O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1

REPÚBLICA

PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSA.O :N-.° BS

EM 18 DE MAIO DE 1926

Presidência do Ex,mo Sr, António Xayier Correia Barreto

Laís Inocência Ramos Pereira

Secretários os Ex,mos Srs,

Joaquim Correia de Almeida Leitão

Sumário. — A sessão abre às 15 horas e 25 minutos, com 30 Srs. Senadores presentes. Aprova--se a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Fernando de Sousa protesta f.ontra factos ocorridos em Mação, por motivos religiosos, e comenta que nos contratos, por motivo de reparações, publicados no aDiário do Governo, não se diga o objecto doa mesmos contratos. Responde o Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Vasco Marques propõe um voto de senti-mento pela morte do antigo Deputado Sr. Hef-mano de Medeiros. Associam-se os Srs. Costa Júnior, Caldeira Queiroz, Azevedo Coutinho, Lima Duque, Martins Ferreira e Ministro da Guerra, sendo o voto proposto aprovado.

O Sr. Júlio Ribeiro requere nota dos tabacos existentes nas alfândegas.

Entra em discussão a proposta de lei n.° 109, que abre um crédito de 500.000$ para socorrer as vítimas da catástrofe que assolou o distrito da Horta. É aprovada.

Ordem do dia. — Entra em discussão o orçamento do Ministério da Guerra. Falam os Srs. Álvaro de Mendonça, Roberto Baptista, Vasco Marques, D. Tomás de Vilhena e Mendes dos Seis.

Antes de se encerrar a sessão.— Os Srs. Alves de Oliveira, Medeiros Franco, Alvares Cabral, Vicente Ramos, Henrique Brás e Herculano Galhardo referem-se com palavras de saudade à morte do antigo Deputado Sr. Hermano de Medeiros, associando-se à homenagem que a Câmara lhe prestou.

Abertura da sessão às lô horas e 25 minutos.

Presentes à chamada 30 Srs. Senado-

Entraram durante a sessão 23 Srs, Senadores.

Faltaram 17 Srs, Senadores.

Srs. Senadores presentes à abertura • da sessão:

Álvaro António Bulhão Pato. António da Costa Godinho do Amaral. António Maria da Silva Barreto. António Martins Ferreira. António Xavier Correia Barreto. Artur Augusto da Costa. Artur Octávio do Rego Chagas. Augusto Casimiro Alves Monteiro. Constantino José dos Santos. Ernesto Júlio Navarro. Francisco José Pereira. Henrique José Caldeira de Queiroz. Herculano Jorge Galhardo. João António de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira.

João Augusto de Freitas. João Catanho de Meneses. Joaquim Correia de Almeida Leitão. Joaquim Pereira Gil de Matos. José António da Costa Júnior. José Fernando de Sousa. José Joaquim Fernandes de Almeida. José Joaquim Fernandes Pontes. José Machado Serpa. José Mendes dos Reis. . José Varela. Júlio Dantas.

Página 2

Diário das Sessões do Senado

Silvestre Falcão.

Vasco Gonçalves .Marques.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e

Lemos.

Alfredo Narciso Marcai Martins Portuga!;

Álvaro César de Mendonça.

António Alves de Oliveira Júnior.

António de Medeiros Franco.

Augusto de Vera Cruz.

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.

Ellsio Pinto de Almeida e Castro.

Ernesto Maria Vieira da Eocha.

Francisco António de Paula.

Francisco de Sales Kamos da Costa.

Francisco Vicente Ramos.

Frederico António Ferreira de Siraas.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

João CarJos da Costa.

João Manuel Pessanha Vaz das líe-ves.

Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.

Joaquim Manuel dos Santos Garcia.

Júlio Augusto Ribeiro da Silva.

Miguel de Espírito Santo Machado.

Pedro Virgolino Ferraz Chaves.

Roberto da Cunha Baptista.

Rodrigo Guerra Álvares Cabral,,

Tomás de Almeida Manuel de Vilhe-na (D.)

Srs. Senadores que faltaram à sessão :

António dos Santos Graça. Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.

Francisco Xavier Anacleto da Silva.

João Maria da Cunha Barbosa.

João Trigo Motinho.

Joaquim Teixeira da Silva.

José Augusto Ribeiro de Melo.

José Nepomuceno Fernandes Brás.

Luís Aagusto Simões de Almeida.

Luís Filipe de Castro (D.).

Manuel Gaspar de Lemos.

Nicolau Mesquita.

Querubim da Rocha Vale Guimarães.

Raimundo Enes Meira.

Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 20 minutos] :—Vai proceder-se à chamada. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 25 minutos)'. — Estão presentes 30 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Leu-se.

O Sr. Presidente:

a acta. Pausa.

-Está em discussão

O Sr. Presidente:—Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.

Vai ler-se o

Expediente

Requerimentos

Dos cidadãos Mário Farinha e António João Baptista, pedindo para serem reconhecidos revolucionários militares ao abrigo da lei n.° 1:108.

Para a comissão de petições.

Oficio

Do Ministério da Agricultura, introduzindo uma emenda ao orçamento dêsto Ministério.

Para a 3.a Secção.

O Sr. Fernando de Sousa: — Sr. Presidente: numa das últimas sessões chamei a atenção do Governo, especialmente do Sr. Ministro do Interior, para violências praticadas em Mação, em que a autoridade administrativa fez prender e açu tilar várias pessoas que pacificamente organiza-rnm uma procissão, e foi à igreja prender o pároco, levando-o para a cadeia e pondo-o incomunicável.

Segundo U num jornal, parece que o Sr. Ministro do Interior algumas providências tomou sobre o caso, o que muito estimaria que tenha sucedido.

Página 3

Sessão de 18 dê Maio de 1926

É uso tradicional realizar estes actos da religião, as procissões que são tanto do agrado do povo, e que a elas está habituado.

Por este artigo 2.° vejo que para tais actos se realizarem não há que pedir autorização administrativa, nem pode a autoridade intervir desde que a ordem não é alterada.

Mas, Sr. Presidente, apesar disso, fazem-se vexames e violências, excepções lamentáveis aqui e acolá, inspiradas pelo espírito sectário.

Em quási todas as vilas do Alentejo se fazem as tradicionais procissões dos Passos, e todavia em Vilalva foi proibida, quando a 3 quilómetros, em Vila Kuiva a procissão se fazia.

Os homens da povoação indignados queriam fazê-la, e para evitar violências foram as próprias mulheres que tomaram a iniciativa de fazer essa procissão.

Isto deu lugar a serem julgadas em 11 do corrente, e catorze delas serem condenadas a trinta .dias de prisão e a pagarem custas.

Ora, Sr. Presidente, isto é um mesquinho vexame que não dignifica a República e não afirma o zelo pela liberdade de consciência; pelo contrario.

Atribuo esta violência à acção sectária do triângulo maçónico da povoação que em 1913 se fez representar no Congresso Maçónico de Lisboa, em que foi votada a organização da espionagem dos serviços públicos.

É preciso pôr termo a esta acção sectária.

Outro assunto,-que desejo aqui tratar mais uma vez, refere-se à pasta dos Estrangeiros.

Vi publicadas no Diário do Governo as listas dos contratos .de reparações, por mim solicitadas, mas desejaria que fossem mais completas.

Elas contêm os contratos e entidades contratadas» Parecia-me conveniente que se indicasse também a natureza do material e sua importância e se poderia apreciar no que se fez nessa matéria.

Entre esses contratos vejo mencionados os que estão feitos pelo Sr. Ministro da Marinha e que se diz estão pendentes ainda de aprovação.

Entre eles vejo numerosos contratos destinados à aquisição de material de dragagens.

• Protesto, Sr. Presidente, contra esta má aplicação dos dinheiros públicos, visto que está afirmado e reconhecido, ato pelo próprio Governo, que este serviço deve ser entregue a uma única entidade para que assim haja unidade na obra administrativa. • •• - •

Não sei se nisto haverá o propósito reservado de se" realizar uma obra fantasista, como é a que diz respeito ao canal do Tejo ao Sado.

Não creio que o Ministério da Marinha possa realizar essa obra, sem que haja um plano previamente estudado e aprovado pelas comissões parlamentares. -

E não se compreende também, Sr. Presidente, como é que, quando se trata de uma questão de alta fantasia como é esta, aproveitando as reparações, se vai entregar aos serviços do Ministério da Marinha uma quantidade de material de dragagem que seria muito mais proveitoso ao serviço dos nossos portos.

E assim, Sr. Presidente, quando o Ministério da Marinha tivesse necessidade desse material, ele ser-lhe-ia fornecido. Tenho dito.

O Sr. Ministro da Guerra (José de Mas-carenhas): — Sr. Presidente : ó simplesmente para dizer que transmitirei aos meus colegas do Interior e da Marinha as considerações do Sr. Fernando de Sousa.

Tenho dito.

O Sr. Machado de Serpa : — Sr. Presidente : como já veio da Imprensa Nacional a proposta ministerial abrindo um • crédito a favor dos sinistrados do último tremor de terra ocorrido nos Açores, e como esssa proposta teve a aprovação da Secção, peço a V. Ex.a que consulte o Senado sobre se consente que, sem prejuízo dos oradores inscritos, entre em discussão antes da ordem do dia.

Foi aprovado o requerimento.

Página 4

Diário das Sessões do Senado

favor de ninguém, um homem de bem às direitas, amigo da sua terra, amante da sua família, procurando sempre tcdas as ocasiões para demonstrar as suas altíssimas qualidades, a sua grande inteligência ; e o; seu grande coração.

Ê por isso que a União Liberal Republicana propõe que seja consignado na acta da sessão um voto de sentimento por esta perda verdadeiramente grande para a República.

Tenho t dito.

O Sr. Costa Júnior: — Sr. Presidente : este lado da Câmara associa-se com profundo pesar ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques.

Hermano de Medeiros íoi meu colega no consultório e amigo de há muitos anos, e acostumei-me sempre, a ver nele, não o adversário político, mas o companheiro de todas as lutas académicas. Com ele convivi durante muitos anos apreciando o seu carácter verdadeiramente diamantino.

Para a República a sua morte representa uma grande perda. É necessário que a República vá procurar às gerações novas indivíduos que venham substituir aqueles que sempre lho deram todo o seu esforço.

É com o maior pesar, verdadeiramente comovido pela perda de um amigo intimo, que me associo em meu nome pessoal e em nome deste lado da Câmara, ao voto de sentimento pela morte do Dr. Hermano de Medeiros.

O orador não reviu.

O Sr. Caldeira Queiroz: — Sr. Presidente : como antigo condiscípulo do sincero republicano Dr. Hermano de Medeiros, não posso deixar de me associar com profunda comoção ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques.

O Sr. Azevedo Coutinho: — Sr. Presidente : em nome da minoria monárquica associo-me ao voto do sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques.

O Sr. Lima Duque : — Sr. Presidente: não posso deixar de associar-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques, primeiro porque fui um dos amigos do Dr. Hermano de Medeiros, e segundo

porque da convivência que tive com ele, numa das vezes em que geri a pasta do Trabalho, resultou o conhecimento exacto -e a grata apreciação dos dotes exímios daquele cidadão prestairtíssimo,

Apoiados.

