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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 17

ANO DE 1935 22 DE FEVEREIRO

SESSÃO N.º 14 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 21 de Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs.Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas

Antes da ordem do dia. - O Diário das Sessões foi aprovado, com algumas emendas.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente comunicou que fora u Belém, no cumprimento do mandato da Assemblea, com os Srs. Deputados Schiappa de Azevedo e Antunes Guimarãis, saudar S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
A Sr. D. Domitila de Carvalho mandou para a Mesa um projecto de lei sobre a introdução do ensino de higiene e puericultura nos liceus femininos do Pais e, em geral, nas escolas de ensino secundário.

Ordem do dia - Prosseguiu e terminou a discussão dos restantes artigos da proposta do Governo e dos projectos dos Srs. Deputados Manuel Fratel e Vasco Borges de alteração à Constituição.

Aberta a sessão às 15 horas.
Srs. Deputados presentes à sessão, 82.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 1.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António Alberto Bressane Leite Perry de Sousa Gomes.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Leal Lobo .da Costa.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Cândido Pedro da Silva Duarte.
Carlos Nascimento Ferreira dos Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco José Vieira Machado.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Carlos Mota Galvão.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José António Marques.

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José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Finto Osório Silva Leão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Leovigildo Queimado Franco de Sousa.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Fratel.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Ortins de Bettencourt.
Manuel Pestana dos Heis.
Manuel Rebelo de Andrade.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Mário Pais de Sousa.
Miguel Costa Braga.
Paulino António Pereira Montês.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Querubim do Vale Guimarãis.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Sr. Deputado que uno compareceu à sessão: António Pedro Pinto Mesquita Carvalho Magalhãis.

O Sr. Presidente (às 14 horas e 55 minutos): - Vai proceder-se à chamada. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados. Faltou 1.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - No Diário existem várias inexactidões. Assim, no Sumário, quando se indica a ordem do dia diz-se: a Foi discutida e aprovada na generalidade a proposta do Governo sobre alterações à Constituição». Isto não é exacto, porque a proposta do Governo já estava discutida e aprovada na generalidade. O que é exacto é que foram votados, na generalidade, os projectos dos Srs. Drs. Manuel Fratel e Vasco Borges.
Foi discutida, na especialidade, a proposta do Governo, diz-se ainda no Sumário. Ora não foi só a proposta do Governo; foram também os projectos dos Srs. Drs. Manuel Fratel e Vasco Borges.
Também na parte final, quando se indica a ordem do dia para a sessão de hoje e se diz que «é constituída pelos restantes artigos da proposta do Governo e do projecto do Sr. Manuel Fratel sobre alterações à Constituição», deve acrescentar-se a do Sr. Deputado Vasco Borges.
Se qualquer Sr. Deputado desejar formular alguma reclamação sobre o Diário, pode fazê-lo.

O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: mal tive tempo de passar uma vista de olhos sobre o Diário. No entanto, há umas rectificações que desejo fazer. Na p. 332, col. 2.a, na parte que está em itálico e onde se diz «Seguidamente foi posto à votação e foi aprovado o corpo do artigo 97.º da Constituição», está certo mas não está completo. Deve acrescentar-se: «constante da proposta do Governo».
Também na p. 320, col. 1.ª, onde se lê, no 2.º período, «consciente e fundamental», deve ler-se: «consciente e fundamentada».

O Sr. José Cabral: - Sr. Presidente: a p. 331, col. 2.º na proposta por mim apresentada e por outros Srs. Deputados, há uma inexactidão. Onde se lê: «... da apresentação do projecto de lei... », deve ler-se: «... da apresentação de projectos de lei...».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário, considero-o aprovado, com as alterações apresentadas.

