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REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENAD

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EM 28 DE ABRIL DE 1926

Presidência do Ex.°° Sr. António Xavier Correia Barreto

Secretários os *.« Srs. j ™» ™« ««s Pereira

i João Manuel Pessanba Vaz das Neve

Sumário. — Chamada e abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente,

Antes da ordem, do dia. — O Sr. Júlio Ribeiro faz considerações sobre a exorbitância dos impostos actuais.

O Sr. João de Azevedo Coutinho presta homenagem às altas qualidades do general Alves Roçadas epropõe um voto de sentimento pelo seu falecimento.

Associam-se, em nome dos respectivos partidos, os Srs. Mendes dos Beis, Júlio Dantas, Caldeira Queirós, Vicente Ramos e Pedro Chaves.

E aprovado por unanimidade.

O Sr. Herculano Galhardo rectifica um erro de verba saído no seu discurso sobre os duodécimos.

O Sr. Pedro Chaves fala sobre as condições em que no Pais se exerce o registo civil.

Responde o Sr. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses J.

O Sr. Alfredo Portugal, em nome da União Liberal Republicana, em cujo partido se alistou, associa-se à homenagem ao yeneral Roçadas.

O Sr. Fernando de Sousa fala í>ôbre a criação de sê/os especiais, sobre as condições em que se encontra o Funchal como centro de turismo e sobre ç péssimo estado das nossas estradas.

O Sr. Artur Costa verbera o caso das senhas, que considera burla punível, e fala sobre a necessidade de reprimir decididamente o jogo de azar.

Responde o Sr. Ministro da Justiça.

Ordem do dia.—Continua a discussão dapro-pos>a de lei n." 1U4.

Usam da palavra os Srs. Ministro da Justiça e Querubim Guimarães.

Entra em discussão o parecer re.° 72-B (orçamento do Ministério da Justiça e dos Cultos).

Usam da palavra ns Sr*. Alfredo Portugal, Júlio Dantas, D. Tomás de Vilhena e Ministro da Justiça.

Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Roberto Baptista associa-se ao voto de sentimento pelo falecimento do general Alves Roçadas.

Também declara associar-se, em nome do Governo, o Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva).

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.

Presentes à chamada 24 Srs. Senadores.

Entraram durante a sessão 28 Srs. Senadores.

Faltaram à sessão 18 Srs. Senadores.

Srs. Senadores presentes à chamada:

Álvaro António de Bulhão Pato. António da Costa Godinho do Amaral. António Maria da Silva Barreto. António Martins Ferreira. António Xavier Correia Barreto. Artur Augusto da Costa. Artur Octávio do Rego Chagas. Francisco António de Paula. Francisco José Pereira. Francisco Vicente Ramos. Henrique José Caldeira Queiroz. João António de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira.

João Augusto de Freitas.

João Manuel PessanhaVaz das Neves.

José António da Costa Júnior.

José Fernando de Sousa.

José Machado Serpa.

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José Varela.

Júlio Augusto Eibeiro da Silva.

Júlio Dantas.

Luís Inoeôncio Ramos Pereira.

Pedro Virgolino Ferraz Chaves.

Vasco Gouyalves Marques.

Sra. Senadores que entraram durante a sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.

Álvaro César de Mendonça.

António dos Santos Graça.

Augusto Casiuiiro Alves Monteiro.

Augusto de Vera Cruz.

Constantino José dos Santos»

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.

Ernesto Júlio Navarro.

Francisco de Sales Ramos da Costa.

Frederico António Ferreira de Simas.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

lierculano Jorge Galhardo.

João Carlos da Costa.

João Catanlio de Meneses.

Joaquim Corroía de Almeida Leitão.

Joaquim Pereira Gil do Matos. .

José Joaquim Fernandes Pontes.

Luís Augusto Simões de Almeida.

Luís Filipe de Castro (D.).

Manuel Gaspar de Lemos.

Miguel do Espírito Santo Machado.

Querubim da Rocha Vale Guimarães.

Roberto da Cunha Baptista.

Rodrigo Guerra Alvares Cabral.

Silvestre Falcão.

Tomás de Almeida Manuel de Vilhe-na (D.).

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

António Alvos de Oliveira Júnior. António de Medeiros Franco. Augusto César de Almeida Vasconcelos Co i roía.

Elísio Pinto de Almeida e Castro. Ernesto Maria Vieira da Rocha. Francisco Xavier Anacleto da Silva. João Maria da Cunha Barbosa. João Trigo Motinho. Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior. Joaquim Manuel dos Santos Garcia.

Joaquim Teixeira da Silva.

José Augusto Ribeiro de Melo.

José Joaquim Fernandes de Almeida.

José Nepomuceno Fernandes Brás.

Júlio Ernesto de Lima Duque.

Nicolau Mesquita.

Raimundo Enes Meira.

Vítor Uugo de Azevedo Coutinho.

O Sr. Presidente:,—Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 2õ minutos):— Estão presentes 24 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Leu-se.

O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta. Pausa.

O Sr. Presidente : — Como ninguém pede a palavra, considera-se aprovada. Vai ler-se o

Ofícios

Da Câmara dos Deputados, remetendo a proposta de lei considerando como promovido ao posto de general efectivo o general graduado José Augusto Alves Roçadas.

Para a. 2.a Secção.

Do juízo da 2.a vara de Lisboa, pedindo para que o Sr. Miguel Machado possa comparecer naquele tribunal como testemunha.

Para a Secretaria.

Requerimento

Do cidadão Joaquim António Ferreira, pedindo para ser reconhecido revoluciá-rio civil.

Para a Secretaria. (>

Telegramas

Do pessoal telégrafo postal de Vila Boim e de Campo Maior, pedindo que o projecto de renovação do contrato de telegrafia sem fios seja rejeitado.

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Dos funcionários de finanças de Soure, pedindo que seja aprovado o projecto do !Sr. Júlio Ribeiro sobre a divisão da multa da herança Bensaúde.

Para a Secretaria.

Do pároco e regedor da freguesia de Cimbres, concelho de Armamar, pedindo aprovação do projecto que concede personalidade jurídica à Igreja.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente:—O Sr. juís de direito da 2.a vara da comarca de 'Lisboa pede a comparência do Sr. Miguel Machado, no dia 22 de Maio, para depor como testemunha num processo.

Concedido.

Antes da ordem do dia

O Sr. Júlio Ribeiro:—Sr. Presidente: o n.° 27 do artigo 8 da Constituição diz o seguinte:

«Ninguém é obrigado a pagar contribuições que não tenham sido votadas pelo Poder Legislativo ou pelos corpos administrativos, legalmente autorizadas a lançá-las ...»

Ora consta-me que a Câmara Municipal de Lisboa fez uma pregunta à Procuradoria Geral da República no sentido de tributar as janelas da cidade de Lisboa. *

Não me preocupa mormente esse tributo, mas o que me preocupa é que certamente todas as Câmaras do País a vão imitar.

É mais uma contribuição a acrescentar às muitas que já temos e que nos asfixiam. Já aqui disse uma vez quantas contribuições temos a lançar, cobrar, administrar e fiscalizar. Creio que são 41. Por isso o que nós precisamos é de restringir o seu número e não aumentá-lo. Por assim ser prematuramente'afirmo à Câmara que protestarei contra esse imposto se ele for lançado, como se diz..

Mais vale prevenir que remediar, e neste caso seria conveniente que não precisas- . semos do remédio.

Disse.

O Sr. João de Azevedo Coutinho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para propor

um voto de sentimento pelo falecimento do general-Sr. Alvos Roçadas.

O Senado ouve decerto com mágoa a nova do falecimento dum dos mais ilustres coloniais dos últimos tempos. Além das suas qualidades de colonial foi um militar da mais rara valentia, e ninguém pode esquecer o entusiasmo com que esse grande militar foi recebido quando veio da campanha dos Cuamatas. O serviço prestado por S. Ex.a nessa ocasião foi dos mais relevantes que se têm prestado nas colónias portuguesas.

Por isso eu proponho um voto de sentimento pela sua morte, e estou certo que toda a Câmara a ele vai associar.

Apoiados.

Vozes : — Muito bem.

O Sr. Mendes dos Reis: — Sr. Presidente: em nome deste lado da Câmara associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Azevedo Coutinho. ' Tive a honra de conhecer o general Sr. Alves Roçadas servindo sob as suas ordens em operações militares em África.

Profundamente comovido e penalizado me sinto pela morte de S. Ex.a a quem me ligavam grandes relações de amizade.

O general Sr. Alves Roçadas afirmou--se na guerra contra os Cuamatas como um oficial muito distinto, disciplinador, enérgico e duma vaJentia pouco vulgar.

Na segunda vez que foi a África comandando a expedirão de 1914, expedição em que tive a honra também de tomar parte, entrou em operações não só contra os indígenas como também contra os alemães em que mais uma vez mostrou as suas qualidades de militar brioso e onde prestou altíssimos serviços ao País.

Eu presenciei o combate de Naulila e vi actos de tal valentia praticados pelo general Sr. Alves Roçadas que quási se "podiam classificar de temerários.

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que era o exemplo a melhor forma de manter o moral das tropas e levá-las a combater com toda a coragem e brio.

S. Ex.a exerceu várias comissões públicas, todas elas com muito prestígio, revelando sempre altas qualidades de administrador e de chefe.

Ainda ultimamente no comando da l.a divisão militar tem procedido de forma a merecer o respeito e a estima de todos os seus subordinados.

Associo-me pois, em nome deste lado da Câmara, e em meu nome pessoal ao voto de sentimento proposto.

Tenho dito.

O Sr. Júlio Dantas: — Sr. Presidente : este lado da Câmara associa-se ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Azevedo Coutinho, com tanto mais razão e maior mágoa quanto ó certo que o falecido e bravo oficial inilitou nas fileiras do Partido Nacionalista.

Tenho dito.

O Sr. Caldeira Queiroz: — Sr. Presidente: associo-mo sentidainente ao voto proposto pelo ilustre Senador Sr. Azevedo Coutinho.

Efectivamente as qualidades qae concorriam no general Sr. Alves Roçadas eram de molde a todos nós muito sentirmos a sua morte.

Associo-me, pois, ao voto de sentimento proposto.

O Sr. Vicente Ramos:— Sr. Presidente:: pedi a palavra para me associar muito comovidamente ao voto de sentimento que acaba de ser .proposto pelo Sr. Azevedo Coutinho.

Tenho dito.

O Sr- Ferraz Chaves:—Foi com dolo resa surpresa que soube, quando usou da palavra o nosso colega Azevedo Coutinho, do falecimento do general Sr. Alves Roçadas.

Não tinha a honra de conhecer pessoalmente S. Ex.a, mas, como português não podia deixar de conhecer o nome glorioso dôssí1 «vn^ral.

O Sr. Alves Èoçadas fixou-se no m ou espirito como um verdadeiro herói.

É nessas campanhas (jue temos susten-

tado através da história que nós temos mantido sempre o nosso nome glorioso, num pé de egualdade ou mesmo de superioridade a qualquer outra raça.

