina § de direito civil, elaborada através de uma secular evolução jurídica, que o grande Visconde de Scabra condensou em algumas disposições terminantes do Código de que foi autor e que ainda não está por outro substituído ?

O Sr. Machado Serpa: — A comissão pode manter todos os contratos desde o momento em que se prove a boa fé de uni dos contratantes.

O Sr. Joaquim Crisóstomo:—Isso não está claro na proposta de lei.

O Orador : — Sem querer deixar de responder ao Sr. Machado Serpa, que por sinal é um magistrado e portanto um espírito com formação jurídica, para que me não esqueça de acentuar a tremenda e flagrante injustiça que pode representar este artigo 9.° da proposta, vou ler à Câmara o que nesse artigo se diz:

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princípio de pagamento, tenham sido entregues a terceiros pelo Banco, pelos referidos arguidos, ou por interpostas pessoas, por virtude de contratos de promessa de compra e venda, ainda mesmo que já tenha findado o prazo convencional para, a celebração do contrato definitivo.

§ único. Quando o promitente vendedor não deposite ou não queira lazer a entrega das quantias recebidas, ser-lhe hão logo arrolados bens suficientes para as garantir».

Isto é verdadeiramente monstruoso! Parece extraordinário que homens do foro (e alguns há nesta Câmara) não oponham o seu veto a uma disposição desta natureza ! Parece impossível que haja alguém, com as responsabilidades profissionais e políticas do Sr. Ministro da Justiça, que tenha a audácia — desculpe-me S. Ex.a a palavra — de subscrever com o seu nome tamanha monstruosidade!

Isto é a subversão de todos os bons princípios jurídicos, é a subversão da própria moral!

Convencido da honestidade e dignidade dos directores do Banco Angola e Metrópole, da legalidade da constituição deste Banco, da normalidade do seu funcionamento e da boa proveniência do seu dinheiro, absolutamente na boa fé, numa palavra, qualquer de nós tinha feitp com ele, ou até com interpostas pessoas, um contrato de promessa de compra e venda.

A ninguém era legítimo duvidar da seriedade dessa casa, ao tempo, e portanto a exclusão da má fé impõe-se naturalmente. Pelo contrário, todas as sugestões, pelos órgãos da imprensa e pelo favor dos poderes públicos, a respeito da grandeza desse empreendimento, dos seus propósitos patrióticos e da grande soma de capitais mobilizados a favor da nossa economia, nos inspiravam um especial carinho por esse Banco.

Como é permitido, recebíamos um sinal ou princípio de pagamento que poderia atingir uma quantia importante se importante era também a venda a realizar.

A esse dinheiro, legitimamente adquirido, e que nunca mais, pela lei civil vigente, sairia da nossa mão, a não ser

que voluntariamente renunciássemos ao contrato e nos sujeitássemos à pena legal, ou seja à sua restituição em dobro, dava-se-lhe destino, porventura até uma urgente aplicação que nos tinha levado à resolução de vender, e ficávamos tranquilos, em nossa casa, julgando viver^num regime jurídico em que os actos permitidos pelas leis vigentes teriam de ser respeitados sempre.

Por circunstâncias independentes da nossa vontade não se realizara ainda o contrato de compra e venda, e surge-nos, nessa situação^ todo este rocambolesco drama do Banco em questão. £ O que era legítimo esperar ? Que a nossa posição dentro da lei fosse absolutamente respeitada.

Pois não é assim. Surpreendidos por este diploma, vemos desrespeitados os nossos direitos e ou temos de restituir o sinal recebido (e em quantos casos isso representará uma horrorosa impossibilidade) ou somos esbulhados do que é nosso, ficando na situação dolorosa de ver arrolados os nossos bens para garantia dessas importâncias !

Pregunto : Isto é justo? Isto é sério?

Se este diploma passar, tal como está, poderemos fiar do são critério dessa comissão, criada por esta proposta, para não sermos vítimas de tremendos atentados aos nossos legítimos interesses?

O Sr. Ministro da Justiça conhece, tam bem como eu, os artigos 1030.° e seguintes do Código Civil em que expressamente se determina que os actos e contratos em tais condições realizados podem ser rescindidos. Mas o que não está no Código Civil, o que não está em lei alguma de país civilizado, é a lamentável, a vergonhosa confusão que nesta proposta se faz entre boa e má fé, não se íazendo ao contrário a necessária distinção entre os que procederam honestamente e os que só de dolo usaram.

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Os artigos 1034.° e 1035.° do Código Civil fazem distinção entre o contrato por título gratuito oneroso e contracto por título gratuito. Só neste último caso, por se tratar de uma liberalidade, é que a rescisão tem lugar ainda mesmo que os contratantes não usassem de má fé.

Compreende-se bem esta distinção, Sr. Presidente. É moral e é justa. Quem desembolsou o seu dinheiro e andou de boa fó tem direitos sobre os quais não pode prevalecer o respeito pelos prejuízos de terceiros.

Assim pensava o Visconde da Seabra, a cujo alto espírito se deve essa obra monumental que se chama o Código Civil.

j Como são diferentes - os tempos e como são igualmente diferentes os jurisconsultos de hoje que sancionam oo permitem que se apresente uma proposta desta natureza!

Mas. diz o Sr. Machado Serpa, lá está a comissão para respeitar os contratos de boa fé realizados. ^Onde estão esses poderes da comissão, Sr. Machado Serpa? Não os vejo na proposta claramente definidos.

Também merece especial referência a maneira como essa comissão fica constituída— com juizes e com técnicos — com íunções de administração e poderes de julgamento!

Mas que grande trapalhada! j Os técnicos, do conselho do Comércio Bancário a julgar e os juizes indicados pelo Conselho Superior Judiciário, a um guichet do Banco, a cotfrar ou a satisfazer cheques!

Sr. Presidente: isto só com música de Offenbach!

E a sensibilidade jurídica do Sr, Ministro da Justiça não é ferida com tara estranha confusão de atribuições! Mande os técnicos para o guichet e sente os juizes na sua cadeira de julgadores, Sr. Ministro da Justiça.

Não faça descer até aí a nobre missão do magistrado.

Aparte do Sr. Machado Serpa que se não percebe.

O Orador: —

Repugnar-lhe ia tal missão, certamente.

Mas continuemos.

Na hipótese que estava analisando — a restituição do sinal nas promessas de compra e venda ou arrolamento dos bens suficientes para o garantir — ainda mesmo que, como quere o Sr. Machado Serpa, a comissão tenha, pelo n.° 2.° do artigo 14.° da proposta, a faculdade de manter o contrato, ^quem indeminiza o promitente esbulhado dos prejuízos sofridos com esse vexatório arrolamento ou forçado desembolso de dinheiro que legitimamente lhe pertencia?

E lembre-se a Câmara de que, se os prejuízos materiais podem ser grandes, pequenos não são também os danos morais sofridos.

O Sr. Machado Serpa: — Uma das faculdades da comissão é indemnizar. Lá está o critério da comissão para indemnizar, tanto quanto possível, os prejuízos. Agora o que não é possível é fazer um diploma para indemnizar todos.

O Orador:—Para demonstrar a V. Ex.a que isso não é assim tinha de ler toda a proposta, desde o artigo 1.° até o último.

• Não me parece que V. Ex.a a tivesse lido com atenção.

O Sr. Machado Serpa: —Isso li, o que pode ter sucedido é não a ter percebido. Sorrisos.

0 Orador: — Talvez, mas por culpa da proposta, não de V. Ex.a. Outra disposição interessante e que representa igualmente uma ofensa de direitos é a do § único do artigo 12.°

Por essa disposição os direitos adquiridos anteriormente à publicação desta lei, por virtude de qualquer processo de falência, arrolamento, embargo, penhora, 1 arresto ou depósito, fic'am absolutamente sem defesa.

Esse facto não inibe de serem arrolados e vendidos os bens que porventura se achem em tais condições.

jlsto é espantoso, é, mas está na pro-prosta com todas as letras!

1 Como o direito se sente vexado em mãos tam impuras!

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ma, -onde a cultura jurídica subiu o mais alto grau, até hoje, para se chegar a isto!

jA comissão, composta de jnízes e técnicos é um quarto poder do Estado que se antepõe até ao próprio Poder Judicial!

Esta proposta parece o produto duma alucinação.

Já aqui o disse e repito:

Serenamente, no seu gabinete, o Sr. Ministro da Justiça poderia elaborar e apresentar-nos um trabalho que, como este, não envergonhasse e não derninuísse os seus créditos de jurisconsulto.

O que aí está é uma monstruosidade jurídica, tanto na sua parte substantiva como na adjectiva. Por esta proposta, com a obcessão de conseguir todas as garantias possíveis e imaginárias para a reparação dos damnos sofridos pelo Banco de Portugal principalmente, salta-se a pés juntos sobre o direito, tripudia-se a da Justiça, ofende-se a moral e só revolta inspira a todas as consciências bem formadas.

É o arbítrio, não é a lei. Todos podem tornar-se suspeitos e ser vítimas de.vexames tremendos. Pelo artigo 8.° todos os que tenham adquirido bens com as notas falsas do Angola e Metrópole, embora na convicção de que elas eram verdadeiras, podem vê-los arrolados, dum momento para o outro, à ordem da comissão,

Se esta quiser vexar, vexa. Se esta quiser-incomodar, incomoda.

Tal proposta não tem ponta por onde se pegue.

E insusceptível de reforma.

O que ó preciso é pô-la de parte inteiramente, absolutamente, e organizar um contraprojecto obedecendo a novo critério jurídico.

Estou pronto a colaborar nesse contraprojecto. nem a minoria monárquica está aqui para fazer oposição sistemática porque não é esse o papel das oposições.

Apoiados,

Entendo que perante a gravidade duma situação desta natureza, em que foi profundamente atingido o nosso bom nome e o nosso crédito, perante a grandeza desta

burla colossal só possível numa sociedade em deliquescência moral e política, só concebível numa sociedade onde têm triunfado sempre os criminosos de polpa, sem sofrer a mais leve punição, perante a grandeza de um crime desta ordem não há paixões partidárias, não há bandeiras políticas que nos afastem. Um único caminho há a seguir: castigar e castigar im-piedosamente, para salvarmos a honra do País envilecida por maus portugueses, enlameada por ambiciosos políticos de gorra com criminosos de direito comum.

E uma vez na cadeia todos os autores e cúmplices deste plano tenebroso, aproveite-se a velocidade adquirida e mandem-se também para lá todos os que por aí andam ainda à solta e na administração do Estado têm sido harpias, zelando os seus interesses particulares em prejuízo 'da fazenda pública vergonhosamente delapidada.

Essa hora de justiça há-de soar um dia. Tiveram-na sempre os povos, mas, emquanto não soa, .

De harmonia com o exposto, mando para a Mesa a seguinte proposta:

«Proponho que a proposta de lei em discussão baixe à Secção respectiva para aí ser eompletamente refundida com a colaboração directa dos homens de leis que da mesma fazem parte ou por meio de uma comissão especial de juristas pela Secção eleita nos termos regimentais, que dê nova forma à proposta, melhorando a-sua técnica, acautelando todos os legítimos direitos, evitando todas as injustiças que com a actual proposta se podem dar, de molde a garantir todos os prejudicados, sem violências, dentro de uma mais perfeita-orgânica, tanto na parte substantiva como na adjectiva.»

Só assim se poderá, no meu entender, fazer obra aproveitável, uma vez que acham indispensável uma lei de excepção.

O Sr. Machado Serpa (em aparte}'.— Também o crime é excepcional»

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de direito que se não prestem a fáceis sofismas ou a desnecessárias violências.

O Sr. Machado Serpa (interrompendo):— V. Ex.a há de ir para a 2.a Secção.

O Orador: — Não me recuso e jamais me recusarei a colaborar de qualquer modo num diploma que esteja à altura das nossas responsabilidades.

O Sr. Machado Serpa (interrompendo)'.— «TV. Ex.a tem já ai o contraprojecto? •

O Orador:—"V. Ex.a compreende muito bem que não iria perder tempo com um trabalho inútil.' '

Mas garanta-me V. Ex.a que esse trabalho não será rejeitado só por partir de um monárquico, como é costume fazer-se, creia V. Ex.a que de hoje para amanhã procurarei elaborar um projecto onde melhor se definam os direitos, se acautelem os interesses legítimos e se evitem as injustiças e violências a que esta proposta pode dar lugar.

Sr. Presidente: termino por declarar novamente que a minoria monárquica reclama o castigo dos implicados na burla dó Angola e Metrópole, mas não espera ver tal castigo por faltar ao regime autoridade e energia para o- aplicar com rigor necessário.

Tenho dito.

Foi lida, admitida e posta em discussão juntamente com a proposta.

É a seguinte:

«Proponho que a proposta em discussão baixe à Secção.respectiva para aí ser completamente refundida com a colaboração directa dos homens de leis que da mesma fazem parte ou por meio de íima comissão especial de juristas pela Secção eleita nos termos regimentais, que dê nova forma à proposta, melhorando a sua técnica, acautelando todos os legítimos direitos, evitando todas as injustiças que com a actual proposta se podem dar, de molde a garantir todos os prejudicados sem violências, dentro de uma mais perfeita orgânica, tanto na parte substantiva,como na adjectiva. — Querubim Guimarães.

O Sr. Ribeiro de Melo: — Sr. Presidente : falou o Sr. Ministro da Justiça, fala-

ram os juizes que têm assento nesta casa do Parlamento, falaram advogados eminentes, homens habituados ao foro, falaram emfim todos os meirinhos, e agora vou eu íalar, tendo pedido previamente vénia ao ilustre leader do meu partido.

Muitas das considerações que vou fazer são por assim dizer da minha própria casa, não envolvem responsabilidade partidária e muito menos a disciplina a que sou obrigado.

Falarei, e algumas das minhas considerações serão de doutrina muito pessoal e sobretudo, individualista.

E assim, Sr. Presidente, começarei por esboçá-las imediatamente, a fim de se não confundirem essas com aquelas que se possam considerar de carácter partidário.

A minha primeira pregunta, Sr. Presidente, teria por fim saber se, depois desta última redacção da proposta n.° 55, o Senado estará convencido de que as necessidades que levaram o Sr. Ministro da Justiça a trazer a sua proposta ao Parlamento ficarão resolvidas em tudo quanto respeita ao caso do Angola e Metrópole. Pela parte que me toca, julgo que o Senado está convencido de que os homens responsáveis pela criação do Banco Angola e Metrópole não estão sob a alçada da proposta de lei n.° 55 ou do juiz Sr. Alves Ferreira, ou ainda de quaisquer outros magistrados.

O Banco Angola e Metrópole foi criado por decreto do Governo da Eepública, sendo Ministro das Finanças o Sr Vito-rino Guimarães, e depois de S. Ex.a ter concordado com um relatório que lhe fora apresentado pelo inspector do Comércio Bancário, Sr. Luís Piegas, e só então é que pôde funcionar o referido Banco.

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pois de terem desaparecido alguns nomes.

E aqui aparece agora o nome do comandante João Manuel de Carvalho, republicano de sempre e meu amigo, não me movendo portanto, nenhuma animosidade contra esse membro do conselho fiscal do Banco Angola e Metrópole. Assim estou mais à vontade para poder criticar a benevolência havida da parte do Poder Executivo no que respeita ao Angela e Metrópole.

Mas o Sr. Luís Viegas, demitido também por um decreto do Sr. Ministro das Finanças, a fazer fé pelo que diz a imprensa de Lisboa, está em via de ser reconduzido no seu lugar.

O Sr. Luís Viegas, pessoa da maior confiança do Ministro das Finanças, levou o Governo a deferir o segundo requerimento apresentado para a criação do Banco Angola ó Metrópole.

Essa pessoa omnipotente, que faz parte do Conselho Bancário, que tem aconselhado os Ministros dos últimos quatro anos, fez com que o Sr. Ministro das Finanças, tambóm levado por esse poder, trouxesse ao Parlamento a proposta inicial que tem o n.° 55 e que nós vamos agora discutir.

Sr. Presidente: O Século, arauto Ha imprensa de Lisboa, que lavantou esta campanha, habituou o País a ver em todas as pessoas que fizeram parte do Banco Angola e Metrópole ou que com ele estavam relacionados uma maior ou menor culpabilidade.

Nós o que vemos é que as pessoas responsáveis pela fundação desse Banco go-. zam o sol da liberdade não estando de modo nenhum sujeitas às penalidades dos nossos códigos existentes ou das leis de escppção, como muito bem lhe chamou o Sr. Querubim Guimarães.

Já disse a V. Ex.a que depois, de terem falado magistrados, juristas, advogados, meirinhos e toda a gente que está mais ou menos em relação com os códigos, fica o público mais habilitado a sofrer as consequências das interpretações que dão às leis os homens do foro.

Os próprios magistrados encarregados das investigações do caso do Angola e Metrópole espreitam a sua vítima, têm-na espreitado em todas as situações que se apresentam no decorrer dessas prolonga-

díssimas investigações, feitas sob a direcção do juiz do Supremo Tribunal Sr. Alves Ferreira..

Sr. Presidente: no momento em que nós abdicamos da nossa principal função entregando a uma comissão escolhida pelo Poder Executivo aqueles poderes mais sagrados que temos obrigação de defender à óutrance, nesse momento nós sentimos que a política foi rebaixada porque vimos pelos jornais e correspondência vinda da província que há magistrados que respeitam a lei a tal ponto que, tendo sido assassinado um medico em Aivoco, concelho de Oliveira do Hospital, depois de passados sete dias sem ter a confissão do culpado a autoridade pôs em liberdade o suposto autor desse atentado, só para cumprir a lei.

Ora quando um procede assim, nós abdicamos dos nossos direitos e em face disto encontrarão-nos em frente duma derrogação dos princípios mais liberais que os nossos antepassados conquistaram e que nós republicanos abandonamos, falseando assim os nossos antepassados, entregando nas mãos duma comissão todos os poderes para ela poder fazer todas as prisões e devassas que entender, sem respeito pela lei e sem atenção para com as pessoas que mais ou menos estão presas e incriminadas.

Este desabafo, não é de responsabilidade partidária, faço o apenas como republicano, e até mais como cidadão, e faço-o porque sei que estamos no ano de 1926, e em nenhum país civilizado do mundo se admite uma cousa destas.

Perdoe-me o ilustre Senador Sr. Querubim Guimarães que o não acompanhe nas suas indignadas queixas contra a Kepú-blica; o regime não é culpado. " E tanto não ó culpado o regime, que, mesmo contra a vontade de muitos, ele manifestou o direito que tem de defender a honra nacional, porque aqui cabe a dignidade da própria instituição republicana, levando à cadeia ' um homem que tinha há dois dias deixado de ser Ministro, justamente .pelos ataques que lhe lançou a imprensa do meu Pais, e pela campanha contra ele feita à boca pequena.

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Pois a República, sem se olhar às posições, enclausurou para investigações essa alta figura do regime, esse homem que era considerado como um homem estudioso, trabalhador e inteligente, um homem que tinha atrás de si, n£o uma posição de favor, mas uma força eleitoral, e um passado próximo, bem sei, mas. dum procedimento ministerial que lhe tinha causado os maiores encómios e elogios, não só das forças vivas, como do comércio, da indústria o da engenharia, em suma, de todos os ramos que foram tocados por ele na su:i carreira ministerial.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente :—V. Ex.a fica com a palavra reservada para amanhã.

Interrompo a sessão até amanhã à hora regimental.

Está encerrada a ses-são.

Eram 19 horas.

SEGUNDA PARTE

As 15 horas e 20 minutos o Sr. Presidente declara -reaberta a sessão.

O Sr. Ribeiro de Melo (que tinha ficado com a palavra reservada):—Interrompidas as minhas considerações do ontem, convém recapitulá-las. ~~

Manifestei a minha estranheza pelo facto de a última redacção da proposta de lei n.° 55 pretender divisar respousabilidades onde, a meu ver, não existem. Preambulei de modo a mostrar à Câmara as incongruências praticadas no decorrer desta famosa questão do Banco Angola e Metrópole, e reconheci que apenas a campanha de O Século deu resultados para o público. Ao Pais pouco ou nada interessa a questão dos juristas, dos códigos e dos meirinhos, porquanto logo que o público verifica que os homens do foro, magistrados ou não, folheiam os códigos, para logo pressupõem a existência do uma persegui-çáo, ou então qualquer falsidade, que não existia no texto da lei, determinando por isso uma falsa doutrina que não agrada à opinião pública. *

Nesta enxurrada do Banco Angola e Metrópole, onde devia pontificar o espírito de verdade o de justiça, indo buscar criminosos ou indícios de Criminosos, por

mais altos que estivessem colocados, verificamos, com dor, que essa investigação se não fez, procurando em todas as pessoas que, directa ou indirectamente, participaram do Banco Angola e Metrópole aquela responsabilidade a que ficavam ligados não só o autor, do relatório, inspector Luís Viegas, como o próprio Ministro, que concordou com o inspector bancário e que promoveu a fundação legal do Banco.

«Peixe graúdo», segundo o dizer do povo, que escapa pelas malhas da grando rode da opinião pública alvoroçada pela justa e rigorosa campanha feita pelo Século; «peixe graúdo» que a política não deixa atingir, ou ainda as conveniências dos homens não permite que fiquem a descoberto nesta traficância que foi a própria fundação do Banco Angola e Metrópole, porquanto a maior parte das pessoas que assinaram os requerimentos primeiro e segundo não tinham a idoneidade precisa nem a requerida para poderem' ser banqueiros em Portugal.

Não se quis saber se efectivamente as pessoas que do comércio bancário haviam saído foridas. pelo seu p.assado mereciam ou não as acusações que se lhes fazia, absolvendo-se assim todos 'os factos passados que não abonavam ninguém.

No relatório apresentado pelo inspector bancário Luís Viegas muitas folhas se escreveram, muitos pareceres se assinaram, e este inspector vem à imprensa fazer declarações no sentido de provar a sua inculpabilidade, como alto funcionário informador do próprio Ministro das Finanças, acerca da fundação do Banco.

Sr. Presidente: isto não ó querer, nem pretender arranjar mais pessoas para o número daquelas que são consideradas responsáveis pelo juiz de investigação.

É apenas dizer que a opinião pública, para a qual se decreta e legisla, não confia, riem pode confiar de modo algum na severidade da própria lei para com os criminosos, porque ela será diluida de tal modo pela habilidade dos advogados, pelo reforço existente nos próprios códigos, quê há do determinar o protelamento do julgamento, fazendo-se assim esquecer na consciência pública o grande crime que foi praticado.

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Apenas podo haver um paralelo entre o proceder das instituições monárquicas e o das republicanas, por continuarem essas investigações no edifício do Crédito Predial, onde a administração dos dinheiros não foi feita de tal modo que não perturbasse a opinião pública pelo facto de ver menos bem confiados os interesses legítimos das pessoas que ali o haviam depositado.

O Sr. Querubim Guimarães (interrompendo):— Uma das várias campanhas dos republicanos, mas sem resultado.

O julgamento feito em tempo^ da República, mostrou quarn falsas eram essas acusações.

O Orador:—Veja V. Ex.a, Sr. Presidente, que é verdade os republicanos atacarem o desfalque que se deu no Crédito Predial, assim como também atacaram o juiz Alves Ferreira quando encarregado da investigação dôsse caso.

E hoje, em 1926, reconhecemos que as acusações feitas ao tempo nos jornais de Lisboa e Porto não eram verdadeiras, porque se o fossem podíamos tirar uma conclusão: o alto magistrado que. hoje preside às investigações estava disposto a prestar ao regime republicano o mesmo serviço que teria prestado na defesa das instituições monárquicas.

-Mas, Sr. Presidente, nada de fazer comparações.

Já uma vez me insurgi contra a declaração feita pelo Sr. Ministro da Justiça, quando disse que este crime escapava à alçada do próprio Código Penal, porque, era um crime de alta traição que envergonhava a República e a própria nacionalidade.