Não vou, porém, prantear agora o amigo, nem o antigo correligionário, nem o profissional. Essas qualidades estão já rememoradas pelos oradores que me precederam; simplesmente desejo referir--me a um facto da vida do Dr. Hermano de Medeiros, que lhe trouxe grande brilho não só para a sua inteligência e competência scientífica, mas principalmente p ara o seu tino administrativo, pela moralização e rigor disciplinar que ele estabeleceu nos hospitais civis de Lisboa.

Fui eu quem, corno Ministro do Trabalho, o nomeou para esta comissão, numa ocasião dificílima. Ninguém queria aceitar esse cargo em virtude de um conflito que tinha havido entre os médicos dos hospitais civis de Lisboa.

Aceitou o sacrifício o Dr. Hermano de Medeiros, e nunca me arrependi porque elo correspondeu às minhas esperanças e àquilo que havia a esperar das suas qualidades excepcionais.

Como director dos Hospitais Civis de Lisboa, Hermano de Medeiros fez uma gerência de tal modo superior e digna que assinalou um rasto de justiça, de saber e de bondade, não susceptível de ser excedido.

Apoiados.

Por isso, Sr. Presidente, foi com a mais profunda mágoa que tive conhecimento, hoje, do falecimento de Ilermano de Medeiros.

Era um republicano de fé inquebrantável. Tinha três afectos indeléveis na sua vida: a sua terra natal, a República e a família.

Apoiados.

E todos estes afectos cultivava com extremos de dedicação e entusiasmo verdadeiramente comunicativos e reveladores da sã a límpida alma.

Vozes : — Muito bem.

Página 5

tèeasâo de í$ de Maio de 192B

sessões, a representação nacional vai pranteando um grande cidadão da Pátria e da República.

Mais um, hoje, temos a chorar, cuja falta será difícil preencher. Ao menos, Sr. Presidente, que esses que vão caindo, nas lutas da vida e no amor da Pátria, nos leguem o exemplo, como legaram Hermano de Medeiros o outros que a Nação Portuguesa tem recentemente perdido para a vida, mas registará nas páginas gloriosas e beneméritas da História.

Vozes : —Muito bem, apoiado.

O Sr. Afonso de Lemos: — Sr. Presidente : em meu nome pessoal e no deste lado da Câmara, associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques.

O Sr. Martins Ferreira: — Sr. Presidente :. pedi a palavra para com o mais profundo pesar o como parlamentar pelos Açores, me associar ao voto de sentimento proposto pelo meu ilustre colega Sr. Vasco Marques, pela morte do Dr. Hermano de Medeiros.

Com a morte de Hermano de Medeiros desaparece incontestavelmente uma figura de destaque na sociedade portuguesa, tanto sob o ponto de vista profissional como político. Hermano de Medeiros era um médico de alto valor profissional e sob o ponto de vista político, militando num dos partidos da República, ele punha sempre, acima do seu -partido, os interesses dos Açores e especialmente do seu distrito, que muito o estimava e considerava — o distrito de Ponta Delgada.

Em nome, pois, dos Senadores açoreanos, ou associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques.

O Sr. Ministro da Guerra (José do Mas-carenhas): — Sr. Presidente: em nome do Governo associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Vasco Marques pela morte do Dr. Hermano de Medeiros, sentindo que mais um velho republicano nos seja roubado.

O Sr. Presidente:—Em vista da manifestação da Câmara, considero o voto de sentimento aprovado por unanimidade.

O Sr. Júlio Ribeiro : — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para mandar para a ]\íesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida, urgentemente, nota das quantidades de tabaco que se acham nos interpostos das alfândegas, data da sua chegada e nomes das pessoas a quem vêm consignadas».

O Sr. Presidente: —Vai entrar em discussão a proposta de lei n.° 109, abrindo um crédito de 500.000$ para os sinistrados da Horta.

Pausa.

O Sr. Presidente: —Vai ler-se.

Lido na Mesa o projecto, foi aprovado na generalidade e na especialidade sem discussão.

Ê o seguinte:

Proposta de lei n.° 109

Artigo 1.° E aberto no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Interior, um crédito extraordinário ato a quantia de 500.000$, o qual constituirá o capítulo 9.° da despesa extraordinária da proposta orçamental para o corrente ano económico de 1925-1926 do segundo dos referidos Ministérios, sob a seguinte rubrica : «Para socorrer os povos do distrito da Horta sinistrados pelo ciclone e cataclismo sísmico».

Art. 2.° A importância referida no artigo 1.° será distribuída por uma comissão funcionando na sede do distrito, sob a presidência do governador civil, e constituída pelas seguintes entidades: presidente da Junta Geral, presidente da Câmara Municipal, presidente da Associação Comercial, delegado de saúde e engenheiro chefe da circunscrição industrial.

Art. 3.° As contribuições industrial e predial e imposto sobre a aplicação de capitais (Secção A) ainda em dívida e referentes aos anos económicos de 1922-1923 a 1924-1925, no distrito da Horta, serão pagas em dez prestações anuais, suspendendo-se o respectivo relaxe, que só prosseguirá em relação a cada prestação quando não paga nos respectivos prazos.

Página 6

í)iário das Sessões do Senado

tecipar o pagamento do qualquer número de prestações em dívida com a dedução de 6 por cento sobre a importância respectiva.

§ 2.° O disposto neste artigo e seu § 1.° é igualmente aplicável às mesmas contribuições e imposto relativas ao ano econó-mico. de 1925-1926, devendo, para êese efeito, a respectiva repartição de finanças processar a cada contribuinte dez conhecimentos, não podendo cada um deles ser da importância inferior a 5$.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, 20 de Abril de 1926.— Daniel Rodrigues — Baltasar de Almeida Teixeira — Vicente Ramos, relator.

Aprovada pela Secção.

O Sr. Machado Serpa:—.Roqueiro dispensa de última redacção.

Consultado o Senado sobre se dispensava a última redacção, resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente :—Não está mais ninguém inscrito para usar da palavra antes da ordem do dia.

Vai passar-se à

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:—Não estando presente o Sr. Ministro do Comércio e não podendo S. Ex.a comparecer no Senado por virtude de estar em discussão na Câmara dos Deputados o orçamento do Ministério do Comércio, vai entrar em discussão a proposta n.° 72-C (orçamento do Ministério da Guerra).

O Sr. Ferreira de Simas:—Requeiro dispensa da leitura.

Consultado o Senado sobre se dispensava a leitura da propo»ta> resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente: — Está a proposta em discussão na generalidade.

O Sr. Álvaro de Mendonça:— Sr. Presidente : a proposta orçamental do Ministério da Guerra é um documento bem elaborado e minucioso, mais minucioso

mesmo do que as outras propostas orçamentais que até agora têm sido discutidas, sobretudo no que respeita a discriminação de verbas extraordinárias das melhorias de vencimentos.

Se alguma cousa haveria a exigir sob este ponto de vista geral, era que da sua arrumação se pudesse saber quanto custa cada um dos determinados serviços; isso seria difícil de conjugar com a disposição que tem actualmente.

As emendas propostas pela Secção do Orçamento, principalmente as que respeitam à readmissão, à aviação e à estação radiotelegráfica e campo internacional de Alverca, 'merecem umas considerações mais detalhadas quando se tratar da especialidade.

Pelo que respeita à relatividade entre o Orçamento actual e os anteriores, vê-se que a despesa tem progredido e justo é confessar que não têm progredido da mesma maneira as possibilidades da utilização do exército.

Desde 1910, até hoje, essa despesa está quási duplicada em ouro, e no emtanto o exército está hoje menos dotado, sob' o ponto de vista de material, do que estava em 1910.

Sr. Presidente: na organização se pode em parte fundamentar este declinar das instituições militares.

Mas, falando ainda da forma como é distribuída a dospesa, nós vemos que hoje se está gastando com pessoal cerca de 80 por cento das dotações militares; e, ao passo que atinge esta proporção tam avultada pelo que respeita a pessoal, com material está-se gastando apenas 14 por cento e, o que é mais, não se tem no Orçamento uma única verba para aquisição de material de guerra, a não ser uma pequena para aquisição de material de aviação e pouco mais.

Página 7

àessão de 18 de Maio de 1926

pretendeu estabelecer entre nós à semelhança da, organização suíça.

Quanto a mini essa idea- não representou senão o propósito de enfraquecer o exército, propósito que podia ter fins políticos em ;'causa, mas que não tinha com certeza umjfim elevado de política nacional.

Cumpre^a todos, seja qual for a sua política, fazer o possível por que as instituições militares constituam um elemento seguro de defesa nacional.

Os resultados, na prática da organização de 1910, foram simplesmente o aumento extraordinário do número de unidades e de pessoas.

Deixámo-nos embalar com esse sonho de Nação armada, sonho belo que toda a Nação devia procurar realizar, mas afinal, na prática, os resultados foram a contradição mais absoluta dessa idea e a prova mais provada está na dificuldade que houve em mandar uma expedição para a França.

Ao passo que em 1910 se mandava uma expedição para a África, organizando-se em quinze dias, levando tudo o que lhe era necessário, como seja material, fardamento e calçado, agora com a organização que temos, quando foi preciso mandar uma expedição para França, foram necessários doze meses!

O que sucedeu com a expedição enviada no tempo da guerra à África ó tudo quanto há de mais contraste com o que anteriormente se fazia, e ó típico, sobretudo, o que sucedeu na costa oriental, com a expedição comandada pelo general Sousa Rosa, em que houve um batalhão, o de infantaria 30, que chegou tam falto de instrução, de fardamento e de todos os elementos necessários para poder entrar em campanha qne, quando estava quási apto para entrar em campanha, apto estava quási todo mas era para entrar no ^cemitério.

Três quartas partes tinham morrido com as febres de África em consequência do demorado estágio a que tinham sido obrigados numa região de péssimo clima e com enorme falta de recursos.

Uma Nação como a nossa com colónias tropicais precisa de ter tropas suficientemente preparadas para estarem em campanha em África, a fim de que ao chegarem ali possam sem demora entrar em operações.

Não sucedeu nas últimas expedições. Elas foram em tais condições que ao serem utilizadas estavam devastadas pelas febres. A organização existente não nos garante uma intervenção rápida nas colónias, ,como deixa desprotegidas as nossas fronteiras. Não está o exército em condições de desempenhar a sua missão. Os relatórios da comissão de orçamento da Câmara dos Deputados e da Secção do orçamento do Senado, são bem frisantes a este respeito. Os efeitos da má organização são também da falta de disciplina.

Notei-o, em fins de 1917, quando tomei o comando de um regimento da guarnição de Lisboa.

Não havia instrução, nem material de guerra nem fardamentos. Os homens não tinham onde comer. As latas do rancho que segundo as disposições militares costumam ser em duplicado, não chegavam para metade dos homens. Era preciso distribuir o rancho por duas vezes. Os cavalos não tinham cabeçadas para estarem presos à mangedoura, estavam presos com arames; faltavam perto de 200 cabeçadas no regimento.

Morriam diariamente alguns cavalos com mormo, tam intensa era a epidemia que ali grassava.

É justo dizer que no ano de 1918 mudou sensivelmente este aspecto.