O Sr. Alves Roçadas manteve sempre através da sua vida o seu nome de militar brioso e honesto, e teve sempre a consideração de todos os seus concida-

Assim a Câmara do Senado honra-se aprovando este voto de sentimento, e eu, embora tenha a mais apagada voz neste hemiciclo, com muita mágoa me associo a este voto de sentimento.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara considero aprovado por unanimidade o voto de sentimento.

O Sr. Fernando de Sousa: — Sr. Presidente: lamento que dos membros do Governo não esteja um só presente a esta primeira parte da sessão do Senado em que mais ou menos temos de chamar a atenção do Poder Executivo sobre questões de interesse público.

Abstraindo dessa presença posso referir-me a um facto que me surpreendeu bastante.

Nós discutimos e votámos no Parlamento projectos de lei relativos à emissão de selos especiais. Tratou se do selo da independência, do selo do Marquês de Pombal, da revalidação do saldo de selos do centenário da índia.

Agora vejo no Diário do Governo de 22 do corrente mês o decreto n.° 11:603 criando um selo especial da Madeira, que diz o seguinte:

Leu.

Se está na alçada do Poder Executivo essa criação, inútil é fazê Ia votar pelo Parlamento; se está, como creio, o decreto é iuconstitucional e o Governo fez ditadura.

Acho essa emissão perfeitamente útil embora se abuse bastante desse expediente, pois as emissões são feitas contando corn a paixão dos coloccionado-res, que já vão achando o tributo pesado.

Á providência tomada para o estabelecimento de um museu regional é útil mas incompleta.

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tom como á lindíssima Ilha da Madeira condições para atrair viajantes. Falta porém ali um casino municipal para receber os viajantes, e onde eles tivessem salas de leitura com revistas e jornais, salas de festas, restaurante, museu regional, salas de conferências, um escritório de informações, etc.

Ora há no Funchal um edifício do Estado que se encontra no mais miserável e criminoso abandono.

O Governo tomou posse de dois magníficos sanatórios que estão abandonados e em ruína e da quinta do Vigia que fica sobre a cidade, sobre o mar, próximo dos principais hotéis, com um lindo edifício em condições ideais para ali ser instalado um óptimo casino.

Essa quinta e edifício encontram-se abandonados. Há já cerca de ano e meio, depois de ter vindo da Madeira, me referi à conveniência que havia em o Estado a entregar à Câmara Municipal para ali se 'instalar um casino municipal com todas as condições exigidas num centro de turismo.

Para as despesas a fazer com a instalação e custeio podia aproveitar-se a taxa espocial de turismo e talvez também este auxílio extraordinário da emissão de selos.

Parece-me pois que o decreto citado é insuficiente e não atende a uma necessidade primordial, e por outro lado tenho dúvidas acerca do seu valor legal.

Quando se oferecer ocasião eu chamarei mais uma vez a atenção do Governo para este assunto, porque a transmissão1 das minhas palavras não pode ser feita só por intermédio das cadeiras ministeriais.

Lamentando ainda a ausência dos Srs. Ministros eu não me posso deixar de referir a outro assunto que tem sido muito versado tanto nesta casa do Parlamento com na outra: é a questão das estradas.

Elas estão no estado miserável em que sabemos. Deu-se até o caso pitoresco de os habitantes de Peniche terem feito uma fita que é'tudo quanto há de mais sugestivo e em que se verifica que é mais fácil viajar pelos sertões africanos do que pelas nossas estradas. Essa fita foi proibida, segundo se diz, sem ter nada de imoral, simplesmente porque punha em

relevo a escandalosa negligência da administração pública nesse capítulo.

A questão é simples. É preciso gastar muito dinheiro e pô-lo à disposição dos respectivos serviços.

Eu vejo no orçamento do Ministério do Comércio, que nós em breve havemos de discutir, uma verba insignificante dosti-nada a estradas.

Para conservação e reparação de estradas 4:000 contos que são absorvidos naturalmente pelo pessoal, e apenas 4:214 contos para pagamento de trabalhos de reparação.

Sei que foi apresentada uma proposta de lei para um empréstimo avultado, mas que desde 1920 é talvez a 5.a ou 6.a proposta que é apresentada.

O que não vejo ó qualquer solicitude da parte do Governo para a fazer aprovar prontamente. Para essa proposta,.em vista da miséria a que chegaram as nossas estradas, devia-se ter pedido a urgência e dispensa do Regimento, de modo que fosse discutida e aprovada prontamente.

Sr. Presidente: devo dizer a V. Ex.â que a Administração Geral das Estradas, que é composta por um corpo de técnicos muito competentes, tem organizado o seu plano de acção, tem até adquirido algum material aperfeiçoado como cilindros pesados, tem promovido empreitadas de c^rto vulto, tendo aparecido nacionais e alguns estrangeiros para as tomarem, adquirindo material apropriado.

Ês«=e pessoal sente-se porém desajudado dos poderes públicos e na impossibilidade de executar com segurança um plano de acção para o que lhe não são dados recursos.

Eu bem sei que o Governo pode dizer que o caso está entregue ao Poder Legislativo e que nada mais pode fazer.

Não é assim. Tinha obrigação de vir ao Parlamento e exigir que este assunto tam simples fosse tratado e resolvido com toda a urgência.

Por isso se estivesse presente qualquer membro do Governo se pediria a aprovação imediata desta proposta, porquo, se ela não for aprovada imediatamente, passaremos com certeza mais um ano sem se acudir à miséria em que se encontram as, estradas, que é deprimente para o País.

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O Sr. Presidente: — Comunicarei ao Sr. Ministro do Comércio as considerações feitas por V. Ex.a

O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente : tive agora conhecimento de que foi proposto nesta Câmara peio ilustre Senador Sr. Azevedo Couíinlio um voto de sentimento pelo falecimento do general Sr. Alves Roçadas. Em. come do Partido ~da União Liberal Republicana assoclo-rne comovidamente ao voto proposto.

E, como estou no uso da palavra, participo ao Senado que me desliguei do Partido Nacionalista, de que fazia parte, e me filiei tia União Liberal Republicana.

Todavia, devo declarar que desejo continuar a manier com os meus antigos correligionários as mesmas relações de amizade e consideração pessoal que sempre tive.

Tenho dito.

O Sr. Presidente:—Em vista de não estarem presentes os Srs. Ministros para entrarem em discussão os vários projectos que estão dados para ordem do dia, interrompo a sessão até que qualquer dos Srs. Ministros possa comparecer,.

Eram 1õ horas e 4ô minutos.

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

'Eram 15 horas e 66 minutos.

O Sr. Artur Costa: — Sr. Presidente: pedi a V. Ex.a a fineza de me dar a palavra quando estivesse presente o Sr. Presidente do Ministério ou algum dos ilustres Ministros, para S. Ex.as me darem a honra de ouvir as ligeiras considerações que vou fazer.

Desejo referir-me a dois assuntos. O primeiro é o que diz respeito ainda à qupstão das senhas de progressão, etc. Sentiu-se um certo abalo às primeiras repercussões que este caso teve. Retraíram-se eatão, mas para logo depois se desenvolverem ainda com mais largueza, de tal maneira que os anúncios nos jornais, que eram já muito reduzidos, são agora ainda, mais numerosos.

Para este assunto chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça, a fim de que S.

Ex.a intervenha, como distinto jurisconsulto que ó.

O Sr. Dr. Teixeira Direito disse a um jornal que não havia lei nenhuma ao abrigo da qual a polícia pudesse reprimir os abusos. Foi sem dúvida devido a esta entrevista, que certamente- nào foi feita propositadamente para animar os explo-dores, mas que trouxe essa consequência, que os exploradores se sentiram inais à vontade para alargar as suas ilegais transacções.

Esta entrevista foi dada em l do corrente mês de Abril, e em 19 o mesmo jornal publica uma nova entrevista com o Sr. director da polícia de investigação criminal, Dr. Crispiuiano da Fonseca, em que S. Ex.a, respondendo à pregunta do jornalista sobre se tinha proibido a passagem das senhas,-disse o seguinte:

«Não fiz qualquer proibição. Os jornais deram a notícia, é certo, mas não foi exactamente essa a resolução que tomei. Desejo solucionar este caso por uma forma amigável o suasória, sem recorrer a violências, que podem ser mal interpretadas».

Das palavras do Sr. Dr. Teixeira Direito nós poderíamos talvez concluir que efectivamente o negócio seria lícito, c até talvez por virtude daquelas animadoras palavras os próprios comerciantes que lançaram mão desse modo de apanhar dinheiro aos incautos não se esqueceram de acrescentar aos seus anúncios estas palavras : casa devidamente matriculada no Tribunal de Comércio.

Certamente a matrícula no Tribunal de Comércio não foi feita para esses comerciantes se lançarem nesta exploração que eu já classifiquei de burla, por várias vezes, do que não mo arrependo.

Mas, como quer que seja, se a polícia declara que não tem lei para poder reprimir essa burla, necessário se torna que o Governo tome as providências muis consentâneas; e se não tem lei com força suficiente para obstar a estes abusos, venha ao Parlamento com uma proposta nesse sentido. No emtanto, tanto quanto eu posso conhecer deste assunto, julgo que não é necessária nenhuma providência legislativa.

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dadeira lotaria, sem garantia, som responsabilidade, sem fiscalização nem lei que a autorize, sendo os seus lucros aplicados a favor dos particulares para estes se governarem à custa dos «parvos» quê compram as senhas.

Eu assim o entendo, e por isso julgo ser necessário que o Estado intervenha a sério; e se realmente, como a polícia confessa, não tem poderes para coibir estes abusos deve o Governo tomar as .providências necessárias.

E para isso que eu ouso chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça, pedindo--Ihe o obséquio de, por si e pelo Sr. Ministro do Interior, dar providências sobre este assunto.

Outro caso que desejo tratar é o que respeita à repressão do jogo de azar.

Corre pelos caies, ptlos passeios e até pelos eléctricos, que o jogo de azar não se reprime em Lisboa porque a polícia não quere; e o caso vai tomando já proporções que me incomodam moralmente, como de resto a todos os portugueses que têm necessidade de confiar nos agentes policiais, que são a guarda das nossas pessoas e dos nossos haveres.

Pregunto a V. Ex.a se porventura, já podem escrever-se na imprensa as palavras que eu tenho lido em alguns jornais, em que se fazem as mais graves acusações à policia, dando-a como cúmplice de gatunos, e se não há quem dê providências para num inquérito se averiguar até que ponto estas acusações são verdadeiras — e eu quero acreditar que são falsas; mas. por isso mesmo, desejo e tenho o direito de reclamar que providêucias sejam dadas a fim de se averiguar de verdade — para que se proceda contra os agentes prevaricadores ou contra aqueles que caluniam, pois se me afigura que esta campanha que se está levantando contra a polícia, se não tem fundamento, é pelo menos derrotista e tendente a destruir pelo descrédito uma instituição que em muitas circunstâncias tem prestado relevantes serviços à sociedade.

Sr. Presidente: puseram-se-me os cabelos em pé ao ler a narrativa que vem no Diário de Lisboa em que o director do Club dos Patos, que agora está preso como implicado num crime de morte, se refere a um chefe de polícia, de quem eu nunca ouvi senão referências agradáveis, que era

considerado como dos mais honestos da corporação,, e do qual aquele director de club diz esta cousa terrível: que quando a sua brigada saía em serviço de repressão, avisava pelo telefone, com cifra combinada, o referido club, mediante uma importante espórtula semanal, a fim de que quando a mesma brigada ali chegasse os jogadores ou tivessem desaparecido ou estivessem a comer.

