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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 2

ANO DE 1935 12 DE JANEIRO

SESSÃO INAUGURAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

Em 11 de Janeiro

Sob a presidência de S. Ex.ª o Sr. general António Oscar de Fragoso Carmona, Presidente da República Portuguesa, que tinha à sua direita S. Ex.ª o Sr. Dr. António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho, e Sr. general Eduardo Augusto Marques, Presidente da Câmara Corporativa; e, à esquerda, S. Ex.ª o Sr. Dr. José Alberto dos Reis, Presidente da Assembleia Nacional, e Sr. Dr. Botelho de Sousa, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, realizou-se, ontem, na sala das sessões da Assembleia Nacional, a sessão inaugural da mesma Câmara.

Estavam presentes S. Exas. os Srs. Ministros do Interior, Justiça, Guerra, Marinha, Estrangeiros, Obras Públicas, Colónias, Instrução, Comércio e Indústria e Agricultura, e Sub-Secretários de Estado das Corporações e Previdência Social, das Finanças e das Colónias; Sua Eminência o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa; membros do Corpo Diplomático acreditado em Portugal; altos dignitários do exército, da armada e do funcionalismo civil.

Às 15 horas e 15 minutos deu entrada na sala S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, precedido dos membros do Governo e acompanhado pelas deputações da Assembleia Nacional, constituída pelos Srs. Deputados Dr. Carneiro Pacheco, engenheiro Nobre Guedes, Dr. Mário de Figueiredo, Dr. Antunes Guimarães e cónego Correia Pinto; e da Câmara Corporativa, Srs. Procuradores Dr. Abel Pereira de Andrade, Dr. Fezas Vital, Dr. Albino Vieira da Rocha, general Eduardo Marques, Eduardo Schwalbach e Dr. João Duarte de Oliveira.

O Sr. Presidente da Assembleia Nacional, às 15 horas e 20 minutos, declarou aberta a sessão, em nome de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República. Depois, o Sr. Dr. José Alberto dos Reis leu a mensagem que S. Ex.ª o Chefe do Estado dirigiu à Assembleia Nacional, e que é do teor seguinte:

Ao Sr. PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL:

São excepcionais mas não deixam de ser animadoras as circunstâncias em que me dirijo à Assembleia Nacional depois de tantas vicissitudes da República.

Em quase todo o período decorrido de Outubro de 1910 a Maio de 1926 as divisões e lutas internas, que aliás vinham já de longe mas se enraizaram e intensificaram no novo regime, agravavam cada vez mais a situação de Portugal. O espírito de facção, de intolerância, de anarquia, começando mal-avisadamente por ferir as crenças dos portugueses, tornara instável a

chefia do Estado, minara a força dos Governos, desordenara a administração, desorientara a economia e tendia a arruinar a Nação, arriscando perigosamente o seu destino. Debalde surgiu contra alguns dos males a generosa tentativa do Presidente Manuel de Arriaga e do general Pimenta de Castro em 1915; em vão se erguera também o heroísmo de Sidónio Pais para vencer a desordem em que se abismava o Estado e de que aquele veio a ser a vítima infeliz.

Continuaram desde então a agravar-se as calamidades nacionais, e a consciência pública reclamou por fim, como caso extremo de salvação, que o exército, única força ainda organizada na desorganização geral, tomasse sobre si banir da governação as engrenagens partidárias e criar as condições de governo para a obra de renovação que urgia fazer em Portugal. Foi já com essa aspiração que eclodiu, ainda sem êxito, o movimento de 18 de Abril de 1925; foi com o empenho de realizá-la que o exército deu em 28 de Maio de 1926 o golpe decisivo. Constituíu-se então a Ditadura Nacional (e verdadeiramente nacional pela sua ideologia, pelos seus processos e pelos seus objectivos), que, firmando-se contra todas as reacções inimigas no mesmo sistema de apoios em que se originaram, abriu, com novos processos de governação e outro direito constitucional, uma era de verdadeira renascença na história pátria.