Mas também é justo dizer-se que,esse aspecto melhorado se conservou depois, apesar dos acontecimentos políticos de 1919. A guarnição de Lisboa, de então para cá, tem outra apresentação, tem outra disciplina, e, posto que muito reduzida, está de facto melhor dotada.

Mas, de toda essa organização de 1911 abandonou-se, como tive ensejo de dizer, aquilo que ela tinha de melhor e que era um pouco a compensação do seu feitio miliciano. Era as escolas de repetição que constituíam umas manobras anuais em todas as unidades, os cursos da Escola Central de Oficiais, cursos técnicos instituídos por diplomas bem pensados e bem elaborados.

Página 8

8

Diário das Sessões 'do Senado

sarmonia com o número de unidades qoe podia ter.

Eu sei que em parte isso foi consequência da guerra mas também foi consequência das medidas que se adoptaram, post guerra porque não se seguiram os exemplos das outras nações e não se adaptaram as normas que se pudessem adaptar ao nosso meio e por forma a colhermos resultados equivalentes aos conseguidos pelos outros países que entraram na guerra.

O número elevado do pessoal absorvo oitenta por cento do orçamento do Ministério da Guerra. ,;0nde está o remédio para isto?

Eu quero crer que do conjunto da organização das forças militares dos diferentes Ministérios, da Guerra, Interior e Colónias, se poderia fc^cilmente obter um resultado de maior eficiência.

Nós gastamos hoje com a totalidade das forças militares um terço do orçamento de despesa, e com as forças militares do ^Ministério da Guerra um quinto.

É bastante mais do que gastávamos outrora, pois no tempo da monarquia gastávamos apenas um quinto coni a totalidade das forças militares. Progredimos em despesa, mas, como tive ensejo de dizer, não progredimos em aperfeiçoamento das instituições militares.

No conjunto de despesas militares avultam hoje muito as despesas do Ministério do Interior, porque para o serviço da guarda republicana passaram serviços que em outro tempo eram feitos por unidades do exército, e a missão de segurança por esta guarda fica sendo mais cara, e eu quero crer que bem se podia passar uma parte dessa segurança para forças do exército, ficando a guarda republicana com a mis-

são de policiamento da cidade e dos campos, e uns 30:000 contos podiam ser destinados a compra de material.

Quanto a economias com os oficiais, em-» pregando-os em serviços cadastrais, subsídios se lhes tinham que dar e a melhor economia era: aqueles oficiais que não fossem necessários no Ministério da Guerra irem para outros Ministérios, para serviços já existentes sem aumento de quadros, sobretudo para o das Colónias que oferece largo campo à sua actividade.

É forçoso que no orçamento haja uma verba para material. Estamos pior em material do que se estava em 1910. O pouco que existia foi gasto durante a guerra, e o que resta deve estar bastante cansado.

Nos últimos tempos da monarquia, no consulado de Pimentel Pinto de quem fui ajudante, compraram-se 100:000 espingardas, triuta e duas batarias de artilharia de campanha e organizou-se o campo entrincheirado de Lisboa. De então para cá nada se comprou, apenas algum material de aviação.

Por ocasião do armistício, eu, que ocupava a pasta da Guerra, fiz à conta das reparações unia requisição de material.

Fácil era então obter grande quantidade de material de guerra, por baixo preço, com que se dotasse o nosso exército.

Nesse sentido, ouvidas as estações competentes elaborei uma requisição de material de guerra para as 12 divisões que com mais ou menos esforço podíamos mobilizar espingardas, canhões de campanha, ligeiros e de calibre médio, metralhadoras, aviões.

Tudo isto constava desta requisição, não tendo mesmo esquecido algumas peças de grande alcance para o campo entrincheirado de Lisboa.

Mas a política mudou e a comissão de reparações leve um parecer diverso; caminhava-se para o desarmamento,'caini-nhava-se para a paz mundial, esse sonho que tem embalado os homens, principalmente quando estão vencedores.

E o que nós vemos hoje é as grandes nações armarem-se até aos dentes.

Página 9

Sessão de 18 de Maio de 1926

E isto por um despique político, porque era preciso que essa requisição por ter partido de alguém que estava em contradição política não fosse satisfeita.

Na generalidade dou o meu voto ao orçamento do Ministério da Guerra; nós não lhe devemos regatear as verbas necessárias porque a defesa nacional deve merecer a nossa mais alta consideração.

Julgando, porém, que da reorganização dos serviços dos Ministérios da Guerra, do Interior e das Colónias podem resultar economias que se aproveitem na aquisição de material de guerra, envio para a Mesa uma moção nesse sentido.

Leu.

Tenho dito.

Foi lida, admitida e posta em discussão conjuntamente com a generalidade da proposta. *

É a seguinte:

O Senado, reconhecendo a necessidade de se proceder rapidamente à reorganização de todas as forças militares dependentes do Ministério da Guerra, do Interior e das Colónias, por forma a assegurar-se dentro dos recursos orçamentais uma maior garantia da sua eficaz r utilização, continua na ordem do dia.—Álvaro César de Mendonça.

O Sr. Roberto Baptista:—Sr. Presidente: mais uma vez venho discutir nesta casa do Parlamedto o orçamento do Ministério da Guerra.

Devo dizer a V. Ex.a que nas considerações que vou fazer não vou utilizar-me do fruto da minha observação pessoal.

O cargo que presentemente exerço no exército inibe-me de fazer uso dos conhecimentos que tenho adquirido no exercício desse cargo sob pena de ser alcunhado de indiscreto.

Mas, Sr. Presidente, eu não preciso disso.

Bastam-me as considerações apresentadas nos relatórios da comissão de orçamento da Câmara dos Deputados e da comissão de orçamento do Senado para eu poder expor o que segue.

Diz o Sr. relator do orçamento do Mi-. nistério da Guerra na Câmara dos Deputados qne, apesar de aumentos sucessivos nas verbas orçamentais, é um facto que

as instituições militares se vão anualmente degradando cada vez mais.

É isto, infelizmente, uma triste verdade porquanto o nosso exército, na situação em que presentemente se encontra, não corresponde, nem pela sua organização, nem pela sua instrução, nem pelo seu. armamento, aos pesados encargos que a Nação suporta para o manter.

E, Sr. Presidente, ainda que nós pudéssemos contar em todas as circunstâncias, que aliás devemos prever, com o auxílio da nossa tradicional aliada, não devemos esquecer, principalmente dada a nossa situação de potência colonial, que o valor das alianças não reside somente na importância dos compromissos que porventura tenham sido tomados e que ele se baseia especialmente na possibilidade de efectivação desses compromissos e na sua realização em momento oportuno.

Sendo eu um acérrimo defensor da aliança com a Inglaterra entendo que em tudo quanto diga respeito à valorização das nossas instituições militares nós não nos devemos deixar dormir à sombra dessa aliança e devemos polo contrário tratar de valorizar essas instituições para assim valorizarmos essa aliança.

Não devemos também esquecer as enormes dificuldades que tivemos de vencer de começo em França para instruirmos as nossas tropas com o material que ali nos foi distribuído em processos de guerra que a maior parte dos quadros não conhecia.

E, partindo da hipótese que nós podemos contar em todas as circunstâncias com o fornecimento à última hora de material, infelizmente ó um facto que o estado do nosso exército não permite tirar um resultado eficaz de material fornecido à última hora.

Página 10

10

Diário das Sessões 'do Senado

opostos e em que, sem querermos, sejamos envolvidos.

Por isso eu digo que é já tempo de, não esquecendo as lições do passado, tratarmos a sério da reorganização das nossas instituições militares, não esquecendo o conhecido aforismo de Rénan de que as sociedades só têm direito à conservação do seu património quando o saibam guardar.

Entrando na análise da proposta orçamental reconheço que a despesa do Ministério da Guerra, prevista em 292.000 contos, absorve 21 por cento das despesas gerais do Estado e 22,4 por cento das receitas. Reconheço também que a despesa feita com o pessoal, incluindo melhorias, alimentação e fardamento é representada por 242:000.000^00 em quanto a despesa com o material é prevista apenas em 41:000.000^00.

A citação destas duas verbas dispsnsa--me de, sobre o assunto, fazer mais considerações.

A crise por que actualmente passa o nosso exército tem. sua causa essencial ern três factores: excesso de quadros, dispersão de efectivos e deficiência de verba para instrucção das tropas e dos quadros. Os quadros dos oficiais estão excedidos em 70 e tal por cento; o quadro dos coronéis em 152 por cento; o quadro dos generais em 104 por cento, etc.

Isto, Sr. Presidente, não é cu!pa do Sr. Ministro da Guerra mas sim de governos anteriores e culpa também do Parlamento porque aprovou várias leis que muito concorreram para isso.

Depois da Grande Guerra não tratámos a-sério desta questão dos quadros. Pelo contrário, adoptaram-se um certo número de medidas tendentes a agravar a questão.

V. Ex.a sabe perfeitamente, Sr. Presidente, o que sucedeu com os oficiais milicianos. Emquanto todos os países que tinham entrado na guerra tratavam de dar quaisquer vantagens que os convidassem a sair do activo, nós tratámos, pelo contrário, de metê-los dentro dos quadros permanentes.

E interessante citar a propósito deste assunto uma medida ultimamente tomada na Bélgica para a redução dos quadros, tratando de facilitar a saída dos quadros permanentes a muitos oficiais do exército.

Julgo que a solução deste assunto não compete apenas ao Sr. Ministro da Guerra, são necessárias medidas de conjunto não só do Ministério da Guerra como dos Ministérios das Colónias, do Comércio e até da Agricultura.

Posso citar um caso. Temos hoje distribuídos por três Ministérios os assuntos relativos à cartografia e topografia; os que são relativos ao Ministério da Guerra foram há pouco reorganizados pelo actual Ministro, embora essa reorganização fosse habilmente mascarada com a forma de regulamento. ,íNão seria mais razoável, como. aliás, se íaz nalgumas nações, juntar todos esses serviços no mesmo instituto onde, fossem aproveitados os serviços de muitos oficiais, tanto mais que somos um País que tem muita necessidade do desenvolvimento desses serviços, visto que as cartas que temos não estão actualizadas? Julgo que isto é uma ideao aproveitável que vale a pena estudar porque traria economia e vantagem para o Estado.

Um dos relatórios das comissões do orçamento fala-nos na Escola Militar e acentua muito bem que não ó razoável pensar no seu encerramento como, por vezes, no Parlamento tem sido alvitrado. Embora eu seja o primeiro a reconhecer que o problema da superabundância dos quadros constitui um dos mais graves que actualmente existem na nossa organização militar, acho que encerrar a Escola Militar não será um bem, antes será um mal. O que entendo necessário é reorganizar, por completo, a Escola Militar modificando as condições da admissão dos alunos. Não compreendo que, pelo facto de um indivíduo ter o curso do liceu ou alguns preparatórios da Politécnica, isso seja condição suficiente para, a entrada na Escola Militar, depois de ter satisfeito a um concurso. Havendo necessidade, como há, de aproveitar os indivíduos que, na idade do recrutamento, são encorporados e têm determinadas habilitações militares, para deles fazer os futuros oficiais milicianos do nosso exército, que não poderemos dispensar, parece-me razoável que os candidatos a alunos da Escola Militar fossem seleccionados de forma a só admitir aqueles que revelassem aptidões para as funções de oficiais.