Isto é verdade? Só é verdade é preciso castigá-lo; mas se é mentira, torna-se indispensável que o caluniador sofra as consequências do seu acto maldoso.

E para estes dois pontos que desejo chamar a atenção do Governo. São ambos importantes e nós não podemos estar a dormir ou a descansar sobre eles.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: conforme disse o ilustre Senador Sr. Artur Costa, efectivamente os assuntos que S. Ex.a acaba de abordar são assuntos sobre os quais o Governo não pode descansar.

Ambos eles são ou podem ser gravíssimos, porque o primeiro pode dizer respeito a um crime previsto e punido pelo Código Penal, e pode também dizer respeito a 'infracção de leis civis ou comerciais.

Se essas sociedades estão devidamente registadas .e podem explorar o negócio a que S. Ex.a se referiu, então não há dentro das leis disposição alguma que reprima semelhante abuso — se abuso ó— mas eu creio que efectivamente o é.

Não creio, Sr. Presidente, que dentro das leis do nosso Puís haja permissão para uma exploração desenfreada do público. Mas se houver uma cousa dessas, estou de acordo em que se traga ao Parlamento uma medida para a evitar.

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se ia fazer sobre eles. Mas, como digo, eu vou transmitir ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior as considerações do ilustre Senador, na certeza de que o assunto será devidamente estudado.

O orador não reviu.

O Sr. Artur Costa (para explicações}:— Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro da Justiça as suas explicações, com as quais eu-já contava, pois sei quais são os seus primores de educação, e para acrescentar quo pedia fosse tomado na devida consideração, o mais breve possível, o caso das senhas. Só se trata do uma lotaria, cm Portugal só pode haver uma. Se não é lotaria então estamos em face de uma b ária, que deve ser punida pelo Código Penal. Tenho a certeza de que o Governo não deixará de estudar o assunto, adoptando rapidamente as providências que o caso reclama.

O Sr. Ferraz Chaves: — Sr. Presidente: li no jornal o Diário de Noticias uma notícia, entre grave e picaresca, de que quando ia realizar-se um casamento num posto de registo civil, salvo erro, no distrito de Santarém, se verificou que tinham desaparecido os documentos para,isso necessários, atribuindo esse facto a uns indivíduos que momentos antes no mesmo lagar tinham estado a beber copos de aguardente.

Parece depreender-se disto que oposto do registo civil estava instalado em alguma taberna ou mercearia, em todo ocaso em lugar pouco próprio.

Várias reclamações, Sr. Presidente, têm sido feitas neste sentido.

Não vou falar sobre a conveniência dos postos de registo civil, mas peço ao Sr. Ministro da Justiça que tome as providências necessárias para quo eles sejam instalados em pontos onde a solenidade relativa ao acto se possa manter.

Tenho conhecimento do casos em que os casamentos são feitos por funcionários ajudantes em mangas do camisa e nem semprtj camisas limpas, mas antes manchadas com nódoas do vinho.

Há uma íoi, em quo colaborei; pola qual nenhum posto de registo civil pode ser instalado sem,que a câmara munici-

pal ou a junta de freguesia forneça casa apropriada.

Tinha isso por fim moralizar o acto, mas vejo que continua a haver abusos.

Eu lembro a vantagem de ampliar esta disposição da lei aos postos já criados, para evitar estes factos.

Se se tratasse.de nascimentos o óbitos podia tudo isso passar, mas há também os casamentos, cujas cerimónias devem ser revestidas de certa solenidade.

Decerto que estas considerações estão também no espírito do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses):: — Ouvi as considerações do Sr. Ferraz Chaves, que ó uma das pessoas quo no nosso País têm mais autoridade para falar no assunto.

Diz S., Ex.a, e muito bem, quo o Estado não pode nem deve consentir que um acto do tremenda importância como o casamento não seja revestido de certa so-lenirlado e decência. E eu concordo com S. Ex.a em que'é necessário habilitar o Ministério da Justiça para que providências sejam dadas a fim de que se suspendam esses postos quo não estejam instalados convenientemente.

Eu participarei ao Sr. conservador geral o'ssas observações para que esses factos se não repitam, e chegarei até à. trazer uma proposta de lei se for preciso.

O Sr. Ernesto Navarro: — Mando para a Mesa um projecto de lei.

O Sr. Herculano Galhardo:—No Diário do Senado que recebi ontem em minha casa vem o relato da sessão n.° 24 em que se encontra um discurso meu sobre a proposta dos duodécimos e eu só tenho por esta transcrição de felicitar o serviço de taquígrafos desta casa do Parlamento porque, efectivamente, está quási textualmente o que eu disse.

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registe na acta esta minha declaração. No mais o discurso está realmente bem transcrito.

O Sr. Presidente:—Voa mandar fazer a rectificação a que V. Ex.a aludiu com justiça.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente : — Deveria entrar em discussão a proposta de lei n.° 104, declarando irrito e nulo o decreto n.° 1:116.

Mas os artigos 2.° e 3.° estão substituídos por artigos novos constantes de emendas já enviadas para a Mesa.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catunho de Meneses):—Era precisamente para abordar o assunto, que me parece V. Ex.a estava tratando, que eu tinha pedido a palavra

Mandei ontem para a Mesa uns oito artigos novos e por eles se verifica que tanto a doutrina do artigo 2.° como a doutrina do artigo 3.° são notavelmente alteradas e, por isso, mando para a Mesa a seguinte proposta:

Proponho que o artigo 3.° se considere substituído pela doutrinados l.°e 6.° artigos novos que enviei para a Mesa na sessão plenária de ontem.—João Cata-nho^de Meneses.

É lido o artigo 3.° do projecto.

Lê-se a proposta de substituição deste artiqo.

Ê admitida.

O Sr. Querubim Guimarães: — Este artigo, em virtude das propostas de emenda que ontem foram mandadas para a Mesa pelo Sr. Ministro da Justiça, sem dúvida que uma grande parte deste artigo é atingida por uma dessas emendas e sem dúvida nenhuma também essa proposta terá de baixar à Secção para que não fique de tal modo desorganizada que traga grandes^ prejuízos na prática.

É ocasião, Sr. Presidente, de lembrar novamente ao Sr. Ministro da Justiça a conveniência que havia de se fazer a distinção entre os crimes do Angola e Metrópole .e os do fabrico e passagem de moeda falsa, para que outro qualquer

Sr. Ministro da Justiça, ou mesmo por iniciativa "do Poder Legislativo, não íuija necessidade de reformar esta lei, porque é um pouco violento que 36 juizes se desloquem de qualquer ponto do País onde se encontrem para virem a Lisboa julgar crimes de fabrico e passagem de moeda falsa.

Compreende-se e admite se que, nesse caso tam excepcionalmente grande e grave como este, se desloquem 36 juizes, embora isso vá afectar o princípio da organização do júri.

Não quero, agora, reeditar as considerações que foram expostas tanto por mim como por outros Srs. Senadores. Mantenho o meu ponto de vista de que esta organização devia obedecer a outro critério e não àquele a que obedeceu. Ou há tribunais colectivos, e devem então classificar-se como tal, ou então deve organizar-se um júri especial.

Compreendo a situação do Sr. Ministro da Justiça em presença de um caso desta ordem, que é de bem difícil solução. Por um lado tem S. Ex.a a Constituição e por outro a necessidade de uma providência que o habilite a punir este crime. A situação é embaraçosa, mas perante um caso destes a consciência nacional não se revoltava nada com o facto de se saltar um pouco por cima da Constituição, visto tratar se também de um caso muito excepcional.

O Sr. Ministro da Justiça disse aqui que é exquisito alguém pensar que um juiz de direito nunca é um juiz de facto.

Ora S. Ex.a sabe perfeitamente que o juiz de direito é uma pessoa habituada a fazer justiça, apreciando as questões de facto, mas está também absolutamente cingido dentro de um colete de forças, que é o cumprimento estrito da lei, que o embaraça na apreciação da própria prova. Molière comparou o iuiz de direito com um soldado de linha e o juiz togado com um soldado da guarda cívica.

Ora todos os actos "eram disciplinados e de tal modo que quási obedeciam a uma regra militar.

Sem dúvida nenhuma que isto é perfilhado por outros tratadistas filiados no convencimento da necessidade de obrigar ao cumprimento da lei.

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ciar pelos discursos dos advogados, não tem de dar satisfações a superiores e procede, portanto, segundo a sua consciência.

Sem dúvida eu não sou apologista do júri e entendo que seria da máxima conveniência reformar a formação do júri, tanto comercial como criminal.

Mas, numa pauta do 36 jurados, recrutados entre os juizes de direito para julgar crimes de passagem de moeda falsa insignificantes, não faz sentido.

V. ExJa compreende muito bem que as sanções que agora preconiza nesta proposta de emenda, que ontem mandou para a Mesa. com as quais eu muito me congratulo, pois que foi, sem dúvida, devido Es minhas sugestões e de outros ineus colegas que V, Ex.a tomou essa resolução, não são de aplicar nesses simples crimes de passagem de moda falsa, e vai V. Ex.* pôr a sua proposta ao abrigo de possibilidades esquisitas, que se podem dar de futuro.

Sem dúvida alguma os juizes escalonados para fazerem parte do júri especial, salvo caso de força maior, como doença devidamente comprovada, não podem escusar-se a esse dever. •

Mas V. Ex.a compreende que não podem deslocar-se, como principio a aceitar em todos esses crimes, 36 juizes dessas comarcas do continente para virem a Lisboa julgar crimes desta natureza.

Mais: não é só o júri especial que se tem de deslocar, é o próprio princípio do foro, que é aquele onde se pratica o delito, que é absolutamente postergado.

Para este caso excepcional acho bem que se determine uma comarca especial, mas para os outros não faz sentido, e ainda há pouco tivemos um exemplo fri-sante com os passadores de notas de conto, presos em Trancoso, e que, segundo esta proposta, teriam de ser julgados em Lisboa.

<_0ra p='p' este='este' de='de' remediar='remediar' meio='meio' inconveniente='inconveniente' haveria='haveria' _='_'>

Parece-me que sim. Eu poderia mandar para a Mesa uma proposta nesse sentido, mas ela teria, certamente, o mesmo destino que todas as minhas propostas anteriores. Por parti pris?

Não sei, mas infelizmente é assim. Por várias vezes eu tenhof em diversos

assuntos, posto toda a minha colaboração, pois dificilmente eu encontro da parte da maioria e do Poder Executivo aquela boa %^ontade, aquela consideração que eu devia merecer quando sinceramente exerço o meu cargo dentro desta casa do Parla* mento.

Quando eu, porventura, faço política compreendo que assim procedam para comigo.

Agora, quando eu procuro aperfeiçoar o mais possível a técnica dos diplomas que saem desta Câmara, não ó justo que me ponham de parte.

Dizem depois que o não fazem intencionalmente.

Pareço me que seria conveniente fazer uma distinção entre os crimes do Angola e Metrópole e os outros insignificantes.