Vai ser lido o expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Da Câmara Municipal do concelho de Cascais:

Ex.mo Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - Lisboa. - Competindo à Câmara da minha presidência velar pelos justos interesses desta região e dos seus munícipes, peço respeitosamente licença para sugerir a V. Ex.ª as seguintes observações acerca do plano de urbanização de Cascais:
1.º A delimitação de «Costa do Sol» deve abranger, a poente, as praias e baldios da Crismina, onde a Câmara tem grandes extensões de terreno, e a praia grande do Guincho;
2.º Tendo a Sociedade Comercial Financeira, Limitada, despendido avultados capitais, não só nos seus terrenos mas também naqueles que pertencem à Câmara, visando em ambos realizações turísticas futuras, parece-me justo que se atenda à situação especial desses terrenos em caso de expropriação, fazendo-se as mesmas por acordo;
3.º Do Gabinete do Plano de Urbanização da Costa do Sol devem fazer parte representantes da Câmara e Comissão de Turismo, com voto deliberativo, e representantes da Estoril-Plage e Sociedade Comercial Financeira, Limitada, com voto consultivo, pois só assim ficarão bem representados e defendidos os justos interesses do concelho, já hoje sujeito a inúmeras peias burocráticas, bem contrárias ao seu desenvolvimento.-A bem da Nação. - Cascais, 19 de Fevereiro de 1935. - O Presidente da Coinismo Administrativa.
Da Associação Comercial e Industrial do concelho do Cartaxo, em que este organismo manifesta a sua inteira concordância com a exposição dirigida à Assemblea Nacional pela Associação Comercial de Torres Vedras, sobre a crise vinícola.
Dos lavradores da freguesia de Real, concelho de Castelo de Paiva, pedindo que, nos decretos vinícolas, lhes seja garantido o seguinte:
1.º Cultivar o vinho americano nesta região, visto outro conhecido não poder produzir compensadoramente, ou pelo menos o indispensável para o consumo das suas casas agrícolas;
2.º Que se prorrogue até 1938 o prazo para a enxertia ou substituição das vides americanas, no caso de se vir a reconhecer que é possível essa substituição depois

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de exame prévio do terreno, e demais condições, por técnicos competentes;
3.º Que, durante este período prorrogado para a enxertia, seja permitida a venda do vinho americano, pois, em virtude da proibição da venda, uma grande parte dos agricultores nem dinheiro tem para pagar as contribuições, nem para comprar o pão de que necessita para poder viver.

Telegramas

Do Porto:

Sindicato Nacional de Assistência a Emigrantes do Porto, vimos apoiar o projecto-decreto do Deputado Angelo César, sentido combate ganancioso encarecimento da vida.-Pela Direcção, Aníbal Ferreira Barbosa.
Signatários, operários, rogam aprovação do projecto do Deputado Dr. Angelo César, evitar abuso aumento crise vida.
Seguem as assinaturas.

Em nome dos trabalhadores associados do Sindicato Nacional das Carnes Verdes, vimos apoiar o projecto-decreto do Deputado Angelo César, sentido combate ganancioso encarecimento vida. -Pela Comissão Organizadora, Custódio Caetano Oliveira.

Associação Benéfica Socorros Mútuos todas classes do Porto, em nome de centenas associados, apresenta protesto carestia da vida, pedindo a V. Ex.ª providências O Presidente da Direcção, Américo Graça.

Empregados comerciais, abaixo assinados, apelam digníssima Assemblea a aprovação projecto Dr. Angelo César, a fim de evitar continuação agravamento preços géneros de primeira necessidade.

Seguem as assinaturas.

Como trabalhadores e em nome de oitocentos associados do Sindicato Nacional Profissional da Indústria Hoteleira e Similares, do Porto, vimos apoiar projecto-decreto Deputado Angelo César, no sentido combater ganancioso encarecimento da vida.
Empregados . abaixo mencionados aplaudem projecto Deputado Angelo César, pedindo sua urgente aprovação. Seguem as assinaturas.
Empregados e operários abaixo mencionados aplaudem projecto Deputado Angelo César, pedindo sua urgente aprovação.

Seguem as assinaturas.

Empregados e operários- abaixo mencionados aplaudem projecto Deputado Angelo César, pedindo sua urgente aprovação.

Seguem as assinaturas.

Empregados e operários abaixo mencionados aplaudem projecto Deputado Angelo César, pedindo sua urgente aprovação.

Seguem as assinaturas.

Chefes de família abaixo assinados, feliz proposta do Deputado Angelo César, verdadeira medida para acabar abusos preços géneros ainda recentemente agravada aumento preço carne, pedem digníssima Assemblea sua aprovação.