Página 11

Sessão de 18 de Maio de 1926

11

mero de unidades que estão consignadas na última organização do exército.

Temos de encarar esse problema de frente. A única solução é reduzir o número de unidades. O Sr. Ministro da Guerra, na louvável intenção de melhorar a organização do nosso exército, apresentou à Câmara dos Deputados umas bases para essa organização. Anteriormente tinha sido presente, há cerca de dois anos, também à Câmara dos Deputados, por um outro Ministro da Guerra, o Sr. Kibeiro de Carvalho, umas outras bases de organização do exército, trabalho inspirado num estudo elaborado pêlo estado maior do exército.

Lamento que o Sr. Ministro da Guerra, quando tomou conta da sua pasta, tivesse apresentado um trabalho novo em lugar de mandar rever pelo estado maior do exército as bases que anteriormente esto tinha feito. Seja como for, não tenho esperanças de que na actual sessão legislativa possamos ver aqui qualquer desses trabalhos.

A deficiência da instrução das nossas tropas é verdadeiramente lamentável. Com o pretexto da redução da despesa, em anos anteriores, deminuiu-se a instrução das escolas de recrutas e não se têm realizado escolas de repetição.

Não se. têm realizado escolas de repetição.

A instrução dos quadros tem sido perfeitamente abandonada e as únicas provas que continuam vigorando, naturalmente porque sempre vão dando algumas vagas, são as provas para a promoção aos postos de major e de general. A Escola Central de Oficiais não funciona há muitos anos. E esta instrução dos quadros tem necessidade de ser feita -mesmo como processo de selecção, selecção essa que não deve ser unicamente nos postos superiores do exército; deve começar pelos postos de alferes e tenente, para evitar que os incapazes atinjam os postos superiores.

E eu podia citar a V. Ex.a um caso interessante que se deu numa célebre escola de instrutores de esgrima de baioneta, organizada há anos, ein Tancos. Era director dessa escola um oficial que todos conhecemos.

Eeiiniram-se subalternos de vários regimentos em Tancos e verificou-se que 30

por cento dos oficiais que foram presentes nessa escola não tinham a aptidão física precisa para poderem ser instrutores. Sob o ponto de vista da selecção e da instrução dos quadros superiores do exército, eu saliento a V. Ex.a a necessidade que temos de preparar devidamente os coronéis para as provas de habilitação para o posto de general.

Não é justo, e eu sou insuspeito, falando assim, porque faço parte desse júri e porque já passei por essas provas, não é justo que o Estado não faculte, durante a vida do oficial, o meio de ele se instruir e, quando ele está no fim da sua carreira, muitas vezes quando está perto de atingir o limito dos 62 anos, o obrigue a dar' uma prova, para que a-maioria dos coronéis não pode estar devidamente preparada.

Temos absoluta necessidade de organizar, à semelhança do que se tem feito noutros países, depois da guerra, um curso de habilitação para os altos comandos, curso que deve compreender não só os ensinamentos de ordem táctica, como também os conhecimentos gerais de estratégia, de política da guerra, que um general necessita reconhecer. Só depois de terem passado por esses cursos, sem carácter de provas e sem exames, é que os coronéis deviam prestar as suas provas,, provas essas que, em minha opinião, também necessitam de ser modificadas. Não se compreende que se obrigue um homem com perto de 60 anos a prestar uma prova escrita que dura 8 horas. E uma prova de resistência, e nada mais. Mas, emfim, o que eu desejo acentuar ó que é absolutamente necessário organizar o curso para preparar os coronéis para as provas de aptidão ao posto-de general, mas tirando-lhe todo o carácter de cursos ou de aulas.

Página 12

12

Diário das Sessões do Senado

essas escolas de aplicação em verdadeiros centros de instrução.

Sobre este assunto, justo é dizê-lo, o actual Sr. Ministro da Guerra alguma cousa já fez, porque organizou uma comissão, da qual me honro de fazer parte, que está encarregada de arrecadar um certo número de verbas e, com esses recursos, propor a aquisição do material conveniente, pelo moucs, para a instrução do nosso exército.

Um assunto para que queria também chamar a atenção de V. Ex.a é para a necessidade que temos de tratar a sério da educação física do nosso exército e seria talvez interessante organizai1 uma escola à semelhança da que existe na nossa vizinha Espanha, uma escola central de educação física, onde os próprios professores de instrução primária vão assistir à instrução, para que possa haver o mesmo método, desde a escola primária até ao' exército.

Nós temos várias escolas de educação física dispersas em diversos pontos, e até temos uma escola central de esgrima eni Lisboa, onde realmente se preparam instrutores, escola essa que em jtempo funcionou, talvez com menor brilho, na Escola Prática de Infantaria, .mas corta-monte com muito maior economia.

Sob o ponto de vista da aviação, concordo perfeitamente com a idea apresentada pelo Sr. relator do orçamento do M:-, nistório da Guerra da Câmara dos Deputados, a respeito da necessidade de transformar por completo o nosso campo de Alverca em campo internacional de aterragem.

Mas transformar esse campo em campo internacional de aterragem, quere dizer que os Ministérios do Comércio e dos Estrangeiros devem concorrer com as verbas precisas para isso se realizar.

Não pode esse campo, sendo considerado como campo internacional de aterragem, ter a sua manutenção somente a cargo do Ministério da Guerra.

Sob o ponto de vista da aviação, nós muito temos que fazer, não só pelo que respeita à sua instrução, que tem tido talvez uma orientação mais sportiva do que profissional e técnica, mas também relativamente ao seu desenvolvimento, porque se há arma que não possa ser improvisada em caso de guerra é a aviação.

Vi no orçamento do Ministério da Guerra o aumento da verba de remonta.

S. Ex.a ô Sr. Ministro da Guerra, atendendo à falta de solípedes que havia no exército, ordenou que se efectuasse uma remonta extraordinária para aquisição de cavalos e uma remonta também extraordinária para aquisição de cavalos praças para oficiais.

Eu não posso deixar de louvar S. Ex.a pela sua resolução, embora discorde da fornia como fji íeita essa remonta.

Não compreendo que neste momento em que está proibida a importação de solípedes no país, o Ministério da Guerra esteja comprando no estrangeiro cavalos para o exército.

Acho que as fronteiras deveriam sor abertas e só- depois ó que o Estado teria o direito de comprar cavalos lá fora.

O Estado não deve querer para si uma cousa que não concedo aos outros.

Também não concordo com que a comissão de remonta tivesse adquirido cavalos para serviço do exército, com 3 anos de idade.

Eu tenho um desses bichinhos, olho para ele e estou certo de que só daqui a 3 anos ó que o poderei montar.

Embora a média do preço desses cavalos fosso de 3.500$, se eu adicionar a esse custo a despesa que se faz com cada animal durante 3 anos, chego à conclusão do que o Estado, se os tivesse adquirido por 6.000$ ou 7.000$, ainda ganhava bastante dinheiro.

Por último, ainda a respeito do orçamento do Ministério da Guerra, eu não posso deixar de frisar que hoje interessa essencialmente à eficiência das nossas instituições militares.

V. Ex.a, Sr. Pesidente, sabe que hoje os trabalhos da preparação da guerra não interessara somente a nós os militares, interessam essencialmente a toda a Nação, estende-se a toda ela, às suas finanças, à sua economia, à sua indústria e ao seu trabalho e é sob o ponto de vista da mobilização industrial que eu desejo encarar o problema.

Página 13

Sessão de 18 de Maio de 1926

13

estudado e devidamente preparado, desde o tempo de paz.

E V. Ex.a, Sr. Presidente, que além de ser o Presidente do Senado, ó também o director do Arsenal do Exército, conhece perfeitamente .que nós não podemos dispensar o concorso da indústria, e sabe também perfeitamente que, para a resolução de um problema que, aliás parece simples, e que eu há talvez 6 meees lhe sugeri, não se conseguiu até hoje obtê-la, porque infelizmente ainda não temos-no nosso país as indústrias convenientes para nos ajudarem nessa resolução.

O orador não reviu.

O Sr. Vasco Marques: — Sr. Presidente: não sendo eu militar, não tendo conhecimentos alguns que se prendam com a arte da guerra, não posso, evidentemente, discutir este orçamento debaixo do ponto _de vista técnico.

Mas, lendo e examinando os números que constam da proposta orçamental, ana-lizando o respectivo relatório do Sr. Mendes dos Reis e estabelecendo depois confrontos o comparações, posso chegar a conclusões que interessam a todos os portugueses, mormente àqueles que reparam com olhos de ver para a nossa situação financeira.

E é debaixo deste aspecto que eu entro na discussão da generalidade do orçamento do Ministério da Guerra.

Na nota preliminar do orçamento em discussão, verifica-se que, no ano económico de 1925-1926, as despesas foram computadas em 279:802.407$22, ao passo que na proposta orçamental para o próximo ano económico de 1926-1927, essa despesa atinge a cifra de 292:160.338$74, ou seja uma diferença para mais, de 12:357.931$52.

Verificando este acentuado acréscimo de despesas tínhamos o direito de julgar que ele era consequência de qualquer reforma ou modificação tendente a assegurar qne o nosso exército, embora lentamente, viria um dia a encontrar-se dotado de quanto lhe ó indispensável para poder prestar à Nação todos aqueles serviços que a mesma tem direito a esperar.

Porque, Sr. Presidente, a um grande sacrifício necessário é que corresponda um assinalado o eficaz serviço. E para nos capacitarmos da grandeza do sacrifí-

cio basta compulsar o Orçamento Geral das Receitas e das Despesas do Estado, porque logo ficamos sabendo que a receita global calculada para o próximo ano económico é de 1.300:000 contos e a respectiva despesa de 1.400:000 contos, ou soja um desiquilíbrio orçamental de 100:000 contos, indo-se mais da quarta parte desta receita prevista para a manutenção da força pública, corno oportunamente -demonstrarei, o que é na verdade um tremendo sacrifício.

E, Sr. Presidente, os que melhor conhecem assuntos financeiros, aqueles que bem reparam no estado precário do comércio, da indústria e da agricultura, adquirem desde logo a certeza de que a esta hora desapareceu já uma grande parte de matéria colectável, por isso que muitas fábricas e casas de negócio se encontram paralizadas ou mesmo definitivamente encerradas, e, portanto, para o eíeito fiscal, desapareceram por completo, deixando, assim, de entrar nos cofres do Estado uma grande parte da receita prevista, não podendo sobre este ponto haver ilusões, porque de facto a situação do comércio, da indústria e da agricultura é, por toda a parte, angustiosa. .

Se por outro lado atentarmos nos anteriores anos económicos, em que todas as despesas foram sempre e à vara larga excedidas, não devendo o próximo ano fazer excepção à regra geral, ninguém por certo dirá constituir da minha parte um grande arrojo a afirmação de que o déficit no ano económico de 1926-1927 irá, infelizmente, muito além dos 100:000 contos calculados.

Página 14

Diário âàs Sessões ao Èenaâo

portanto, de 290:395.884059 a dosposa calculada.

E esta, pois, a soma que a Nação tem a pagar no próximo ano económico, caso não haja sucessos extraordinários que obriguem a aumentar a despesa prevista.