Mas se o Sr. Ministro entender que não é possível fazê-lo, desde já lhe vaticino que apenas soja julgado este crime imediatamente haverá necessidade de fazer desaparecer este diploma.

Neste artigo há uma disposição, o parágrafo 2.°, que está de encontro à intenção GO Sr. Ministro da Justiça.

Na proposta inicial eu verifico que houve a intenção de não demorar o julgamento.

Mas, na proposta aqui existente surge uma disposição absolutamente contraditória..

Leu.

Eu. tinha uma proposta sobre o assunto, mas o Sr. Ministro da Justiça mandou ontem uma série de emendas que podem modificar o aspecto da proposta,

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catíinho de Meneses): — Ouvi as considerações de S. Ex.a com muita atenção.

S. Ex.a mais unia vez tem repetido que desculparia ao Governo qualquer medida embora inconstitucional atentas as circuns-tâncirs extraordinárias deste crime.

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lidade de uma disposição, o juiz tem o direito de conhecer se o diploma é ou não constitucional, e, se não o julga constitucional, despreza-o.

Sendo assim, por melhor vontade que houvesse, eu não podia garantir que o juiz, .querendo respeitar a Constituição, entendesse que ele era absolutamente inconstitucional e anular por consequência o processo.

Tenho de repetir aquilo que disse ontem.

Se o decreto ó inconstitucional, o de 30 de Novembro de 1914 é como se não existisse, porque representava da pa?te do Poder Executivo a prática de um acto para o qual não tinha autorização, se é necessário ao Poder Executivo ter autorização para proceder a certos actos que não estão no seu âmbito, efectivamente, desde que lhes falta essas autorizações, compreende-se que tudo quanto faça seja absolutamente nulo.

Mas aí está porque eu não podia, embora fosse para desejar o tal tribunal co-letivo, à face do artigo 59.° da Constituição trazer ao Parlamento essa proposta, porque retorquir-me-iam porventura com a Constituição e eu não teria a certeza de que os processos não seriam absolutamente anulados porque era inconstitucional o diploma em que eles se fundavam. E, devo dizer que folgo com S. Ex a nesse ponto por S. Ex.a estimar que semelhantes processos fossem entregues a um tribunal coletivo porque daí deduzo isto: que lse V. Ex.a desejava esse tribunal colutivo, dando por consequência amplas funções ao juiz, V. Ex.a de certo modo concorda comigo que os juizes de direito estão aptos para conhecer tamléoa de facto.

V. Ex.a de certo modo confessa que não lhe repugna como princípio que o juiz de direito, ele só, venha tomar conhecimento tanto do facto como do direito.

Preocupa S. Ex.3 que se vá deslocar 36 juizes, que tantos são aqueles que compõem a pauta segundo a .Navíssima Ke-forma Judiciária, trazê-los a Lisboa para se julgar não só o crime do Angola e Metrópole que S. Ex.a concorda que é de tal gravidade que efoctivameote todo o sacrifício que se faça e qualquer perturbação que isso cause h administração da justiça em todo o caso essa perturbação é menor do que aquela que resultaria de

não haver um júri condigno para o caso, mas, preocupa S. Ex.a, repito, que afora esse crime do Angola e Metrópole deva existir um júri constituído da mesma forma para julgar pequenos delitos, como seja, por exemplo, a falsificação de cédulas.

Devo dizer que ria proposta que mandei para a Mesa eu já modifiquei um pouco a proposta primitiva atendendo a que na proposta primitiva qualquer crime relativo a fabrico e passagem de.notas falsas estava sujeito a esse júri embora pelo Código Penal muitas vezes a passagem de notas falsas não seja punida com aquelas penas que estão na alçada do júri.

Por exemplo, se um inâivíduo não sabia que as notas eram falsas quando as ré* cebeu, e depois o soube e pretendeu passá-las, o crime é de menor gravidade.

E por isso que restringi a intervenção do júri, dizendo que ele intervinha somente quando, segundo a lei comum, tivesse de intervir.

No entretanto eu espero que o Conselho Superior Judiciário, a quem o assunto está entregue, pese todas as circunstâncias e que se laça a escolha de pessoas não só atendendo aos merecimentos de cada um, mas principalmente aos serviços das respectivas comarcas, atendendo também aos substitutos que existem nessas comarcas e enfim atendendo a outras cn> cuDstâncias que tornem menos onerosa para a administração da justiça essa deslocação ,do júri.

Eu entendo que é preciso, pelo menos nos, primeiros tempos, ser absolutamente rigoroso com a falsificação, porque a falsificação é um crime, não pelo que ela tenha de valor em si nos pequenos casos a que V. Ex.a se referiu, mas pelo que ele significa no fundo.

Se vamos sujeitar esses crimes ao julgamento da polícia correccional, em que os delinquentes são á maior parte das vezes absolvidos e outras punidos com pequenas penas, essa punição fica sendo para o futuro não uma advertência mas uma instigação para o crime.

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pequeno delito,-como nós chamamos no nosso Código Penal.

O criminoso não ó só pelo facto de furtar ^20 ou 1.000#.

E criminoso pela índole que revela, pelo que ele representa de ataque à vida social.

Aí é que está todo o dano; não está no valor do furto, está na intenção do que ele revela, por outro lado constatando-se entre nós, como se pode ver pelos relatórios apresentados pelo Bauco de Portugal, que tem crescido de ano para ano a falsificação de notas, isto significa que o crime 'vai alastrando e que novos adeptos se vão criando, adeptos que são na verdade perigosos.

Não é só ao crime* que se deve olhar, mas também ao criminoso.

Não se mete o criminoso dentro de uma cainpânula, por assim dizer, para se atender só ao delito em si. . O nosso Código Penal é como que uma tabela de selo. Para tal quantia é este selo, como para este crime é esta pena»

Não pode ser assim.

Encarando eu por consequência o problema por este lado, que me parece o lado sciêntírico, não posso evidentemente admitir que o facto de se falsificar uma cédula de $20 possa ser tido como um facto insignificante em si. Não, porque, como já disse, tem de se atender à natureza do criminoso, aos seus antecedentes e às suas própensões.

È por isso que eu ent mdo que emquanto não houver uma reforma da cossa jrgisla-ção peaal, ou pelo menos einquauto não se conhecer verdadeiramente este crime do Angola e Metrópole, que há-de servir por assim dizer do escalão aos quo depois quiserem falsificar, entendo que será de toda a conveniôncia, embora transitoriamente, estabelecer este júri.

Nem eu nem o Governo podemos de maneira alguma fazer questão fechada destas disposições.

Todas as propostas, pois, que venham no sentido de melhorar a que eu apresentei ^serão efectivamente bem vindas..

E por isso que eu me permito dizer que o Sr. Querubim Guimarães, quando diz que sejam as suas propostas quais forem ele já sabe que vão ser postas de parte, não tem razão.

S. Ex.a está certamente mal impressio-

nado a tal, respeito, pois nem o Senado nem a Secção podem ter a preocupação da cor política do ilustro Senador para imprimir rejeição às suas propostas.

S. Ex.a conhece bem a consideração em que eu o tenho e que o Senado lhe tem prestado.

Convenço-me de que o Senado não deixará de aceitar as propostas que o ilustre Senador apresente., desde o momento em que assim o entenda em sua consciíncia. Em nada para-isso pode influir a palavra quente que o Sr. Querubim Gu marães tem quando se refere à Kepública.

Pode S. Ex.íl ser violento; posso eu também esquecer-me de que est< u neste lugar de Ministro e não no de Senador. Apesar disso, apesar do calor que posso pôr nas palavras que proíiro e i e todo o meu entusiasmo, eu sinto sempre pelo meu adversário político a mesma admiração e o mesmo respeito, mantendo a linha de conduta que todo o homem deve ter para com o mandato da Nação, seja qual for a sua origem.

No que respeita aos agravos, teve o ilustre Senador a amabilidade de dizer-me nos corredores desta Câmara que o artigo tinha sido assim redigido, tendo até ido à secretaria para saber o que se havia passado a tal respeito e sendo-lhe aí dada a informação de que o referido artigo viera da Câmara dos Deputados.

Ora, não foi bem assim. Pelo empregado da secretaria foi dito que a palavra «somente» estava em entrelinha e que em lugar de «nunca» tinha posto aquela, o que deu a interpretação às avessas.

Eu entendo que não é necessário incluir nesta proposta disposição alguma a respeito dos recursos levados para instância superior, porque a disposição do artigo t).° dum decreto de Fevereiro de 1911 está inteiramente eiu vigor.

Por essa disposição, que é um decreto, dão-se medidas rigorosas no processo-cri-me, a respeito da suspensão ou não suspensão dos agravos, e até a respeito da interposição, são até tam rigorosas que, quando o juiz reconhece que o agravo é meramente dilatório, não o admite.

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qualquer disposição relativa aos recursos. /

. Outro assunto a que se referiu o Sr. Querubim Guimarães. Disse S. Ex.a: «que as sugestões do Senado o o que eu disse aqui na Câmara levaram quem ocupa a pasta da Justiça a reagir estes artigos novos que foram mandados para a Mesa, de modo que houvesse alguma sanção para os juizes jurados que faltassem».

Como S. Ex.a vê, não há sanção nenhuma nesta proposta. O que há apenas é que eles terão de justificar a sua falta.

S. Ex.a, no ponto de vista em que se colocou, podia censurar-me, dizendo: <íE p='p' sancção='sancção' a='a' se='se' fizerem='fizerem' é='é' assim='assim' qual='qual' não='não'>

S. Ex.a não me fez essa pregunta.

Perdoe-me S. Ex.a que eu. lhe diga, se me não encontro em lapso, a disposição do artigo 188.° do Código Penal pune a testemunha que faltar e os jurados com a pena de desobediência.

E assim, compreende S. Ex.a que eu não mereceria a censura — censura não digo bem, porque o Sr. Querubim Guimarães ó sempre extremamente amável— mas que S. Ex.a notasse que não houvesse sanção para os juizes jurados que faltassem.

Eu digo a V. Ex.a que não era preciso porque lá está a sanção do artigo 188.9 do Código Penal.

Aqui tem o Sr. Querubim Guimarães a resposta que eu lhe deveria dar.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A proposta vai ser enviada à Secção respectiva.

Vai entrar em discussão o orçamento do Ministério da Justiça.

O Sr. Ernesto Navarro: — Requeiro a dispensa da leitura.

Consultada a Câmara, foi dispensada, entrando em discussão na generalidade. '

O Sr. Alfredo Portugal: — Sr. Presidente: ainda bem que o Poder Legislativo na sessão legislativa que vai decorrendo, parece ter-se compenetrado de que o regime dos duodécimos não podia manter-se e bom seria que se entrasse na discussão dos. orçamentos. Ainda bem que o Parlamento não está disposto a sofrer mais

censuras, por parte de quem quer que seja, e, antes pelo contrário, esteja na melhor disposição de colaborar com o Poder Executivo, que apresentou a tempo e horas os orçamentos que agora se estão discutindo.

Não será o Senado, creio bem, não serei eu, que, por qualquer forma, fciría-mos demorar, assim o creio, a apreciação destes importantes diplomas, e por isso, não serão muito longas as minhas considerações.