Ocupando por dever o primeiro posto do Estado quase desde os primeiros dias da Ditadura, posso assinalar - e faço-o com júbilo - que Portugal, mercê do trabalho dos Governos e da leal dedicação da força armada, mercê do patriotismo e espírito de sacrifício do seu povo, lançou, através das dificuldades herdadas e das que lhe advieram pela crise de todo o mundo desde 1930, as bases da reconstrução nacional. A estabilidade da Presidência da República, a força do Governo, a segurança interna, a confiança pública, a formação de forte consciência nacional - garantias essenciais da ordem e do trabalho na paz - são conquistas definitivamente asseguradas. O alto pensamento e propósito de promover a união dos portugueses para o engrandecimento pátrio pela coexistência pacífica das opiniões, pela combinação possível das melhores tradições e das inovações verdadeiramente progressivas e benéficas, pela conciliação dos interesses nas relações económicas e sociais predomina felizmente nas leis, nos costumes e nos factos.

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A obra de ressurgimento material e moral do Estado e da Nação exigida pelo atraso e abatimento gerais foi traçada com a largueza compatível com os recursos e ainda assim empreendida com tão vigoroso impulso como não se havia ainda presenciado em tão curto lapso de tempo. Estão bem cimentados os alicerces e, adiantados ou completados os estudos que em vários campos se ordenaram, ver-se-á como mais rapidamente ainda sobem os muros da construção na esfera da assistência, da justiça, da instrução, das obras públicas, das comunicações, do comércio e da agricultura, a que dão consistência e estímulo a ordem das finanças e o equilíbrio do Tesouro.

O Acto Colonial, a Constituição Política, os próprios Estatutos da União Nacional sintetizaram os mais altos ideais de restauração e de grandeza pátrias que podiam ser confiados à inteligência, ao coração, ao esforço das novas gerações. Crêem os responsáveis pela suprema direcção do Estado que está ali na essência, e salva uma ou outra realização de pormenor, o programa de direito político, social, económico, familiar, individual, assente na realidade de algumas verdades supremas, nas tradições pátrias, nos factos indestrutíveis do nosso tempo, nas esperanças que legitimamente podem alimentar os que hão-de garantir a Portugal a existência independente, o progresso material e moral e a sua especial feição histórica de um dos mais expressivos factores da civilização humana. Basta que se desentranhem em leis e enformem efectivamente os actos da vida nacional os princípios consubstanciados naqueles documentos. .

Com esse sentido profundo do renascimento nacional se realizaram logo alguns dos maiores actos que logicamente se deviam colocar no ponto de partida: o restabelecimento da marinha de guerra, em que tão auspiciosamente tem colaborado o trabalho português, a Carta Orgânica do Império Colonial, a Reforma Administrativa do Ultramar, a reeducação da consciência colonial pelos factos da política seguida e por intensa propaganda de que a Exposição do Porto foi já apreciabilíssimo factor.

Começou-se a organização corporativa do Estado Novo, dominada pela equidade e prudência do Estatuto do Trabalho. Aí se consubstanciaram os princípios orientadores da economia e das relações entre os factores que nela intervêm, e, ainda que esses conceitos estejam muito distanciados dos que antes constituíam o pensamento económico do Estado e dos particulares, a evidência mesma da sua vontade, da sua justiça, do seu desvelo pelo interesse da economia no conjunto e em especial de todos os trabalhadores vão facilitando a expansão da doutrina e as realizações sindicais, estabelecendo fecundo e consolador ambiente de paz no trabalho e apressando a constituição do Estado Corporativo.

Por seu lado as comissões administrativas, libertas do partidarismo que envenenava a gestão dos negócios regionais e locais, entregaram-se, com o decidido auxílio do Estado, a melhoramentos de toda a espécie, que em muitos casos ficam também marcando uma época de fomento e de elevação das condições de vida nos pequenos centros e nos meios rurais. A vitalidade municipal não definhou por acção depressiva do Estado forte, antes se reanimou sob o influxo dos novos princípios administrativos e sob o impulso de muitas boas vontades despertadas para o serviço do interesse geral, e mostra que, devidamente orientada, pode ser um dos mais fecundos elementos do nosso ressurgimento.