Ora, se a esta.enorme importância juntarmos a respeitável verba que, no orçamento do Ministério do Interior, já por nós aprovado, se destina à guarda republicana, nós verificamos por fornia iniludível, que a força pública absorve neste País mais da quarta parte da sua receita global!

Este sacrifício enorme para as nossas depauperadas finanças, esta cifra colos-•sal para um país pequeno e pobre, significam que temos um exército em condições de cumprir eficazmente a sua missão?!

Não podia eu responder a esta progun-ta porque, como disse no princípio das minhas considerações, falta-me competência técnica para o fazer, mas cingir-rne hei àquilo que encontro menciona rio no parecer do Sr- relator, e pela minha parte só tenho que louvá-lo pela clareza e pelo desassombro com que fala, porc/ae há efectivamente assuntos de tamanha responsabilidade que todas as verdades, por mais tristes que sejam, são sempre preferíveis a qualquer mentira bem i mencionada ou a qualquer simples disfarce, e, assim, só tenho de dirigir os meus cumprimentos e as minhas felicitações ao Sr. Mendes dos Reis, distintíssimo e brioso militar, pela maneira como esclarece o Senado sobre a situação do exército,

Ora, como acabo de demonstrar com números, nós gastamos com a força pública mais da quarta parte da nossa receita global, e eu vejo com mágoa esses tremendos dizeres no relatório, que ninguém poderá atribuir a uma leviandade:

«Que o nosso exército não tem talvez meia dúzia de espingardas em boas condições balísticas».

Aqui ao lado diz-me o Sr. relator que expressando-se assim ainda é favor. Que-re dizer: S. Ex.a podia afirmar nc relatório que o nosso exército não tem uma só espingarda em boas condições balísticas J

Sr. Presidente: diante da despesa enor-

me que a Nação faz com'a força pública, e perante tam tremendas declarações, bem insuspeitas, de liin distinto militar, a nossa impressão não pode deixar de ser de assombro, de tristeza.e quási que de desalento !

Porque afinal do contas, gasta-se uma soma enorme com. o nosso exército o chega-se à conclusão dolorosa de que, se amanha tivermos de nos defrontar com um inimigo externo, não estamos em condições de defender o nosso território!

Sr. Presidentei.poderá, por acaso, haver conclusão mais desalentadora do quu esta a que se chegou? Evidentemente que não.

Pregunto:

Afirmando eu qne os nossos sargentos e soldados continuam a ser valentes, disciplinados, sóbrios, e que os nossos oficiais na sua grandíssima maioria são distintíssimos, competentes, briosos, arrojados, destemidos, tendo um grande orgulho pela sua farda e una grande amor pela, sua Pátria, não sou lisongeiro, pro-íerindo apenas palavras de simples justiça. Mas a verdade é que os não colocam naquelas condições que todos eles desejariam, para poderem dizer, de cabeça erguida., que às suas mãos estava muito bem confiada a defesa, da Pátria e que no momento próprio agiriam por forma a repelir qualquer agressão estranha, pois nem ao menos lhes dão aquele material de guerra que é indispensável a quem tem sobre si tamanha responsabilidade, visto que, não é demais repeti-lo, nem há seis espingardas em condições balísticas! (;E o • restante material o que terá e em que condições se encontra? Não quero, Sr. Presidente, insistir no assunto, por demasiado ingrato. Mudemos de rumo.

Pregunta a certa altura do seu relatório o Sr Mendes dos Reis:

Página 15

Sessão de IS de Maio de 1926

15

lhor distribuição de verbas — seguindo-se depois uma atirmativa para a qual chamo a atenção da Câmara, e, de uma maneira especial, do Sr. Ministro da Guerra — «E essa melhor distribuição depende em grande parte da acção do Ministro da Guerra, publicando diplomas, que as suas atribuições comportam, acabando com o favoritismo de alguns organismos e modificando o modo de vida de alguns serviços».

Visto que não podemos colocar o nosso exército desde já, naquelas condições que todos nós bem desejaríamos, ao menos que se utilizem melhor as despesas, pois, pelos dizeres do Sr. relator, isso depende do Sr. Ministro da Guerra, demais a mais acabando com favoritisrnos, que é uma cousa que, não devendo ser compreensível em qualquer outro Ministério, até mesmo no do Interior, político por excelência, mal se admite que eles existam no Ministério da Guerra, onde tudo deve ser feito tendo em mira tam sòme/ite o serviço, e dentro daquele rigor e imparcialidade que são os únicos compatíveis com a disciplina que deve haver nas forças públicas.

Se eu tivesse qualquer habilitação técnica, só eu não receasse proferir qualquer heresia, diria que há cousas que se passam no Ministério da Guerra que chamam a atenção dos próprios profanos.

No emtanto. e por excepção, sempre direi ao Sr. Ministro da Guerra que uma das cousas que inais estranheza .causam ó que, tondo o Ministério da Guerra, mesmo em tempo de paz, serviços árduos e ingratos, mormente em determinadas situações, como as prevenções repetidas e rigorosas, escolas de recrutas, destacamentos, diligências para terras onde não há transportes, etc., oficiais há que desconhecem tais agruras, porque eu que sou parlamentar há bastantes anos e obrigado por isso a percorrer os Ministérios, vejo no da Guerra sempre as mesmas caras, nas diversas secções de serviço, o que não parece justo, embora eu não possa afirmar que isso represente favoritismo. • Desaparecem os Ministros, sucedem-se as situações, e eu vejo sempre as mesmas caras nesse Ministério.

Isto é uma cousa que a mim, paisano, ignorante da técnica, me faz uma grandíssima impressão.

Eazões haverá para assim se proceder,

mas afigura-se-me singular deixar ali indefinidamente oficiais que não conhecem a vida regimental, com todas as suas agruras, inquietações o responsabilidades.

Eeceio bem que aconteça neste caso o que acontece na nossa vida particular ou nas casas comerciais e industriais, e é que, quando um subalterno está muitos anos ao serviço, acaba por mandar mais que o próprio chefe e nas suas mãos vão ficando, inadvertidamente, atribuições cada vez mais latas, que deveriam pertencer única e exclusivamente a quem dirige.

E a .verdade é, Sr. Presidente, continuando adentro das minhas impressões de paisano e ignorante da técnica da guerra, que eu sei que, às vezes, para obter-se uma cousa difícil, a pessoa mais competente não é. o Ministro da Guerra, mas

° outras, pessoas que lá estão há mais

tem pç.

Passemos adiante.

A Acerta altura do relatório, entre oa-tras afirmações do Sr. relator, vem uma que, infelizmente, era já conhecida de todos nós, e que consiste na declaração de estarem muito exagerados os quadros dos oficiais e sargentos.

j £ Porque tamanho ma], se o estado das nossas finanças e a nossa modesta situação no concerto das nações nos aconselham quadros reduzidos?!

Porque, após a guerra, aqueles que tinham sido chamados a prestar a sua contribuição de sangue na defesa da Pátria, constituindo o quadro dos milicianos, ficaram definitivamente no exército por virtude de disposições legais diversas e por medidas que se foram sucedendo umas às outras, argumentando-se sempre com o precedente, em vez de se olhar atentamente para a situação do Tesouro Público e as necessidades do serviço.

•Não procedeu assim a- valente França, não praticou tal medida a poderosa Inglaterra, não seguiu por esse caminho a florescente Itália, nem tantas das outras nações que tomaram parte no tremendo conflito, mas fé Io o depauperado Portugal, verificando-se agora as tristes conse-qiiências.

Página 16

16

Diário das Sessões do Senado

dos milicianos que tomaram parte na Grande Guerra, portou-se de uma maneira absolutamente briosa, equiparando a sua valentia e a sua abnegação aos do efectivo. Apoiados. '

E ocorre-me neste momento até quo a primeira vítima madeirense na Grande Guerra foi o oficial miliciano Bocha de Gouveia, que morreu no seu posto como um valente.

Prestando, pois, a minha homenagem aos serviços prestados pelos milicianos na terrível conjuntura que abalou ornando inteiro, eu sou o primeiro a reconhecer que eles foram dignos da sua Pátria.

£ Significa isto que eu esteja de acordo com as medidas tomadas a respeito de milicianos, uma vez terminada a guerra? De modo algum.

Eu entendo que o esforço praticado contra o inimigo, por muito nobre e alo-vantado que tenha sido, não constituiu um favor, mas a inegável obrigação que têm todos os portugueses do verter o seu sangue em defesa da Pátria. Tinham cumprido -um dever, nobre ó certo, mas terminado ele só havia que regressar às ocupações que tinham no momento de serem chamados às fileiras.

^Sem que lhes fosse concedida qualquer garantia ou preferência? Decerto que não.

Ptegressados às suas terras e às suas ocupações, devia garantir se-lhes preferência em qualquer concurso público, segundo as suas habilitações. Mas mais nada.

O exército está cheio de oficiais e sargentos, diz o Sr. relator, e todos nós o sabemos.

Ora, terminada a guerra, houve ainda uns anos de prosperidade na indústria, no comércio e na agricultura, onde esses milicianos poderiam ter obtido fácil e remuneradora colocação, tanto mais que a maior parte deles tinha saído desses mesmos ramos de actividade.

Não se procedeu assim e hoje estamos a pagar a esses milicianos que excedem em número elevado os quadros, absorvendo afinal o exército mais da quarta parte da receita global do País, o que é muitíssimo para as nossas possibilidades financeiras e para a necessidade inadiável que temos de estabelecer o nosso equilíbrio orçamental,

De toda essa pletora resulta que cada um, dos componentes do nosso exército, seja do efectivo seja miliciano, recebe uma autêntica bagatela comparada com a carestia da vida, de forma que não tendo os milicianos, afinal, arranjado para si uma situação próspera, impedem quo a situação dos que, desde a mocidade, se destinaram à carreira das armas, seja condignamente remunerada, o quo hoje já seria uni facto se, em vez de haver que dividir por cem, houvesse apenas que repartir por cinquenta.

Porque, Sr. Presidente, destas considerações que tenho estado a fazer, não quero que alguém possa tirar a conclusão erradíssima de que eu considero que qualquer oficial do activo ou reformado absorve uma quantia exagerada, e quo se pode cortar no orçamento da Guerra, reduzindo o soldo dos seus oficiais. Pelo contrário, Sr. Presidente. Sobre os oficiais do nosso exército, mesmo sem as espingardas em condições balísticas, impende uma tal soma de responsabilidades, têm sobro si um serviço tam espinhoso, a sua posição obriga-os a tais despesas quo tudo isso, cotejado com a asfixiante carestia da vida, leva toda a gente1 a reconhocer que a remuneração da nossa oficiulidade é simplesmente lamentável.

Sei mesmo, Sr. Presidente, que os oficiais com família — e evidentemente têm o direito e até necessidade de a constituir— que nada mais auferem do que o soldo, vivem em condições absolutamente difíceis, para não empregar outro termo quo poderia, porventura, parecer aviltante.

Não obstante os sucessivos aumentos que têm tido os soldos dos nossos oficiais como de resto aconteceu com os ordenados de todo o funcionalismo público, comparando êssos soldos com a carestia que. a todos aflige, nós chegamos, finalmente, à conclusão de quo nenhum oficial do exército ganha aquilo quê lhe era indispensável para viver sem preocupações e para manter aquela situação de prestígio compatível com a exigência dos seus galões.