"A honra da Nação e a dignidade da República estavam em jogo e em perigo se não fossem castigados severamente os homens que praticaram esta burla. Mais ou menos foram estas as palavras do Sr. Ministro da Justiça. Apenas quis pôr a claro que estes homens que praticaram-a burla são merecedores de todo o castigo, e não encontro nenhuma defesa nas pessoas que, por qualquer maneira, processo ou forma, não estão de acordo com a última redacção da proposta de lei e bem assim-com as medidas de excepção, porque nenhuma delas é tám radical e sa-

tisfará a exigência da Nação, que não permita protelar o julgamento dos verdadeiros culpados pelo tempo que os advogados quiserem.

Sr. Presidente: há nomes que eu entendo que nenhum português pode pronunciar sem asco. Esses são os daquelas pessoas reconhecidas como -autênticos, como verdadeiros culpados; mas há outros, Sr. Presidente, que na sua boa fé se encontram envolvidos neste caso.'

Não defendo nenhuma das pessoas incriminadas, que são as quo a opinião pública já condenou o quo se chamam Alves Reis e José Bandeira.

E já que falo no nome de José Bandeira, quero ligar à responsabilidade crimir nosa desses dois maus portugueses o do nosso Ministro plenipotenciário na Holanda, que tinha obrigação estrita de informar o Governo da idoneidade das criaturas sói disant bancárias.

Não se mostrou esse funcionário dignoo do alto papel e responsabilidade do seu lugar na Haia. A sua obrigação fundamental como Ministro plenipotenciário de Portugal impunha-lhe a obrigação de informar o seu Governo de todos os passos dados por estos burlões, apontando ao mesmo tempo as pessoas que com eles lidavam.

Estes são os culpados, e até falamos um pouco ao de leve porque não conhecemos as peças do processo já investigado ; mas, por aquilo que a imprensa diz e pelo quo se segreda nas conversas, parece-mo que ainda não está bem esclarecida a concordância e ligação que existiam entre os famigerados traficantes do Banco Angola e Metrópole e o nosso Ministro na Haia.

Não compreendo mesmo, Sr. Presidente, que sendo a maior parte das pessoas que requeriam a fundação do Banco estrangeiros, nlio tivessem pedido as informações necessárias pela via dos consulados. Fez-se tudo no ar, como no ar anda muita cousa !

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última redacção da proposta de lein.°ÕD, como que a dizerem que não havendo da banda da maioria ninguém disposío a fazer o estudo desta proposta, às minorias competia marcar a sua posição, de modo que se revelasse uma' oposição à proposta do Sr. Ministro da Justiça, quando tal não é verdade.

O leader do meu paçtido declarou que estava conforme o Sr. Ministro da Justiça, e votaria ou não a última redacção desta proposta de lei se o Sr. Ministro da Justiça com ela concordasse ou não.

Não há, portanto, uma oposição sistemática; há apenas, e sobretudo por parte da minoria nacionalista, o desejo de marcar uma posição nítida e clara, pelo menos através dos artigos da proposta de lei que se não compadecem com as doutrinas expendidas aqui nesta Câmara por esse partido e até com os seus procedimentos liberais em toda a acepção da palavra, que o Partido Nacionalista tem afirmado e requere com o máximo respeito.

Eu assumo as responsabilidade» da crítica que entendi fazer, não propriamente à. última redacção da proposta de lei, mas sobretudo às lacunas, às faltas, às omissões que existem na própria lei e sobretudo nas investigações que se têm produzido até hoje.

Não há em mim, nem no partido a que pertenço o desejo de proteger criminosos, não há o menor desejo de ser agradável a pessoas que o mesmo partido condena em nome da própria nacionalidade.

Há apenas o desejo de preguntar ao Sr. Ministro da Justiça, ou então ao relator desta proposta, o seguinte : & se o Banco trocou as notas, que responsabilidades poderemos nós tomar a todos aqueles cue -transaccionaram com um estabelecimento . bancário que funcionava legalissimamen-te? Se as notas fossem falsas, se as notas fossem falsificadas, mas grosseiramente, se não tivessem sido feitas na própria casa Waterlow & Sons, ainda se podia admitir que as pessoas que negociaram com o Banco Angola e Metrópole o fizeram' de má fé. Mas a verdade é que a pessoa que melhor analisasse uma nota das do Banco de Portugal e uma das lançadas em circulação pela escroquerie do Banco Angola e Metrópole via que elas eram perfeitamente iguais, e portanto, d i-

nheiro quê se considerava legal e verdadeiro. Não havia a má fé e necessitando--se de recorrer a um Banco com capital novo e fresco, dava-se a impressão de ter vindo um caudal de ouro da Holanda para beneficiar várias empresas coloniais, ou africanas. Assim, Sr. Presidente,,; como é que pessoas de reputado conceito público, como o Sr. Dr. Egas Moniz, se obrigarem a responder por actos praticados na melhor boa fé?

Sr. Presidente, todos preguntam : £ que privilégio ó este de só em Lisboa se procurarem os magistrados para a liquidação? £ Porque é que não vamos buscar os magistrados a outras terras e porque é que havemos de sobrescritar neste artigo 3.° as pessoas que já estão mais ou menos indicadas, e que certamente são as que vão. ser nomeadas ? ,; Terão os magistrados de Lisboa o privilégio da competência ?

Nós sabemos bem, Sr. Presidente, que só excepcionalmente os juizes de Lisboa são mais competentes do que os que servem noutras terras do País. Se formos às execuções fiscais, por exemplo, e verificarmos os magistrados que lá existem, teremos de reconhecer que não é a proficiência que lá os colocou, ou que os colocou em Lisboa, mas sim um favor político ou ministerial, que nem por isso deixa de ser discutível.

Mas, Sr. Presidente, poderá dizer o Sr. Ministro da Justiça, poderão dizer ainda as pessoas interessadas na redacção desta proposta, bem como o Sr. relator, que isto obedeceu a uma rigorosa economia dos dinbeiros públicos.

Mas se assim é, para que o Estado não seja obrigado a desembolsar dinheiro com a vinda dos magistrados para Lisboa, temos o artigo 25.° desta proposta.

Sr. Presidente: só se admitia o artigo 3.° se efectivamente fosse para defender o Tesouro Público, não o sobrecarregando com despesas extraordinárias, e, portanto, aproveitavam-se os magistrados de Lisboa que, de acordo com o artigo 3.°, constituiriam a comissão de arrolamento destes bens.

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suas funções em Lisboa, e que foram para as investigações a fim de lhes facilitar os conhecimentos que são obrigados a ter para se dar ou não a pronúncia, uma vez que esses presos fossem entregues ao tribunal. Por várias portarias ali têm sido dadas gratificações a esses funcionários. Por uma escala têm subido essas gratificações por forma que, se demorarem as investigações, teremos ainda nova portaria para as aumentar.

Tudo isto, Sr. Presidente, única e simplesmente para que o Conselho Superior Judiciário possa fazer indicações de pessoas, que já são do conhecimento público, porquanto já foram nomeadas o passaram a ser admitidas pelo Governo do Sr. Domingos Pereira.

Mas, Sr. Presidente, não compreendo bem como se possa ir buscar responsa-bilidades às pessoas que de boa fé negociaram com o Banco Angola e Metrópole, e sobretudo aquelas que o fizeram em segunda, ou terceira mão.

Se, porventura, uma empresa colonial financiada numa parte, ou em todo pelo Banco Angola e Metrópole aplicasse nas suas propriedades uma parte deste empréstimo, cujo produto fosse por exemplo o algodão que, em três ou quatro meses, fica apto a exportação, e fosse vendido para Manchester para uma casa inglesa, vamos buscar a responsabilidade aos industriais ingleses que em Manchester compraram o algodão produzido, ^ou ainda terá de se ir à praça de Anvers buscar a responsabilidade dos industriais, ou dos banqueiros que compraram o cacau, produzido nesse ano, e que foi trabalhado com os capitais adquiridos pelo financiamento feito pelo Banco Angola e Metrópole ?

Mas vindo agora para a metrópole. Suponhamos que um proprietário vende, na melhor boa fé, ou mesmo de má fé por estar no segredo da burla, um prédio a um desses meliantes, e com o dinheiro que recebe vai adquirir uma propriedade ao Sr. Ministro da Justiça, que felizmente é proprietário. Pregunto : &o Sr. Ministro da Justiça há-de responder pelo dinheiro que recebeu da venda que fez dessa propriedade?

Sr. Presidente: são exageros. São necessários? Voto-os absolutamente, não íazendo assim mais do que cumprir o voto

já anunciado pelo leader do meu Partido. Não deixarei de votar nenhum dos artigos que constam da proposta, mas nem por isso ficarei isento de íazer à proposta a crítica que julgar necessária.

Pelo que respeita ao artigo 14.°, no seu n.° 2.°, parece-me que é perfeitamente estender a massa da responsabilidade que querem descobrir em todas as pessoas apontadas nesta falcatrua, mas podendo arrastar outras pessoas que absolutamente não tiveram, não têm e nada terão de comum com os criminosos.

Estudada como foi toda a proposta de lei pelo' leader do meu Partido e obrigando-me eu apenas a chamar ainda a atenção do Sr. Ministro da Justiça para os artigos 8.° e 9.° (3 n.° 2.° do aiíigo 14.°, limito por aqui as minhas considerações de modo a pôr apenas de sobreaviso a personalidade, para mim merecedora de todos os respeitos, do Sr. Ministro da Justiça, para que, de futuro, o nome de S. Ex.a não seja invocado numa perseguição acintosa, ou injusta a que, porventura, determine e dê lugar a aprovação desta proposta de lei.

Sr. Presidente e Sr. Ministro da Justiça: é preciso notar que os tempos que correm não são favoráveis ao restabelecimento duma segurança e tranquilidade que possam dar razão a confiança absoluta, de forma a podermos dizer que as cousas amanhã são tal e qual o que vemos hoje.

Se V. Ex.as tivessem folheado o boletim n.° 3 do Governo Civil, e tivessem visto no seu artigo de fundo o artigo político «Os deportados e as suas vítimas-», reconheceriam que as cousas se preparam de maneira a ninguém poder afirmar que o dia de amanhã seja de absoluta ordem e respeito entre os cidadãos.

Atingiu esse boletim já o seu n.° 3.° e só ê s lê foi distribuído aos parlamentares, porque exactamente aos parlamentares diz respeito, pois nele se defende o exagerado montante de polícia militarizada em Lisboa a fim de nos obrigarem ao exagerado cumprimento d.a lei muitas vezes posta à prova no próprio casarão do Governo Civil.

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E as pessoas a quem for dado ler este artigo fácil explicação terão da forma como a Polícia Cívàca de. Lisboa está sendo militarizada, de modo a que, no Governo Civil, se estabeça um estado dentro do próprio Estado.

Ora, Sr. Presidente, se amanhã se arranjar um novo estado dentro do Estado com o desejo'único de combater as propostas de lei apresentadas, como todas essas atitudes premeditadas e como os abusos de força não respeitam a lei, pre-gunto: £ como é que amanhã se há-de ver o povo para chamar o Sr. Ministro da Justiça e o Parlamento à barra do tribunal, por terem votado esta lei?

Não mais voltarei a falar sobre esta proposta de lei.

Tendo já feito as declarações mais essenciais à minha vida política, apenas me resta afirmar que, ao apreciar esta* proposta de lei, não pretendi abafar o castigo que merecem aquelas pessoas que são responsáveis pelo crime cometido, ou deminair a responsabilidade dos seus acólitos.

Para uns e outros desejo inteiramente a aplicação das leis existentes, das leis de circunstância e até das leis que o Governo entender necessárias para castigar modc-larmente os homens que tiveram o arrojo de criar, na vigência do regime republicano, um. banco que procurava ferir a honra da Nação, vendendo ao estrangeiro uma das nossas melhores jóias coloniais. Mas que esse castigo exemplar não atinja inocentes.

A ver vamos, e esperemos confiados na justiça dos investigadores e dos tribunais que saberão separar o trigo do joio.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente : mais de uma vez tenho ouvido combater a proposta de lei n.° 55, com o fundamento de representar uma lei de excepção e também uma ofensa aos prin-" cípios republicanos; mas, sobretudo, às doutrinas sustentadas pelo partido no propósito do combater á monarquia.

Com efeito, Sr. Presidente, a actual proposta de lei tem o carácter duma lei de excepção. Não lhe posso, nem devo recusar essa qualidade.

Mas a verdade também ó que circuns-

tâncias há de tal importância e peso que podem justificar, num determinado momento, medidas excepcionais.

A nossa Constituição, como a de todos os países do mundo, é imperfeita, e imperfeita no sentido'de não poder prever todas as relações sociais, nem poder acudir de pronto a todos os conflitos. A legislação perfeita seria aquela dentro da qual se encontrassem previstas todas as hipóteses. Mas, Sr. Presidente, embora caminhemos para esse grau de perfectibilida-de, ainda estamos longe de o atingir. Portanto, em minha opinião, afigura-se-, -me que a doutrina sustentada por aqueles que Combatem a presente proposta de lei não procede.

De facto há na nossa legislação um conjunto de preceitos e de diplomas, que podem ser aplicáveis à hipótese .apresentada.

Temos o Código Civil, que regula a celebração e rescisão dos contratos; temos o Código do Processo, que regula a forma de tornar prática a aplicação das leis, e temos o Código Comercial, aplicável aos assuntos de ordem comercial; mas em nenhum destes diplomas se pode compreender, de maneira clara e precisa, a hipótese regulada nesta proposta de lei.

A função de legislar atribuída à soberania nacional, e, desde que é soberania nacional, tem o dever de promulgar medidas destinadas a regular acontecimentos que não estão suficientemente previstos e regulados nas leis existentes. Ora,, essa faculdade máxima que reside na soberania nacional permite sempre fazer uso dela, e, conseqúentemente, o Parlamento, intervindo neste caso, não faz mais do que satisfazer as aspirações nacionais.

Sr. Presidente: faço inteira justiça às boas intenções do Sr. Ministro da Justiça ao elaborar esta proposta de lei e sou o primeiro'a reconhecer que S. Ex.a, dentro do curto prazo de tempo que lhe foi permitido dispor para realizar um trabalho desta natureza, não a podia ter feito tam perfeita e tam completa como era, par a desejar.

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O que se vê da proposta de lei é o propósito de resolver rapidamente esta situação anormal.

Sr. Presidente: a comissão de legislação da Câmara dos Deputados, e ainda esta mesma Câmara, procurou introduzir profundas modificações nesta proposta da iniciativa do Sr. Ministro da Justiça.

Também, Sr. Presidente, são louváveis, por todos os motivos, as intenções que presidiram à discussão parlamentar e à colaboração dada por alguns Srs..Deputados no sentido de melhorar e aperíbi-çoar a referida proposta. Em todo o caso, na minha opinião, a proposta está muito longe de satisfazer e de corresponder ao espírito que a anima e aos propósitos que lhe deram origem.

E porquê, Sr. Presidente? Porque se concebeu uma forma de liquidação que não está nos moldes das nossas leis, nem tam pouco nas tradições e características da nossa legislação civil. Estabelece como princípio quo a liquidação será efectuada por uma comissão com poderes de carácter administrativo e com poderes judica-tivos.

Argumenta-se que há um exemplo já neste sentido porque existe uma comissão judicial dos bens das igrejas, que ao mesmo tempo administra todos os bens.

Nós, Sr. Presidente, devemos aceitar as innovações quando elas tenham qualquer cousa de bom, e nunca quando venham de encontro às boas doutrinas.

A comissão que se pretende criar, e em torno da qual giram todos os assuntos concernentes ao Banco Ango]a e Metrópole, é composta de cinco individualidades : três juizes de direito e dois técnicos em questões bancárias.

(j Para que é uma comissão composta de três juizes de direito, quando se me afigura que um só seria o suficiente?

Não sou dos que entendem que quanto maior é o número dos membros que compõem uma comissão, mais trabalho produz ; antes, pelo contrário, entendo que quanto mais reduzido, melhor.

Se em vez duma comissão de cinco membros ela fosse composta por dezanove ou vinte, estou convencido de que não fariam cousa alguma. Passavam o tempo a falar acerca de assuntos completamente diferentes, e, em conclusão, nada fariam.

Nestas circunstâncias, quando se pre-

tendesse confiar a liquidação do Banco a uma comissão, esta teria de ser composta dum. número de vogais muito inferior ao estabelecido.

A comissão, como já disse, ó composta por três juizes de direito com funções em Lisboa.

Esta Bscolha, quanto a mim, não ó acertada, porque os juizes de Lisboa mal têm tempo para desempenhar as suas funções. Ou sejam os juizes do crime, ou do cível, ou do comercial, e muito especialmente estes últimos, que são, para mim, aqueles que possuem um maior número de requisitos para fazerem parte desta comissão, têm trabalho de sobejo.

De forma que qualquer dos juizes escolhidos terá de deixar de cumprir as suas funções, com prejuízo das partes e dos funcionários que só recebem emolumentos, ou então ocupar-se destes, protelando assim o assunto respeitante ao Banco Angola e Metrópole.

Quando se pretendesse nomear juizes, porque para mim um só era bastante, esses magistrados deviam ser tirados dos adidos, que, em grande número, estão recebendo os seus vencimentos sem trabalho.

Pode objectar-se que alguns desses'j uí-zei não têm competência.

A semelhante objecção responderei que a competência lhes advém de um concurso que fizeram e de um despacho que os promoveu à categoria de juizes.

Se esses não têm competência, também é possível que os escolhidos para o desem-pen'ho deste cargo a não tenham.

O Sr.. Ministro da Justiça poderia escolher pois entre os adidos um_, dois ou três, que S. Ex.a julgasse mais competentes para o desempenho deste cargo.

Mas tendo que s,e entregar as funções da liquidação a uma entidade.especial, para afastar a questão dos tribunais comuns com o fim do processo correr com maior celeridade, entendo que o que havia a fazer era criar uma comissão composta por um juiz e dois técnicos, ao mesmo tempo criar-se um juízo especial composto de um juiz, um delegado, um escrivão e um oficial de diligências, com funções de conhecer das questões e de as resolver.

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portes Marítimos do Estado, duas comissões, uma para tomar conta dos interesses dos prejudicados, outra para julgar todas as questões pendentes e que seria especializada num artigo que tratasse das atribuições deste juízo, porque a proposta nesse ponto é absolutamente incompleta. Fala da comissão e do agente do Ministério Público e cousa alguma nos diz quanto a escrivães e oficiais de diligências, sendo certo que perante a comissão têm de ser inquiridas várias testemunhas, e, portanto, necessário é que haja uma entidade com a função de escrever esses depoimentos.

Bem sei que, na lei, vem um preceito dando ao Governo a faculdade de a regulamentar e, ao mesmo tempo, se lhe permite a publicação de certos' diplomas indicados pelo Conselho da Magistratura Judicial. Mas, Sr. Presidente, a nossa função é fazer a lei tanto mais perfeita quanto possível. Se o nosso propósito íôsse o de conferir atribuições ao Sr. Ministro da Justiça para promulgar um diploma, bastava um artigo com três ou quatro bases.

Se entendemos que ó necessário criar uma comissão de cinco membros, e junto dela funcionar um agente do Ministério Público, parece-me que'também deveria dizer-se na proposta quais as outras entidades que deviam intervir.

Na parte da proposta em que se fala dos agentes do Ministério Público, atribuem-se-lhes funções tam insignificantes que, com sinceridade o digo ao Sr. Ministro da Justiça, com as atribuições que lhes são conferidas por esta proposta era melhor tal entidade não existir.

Ê o artigo 14.° que trata da criação do Ministério Público junto da comissão, e ai se diz que as suas funções consistem em requerer arrolamentos e solicitar documentos, informações ou quaisquer outros elementos de que careça, a qualqner entidade ou repartição pública.

Ora para este fim dispensável se tornava o representante do Ministério Público, porque não ó necessário que os arrolamentos sejam requeridos por ele; a comissão ex officio pode ordená-los nos termos do artigo 5.°, e os documentos existentes ein repartições públicas podem, por se tratar de serviço público, ser requisitados por qualquer membro da comissão.

Nestas condições dispensar-se-ia então perfeitamente o Ministério Público.

Mas não deve ser assim, porque o Ministério Público deve existir, embora seja junto desta comissão, da qual discordo, mas com as atribuições que lhe conferem os respectivos regulamentos.

O Ministério Público, com as atribuições, consignadas no artigo 1.° do regulamento de 24 de Outubro de 1901, ó um Ministério Público necessário e indispensável. Agora um Ministério Público só com funções de requerer arrolamentos e solicitar diligências junto de qualquer repartição, é absolutamente desnecessário.

Deve-se manter um agente do Ministério Público junto da comissão, mas com todas as atribuições que em geral competem e pertencem aos agentes do Ministério Público.

E necessário que este artigo seja completado, que se dê ao Ministério Público um conjunto de atribuições que são próprias da natureza do cargo que ele desempenha.

Um Ministério Público que tivesse funções tam restritas como as que se consignam nesta proposta seria simplesmente decorativo. Competindo à comissão, ou ao tribuna] como eu pretendo, um complexo de funções, o Ministério Público junto dessa comissão, ou janto desse tribunal, deve requerer todos os actos e todas as diligências urgentes e indispensáveis para se tornar efectiva a lei. que são, principalmente, os arrolamentos, a venda dos bens em h^asta pública, o pagamento dos cheques, e além disso a indemnização às pessoas que foram altamente prejudicadas pelo acto criminoso praticado pelos falsários.

Na parte da redacção, a proposta deixa imenso a desejar; literariamente afigura-se-me uma obra condenável. Diz se a cada passo: «nos termos desta lei»; em alguns artigçs empregam se frases onde se emprega o advérbio «relativamente» em vez «de harmonia», etc., etc.

Noutra parte:

«Prejudicará» e «prejudique», esta repetição dentro do mesmo artigo não é nada concreta.

De forma que há que corrigir o que eu considero erros de redacção.

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desnecessário e o artigo 1.° é acentuada-mente imperfeito.

O artigo 1.° é imperfeito, porque não tinha que se referir aos artigos 7.° e 8.°, tornando a lei assim um pouco clara e obrigando o intérprete a maiores esforços.

O artigo 1.°, como artigo fundamental, devia enumerar com clareza e precisão os fins a que visava a lei e o que ela se propunha realizar; devia especificar que era dissolvido e declarado em liquidação o Banco Angola e Metrópole, e além disso que eram atingidos os indivíduos que tinham concorrido para o fabrico ou passagem de notas falsas.

É claro que, se a propósito de cada caso se fala sempre na liquidação do Banco, com certeza que esta lei é destinada a essa liquidação.

Não visa esta proposta a um caso geral, mas especial. E assim, este artigo 1.° é para mim puramente doutrinário ; re-putp-o uma verdadeira redundância.

É verdade que temos o provérbio latino : Quod abundai non nocet. Mas eu, como legislador, eliminava o artigo.

Os diferentes números do artigo õ.° contêm restrições absolutamente desnecessárias.

Evidentemente o preceito da alínea d) está contido na alínea é). Se todos os bens têm de ser arrolados, e há um artigo que concede à comissão a faculdade de. - dizer quais são os bens arrolados, escusado seria fazer repetições.

Todos os bens, sejam móveis, imóveis ou valores, susceptíveis de arrolamento, têm de ser arrolados. ,;Quem faz esse arrolamento? A comissão, dentro da área de Lisboa.

Ora, se os arrolamentos têm em Lisboa de ser feitos pe^a comissão, fora de Lisboa devem ser efectivados pelos respectivos juizes. Não compreendo que na lei se deixe uma porta aberta a fim de que a comissão possa destacar os seus , membros para fora de Lisboa. Emprega--se a palavra «poderão» e eu não. quero, em caso algum, que a comissão vá fazer arrolamentos fora de Lisboa.

Não sei quem vai fazer parte da comissão; o que sei é que todas as cautelas legislativas são poucas.

Sabemos os abusos que fazem as co-

missões no propósito de protelar os serviços a seu cargo.

Uma das atribuições desta comissão consiste em rescindir todos os contratos de financiamento de empresas, dando-lhes a atribuição de fixar o prazo dentro do qual essas empresas devem fazer as indemnizações.