Os velhos partidarismo e parlamentarismo, depois de se haverem desacreditado pelas suas obras, desapareceram em virtude das providências e benefícios da Ditadura Nacional, pela preponderância do interesse comum e da ideia de Nação organizada e pela evolução da

mentalidade geral, cada vez mais hostil à repetição de erros passados e mais afecta às instituições que, baseados na experiência própria e alheia, vamos fazendo surgir. Tudo parece disposto nas leis, nos novos costumes, nas necessidades existentes, para se não reincidir: demais ninguém compreenderia que isso fosse possível.

Seguindo por todos estes caminhos, Portugal tem ao mesmo tempo afirmado o seu cuidado em conservar e desenvolver no exterior a posição derivada da sua autonomia financeira, dar eficiência e sentido aos laços da antiga aliança com a Inglaterra, manter boas relações de amizade com todos os povos e activar a sua cooperação com os outros Estados na organização da paz. A elevação simultânea da sua política interna e das suas atitudes internacionais trouxe ao País, fora das fronteiras, uma situação apreciável. Teria sido vão procurar conquistá-la sem a resolução aqui dentro dos problemas fundamentais da administração pública e da vida política, como seria vão intentar desenvolvê-la sem prestígio e sem esforço das nossas condições de existência e dos nossos meios de defesa. Mas não há dúvida de que as posições conquistadas, designadamente na Sociedade das Nações, auguram influência cada vez mais lata do nosso País na política internacional.

É vasta a acção realizada pela Ditadura Nacional desde 1926, mas não é por se supor adiantada ou quase concluída que se constituíram as Câmaras, nos termos prescritos pela Constituição. Tal juízo seria errado quanto ao programa ainda para realizar e quanto à capacidade dos órgãos criados para ajudar a levá-la a cabo. Devemos antes supor que, resolvidas as maiores dificuldades e cheios os caboucos em que só reduzido número de operários podia ser admitido ao trabalho, tomou a obra desenvolvimento bastante para poderem ser chamados mais numerosos colaboradores, sem perigo de mutuamente se embaraçarem ou de ser prejudicada a traça principal. Nem pode haver receio de que a todas as boas vontades congregadas à volta do interesse nacional venha a faltar o trabalho, pois que é vastíssima a obra que em prolongamento da realizada e em harmonia com a primeira parte da Constituição, com o Acto Colonial e com o Estatuto do Trabalho deve ainda ser empreendida.

Na parte material tem de continuar a fazer-se ou a promover-se por todos os Ministérios a transformação por que o País anseia e que a legislação ditatorial traçou nas suas grandes linhas. É designadamente necessário completar os planos e projectos fundamentais e adoptar as soluções práticas para o justo incremento da defesa nacional pela reforma e armamento do exército e reorganização da armada, para uma intensa reconstituição económica nos meios de viação, na produção e distribuição da electricidade, na hidráulica agrícola, na irrigação e colonização interior, nas ligações de Portugal e do seu Império e no crédito colonial, sem esquecer ou remover para segundo plano tudo o que vem sendo preparado a favor da instrução em todos os ramos e das suas instalações materiais. Para estes e outros fins o Governo apresentará as propostas mais urgentes; e como a Câmara tem poderes constituintes, uma das primeiras será certamente tendente a introduzir algumas modificações na Constituição, indicadas já pela experiência da sua vigência ou dispostas a assegurar, dentro da orgânica do Estado Novo, mais assídua colaboração ao Governo por parte da Câmara Corporativa.

Se há síntese que possa definir os objectivos que a Ditadura Nacional tomou para si e quer confiar à perseverança e continuidade da sucessão constitucional - é a existência de uma governação forte, ao mesmo tempo tradicionalista e progressiva, capaz de imprimir à vida nacional a direcção superior, e dotada de autoridade eficaz na concorrência das funções políticas, sociais e económicas das colectividades e dos ci-

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dadãos. Verificado que, assegurada ela, vem tudo o mais por acréscimo, é dever de todos trabalhar na medida do possível por não atentar contra essa fecunda realidade, garantia suprema de uma política tendente a fazer Portugal próspero e forte no seu património peninsular e no seu Império ultramarino.