Famílias de muitos oficiais há que não podem sair, nem aparecer, porque o seu chefe não ganha o suficiente para vesti--las e calçá-las convenientemente.

Página 17

Sessão de 18 de Maio de 1926

17

exército uma soma incomportável para as nossas possibilidades financeiras, mas por outro lado verifica-se qne nem o exército tem aquele material que lhe é absolutamente indispensável, nem o exército se reconhece em situação de eficazmente defender a Pátria Portuguesa num caso de ataque externo, nem nenhum dos oficiais ganha o suficiente para as suas despesas!

j £ Esta triste situação não terá remédio, este negro quadro não ó susceptível de modificação, Sr. Presidente?! Creio que sim.

Vejo no próprio relatório do Sr. Mendes dos Eeis a indicação que a mini, estranho ao exército, se me afigura de valor ; fazer a remodelação do exército da metrópole, e simultaneamente, a reorganização do exército colonial, para aliviar o orçamento da guerra e ao mesmo tempo tornar mais proveitosos, mais eficazes, mais profícuos os serviços do exército.

E assim, após estas considerações de carácter financeiro na discussão, na generalidade, do orçamento do Ministério da Guerra, faço votos para que tal reorganização se realize no sentido de um melhor aproveitamento dos dinheiros públicos e de uma eficaz defesa da Pátria, pagando-• se ao mesmo tempo aquilo que é devido a quem tem sobre si nobres responsabilidade s.

E como o remédio parece, de facto, residir na reorganização do exército metropolitano e colonial, que ela se faça quanto antes, sem fantasias, sem exageros e sem exibicionismos escusados, -procurando-se atingir aquilo que nos conduza à única aspiração legítima de uma nação pequena e pobre — pouco e bom.

O Sr. D. Tomás de Vilhena: —Sr. Presidente: na situação actual do Tesouro, quando se contempla esta verba tarn solene destinada à manutenção do exército, não podemos deixar de nos sentir impressionados.

Mas o que me impressiona principalmente não é tanto o avultado da verba, porque entendo que um país que quere viver, que quere resistir, tem de fazer, muitos sacrifícios para assim poder garantir a defesa do seu solo e poder defender a sua honra quando ela seja atacada seja por quem for.

O que me dá principalmente tristeza, na

leitura que fiz do orçamento deste Ministério, ó o facto de ver que lições tam importantes, tam graves, que nos foram dadas por este último e porventura o mais ciclópico conflito que se tem dado no mundo desde que 6le existe, não se aproveitaram. Isto é o que me aterra.

Emfim, o progresso das sciências, das matemáticas, da física, da química, vieram entregar à sciôncia da guerra meios de que ela até então não dispunha.

Os próprios meios de ataque e de defesa ' sofreram consideráveis transformações.

E, Sr. Presidente, quando vejo este orçamento e vejo o que está distribuído para material e para o pessoal o como este está organizado pregunto a mira mesmo:

. Nós não estamos absolutamente nada preparados para entrar numa guerra moderna.

O Sr, Mendes dos Reis:—Apoiado.

O Orador : — Tenho imensa saudade da guerra antiga a começar na guerra com arma branca. Então sim, ali é que se punha em equação o valor e as qualidades do homem.

Detesto a guerra moderna, tenho-lhe horror. Em nome da humanidade protesto contra ela.

As armas de fogo já vieram tirar um pouco a beleza do combate à arma branca, mas^agora que estando nós aqui reunidos, quando menos se espera, estoira isto tudo porque alguém de um di-.risível nos atirou uma bomba; agora que a guerra é subterrânea, em que se emprega o arame farpado, correntes eléctricas, granadas de mão e gases asfixiantes que vão roubar a vida a muita gente que está no começo dela.

Mas o que é certo é que temos de fazer a guerra à moderna.

Vamos a ver, mas devagar, o que há num país como o nosso, pela sua situação física com uma enorme raia seca, com uma grande raia marítima.

Página 18

18

Diário das Sessões do Senado

das nossas costas estando-lhe reservado nesse sentido um papel muito importante.

Os serviços de exploração antigamente atribuídos à cavalaria, para uma raia como a nossa, nenhuma arma como a aviação os poderá desempenhar com mais êxito.

Em lugar das grandes unidades navais precisamos do ter o submarino e o hidro-avião.

^15 quando um avião estranho DOS vier atacar em nossa própria casa, onde é que está o nosso canhão aéreo? ,;0ade é que ele está?

Espingardas, quando a artilharia e a balística têm tido um desenvolvimento extraordinário, onde está isso? O que é qne temos ? O que ó feito,? Onde é que apareceu?

£ E no serviço de transportes o que há? Meia dúzia do automóveis velhos.

Pois é preciso lembrar que na última guerra alguma cousa que muito valeu foi o automobilismo em todas as suas variedades.

Não temos nada nesse capítulo.

Esses tanks quó desempenharam serviços tam importantes, substituindo com vantagem, em determinadas circunstâncias, as cargas de cavalaria, essas cargas de cavalaria tanto da minha simpatia que na instituição da nossa nacionalidade foi uma arma por excelência, hoje a sua eficácia está muito modificada e as cargas dadas pelos tanks têm-lhe -tirado alguma cousa da sua importância.

Por consequência nós chegámos £ este triste estado, é que temos uma despesa colossal e não temos preparação nenhuma.

Hoje a guerra é diferente, ó preciso saber-se manejar com tanks, automóms, canhões aéreos, etc., e para tudo isso,, Sr. Ministro, o que é necessário é ser técnico e ter a técnica precisa para manejar essas armas, e esses técnicos não se fazem de hoje para amanhã, não ó no dia em que o clarim toca a rebate que nos havemos de tratar de todos estes casos.

É preciso preparar e educar.

Por acaso nós temos feito isso?

Nada temos feito, a nossa instrução é deficientíssima; os serviços de administração militar estão na mesma;

No exército onde há homens com grandes conhecimentos e que têm uma grande vontade de defender a sua Pátria, nada podem fazer porque não têm os elementos necessários para isso.

. É necessário procurar em bases novas a defesa da Pátria naquilo que é compatível com o nosso esforço, ainda que seja preciso exigir sacrifícios grandes ao País, mas que se faça alguma cousa que ofereça alguma garantia para defender este País se amanhã, por um capricho, d'um est an-geiro quiser vir tomar posse disto.

São estas as considerações de ordem geral que eu não poderia deixar de fazer, e quero crer que o Sr. Ministro da Guerra, que é um homem novo e que tudo que aqui estive enunciando sabe, porque foi testemunha presencial, é com.muita honra, há-de envidar todos os seus esforços para honrar o nosso exército, p.orque tem aquela função de capacidade de defender a sua Pátria, não direi como no tempo de D. Afonso Henriques, que tomou Santarém com um punhado de homens, ou de Aljubarrota, em que bateram brilhantemente contra os espanhóis, porque naqueles tempos sim, brigav&-se e quem tinha mais génio era senhor da situação, um homem lutava com dez.

Hoje não' há nada disso, é o canhão aéreo, o tank, o automóvel, etc.,- que predomina, mas essa sciência só é praticável com instrução e material, sem isso nada temos feito.

Faço votos para que S. Ex.a possa cumprir a sua missão.

O orador não reviu.

O Sr. Mendes dos Reis: — Sr. Presidente: não quero fatigar muito a Câmara. São quási 6 horas. No emtanfo não posso deixar de responder a algumas considerações dos oradores que me precederam; mas não a todas porque a parte delas a resposta ô da especial atribuição do Sr. Ministro da Guerra.

Eefetír-me-hei apenas àquelas a que julgo dever responder como relator deste orçamento.

Primeiro que tudo eu desejo justificar o meu relatório.

Página 19

Sessão de 18 de Maio de 1926

Alguns dos oradores que me precederam fizeram-me até referências elogiosas que muito me desvanecem. Realmente entendo que em assuntos de defesa nacional, que interessam a todo o País, não devem guardar-se senão os segredos qne sejam essencialmente técnicos e que possam pre-judir a Nação. Deve dar-se amplo conhecimento ao País do estado das nossas instituições militares, mostrar-lhe a pobreza a que chegámos, e a insuficiência actual dos nossos recursos. I&to ó até uma obra meritória.

E não nos iludamos; não pensemos que o estrangeiro não sabe, até melhor do que muitos portugueses, o estado actual em que se encontra o nosso exército.

É preciso, portanto, que no Parlamento se diga claramente o estado em que nos encontramos, para que o mesmo Parlamento vote as medidas necessárias para terminar com esta situação.

O Sr. Álvaro de Mendonça mandou para a Mesa uma moção que diz o seguinte:

Leu.

Sr. Presidente: eu vou mandar para a Mesa uma outra moção em substituição daquela, não porque não concorde com o espírito da moção de S. Ex.a mas porque Ihe^ desejo apenas tirar o espírito político.

É necessário fazermos justiça e por isso temos de reconhecer o que o Governo tem feito. O Sr. Ministro da Guerra, que ocupa aquele lugar por direito de conquista devido ao seu valor e à maneira como se portou na guerra e depois na paz, tem-se esforçado no sentido de reorganizar o nosso exército. S. Èx.a apresentou já uma proposta de reorganização do exército não lhe cabendo portanto a culpa de ela não ter sido feita. A minha moção é a seguinte:

O Senado, reconhecendo a necessidade de se proceder rapidamente à reorganização do exército e reconhecendo também que o Governo tem empregado todos os seus esforços nesse sentido, continua na ordem do dia.

São quási as mesmas palavras da moção apresentada, simplesmente tirando-lhe o aspecto político que ela tem. Não devemos fazer política com o exército.

Sr. Prpsidente: vou fazer considerações, umas de carácter geral, muito rápidas para não fatigar a Câmara, e outras, respon-

dendo aos oradores que me antecederam no uso da palavra.

Todos feriram uma nota que realmente • é bem frisante: de que é enorme o total das despesas do orçamento do Ministério da Guerra. Com efeito é qualquer cousa que anda perto de 300:000 contos, assustando assim toda a gente num país de finanças depauperadas como o nosso.

É necessário, porém, que encaremos o orçamento do Ministério da Guerra com a justiça e com o critério com que ele deve ser analisado.

Devemos ver que não há Ministério nenhum que tenha o enormíssimo pessoal que tem o Ministério da Guerra. Mesmo que esse pessoal seja o estritamente indispensável, esse pessoal será sempre ne-merosíssimo em relação ao de qualquer outro Ministério. Não ha Ministério nenhum que tenLa os animais que o Ministério da Guerra tem que tratar, sustentar e substituir. Não há Ministério nenhum que tenha o material de toda a variedade, de toda a espécie, que constitui a do Ministério da Guerra, mesmo nas condições normais.

É necessário também atendermos a que quási todos os Ministérios têm receitas próprias, para fazer face a algumas das suas despesas. Têm emolumentos, e no Ministério da Guerra não existem receitas, há só despesas. A única receita, aliás importante, que pertence ao Ministério da Guerra, que é a taxa militar, essa mesmo, infelizmente, não tem sido cobrada pelo funcionalismo militar, e, se fosse, tenho a certeza de que muito maior seria a receita, que teria sido aplicada em material de guerra. Mas, como a Câmara sabe, a cobrança da taxa militar é gratuita-não dá percentagem e por isso não tenta aqueles que a fazem, para que a sua importância seja maior.