Este preceito é demasiado vago, porque não fixa um critério seguro a que há-de obedecer a comissão.

O projecto é o resultado do estado lastimoso e da crise pavorosa que nós atravessamos. Ora, se os negócios públicos fossem tratados com o critério e a atenção que deviam, merecer o bem-estar do povo, não se tornaria possível praticar um crime desta natureza.

Confiados absolutamente na impunidade ó que os burlões se aventuraram à prática desse crime. Se eles tivessem visto, como em outros países acontece, os grandes criminosos serem punidos, não se aventurariam à prática destes crimes.

Mas a responsabilidade cabe também ao Banco de Portugal, que foi quem por uma fiscalização deficiente deu origem a .que eles se intrometessem nessa aventura.

Se o Banco fosse mais cauteloso na sua fiscalização nada disto aconteceria.

Convencido estou da respeitabilidade dos directores do Banco. Mas a direcção desse Banco não andou como devia, porquanto, muito antes do que aconteceu, já os agentes do Banco de Portugal em Braga e da caixa filial do Porto estavam conhecedores de que andavam em circulação notas falsas de 500$.

Não era difícil, em presença desta abundância de notas de 500$ que se distribuíam, suspeitar que essas notas não eram verdadeiras.

Quando um desses indivíduos tentou depositar 500 contos na caixa filial do Porto foi consultada a direcção do Banco, a qual respondeu que podiam aceitar a quantia porque eram notas verdadeiras.

Uma direcção de um Banco que assim procede pode merecer a confiança dos accionistas, mas não deixa de ser uma direcção com um procedimento estranho.

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primeira vez, ainda se admitia a boa fé por parte da direcção do Banco de Portugal, mas sabendo-se que mais de uma vez tinham sido falsificadas notas de mil francos franceses e notas brasileiras também de valor avultado, não se compreende que essa direcção não estivesse de sobreaviso e que não mandasse pe-riòdicíimente proceder a fiscalizações e estudos sobre a autenticidade das notas em circulação.

Tanto a responsabilidade do Banco de Portugal era gravíssima, que a sua direcção não hesitou um só momento-em abrir os seus guichets às grandes massas de povo que ali foram trocar notas de 000$. Se ela tivesse a consciência de haver procedido com o cuidado que devia, estou certo de que a sua atitude teria sido diversa daquela que adoptou. Admito mesmo a hipótese de o Banco se recusar à primeira vista a efectuar a respectiva troca, recorrendo até ao Governo para que ele, atenta a gravidade do crime e da situação, o amparasse.

E a descoberta desta falsificação era tam simples e tam banal que bastou a campanha de O Século para que ela fosse um facto. Só . depois dessa campanha, enérgica e violenta, afrontando todos os preconceitos, com propósitos de ir até o fim, doesse a quem doesse, o inspector bancário, Sr. Luís Viegas, se resolveu a iniciar os seus trabalhos, de que há longo tempo havia sido encarregado pelo Sr. Ministro das Finanças, Torres Garcia.

E bastou uma simples observação por parte deste funcionário para imediatamente ser descoberta a falsificação, não em resultado de um exame meticuloso com todos os instrumentos modernos de investigação, mas apenas mercê de um simples confronto entre os maços existentes na delegação e os que se encontravam na caixa da filial do Porto.

O que acabo de referir vem provar que há absoluta necessidade de se organizarem os serviços bancários do País em bases diversas daquelas como estão constituídos, sobretudo sob o ponto de vista das relações existentes entre os bancos emissores e o Estado.

Sr. Presidente: sou partidário e sempre fui do Banco do Estado. Há realmente grandes inconvenientes em se con-

fiar a emissão de notas a um banco do Estado; mas em face do regime em que temos até hoje vivido, em que os Governos em geral estão de braço dado com os conselhos de administração dos bancos emissores, em ,que os mesmos governos dispõem, em geral, no Parlamento de uma maioria espantosa, podendo assim aumentar a circulação fiduciária sempre que as circunstâncias do Tesouro o exigem, num País como o nosso em que predominam as p-aixões políticas, em que as necessidades políticas se antepõem às necessidades gerais da Nação, não vejo inconveniente nenhum em se' acabar com este regime privilegiado do Banco de Portugal e em criar-se um Banco do Estado. Nunca perfilhei o sistema seguido nos Estados Unidos da América, mas dar ao Estado a função de emitir notas, essa é a solução que já há muito tempo devia ser adoptada em Portugal. Assim as importâncias dos colossais dividendos que o Banco de Portugal divide e das avultadas gratificações que distribui podiam derivar a favor dos cofres da Nação.

Além disso, esta solução teria também a vantagem de acabar com as irregula-ridades praticadas pelo Banco Ultramarino. Não se compreende que no mesmo País haja ao mesmo tempo notas de dois tipos. De toda a vantagem seria unificar a nossa moeda. Percebe-se, por exemplo, que em Macau e noutras regiões que estão intimamente ligadas a territórios estrangeiros circule moeda que não corre no continente; mas nas nossaspos-sess.ões que estão em permanentes relações de importação e exportação com a Metrópole, acho extraordinário que se estabeleçam dois tipos de moeda, com a agravante de que quem tem moeda do Banco Ultramarino não consegue trocá-la em Lisboa.

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Não S3 compreende, e lamento profundamente que não me tenham sido remetidos uns documentos que pedi tíá cerca de mês e meio por intermédio de V. Ex.a, Sr. Presidente, para que pelo Ministério das Finanças me fosse fornecida uma cópia de uns documentos relativos ao Banco Angola e Metrópole.

É decorrido mós e meio, veio este projecto à discussão e até agora não me foram fornecidos esses documentos que se me afiguravam necessários e indispensáveis, «ao para apreciar este projecto, mas para entrar na apreciação dos factos que se relacionam intimamente com a burla do Angola e Metrópole.

Sr. Presidente: se porventura tivesse havido o cuidado, como tem havido para outros casos, de investigar quem eram os fundadores do Banco Angola e Metrópole, qual a qualidade moral desses indivíduos, o que não seria muito difícil, se nas instâncias oficiais se formasse um juízo seguro da capacidade moral desses indiví-' duos, com certeza nunca se devia ter concedido um despacho para constituir esse Banco, e demais o Ministro disse que esse Banco não podia s^r instalado sem que o seu capital fosse integralmente pago. Sem embargo esse Banco instalou-se sem que o seu capital fosse integralmente pago.

Pregunto:

Uma das cousas que concorreu para a queda da monarquia foi o descalabro do Crédito Predial, e a monarquia não tinha responsabilidade directa; não obstante lançou-se, mão daquelas irregularidades para combater e acusar a monarquia.

Agora também tenho ouvido acusar a República por causa dos falsários do Banco Angola e Metrópole.

As pessoas é que temos de tornar responsáveis e não as instituições. Desde que estas saibam pôr-se no seu lugar, elas triunfam e os homens que prevaricam são condenados.

Sr. Presidente: entendo que era necessário que se tivesse procedido a um

inquérito rigoroso, ma-s de carácter político e não judicial. Não digo isto para acusar todos os homens públicos pela sua falta de honradez. Não, mas sim porque entendo que alguns procederam com imprevidência, negligência e falta de previsão para casos desta gravidade. Numa situação destas só uma comissão parlamentar é que poderia chegar a conclusões rigorosas, não para esses indivíduos serem submetidos a um tribunal de honra, mas para o fim de nós sabermos quais os responsáveis, politicamente, perante esses grandes crimes praticados pelo Banco Angola e Metrópole.

Mas, Sr. Presidente, voltando ao projecto : ontem • o Sr. Querubim Guimarães sustentou que na legislação portuguesa havia preceitos suficientes para resolver este caso e que a solução do caso, segundo a legislação, era muito diferente daquela que o Sr. Ministro das Finanças apresentou.

Este caso prende-se com o princípio jurídico que diz respeito aos títulos ao portador, que está consignado em quási todas as nações cultas: que o título ao portador, embora seja perdido ou roubado, desde o momento que tenha passado do detentor que conhecia a sua falsidade para uma terceira pessoa que estava ,do boa fé, tem de ser reparada. Esta dontrina acha-se consignada num trabalho feito pelo Sr. José Alberto dos Reis; aí se sustenta que todo o título ao portador, embora tenha sido perdido ou roubado, uma vez que tenha passado para as mãos de terceiros, deve produzir todos os seus efeitos è, cónseqúentementc, deve constituir um crédito e representar para o que firmou uma obrigação.

Sr. Presidente: dispenso-me de ler ò que vem consignado nesse livro; apenas me limito a citar as páginas onde vem este caso, para alguém que pretenda estudar o assunto se socorrer do referido livro.

São as páginas n.os 189, 349 e,346, sobre o caso dos títulos ao portador.

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Esta doutrina também está consignada no artigo 036.° do Código Civil, que diz que a posse de objectos, de boa fé, prescreve no fim de seis meses.

Poder-se há sustentar que a falsificação dessas notas, sendo duma origem criminosa, não podem constituir objecto de direito, nem podem fundamentar qualquer direito.

Se de facto^ parece um absurdo dar validade a um documento, cuja assinatura foi extorquida por coacção ou cuja assinatura foi falsificada, também nós dávamos um profundo golpe nos títulos ao portador, indo declarar a cada passo esses íí-tulos 'sem efeito jurídico porque então havia o retraimento geral.

Toda a gente desconfiava da sua veracidade e ninguém lhes quereria pegar.

E necessário que se completem estas duas funções.

& com efeito muito grave dar valor a um documento falsificado; não é menos grave negar-lhe a cada passo a sua validade jurídica.

É entre estas duas doutrinas que tem oscilado a legislação dos principais países, especialmente na Alemanha e América, onde foi consignado que todo o título" ao portador produz efeitos jurídicos 'uma vez possuído de boa fé.

Assim será doloroso que, aqueles que obtiveram notas falsas, sejam, à face da legislação, privados dos objectos que adquiriram com esse dinheiro.

Mas como nem todos os que receberam notas falsas as obtiveram por meios ilícitos, o critério a estabelecer será, como mnito bem disse o Sr.- Querubim Guimarães, distinguir entre os que procederam de boa fé e os que procederam de má fé. Nas atribuições da comissão estabelece--se que ela pode validar os contratos efectuados em tais-condições, mas a doutrina do projecto nessa parte afigura-se-me absolutamente absurda.

Que se validem os contratos feitos de boa, fé, estamos plenamente de acordo, mas que se validem notas feitas por indivíduos considerados criminosos, evidentemente não pode ser doutrina aceitável por quem conhece esses assuntos.

Um do§ pontos em que estou plenamente em desacordo com a proposta é naquele em que o Governo pede autorização ao Parlamento para organizar um júri

especial, destinado a julgar os falsá-rios.

Estou absolutamente convencido de que o júri tal como está organizado não oferece garantias à sociedade.

E natural que os principais criminosos sejam condenados, porque a,opinião pública assim o exige.

Mas como há diferentes graduações de responsabilidades, é quási certo que a maior parte dos envolvidos nesse crime escapem às malhas da justiça.

Portanto seria da maior conveniência organizar um júri para os julgar; mas com o que não concordo ó que se dê ao Governo autorização para que organize esse júri como quiser.

Entendo que. deve ser o Parlamento quem deve indicar ao Governo as bases em que ele deve organizar o júri.

Poder-se há dizer: o Sr. Ministro da Justiça é um distinto advogado, conhecedor do foro j e oferece todas as garantias de competência.

Já por mais de uma vez tenho sustentado essa doutrina:

Todos os Ministros da Justiça me merecem a maior confiança, mas, por maior que ela seja, nunca me esquivo às atribuições que me competem.

Sempre tive por princípio não delegar em qualquer outra pessoa as atribuições de que estou investido. Prefiro antes exercê-las. Ainda que reconheça que têm a maior competência, -mesmo maior do que a minha para visar determinado assunto, não me dispenso de intervir nele e de manifestar sempre a minha opinião.

Acho assim da maior conveniência que o Parlamento estabeleça as bases segundo as quais o Governo deve organizar o júri, composto de magistrados como só pretende, ou composto de professores de Faculdades de Medicina e "de Direito, ou ainda de representantes de quaisquer classes.

Seja qual for o critério que se pretenda estabelecer, acho da máxima conveniência que desde já se indicassem as bases, ou a orientação que se deverá seguir, mesmo porque essa Indicação há-de facilitar bastante a acção do Sr. Ministro da Justiça.

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organização as use, fica absolutamente isento de todas as responsabilidade^, e decerto que nenhum pretenderá ter as glórias dumas ideas novas sobre organização dum júri. E quando as tenha pode usar delas vindo junto do Parlamento expô-las e colaborando de forma a que se evite que amanhã o júri organizado não satisíaça plenamente, não digo já as exigências da opinião pública, mas a opinião de algumas correntes partidárias.

Por esta proposta de lei também se concedem atribuições ao Governo para legislar discricionàriamente sobre tudo que diga respeito à liquidação do Banco Angola e Metrópole.

Temos vivido neste regime das autorizações parlamentares, e compreendo que em casos excepcionais se dêem autorizações ao Governo para legislar, mas, pelo menos, deve consignar-se que o Governo só deve usar das autorizações concedidas durante o interregno parlamentar.

É sistema usado entre nós, há longo tempo, os Governos publicarem medidas mesmo estando já aberto o Parlamento.

Esse caso tem sucedido numerosas vezes e com a agravante de as medidas promulgadas pelo Governo serem ditatoriais. Ainda aquelas que se fundam numa autorização têm uma atenuante, mas a maioria delas só tem relação com leis que já caducaram.

Para evitar as funestas consequências das constantes dissoluções, quando se discutiu a Constituição, proibiu-se a dissolução. Pois mais tarde estabeleceu-se a dissolução.

Ora, para evitar os abusos que se dão em matéria de autorizações, era quási um deve,r da parte de todos os parlamentares declararem que nunca mais davam autorizações ao Poder Executivo para promulgar qualquer diploma.

Segundo a opinião de alguns constitu-cionalistas, não há que recear do poder absoluto; o que há que recear é do mau uso que se faça desse poder.

Ora, à sombra desta pequena autorização que se vai dar ao Governo, não estranho que amanhã qualquer Ministro da Justiça se permita criar novos tribunais, se permita criar novas funções, umas destinadas a facilitar a liquidação dos bens do Banco Angola e Metrópole, outras destinadas a satisfazer pretensões.

Por isso há grande conveniência em não se concederem nenhumas autorizações.

O que se deve fazer é estudar o assunto.

Não me consta que haja qualquer artigo no Código Civil que permita ao Ministro da Justiça promulgar novas autorizações concernentes ao assunto de que o mesmo trata; não me consta que no Código do Processo haja qualquer disposição que dê ao Governo poderes para completar esse diploma. E o que digo com relação ao Código Civil e ao Código do ^Processo digo em relação a este caso.

Este sistema de legislar é novo entre nós, e é novo porque o mais que pode ter é meia dúzia de anos; a propósito de qualquer decreto, ^estabelecer-se que fica o Governo autorizado a.publicar as medidas a; b Q c. Isto não pode continuar.

Não há dúvida de que esta questão é importante, mas deve considerar-se suficientemente estudada pelos técnicos, estudada pelas pessoas' competentes e regulada em toda a sua extensão, prevendo-se o maior número de hipóteses possíveis.

Uma vez que esta proposta de lei saia deste Parlamento, tanto quanto possível perfeita, a mim afigura-se-me que o assunto fica liquidado para o efeito legislativo.

Se ocorrerem casos imprevistos, então o Governo que traga uma proposta de lei complementar, porque nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado lhe recusarão a sua colaboração.

Agora, a propósito de qualquer lei, consignar-se que fica o Governo autorizado a promulgar as medidas que julgar necessárias, representa um atestado de incompetência passado; ao Poder Legislativo.

^ Que hipóteses novas podem aparecer a respeito do caso do Banco Angola e Metrópole?

Se porventura alguém me convencer de que. à sombra deste importante caso, vão ocorrer novas hipótesçs que não é fácil prever neste momento, então eu, muito dolorosa e muito coagidamente, darei o meu voto a uma disposição destas. Mas desde que se fazem previsões acêrc.a de pontos jurídicos que não estejam aqui previstos, o nosso dever é considerar este diploma tam perfeito quanto possível.

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rizações dadas aos Governos no tempo da guerra, e que já caducaram, têin sido aproveitadas por alguns Ministérios, inclusivamente pelo último Ministério do Sr. Domingos Pereira.

Ora dos diplomas publicados, à sombra de autorizações que já caducaram, sein-pre fica alguma cousa. Tem-se visto isso todos os dias.

Quando era Presidente do Ministério o Sr. José Domingues dos Santos foram publicados vários diplomas em ditadura.

Têm também sido publicados diferentes'diplomas sobre os quais já se manifestou a Câmara dos Deputados. Uni deles é o que diz respeito à organização da polícia, que foi condenado pela Câmara dos Deputados, assunto esse que ainda ontem foi ventilado na sessão nocturna...

O Sr. Machado Serpa (interrompendo) :— f, O que tem isso com o Banco Angola e Metrópole?

O Orador: — Tem com a autorização que se quere dar ao Governo.

Pois bem, esse diploma foi revogado por uma deliberação da Câmara dos Deputados.

O que se dá com a reforma da polícia, deu-se igualmente com a organização das juntas escolares, diploma que foi condenado pela Câmara dos Deputados, e até hoje esse assunto não foi resolvido.

Sem embargo têm-se feito todas as nomeações que o diploma permite.

O Sr. Nuno Simões publicou um diplome reformando os serviços da administração dos caminhos de ferro.

A Câmara dos Deputados já se pronunciou contra essa reforma.

Falta uma votação da Câmara para se resolver o assunto. Pois apesar de haver dúvidas acerca da constitucionalidade deste diploma continuam a fazer-se todas as negociações tendentes a dar força legal, como se porventura ele tivesse sido publicado nos termos da Constituição.

É para que V. Ex.as vejam o que são as autorizações e o uso que os Governos fazem delas.

Sendo Ministro das Finanças o Sr. Daniel Eodrigues foi-lhe dada uma autorização parlamentar para S. Ex.a resolver um assunto pendente com a Companhia dos Tabacos.

Pois a breve trecho, chamada a questão à Câmara dos Deputados, foi reconhecido como ilegal o acordo feito por S. Ex.a

Não obstante isso, a Companhia aumentou consideràvelmerite o preço dos tabacos baseada nesse acordo, e nós, os fumadores, continuamos a pagar o tabaco, não pelo preço que devíamos pagar, mas pelo que foi fixado no acordo íeiío pelo Sr. Daniel Rodrigues e anulado pela Câmara dos Deputados. Assombroso, não é? Pois é assim mesmo !

Ora aí está o resultado das autorizações.

Se não se tivesse dado uma única autorização, os Ministros não teriam a audácia, por ísua própria iniciativa, de mandar diplomas para o Diário do Governo, invocando autorizações que muitas vezes só existem aã sua mente.

Nestas condições - reprovo a orientação do projecto na parte que diz respeito às autorizações para legislar complemen-tarmente a matéria contida no actual projecto.

Em meu entender, e como já afirmei, nem deve ser permitido ao Governo reformar o júri, sem que se indique as bases para tal reforma, nem tampouco se deve dar autorização para ele legislar acerca da matéria aqui contida.

Também, desde que aqui se fala em matéria criminal, não seria descabido çue se fixasse qualquer cousa no projecto relativamente a fiança.

Parece que é afrontar, provocar a opinião pública, consentir que amanhã os homens do Angola e Metrópole sejam pronunciados —como acontece à maior parte dos gatunos de certa importância, que usam gravata— vindo depois cá para fora protelar indefinidamente o seu julgamento.

Se se estabelece no projecto que o Governo fica autorizado a criar um júri especial para julgar os falsários, também pelo mesmo motivo, e talvez ainda com mais razão, se devia consignar dois ou três artigos respeitantes ao processo cri-, minai a seguir para evitar que os criminosos se afastem da condenação que merecem.

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com a mesma razão se deviam pôr preceitos para não lhe admitir fiança, e identicamente também alguns preceitos no sentido de abreviar o seu julgamento.

O Parlamento já fez duas leis, que eu me recorde, consideradas de excepção, mas que foram bem recebidas por todos.

"Uma para o julgamento dos implicados no 19 de Outubro, e outra para os julgamentos do 18 de Abril.

Em qualquer delas reduziu-se ao mínimo possível o número de diligências a praticar. Só se permitia a expedição de cartas precatórias em determinadas circunstâncias, e ao mesmo tempo dando. facilidades para o caso de exames e diligências, e ainda medidas especiais relativamente ao adiamento dos julgamentos.

Um dos expedientes mais adoptados pelos criminosos ó o dos adiamentos. A propósito da falta de uma testemunha, da íalta de um exame, etc., conseguem por vezes numerosos adiamentos, e corno as audiências gerais só se abrem trimestralmente em L«.s.boa, eles na maior parte dos casos só respondem alguns anos depois de praticado o crime.

Daqui resulta que a opinião pública se desinteressa completamente, e os tribunais, que são o reflexo da opinião pública, se deixam eivar dos mesmos defeitos e tomam-se de uma benevolência enorme, escandalosa, quanto à circunstância dos criminosos esperarem ocasião propícia que julguem mais oportuna para serem presentes a jurados mais acessíveis a pedidos, ou influências estranhas.

Portanto, toda a nossa legislação está feita no sentido de facilitar a impunidade e a habilitar aqueles que tratam dos processos a usarem de todos os expedientes para conseguirem a absolvição dos seus constituintes.

Desde que se faz uma lei de carácter, civil, e nela se incluem preceitos de carácter penal, é perfeitamente aceitável que se vá um pouco mais longe e nela se instalem preceitos referentes à liberdade dos presos depois de pronunciados e até ao seu julgamento.

Para terminar as minhas considerações vou mandar para a Mesa uma moção nos seguintes termos:

A Câmara reconhecendo os honestos propósitos com que foi elaborado o pro-

jecto de lei n.° 55, destinado a providenciar acerca da distribuição e liquidação, do Banco Angola e Metrópole, e de todos os actos e contratos que se relacionam com a estampagem ilegal e passagem de notas de 500$, tipo Vasco da Gama, continua na ordem do dia. — Joaquim Crisóstomo.

O orador não reviu.

O Sr. Medeiros Franco: — Sr. Presidente: muito poucas vão ser as palavras que vou proferir nesta casa do Parlamento acerca da proposta de lei em discussão pela simples razão de, fazendo parte do Grupo Parlamentar da Esquerda Democrática, entender que me devo solidarizar com a atitude tomada, a propósito da discussão desta proposta de lei, pelos meus ilustres colegas na outra Câmara.

Já quando esta proposta foi discutida na 2.a Secção tive ocasião de proferir poucas palavras e fazer idêntica declaração.

Todavia, como esta sessão é pública e tenho necessidade de justificar a minha atitude, entendi que a proposta não devia ser posta à votação na generalidade sem que eu fizesse uma declaração peremptória, clara e terminante.

Interessantes discursos, longos discursos se fizeram acerca desta proposta de lei.

Apreciou-se a matéria nela contida e, verdade seja, melhor fora que os ilustres parlamentares que com tanto brilho tomaram parte nessa discussão se tivessem reservado para a especialidade, porque, então, melhor cabimento teriam as considerações interessantes e louváveis que a propósito dela proferiram.

Vou cingir-me ao que diz o artigo 107.° do Regimento, de todos nós conhecido.

Não houve durante esta discussão afirmação nenhuma dos ilustres Senadores que intervieram no debate, que me desse o convencimento de que não estavam todos de acordo sobre a generalidade da proposta.

O Sr. Ribeiro dê Melo: — Das poucas palavras que S. Ex.a disse ir pronunciar fica, em primeiro lugar, a censura que acaba de fazer.

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ria que esses interessantes e longos discursos que se proferiram na generalidade tivessem ter sido reservados para. a especialidade.

Entendo que este 'projecto é conveniente, absolutamente oportuna a sua discussão e conversão em lei.