Seguem as assinaturas.

De Leiria:

Tendo esta comissão administrativa apreciado devidamente a exposição enviada a V. Ex.ª pelo Sindicato

Agrícola de Leiria, secunda com o maior interesse o assunto da mesma.-O Presidente da Câmara de Leiria, Paulo Santos.

De Vila do Bispo:

Numerosos habitantes deste concelho compareceram hoje nesta Câmara, solicitando minha intervenção no sentido solicitar influência V. Ex.ª de modo a ser permitida plantação vinha até duzentos bacelos cada proprietário, fim satisfazer necessidades consumo próprio, visto concelho não produzir uvas suficientes consumo. É o que tenho a honra de transmitir a V. Ex.ª com o maior respeito. - Presidente Câmara. Gil Lourenço.

Sindicato Agrícola de Poceirão, concelho Palmeia, solicita V. Ex.ª interferência no sentido de Câmara de Setúbal não ser autorizada cobrar mais impostos sobre vinhos que qualquer outra do País. -Presidente da Direcção.

Câmara Municipal de Valongo, interpretando sentir seus habitantes, aplaude projecto decreto Angelo César sobre embaratecimento custo vida e pedindo sua urgente discussão. - Presidente, Castro Neves.

Em nome viticultores concelho de Baião, peço V. Ex.ª sejam mantidos decretos-leis n.ºs 24:976 e 24:977, que tam importantes são para resolução da crise vinícola nacional e regional. - Álvaro Mota.

Idêntico da Câmara Municipal de Baião. Idêntico da Junta de Freguesia de Baião.

Vimos, como chefes de família da freguesia de Oliveira do Douro, apoiar calorosamente iniciativa limitação preços géneros indispensáveis à vida.

Seguem as assinaturas.

Sindicato Agrícola de Palmeia cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª, pedindo não seja autorizada Câmara de Setúbal cobrar imposto excepcional sobre vinhos, em dolorosa crise. - O Tesoureiro, Xavier Santana.

Câmara Municipal de Gondomar, interpretando sentir seus munícipes, verdadeiramente arrumados sua economia publicação decretos vinícolas, pede instantemente interferência V. Ex.ª discussão decretos especialidade, de maneira suspender ou alterar disposições lesivas e interesse povo nortenho. - Presidente da Câmara-,

De Vila do Conde:

Sindicato Agrícola, considerando flagrantemente oportuno projecto lei- sobre carestia da vida da iniciativa Dr. Angelo César, respeitosamente solicita sua imediata discussão. - O Presidente, Zeferino da Silva Aroso.

Círculo católico operários, aplaudindo doutrina projecto lei sobre carestia da vida apresentado Dr. Angelo César, pede urgência sua discussão.- O Presidente, Adalberto José Ferreira.

Comissão Administrativa da Câmara de Amarante

pede V. Ex.ª se digne promover discussão projecto

Deputado Angelo César, tendente barateamento custo

da vida, que está tornando incomportável pessoas poucos

recursos. - Costa Santos, presidente.

De Matosinhos:

Como operários e trabalhadores, suas famílias representadas este Sindicato, em número superior 12:000,

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vimos apoiar projecto decreto Deputado Angelo César no sentido combate ganancioso encarecimento da vida.- Direcção.

O Sr. Presidente: - Comunico à Assemblea que, no desempenho do mandato que nos foi confiado, fui ontem com os Srs. general Schiappa de Azevedo e Antunes Guimarãis a Belém apresentar a S. Ex.ª o Sr. Presidente da República os cumprimentos e saudações da Assemblea.
O Sr. Presidente da República encarregou-me de significar o seu agradecimento pela deferência que a Assemblea Nacional havia tido para com ele.
Os Srs. Deputados que tom recebido informes do Governo, em resposta a requerimentos feitos, depois de tomarem conhecimento dessas informações têm de devolver os documentos, para ficarem constando dos arquivos da Secretaria.
Peço portanto a S. Exas. que, depois de tomarem conhecimento das informações referidas, devolvam os documentos à Secretaria.
Se algum Sr. Deputado deseja usar da palavra no período antes da ordem do dia, pode fazê-lo.