No Ministério da Justiça muito há a íazer, imenso mesmo, e todavia, os rendimentos que os tribunais trazem para o Estado, bastantes até, deveriam ser unicamente aplicados no bom funcionamento de todos os serviços judiciais, mas nãq são.

Sr. Presidente: passarei a referir-ine a vários pontos.

Um deles é o que diz respeito à obra de preservação dos meuores em perigo moral.

O rendimemto que advém para essa obra é o que provém do artigo 104.° da Lei da Separação da Igreja do Estado, e ainda uma pequena percentagem das lotarias.

Todavia, devo confessá-lo, não posso fazer censuras ao que se tem feito acerca da preservação dos menores em perigo moral, ainda que na maioria seja devido ao grande incremento, ao enorme impulso a ela dado pelo actual inspector Sr. Augusto de Oliveira, para quem vai a expressão sincera da minha admiração. :

Seguidamente à publicação do decreto n.° 10:767 de 15 de Maio do passado ano que veio a regulamentar o diploma de 2õ de Maio de 1911, é que estes serviços do protecção aos menores têm'tomado muito maior incremento.

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Vejo, com satisfação, no presente orçamento, umas verbas mais ou menos importantes para refúgios, reíormatórios e casas correcionais. Como reformatórios, isto é, estabelecimentos para receberem os delinquentes menores no segundo grau 'de criminalidade existem já os de Vila do Conde, S. Fiel, Caxias e em "breve o 'da Guarda e, como colónias ou casas correcionais a de Vila Fernando e Izêda, para os delinquentes menores do terceiro grau de criminalidade, sendo esta para t)s do norte e aquela para os do sul.

Bom seria que no mais curto prazo de tempo se instalassem novas Tutorias cen-.trais, como sejam as de Évora e Braga, emquanto não se-possam ir instalando nas capitais de todos os distritos, como seria para desejar. Muito, porém, há aiuda a lazer, sendo de lastimar que o Tesouro não possa concorrer eficazmente para a resolução, em parte, desse momentoso problema.

Kepito, já alguma cousa se tem feito neste sentido e, certo estou, que não serão descurados tais serviços pelo Estado.

O Sr. Caldeira Queiroz : — Muito, muito l

O Orador:-— E muito mais se poderia ter feito e espero se fará pois ò actual titular da pasta da justiça, pessoa de comprovada dedicação por obras tam grandiosas, inteligente, conhecedor de 'todos estes assuntos, não os descurará, sei-o bem.

Ma&, Sr. Presidente, se muito se tem feito, se muito "há a fazer, pelo que respeita aos delinquentes menores, também muito M a íazer com relação aos delinquentes maiores;. Se olharmos para o que se passa com os vadios, que vão apodrecendo pelas cadeias, por . essas cadeias sem higiene alguma, sem salubridade que vão esperando vez para entrarem em estabelecimentos penais, temos de concordar que bom seria que o Poder Executivo olhasse para'eles com olhos de ver.

Apoiados.

E já que falamos nesta ordem de delinquentes, diremos também o que pensamos acerca do regime-penal e presional que deveria estabelecer-se para os criminosos maiores.

Eeduzir-se-iam as penas maiores â de

degredo na colónia de Angola, onde se Criariam três granjas penais, destinadas: a primeira, a criminosos de quem, pelos seus antecedentes e circunstâncias do crime, é lícito esperar-se a sua regeneração ; — a terceira, aos reincidentes e outros de -quem já não é lícita essa esperança, e, — £, segunda, a uma classe de intermédios,— podendo todos transitar de uma para as outras, segundo o seu comportamento e nos termos de diplomas a elaborar, em que se fixariam as condições de local, trabalhos, regalias, etc. tendo em devida conta a regeneração dos mesmos, a defesa social e a colonização daquela colónia.

Para a melhor classificação destes criminosos, também seria conveniente o seu estudo e observação, devendo o resultado passar para boletins médicos-psicológicos.

E, pelo que respeita ao regime prisional na metrópole e ilhas adjacentes—: aplicável apenas a presos condenados em penas correccionais, cujos limites se elevariam—deveria criar-se uma granja penal em cada distrito administrativo, na qual o criminoso exerceria o seu ofício e de onde não sairia senão quando se tornasse um valor social positivo'—o que poderia dar-se até, antes do termo da condenação. Seriam, para Gste fim, convenientemente instruídos e educados, -e; para a construção dessas granjas, aproveitar-se-ia o trabalho dos presos que povoam as cadeias do país. as quais ficariam servindo apenas de depósitos provisórios dos que aguardassem julgamento.

Depois, em diplomas vários, aperfeiçoar-se-iam estes serviços de modo o, conseguir-se .Ôsse desideratum, pondo-se de parte o decreto referente ao regime de trabalho dos presos que está em vigor, isto é, o .decreto n.° 6:027, que permite que os presos se conservem de dia era liberdade dedicados ao trabalho, recolhendo de noite às cadeias.

Nas colónias ou granjas penais a quê venho de referir-me e, quando estabelecidas, aproveitar-se-ia o trabalho desses presos.

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Pelo que respeita ao capítulo 4.° que se inscreve: «Serviços de justiça», muito há que dizer. Todos sabem que a legislação penal, pelo que respeita à parte processual, é deplorável, ó caótica.

Legisla se por conta-gotas, sem sistema, nem unidade, sem concatenação alguma, urgindo-lhe pôi lhe termo.

E, se a legislação penal é como digo, a de processo civil também precisa de reforma. Não tem nero a simplicidade, nem a celeridade que a vida moderna reclama.

Já muito antes da proclamação da República e referente ao processo criminal alguma cousa se tratara fazer.

Ainda chegou a ser apresentado às Câmaras, segundo creio, um longo e bem elaborado trabalho : — um Código de Processo Criminal completo, da autoria do saudoso magistrado que foi o Dr. Trindade Coelho e do grande jurisconsulto e juiz Dr. Veiga.

Bem sei que, ainda não há muito tempo, em 27 de Janeiro último, foi apresentado nesta Câmara um projecto de lei da inicia liva do Sr. Pedro Chaves, que teve o n.° 42, que respeitava a codificação dos diferentes diplomas ou disposições legais em vigor sobre cada ramo de direito ou serviço público.

Mas, sobro a execução de um futuro diploma legal—já aprovado em Fevereiro — disse eu logo, quando da sua discussão, que se tratava de música celestial, e baseava me para tal na gra-tuituidade das comissões encarregadas dessas codificações.

Continuo ainda a pensai; da mesma forma e, quanto à pasta da Justiça, afigura-se-me que uma comissão de técnicos poderia resolver o assunto.

A 15 anos de República e o estado caótico da legislação criminal cada vez se agrava mais.

No proficiente relatório apresentado ao Conselho Superior Judiciário pelo ilustre presidente da Relação deste distrito judicial, o Sr. Dr. Sousa Monteiro, apresenta S. Ex.a uma solução que se me afigura a mais adequada para se conseguir esse dcsideratum, qual seria a nomeação de técnicos, com os proventos necessários para, em um determinado prazo, apresentarem o trabalho que lhes fosse cometido, o qual depois seria apre-

sentado ao conselho Superior Judiciário, que, por SUE vez, o submeteria a novo exame de outra comissão pelo mesmo conselho nomeada.

S. Ex.% nesse relatório desenvolve este ponto, como muitos routros, com a proficiência e inteligência que todos nós, magistrados, lhe reconhecemos.

No. orçamento porém não vejo qualquer verba destinada a esse fim.

Todavia, creio ser este ponto um dos que não será descurado pelo Sr. Ministro da Justiça porque S. Ex.a, tam bem como eu, sabe a falta que está fazendo um Código do Processo Criminal e a codificação e modernização do direito civil.

Outro ponto que entendo dever tocar ó o que respeita à reorganização judiciária.

O artigo 85.° da Constituição Política da República Portuguesa prometeu, em 1911, uma reorganização judiciária. Até hoje, porém,, nada se fez nesse sentido, a não ser a substituição da Relação de Ponta Dolgada pela de Coimbra, a criação de uma comarca a .mudança da sede de uma outra e mais nada.

Todavia, todos sabem como a reorganização comarca se torna bem necessária.

Ainda ultimamente, quando aqui se discutiram os julgados municipais, eu afirmei que achava mais justo que tal assunto ficasse suspenso até quando se tratasse da reorganização judiciária porque, aí, se poderia em face de elementos seguros, ver se deveriam ficar como comarcas ou não.

A Relação de Lisboa tem 16 juizes, além do presidente, a do Porto 15 e a de Coimbra 11; todavia a de>proporção do serviço de qualquer delas para a de Lisboa é imensa. Nesta, os-juízes estão so-brecarregadíssimop. Por curiosidade, vou ler à Câmara uma nota de onde consta o número de processos que nos últimos cinco anos entraram, foram discutidos e julgados na Relação de Lisboa:

1919-1920 . ....... 1:088

1920-1921....... 1:215

1921-1922....... 1:338

1922-1923....... 1:640

1923-1924 ....... 2:070

1925....... 1:412

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Diário das Sessões ao Senado

satisfação a tam importante movimento, e assim conclui-se que, sendo o serviço desta Relação extenuante e intensivo de mais para esses juizes que a compõem, necessário seria que se aumentasse esse númoro cem mais 2 ou 3.

Em meu entender, devem ser conservadas as três Relações existentes, e daí deverá manter-se a de Coimbra. .Não é simplesmente com uma remodelação das áreas dessas Relações que se melhora a situação delas ; é necessário aumentar o número de juizes. A forma ds o fazer deixo-a ficar ao critério do Sr. Ministro da Justiça.

Um outro ponto desejo tratar e fá-lo hei sucintamente. E o que respeita aos ins-pector^s judiciários.

Existem apenas três inspectores encarregados de fazer a fiscalização das comarcas do continente e ilhas adjacentes e ainda os inquéritos que lhes foram ordenados pelo Conselho Superior. Como as comarcas são bastantes e os inspectores em número deminuto, não se tem feito as inspecções que bom seria fazer-se para a melhor administração da justiça. Apesar da boa vontade dos inspectores e do Conselho Superior, até hoje, pelo que respeita ao distrito de Lisboa, apenas se achcim inspeccionadas dois terços, se tanto, das comarcas, acrescendo ainda o facto de um desses inspectores ter sido deslocado para a direcção dos serviços da investigação da burla do Banco Angola e Metrópole, ficando portanto apenas dois juizes inspectores. Parece-me pois, estar aconselhado que se aumente o número de inspectores.

Ainda deverei notar que, pelo que respeita ao juko criminal de Setúbal, e à parte cível e comercial das comarcas de Braga e de Coimbra, pelo seu muito serviço, poiiiam, como já foi lembrado na Câmara dos Deputados pelo Sr. Relator do orçamento, desdobrar-se: Braga e Coimbra em duas varas cíveis e o juízo de Setúbal aumentando-lhe o pessoal.

Também chamo a atenção da Câmara e do Sr. Ministro da Justiça para o estado em que se encontram as cadeias e os tribunais por ês^e país fora. e ainda para a dificuldade co:n as rosidênnias dos magistrados. Respeitante às cadeias, é certo que muitas oxistom sem higiene, sem salubridade e sem. segurança alguinaj

sendo verdadeiros antros onde se forja toda a espécie de crimes. Dali sai-se, tendo aprendido a praticar crimes e, sabendo-o já, apto à prática de novos. Se houvesse mais cuidado com as cadeias, maior selecção com os presos talvez pu déssemos evitar um pouco a criminalidade. Se ao menos nelas houvesse oficinas onde pudessem exercer as suas profissões, ocupar com o trabalho o tempo que seria gasto na ociosidade, talvez de certo modo se concorresse para a regeneração do criminoso.