Espero da Assembleia Nacional o reconhecimento do esforço patriótico da Ditadura e o concurso que a ela e à Câmara Corporativa será solicitado para se avançar na estrada que delineou. Oito anos e meio de experiência, a tantos títulos notável, provaram eloquentemente que se pode contar com as virtudes e energias da Nação para todos os empreendimentos exigidos pela sua integridade, prestígio e progresso. Esse pensamento nos dará sempre força para servi-la até ao sacrifício.

Para terminar, é-me grato deixar aqui consignado o meu profundo reconhecimento para com todos aqueles que, com os olhos fitos na Pátria, têm dado o melhor do seu esforço para bem a servir. E de elementar justiça destacar a acção altamente patriótica e tão eminentemente notável do Presidente do Conselho, Dr. António de Oliveira Salazar.

11 de Janeiro de 1935. - O Presidente da República, ANTÓNIO ÓSCAR DE FRAGOSO CARMONA.

Concluída a leitura, toda a assistência, de pé, ovacionou, durante alguns minutos, S. Exas. os Srs. Presidente da República e Presidente do Conselho. Das galerias muitos assistentes ergueram vivas à Pátria, ao Chefe do Estado e ao Exmo. Sr. Dr. Oliveira Salazar.

Novamente restabelecido o silêncio, às 15 horas e 36 minutos, o Sr. Presidente da Assembleia Nacional disse:

- Tem a palavra o Sr. Deputado Dr. Albino Soares dos Reis Júnior, para responder à mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em nome dos Deputados da Assembleia Nacional.

O Sr. Deputado Dr. Albino dos Reis Júnior subiu, à tribuna e pronunciou o seguinte discurso:

Sr. Presidente da República - Sr. Presidente do Conselho - Srs. Deputados:

Das assembleias populares, das sessões de propaganda em que desde há muitos anos venho, primeiro combatendo a nefasta política de intolerância partidária, de violência aos sentimentos e às tradições da Nação, de desregramento e incapacidade administrativa, de fraqueza e deliquescência do Poder, depois, defendendo e propagando a nova ordem de cousas, os seus princípios e as

suas realizações, subo hoje, e pela primeira vez, a esta tribuna, de tão ilustres tradições e de tão graves responsabilidades, para responder, em nome da Assembleia Nacional, à mensagem que o Chefe do Estado acaba de dirigir-lhe.

O contraste, por violento, e para mais imprevisto - acolá a reacção apaixonada, como injusto fora o ataque, o calor dos sentimentos e das ideias, a vibratilidade e comunicação das assembleias, iluminadas por um clarão de esperança ou pela ebriedade do triunfo - aqui a altura da primeira tribuna pública do País, a sugestão inevitável e expressiva do passado desta casa, em cujas pedras dormem, porventura, ecos de vozes portentosas que o amor da Pátria e o de um ideal fortemente vivido encheu de lampejos imortais.

A solenidade do ambiente, a compreensão das responsabilidades do momento, as atenções da Nação, perturbam, confesso, o meu espírito, não obstante o hábito da palavra.

Mas, já que a Assembleia quis honrar-me com a sua confiança, designando-me para, em seu nome, responder à mensagem do Chefe do Estado, eu estou certo de interpretar os seus sentimentos unânimes e calorosos, agra-

decendo a S. Ex.ª o Presidente da República o ter vindo a esta casa assinalar com o alto prestígio da sua magistratura, com o altíssimo prestígio das suas qualidades pessoais, a solene abertura dos trabalhos da Assembleia Nacional: é que o Chefe do Estado é o general António Oscar de Fragoso Carmona, que junta ao lustre da sua alta gerarquia política e militar a radiação da sua bondade, do seu acendrado patriotismo, do seu superior tacto político, da sua fé inabalável nos destinos da Revolução. A Assembleia compreende o elevado pensamento, as razões políticas que determinaram este gesto, não só na consideração que ele traduz pelas suas funções, como pelo sentido exacto, acuradíssimo, da gravidade e delicadeza dessas funções, num período de intensa e febril renovação económica, social e política, de activa e vigilante defesa dos fundamentos espirituais e morais da Pátria e da Civilização, e quando no mundo incerto e tacteante das doutrinas e das experiências políticas correm ventos de desfavor às assembleias legislativas.