E necessário atendermos também a que as verbas gastas com o pessoal do Ministério da Guerra não avultam pelo facto de o mesmo pessoal ser exageradamente pago. Pelo contrário o funcionalismo militar— e neste ponto eu pouco tenho que acrescentar ao que disse o Sr. Vasco Marques, que pôs o problema com uma clareza- extraordinária—está pessimamente remunerado.

Página 20

Diário ftaa Sessões do Senado

ficamos o seguinte:- que um general ganha por ano menos £ 213 do que ganhava em 1914, um coronel menos £ 81, um tenente-coronel menos £ 84, uni major menos £ 40, um capitão menos £ 20, um tenente menos £ 11, só o alferes é que tem acompanhado a oscilação da moeda, tendo hoje o vencimento que deve ter.

Portanto, vê-se que não ó porque sejam exagerados os vencimentos do pessoal do Ministério da Guerra que esse pessoal pesa no respectivo orçamento. Se pesa no respectivo orçamento pelo seu número não é por culpa do exército, mas por culpa de vários titulares da pasta da Guerra e sobretudo pelos favcritismos de várias leis aprovadas no Parlamento.

A muitas delas me tenho oposto, mas a culpa de o pessoal do Ministério da Guerra estar excedido cabe em grande parte ao Parlamento. E, portanto, o Parlamento que tem de pôr cobro a essa situação, aproveitando esses oficiais em serviços públicos para que têm aptidões suficientes.

Sobre material, é certo, efectivamente, que não temos o que devemos ter. Sobre este ponto, o Sr. Álvaro de Mendonça disse verdades, que eu tenho muito prazer em salientar. Rendo lhe as minhas homenagens pela forma como tratou estes assuntos de organização militar.

Pena foi que S. Ex.a por vezes desse às suas palavras uma certa nota política. Por exemplo, quando comparou as expedições militares ao ultramar anteriores a 1910 com as do tempo da República, S. Ex.a não foi justo. S. Ex.a sabe muito bem. que não pode haver comparação entre umas expedições e outras.

Antes da proclamação da República, mandámos expedições à África unicamente para combater pretos. A sua acção foi, sem dúvida, mi»tft brilhante, não lhe quero tirar o valo?, mas o que é certo é que tais expedições não têm comparação possível com as do tempo da República contra tropas perfeitamente organizadas, algumas até europeias.

Além disso os recursos de que dispúnhamos então eram quási suficientes, embora as tropas que compunham essas expedições lutassem por vezes com necessidades ; mas nada se pode comparar com as expedições que mandámos para África a combater os alemães, cujas exigências

de material e de recursos eram absolutamente incompatíveis com as nossas forças.

Pôs S. Ex.a em destaque o que se pausou com um batalhão de infantaria n.°31, em que morreram quási todos os que o compunham antes de entrar em combate; mas esqueceu-se de dizer que tal facto foi devido quási que exclusivamente à doença que nessa ocasião grassava em África — a pneumónica.

S. Ex.a sabe muito bem que com todas as tropas dos exércitos europeus se dá o facto de, quando enviadas para o ultramar, por melhor organizadas que sejam, três meses depois do desembarque, sofrem uma baixa mínima de 10 por cento, devido única e exclusivamente à acção deprimente do clima, e S. Ex.a podia ajuntar que infelizmente a depauperação e definhamento da nossa raça muito contribui para isso

O Sr.. Roberto Baptista, mostrando a necessidade absoluta de olharmos pela educação física do nosso exército e até do nosso Psis, citou com certo desgosto a percentagem de oficiais incapazes de desempenharem o cargo de instrutores, referindo-se a uma mensuração feita numa determinada época a qual dava a percentagem de 30 por cento de incapazes. Infelizmente essa percentagem é hoje muito maior.

A percentagem de incapazes nas praças de pré atinge 50 por cento; a percentagem de oficiais incapazes hoje de desempenharem lisicamente a missão de oficial subalterno atinge 60 por cento, e a percentagem de sargentos incapazes de desempenharem, fisicamente o seu lugar chega a 65 por cento.

Estes números são apavorantes e mostram a necessidade absoluta de olliar a sério peio problema da educação física.

Estas observações feitas em estabelecimentos militares mostram o definhamento da nossa mocidade que é necessário fortalecer.

Nestas causas esqueceu-se S. Ex.a de considerar quando falou no que tinha sucedido ao batalhão de infantaria n.° 31.

Página 21

Sessão de 18 de Maio de 19È6

S. Ex.a compreende que mandarmos 50:000 homens para França para combater o exército melhor organizado do mundo e a potência melhor instruída militar-mente é muito diferente do que mandarmos 1:000 ou 500 homens para as nossas expedições ultramarinas combater pretos.

Há uma disparidade extraordinária entre uma e outra cousa, e deixe-me V. Ex.a dizçr que se no tempo da monarquia se tivesse pedido o esforço não digo já de 50:000 homens, mas de metade, para. mandarmos para as nossas possessões ultramarinas, isso seria impossível principalmente por causa do sistema de organização dessa data;

S. Ex.a sabe que depois da implantação da República é que a instrução militar passou a ser obrigatória, e que antes da República a instrução era ministrada apenas a uns milhares de homens para as necessidades de guarnição e paradas.

O Sr. Álvaro de Mendonça: — Sempre eram 18:000 homens.

O Orador:—Mas nunca se instruíam mais de 10:000.

S. Ex.a foi justo também em muitas apreciações que fez relativamente ao nosso exército e eu folgo que S. Ex.a referindo-se com agrado à disciplina das tropas no tempo em que foi Ministro da Guerra não se esquecesse de dizer e de pôr também em destaque que essa disciplina se tem mantido e conservado, e que ainda se mantém actualmente.

Eu registo com louvor essas palavras de S. Ex.a que s3,o absolutamente verdadeiras.

E talvez até seja um pouco mais difícil manter essa disciplina actualmente porque há muito mais gente interessada em inutilizar a acção dos oficiais perante as praças do que nessa época.

Em todo o caso, eu registo com agrado as palavras de S Ex.a

Fez também S. Ex.a uma comparação dos Orçamentos da monarquia com os da República.

Nesta parte eu respondo conjuntamente a vários Srs. Senadores, entre eles, ao Sr. Vasco Marques, dizendo que nós não devemos olhar apenas para os milhares de contos que o orçamento do Ministério

da Guerra inscreve, mas antes para a desvalorização da nossa moeda.

Com eleito, se em 1910 aquele orçamento estava em 1.800:000 £ e em 1926-1927 está ein 3.000:000 £, temos de concluir que não chega a duas vezes.

Mas ó preciso que nos lembremos de qual era o custo da vida em 1910 e o que é hoje a carestia da vida.

O Sr. Sá Viana (interrompendo):—Mas temos de contar já com o ágio do ouro ...

O Orador:—De acordo. Mas os géneros compram-se por 20 ou 25 vezes o que custavam em 1914.

O Sr. Sá Viana:—Em alguns casos, não chega ar 10 vezes . . . Por exemplo na agricultura.

O Orador:—Perdão! Tiremos ao orçamento da Guerra o agravamento da vida e que atingiu 45 por cento de excesso de pagamento ao pessoal para melhorias, e verificaremos que ó interior ao de então.

±L, necessário encarar o orçamento do Ministério da Guerra nas condições especiais em que ele se encontra, olhar às melhorias do pessoal, etc.

£ Quere -isto dizer que a verba inscrita chega para dotar o exército com aquilo de que ele necessita?

Evidentemente que não.

O Sr. D. Tomás de Vilhena, com o entusiasmo que o caracteriza quando se trata do bem do País, disse que nós não tínhamos nada.

jtL/ quási verdade.

Precisamos, como diz S. Ex.a, de tanks, de aparelhos de aviação e, emfim, de vários apetrechos para o exército ?

Sim, mas tudo isso custa muito dinheiro.

Se reorganizarmos o nosso exército, poderemos fazer as despesas dentro dos recursos do Orçamento; mas adquirir material ?

Não pensemos nisso.

Scão necessárias verbas especiais.

Página 22

Diário das Sessões do Senado

bulosamente as despesas militares desde 1914 para cá.

A primeira vista parece que essas despesas têm deminuído, mas é pela circunstância de constituírem orçamentos especiais certos serviços, como os da aviação, manobras, etc. Porque também as manobras anuais constituem despesa aparte.

No nosso orçamento, porém, tudo está incluído, e, assim, nele temos a assistência e a instrução, e até a 'ordem pública, assuntos que não podem ser exclusivos do orçamento do Ministério da Guerra.

Nos outros países, todas essas verbas estão fora dos orçamentos da guerra.

Segundo os meus apontamentos, a percentagem das desposas em 1924, em relação a 1913, referida a vários países, é:

Leu.

Há um exército em que muita gente fala, porque tem semelhança com o nosso; ó o suíço.

Mas ali. na Suíça, as despesas militares não são muito reduzidas, apesar das condições em que se encontra o povo suíço, que são absolutamente excepcionais.

Todo o cidadão suíço ó um atirador excelente. Trata da sua espingarda, como se fosse pessoa da sua família.

Todos os domingos vai às carreiras do tiro executar com o maior cuidado e interesse a prática do tiro.

Pois esse País, que está em condições excepcionais, que ó quási inatacável, devido à configuração do seu terreno, despendeu em 1923, 1924 e 1925 as seguintes quantias:

Leu.

E trata-se de um país que todos nós reconhecemos como económico nas suas despesas militares.

Podia ainda citar outros números como, por exemplo, a cifra despendida pela França, e que quási causa vertigens. Só para manobras no norte, a França votou este ano perto de três milhões de francos.

Não vale a pena fatigar a Câmara com números. Isto é só para dizer que não tenhamos ilusões sobre a necessidade de nos armarmos e de nos defendermos.

O ilustre Senador Sr. Roberto Baptista referiu-se a este ponto, mostrando a necessidade de nós mantermos, sob o ponto de vista internacional, a aliança inglesa,

mas mostrou também a necessidade de valorizarmos o nosso exército.

Dm a nação não pode contar unicamente com o auxílio externo; é necessário que o exército lhe dê condições que sejam um valor nessa aliança. E nós temos uma prova bem frisante disto, porquanto, ainda não há muito tempo, relativamente a um caso colonial, ouvimos as palavras vibrantes e patrióticas, proferidas por todos os lados da Câmara, e ouvimos também com todo o interesse as palavras justas e serenas, mas candentes, que proferiu o ilustro Senador Sr. Herculano Galhardo a esse respeito.

Não coutemos com os outros.

E necessário que nos valorizemos, mas, para isso, é preciso que o Parlamento vote aquilo quo deve votar e vote a organização do exército.

Nestas condições, pondo de parte o carácter político, aceito a idea do Sr. Álvaro Mendonça, quanto à necessidade que há de se votar a organização do exército.

O ilustre Senador SP. Roberto Baptista também se referiu às escolas práticas e às provas de tirocínio para gene* r ai.