Por isso creio bem que, na generalidade, estamos todos de acordo, e que é absolutamente necessário aprovar uma disposição pela qual* o Parlamento e a Nação possam dar o correctivo devido àquelss que praticaram a burla do Angola e Metrópole. Conseqiientemente a Esquerda Democrática não; pode deixar de dar o seu voto incondicional a esta por-posta' de lei.

Julgo, porém, absolutamente indispensável que o Senado modifique na especialidade algumas das disposições contidas na proposta de modo a evitar as consequências que adviriam da sua aprovação, tal qual está, e, como eu desde a primeira hora tomei o propósito de não entrar nesta discussão, delego essa missão nos meus colegas e apenas falei nesta hora para que o País saiba que a Esquerda Democrática se não quere alhear em f até de um problema da gravidade e da 'natureza deste.

Das disposições deste projecto de lei apenas três se encontram que podem e devem merecer a atenção da Câmara: os artigos 9.°, 14.° e 21.° -

Já ouvi referências interessantes acerca destes artigos, mas, como não entro na dis-cussão da especialidade, limito-me a GÍ-zer que voto este projecto na generalidade, esperando que na especialidade se dê outra redacçSo a esses artigos.

O orador não reviu.

O Sr. Eliaistro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): —Sr. Presidente: devo dizer a V. Ex.a, e devo significar à Câmara, que a declaração acabada de fazer pelo ilustre Senador Sr. Medeiros Franco a mim me contristou muito e deve contristar todos aqueles que assistiram a essa declaração cê S. Ex.a

Não lhe quero tecer louvaminhas, nem quero de maneira alguma incensá-lo, mas a minha consciência não ficaria bem consigo mesmo se eu, deste lugar, não dissesse, traduzindo o que sinto e só o que sinto, que a inteligência do Sr. Medei-

ros Franco, a maneira como tem entrado sempre em discussões importantes, eram de molde a melhorar esta proposta, e eu e a Câmara com certeza sente que a Esquerda Democrática' se abstivesse de entrar na discussão, na especicilidade pelo menos, nun} assunto que não é deste ou daquele grupo político, mas sim patriótico, nacional e que contende com a honra do País.

Apoiados.

Sabe S. Ex.a que, na sessão que houve na Secção para á apreciação do projecto, fiz declaração idêntica, dizendo que sentia que semelhante scisão se desse, porque ela faz com que' o Partido Democrático perca elementos de valor como é o Sr. Medeiros Franco. Não faço esta declaração para lisonjear S. Ex.a, ou a Esquerda Democrática, nem para colher as suas boas graças.. Estas palavras estão absolutamente ao lado dos factos, porque trabalhei quanto pude para que a scisão se não deste.

Dito isto, vou entrar na apreciação das observações que se fizeram a respeito deste projecto. Não tenho o direito de dizer que foram descabidas as observações deste ou daquele orador, não quero pronunciar-me sobre esse ponto.

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dente, aquele vulto'venerando, o nosso Ministro da Guerra, a quem a República tanto deve, os ataques e injúrias dirigidos ao nosso regime e aos homens de Governo da República. Nem se convidou S. Ex.a a retirar alguma das afirmações que, perdõe-me que diga, foram inconsideradamente proferidas.

Apesar das imensas faculdades que possui, o Sr. Querubim Guimarães foi v um pouco fonógrafo do grande orador da outra Câmara, o Sr. Pinheiro Torres, porque lhe seguiu perfeitamente as pisadas. E que a monarquia passa, às vezes, como que uma senha a todos aqueles dos seus partidários que se sentam nesta casa do Parlamento, de maneira que, até talentos elevados, se escravizam a essa senha, proferindo as mesmas injúrias.

É lastimoso, mas tenho que me curvar. Na República ainda alguma cousa há de bom, Sr. Querubim Guimarães, porque no tempo da monarquia o Regimento era mais duro e severo; a tropa podia, com armas na mão, expulsar de qualquer casa do Parlamento os membros da representação nacional.

S. Ex.a daquele lado, do alto da sua cadeira, pode dizer quantos impropérios quiser contra as instituições, porque os Senadores estão absolutamente calados, e o Sr. Presidente não pode agir, isto porque a República é extremamente tolerante, e porque essa democracia e essa liberdade que S. Ex.a repele, fazendo a confissão mais cabal e perfeita de que repudiava o sistema liberal, é no emtanto de tal sorte que S. Ex.a veio acolher-se nos braços dessa liberdade.

S. Ex.a começou por dizer que este caso grave só se dava num país republicano, que as cousas tinham chegado a tal ponto que a atmosfera estava preparada para a fabricação de notas falsas. Pois, Sr. Querubim Guimarães, felizmente para mim, não me faltou ainda Deus com a palavra para lhe responder, nem com a energia necessária para afastar os seus ataques.

' Sou muito mais velho do que S. Ex.a e assisti num dos tribunais desta capital ao espectáculo de ver um filho da monarquia, um aparentado no Paço, sentado no banco dos réus, acusado de ter fabricado notas falsas. Era o conde de Pena-macor.

Lembro-me que assisti com verdadeira comoção ao debate entre dois gigantes do foro. Esses gigantes eram por uma parte Pinto Coelho, e por outra Barjona de Freitas.

Não se pode conceber um duelo mais forte, nem como esses dois gigantes lutaram.

Pinto Coelho, coín a sua lógica inflexível, dizia: «Dantes na quinta de Sintra os antepassados do conde de Penamacor plantavam árvores frutíferas, árvores que cresciam em toda .u sua pujança; agora, n3o se plantam ár\7orer> frutíferas; escondem--se maços de notas falsas onde dantes se plantavam essas árvores».

Porém, Barjona de Freitas com a sua argumentação de ferro venceu os. seus adversários, e o conde de Penamacor foi absolvido.

Aqui tem S. Ex.a como estes factos não se dão unicamente na República, e como S. Ex.a não pode estar a acusar a República porque se dão estes casos.

Não são os crimes, por maiores que sejam, que .envergonham o regime; o que o envergonha é deixá-los sem punição.

Apoiados.

Isso é que o envergonha.

O Sr. Querubim Guimarães (interrom-pendo]: — Sou dessa opinião: ó esse o meu principal argumento.

O Orador: — Mas que não vigorou no antigo regime, em relação ao conde de Penamacor. ..

O Sr. Querubim Guimarães: — Esse regime condenava os criminosos.

O Orador: — Da maneira que eu acabei de citar...

O Sr. Ferraz Chaves: —

O Sr. Querubim Guimarães: — Desafio S. Ex.a a pôr em confronto os crimes da monarquia com os crimes da República. Eu não receio esse confronto.

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O Sr. Querubim Guimarães: — Apesar da monarquia ser tam criminosa como era, foi preciso que a República viesse para V. Ex.° se tornar republicano.

O Sr. Artur Costa: —S. Ex.a não tem nada com as minhas crenças.

Nunca servi a monarquia. Desafio S. Ex.a a provar o contrário'.

O Sr. Querubim Guimarães:—É tam fácil demonstrar que ò Sr. Artur Costa quando estava escrivão cm Figueira do Castelo Rodrigo era o chefe do Partido Regenerador.

O Sr. Artur Costa: — Ê absolutamente falso. S. Ex.a foi mal informado. Eu faço--Ihe a justiça de supor que não inventou. Informaram-no mal.

Nunca discuti a minha pessoa, nem nunca andei a atirar à cara de ninguém com as minhas crenças, ou com as minhas convicções políticas.

O Sr. Querubim Guimarães: — S. Ex.* ó que não tem o direito de atacar agora um regime que não combateu.

O Sr. Artur Costa: — Eu não discuto os crimes da República, nem os crimes da monarquia, mas com respeito aos adiantamentos o livro publicado, no meu modo de ver, é bem claro.

O Sr. Querubim Guimarães:—Não me arreceio de qualquer discussão, o em qualquer lugar, a respeito do confronto entre os crimes da monarquia e os crimes da República.

O Sr. Artur Costa:—Também não tenho receio nenhum.

O Sr. Querubim Guimarães: — Não tenho medo nenhum desse confronto.

Quando V. Ex.as quiserem poderemos fazer esse confronto.

Trocam-se apartes.

O Sr. Artur Costa: — A dignidade de S. Ex.a é muito grande, mas S. Ex.a tem também o dever de respeitar os outros.

Trocam-se apartes.

Jbstabtílece-se agitação.

Vozes: ^ Ordem, ordem.

O Orador:-—Sr. Presidente: como eu dizia, o Sr. Querubim Guimarães citou o exemplo de um estrangeiro que em uma conversa disse: — «Sois pobres de mais para terdes uma república».

E isto dito—perdoe-me S. Ex.a, tenho sempre por si muito respeito, que devia produzir-lbe uma grande emoção, quando foi pronunciado por S. Ex.a, — pen-sava eu que ia dizer ao Parlamento que tinha repelido essa frase grosseira do estrangeiro, que negaria a sua solidariedade à'injúria que às faces de todos nós republicanos, de todos os portugueses tinha sido atirada, neste País, debaixo do nosso céu azul, à sombra da nossa hospitalidade.

Vozes: — Muito bem.

O Orador:—Não posso por consequência comungar na mesma doutrina, que on-tende que os povos caminham para o regime da autoridade, da força.

Mas S. Ex.a engana-se redondamente. Ainda há. pouco tempo, falando eu com um vulto notável da advocacia espanhola, me dizia ele: .a Espanha está sob um vulcão, a revolução está iminente.

A Itália, a sonhadora Itália, que está sob o jugo do Mussoliai, também não tardará quo a revolução ali rebento porque a liberdade e a democracia não morrem, tôino-lo visto e verificado através da história. Pode haver nelas uma interrupção com governos de tirania, mas a liberdade depois desoprimida há-do surgir com mais ímpeto.

Sou já velho, mas 3. Ex.*"1 que é novo há-de mais tarde lombrar-se do que su disse, por que o futuro o há-de registar como uma verdade para glória de todos.

Sr. Presidente: S. Ex.a revoltou-se contra a forma por que se tem caminhado nas investigações, e envolveu nessas censuras o Sr. Dr. Alves Ferreira.

É este um grande juiz, um grande magistrado, que tem atrás de si uma enorme folha de serviços, que está nesse, lugar quási constrangido, unicamente porque teve sempre por lema seguir aquele caminho que lhe manda a sua consciência, quando esta lhe diz que deve trabalhar por amor ao País.

Apoiados.

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O Sr. Querubim Guimarães (aparte): — De nenhum modo eu censurei a sua personalidade. O que digo é que as investigações têm demorado.

O Orador: — ^Que importa que S. Ex.a elogio o homem, se lhe deprecia a obra? jE um elogio singular esse! O homem é elogiado e, no emtanto, no exercício das suas funções, S. Ex.a vem passar-lhe, mais ou menos, um diploma de incompetente, porque diz que as investigações têm demorado.

Semelhante juízo é demasiado cedo para o fazer.

Concluídas as investigações, examinando-se então o colossal trabalho que o Sr. Dr. Alves Ferreira tem feito com os seus dedicados ajudantes, então, e só então, S. Ex.a, como advogado, como cidadão, como homem que não pode ser leviano nas suas apreciações, poderá dizer com toda a consciência: as investigações correram morosamente, não atingiram to-• dos os pontos que deviam atingir.

•Mas antes de S. Ex.a ter compulsado o processo, antes de ter conhecimento da questão, fazer, perante a Câmara, perante o público, e S. Ex.a é alguém, essa justiça lhe faço, esta afirmação «as investigações têm demorado», é desprestigiar o juiz, é desprestigiar a justiça; e não é S. Ex.a, que tantas vezes tem pugnado pela magistratura do meu País e pela justiça, que queremos que triunfe sempre, que deve proceder de forma a empanar o brilho da mesma magistratura.

Depois S. Ex.a teve uma divagação que mo pareceu extraordinária. Referiu-se à causa dos deportados, entendendo que o Governo, não este a que pertenço, mas o anterior,, procedeu contra a Constituição; que não observou aquelas fórmulas que S. Ex.a, na rigidez de jurisconsulto, entende que se devem observar em casos semelhantes. E chorou com os deportados, lastimando a sua situação.

Não sei se, nessa altura da exposição de S. Ex.a, estava presente, nesta Câmara, o Sr. D. Tomás de Vilhena, que tantas vezes aqui no Senado chamou a atenção para os inimigos da sociedade, dizendo: «Não posso, nem a minha família, andar seguro. Peço a S. Ex.a o Sr.

Ministro da Justiça que comunique ao seu colega do Interior que ó preciso adoptar medidas severas que acabem completa-mente com este estado de cousas». -

Por outro lado, vejo o Sr. Querubim Guimarães acusar o Governo que procedeu às deportações, e, ao mesmo tempo, acusar também as investigações por serem contrárias ao espírito da lei.

Quere dizer : S. Ex.;t que não ama a democracia nem estima a liberdade, e porque era necessário acusar o Governo da República, diz sair este da lei. Não podia ter tanto tempo incomunicáveis como tem tido os presos por causa das investigações, e apelou para a legislação republicana, para o decreto, se uão me engano, de 10 de Outubro de 1910. S. Ex.a, porém, se lesse os diplomas republicanos e se lesse o primeiro decreto quo instituiu essas investigações, então com o fim do serem superiormente dirigidas por um representante do Procurador Geral da República, S. Ex.a veria que os termos desse decreto, hoje convertido em lei, determinam que essas investigações se façam sem restrição alguma.

Mas S. Ex.a leu ainda no decreto com força de lei de 21 de Outubro de 1922, que quando se trata de crimes de alta traição, sedição o rebelião, pode haver uma detenção por muito mais tempo do que esses oito dias quo o decreto de 10 de Outubro preconizava.

E por consequência à sombra desses diplomas que o juiz tem procedido.

Em todo o caso, nos deportados políticos não se usou do mesmo sistema que fez a monarquia.

• S. Ex.a conhece certamente o artigo 3.° da lei de 13 de Fevereiro de 189(5.

Os réus presos sem admissão de fiança e até ao julgamento, que podia demorar anos, não saíam das prisões.

Mais ainda.

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recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando os processos apresentassem alguma nulidade, em que mais doloroso era depois para os presos serem entregues ao Poder Executivo e mandados para a África pelo tempo que aprouvesse a esse Poder.

Não! Tratava-se de crianças, que bastava terem 18 anos para poderem ser expulsos do País (Apoiados), sem que para aqueles pobres espíritos juvenis houvesse um raio de esperança, a não ser para os degredar e tornar uma geração, que podia sor útil à sua Pátria, numa geração de criminosos.

Apoiados.

Vozes : — Muito bem, muito bem.

O Orador : — Mas há mais e é necessário que se diga, visto que se censurou o regime republicano atirando para cima dele as insídias — não S. Ex.a, Sr. Querubim Guimarães, que é incapaz disso — mas outros. É bom que se saiba que ainda há outro diploma mais cruento, mais revoltante da Constituição que os Ministros da monarquia haviam jurado como pessoas de honra: é o célebre decreto de 3] de Janeiro de 1908.

Vozes: — Muito beni, muito bem.

O Orador: — Por esse decreto do 31 de Janeiro de 1908, os criminosos eram pronunciados. A pronúncia fazia-se por bastantes indícios, e esta palavra abastante» era tam lata na consciência do juiz Veiga que estava absolutamente ao seu arbítrio o ficar uma pessoa escravizada.

E que acontecia? Era que esse infeliz era pronunciado. £ Dava-se a este a latitude, a instrução contraditória que é obra da Eepública ? Não, senhor !

Apoiados.

Depois de pronunciado e só pela pronúncia, som mais agravo, era atirado para um carro celular, e de um carro celular para as colónias por tempo indeterminado.

E o processo, dir-se há? V. Ex.a, Sr. Querubim Guimarães, como jurisconsulto amaate dos princípios, criado cem as

doutrinas da nossa velha e salutar Universidade de Coimbra, viu lá defender sempre pelos professores, porventura ainda por aqueles que professavam doutrinas mais atrasadas, que o homem livre para ser livre deve dar liberdade aos outros. Pois a monarquia condenava com a simples pronúncia e não havia apelo • nem agravo.

Diga-me S. Ex.a se, feito o confronto entre a legislação republicana e a legislação monárquica, pode atirar à cara da Eepública qualquer cousa que de longe, se pareça com as disposições da monarquia, que causam arripios àqueles mesmos que tenham uma noção muito demi-nuta de que seja o direito.

Sr. Presidente: não entro agora na minúcia do decreto.

Depois que o Sr. Querubim Guimarães, perfeitamente obscurecido neste ponto pelas ideas que o seu cérebro manifestou a respeito do que seja república, passou S. Ex.a a examinar minuciosamente os artigos da proposta de lei.

Não vou entrar agora nessa análise. Referir-me hei ao discurso interessante e atraeLÍ3 do Sr. Joaquim Crisóstomo, que é uma pessoa que estuda as questões a fundo 9 que nesse estudo chega até a esquecer-se de si mesmo. S. Ex.a demorou-se muito tempo na apreciação de pontos que dizem respeito propriamente à discussão na especialidade. Tenho pen i de'que o Sr. Joaquim Crisóstomo não comparecesse na respectiva Secção a expor os pontos de vista a que se referiu na sessão de hoje.

Apartes.

S. Ex.a, que é um parlamentar distinto, poderia ter apresentado as suas emendas por ocasião da discussão na Secção.

É por isso que eu, Sr. Presidente, sem que isto represente menos atenção para com S. Ex.a, me reservo para discutir o assunto na especialidade quando realmente da especialidade se tratar.

Tenho também de responder ao ilustre Senador Sr. Ribeiro de Melo, e S. Ex.a me desculpará de o ter guardado para último lugar, mas é que no meu coração sigo a frase bíblica, em que os últimos são os primeiros.

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de S. Ex.a e peco-lhe que compareça na respectiva Secção a fim de fazer ouvir os seus conselhos.

Estou convencido de que tudo quanto no Governo, e muito principalmente posso assegurar no que couber na humildade da minha pessoa como Ministro da República, farei todo o possível para que os verdadeiros criminosos, sejam eles quais forem, por mais altos que estejam, sejam sem dó nem piedade castigados como o devem ser.

Apoiados.

Para isso apresentei já uma proposta na Câmara dos Deputados, para que se lhes aplique o Código Penal.

Tenciono também, Sr. Presidente, apresentar uma substituição a um artigo que foi censurado e bem pelo Sr. Joaquim Crisóstomo. Disse S. Ex.a quê não devia ser cometida ao Poder Executivo a função de organizar o júri, mas sim a um alto corpo, como seja o Conselho Superior Judiciário. •

Com estas armas na mão, com o nosso Código Penal que foi feito em ditadura durante um Governo da monarquia, com estas faculdades que o Parlamento, cônscio dos seus deveres, há-de dar à administração republicana, estou convencido de que esta há de honrar-se e gravar o seu nome com letras de ouro com esta causa que não é só de Portugal, que é a causa da humanidade.

Tenho dito.

Vozes:—Muito bem, muito bem. O orador não reviu.

O Sr. Querubim Guimarães (para explicações] : —Sr. Presidente: serei breve nas minhas considerações, breve não só porque a hora vai adiantada, como também porque não desejo de modo algum prolongar uma discussão que há todo o interesse de fazer terminar o mais rapidamente possível.

Mas, Sr. Presidente, principalmente depois do que aqui se passou e de ter havido um pequeno incidente, não ficaria bem com a minha consciência se porventura sobre esse assunto não dissesse algumas palavras, em que vai traduzido o meu respeito para com V. Ex.a, para com a Câmara e para com todos os seus componentes.

Sr. Presidente: esta Câmara, não direi na sua totalidade, mas numa grande parte da siia composição conhece-me há bastante tempo já para se ter apercebido das minhas normas de correcção.

Apoiados..

Em longos quatro anos de Parlamento, em .quatro anos de discussões por vezes violentas, nunca que me recorde faltei àquele respeito que esta casa me merece, não só pela alta significação que tem dentro do sistema político que nos rege, mas também por aquela consideração pessoal que .sou obrigado a ter para com todos.

Bastava a circunstância de eu desejar, querer e exigir que me considerem e respeitem para, antecipadamente, me julgar na obrigação de respeitar todos os outros.

No incidente, que aliás não provoquei, mas que foi provocado por uma interrupção do nosso ilustre colega Sr. Pedro Chaves, a qual fez derivar para esse ponto as minhas considerações, nunca podia ter no meu ânimo o propósito de agravar fosse quem fosse.

Quando pretendo fazer qualquer agressão à dignidade pessoal de alguém, não escolho este lugar para isso, que não é próprio; tenho a hombridade de arcar sempre com as responsabilidades do meu procedimento porque, até hoje, ainda não trepidei um instante sequer em assumir todas essas responsabilidades.

Mas o que com certeza não corresponde às minhas intenções ó ter havido da minha parte o propósito de agravar a pessoa do Sr. Artur Costa.

Posta assim a questão, e porque todos me conhecem nesta casa do Parlamento e sabem ser eu incapaz de cm incidentes desta natureza pedir a palavra para explicações, quando realmente não fosse para as dar, porque émfim, procuro sempre, nas minhas acções e nas minhas palavras corresponder às intenções que as ditam, não faltando nunca à correcção devida, julgo que todos, tanto V. Ex.a, Sr. Presidente, como os meus ilustres colegas, me farão a justiça de acreditar que eu não poderia nunca pronunciar qualquer palavra ofensiva para o carácter de alguém.

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fora dele, em todos os tempos e com todas as transformações políticas, que o mesmo se dará amanhã coín a restauração moaárquica. Não haverá depois lugar para os neo-monárquicos, tantas hão--de ser as defecções republicanas. E isso tanto da fraqueza humana, é isso tam próprio do homem que não é para admirar que assim se tenha feito sempre. Agora, o que eu tenho o direito de exigir é que aqueles -que honestamente e lealmente deixaram os seus princípios monárquicos para entrar na República, .sobretudo aqueles que o fizeram sem nada ter sofrido como propagandistas da República, sem nunca terem em risco a sua liberdade ou a sua vida, se moderem nas suas críticas a um regime que serviram, a um regime a que tácita ou expressamente, directa ou indirectamente, activa ou passivamente deram a saã adesão.

Posta a questão nestes termos, repito, crendo que suficientemente tenha exprimido o meu pensamento, não fica no rneu íntimo qualquer ressentimento para qualquer dos Srs. Senadores que intervieram no incidente; e, pelo contrário, fico muito bem coni a minha consciência, pedindo desculpa a V. Ex.a, Sr. Presidente, que tem sido para comigo sempre tam gentil e tam imparcial, e estou certo de que V. Ex.a ma não negará, como todos não deixarão de acreditar que procuro sempre ser correcto e respeitador da dignidade alheia.

Tenho, sim, o direito e esse jamais o abandonarei, de criticar a administração republicana, de lhe apontar os vícios e os defeitos, de profligar os seus erros e os seus crimes, porque é essa a minha missão nesta casa do Parlamento, sem ter 'para isso que atender a quaisquer melindres pessoais, porque às pessoas não dirijo os meus ataques, mas sim às instituições.

Reivindico esse direito, repito,, e, por muito que com os meus ataques faça sangrar a alma dos republicanos, nunca é meu intento feri-los. Cumpro assim um dever e presto ao meu País algum serviço, embora indirectamente o preste também à República e sobretudo aos bons e leais republicanos.

Sr. Presidente: não me alargarei mais em considerações a não ser para dizer, sobre o assunto que estava em discussão,

que S. Ex.3 o Ministro foi injusto, para não dizer que não quis dar o verdadeiro valor às minhas intenções, ao querer analisar e ao analisar — porque analisou e nesse direito estava — as minhas palavras.

Quando eu aqni verberei o procedimento da República, fazendo publicaríeis excepcionais, leis de circunstância que são todas aquelas que se acham fora da Constituição e fora do sistema normal de organizar os processos e de os fazer seguir até o seu termo, e\i queria apenas fazer notar —e isso aqui o afirmei tanta vez — como tem sido contraditória a obra da República, pondo em paralelo a acção no tempo da propaganda com a acção da realidade do regime, e examinando o que tem sido a administração republicana desde os alvores do regime, desde 5 de Outubro de 1910 até hoje, quer examinando a legislação da República, quer examinando a sua própria obra administrativa.