A Assembleia tem a noção nítida de que não é uma vulgar câmara legislativa aquela que hoje se inaugura, sob os olhares atentos da Nação, sob os votos auspiciosos e inquietos dos portugueses de boa vontade, e também das vagas e criminosas esperanças dos que, desiludidos da eficácia dos seus esforços de destruição, só sentem renascer as flores minadas das suas ilegítimas ambições ao calor dum possível insucesso das nossas tentativas renovadoras.

A Assembleia sabe que inaugura os seus trabalhos no limiar duma idade nova da humanidade e na altura de quase nove anos de ditadura nacional, quer dizer, de nove anos de uma incessante e formidável batalha, em todos os sectores da administração pública e da vida nacional, contra os erros, as intolerâncias, que vinham de longe mas mais se enraizaram a partir de 1910, contra o espírito de anarquia e de facção, contra as tentativas desesperadas de regresso ao passado, pela restauração do crédito do País, da moralidade administrativa, da força e autoridade do Poder, pela reconstituição duma sociedade política que não fosse, como vinha sendo, a desonra das instituições e a dos próprios princípios que as inspiravam.

Porque assim é, a Assembleia Nacional afirma a V. Ex.ª e ao País o seu espírito de colaboração, os seus propósitos de trabalho útil e construtivo na vastíssima obra a que com justiça alude a mensagem e que, em prolongamento da já realizada, há ainda a levar a cabo.

Separa-nos, Sr. Presidente, de Maio de 1926 um pequeno lapso de tempo no curso da nossa história política, mas um abismo nos princípios e na concepção da política e da vida. Sem abdicarmos das inalienáveis liberdades consagradas na Constituição e pelas quais nos cumpre velar, sem esquecermos um momento a necessária estabilidade da República, já não temos fé tocante e comovedora, fé que embalou o século passado, no sortilégio das grandes palavras nem cremos que a simples enunciação da liberdade e da República façam cair por si as muralhas de todos os nossos problemas, de todas as nossas dificuldades, e abram de par em par, ante os nossos ais de ansiedade, as portas de ouro do palácio da ventura colectiva.

Os povos desenganaram-se, por dolorosas experiências, da virtude do mito da liberdade e aprenderam que a única garantia eficaz dos direitos da pessoa humana está numa actividade forte e virtuosa que reja o Estado, numa esclarecida opinião pública, numa consciência cívica bem firmada dos deveres e dos direitos de cada um.

Sob o império das catástrofes que no mundo económico e no mundo moral a liberdade acabou por desencadear, os povos reconheceram que a actividade económica tem de ser dirigida em ordem ao interesse da Nação; que a riqueza, sendo uma função da vida em

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sociedade, tem imprescritíveis deveres sociais a cumprir; que a paz social e a justiça na distribuição dos bens da vida não resulta da luta implacável dos diversos grupos económicos, mas da sua colaboração e entendimento, sob a tutela imparcial, e isenta, do Estado dominado por sólidos princípios de moral e pelas exigências superiores do agregado nacional; que a autonomia e a força da Pátria são ainda a melhor garantia suprema dos povos contra a tirania e a miséria, e a degradação; e que as pátrias não são a multidão inorgânica de indivíduos debatendo-se e aniquilando-se na luta desesperada da concorrência da vida, na realidade transitória do presente, mas a resultante superior da vida dos diversos organismos sociais económicos ou morais, evoluindo nas vicissitudes da história e prolongando-se indefinidamente no futuro; que as crenças são a mais resistente armadura das nacionalidades, fonte de elevação, nobreza e dignidade da vida social e, ao mesmo tempo, podem ser o mais poderoso factor da unidade nacional.