O que digo com respeito às cadeias, quási o posso afirmar com respeito ao estado em que se encontram os tribunais.

Sabe V. Ex.a, Sr. Presidente, quantos tribunais há, e não é necessário ir às comarcas da província, mesmo aqui em Lisboa, não dignificam a justiça, e não têm a austeridade que devem ter. Estou certo de que, quando se entra nos tribunais da Boa Hora, não se sente, não pode sentir--se, aquela emoçào forte que deveria sentir-se se porventura êlps estivessem instalados convenientemente e com a austeridade que devei iam revestir.

E preciso e, até mesmo urgente, olhar--se, com olhos de ver, para o estado deplorável e até mesmo vergonhoso em tjue se encontram os tribunais da Boa Hora.

O que sucederá amanhã, quando se estiver julgando essa burla enorme, do Banco Angola e Metrópole, quando aí, pelo anoitecer quási, se tiver de alumiar a luz de velas, porque nos tribunais dp Lisboa, na Boa Hora, não existe electricidade.

O Sr. Ferraz Chaves:—^E porque não há um Palácio de Justiça?

O Orador:— E, Sr. Presidente, apesar de tanto projecto e tanta proposta que se tem apresentado ao Parlamento para a obtenção de um Palácio de Justiça, ainda hoje estamos sem Gle.

O Sr. Abranches Ferrão, quando Ministro da Justiça, apresentou ao Parlamento uma proposta para a construção, em Lisboa, de um edif.cio ou Palácio de Justiça, não tendo sequer entrado em discussão.

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que passo a ler ao Senado, pois S. Ex.a no seu relatório, de onde extraí grande parte das minhas considerações, diz-nos o que tem leito:

«Em ofício n.° 395, de 25 de Julho de 1925, solicitei providências acerca do vergonhoso Tribunal da Boa Hora; a esse ofício não me foi respondido.

Renovando em ofício n.° 27, de 27 de Janeiro último, essas solicitações junto da nova comissão executiva, esta em seu ofício n.° 272, de 25 do mesmo mês, disse-•me que se tinha perdido aquele outro ofício, que ali dera entrada e tinha o competente registo dessa entrada, e pediu uma segunda via, que lhe mandei em 29 do mencionado mês de Janeiro, não tendo ato hoje respondido.

Certo é que em vista destas íaltas, do enorme desejo em ver terminada, na medida do possível, aquela vergonha e do conhecimento do meio em que vivemos, me dirigi em Outubro ou Novembro, pessoalmente, ao vereador do respectivo pelouro, Sr. Raul Caldeira, que, atendondo--me amavelmente, mandou que o arquitecto Sr. Piloto, organizasse um orçamento para instalação da luz eléctrica e aquisição do mobiliário —o que fez— e, como a vereação do ano passado fosse substituída, e visse que a nova nada fazia, também, em Fevereiro último, me dirigi pessoalmente ao Sr. Almeida Santos, de quem estou aguardando o cumprimento das suas amáveis promessas».

Talvez que V, Ex.a, Sr. Ministro da Justiça, tenha conhecimento deste relatório, e ainda bem, pois poderá de certo modo colaborar com o Sr. Presidente da Relação, a fim de alguma cousa se conseguir neste sentido e em tantos outros de que o mesmo proficientemente se ocupa.

Outro ponto a tratar, é o que se refere à residência dos magistrados.

O Sr. Ministro da Justiça não desconhece, assim como o Senado, que em muitas comarcas, os hotéis e hospedarias não são de molde a hospedar os magistrados e famílias, e ainda outros há que, por virtude dos preços diários, não se coadunam com os vencimentos dos magistrados, pois nem todos têm o condão de ser ricos, ou mesmo remediados.

Estive numa comarca desse lindo peda-

ço do nosso país, os Açores, na Ilha do Pico, onde, devido à boa vontade de uma câmara municipal, esta^ubsiliava uma casa de hospedes, onde eu estive durante alguns meses, ou seja, durante o tempo que ali desempenhei as minhas funções de Ministério Público.

Já nesse tempo e. nos Açores, se olhava com um pouco de carinho, para esse problema que ainda hoje nos preocupa, a ponto de já ter estado pendente o ter sido discutido nesta casa do Parlamento um projecto acerca das residências dos magistrados.

Na comarca da Ilha Grã ciosa, acaba de se fazer o mesmo, e as câmaras municipais de Ourique e Alcácer do Sal, ainda não há muito, puseram a disposição dos magistrados —ou juizes ou delegados—• duas belas residências.

Seria conveniente que os magistrados residissem nas sedes das suas comarcas, pois dessa forma mais de perto poderiam administrar justiça, devendo haver o máximo cuidado em não os afastar para outras funções, o que infelizmente, a todo o momento, está sucedendo.

; Ainda agora se pensa em, dos juizes, se querer fazer jurados, nos crimes de fabrico e passagom de moeda e notas falsas!

Mas deixemos este ponto e continuemos:

As comarcas dos Açores continuam, na maioria, sem magistrados.

O facto de se lhes ter aumentado 25 por cento para efeitos de promoção não solucionou o problema.

Sou magistrado judicial e devo confessar, pois tenho orgulho nisso, sempre fui para as comarcas para onde era despachado.

Nunca pedi transferências de nenhuma, e todavia demorei-me nelas o tempo suficiente para, como delegado, alcançar as classes superiores.

Colocado na comarca da Ilha do Pico, foi transferido para a de Alcácer do Sal passados quási sete meses, promovido para Moura, Angra do Heroísmo e Marco de Canaveses, sendo esta então de l.a classe e aquela de 2.a

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Está muito bem entregue a pasta da Justiça. Os pontos em que muito levemente toquei poderão merecer ao Sr. Ministro da Justiça dois minutos de atenção e, por isso, se num orçamento futuro ou em novos diplomas quiser olhar com um pouco de boa vontade para qualques deles muito satisfeito me jnlguria por, de certa forma, ter concorrido para melhorar os serviços judiciais.

Tenho dito.

O Sr. Júlio Dantas:—Sr. Presidente: duas palavras apenas, que pronunciarei pir dever de ofício em nome deste lado da Câmara.

Serei brevíssimo,'porque o orador que me antecedeu versou muitos dos pontos da matéria a que eu desejaria referir-me.

Sr. Presidente: gasta o Estado com os serviços de justiça uma importância que não chega a atingir 25:000 contos, e ainda para o exercício do ano económico que vem, é feita, na respectiva tabela orçamental, uma economia do 77-5 contos.

Não é isto excessivo, e se algemas alterações este lado da Câmara tivesse de introduzir na proposta do Governo, não seria para monos, seria para mais.

Estou inteiramente concorde com todas as conclusões do interessante relatório do nosso ilustre colega, Sr Machado Serpa, relatório que é, como todos os de S. Ex.a, um pitoresco documento de literatura parlamentar, em que, por vezes, se surpreendem ressaibos camilianos. Por este documento, e por outros que têm emanado da pena de S. Ex.'V tenho o prazer de lhe apresentar as minhas felicitações.

Sr. Presidente : se eu pudesse sugerir a S. Ex.a. o Sr. Ministro da. Justiça, e a esta casa do Parlamento, qualquer alteração na tabela orçamental deste Ministério, essa alteração seria proposta no sentido do aumento de determinadas dotações, aumento que julgo necessário para tornar eficientes certos serviços.

Entendo, e para isso chamo a atenção de V. Ex.a e do Senado, que a magistratura judicial é, no nosso País,' insuficientemente remunerada. O facto de não ter a honra dr> pertencer a esta classpcoloca--me inteiramente à vontade para o dizer. À magistratura judicial devem ser atribuídos honorários em harmonia com a alta categoria social das funções que exer-

ce, e com a necessidade de que ela mantenha no exercício dessas funções, a in-dispaasável independência.

Apoiados.

Com uma remuneração insuficiente, os valores saídos das Universidades afastar-se hão da magistratura p.-ira procurar situações mais rendosas, como a advocacia e o notariado, e eu receio que, de futuro, o recrutamento da magistratura judicial se faça por processos de selecção invertida.

Eu não sei se S. Ex.a o Sr. Ministro da Justiça terá, neste momento, muita saúde. Não quero referir-me à saúde do corpo, que é florescente; quero referir-me à saúde política, que não me parece que seja muita.

Se o Sr. Ministro continuar, como desejo, no exercício das suas funções, eu espero que S. Ex.a apresente ao Parlamento uma reforma da organização dos serviços judiciários. É preciso que a justiça seja, em Portugal, mais perfeita, mais acessível e menos onerosa.

A administração da justiça não deve ser para o Estado uma fonte1 de receitas, mas um alto e nobre dever. Os serviços judiciais, entre nós, têm, além do defeito de ser caros, o defeito, maior ainda, de ser excessivamente demorados.

Apoiados.

Desejaria também, Sr. Presidente, chamar a atenção de S. Ex.ao Ministro para a necessidade de reformar os serviços penais e prisionais, em harmonia com as aquisições do direito penal moderno.

É preciso tornar obrigatório o trabalho dos presos correccionais e é indispensável que só criem colónias penais, agrícolas e industriais, não apenas 110 continente mas também no ultramar.

Sr. Presidente: o orador que me antecedeu largamente se referiu aos serviços jurisdicionais e tutelares de menores.

Muito já se fez, é certo, mas esse muito ó ainda muito pouco.

Creio que todos estamos de acordo quanto à necessidade de desenvolver e melhorar a assistência e a protecção à infância delinquente e à infância em perigo moral.

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Coimbra se encontre sob a acção protectora das tutorias e das instituições reformadoras.

i Há mais crianças em Portugal, Sr. Presidente!

Apoiados.

Eu bem sei que, no quo toca aos tribunais para julgamento de menores, um recente diploma do Ministro Sr. Adolfo Cou-tinho procurou remediar esta situação de lamentável desigualdade; no emtanto, isso não basta; é preciso quo não deixemos a infância delinquente do resto do País exclusivamente entregue à cega dureza das disposições do Código Penal.

Eu desejava prcguntar ainda ao Sr. Ministro da Justiça, visto que estes serviços de protecção a menores são subsidiados pelos rendimentos administrados p»-la Comissão Central de Exfcução da Lei da Separação e pela Comissão Jurisdicional dos Bens das Congregações Religiosas, desejava, repito, preguntar a S. Ex.a se, do facto, todos os rendimentos administrados por essas entidades são aplicados, como se consigna na Lei da Separação, aos serviços tutelares e jurisdicionais de menores.

No caso afirmativo, estos serviços poderiam ser melhorados sem grandes encargos para o Estado.

Desejava ainda, o por último, dizer a V. Ex.a e à Câmara que estou inteiramente de acordo em que se dó ao Instituto de Medicina Legal de Coimbra o mesmo tratamento que na outra Câmara foi dado ao Instituto de Medicina Legal do Porto. -

'Ambas estas instituições são dignas, pelos seus serviços e pela competência dos seus elementos, da atenção especial do Estado.