Foi isso que eu quis frisar e mais nada.

Leis de excepção houve-as na monarquia? Sem dúvida. Pois não foi esse o grito principal que fez entusiasmar as multidões que ouviam a palavra ardente dos tribunos nos tempos dos comícios?

(jOnde estava a sinceridade dos pregadores dos comícios?

l Então compreende-se que a esse ardor da campanha dos tempos da monarquia se corresponda pela forma como a República tem procedido, num regime constante de leis de excepções?

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ao Sr. Ministro da Justiça ouço dizer que era uma pessoa digna, honesta, absolutamente boa, tolerante, imparcial no exercício das suas funções de juiz, mas que quando passava a exercer a sua missão de polícia outra cousa era, outra personalidade era. Esse,desdobramento da personalidade do Sr. juiz Veiga é que eu nunca ouvi afirmar a ninguém. Cabe essa honra ao Sr. Ministro da Justiça.

E bem suspeita essa afirmação partindo dum antigo monárquico depois que em plena Câmara dos Deputados e por um representante socialista se declarou bem alto que era preciso fazer justiça a esse magistrado, a esse polícia tarn odiado e tam perseguido pelos republicanos no tempo da monarquia—o Sr. juiz Veiga. Foi o Sr. Ramada Curto quem proferiu estas palavras de justiça.'

Veja S. Ex.a que flagrante contraste.

O Sr. Ramada Curto milita no campo extremo da democracia e S. Ex.a pertence , a um partido que se diz conservador e ó o Ministro da Justiça!

Referiu-se S. Ex.a ao decreto de 31 de Janeiro.

Se S. Ex.a fosse convidado a dizer-me quais foram as vítimas desse decreto de 31 de Janeiro de 1908, do governo fran-quista, que dava não só jurisdição mas poderes discriminários ao Executivo e ao Juízo de Instrução Criminal, quem foi deportado para as colónias, quem sofreu os rigores dessa lei excepcional, não seria capaz -de me citar um único nome.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses) (interrompendo): — O decreto de 31 de Janeiro, que ó o mais violento e pouco tempo teve de existência, S. Ex.a sabe p que sucedeu. A monarquia revogou-o passados cinco dias.

O Orador: — Mas S. Ex.a referiu-se ao diploma de 21 de Novembro de 1907.

Desejava que S. Ex.a citasse uma única violência pratricada pelo juiz Veiga... ou por qurlquer outro juiz de instrução criminal da monarquia.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses) — Não é necessário, porque isso está no ânimo público.

O Orador:—Nós temos de discutir perante factos. S. Ex.a tem diante de si o tempo que julgue necessário para trazer a relação das vítimas do juiz Veiga. E assim que se argumenta, com factos, porque perante factos não há argumentos.

Ouvi dizer também ao Sr. Ministro da Justiça que eu, quando falei da morosidade das investigações e incomunicabili-dado rigorosa, fora de todas as prescrições legais que estão em vigor, quis por qualquer modo atingir a personalidade do Sr. juiz Alves Ferreira.

Ora, Sr. Presidente, se eu não conhecesse o Sr. Ministro da Justiça como distinto Senador que é, se não tivesse há muito tempo tomado conhecimento com S. Ex.a nesta casa do Parlamento, se não tivesse ouvido S. Ex.a bastas vezes e não conhecesse o seu carácter, a sua lealdade e sinceridade, diria que o Sr. Ministro da Justiça quis fazer uma insinuação, para o que não estava autorizado pelas minhas palavras, insinuação que iria colocar mal a minoria monárquica que eu aqui represento, porquanto nós o que desejávamos é que a investigação que se está fazendo seja de molde a concluir-se o mais rapidamente possível qualquer cousa de seguro sobre essa burla do Angola e Metrópole, em que nós com lealdade nos colocámos ao lado do Sr. Ministro da Justiça a fim de se acabar com esses abusos que têm envergonhado a.sociedade portuguesa.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses) (interrompendo}:— °Não estava no meu ânimo fazer insinuações.

A minoria monárquica é composta por pes'soas que muito estimo e respeito, e estou convencido de que os seus desejos são para que estes crimes sejam severamente punidos.

O Orador : — Sem dúvida que é esse o nosso, desejo.

Sr. Presidente: -a minoria monárquica o que faz pela minha voz é discordar do processo com que o Sr. Ministro da Justiça pretende assegurar, de qualquer modo, legítimos direitos contra prejuízos sofridos com a monumental burla.

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do que propriamente à minha situação de político.

E digo a V. Ex.a, digo novamente à Câmara, que estou pronto a colaborar numa obra tanto quanto possível perfeita no que diz respeito a este projecto, mas como entendo que ele teria de ser reformado inteiramente, completamente, foi esse o motivo por que apresentei a V. Ex.a e mandei para a Mesa um a proposta a fim de que uma comissão dentro da Secção estudasse o assunto de modo a apresentar um contra-projecto com a colaboração do Sr. Ministro da Justiça, que seria absolutamente imprescindível.

O Sr. Ministro da Justiça .e dos Cultos

(Catanho de Meneses) (interrompendo]:— S. Ex..a dá-me licença?

S. Ex.a compreende que o que eu esperava naturalmente das suas faculdades de jurisconsulto e do seu saber é queS.Ex.3, interessando-se por este assunto, como realmente se interessa, tendo parecer na respectiva Secção, apresentando aí emendas, fizesse com que o projecto íôsse melhorado.

Eu tenho muito gosto que S. Ex.a vá à Secção, e estou- convencido de que S. Ex.a, como ilustre jurisconsulto que é, há-de honrar-nos com a sua presença, dando—nos as luzes da sua prática e os ensinamentos do seu sabere

O Orador (continuando):—Sr. Presidente : vou acabar as minhas considerações fazendo esta declaração: afirmo a V. Ex.a, afirmo ao Sr. Ministro da Justiça, afirmo à Câmara, que dentro do meu limitado esforço, 'não abdicando —a não ser que argumentos poderosos me convençam do contrário— do meu critério de jurista que repele completamente esta proposta, estou pronto a colaborar nos trabalhos da Secção para que a proposta seja refundida ou beneficiada, tanto quanto é possível beneficiar qualquer trabalho legislativo.

Sr. Presidente: parece-me que assim, âca bem esclarecida a questão.

Ninguém tem o direito de duvidar da sinceridade das minhas palavras, ou da minoria monárquica, cujos sentimentos aqui traduzo, porque a nós todos, portugue-sés, deve unir apenas este grande desejo patriótico de fazer punir severamente esses criminosos que até certo ponto envol-

veram a nossa honra nacional nesse seu tenebroso plano. E mais do que isso.-Como muito bem disse o Sr. Ministro da Justiça, queriam concorrer para que se desnacionalizasse uma grande parte do nosso património colonial, que representa o sangue dos nossos antepassados, éampo heróico, onde se formaram tantos caracteres, onde se notabilizaram tantos homens e tam grandes valores se afirmaram, batendo-se pela civilização e engrandecimento do nome português.

Está presente um que mereceu do País a consagração mais ruidosa a que pode ter direito um homem que se sacrifica pela seu Pátria — refiro-me ao Sr. João de Azevedo Coutinho, meu ilustre correli-gio nário.

Apoiados de todos os lados da Câmara.

Quem tem um nome como S. Ex.a merece o respeito de todo o País, não pode esquivar-se à colaboração numa obra patriótica, numa obra que tem por fim castigar aqueles que, sem pejo, queriam fazer desaparecer parte do nosso património colonial.

Só assim corresponderemos ao glorioso esforço dos nossos antepassados, e não ficaremos na história com o apodo de maus patriotas.

São estes os sentimentos da minoria monárquica.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Artur Costa:— Sr. Presidente : há pouco, quando se produziu o pequeno incidente entre a minha pessoa e o Sr. Querubim Guimarães, já tive ocasião de pedir a V. E>:.a, Sr. Presidente, desculpa de ter perturbado um pouco o discurso do Sr. Ministro da Justiça, a quem-igualmente dirigi as minhas desculpas, porque, tendo-se travado entre mim e o referido Senador um diálogo, embora pequeno, S. Ex.a viu-se na necessidade de interromper o seu discurso e V. Ex.a, Sr. Presidente, com a correcção e bondade que o caracterizam nem sequer nos chamou à ordem, tanto a mim .como ao Sr. Querubim Guimarães.

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marães disse que no tempo da monarquia os criminosos eram castigados ao contrário do que sucede na República,

O Sr. Pedro Chaves, meu amigo, referiu-se nessa altura ao caso dos adiantamentos à Casa Real, e sobre essa frase do Sr. Pedro .Chaves o Sr. Querubim Guimarães reptou quem quer que fosse, dizendo estar pronto a discutir em qualquer hora e em qualquer parte o caso dos adiantamentos à Casa Real.

Houve mais umas palavras, e eu intervim, dizendo o que segue, que peço para ser ouvido com a máxima atenção :

Não se trata de República ou de monarquia, trata-se de criminosos, porque tenho dito muitas vezes que o facto de na República aparecerem criminosos não pode ser atribuído ao Regime, como eu nunca atribuí ao regime monárquico a responsabilidade da existência de criminosos que, por esse tompo, f os sem ou não enviados aos tribunais.

O que é preciso é que o regime não proteja os criminosos, ou não oculte os delitos praticados, porque isso o prejudica e pode mesmo causar-lhe a morte.

Apoiados.

Assim está certo.

Mas que se possa atribuir ao regime monárquico a falsificação de notas feita por um criminoso, o Conde de Penama-cor, isso não está certo, como também não está certo atribuir-se à República o crime da falsificação das notas do Banco de Portugal.

Nesta altura, o Sr. Querubim Guimarães despediu-me estas frases pouco maiá ou menos, ou pelo monos foi esta a interpretação que eu lhos dei:

«O senhor não tem autoridade moral para falar, porque se assim pensava, devia atacar a monarquia «mquanto ela existiu e, pelo contrário, V. Ex.a até a serviu, pois foi chefe do Partido Regenerador, em Figueira de Castelo Rodrigo».

Admito que um homem de bem seja monárquico até 5 de Outubro de 1910 e republicano depois dessa data (Apoiados) e tantos o foram.

Podia, portanto, estar incluído nosse número, mas não estava, e da vivacidade com que eu disse que S. Ex.a tinha 'sido falsamente informado resultou o pequeno incidente a que me estou referindo, não

porque eu considerasse isso uma desonra para mim, mas porque percebi das palavras do Sr. Querubim Guimarães o intuito de deminuir a minha autoridade moral impediudo-me de usar de um direito de fazer qualquer espécie de apreciações a quaisquer actos públicos da Monarquia.

Isso simv isso magoava-me, não só pela injustiça como pelo intuito com que eu julgava que era proferida aquela frase, mas o Sr. Querubim Guimarães foi correcto nas suas explicações, qne eu aceito.

Nunca na minha vida falei na minha própria pessoa, custa-me muito fazê-lo agora; nunca apregoei os meus serviços, pequenos ou grandes, prestados à República, nunca me servi deles para me impor fosse a quem fosse, e, se tenho a dar explicações sobre o meu passado ou sobre o .meu presente, é aos meus correligionários republicanos. A S. Ex.a quero dar apenas uma informação, quero dizer--Ihe que nunca fui chefe de nenhum partido na Monarquia. Vivi dezoito anos em Figueira de Castelo Rodrigo. Ato a proclamação da República foi chefe do Partido Regenerador o meu saudoso amigo Dr. Francisco António Soares de Vilhe-na, que era um homem de bem que eu muito considerava, o qual aderiu à República que serviu lealmente até a hora da sua morte.

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Aqui tem o Sr. Querubim Guimarães, em poucas palavras, a minha vida política em Figueira de Castelo Rodrigo.

Se o Sr. Querubim Guimarães me tivesse dito a mesma frase noutro tom e em outras circunstâncias, não me magoava.

Pela primeira vez falei hoje de mim. Espero e desejo que seja a última.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito sobre a generalidade.

Vai ler-se a proposta de adiamento.

Lê-se.

Posta à votação é rejeitada.

E lida e também rejeitada a moção.

É aprovada a generalidade da proposta de lei.

O Sr. Presidente : — A continuação desta sessão será amanhã à hora regimental.

Está interrompida a sessão.

Eram W horas é 10 minutos.

TERCEIRA PARTE

O Sr. Presidente (às lõ noras e 5 minutos}:— Está reaberta a sessão.

Vai ler-se o artigo 1.° da proposta n.° 55.

Leu-se.

O Sr. Herculano. Galhardo (para invocar o Regimento): — Pedi a palavra para lembrar a V. Ex.a que não está presente o Sr. Ministro da Justiça, sem a presença do qual sã nuo pode entrar ca discussão da proposta.

O Sr. Presidente:—Vou chamar S. Ex.a

Entra na sala o Sr. Ministro da Justiça. . Foi posto em discussão o artigo 1.°

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catacho de Meneses):—Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa uma proposta para que o artigo 1.° ocupe o lugar do 2.° e este o do 1.°

Foi aprovado o artigo 1.°

Foram sucessivamente lidos e aprovados os artigos 2.°, 3.° e 4S

Foi lido e posto em discussão o artigo ô.°

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses):— E para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento à alínea d) do artigo 5.°

Foi lida e admitida.

Ê a seguinte:

Proponho que na alínea d) do artigo 5.°, om seguida

O Sr. Joaquim Crisóstomo (para interrogar a Mesa,}:—Pedia a V. Ex.a a fineza de me dizer em que altura vai a discussão, visto hoje a sessão ter sido aberta matematicamente às 15 horas, para saber se ainda posso enviar para a Mesa uma proposta aos artigos 1.° e 2.°

O Sr. Presidente : — Tenho a certeza que o Senado tem tanto empenho como V. Ex.a em que esta proposta, como todas as outras, saia o mais perfeita possível.

Mas. como já vamos no artigo 5.°, o mais que posso fazer é consultar o Senado sobro se admito a proposta de V. Ex.a

O Sr. Joaquim Crisóstomo:—Isso não pode ser, visto já estarem aprovados artigos que estão em manifesta oposição com as minhas propostas.

No emtanto devo dizer a V. Ex.a que não contava que a sessão abrisse antes das 15 horas e 15 minutos.

O Sr.. Ferraz Chaves (para interrogar a Mesa]:—Pedia a V. Ex.a a fineza de me dizer em que altura vai a discussão.

O Sr. Presidente:—Está em discussão o artigo 5.°

O Sr. Machado Serpa:—Como V. Ex.a além de Presidente do Senado é também Presidente da 2.a Secção, pedia a V. Ex.a a fineza de me dizer &e além destas emendas, que vão baixar à Secção, outras ainda &í se podem apresentar.

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(Catanho do Meneses) (para explicações] : — Sr. Presidente: creio que, segundo a lei n.° 1:154, da primeira vez que o projecto, vindo da Câmara dos Deputados, baixa à Secção se podem apresentar todas as emendas e alterações.

Depois vem o projecto a esta Câmara para se discutirem essas emendas.

As primeiras emendas vão à Secção e ás que depois se apresentam são discutidas na. sessão.

Estamos em sessão plena, apresentaram-se agora emendas ...

O Sr. Presidente: — E vão à Secção.

O Orador:—Pregunto: ^nessa Secção não se podem fazer emendas diferentes?

O Sr. Presidente:—Pode.

O Orador:—Mas não sobre os artigos aprovados já.

Peço a esclarecida atenção de Y. Ex.a para o artigo 1.°, § 4.°, dalein.0 1:154 que diz:

«As emendas, alterações ou substituições apresentadas nas sessões plenas em assuntos sobre que tenha havido deliberação das Secções serão submetidas novamente à apreciação destas».

São as emendas, alterações e substituições.

Fazer-se novas emendas, novas alterações nas Secções, não se pode; o que se pode é, a propósito dessas emendas, alterá-las ou modificá-las. Assim, parece-me, é que está bem.

O Sr. Presidente :—; Os artigos já aprovados não podem sofrer alterações.

O que a Secção tem de apreciar são as emendas apresentadas aqui. Pode não aceitar essas emendas, pode emendá-las e apresentar outras.

Depois essas alterações feitas na Secção vêm aqui para serem discutidas. Pode depois apresentar-se novas emendas, mas a proposta já não volta à Secção.

O Orador: — Parece-me que V. Ex.a corrobora a minha opinião: é que a dis-

cussão na Secção tem de versar unicamente sobre as alterações, emendas e substituições aqui feitas. Agora versar a questão sob novas emendas diferentes daquelas que se apresentaram aqui, não.

Qúore dizer, sobre as emendas a Secção pode aceitar a matéria, ou substituir essa matéria por outra.

Agora tocar em outras emendas relativas a assuntos que aqui não tenham sido • tocados, não.

O Sr. Presidente: — É só sobre as emendas apresentadas que pode incidir a discussão.

Foi lido e aprovado o artigo 6.°

Leu-se o artigo 7.°

O Sr. Ferraz Chaves manda para a Mexa v/ma emenda que é lida e admitida.

É a seguinte:

Proponho que no artigo 7.°, em seguida às palavras «Vasco da Gama» se acrescente «e os».

Leu-se p artigo 8.°

O Sr. Ministro da Justiça apresenta as seguintes propostas:

Proponho que em "seguida aos artigos 7." e 8.° se acrescenta o seguinte artigo novo:

«Os arrolamentos efectuados nos termos dos artigos 7.° e 8.°, quando se não realizem em bens pertencentes ou em poder do Banco de Angola e Metrópole, constituem, em rolação às pessoas ou entidades a que os mesmos artigos se referem, prescrições do responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal ou dividida de actos ilegais, que podem ser ilididos pela prova em contra-' rio». — Catanho de Meneses.

«Proponho que no artigo 8.° se substituam as palavras «em poder de todas as pessoas» por estas: em poder das pessoas» e que se eliminem as palavras «por quaisquer pessoas ou entidades».— (7a-tanlio de Meneses.

«Proponho ainda que no mesmo artigo 8.° se substituam as palavras finais «ou dos mencionados arguidos» por estas : ou das pessoas a que se- refere o artigo anterior». — Catanho de Meneses.

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São lidas e admitidas uma proposta do Sr. Machado Serpa, e três propostas do Sr. Ministro da Justiça.

São as seguintes:

«Proponho que no artigo 9.° se substituam as palavras «pelos referidos arguidos» por estas : «pelas pessoas ou entidades a que se referem os artigos 8.° e 9.°». —Catanho de Meneses.

«Proponho que ao artigo 9."° se acrescente mais um parágrafo assim redigido: Se o promitente vendedor tiver procedido de boa fé e se provar que o valor actual dos respectivos bens é inferior ao preço ajustado, o mesmo promitente só será responsável pela quantia que recebeu como sinal, deminuída a diferença entre esta e o referido valor». — Catanho de Meneses.

«§ único. A acrescentar ao final do § único: devendo, porém, o arrolamento limitar-se aos bens que constituíam o objecto do contrato quando, em face das circunstâncias dos casos, se não prove a má fé do promitente vendedor». — Machado Serpa.

«Proponho que no artigo 9.° se substituam as palavras «pelos referidos arguidos» por estas : «pelas• pessoas ou enti-, dades a que se referem os artigos 8.° e 9.°».— Catanho de Meneses.

O Sr. Ferraz Chaves: — Sr. Presidente : unia das razões que me levou a pedir o adiamento da discussão deste assunto na sessão de sexta-feira passada, foi precisamente a redacção deste artigo.

Chegou ao meu conhecimento e eu pedia a V. Ex.a que chamasse a atenção da Câmara porque o assunto é de importância — chegou ao meu conhecimento que na massa do Banco Angola e Metrópole há haveres que se encontram nesta circunstância : — o contrato realizado, o preço pago integralmente; simplesmente não está feito o documento de compra e venda.

Como tive a honra de dizer aqui, esta informação chegou ao meu conhecimento à última hora, e nessa ocasião surgiu-me esta dúvida : — determinando o código civil que o contrato de compra e venda de

objectos imobiliários só é válido quando conste de documento notarial, eu tinha dúvidas sobre se esses haveres podiam ser incluídos neste artigo que se refere só aos contratos de promessa de compra e venda.

Evidentemente, se o documento que devia regular e dar existência jurídica ao contrato, existisse, então não havia dificuldades porque os prédios nessas condições eram pertença do Banco e abrangi-,, dos portanto pelos artigos 1.° e 2.°

Mas a minha dúvida era o seguinte : — não existindo legalmente essa venda, mas estando realizado o pagamento, só poderia ser classificada como promessa de compra e venda.

Parecia-me que não se poderia incluir rigorosamente,- neste contrato, porque o pagamento estava realizado na entrega.

Essas dúvidas desapareceram, visto que no artigo 1:548 do Código Civil, que define o contrato de promessa de compra e venda, vejo apenas duas condições : — é a determinação do preço e a especificação da cousa.

Ora se o Código Civil não distingue, nós não podemos também distinguir se há ou não princípio de pagamento ou pagamento total.

Nestas condições nenhuma dúvida resta ao meu espírito de que esses contratos estão abrangidos no artigo 9.° como contratos de promessa de compra e venda, porque para que a promessa de compra e venda exista basta que haja determinação de preço e especificação da cousa, não importa que haja começo de pagamento ou que haja realização integral desse pagamento ; isso não influi em nada para a definição do contrato e portanto entendo estarem incluídos neste artigo.

Se usei da palavra foi para levantar a dúvida, mostrar qual é o meu critério neste assunto para que ele fique consignado na discussão e haja assim, de futuro, um elemento de interpretação.

Peço pois à Câmara, mesmo porque eu sei cue algumas dúvidas |se têm levan-

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tado sobre este caso, qneL se chegue a uma conclusão exactamente para que os elementos de interpretação! sejam mais completos.

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mais tarde de se servir das actas para conhecer o espírito e o pensamento do legislador — que se considera esta interpretação integrada no artigo 9.° ou seja que se consideram como perfeitos compromissos de compra e venda todos os contratos feitos pelo Banco Angola e Metrópole em que haja pagamento integral ou parcial, mas de que não haja documento que legalize esse contrato.

Sr. Presidente: dos casos de que tive conhecimento,'não me souberam informar se tinha chegado ou não a ser paga a contribuição de registo devida por essa aquisição, mas a falta de pagamento dessa contribuição não anula o contrato. Se foi paga a contribuição de registo e não se realizou o contrato definitivo há lugar a requerer a sua restituição, devendo essa importância pertencer à massa do Banco e ser portanto arrolada.

Eram estas as dúvidas que quis apresentar à Câmara, a fim de que se saiba qual é a interpretação do Senado ao votar este artigo.

, O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Estou de acordo com a doutrina que acaba de expender o ilustre Senador Sr. Ferraz Chaves e isto pela seguinte razão: é que o artigo 1548.° do nosso Código quando fala no sinal passado não determina que o sinal abranja todo o preço da cousa comprada.

O Sr. Machado Serpa: — Desde que se combine um contrato ou tome um compromisso de compra e venda, entende-se que é contrato emquanto não for feita em definitivo a transacção por meio de escritura.

Por este motivo estou de acordo com o parecer do Sr. relator e do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente : exactamente porque não tenho facilidade em compreender estas cousas é que tenho dúvidas acerca da conclusão a que chegaram os Srs. Ferraz Chaves e Ministro da Justiça.

A minha dúvida tem razão de ser.

Ora suponha V. Ex.a que se começou a realizar um contrato, ou antes, que se realizou um contrato e que nesse contrato

há uma cláusula expressa que diz que o pagamento será feito em tais e tais termos, e que, se essa cláusula não for cumprida o contrato não é válido.

Não • é bem o caso que o Sr. Ferraz Chaves apresenta, não é o caso da promessa de venda, é o caso de venda efectuada em termos claros e precisos em que diz que, se o pagamento não for feito em determinadas condições ou prazos, o contrato não é válido.

Esta hipótese pode dar-se e eu permito--me apresentar estas dúvidas ao Sr. Ferraz Chaves para que S. Ex.a as aprecie e esclareça.