Estou perfeitamente de acordo com S. Ex.a

As escolas práticas tive ocasião de bera de perto avaliar o que valem, porque em duas delas eu estive durante largos anos. Recordo-me ainda hoje delas, com saudade.

Os serviços que prestaram aos oficiais foram realmente apreciáveis, e pena é que hoje não correspondam ainda às necessidades do exército e àquilo que delas é de esperar.

Sei que o Sr. Ministro da Guerra muito tem feito nesse sentido, e sei também que S. Ex.a muito pensa ainda em fazer.

E necessário que nas escolas práticas se dê a instrução aos oficiais, que eles não podem ter em qualquer outra unidade.

O Sr. Roberto Baptista referiu-se, também, ainda à necessidade de preparar os altos comandos.

Página 23

Sessão de 18 de Maio de 1926

23

porque nos estamos regendo por alguns regulamentos antiquados, que não estão em harmonia com os novos processos de guerra.

A esse respeito são absolutamente, justas as palavras proferidas pelo Sr. Senador Roberto Baptista.

Não é lícito exigir a um oficial que chega a uma idade avauçaáa na sua carreira militar, e ao qual se não facilitaram durante a sua vida as condições para adquirir os necessários conhecimentos, que se obrigue numa prova, num exame absolutamente falível, a apresentar a solução de um proolema em condições de grande fadiga física, e sob uma grande pressão moral.

É preciso haver uma escola em que estes conhecimentos se ministrem, com a orientação, critério e unidade de doutrina mas sem o carácter de exame a fim de que as pessoas que conetituam o corpo docente dessa escola possam avaliar, durante um prazo de 4, 5 ou 6 meses, da competência profissional de quem a frequenta, chegando-se ao fim do curso sem que haja nada despriinoroso tanto para uma como para outra parte.

Assim os coronéis terão ocasião de mostrar o seu valor e a sua inteligência.

É absolutamente necessário que isto se faça. Nós estamos assistindo infelizmente ao afastamento, não direi violento, mas que impressiona mal o meio militar, de muitos coronéis do exército.

Eu sei que muitos deles não estão capazes, uns fisicamente, outros profissionalmente, para satisfazerem às provas para a promoção ao posto de general.

O que ó preciso, Sr. Presidente, é que esses coronéis não cheguem a essa altura sem que tenham muito mais cedo saído do ^exército por incompetentes.

É preciso para isso, como disse o Sr. Roberto Baptista, que a selecção se vá fazendo desde os postos mais baixos; Não é só haver provas para general e aí serem eliminados todos aqueles que a elas não possam satisfazer. E preciso que eles tenham maneira de se preparar para que não seiam colhidos por uma surpresa que

\j j. * *

ninguém pode evitar.

O Sr. Vasco Marques, pondo sempre em destaque a sua incompetência técnica, e dizendo que sobre esse ponto de vista não desejava tratar os assuntos, em todo

o caso versou vários problemas por forma que eu, que sou técnico, não faria certamente melhor.

Falando, por exemplo, dos oficiais milicianos, S. Ex.a mostrou conhecer perfeitamente o problema, não só em Portugal, como em outras nações.

São absolutamente justas todas as considerações e elogios que S. Ex.a lhes fez pois durante a guerra mostraram-se valorosos oficiais, pondo a sua coragem e os seus méritos incondicionalmente ao serviço do seu País.

Mas, S. Ex.a não se esqueceu, e acentuou bem, que nada disso justificava o facto de, acabada a guerra, permanecerem no exército.

Em Portugal, infelizmente, não houve a coragem, o critério e a previsão que houve em todos os outros países, como na Inglaterra, na França, e na Itália,

Algumas nações limitaram-se a mandar os oficiais milicianos embora reconhecendo e agradecendo os seus valiosos serviços; outras facilitaram-lhes novas colocações, novos en:pregos.

Assim a breve trecho reduziram as suas despesas embora pagando soldos durante alguns meses.

Em Portugal fez-se o contrário dando em resultado o ter-entrado para o serviço activo uma grande quantidade de oficiais milicianos que não eram necessários ao exército e principalmente porque são despesas que o País não comporta.

Agradeço as palavras elogiosas de S. Ex.a sobre o meu relatório.

Sobre vencimentos S. Ex.a tratou do assunto com verdadeiro conhecimento de causa. Nada mais direi a esse respeito.

Não-quero, porém, deixar de me referir a uma palavra que S. Ex.a viu no relatório e que o feriu, a palavra «favoritismo».

Não me referi a favoritismos pessoais, falei de uma maneira genérica. Esses favoritismos tom sido feitos por alguns Ministros e infelizmente até sancionados pelo Parlamento em que têm sido favorecidos vários organismos em detrimento de outros.

É isto que eu quis dizer; não me referi a casos pessoais., não era esse o meu fim, e muito menos o querer atingir o Sr. Ministro da Guerra.

Página 24

Diário das Sessões do Senado

militares mas, como disse no relatório, entendo não ser este o momento para isso, porque está pendente da Câmara dos Deputados a organização do exército, e logo que ali seja estudada e votada virá para esta Câmara. Nessa altura então farei as considerações que julgar convenientes.

De uma maneira geral não tenho por em quanto nada mais a dizer sobre o orçamento, aguardando a especialidade se porventura algum Sr. Senador der motivos para o fazer.

Ê lida a moção.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Alves de Oliveira: — Sr. Presidente: não estando presente na ocasião em que o Senado prestou a sua homenagem ao falecido ex-Deputado Sr. Her-mano de Medeiros, esse facto levou-ine a pedir a V. Ex.a a palavra antes do encerrar a sessão, porque como seu amigo, seu patrício e representando no Senado o distrito que ele por longos anos representou na outra casa do Parlamento, desejava associar-me a essa homenagem.

O Sr. Hermano de Medeiros de facto pelas auas qualidades de inteligência e de trabalho marcou, quer nas escolas, onde foi um aluno distinto, quer na vida profissional e política, um lugar que se impunha à consideração de todos nós.

Seu amigo e representando no Senado o distrito que ele com brilho representou na outra casa do Parlamento, eu não podia, deixar de elevar a minha voz, modesta embora, para lhe prestar esta última homenagem.

Sr. Presidente: não estava presente Da ocasião em que a Câmara prestou esse justo preito de respeito e de consideração porque tinha ido acompanhar â sepultura o cadáver do ilustre morto. Desejo, por isso, que fique exarado na, acta o meu voto que é de profundo sentimento e de saudade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Medeiros Franco: — Sr. Presidente: como ao Sr. Alves de Oliveira também a m Sm me não foi possível associar -à homenagem que esta Câmara prestou no princípio da sessão, sob pro-

posta do Sr. Vasco Marques, pelo falecimento do Sr. Hermano de Medeiros.

Acabo de chegar do cemitério do Alto de S. João, onde fui acompanhar o cadáver daquele meu velho e querido amigo, e lá tive ocasião de em meu nome e no do concelho de Nordeste, a que elo per tencia e a que eu pertenço também, prestar a minha homenagem e dizer o último adeus a, esse que foi dedicado republicana, ura distinto profissional e que acima de tudo soube pela vida fora espalhar às mãos cheias a bondade 'da sua alma.

O Sr. Hermano'' de Medeiros era fundamentalmente um bom. Ele parecia só procurar pretextos e motivos para dar largas ao seu sentimento de bondade, para espalhar o bem.

Sr. Presidente: alguma cousa fica dos mortos quando procedem como ele. Fica o grande, o carinhoso exemplo de quem passou a vida praticando o bem, e deixando atrás de si um rasto de amigos, de pobres, d^ pequeninos e humildes que ali foram hoje chorar sobre a sua campa', sobre o seu coval, porque Hermano de Medeiros baixou modestamente, simplesmente à terra, apenas coberta a sua cova de muitas flores que lhe levaram as pessoas suas amigas, principalmente os humildes que ele toda a vida acarinhou.

Sr. Presidente: em meu nome pessoal e no dó Partido Republicano da Esquerda Democrática associo-me ao voto de pesar e à homenagem que esta Câmara prestou pelo falecimento do meu chorado amigo Hermano ,de Medeiros, mas permita-me V. Ex.a que me associe também a essa homenagem, em nome do meu concelho de Nordeste, convencido como estou de que interpreto nas minhas modestas palavras o luto que neste momento lavra na alma açoreana.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alvares Cabral: — Sr. Presidente: pedi a palavra para também dizer alguma cousa a propósito do falecimento desse homem, que foi um grande coração e um grande republicano.

Republicano de sempre, desde os bancos da escola, ele soube em toda a sua vida trabalhar pelo bom da terra onde nasceu e pelo bem da sua Pátria.

Página 25

Sessão de 18 de Maio de 1926.

25

nhã terra, filiado no Partido Republicano Português, tomo a liberdade de juntar também o meu voto de sentimento pela perda irreparável de Hermano de Medeiros, antigo Deputado que bastante falta faz nos Açores.

Hermano de Medeiros tinha uma alma sempre aberta a todos os sentimentos nobres e patrióticos. Quando via qualquer falta ainda que fosse em um inimigo seu, ele tinha poucos ó certo, lá estará ele a contribuir, como médico ou como homem, para, de alguma forma, fazer desaparecer essa necessidade.

Por isso, sentidamente me associo ao voto de sentimento proposto DO Senado em ocasião em que eu me não encontrava na sala.

O Sr. Vicente Ramos: — Sr. Presidente: faço minhas as considerações apresentadas pelo Sr. Medeiros Franco. Comovidamente me associo ao voto de sentimento proposto pela morte do ilustre açoreano, que se chamou Hermano de Medeiros.

O orador não reviu.

O Sr. Henrique Brás: — Sr. Presidente: por certo quando for conhecida nos Açores a dolorosa notícia da morte do nosso compatrício Hermano de Medeiros, dobrarão a finados todos os campanários, ainda os mais hunrldes, pelo falecimento desse querido ilhéu, porque em todos os Açores ele contava amigos e admiradores, pelas suas belas qualidades, pelas suas excelsas virtudes, pela sua extrema generosidade, pelo seu belíssimo e bondoso coração.

Associo-me, com a mais viva mágoa,

ao voto de sentimento proposto pela morte desse antigo parlamentar.

O Sr. Hermano de Medeiros não era só um distintíssimo profissional, foi também um republicano de alma sempre aberta a todos os ideais de liberdade; Hermano de Medeiros era principalmente um coração duma bondade excelsa, praticando o bem para com todos, amigos e adversários.

Vão para a memória de Hermano de Medeiros as minhas mais comovidas palavras de sentimento.

O orador não reviu.

O Sr. Herculano Galhardo: — Sr. Presidente : não estava nesta sala quando o Sr. Costa Júnior, em nome do Partido Republicano Português, se associou ao voto de sentimento proposto pela morte de Hermano de Medeiros.

Pedi a palavra, pois, para, em meu nome pessoal, me associar também ao voto de sentimento, porque fui admirador das qualidades desse, ilustro extinto exactamente pela bondade que sempro reconheci na sua alma.

Associo-me, portanto, comovidamente ao voto proposto e afirmo aos Srs. Senadores açoreanos que sinto com S. Ex.as a perda dolorosíssima que acabam de sofrer.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente:—A próxima sessão ó amanhã à hora regimental com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O REDACTOE — Adelino Mendes.

Página 26

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×