Se há ainda uma liberdade que como ideal colectivo possa ser proposto às aspirações do povo português, é a liberdade de Portugal: livre de sujeições externas que afrontem a sua dignidade, livre de ilegítimas sujeições internas que a tornem logradouro dum bando político, duma seita, ou de forças suspeitas que não trabalhem no plano do interesse nacional.

Não podem apresentar-se altivamente no concerto das nações os povos que trazem as mãos algemadas pelo ouro internacional, os que não se mostram, pelo esforço próprio, pela disciplina do trabalho e dos sacrifícios voluntariamente suportados, pela dignidade do seu viver interno, capazes da herança do seu passado, na realização da sua finalidade no mundo. Liberdade da Pátria na sua autonomia perante o mundo, liberdade do Poder na regência do Estado, em ordem à realização dos fins superiores da comunidade. Essa liberdade do País não exclui, antes é a sua mais sólida condição, a cooperação activa na organização da paz, nem a valorização dos nossos entendimentos com as outras nações, entre as quais a mensagem destaca a nossa velha aliança com a Inglaterra.

A este propósito de cooperação na organização da paz, à sua política de valorização da nossa tradicional aliança se associa a Assembleia, certa de interpretar o sentir e o interesse da Nação.

Sr. Presidente: imposto pela Ditadura o silêncio ao meio perturbador das nossas estéreis contendas partidárias, dado do alto do Poder o exemplo eloquente e persuasivo do trabalho com uma intenção nacional, encaminhada a orientação política da Revolução no sentido de aproximar, dentro das modernas condições económicas e do mais rigoroso respeito das realidades políticas, a organização do Estado e das instituições administrativas e civis da sua fisionomia tradicional, os portugueses, sob a acção destes e de outros factores, desviados da mesquinhez das suas querelas domésticas, sentiram de novo o chamamento irresistível, a vocação indeclinável do seu destino de povo colonizador e civilizador. De novo a grandeza do Império, esparso por todos os continentes, alvorejou nas aspirações profundas da colectividade. A Ditadura procurou, e bem, impulsionar os espíritos nessa direcção, estabelecendo e proclamando a unidade indivisível de Portugal de aquém e de além-mar; e, para dar uma lição tangível das nossas possibilidades, patrocinou decisivamente a realização da Exposição Colonial, que o Porto, berço fecundo de tantos movimentos patrióticos, concebera e promoveu galhardamente.

O renascimento desse espírito civilizador é para nós o feliz augúrio de que a vida portuguesa entra definitivamente num plano de elevação e de grandeza infinitamente distante da antiga fermentação dos grupos e das competições ridículas das influências pessoais.

Está ai, a meu ver, o rumo a imprimir à mocidade portuguesa: a realização duma Pátria imensa distendida pelo Mundo, pela ocupação efectiva, valorização e aproveitamento das suas possibilidades, pela civilização das raças indígenas, pela impressão eterna nesses longínquos pedaços do Mundo do nosso génio, do nosso espírito, da nossa raça. Dilatar a fé e o Império pode ser hoje, ainda, um lema, e uma missão actual.

Porque não se dilata o Império apenas alargando-lhe as fronteiras, mas aumentando-lhe a sua força, o seu prestígio espiritual e moral e sua identidade com a Pátria.

Ainda sob o império do nacionalismo que, desde os alvores da Revolução, dominou na política do Estado, revelou-se com toda a força da evidência e da justiça a solidariedade de todos os portugueses na realização da prosperidade nacional.

Ela impunha a cessação do estado de guerra das classes, o domínio dos egoísmos desenfreados e desumanos e a coordenação de todos os elementos de trabalho e de riqueza num sistema de relações desenvolvidas num ambiente de paz e de justiça. A Constituição consagrou essas aspirações, estabelecendo que o Estado promoverá o desenvolvimento da economia nacional corporativa e atribuindo à propriedade, ao capital e ao trabalho uma função social exercida em regime de cooperação económica e solidariedade.