O Sr. Machado Serpa: — Sr. Presidente : também agora surgiu ao mesmo espírito outra dúvida relativa à disposição que manda arrolar os bens suficientes para garantia da quantia recebida como sinal e princípio de pagamento.

O Sr. Ministro já mandou uma proposta sobre o caso. Está bem; mas suponhamos agora esta hipótese — e não tenho vergonha em dizer que conheço um caso perfeitamente ajustado a estas duas considerações e um caso em que eu acho que o promitente vendedor tem, como se costuma dizer, carradas de razão.

Suponhamos que o prédio que constitui objecto de contrato ou compromisso de compra e venda pertence a vários pró-' prietários e que está indiviso, e suponha-^ mós também que um dos co-proprietários quer entregar à comissão liquidatária a parte respeitante ao quanto que recebeu de sinal — a sua cota parte — e que os outros não querem, pois a lei não impõe essa obrigação, ou não podem. ' Pregunto eu: ^há-de admitir-se que o co-proprietário possa entregar à comissão, não entregando os outros?

Como V. Ex.as compreendem isto vai depreciar grandemente o valor do prédio, porque, geralmente, ninguém quer arrematar prédios com encargos, e muito especialmente quando se trate de encargos com o Banco Angola e Metrópole.

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responder a S. Ex.as; é tam somente, dada a minha qualidade de relator, dizer alguma cousa embora sem autoridade jurídica para o fazer.

Não apoiados.

Devo dizer ao ilustre Senador Sr. Her-culano Galhardo que, em minha opinião pessoal, no meu espírito não há dúvida de que o contrato, tal como S. Ex.a o formulou, é um contrato de compra e venda com penalidades no caso de um dos contratantes não cumprir com as obrigações "a que se submeteu. Existem muitos contratos desta natureza, e V. Ex.a sabe que as sociedades que emitem acções ou obrigações fazem sempre a declaração, quando o pagamento é feito em prestações, de que quando haja algum comprador que não pague na altura devida uma prestação perde as outras prestações.

Parece-me que o Sr. Herculano Galhardo preguntou se considerava para o efeito o estar ou não o documento feito. Se se trata de transmissão de valores imobiliários e existe o documento respectivo, trata-se de um contrato de compra e venda, o resto são condições de pagamento como podem existir outras condições.

O Código só estabelece a especificação da cousa e determinação de preço. Esta é a minha opinião e qualquer das hipóteses está abrangida no projecto.

Se houver o princípio de pagamento e se não tiver cumprido a cláusula de realizar outra prestação do pagamento, claro que devem ser arroladas as quantias já pagas e, como V. Ex.a sabe, pelo projecto , suspondem-se todos os prazos a respeito de qualquer contrato com o Banco Angola e Metrópole, e portanto é à comissão que pertence averiguar se convém realizar o pagamento ou rescindir o contrato.

O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo')'.— esteja quási pago, que lhe falta apenas pagar uma prestação e suponhamos que o Banco foi surpreendido com a crise no momento em que devia pagar a última prestação, se.não pagasse a última prestação perderia as nove que já tinha pago?

O Orador : — Na minha opinião é arrolada e-a comissão fará o que entender.

Respondendo ao Sr. Machado Serpa devo primeiro acentuar que, por maior que seja a nossíi boa vontade e por mais profundo que seja o estudo que se fizer e a competência das pessoas que fizerem esse estado, não é possível prever todas as hipóteses que poderia surgir.

Eu lerubro-me de que um pensador profundo fez a afirmativa curiosa de que as leis só servem para coagir aqueles que honestamente querem cumpri-las e não são entrave àqueles que têm o propósito de as iludir. Efectivamente diz um aforismo que feita a lei nasce logo o artifício para a iludir.

Desta maneira por mais que queiramos cercar de cuidados este ou qualquer outro 'projecto, sempre é possível encontrar maneira de fugir à lei. Até na classe a que eu já pertenci, a de advogado, ó considerada como qualidade primacial a de saber fugir à lei.

Quanto à hipótese do Sr. Machado Serpa parece-me que ela não é para considerar aqui no nosso projecto.

Com efeito nós estabelecemos aqui os princípios para o arrolamento, liquidação e administração da massa do Banco Angola e Metrópole.

Nós aão podemos ter a pretensão de alterar todas as disposições do Código Civil. Tudo o que diga respeito à propriedade, a usufruto ou a quaisquer outros encargos, tem de ser regulado pelas regras gorais de direito. Deus nos livre que queiramos ir prevor todos os casos que podem surgir, porque teríamos de fazer um código só para este caso do Banco Angola e Metrópole.

Portanto para a hipótese apresentada pelo Sr. Machado Serpa não há mais do que fazer aplicar os princípios gerais de direito.

Portanto, Sr. Presidente, qualquer que seja a nossa vontade, não podemos prever todas as hipóteses e nas apresentadas pelo Sr. Machado de Serpa, só temos que aplicar os princípios gerais de direito.

Tenho dito.

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S. Ex.a se referir ao que eu apresentara e ao aparte do Sr. Joaquim Crisóstomo, fiquei por momentos esmagado pela autoridade de S. Ex.as; .mas indo a seguir ler o artigo a que os ilustres Senadores fizeram referência, permito-me continuar na minha dúvida.

O artigo 6.° —e foi com ele que os ilustres Senadores pretenderam sossegar o meu espírito — diz o seguinte:

Leu,

Ora, falta aqui uma hipótese que ó exactamente a minha: — «os prazos que tivessem decorrido» não estão abrangidos.

O Sr. Ferraz Chaves (interrompendo}: — Eu entendi que era melhor abranger todos os prazos, mas a redacção não diz efectivamente,- isso.

O Orador: — Eu sei que um ilustre antagonista meu disse aqui há dias que o «espírito jurídico era tal, que quando na disposição da lei não estivesse expressamente a, hipótese considerada, lhe era sempre possível suprir a falta».

O Sr. Querubim Guimarães (interrompendo] : — Mal de nós . se assim não fosse...

O Orador: ;— Não vai nas minhas palavras nem tive no pensamento nada des-primoroso.

Verifico que no artigo 6.°, já votado, não está a hipótese por mim prevista, e portanto parece-me que é no artigo em discussão que a falta se deve remediar. Pode já estar paga outra prestação e ter decorrido o prazo de pagamento e em todo o caso, nós ficamos sem a propriedade e os nove décimos já pagos da importância da compra.

O Sr. Ferraz "Chaves (interrompendo'):— Sem a propriedade, sim; sem os nove décimos, não.

O Orador: — Há uma cláusula que diz que o pagamento se fará por prestações e se não se pagar, o contrato ficará sem efeito.

O Sr. Ferraz Chaves:-—Mas as quantias respectivas não deixarão de ser arroladas.

O Sr. Herculano Galhardo:—Mas como este artigo se refere à promessa de venda e não à venda realizada ; . .

O Sr. Ferraz Chaves :—Para a venda realizada há o artigo 7.° Portanto, se há um contrato de venda, não temos que considerar a promessa de venda.

O Sr. Herculano Galhardo:—A dúvida está posta e espero da competência jurídica dos meus ilustres colegas que atendam a minha dúvida, e' procurem pôr o Estado ao abrigo de qualquer contingência desta ordem.

Tratando-se, como disse o Sr. Ferraz Chaves, de um contrato de compra e venda, e podendo haver no contrato uma cláusula expressa em que se estabelece que, faltando o comprador ao pagamento de uma só prestação que seja, perde o direito não só à cousa vendida como às prestações pagas, pregunta-se: £ vamos arrolar as prestações pagas, como disse o Sr. Ferraz Chaves?

O Sr. Ferraz Chaves : — Evidentemente.

O Orador: — O meu receio fundamenta--se no espírito jurídico, que não tenho.

O Sr. Ministro da Justiça e. dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Foi com certo temor que pedi a palavra visto as últimas expressões do ilustre e talentoso Senador Sr. Herculano Galhardo.

S. Ex.a disse: o que eu temo é a argúcia ou o que quer que seja dos advogados.

Sei bem que foi uma frase que não pretendia atingir-me. . .

O Sr. Herculano Galhardo: — Nem a V. Ex.a nem a nenhum advogado, pois entendo como principal dever da sua missão usar de toda a argúcia e de toda a inteligência para que os interesses dos seus constituintes sejam defendidas à ou-trance.

O Orador: — Nem nós estamos aqui na barra a defender quaisquer constituintes.

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Diário das Sessões do Senado

S. Ex.a disse : suponhamos que há, uni contrato de compra e venda já completo, perfeito como se costuma dizer na lei, unia promessa aceita e que constitui um contrato em que se determinou que, por exemplo, a falta de pagamento de uma das prestações fizesse com que o contrato ficasse sem efeito absolutamente e a penalidade seria, porventura, que as prestações dadas seriam perdidas em benefício daqueles que as tinham recebido.

Diz-se à vista deste artigo:

Trata-se efectivamente de prestíições já dadas e portanto inclui-se no artigo 9.c

Ora, salvo o devido respeito, a minha opinião é que ó artigo 9.° não abrange semelhante objectivo e não abrange por dois motivos: o primeiro porque não se trata de um contrato de promessa de compra e venda e o segundo é que, como frisou o ilustre Senador, podia ser adquirido por duas formas; ou o Banco foi comprador e isso está previsto no artigo 9.u ou o Banco foi o vendedor.,

Os contratos que estão legalmente celebrados, aevem ser pontualmente cumpridos ; ou o Banco ó comprador ou é vender.

O orador não reviu.

O Sr. Machado Serpa: — Sr. Presidente: yalvo melhor parecer, a dúvida exposta pelo Sr. Herculano Galhardo não embaraçará grandemente a comissão como instância de julgamento, porquanto a ela compete, se assim o entender, rescindir os contratos. Se a comissão pois, se vir embaraçada, ela rescindirá os contratos.

Tenho dito.

O Sr. 0. Tomás de Vilhena: — Sr. Presidente: este artigo 9.° não pode deixar passar-se sem o meu protesto, porque inegavelmente é das deliberações mais extraordinariamente injustas de que reza a legislação portuguesa.

Eu não tenho nada com isto, nem ninguém da minha família. Levo uma vida pacata, ando muito afastado'de negócios de bancos e não me meto em empresas ; vivo cá com a minha sopa. vaca e arroz e não ando com especulações, e certamente que já não é nesta altura da minha vida que eu me meto em cavalarias altas, e toda a gente que quere ganhar muito dinheiro não mexe comigo.

Eu até não gosto de ser muito rico e ser apenas remediado, porque, desta forma, estou livre das sensaborias quê apanham as pessoas possuidoras de grandes capitais.

Mas, Sr. Presidente e meus senhores, eu estou aqui para defender a causa pública, e se quero que os poderes públicos sejam implacáveis para com os bandoleiros do Banco Angola e Metrópole que cometeram mais que um crime de burla, porque a sua acção constitui um verdadeiro crime de lesá-pátria, crime esse que se o dissesse aqui até os cabelos de V. Ex.as se poriam em pé- ..

O Sr. Herculano Galhardo (em aparte):— Mas, Sr. Senador, aqui na Câmara ninguém lhe pede que se cale.

O Orador: — Uma das cousas que me consta com todos os visos de verdade ó que essa gente havia adquirido 200:000 espingardas, e essas armas não se destinavam certamente a manter a ordem pública, nem a restaurar a Monarquia ou a estabelecer o fascismo em Portugal, mas com intenções muito contrárias à integridade da Pátria portuguesa.

Mas, Sr. Presidente, e continuando, se eu quero, repito, todo o rigor para esses miseráveis bandidos traidores à Pátria, não quero que a propósito desse crime se esteja a transtornar um sem número de pessoas que de boa fé transaccionaram com essa gente e que podem ficar arrasadas. Por isso quero que o legislador faça uma lei justa.

Demais a,mais o Banco foi constituído segundo ouço dizer com a devida autorização. Com esse Banco ou gente dele, houve pessoas que transaccionaram propriedades, recebendo o competente sinal.

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as circunstâncias lhes determinaram; e, de resto não tinham que investigar da sua proveniência: quem faz uma venda não vai incumbir a polícia de saber a proveniência do dinheiro, demais a mais quando se trata de pessoas que figuram como dirigentes dum Banco que o Estado considera legalmente constituído :

Isto, Sr. Presidente, é uma violência espantosa, é mesmo um acto revoltante.

^ Então uma pessoa vai na melhor boa fé vender alguma cousa a esses sujeitos, recebe um sinal como garantia de negócio, estabelecendo condições e prazo para a legalização dele, e vai-se lhe agora exigir a restituição do sinal?

Não é legítimo, Sr. Presidente.

0 que costuma a suceder nestes casos é o promitente vendedor ficar com o sinal, visto a outra parte não ter cumprido o contrato dentro do prazo estipulado, assim como se se desse o inverso, isto é, se o promitente vendedor se recusasse a assinar a escritura de venda dentro do prazo combinado teria de restituir-o dobro do sinal recebido.

Por consequência não se fez a venda, a criatura dispõe desse signal como quis ou como lhe aprouve, e agora não lhe ó posísvel restituí-lo.

1 Se ela não tiver outros meios, e .se já não tiver esse dinheiro, como é que se lhe pode exigir?

Trocam-se apartes.

O Orador: — Este artigo precisa ser emendado.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses):— Ouvi as considerações feitas pelo Sr. D. Tomás de Vi-Ihena.

O ilustre Senador cita como exemplo uma pessoa de boa fé que não conhecia, nem podia conhecer, pelas circunstâncias em que se encontrava, a situação do Banco Angola e Metrópole, quere dizer a situação de um Banco cujo capital estava representado em notas, falsas e fazia o pagamento também em notas falsas.

Dava-se portanto a circunstância de a pessoa que recebia as -notas não saber

que elas eram falsas, como não sabia também a situação do Banco.

O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo) : — A propósito de notas, falsas ouça V. Ex.a

Poucos dias antes de estalar este estampido do Angola e Metrópole pagaram--me uma letra de venda de sal no Banco de Portugal. Fui receber lá o dinheiro, e deram-me cinco notas de Vasco da Gama, das tais.. :

O Orador: — Se V. Ex.a puder provar serem falsas as notas que lhe deram no Banco, pode exigir que ele lhe de notas boas, da mesma maneira que eu, se for a um estabelecimento de relojoaria e me venderem um relójio como sendo de prata e se eu depois verificar que ele não é, posso exigir que dêem um relójio de prata.

O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo)''— Estava eu bem arranjado ...

O Orador:—A hipótese suscitada por V. Ex.a é realmente de atender.

A nota vale pelo que vale. Se a nota é falsa, ela não tem valor absolutamente ne nhum e não se pode pedir a ninguém que a troque, por melhor aparência que tenha.

A este propósito sou contra a opinião expendida por alguém, julgo que nesta Câmara, que-dizia que as notas não eram falsas por que eram todas iguais.

Ora não é assim, visto que a sua emissão não estava autorizada.

V. Ex.a cita o caso do vendedor receber uma determinada quantia, é de supor em notas falsas, que foi depois trocar ao Banco de Portugal, estabelecimento este que trocou 90:000 contos de notas falsas e quando viu que não podia trocar mais, parou com essa operação.

Mas, há-de este vendedor de boa fé não ter meio de ressarcir os seus prejuízos de maneira que concilie os seus interesses com os interesses do Estado, visto que o Estado tem partilha por metade dos lucros desta sociedade anónima que "é o Banco de Portugal? Não.

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mas passados tempos, o como agora sucede, o Banco não pode pagar o resto, embora em notas falsas, porque o seu funcionamento foi proibido.

E como não pode pagar, e como ao mesmo tempo as notas eram falsas, dir-se -ia aqui ao § único, que Cio tinha de restituir aquilo que recebeu.

Mas por outro lado, sendo certo que ele procedeu de boa fé e que há um prejuízo para o promitente vendedor, é preciso que a este só dê uma satisfação do maneira a ressarcir, pelo menos em parte, os seus prejuízos.

De doas, uma: ou o vendedor do prédio, ao tempo em que se fez o contrato de compra e venda, é maior; ou então dá-•se a hipótese contrária.

Neste caso, desde que se prove que o valor actual do objecto vendido é menor que o valor que esse objecto tinha ao tempo em que se fez o contrato do promessa de compra, a obrigação será a de restituir o sinal, mas deduzindo dele a parte correspondente à diferença entre o valor actual da propriedade e o valor da mesma, quando a promessa do compra, e venda se realiza.

Quere dizer, restitui-so o depósito, deduzindo a parte correspondente à desvalorização.

O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo):— Imagine Y. Ex.a que o sinal foi dado em notas boas.

<_ p='p' boas='boas' ine='ine' as='as' se='se' ou='ou' eram='eram' notas='notas' quem='quem' garante='garante' más='más'>

O Orador: — Eu parto do suposto, aliás natural, que o banco não tinha senão notas falsas em carteira.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Como garante V. Ex.a isso?

O Orador:—V. Ex.a é maito boa pessoa, mas não me deixa .acabar os meus raciocínios.

O Sr. D. Tomás de Vilhena:—Desculpe-••me V. Ex.*, mas eu pensava que interrompendo-o facilitava a exposição das suas ideas.

O Orador i—Nunca me facilitou a exposição dás minhas ideas o interrompe-

rem-me, tendo eu afinal toda a cortesia para com V. Ex.a

E se bem que com essas interrupções possa, muitas vezes, cortar o fio do meu raciocínio, V. Ex.a pode no emtanto interromper-me sempre.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: — Desculpe-me V. Ex." interrompê-lo por mais esta vez.

E um princípio de moral não fazer aos outros aquilo que" não desejamos que nos façam.

Eu gosto muito que me interrompam, e por isso pensava que lhe seria agradável.

O Orador:—Mas V. Ex.a tem qualidades, excepcionais que não possuo.

E claro que não posso seguir com tanta firmeza, o lio do meu raciocínio, como seguiria se essas interrupções não viessem.

Mas, porque devo atenções a todos os membros desta Câmara, eu devo sacrificar a minha exposição às interrupções que V. Ex.is me desejem fazer.

Mas, como eu ia dizendo, não se sabe se as notas são boas, se são falsas.

Há, na frase de S. Ex.a, uma baralhada. £ Como decidir o assunto? ^Considerar todas as notas como boas?

Não, porque V. Ex.a admite a hipótese de que podem ser más.

Considerá-las como más?

Não, porque V. Ex.a admite a hipótese de que. em parte, podem ser boas.

O mais razoável ó adoptar urna regra que se aproxime tanto quanto possível de uma justa conciliação de interesses. Como há uma diferença entre o valor da propriedade ao tempo em que se realizou o contrato e a situação actual, visto que o contrato não se realizou, o vendedor não oca prejudicado e o Estado não o fica também, porqub a propriedade não pode ser vendida sem que haja prejuízo.

O Sr. Vicente Ramos:—

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promessa de compra e venda.

Agora diz V. Ex.a:

Nesse caso, não é obrigado a mais nada.

O Sr. Herculano-Galhardo: — Com essa maneira de resolver a questão ó que eu não concordo.

Eu o que julguei que V. Ex,s tinha dito era que se o vendedor tivesse recebido um signal. suponhamos, de 20 contos, quando o valor da venda era de 200 contos, actualmente, sendo esse valor de 100 coutos, teria de responder por metade do sinal. Mas não é isso afinal que V. Ex.a diz.

O Orador: — Suponhamos que a venda do prédio foi ajustada por 100 contos, não, se chegando a realizar a escritura.

Agora, indo o prédio à praça já não chega aos 100 contos, mas apenas a 80 contos. Evidentemente, o vendedor perdeu 20 contos. Tem de se descontar, dos 80 contos, 20; e 60 contos é o saldo a entregar.

O Sr. Herculano Galhardo : — Quere dizer, se tiver recebido um sinal de 15 contos e a diferença for de 20, não entrega nada.

O Orador:—Evidentemente.

O Sr. Herculano Galhardo :—Pois ó com isso que eu não concordo.

O Sr. Ferraz Chaves: — Sr. Presidente: eu prendi tanto a minha atenção à proposta de lei em discussão e à maneira como a mesma discussão tem decorrido, que se deu comigo um facto curioso: quási que sonhei. Pareceu-mo recuar muitos anos, supondo-me de capa e batina a assistir a uma sabatina na Universidade. "Mas depois, olhando para as figuras e perdendo um pouco a noção da decoração da sala, eu julguei-me, não perante o Sr. Ministro da Justiça, no Parlamento da República, mas no escritório do distinto advo-

gado Sr. Dr. Catanho de Meneses, respondendo aos seus clientes, pois o que se tem feito não é discutir um projecto, mas consultar um advogado.

Interrupção do Sr. Joaquim Crisóstomo, que não se ouviu.

O Orador: — Nós não estamos aqui a discutir casos especiais, não há lei que possa prever todas as hipóteses, e estou vendo que se traz para a discussão um assunto que já está na nossa legislação.

Como V. Ex.as sabem, quando alguém compra da melhor fé um objecto que ipi furtado e quando a polícia chega a ter conhecimento do possuidor, o indivíduo que comprou perde o objecto; quando um contrabandista vende um objecto de contrabando, quem compra o contrabando, se é apanhado, perde o objecto sem direito a indemnização.

Pregunto: há direito de se estabelecer distinção entre aqueles que compram objectos de boa fé e aqueles que compraram qualquer cousa aos burlões do Angola e Metrópole?

NSo me parece, que soja de considerar este caso, porque então teríamos de revogar todas as leis que mandam apreender os objectos roubados aos indivíduos que os compraram de boa ou má fé.

O Sr. Ministro da Justiça já deu um passo para transigir, passo que eu talvez não desse, porque entendo que a comissão é que tem de julgar,

Eu entendo que a função de legislar é para os casos em geral, e não para cada caso que apareça; para isso lá estão os tribunais.

Não vejo necessidade de considerar essa hipótese, nem vejo necessidade da emenda do Sr. Ministro da Justiça; assim não conseguimos resolver todas ns hipóteses e não é, repito, para estar a resolver casos especiais que o Parlamento reúne.

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Diário âas Sessões do Senaâo

preocupe absolutamente nada de ser eu que apresente esta proposta de emenda. Eu não perco, pelo facto de pertencer ao Executivo, a minha qualidade de Senador, e é nessa qualidade que as propostas são mandadas para a Mesa. E, Sr. Presidente, que não fosse nessa qualidade, eu não podia nem devia ter decerto outra preocupação que não fosse a de melhorar tanto quanto possível esse projecto, de modo que se harmonizassem os interesses lesados o os interesses do Estado, sem nos preocuparmos se uma proposta vem deste ou daquele lado da Câmara, se foi o Poder Executivo que a apresentou ou se foi um Senador que a mandou paia a Mesa.

Não me melindro -porque qualquer das propostas que mandei para a Mesa, e que o Senado teve a deferência de aceitar, seja rejeitada in limine ou modificada. Acima de tudo há o interesse do País e o respeito imenso que eu tenho por esta Câmara.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Não tencionava discutir o ponto de vista exposto por cada um dos ilustres Senadores qae têm estudado e versado a dúvida suscitada pelo Sr. Herculano Galhardo.

Eealmente afigura-se-me que procedem as considerações do Sr. Ferraz Chaves, na parte respeitante à impossibilidade de se formularem todas as hipóteses que podem ocorrer, mas as leis devem ser feitas com a maior perfeição possível.

Visto que se suscitou a nova hipótese apresentada pelo Sr. Herculano Galhardo, parece-me que o nosso dever é consignar um preceito, de forma a que a lei não ofereça dúvidas a esse respeito.

A afirmação do Sr. Ferraz Chaves de que nunca dum facto ilícito pode resultar mais tarde um direito, não é assim.

Dk o Sr. José Alberto dos Eei^, a p. 340 do seu livro Títulos ao portador:

Leu.

A nossa legislação é uma das que a repelem, e repele-a porque o artigo 533.° do Código Civil determina o seguinte:

Leu.

Quanto às notas do Banco Angola e Metrópole não há dúvida de que ainda não decorreu o prazo necessário para a prescrição a favor dos possuidores de boa fé.

Que as notas sejam nulas estamos de acordo, mas da nulidade não deve resultar prejuízo para os que negociaram de boa fé.