Apoiados.

Tenho dito.

O Sr. D. Tomás de Vilhena:—Em primeiro lugar devo dirigir os meus cumprimentos ao ilustre relator desta proposta do lei, o Sr. Machado Serpa, que incontestavelmente mais uma vez imprimiu o seu feitio, que é muito interessante e que eu aprecio muito, a este documento na verdade importante.

Com respeito ao orçamento do Ministério da Justiça, devo dizer quo, Pinquanto não houver um Governo em Portugal que se possa emancipar das clientelas e que

possa fazer uma obra de reorganização funda e completa, o dever de nós outros parlamentares que temos o dever de fazer crítica há-de ser sempre um dever muito diminuto, porque afinal o que se fez agora é uma nova edição do que vigorou o ano passado, com uma verba a mais ou a menos, ou excesso relativamente pouco importante a mais ou diminuição também de pouco valor.

Ora se há ramo de serviço público que em Portugal precisa de uma reforma de fond eu comble é exactamente o Ministério da Justiça.

A primeira cousa a fazer-se é dar efectiva realidade a essa tam ambicionada e necessária independência do Poder Judicial.

O Poder Judicial precisa ter uma independência absoluta e só nós formos ver uma grande parte dos diplomas que nos regem, nós verificamos que de facto a magistratura está muitas vezes subordinada à acção do Poder Executivo, e isto não pode ser.

Em toda a parte, creio, e em todos os regimes, mas sobretudo num regime democrático, a justiça deve ser gratuita.

,jE preciso um sacrifício para a tornar gratuita?

Faça-se porque não há nada mais necessário do que torná-la acessível á toda a gente, e não é i n conte s ta veJ mente, por um certo número de razões quo podem ter justificação, mas que será necessário que desapareçam, que a justiça deve ser apenas para meia dúzia de pessoas.

O que é facto é quo a justiça em Portugal está de maneira tal quo só os ricos e abastados se podem abeirar dida, e diga-se a verdade, em grande parte essa brutalidade de emolumentos que carrega sobre as partes não é para os magistrados que vai, mas para ó Estado, que tem uma fatia verdadeiramente leonina.

Aqui tem V. Ex.a um problema cuja resolução será da maior vantagem para o País, o se V. Ex.a que é um homem de bem, que tom um sentimento grande de justiça e um culto por ela, pudesse dar-lhe realização, creia que o seu nome ficava gravado em lotras de ouro na história da jurisprudência portuguesa.

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E se eu viesse ainda om cima falar das contigências da orientação do Estado neste capítulo, detalhando o que tantas vezes em diversos tribunais se use. e abusa com exigências às partes, V. Ex.a não poderia deixar de dizer que eu tenho muita razão em reclamar que a justiça seja acessível para todos.

Esta legislatura tem poderes constituintes. Ora aqui estava uma ocasião muito aproveitável porá se tratar duma completa remodelação do júri.

O júri tal como hoje está constituído não pode continuar.

Precisa de ser radicalmente reformado.

E, se o júri precisa de ser reformado, o nosso sistema penai e penitenciário precisa de ser revolvido.

Basta, neste momento, o naso que é bastante interessante agora em discussão e que tem constituído a discussão animada aqui travada nos últimos dias.

V. Ex.a agora, diante do crime do Banco Angola e Metrópole, foi ver o que a legislação penal continha para castigos desta natureza ou sejam os crimes de moeda falsa e verificou que não os podia condenar por mais de 2 anos, sendo depois entregues ao Governo para lhes dar o destino mais conveniente.

V. Ex.a diante disso teve de trazer ao Parlamento a complicada lei que se tom discutido até agora.

Ora diga-me V. Ex.a se um código onde se encontram disposições muito parecidas com esta e outras dum exagero que não é compatível com os tempos que vão correndo, diga-me V. Ex.a se esse código aão precisava de ser modicado se-gunao as novas concepções da sciência da criminologia que tanto tem avançado e tantos ensinamentos oferece para aproveitam* 'nto do legislador.

Com suspeito ao sistema prisional a mesma oruisa,.

As no?sí>s prisões são antros e a elas não se vai buscar regeneração, pelo contrário, são escolas de crime e o que vai para ela por um pequeno delito, por exemplo, por uma bordoada, por a m pequeno furto por um pequeno ferimento, vai fazer um curso completo de ladroeira c maroto i rã.

Não é só sob o ponto de vista moral, é também sob o ponto de vista físico.

Castigue-se o criminoso mas não o direito de o tratar em condições que a sua saúde perigue.

A sociedade não pode voltar à forma medieval que depois no século xvn teve uma execução tani tristíssima em que ae considerava que a punição devia ser para terror dos homens.

Esse processo está hoje abolido por todos os homens de coração.

Hoje a sociedade rotira do seu seio aqueles elementos perniciosos que é para assim desaparecer o bicho que está dentro do fruto para que o resto fique puro, mas não se quere vingar deles.

O que quere é ver se livra a sociedade do seu contágio e se os pode tornar em seres úteis e aproveitáveis.

Sr. Presidente: ,;é isto que acontece entre nós?

Não. Ainda agora ouvi ?qui a um dos colegas do Senado falar na falta de liturgia necessária no exercício da alta função judicial.

A liturgia é ta m necessária que os paí-zes mais adiantados, soja qual for a forma de regime que tenham, tratam de lhe dar todo o esplendor.

Em Portugal não há senão um tribunal qne tem feitio disso: é o tribunal de Mafra, que é feito numa daquelas lindíssimas sahis do Convento, que não me lembra severa o refeitório ou a Sala do Capíiulo. É um palácio de justiça a valer.

Fora disso, em toda a parte do País há casas mais ou menos asseadas, mas de aspecto tam triste e tam esquisito, que, incontestavelmente, é preciso pôr os princípios acima de tudo para se não sentir a Justiça apoucada,

O que vale é que nesses lugares humildes, e sentados nassas cadeiras, estão homens que apagam todo esse ambiente de miséria com o seu talento, e, sobretudo, coin a sua alta envergadura moral.

Se V. Ex.a for a Espanha — a Sevilha por exemplo — entra no Palácio da Justiça e verifica que é uma cousa que se impõe a apresentação do p<_-ssoal p='p' que='que' com='com' a='a' e='e' audiência='audiência' realizada.='realizada.' solenidade='solenidade' é='é' toda='toda'>

Se for a França vê c mesma cousa. Não falo já em Paris, porque aqui então é uma cousa deslumbrante.

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acto é a cousa mais bonita do mundo. Lá estive e assisti às suas sessões.

Kealmente, Sr. Presidente, esta obra não se pode realizar entre nós de um dia para o outro; mas é conveniente chamar a atenção dos poderes públicos para ôste assunto a fim de que na devida oportunidade se cuide dele.

• Para outro assunto eu pedia a atenção do Governo: é .sobre as escolas para os menores delinquentes.

Eu sei que se me vai dizer: — A escola sem Deus !

Mas má é essa escola e uma escola de delinquentes sem crença não pode ir longe.

Deve o Sr. Ministro da Justiça olhar para isto com olhos de ver. Emancipe-se S. Ex.a de princípios, às vezes complicados, mas tantas vezes ilusórios. Lembre--se de que a alma portuguesa precisa ser alimentada pela crença, e foi essa crença que acompanhou sempre a aluía nacional, e que contribuiu sempre para a regeneração da humanidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: interessando me, como realmente me interesso, pelos assuntos que dizem respeito à pasta da Justiça, assuntos que a bem dizer me acompanham desde ò início da minha carreira de advogado, não foi com atenção meramente aparente e de' simples deferência que eu ouvi os ilustres oradores que acabam de falar e em assuntos de magna importância.

Se há efectivamente alguma cousa que possa servir de medida do adiantamento dum povo na escala social, é certamente aquilo que diz respeito à maneira de administrar a Justiça.

A Justiça compreende em si tudo, porque ela significa na sua expressão mais bela e também mais simples, esta síntese, que nos vem dos romanos:_— «Dar a cada um o que é seu» — síntese admirável, relativa à existência fundamental de qualquer povo que queira seguir as leis normais da civilização.

Foi por isso que não foi com atenção de mera cortesia e de preceito formal que eu ouvi os ilustres oradores que tam desveladamente e com tanto carinho de-

ram mostras de conhecer fundamente os assuntos de que se ocupa o orçamento do Ministério da Justiça.

Esses assuntos fazem parte de mim mesmo, porque realmente eles constituem o que pode ser o melhor da sociedade, mas também o pior, toda a desventura na ordem social, desde que aquela grande síntese não seja traduzida em preceitos legais.

Em primeiro lugar falou sobre este assunto o Sr. Alfredo Portugal, S. Ex.a, juiz que honra a nossa magistratura, fez um proficiente discurso a respeito de vários assuntos que dizem respeito ao orçamento do Ministério da Justiça.

E, uni dos'assuntos que S. Ex.a versou foi o que diz respeito à legislação penal e civil, quer substantiva quer adjectiva.

Frisou S. Ex.a que nós estamos absolutamente atrasados polo que diz respeito tanto a uma como a outra forma de administrar justiça.

A legislação penal, e isto tenho-o repetido nesta casa do Parlamento bem como na outra, acha-se atrasada quási um século.

Apoiados do Sr. Júlio Dantas.

Se nós compulsarmos os Códigos Penais estrangeires, e principalmente aquele que diz respeito à Itália, que é recente, e a Itália pode ser considerada sob todos os aspectos como uma verdadeira mestra de Direito, e sempre assim íoi, sentir-nos hemos verdadeiramente pequenos, direi mais, humilhados, porque a nossa legislação tem tudo de mais retrógrado.

Respondendo ao Sr. Querubim Guimarães tive ocasião de dizer que a nossa legislação penal estava pèsMmarnente concebida, porque ela era ainda o reflexo das antigas ordenações como ainda a reforma penal de 1884 foi concebida das mesmas bases. E assim nós vemos que essa legislação olha, não para o criminoso, que lho devia merecer especial atenção, mas unicamente para o facto.

O nosso Código Penal está tal qual-mente concebido, perdõe-me V. Ex.a a expressão, como se fosse uma tabela de selos.

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têm de o fazer, confrontam a disposição relativa ao facto e aplica-se a pena, tal qual como se procede quando se pretende calcular o selo correspondente a uma determinada quantia. A tal quantia, corresponde um certo selo; a outra menor, outro de valor menor também.

O criminoso, o agente do crime, está, como diria Garofalo., metido dentro de uma redoma de vidro.

Ura hoje a técnica criminal é absolutamente outra, às vezes olha-se menos ao crime em si, ao facto praticado, do que à pessoa que o cometeu, é porque todo o mal não vai simplesmente do facto nem do agente do crime, conformo, as siias pro-peusões, sua maior ou menor adaptação à regeneração, conforme o perigo que representa, assim são as cautelas que se devem tomar contra semelhantes delinquentes, porque, disseram-no já os Srs. Alfredo Portugal e Júlio Dantas, qualquer deles com proficiência, que hoje não se devia atender ao crime, mas sini atender-se principalmente ao criminoso, porque no criminoso é que está todo o perigo do mal.