Abriu-se, assim, um largo e magnífico horizonte de possibilidades às tentativas de pacificação e de harmonia. E é deveras consolador constatar, com a mensagem presidencial, o ambiente que em muitos departamentos da actividade económica do País já hoje envolve relações de cooperação dos que dão e dos que recebem trabalho.

Mas há impreterivelmente que, pela acção firme e moralizadora do Estado, convencer da inutilidade das suas tentativas de reacção e de adulteração do espírito corporativo os descaroáveis profiteurs dos novos organismos económicos; submetê-los se não puderem convencê-los; ou levá-los irremissível e implacavelmente a desistir das suas manobras anti-sociais.

Sr. Presidente:

Ao iniciar-se a fase constitucional da Revolução, a Assembleia Nacional, que surge no desenvolvimento da sua evolução política, cometeria mais do que uma falta de gentileza, uma imperdoável falta de justiça, se esquecesse que foi o patriotismo da força armada que abriu na República uma nova era política e que sem a sua dedicação inalterável, a sua unidade, a sua disciplina, a obra de ressurgimento nacional não teria sido possível. A Assembleia associa-se calorosamente às justas homenagens que a mensagem presidencial presta à força armada e colaborará de boa vontade nos propósitos do Governo relativos "ao incremento da defesa nacional pela reforma e armamento do exército e reorganização do exército e da armada".

Nem esquece, Sr. Presidente, esta Assembleia, nem regateia o seu reconhecimento à obra realizada pelos Governos da Ditadura na reconstrução material do País, no seu apetrechamento económico, na restauração do seu crédito e das suas finanças, na renovação da nossa marinha de guerra, no vigoroso impulso dado aos melhoramentos rurais, na perseverante e sistemática acção educativa tendente a criar a consciência dum interesse nacional ao qual todos os outros se devem subordinar. Sendo acto de elementar justiça nacional, que não diminui a Assembleia, antes a dignifica, como todos os actos justos, salientar no seu reconhecimento a gestão financeira, administrativa e política do ilustre Presidente do Conselho, Dr. António de Oliveira Salazar - é a compreensão mais entranhável dos males e das dificuldades

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da Pátria, a incarnação mais perfeita do espírito da Revolução.

A assistência ergueu-se para aclamar, com o mais vibrante entusiasmo, S. Exa. o Presidente do Conselho, Sr. Dr. António de Oliveira Salazar.

Sr. Presidente: eu vou terminar:

Receiam uns que a Câmara seja excessivamente dócil e, assim, inútil na sua função; receiam outros que ela venha a ser excessivamente irrequieta e, assim, perturbe e embarace a boa marcha da administração pública; outros desejarão que ela caia em qualquer destes vícios, pela desacreditada regra do quanto pior melhor. A Assembleia. na plena consciência do seu dever, das suas responsabilidades, no melindroso momento da nossa evolução política, procurará desempenhar-se do mandato que lhe foi confiado, com os olhos postos apenas nos superiores interesses da Nação.

Ainda uma referência: afirma a mensagem presidencial o alto e generoso pensamento de promover "a união

de todos os portugueses para o engrandecimento pátrio, pela coexistência pacífica das opiniões". A Assembleia acompanha o venerando Chefe do Estado em tão nobres e patrióticas aspirações.

E só deseja se mostrem dignos delas os que ainda prezam o seu nome de portugueses e a todos os interesses sejam capazes de sobrepor o interesse sagrado da Pátria. Tenho dito.

Eram 16 horas e 10 minutos. A assistência novamente se manifestou com aplausos calorosos e demorados. Os Srs. Presidente da República e Presidente do Conselho foram ovacionados com entusiasmo extraordinário.

A sessão foi encerrada às 16 horas e 12 minutos.

Rectificação. - Na sessão preparatória da Assembleia Nacional, que se realizou no dia 10 do corrente, também foram dados como presentes à chamada os Srs. Deputados António Faria Carneiro Pacheco, Francisco José Nobre Guedes, José Luiz Supico e Mário Pais do Sousa.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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