Isto é que parece justo, e todas as leis devem obedecer ao princípio da justiça e nunca traduzir paixões de momento.

Há ama má vontade absolutamente justificada contra os burlões, mas porque muito boa gente tratava com eles, desconhecendo a burla, nós não podemos condenar esses indivíduos de maneira idêntica aos burlões.

Parece-me pois que o que há a fazer é distinguir entre os que procederam de boa fé e os que procederam de má fé e dessa distinção resultam situações diferentes.

O possuidor de má fé não pode fazer seus os frutos do objecto, ao passo que o possuidor de boa fé pode colher os frutos.

Nestas circunstâncias entendo que, sendo muito aceitáveis as considerações formuladas pelo Sr. Herculano Galhardo, precisa de sor muito estudado o assunto...

O Sr. Herculano Galhardo (interrompendo):— &V. Ex.a dá-me licença?

V. Ex.a está a misturar a minha dúvida com o assunto que está mais ou menos em discussão.

A minha dúvida não tem nada com o caso da boa ou má fé.

O Orador: — Se V. Ex.a não tem levantado a dúvida já tínhamos passado além do assunto.

O Sr. Herculano Galhardo: — Repare V. Ex.a que, para quem o ouve poderá parecer que a dúvida que eu apresentei se referia a este caso a que o Sr. Pedro Chaves se referiu há momentos; não é nada disso.

Ss-be V. Ex.a que no decorrer da discussão deste artigo 9.° apareceu a minha dúvida sobre aquele caso das prestações, em que havia portanto um contrato de compra e venda.

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Cessão de 16, 17 e 18 de Março de 1926

Ora eu não me referi a isso, porque estou de acordo com o Sr. Pedro Chaves quando ele diz que não podemos prever todos os casos na lei, e não podemos só olhar para os casos particulares.

O Orador:—Na lei devem ser abrangidos todos os casos que pudermos abranger.

O Sr. HerculanoGalhardo: — Se\7YEx.a quiser eu tiro o «podemos», para dizer que «não posso».

V. Ex.a fica assim tranquilo e eu também.

Eu não posso, por esta razão simples: porque não tenho a competência que V. Ex.a tem. E tanto que, quando pus a minha dúvida, disse logo: longe de ruim o resolvê-la, porque não- tenho competência para tanto.

Essa dúvida não envolve a boa ou má fé; é para um caso que se pode dar, e, dando-se, os altos interesses do Estado podem ser prejudicados.

Isto 'é que me interessa, porque eu considero este caso um grave negócio do Estado.

E eu digo a V. Ex.a, e não me importa de o dizer à Câmara inteira, que se nós formos aqui tratar com muito cuidado e atenção todos os casos particulares, os altos interesses do Estado é que vão pelas ruas da amarguara.

E necessário ter muita cautela, porque tendo o Banco Angola e Metrópole começado a sua vida com audácia, atrevimento e talento porventura, e duas ou três malas de notas falsas, não é só com isso que nós podemos resolver o grande problema que temos sobre os nossos ombros, e não podemos ir atender todos os prejudicados, porque assim prejudicaremos porventura os altos interesses do Estado.

O Sr. Machado Serpa (em aparte}: — O Estado não pode roubar, 'não pode locupletar-se à custa dos particulares.

O Orador: — Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Pereira Gil: — Pedi a palavra para preguntar a V. Ex.a se já foram mandadas para a Mesa emendas ao artigo 9.° que se está a discutir.

O Sr. Presidente :—Já, sim senhor. De resto pode continuar a discussão, pois podem aparecer novas emendas. E lido o artigo 10°

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Mando para a Mesa a seguinte proposta de substituição deste artigo:

Proponho que o artigo 10.° seja substituído pelo seguinte: «o arrolamento dos bens existentes fora da área das varas das comarcas de Lisboa será efectuado no juízo da sua situação, mediante carta precatória». —Joaquim Crisóstomo.

E lida e admitida.

O Sr. Machado Serpa: — É para mandar para a Mesa a seguinte proposta de emenda a este artigo: —^

Substituir as palavras «poderão ser» • por^esta «serão».—Machado Serpa. E lida e admitida. Lê-se o artigo 11.°

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Mando para a Mesa o seguinte acrescentamento a este artigo, mais uma alínea:

x

Proponho que ao artigo 11.° se acrescente uma alínea, que será a alínea g], nestes termos: «g) intervir, como representante do Estado, em todos os processos estabelecidos nesta lei».—Catanho de Meneses.

É lida e admitida.

O Sr. Machado Serpa: — Na última sessão o Sr. Joaquim Crisóstomo notou que faltava ao serviço desta comissão um escrivão e um oficial de diligências.

O Sr. Ministro não se esqueceu de que realmente a comissão não podia funcionar sem eles e, para tanto, no artigo 25.°, dá ao Governo a faculdade de atribuir as gratificações que esses funcionários perceberão.

Houve por certo equívoco não se fazendo, em qualquer dos artigos, referência a um escrivão e a um oficial de diligências. Nesse sentido eu mando p ara a Mesa uma emenda.

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t)iário 'das Sessões ao Senado

A proposta, na alínea c) do artigo õ.°, estabelece que à comissão administrativa compete promover e realizar a cobrança de todos os bens que constituem o activo do Banco.

Qnere dizer, se o devedor do Banco não pagar voluntariamente,

A minha alínea é formulada nos seguintes termos:

Nova alínea: «Contestar ou impugnar as reclamações a que se refere o artigo 22.°j>.— Machado Serpa.

Porque pode dar-se o caso do a cobrança ter de ser feita fora de Lisboa e não ná-de o agente do Ministério Público em Lisboa ir à província, às ilhas ou às colónias promover o seu recebimento.

São lidas e admitidas as propostas de emenda.

São as seguintes:

Substituir assim o corpo daquele artigo:

«Junto da comissão haverá um escrivão de direito e um oficial de diligências e, como representante do Estado, um magistrado do Ministério Público, que terá as atribuições seguintes»:—Machado Serpa.

Nova alínea: "Propor as acções para • a cobrança a que se refere a alínea c) do artigo 5.° quando o juízo competente for o da sede da comissão, pois quando outros os juízos competentes essa obrigação competirá aos respectivos magistrados do Ministério Público n.--Machado Serpa.

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Mando para a Mesa uma proposta de substituição a este artigo.

Esta proposta de substituição era destinada a constituir não o artigo 11.° mas siin o artigo 3.°

Em todo o caso, como na mesma substituição se compreendem as atribuições que eu entendo que ò Ministério Público deve ter, parece-me que pode ser aprovado, não para o facto de ser aprovado na sua totalidade, pois está prejudicado pela aprovação do artigo 3.°, mas, sim-

plesmente, em relação às funções do agente do Ministério Público, do escrivão e do oficial de diligências.

E lida e admitida.

É a seguinte:

«Proponho que o artigo 11.° seja substituído pelo seguinte :

& criado um juízo especial composto de um juiz, um delegado, um escrivão, e um oficial de diligências. § 1.° Ao juiz compete: 1.° Proceder a arrolamentos e imposição de selos.

2.° Ordenar a venda em hasta pública aos bens arrolados.

3.° Decretar a revisão dos contratos de financiamento, determinando os termos, forma e prazo de restituição das quantias já recebidas, de harmonia com a situação económica e financeira das entidades beneficiadas.

4.° Decretar a revisão de todos os actos e contratos feitos pelo Banco ou por interposta pessoa,•„ com capitais fornecidos pelo mesmo Banco, ou por indivíduos que tenham tomado parte na estampagem ou passagem das notas a que se refere o artigo 1.°

5.° Manter os contratos que pelas circunstâncias em que foram efectuados denotem boa fé da parte de alguns dos pactuantes que neles intervieram.

6.° Eesolver as reclamações contra os arrolamentos indevidamente realizados. 7.° Preparar e julgar em primeira instância todos os processos que digam respeito a pagamentos de débitos do Banco, bem como a transacções emergentes dos actos por ele praticados ou pelas pessoas mencionadas no n.° 4.° deste artigo. § 2.° Ao Ministério Público compete: 1.° Representar o Poder Executivo perante o tribunal.

2.° Promover a aplicação da lei e fiscalizar o seu cumprimento.

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que se relacionem directa ou indirectamente com a estampagem e passagem de notas falsas de 500$, tipo Vasco da Gama, que estejam na posse de indivíduos sobre que recaiam indícios de culpabilidade, quer na de terceiros que com eles houvessem contratado de má fó ; •

c) As quantias que a título dó sinal, ou princípio de pagamento tenham sido entregues a terceiros pelo Banco, pelos referidos arguidos, ou por interposta pessoa por virtude de contratos de promessa de compra e venda, ainda mesmo que já tenha findado o prazo convencionado para a celebração da escritura.

6.° Requisitar de todas as repartições tribunais ou entidades».

O Sr. Ferraz Chaves : — É para também mandar para a Mesa duas emendas.

Da leitura das emendas já mandadas para a Mesa, leitura pouco perceptível deste lugar, parece-me que o objectivo da minha emenda já está mais ou menos consignado nelas.

Todavia, como todas as emendas têm de ser lidas atentamente na secção, eu mando as minhas propostas de emendas, que passo a ler.

/São lidas e admitidas.

São as seguiutes:

Artigo 11.° Proponho que no corpo do • artigo se acrescentem às palavras «Ministério Público» as seguintes: «que intervirá em todos os processos», e se acrescente uma alínea:

c) Requerer tudo o que seja necessário ou conveniente para a defesa dos direitos e interesses do Estado e para integral cumprimento desta lei».—Pedro Chaves.

É lido o artigo 12.°

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Mando para a Mesa duas propostas de emenda a este artigo.

São as seguintes:

Proponho que no artigo 12.° se substituam as palavras «em caso algum os bens» por estas: «em caso algum os bens arrolados ou apreendidos nos termos desta lei». — J. Catanho. de Meneses.

Proponho que no § único do artigo 12.° se substituam as palavras «nem por isso

deixarão do ser arrolados e vendidos na conformidade e para os efeitos desta lei» por estas: «nem por isso deixarão de ser arrolados para os efeitos desta lei».— J. Catanho de Meneses.

São lidas e admitidas.

E lido e aprovado o artigo 13.°

É lido o artigo 14.°

O Sr. Ferraz Chaves : — Parece que há aqui um erro tipográfico.

O Sr. Pereira Gil: — Asaim veio da Câmara dos Deputados.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Mando uma proposta de substituição ao corpo do artigo 14.° e outra substituição ao n.° 1.° do §2.°

São as seguintes:

Proponho que o n.° 1.° do artigo 14.a seja assim redigido:

«Rescindir os. contratos de financiamento, determinando os termos, forma e prazos do pagamento das quantias entregues ou avalizadas, de harmonia, tanto quanto possível, com os direitos e obrigações dos contraentes, com as circunstâncias destes e com a índole da presente lei. -r-J. Catanho de Meneses.

Proponho que no artigo 14.°, n.° 1.°, se substituam as palavras «das respectivas valises» por estas : «das quantias que entregues ou avalizadas». — J. Catanho de Meneses.

Proponho que o § 2.° do artigo 14.° seja substituído pelo seguiute:

«Estas reclamações só serão admitidas quando se fundarem no facto de os contratos mantidos ou rescindidos não estarem compreendidos nas disposições desta lei». — J. Catanho de Meneses.

São lidas e admitidas.

O Sr. Machado Serpa: — Mando três propostas para a Mesa. São as seguintes:

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venda, entregará àquele.promitente o que faltar para o preço estipulado e outorgará no título definitivo, substituindo-se ao comprador, bem como praticará todos os actos indispensáveis à realização do contrato». — Machado de Serpa.

N.° 2.° do artigo 14.°:

Acrescentar adiante da palavra «contratos» estas palavras: «inclusive os de promessa de compra e venda». — Machado de Serpa.

§ 2.° do artigo 14.°:

Acrescentar adiante da palavra o bens» estas palavras: «mercadorias e géneros».— Machado de Serpa.

São lidas e admitidas.

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Mando uma substituição ao artigo.

Afigura-se-me que há certa deficiência na redacção e na doutrina no artigo 14.°

Acho necessário que o número se desdobre em. dois.

Um para o caso de má fé e outro para o caso de boa fé.

É lida e admitida.

É a seguinte:

Proponho que o artigo 14.° seja substituído pelo seguinte:

«É eriada uma comissão composta de um juiz de direito e de dois técnicos em assuntos bancários, com as atribuições seguintes :

1.° Cobrar e satisfazer os cheques e ordens de pagamento que tenham representado operações regulares com o Banco Angola e Metrópole quando os depositantes e transferentes sejam estranhos aos factos a que se refere o artigo antecedente ;

2.° Efectuar o pagamento dos cheques emitidos pelo Banco na província de Angola, contra entrega de numerário, preço de valores ou serviços recebidos ou outros actos de idêntica natureza ;

3.° Realizar a cobrança, de todas as dívidas do Banco;

4.° Solicitar a venda em hasta pública de todos os bens cujo arrolamento se encontra determinado por esta lei;

õ.° Eepresentar o Banco em juízo e fora dele, tanto no País como no estrangeiro, receber os saldos credores existen-

tes em qualquer Banco, levantando as respectivas importâncias, por meio de cheques, e transferirido-as, e dando-lhes o devido destino;

6.° Praticar todos os demais actos administrativos concernentes à mencionada liquidação ». — Joaquim Crisóstomo.

Entra em discussão o artigo Jf5.°

O Sr. Joaquim Crisóstomo:

uma substituição deste artigo.

• Mando

Proponho que o artigo lõ.° seja substituído pelo seguinte:

«As reclamações contra os arrolamentos e quaisquer outras petições iniciais serão apontadas na secretaria do tribunal.

§ 1.° O prazo para as reclamações de que trata este artigo será de sessenta dias, a contar do dia seguinte àquele em que termina o arrolamento.

§ 2.° A impugnação será deduzida no prazo de dez dias, a contar do último dia do prazo em que é permitido apresentar as reclamações.

§ 3.° Só é admitida prova por documentos, depoimento de parte ou testemunhal.

§ 4.° Nas reclamações não serão inquiridas mais de oito testemunhas e quatro por cada facto.

§ 5.° O juiz negará a passagem de cartas precatórias ou rogatórias sempre que, em face dos elementos que o processo lhe fornecer, as considerar impertinentes ou um meio dilatório.

§ 6.° Produzida a prova será dada vista às partes no cartório, por três dias, a cada uma, e em seguida feito o processo concluso para julgamento.

§ 7.° A sentença será mandada afixar à porta do edifício onde funcionar o tribunal, havendo-se desde logo como publicada» . — Joaquim Crisóstomo.

É lida e admitida.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses):—Mando para a Mesa duas propostas.

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Proponho ainda que ao § 1.° do artigo 15.° se acrescente : «ou de efectuar a entrega dos bens e valores a que se refere o artigo 13.°». — J. Catanho de Meneses.

São, lidas e admitidas.

O Sr. Ferraz Chaves : — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa várias propostas.

Uma para que o § 1.° do artigo 22.° passe a ser o artigo 15.°

O § 1.° do artigo 22.° refere-se a reclamações por parte do Ministério Público, mas parece referir-se só às reclamações que dizem respeito aos artigos anteriores, emquanto que, passando para o artigo 15.°, refere-se a todas as recla^ mações que sejam apresentadas.

A outra proposta é relativa ao §3.° do artigo 15.°, pois que por este parágrafo só é admitida a prova com documentos e testemunhas, parecendo-me indispensável admitir a prova com exame à escrita comercial.

Às restantes propostas não vale a pena estar a referir-me, visto terem de ser devidamente consideradas pela secção.

As propostas são as seguintes :

Proponho que ao artigo 15.° se acrescente o § 1.° do artigo 22.°, eliminán-do-o neste último artigo. — Pedro Chaves.

Proponho que o § 3.° do artigo 15.° seja modificado, começando assim: «Só serão admitidas as provas de exame em escrita comercia!, por documentos, ficando o resto como está. — Pedro Choves.

foram admitidas.

Foi lido na Mesa e entrou em discussão o artigo 16'.°

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Mando

para a Mesa as seguintes propostas:

Proponho que no § 4.° no artigo 15.° se intercale entre «deprecadas» e «roga-, tórias» a copulativa «e».—Joaquim Crisóstomo.

Proponho que sei a substituído o § 5.° do artigo 15.° pelo seguinte: «A estas reclamações ó aplicável o § 2.° do artigo 14.°».—Joaquim Crisóstomo.

Lidas e admitidas.

Ó Sr. Joaquim Crisóstomo: — Sr. Presidente : pedi a palavra para mandar para a Mesa umas propostas sobre o artigo 16.°, p.orque não concordo com a sua redacção.

Diz-se nesse artigo que «o acórdão será fundamentado e a decisão tomada por maioria». °

Esta parte final do artigo é absolutamente desnecessária. Há pouco, o muito bem, disse o Sr. Ferraz Chaves que continuavam em vigor o Código Civil e o Código do Processo, como leis subsidiárias desta, regulando evidentemente os casos que nela não estivessem previstos.

Não é preciso conhecer as cousas mais rudimentares de direito e do Código do Processo para se saber que um acórdão tom de ser fundamentado e firmado pela maioria. Com certeza que o acórdão de um tribunal não é firmad© pela minoria.

Quanto ao parágrafo também não concordo com a sua redacção, pois que aí se diz que «o acórdão será mandado afixar de modo bem visível».

Esta expressão pode ser admitida num Regimento, numas instruções, mas não é própria de uma lei.

Com certeza que está "no bom senso do juiz e dos funcionários judiciais não irem afixar uma decisão do tribunal de modo que não seja bem visível.

Além disso esta disposição também me parece desnecessária. Basta que se diga. havendo-se como publicado.

As propostas são as seguintes:

Proponho que no artigo 16.° sojam eliminadas as expressões «fundamentado o tomado por maioria», e o seu parágrafo seja substituído pelo seguinte:

«O acórdão será afixado à porta do edifício onde funcionar o tribunal, havendo-se logo como publicado». - -Joaquim Crisóstomo.

Proponho que no artigo 16.° se eliminem as palavras «a contar da remessa a que se refere o § 5.° do artigo anterior». — Joaquim Crisóstomo.

Proponho que ao artigo 16.° se acrescente o seguinte:

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fórmulas, expondo os acórdãos os motivos jurídicos e morais em que se fundarem».

E que o § único passe a § 2.°—Joaquim Crisóstomo.

Lidas e admitidas.

O Sr. Ferraz Chaves: — O acórdão deve ser fundamentado e votado por maioria. Mas se for votada a eliminação, isso não quere dizer que o acórdão escusa de ser fundamentado e votado por minoria.

Eu votaria contra qualquer emenda que se referisse a essas palavras que estão no projecto. Desde que estão neste, tenho ro-ceio em tirá-las de lá.

Mando para a Mesa uma emenda.

Num processo como este, em que os réus se rodearam do tantos cuidados, precisamos não nos restringirmos àquelas fórmulas rígidas do direito, mas também não podemos deixar à comissão o julgar ad Ubitum.

Lida e admitida.

Entra em discussão o artigo Í7.° «j

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Mando para a Mesa duas propostas.

Proponho que o artigo 17.,0 seja substituído pelo seguinte:

«Das sentenças proferidas em primeira instância cabo recurso com efeito suspensivo para a Relação de Lisboa, que será interposto por simples requerimento, no prazo de cinco dias a contar d& publicação das mesmas.

§ 1.° Igualmente das decisões da Ee-lação cabe recurso no efeito devolutivo interposto de harmonia com o preceituado •neste artigo.

§ 2.° Os referidos recursos serão processados e julgados como os agravos de petição e matéria cível.

§ 3.° Das decisões interlocutoras não há recurso especial, devendo o tribunal superior tomar delas conhecimento se a parte houver protestado no prazo de cinco dias, por meio de requerimento.— Joa-Crisóstomo.

Proponho que no artigo 17.° se substituam as palavras «haverá sempre recurso» por estas: «caberá sempre recurso».—J. Catanho de Meneses.

Lidvs e admitidas.

Ê aprovado o artigo 18.°

Entra em discussão o artigo 19.°

O Sr. Herculano Galhardo:—Por estalei, a comissão a nomear nos termos da lei fica com os poderes de cobrar, pagar e vender.

Mau dinheiro que ali venha a cair naquela caixa será difícil tirá-lo sem lei especial.

A comissão não é bem o Governo. O dinheiro é depositado na Caixa Geral de Depósitos à ordem do Tesouro e, nestas condições, a comissão não fica habilitada para fa:cer pagamentos. Parece que há qualquer cousa quo falta na lei, mas, como não conheço bem as questões de direito, não sei' se assim é.

A propósito direi que nós sabemos que, desta lei, podem resultar despesas, mas ainda as não fixámos como é nosso dever e direito. Não podemos dar esta autorização com latitude ilimitada dando ocasião a créditos formidáveis. Precisamos fixar a despesa que devemos autorizar.

Apresento estas dúvidas para que as pessoas de competência as possam resolver.

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Mando para a Mesa um aditamento em que se atendo cjis considerações produzidas pelo Sr. Hcrculauo Galhardo.

Em regra, nos tribunais de primeira instância, o dinheiro entra à ordem do juiz da comarca. Embora, neste caso o dinheiro entre na Caixa Geral de Depósitos, convém que se diga na lei que esse dinheiro fica à ordem do presidente da comissão.

A minha proposta é a seguinte:

Proponho que ao artigo 19.° sejam aditadas as expressões: aà ordem do presidente da comissão». — J. Crisóstomo.

Ê lida e admitida a proposta de aditamento.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Acho de todo o ponto justas as observações feitas pelo Sr. Herculano Galhardo. Por isso proponho que o artigo 19.° sej:a substituído pelo seguinte:

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Cessão de t6, l? e 18 de Março de 1926

sãs e pagamentos a que seja obrigada em virtude desta lei».— J. Catanho de Meneses.

É lida e admitida.

O Sr. Ferraz Chaves: — Quási que podia prescindir da palavra depois das declarações do Sr. Ministro da Justiça e da emenda que mandou para a Mesa. Devo, porém, esclarecer que eu tinha uma proposta a apresentar sobre o artigo 2.° na qual se dava à comissão a faculdade da administração da massa do Banco.

Como não cheguei a tempo, não pude apresentar essa proposta, de forma que me parece- que a redacção do artigo 2.° não ficou perfeita, visto dar-se a faculdade da administração dum Banco que já não existe.

É por isso que ainda nesta altura existem as dúvidas do Sr. Herculano Galhardo.

Lê-se e é aprovado, sem discussão, o artigo 20.°

Lê-se e entra em discussão o artigo 21.°

O Sr. Machado de Serpa: —Mando para a Mesa uma proposta de substituição.

Em substituição do § único do arti-go 21.°:

«Esta disposição não prejudicará o preceituado no artigo anterior nem o pagamento, quer de quaisquer créditos privilegiados ou hipotecários anteriores aos factos que motivaram os arrolamentos, quer do que faltar para o preço estipulado nos contratos de promessa de compra e venda que forem mantidos.— Machado de Serpa.

É lida e admitida.

O Sr. Joaquim Crisóstomo : — Mando para a Mesa uma proposta de eliminação de uma,parte do § único.

Proponho que seja eliminada a parte final do § único do artigo 21.° que diz: «não prejudicará o disposto no artigo anterior».—Joaquim Crisóstomo.

E lida e admitida.

Lê-se e entra em discussão e artigo 22.°

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Mando para a Mesa uma proposta de substituição.

. Proponho que o artigo 22.° seja substituído pelo seguinte:

«Os credores do Banco, bem como todos aqueles que se julguem lesados pelos factos mencionados no artigo 1.°, e ainda os que não forem atendidos pela comissão de que trata o artigo 14.°, farão as suas reclamações no prazo de seis meses, a contar da publicação desta lei, devendo juntar logo a prova documental e o rol de testemunhas.

§ 1.° As reclamações poderão ser impugnadas pelo Ministério Público ou por qualquer interessado nó prazo de dez dias, a contar da datarem que tenham sido apresentadas.