Não é o facto em si, um facto insignificante pode às vezes denuuciar,- pela circunstância em que está revestido, uma grando malvadez.

Sr. Presidente: hoje a sociedade não se apresenta diante do criminoso com a sua espada desembainhada como exercendo violências, esses tempos são antigos, hoje não se pugna por vinganças, a sociedade apenas se acautela contra o perigo do delinquente.

jii por isso quo digo que o nosso Código Penal eivado de tradições absolutamente condenáveis está por si mesmo condenado e é necessário que se faça a sua reforma urgentemente.

Apoiados.

Precisamente o mesmo devo dizer a respeito do Código do Processo Penal, porque efectivamente a legislação do Código Penal, a legislação chamada substantiva necessita de ser modificada no sentido em que disseram os ilustres Senadores que me precederam, que apoio completamente, sobre o Código do Processo Criminíil que diz respeito, que dá força e vida a todos, que é necessário fazer para a descoberta do crime e punição do criminoso, o Código Penal como medida correlativa, ele

drvia acompanhá-lo nessa grande reforma que é tanto para dosojar.

Isto pelo que respeita a legislação penal ; pelo que respeita a legislação civil e comercial, ó claro que os capítulos do Código Civil representam, na nossa legislação pátria, desde 22 de Março de 1861, que entrou em execução, principalmente para o tempo em que foi promulgado um grande melhoramento na .nossa legislação, foi um passo de gigante dado, e esse Código ainda pode servir de exemplo da maneira como as leis devem ser renovadas, como a legislação não é uma cousa que possa parar porque a sociedade também não pára. Diz-se até isto, que parece um paradoxo:: hoje o que parece justiça amanhã torna se uma injustiça, porque tudo é relativo. A isto se tem de adaptar o nosso Código Civil, por mais bem elaborado que tivesse sido, e bem elaborada foi efectivamente essa obra do grande filósofo e homem de sciência, o Visconde de Seabra. Com efeito mais de uma vez o Poder Legislativo lhe tem introduzido modificações que as circunstâncias da prática têm indicado.

Como tanto na legislação civil como na legislação penal intervém o juiz naqueles casos que a lei determina, eu devo também dizer que o júri carece absolutamente de uma reforma profunda, de uma reforma radical.

O júri foi estabelecido desde longa data. Vem já das instituições romanas, fundado neste princípio altamente democrático de que era o povo pelo povo que devia administrar justiça. Mas infelizmente esta tese brilhante que a todos ilumina, daquelas que arrastam o espírito humano para um sentimento de grande ideal, na prática, justo é dizê-lo, tem falhado extraordinariamente. Hoje a concepção do júri tem de se limi':ar a um campo porventura menos iluminado mas mais certo nos seus conceitos scientíficos. O que se carece no júri é consciência e sciência.

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especialização. Todos os tratadistas dizem com efeito que o júri não deve ser outra cousa mais do que pessoas com conhecimentos sobre a matéria da causa que está sendo tratada e possuindo aquelas qualidades morais que são necessárias para ter a independência precisa para intervir em semelhantes assuntos.

Daí, do que eu tenho dito, se conclui aquilo que concluíram os Srs. Senadores que se interessam por este assunto. E que é necessário proceder-se à reorganização judiciária, reorganização judiciária prometida, como muito bem lembrou o Sr. Alfredo Portugal, no artigo 85.° da Constituição.

Eu que não gosto de falar de mim, preciso entretanto de defender-me um pouco, se assim me posso exprima, contra a responsabilidade que me pode sor atribuída, por não ter apresentado uma proposta de reorganização judiciária.

Essa responsabilidade não a tenho. A primeira vez que tive a honra de ocupar a pasta da Justiça, eu formulei uma proposta de lei em que eram concretizadas muitas das aspirações que aqui têm sido apresentadas, como sendo necessárias, para a reforma judiciária.

Apresentei essa proposta de lei na Câmara dos Deputados em 1916. O Parlamento, sempre com os seus muitos afazeres, ainda não teve o momento propício para fazer a sua discussão, E o que aconteceu com essa minha proposta de lei, porventura, bem intencionada, mas das mais humildes, tem acontecido a tantas outras.

Lembro-me — e devo fazer justiça a todos— que no tempo da Monarquia um jurisconsulto muito distinto, um verdadeiro homem de bem, daqueles que tem, como poucos, honrado a pautada Justiça, advogado de primeira plana que prestou ao País serviços felevantíssimos, refiro-me, com saudade, ao Dr. Francisco da Veiga Beirão, apresentou ao Parlamento uma reforma judiciária em que vinham incluídas estas aspirações.

Mas já vejo que numa questão de reorganização judiciária, ó uma questão do acaso, porque essa reforma, tam preconizada e tam precisa já nesse tempo, e que teria sido apresentada aí por 1905-1906. .•.

O Parlamento monárquico, também por variadas razões—e não posso acusá-lo

como acusam o Parlamento republicano — o Parlamento monárquico não teve en-sejo de tomar conta desse grande problema que' cada dia se torna mais urgente.

E, diga-se a verdade, a Republica não tem sido das mais culpadas por não se ter discutido a organização judiciária, e além disso de ainda se não ter discutido uma cousa essencial: o Código Administrativo.

Porque nestes anos que têm decorrido dois períodos se podem apresentar : —'• um, o período de formação, o outro foi esse largo período de tempo decorrido desde 1914 até a bem dizer ao presente, em que a. guerra europeia com todos os seus horrores e perturbações vem fazer com que Portugal e outras Nações não pudessem cuidar de outras cousas que não fossem aquelas que diziam mais ou menos respeito ao que no tablado ou no xadrez das Nações se passava.

Mas eu espero, Sr. Presidente, que se não for eu, alguém melhor que eu, se não esqueça destes assuntos tam importantes como o que diz respeito à justiça, à organização judicial, a'o código de processo penal, ao código, de processo civil, à legislação comercial, emfim, a tantos e tantos outros . assuntos que mereciam e devem merecer a nossa atenção.

Há um problema que aqui se tocou e que da minha parte não encontrará o silêncio : — ó a acusação que aqui se fez à forma por que só encontram os serviços no que respeita às prisões.

São extremamente lamentáveis esses serviços. As prisões estão muito aquém daquilo que já na Constituição de 1822 se a.conselhava. Nessa grande Constituição que defende os princípios mais avançados da democracia estabelece-se que «as prisões deviam ser arejadas, limpas, de forma que não fossem o suplício dos condenados».

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É necessário qne o Estado olhe para este assunto e seria para mim ain dia de verdadeira satisfação, como epílogo da minha vida, se eu pudesse ter a fortuna de concorrer para que no meu País houvesse essas prisõos arejadas, limpas, de que falava a Constituição e que houvesse também tribunais que íôssem verdadeiros templos de justiça, porque a exteriorização é cpusa que não ó indiferente, porque é um factor importante para a boa administração da justiça um tribunal condizer com o juiz.

Só a magistratura portuguesa, pobre e honrada, como é, pelo grande prestígio que goza, pode dar aos nossos tribunais aquela imponência que lhes falta pela mesquinhez dos seus recintos.

Relativamente às tutorias da infância, criadas em 1911, a sua criação constituía uma glória para o regime republicano.

E, em nome do Governo, eu julgo ara dever de gratidão prestar aqui homenagem ao possoal dessas tutorias, pois que com os poucos recursos que temos tido vamos encontrar bem dirigidos tais institutos.

Actualmente, à sua frente, nestes serviços, está o Sr. Augusto de Oliveira, pessoa que tem sido bastante dedicada no desempenho do seu cargo.

Apoiados.

Ali, antes esteve o Sr. Padre Oliveira.

É também justo que, a primeira vez que sobre este assunto falo nesta casa do Parlamento, eu não deixe no esquecimento este benemérito padre Oliveira, que deu tudo quanto podia dar a esta instituição benéfica, uma das que a República tem acalentado com todo o seu carinho e com todo o seu amor.

A vida daquele sacerdote exemplar, toda ela foi um verdadeiro apostolado (Apoiados), daquele grande problema que é o problema da infância desvalida, da in= fância que desnorteia por um caminho errado e que é necessário fazer voltar ao boni caminho.

Permita-me o Senado que eu manifeste por esse sacerdote um voto de saudade e um voto de verdadeira admiração.

Apoiados.

Para terminar, direi que estou inteiramente consubstanciado com as ideas que foram expostas pelo ilustre Senador Sr. Júlio Dantas.

É S. Ex.a uma alta figura do nosso País, a quem presto o maior culto e respeito, porque tem posto as letras portuguesas num quadro de tal relevo que taz honra ao País, e todos nós devemos orgulhar-nos de termos S. Ex.a como camarada, que é daqueles que depois desses duelos de palavras que aqui se costumam travar, apetece apertar com mais força a mão, pois cada vez se reconhece mais o valor do adversário tam leal e que usa de uma tal elegância de palavra, como seja S. Ex.a

Disse S. Ex.a que a minha saúde política não parecia ser boa.

A isto direi que, se os acasos desta vida tam precária me deixarem, e eu não sei se de facto terei muita saúde política, farei o que em minhas forças puder.

Se por acaso eu me demorasse na pasta da Justiça, havia de demonstrar que, tanto quanto nas minhas forças coubesse, tentaria imprimir a esta falta de unidade actual uma orientação que fosse digna da República e digna do País.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Roberto Baptista:—Por motivo de serviço público não pude comparecer à sessão do Senado senão bastante tarde.

Por esse motivo não pude associar-me ao voto proposto pelo Sr. Azevedo Gouti-nho, voto que o Senado unanimemente aprovou, pelo falecimento do general Alves Roçadas.

Porque eu não posso esquecer os laços de camaradagem e velhas ligações de amizade que me ligavam ao falecido.

Grandes e relevantes foram os serviços prestados pelo general Alves Roçadas ao País, especialmente na campanha do Cua mato.

E. triste é dizê-lo, a família deste ilustre oficial ficou em circunstâncias muito precárias.

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sentação, certo de que o Governo da República e o Senado, onde está afecta para discussão uma proposta de loi sobre pensões, não deixarão de atender aos rnle-vantes serviços prestados pelo falecido general e às circunstâncias precárias em que fic^u a sua família.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Vozes : — Muito bem.

O Sr. Ministro da Marinha (Pereira da Silva):—Associo-me, em nome do Governo, ao voto de sentimento proposto pelo Sr. João da Azevedo Coutiaho pelo falecimento do general Sr. Alves Roçadas.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão ó na sexta feira, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia :

Proposta de lei n.° 76-B, orçamento do Miniscério da Justiça.

Projecto de lei n.° 15, restaurando os julgados municipais de Penamacor, Cada vai e Macieira de Cambra.

Projecto de lei n.° 14, remindo os contratos entre o Estado e a Companhia das Aguas.

Projecto de lei n.° 81, determinando que não deixem de fazer parte do quadro a quf» pertencem os generais em comissões temporárias de serviço.

Projecto de lei n.° 83, cedendo um terreno à Associação Protectora da Infância de Santo António de Lisboa.

Projecto de lei n.° 74, autorizando o Governo a nomear uma comissão para gerir os negócios municipais de Castanheira de Pêra.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 04 minutos.

O REDACTOR—Alberto Bramâo.

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