§ 2.° Ao processo de reclamação regulado no presente artigo é aplicável o disposto nos artigos ... »— J. Crisóstomo.

Ê lida e admitida.

O Sr. Ferraz Chaves: — Mando para a Mesa uma proposta de substituição do § 1.° Esta proposta é condicional para o caso de ser aprovada a emenda.

Proponho que no artigo 22.° o § 1.° seja substituído por este:

«A estas reclamações ó aplicado § 3.° ou aquele em que tiver ficado a emenda que apresentei ao artigo 15.°».—Pedro Chaves.

É lida e admitida.

Lê-se e é aprovado, sem discussão, o artigo 23.°

Lê-se e entra em discussão o artigo 24.°

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses):—Mando para a Mesa uma substituição do § único por um artigo novo.

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tos n.os 11:339 e 11:381, de 10 de Dezembro de 1925 e 11 de Janeiro de 1926».—J. Catanho de Meneses. É lida e admitida.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Mando também para a Mesa uma proposta que é destinada a restringir as faculdades do Podor Executivo quanto à promulgação de medidas concernentes ao assunto. Entendo que a autorização deve ser dada para o Governo dela usar no interregno parlamentar e nunca quando o Parlamento esteja funcionando.

Mando também para a Mesa uiaa segunda proposta que diz respeito à organização do júri:

Proponho que entre as palavras a decretar» 'do artigo 24.° e «sob proposta», se adicionem as expressões «no interregno parlamentar».—J. Crisóstomo.

Proponho que o § único do artigo 24.° seja substituído pelo seguinte:

«Fica o Governo autorizado, mediante proposta do Conselho da Magistratura Judicial, a decretar a organização do júri que devo intervir no julgamento dos crimes de estampagem e passagem denotas falsas de 500$, tipo Vasco da Gama.

§ único. O referido júri será formado de magistrados judiciais, de professores das Faculdades de Medicina e Direito e representantes das classes comerciais, industriais, agrícolas e operárias». — J. Crisóstomo.

São sucessivamente lidas e admitidas.

O Sr. Herculano Galhardo: — As considerações que vou fazer a propósito deste artigo podia tê-las feito quando da discussão da generalidade. Não as Êz por ter-me parecido que era urgente entrar na discussão da aspecialidade.

Do artigo 27.° da Constituição se tem concluído que o Poder Legislativo pode deixar ao Poder Executivo a iniciativa de medidas que só ao Legislativo pertencem.

^0 que dix o artigo 27.c?

Entendo eu, que não tenho espírito jurídico, que o «rtigo 27.° se refere às autorizações que são permitidas paio artigo 26.° Por este artigo o Poder Legislativo só concede autorizações ao Governo em dois casos especiais, que vêm a ser:

Leu.

Tudo o mais ó privativo do Poder Legislativo, para mim, que não tenho espírito jurídico, é claro. Evidentemente, a minha opinião 'não é a da maioria dos legisladores, e a prova é que por diferentes vezes tem sido o Poder Executivo autorizado a fazer muita cousa que, a meu ver, só ao Poder Legislativo compete.

O Poder Executivo tem quási sempre abusado das autorizações que lhe são dadas pelo Poder Legislativo, e um dos abusos consiste principalmente em não. cumprir o disposto no artigo 27.°, isto é, em utilizar a autorização dada para um deternctinado fim por mais de uma vez.

E para esse ponto que eu chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça, dizendo a S. Ex,,a, com toda a franqueza e em meu nome pessoal, que sou contrário às autorizações que não sejam para casos claramente definidos e determinados.

£ Qual a interpretação que devemos dar a este artigo?

Estas considerações faço as eu apenas na intenção de ouvir o Sr. Ministro da Justiça, com a competência que lhe dá a sua categoria de Ministro neste momento, e, sobretudo, a de jurisconsulto, que é a que me serve principalmente para melhor esclarecimento das dúvidas que tenho.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: vou tanto quanto possível responder às observações íeitas pelo Sr. Herculano Galhardo.

Diz S. Ex.a, restringindo-se estritamente à Constituição, que as autorizações a que se refere o artigo 27.° não são todas e quaisquer autorizações, mas unicamente aquelas que estão determinadas no artigo anterior.

Não podia ser esse.— desculpe-me S. Ex.a — o espírito da Constituição. '

Podiam dar-se certos exemplos que obrigassem o Poder Executivo a adoptar determinadas providências que lhe não permitissem esperar pela resolução do Parlamento.

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armado dessas faculdades. E ao lado do que digo, vou informar S. Ex.a da maneira como os tribunais têm procedido.

Segundo o artigo 135.° da Constituição, quando se levantem quaisquer dúvidas sobre a constitucionalidade de disposições promulgadas pelo Poder Executivo, desde que se reclame contra a sua constitucionalidade, o Poder Judicial pode não obedecer às prescrições decretadas pelo Poder Executivo.

Eu posso assegurar a S. Ex.a que, desde a implantação da Kepública e mesmo antes dela, os tribunais do nosso País têm sempre julgado que semelhante autorização não se restringe a esses dois números do artigo 26.°

Assim, entendo eu'que, interpretada a Constituição praticamente, podemos estar seguros de que o pensamento que redigiu esse artigo 27.° foi armar o Governo de determinadas faculdades, quando tenha de providenciar de pronto, o que muitas vezes não lhe é possível.

Quere dizer, a Constituição está hoje interpretada pelo Parlamento e pelo Poder Judicial. Eu os acompanho nessas interpretações.

Quanto ao segundo ponto, nesse estou eu de perfeito acordo com S. Ex.a O Poder. Executivo não pode usar mais de uma vez da autorização que lhe seja concedida, porque se usasse mais de uma vez, pela mesma razão porque usava mais de uma vez, usava duas, três ou mais vezes. E dessa maneira o Poder Legislativo iria por fracções, parcelarmente, entregando ao Poder Executivo a sua missão, o que não pode ser.

Por isso eu declaro que o pensamento do Governo não ó usar desta autorização a que se refere o artigo 24.° mais de uma vez, nos termos absolutamente constitucionais.

O Sr. Herculano Galhardo : — Eu disse o que penso, sem pretender estabelecer polémica sobro o assunto.

Comecei por dizer que, visto estarmos em Constituintes, seria bom- aclarar a Constituição por modo que ficasse bem expresso quando o Parlamento pode autorizar o Governo fora dos precisos termos a que se refere os números do artigo 26.° -

Mas, admitindo como bo.a a doutrina

de que o Parlamento pode também autorizar o Poder Executivo a fixar despesas, etc., e argumentando por absurdo, o Parlamento teria de concluir que não tinha função nenhuma, o que viria a justificar a campanha que se está fazendo tendente a deminuir o Parlamento, afirmando que ele não serve para nada, porque ele se esqueceu até da sua principal função que é a de fiscalizar as contas públicas.

Se o Parlamento há muito- tempo tivesse procedido por outra forma, outra também seria a sua situação.

Assim, entendo que o Parlamento não deve conceder autorizações ao Governo senão aquelas expressamente consignadas na .Constituição.

Não duvido das intenções deste Governo, mas depois deste outro virá e não pode S. Ex.a responder por esse Governo.

Lembro que em 8 de Agosto de 1914 foi publicada uma lei permitindo ao Governo fazer aquilo que -quisesse. Pois depois veio o Governo de Pimenta de Castro que usou da mesma lei, e esse seu procedimento foi defendido por autoridades jurídicas.

Já vê S. Ex.a como é perigoso autorizar o Governo a fazer aquilo que compete ao Parlamento.

Por isso, curvando-me perante a interpretação do Congresso-da República e dos tribunais competentes, mantenho a minha opinião como. democrata, que o Governo não devo ser autorizado a fazer aquilo que compete ao Parlamento nos termos da Constituição.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses) (par a explicações):— Sr. Presidente: ouvi as considerações feitas pelo Sr. Herculamo Galhardo, mas devo dizer que quaisquer censuras ou defeitos, sobre o assunto, que S. Ex.a possa encontrar no sistema de se delegarem autorizações no Governo, essas censuras ou defeitos nasceriam do poder supremo do País, que ó o Parlamento.

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neste caso as censuras irão para o poder mais elevado que nós temos.

Mas porque se pode imaginar que o Parlamento possa pôr de parte as suas funções, não se segue que na matéria a que ine refiro não se possam conferir ao Poder Executivo essas funções especiais, de harmonia com as circunstâncias.

Não podemos ir aos extremos.

Se se concedem autorizações que as circunstâncias imperiosas de momenta reclamam, evidentemente que o Parlamento não faz senão defender os interesses do Estado.

O que o Parlamento deve apreciar ó se será ele que deve resolver como o júri tem que ser constituído, ou se deve ser o Supremo Conselho de Magistratura Judiciária que indicará ao Poder Executivo a forma como há-de ser formado esse júri.

Assim, não é o Poder Executivo que determina a saa constituição; ó o Poder Judicial que indica ao Poder Executivo a maneira por que essa constituição deve ser feita.

' No emtanto, se esta Câmara, cujas decisões eu acato sem que me possa melindrar directa ou indirectamente, em assunto» em que temos de ver diante de nós o brio e a honra nacional, entender que se não devem conceder essas autorizações ao Governo, eu não me oporei absolutamente nada a tal resolução. A Câmara ó soberana e ela decidirá.

Eu compreendi que era o Conselho Superior Judiciário que mais depressa talvez pudesse indicar a constituição desse júri, não deixando portanto ao Governo.a responsabilidade dele intervir nos assuntos do julgamento, e só intervir nesses assuntos o próprio Conselho Superior Judiciário.

O mais, nesse ponto, ó apenas uma regulamentação do Poder Executivo, e essa está consignada e permitida pelo artigo 47.° da Constituição.

No entretanto, repito, a Câmara resolverá como melhor entender.

O Sr. Herculano Galhardo: — Estamos perante o artigo 27.° que obriga o Go-.vêrno a não usar das autorizações mais de uma vez, e V. Ex.a já deu explicações com as quais folguei. Mas no corpo do artigo 24.° desta proposta é que o Governo fica com autorizações várias.

O Orador:— Esse artigo diz: «O Governo poderá decretar, sob proposta da comissão, ouvido o Conselho Superior Judiciário, as medidas meramente administrativas e de processo que entender necessárias, e que não importem qualquer alteração ou revogação das disposições desta lei». Evidentemente são aquelas medidas administrativas e de processo que forem necessárias para a execução desta lei.

O Sr. Herculano Galhardo: —^Isto quer e dizer que o Governo fica autorizado apenas a fazer regulamentos, como é costume com os outros diplomas?

O Orador: — Quási isso.

Bem fez V. Ex.a levantar a questão sobre este artigo e mais uma vez peço a V. Ex.a aquilo que particularmente lhe pedi nesta Câmara: ó que as suas luzes são muito necessárias na Secção. Embora V. Ex.a não pertença à 2.a Secção tem o direito de lá ir, e eu, tanto quanto posso influir no seu ânimo, peço a V. Ex.a a sua comparência.

O Sr. B. Tomás de Vilhena:—O artigo 24.° autoriza o Governo a decretar as providências necessárias para a organização de um júri que deverá intervir no julgamento dos implicados no fabrico e passagem das notas falsas, a que esta lei se refere.

Eu já tenho dito aqui dezenas de vezes que sou absolutamente contrário às autorizações parlamentares.

Caso curioso! Eu, o reaccionário, o monárquico enragé, é que estou no campo verdadeiramente liberal, quando me in-surjo contra o cerceamento das prerrogativas e funções parlamentares.

Tenho sempre protestado contra as autorizações, e agora estou vendo que o Sr. Ministro da Justiça, o meu prezado amigo, está-se tomando uns ares de propender para a ditadura. Estou vendo isso.

V. Ex.a está mesmo até com fácies de ditador (risos], e eu aqui estou a defender os princípios verdadeiramente liberais; verdade é que tenho ali em frente o meu ilustre amigo Sr. Herculano Galhardo que sempre me acompanha nestes protestos.

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que não lhe convém/e que não cala bem na opinião pública.

£ Porque é que não se consigna neste parágrafo a maneira de constituir o júri, porque é que o Governo vai assumir a responsabilidade de fazer a nomeação de um júri especial? . .

,; Porque é que não entregou isso ao Parlamento ?

É porque na alma de V. Ex.a está-se dando uma transformação grande e V. Ex.a como antigo liberal, está-se preparando para ditador.

^ Então não seria muito melhor atirar essa responsabilidade de um lacto tam grave para cima do Parlamento ?

£ Não seria muito mais útil ao Governo entregar ao Parlamento a constituição desse júri que é um júri de excepção, o que já é muito grave?

Era isto que estimaria que o Sr. Ministro da Justiça me dissesse.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Uatanho de Meneses):—Sr. Presidente: o meu esclarecido colega e amigo nesta Câmara, viu que as nossas situações se tinham mudado por completo : eu com uma fácies de ditador, S. Ex.a com doutrinas da democracia.

O Sr. D.-Tomás de Vilhena (interrompendo):— Sempre tive essas doutrinas.

O Orador:— Quere dizer: ainda ontem me referi a certos diplomas publicados ou promulgados pelo regime .monárquico, que V. Ex.a defende.

Saltava-se nesse tempo por cima da Constituição, dava-se retroactividade à lei, e S. Ex.a, pelo que vejo, estava inteiramente ao meu lado., quando eu censurava o Governo monárquico, por desprezar como desprezou as garantias fundamentais da existência humana.

Está V. Ex.a completamente ao meu lado.

A sua fácies, por consequência, não é a minha, mudçu por completo.

O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo):— Sempre o mesmo toda a vida.

O Orador:—Parece a V. Ex.a isso, porque V. Ex.a condena absolutamente as leis da monarquia, quando essas leis saltaram por cima dos direitos individuais.

Agora V. Ex.a que é uma pessoa reflectida, que quando faz qualquer afirmação devia ter antecipadamente a certeza do que afirma.

V. Ex.a viu a proposta de lei que tinha vindo da Secção e não quis atender a mais nada. V. Ex.a não se importou com as declarações que há pouco fiz, sobre a constituição do júri.

Eu disse a V. Ex.a que estava absolutamente de acordo com o Parlamento, quanto à constituição do júri.

Mas o Sr. D. Tomás de Vilhena, que apresenta sempre as cousas de uma maneira delicada, florida e às vezes um pouco irónica e mordazmente, S. Ex.a que tem uma bela memória, esqueceu-se das palavras que há p o aço daquele lugar proferi, e vem acusar-me de ditador simplesmente para se colocar na situação de atacar um amigo, porque me dá as honras de amigo.

Ora, já vê o ilustre Senador, como sem ser um D. Quixote —e S. Ex.a nada tem de D. Qaixote— em relação à minha humilde pessoa, esteve a esgrimir no ar contra os moinhos.

S. Ex.a terá a bondade de explicar quais foram os verdadeiros motivos por que me íez a acusação de há pouco.

Eu desejo, de duas, uma: ou que o Conselho Supremo Judiciário —esse alto corpo da magistratura, ao qual o próprio ilustre Senador por várias vezes tem feito elogios— indique a maneira de formar o júri ou então que seja o Parlamento que indique a formação do júri.

Posto isto, parece-me que o Sr. D. Tomás de Vilhena procurou um tema com que no final da sessão nos divertisse, querendo fazer de mim um ditador, quando nenhuma razão de ser tem semelhante acusação.

Tenho dito.

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Diário das ISessõe* do Senado

O Sr. D. Tomás de Vilhena (para explicações):— Sr. Presidente: o Sr. Cata-nho de Meneses sentiu-se um pouco impressionado de eu o chamar ditador.

Devo dizer que eu não ouvi a proposta que foi lida na Mesa, porque nem tudo se consegue ouvir deste lugar.

O que eu digo agora é que o envio de 'tal proposta para a Mesa mostra que o Sr. Catanho de Meneses quebrou por um momento a soa linha de ditador; enten--deu S. Ex.a que era chegada a ocasião de se aproximar das boas normas da democracia, está bem, estamos entendidos a -esse respeito.

Eu chamei ditador a S. Ex.a

A verdade é que tem havido ditadores de primeira ordem.

Ao ditador romano Cincinato foram-no buscar para defender a integridade da pátria e depois, despiu a sua toga, que era vermelha, e tornou outra vez para a lavra da terra.

Ditadores têm sido também grandes vultos da História.

E quem neste momento olhar para a Europa verá que nela há ditadores com efeitos de notável ordem.

O Sr. Catanho de Meneses anda sempre aqui a insistir que a monarquia fez ' leis más, violentas, leis com efeito retroactivo.

A monarquia teve erros e n£o serei eu quem os negue.

Eu acima de tudo jrezo a verdade.

Sobre os decretos a que V. Ex.a se re-' feriu, eu, que então era parlamentar, combati a ditadura de João Franco. Fui nomeado para a comissão de rever essa ditadura e tratei de ser inflexível com ela, e por consequência não tinha nada com esses erros.

A monarquia teve erros corno não há regime nenhum que não os cometa., mas incontestavelmente ela teve grandes virtudes e uma delas foi a de ter promovido a paz e a abundância.

Eu, graças a Deus, não tenho de me penitenciar, fui sempre contra leis de excepção e contra leis retroactivas e entendi sempre que a vida e direitos do cidadão devem ser respeitados.

Se a monarquia cometeu asses erros, fez muito inal.

É mais uma razão para não os irniíar-mos, porque se viram através dos tem-

pos as consequências graves que trouxeram esses erros.

O decreto de 31 de Janeiro talvez tivesse ocasionado o terem sido assassinados no Terreiro do Paço o rei e o príncipe.

Por consequência V. Ex.as precisam de ver a história com olhos de ver; não ó lembrando os erros do quem quer que seja que se observam os próprios erros. V. Ex.as hão-de ver que a imitação desses erros ó uma cousa muito grave.

O orador.não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Depois desta discussão o que resultou foi que nem eu sou ditador nem V. Ex.a

Ontem, o ilustre Senador Sr. Querubim Guimarães, pessoa que muito respeito e prezo, proferiu palavras contra a democracia e liberdade; e hoje V. Ex.a, desse mesmo lado da Câmara, dá-lhe uma lição proveitosa.

O Sr. D. Tomás de Vilhena (interrompendo):— Eu não ouvi ontem o Sr. Querubim Guimarães falar contra a democracia.

O Orador: — S. Ex.£ apoiava o sistema autoritário.

Nestas condições deixe-me V. Ex.a dizer que, se é verdade que nós não devemos imitar os erros da monarquia, não ó justo também que V. Ex.a queira ver nos Ministros da Kepública o propósito de não atenderem aos preceitos da Constituição, e era isso precisamente que V. Ex.a da primeira vea que pediu a palavra entendeu que ea tinha feito.

Eu tenho já fácies de ditador, estou já a repelir a própria Constituição republicana, a arvorar-me acima do Poder Legislativo. Isto porque V. Ex.a foi ler um texto que eu tinha apresentado precipitadamente na Secção e que logo emendei para ele mesmo estar de acordo com o artigo 24.°

Se V. Ex.a lesse o artigo 24.° veria que eu não deixei ao Governo a liberdade da constituição do júri, e que foi para pôr o § único de acordo com o corpo do artigo que mandei para a Mesa a emenda ao artigo.

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de 16, 17 e 18 dê Março de 1926

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querer tomar a atitude de ditador só para provocar o riso no fim da sessão.

Mas V. Ex.a, que quando foi da discussão da lei do inquilinato tanto me apodou desse lagar de que eu me aproximava do sistema bolchevista, V. Ex.a não teve razão. A sua palavra será porventura mais útil quando V. Ex.a a empregue não numa discussão que direi fútil, mas noutra discussão de que o País tire . melhores frutos.

V. Ex.a não tinha motivo para acusar--me, permita-me que lhe diga, apesar do muito respeito que lhe consagro.

O orador não reviu.

Q Sr. Ferraz Chaves: — Sr. Presidente: parece-me que nós não temos que discutir este artigo ou sobretudo o § único. Não mando para a Mesa emenda nenhuma porque desejo conhecer a opinião do Sr. Ministro da- Justiça.

O § único diz:

Leu.

Mas, Sr. Presidente, <_ que='que' a='a' dará='dará' classificação='classificação' é='é' tribunal='tribunal' o='o' p='p' este='este' nos='nos' diz='diz' quem='quem' crime='crime' qual='qual'>

<_ p='p' passagem='passagem' que='que' de='de' a='a' moeda='moeda' essa='essa' falsa='falsa' será='será' e='e' fabrico='fabrico' classificação='classificação'>

A classificação do crime pertence ao Poder Judicial.

Suponham V. Ex.as que no fim de tudo isto o Poder Judicial classifica o crime de atentado contra a segurança do Estado ou lhe dá qualquer outra classificação; suponhamos mesmo que o crime é classificado de fabrico e passagem de moeda íalsa. Nesto caso este -parágrafo devia ir para o projecto do Sr- Ministro da Justiça apresentado na outra casa do Parlamento, porque tal como está a legislação portuguesa, a não ser considerado inconstitucional o decreto de 1914, não há júri.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Na Câmara dos Deputados eu tenho um projecto, que, segundo as informações que tive, os diversos grupos daquela Câmara não se oporão a ele, e tem por fim declarar sem efeito, e nulo, desde a sua origem, o decreto de 30 de Novembro de 1914, a que V. Ex.a se referiu.

Declarada a inexistência desse decreto, efectivamente nós regressaremos ao siste

ma do Código Penal, artigos 206.° a 211.° desse Código, e porque nesses artigos sé condena a pena maior os falsificadores e passadores de notas falsas, é que eu conjugando estas duas disposições entendi que elas me podiam prestar grandes serviços.

Se formos entregar este caso a um júri comum, podem resultar más consequências, devemos tanto quanto possível organizar um júri especial.

Note V. Ex.a, Sr. Pedro Chaves, que eu redigi o artigo separadamente pela circunstância de que repetidas reclamações têm sido feitas ao Ministério da Justiça, chamando a sua atenção para esse ponto, porque o júri, como ele está constituído, quando se trata de fabrico de notas falsas, não dá absolutamente resultado nenhum.

É fácil de presumir que houve o fabrico e a passagem de notas falsas.

Eu, não oficialmente, mas particularmente, parece-me ter colhido quási a certeza de que até aqui aqueles a quem os investigadores prenderam estão incursos nos artigos 206.° a 211.° do Código Penal.

O Parlamento, no emtanto, fará o que melhor entender sobre o assunto, porque então a responsabilidade será do Poder Legislativo e não do Executivo.

& lido e posto à discussão o artigo 2õ,°

O Sr. Herculano Galhardo:—Ainda em meu nome pessoal devo dizer que não voto este artigo.

É da exclusiva competência do Parlamento a fixação de vencimentos dos funcionários, e com este artigo podem praticar-se sérios abusos em virtude da doutrina da equiparação que está hoje em vigor.

Eu permitir-me-ia propor a V. Ex.a e ao Senado que este artigo baixasse à Secção, para conjuntamente com as outras emendas ser examinado e fixar-se o ven-vimento de harmonia com as indicações do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Estou inteiramente de acordo com a opinião de V. Ex.a, ao Governo não agrada nada ficar com essa responsabilidade.

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Diário das Sessões do Senado

Lidos e admitidos os três seguintes artigos novos, que o Sr. Joaquim Crisóstomo mandou para a Mesa.

Proponho o seguinte artigo novo: «A comissão somente poderá suspender a veada quando os bens a arrematar não obtiverem lançador na l.a praça». — Joaquim Crisóstomo.

Proponho o seguinte artigo novo: «Aos agentes do crime previsto e punido pelo artigo 207.° do Código Penal .não é admissível fiança». — Joaquim Crisóstomo.

Proponho o seguinte artigo novo:

«Os processos instaurados nos termos

desta lei são isentos de custas».— Joaquim

Crisóstomo. É lido e aprovado o artigo 26.°

O Sr. Presidente: — Convoco a 2.a Secção para amanhã às 14 horas.

A sessão plena é amanhã à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:

Discussão dos projectos n.os 44, 55, 58 e 25.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e õ minutos.

Os REDACTORES:

Adelino Mendes. Albano da Cunha» Alberto Bramão.

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