A Sr.ª D. Domitila de Carvalho: - Sr. Presidente: desejo enviar para a Mesa um projecto de lei sobre a introdução do ensino da higiene geral e puericultura nos liceus femininos e, em geral, nas escolas secundárias, onde essa disciplina pode ser ensinada.
A justificação é apenas esta simples informação: o índice da mortalidade infantil relativa aos anos de 1930 a 1934 leva-nos à conclusão de que no continente do Pais morre uma criança até aos cinco anos de doze em doze minutos.
Todos aqueles que têm tratado da protecção à criança sabem que a maior parte destes óbitos são devidos à ignorância das mais (Apoiados).
Impõe-se naturalmente o dever de preparar as futuras mais, de forma a habilitá-las a bem saberem criar os seus filhos (Apoiados).
Julgo que fica justificado este projecto de lei, que não envolve aumento de despesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Projecto de lei

O estudo dos números relativos à mortalidade infantil nos anos de 1930 a 1934 leva-nos à dolorosa conclusão de que em Portugal continental morre uma criança até aos cinco anos de doze em doze minutos.
Mostram-nos também os mesmos números que no total de óbitos até aos dois anos figuram como causa primeira as doenças do aparelho digestivo: diarreia e enterite (37,5 por cento).
Destes dados estatísticos não se deduz, mas sabem-no todos os que se preocupam com o magno problema da protecção à infância, que aquelas doenças matam de preferência no primeiro ano e ainda mais particularmente do segundo ao sétimo mês.
Sabido como é também que a mortalidade por essa causa deminui consideravelmente entre as crianças que frequentam dispensários, o gotas de leite» e, em geral, instituições de beneficência onde a sua alimentação e higiene são dirigidas e vigiadas por médicos competentes, demonstrado fica implicitamente que muitos dos óbitos acima referidos são devidos à ignorância das mais.
Impõe-se, portanto, o dever de preparar as futuras mais, de forma a habilitá-las a bem criarem, os seus filhos.
Reduza-se ao mínimo a mortalidade infantil, ensinando às raparigas os cuidados a dar aos recém-nascidos, se lhes ensina a contar (Pinard). É esta um necessidade urgente largamente reclamada, e em Portugal com particular insistência, por médicos ilustres que têm dedicado, à causa da criança desprotegida o melhor do seu esforço e da sua inteligência.

Estas considerações fundamentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Haverá em todos os liceus femininos um curso obrigatório de higiene geral e puericultura, cuja regência será confiada a uma professora médica ou. na falta desta, à médica escolar do respectivo liceu.

§ L.º O programa destas disciplinam será distribuído pelas 3.ª, 4.ª e 5.ª classes do curso geral, com duas lições semanais de uma hora cada, e pelas classes 6.a e 7.º dos cursos complementares, com uma lição semanal de uma hora e meia.
§ 2.º Far-se-ão as reduções necessárias para que se mantenha no quadro actual o número de lições semanais ali designadas.
Art. 2.º É igualmente obrigatório em todas as escolas secundárias femininas, nos termos que vierem a ser designados, o ensino a que se refere o artigo anterior.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 21 de Fevereiro de 1935. - Domitíla de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Como não há mais ninguém inscrito, suspendo a sessão por 10 minutos. Está suspensa a sessão. Eram l5 horas e 16 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 37 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na

ORDEM NO DIA

O Sr. Manuel Fratel: - Sr. Presidente: o Sr. engenheiro Cancela de Abreu, meu eminente contradite em direito político constitucional, não levará a mal que eu comece, fazendo esta declaração: venho hoje aqui unicamente para que do Diário das Sessões fique com tando que um membro da Assemblea Nacional protesto contra o parecer da Câmara Corporativa, no ponto que agora vamos discutir, ponto perfilhado pelo Sr. engenheiro Cancela de Abreu e que, porventura, será aprovado por esta Assemblea.
A Câmara Corporativa afirma, no seu parecer, que estamos quási de acordo; mas eu afirmo que há uma distancia enorme a separar-nos. Para o demonstrar as dizer qual era o sistema da Constituição, qual é o nu sistema e qual é o sistema da Câmara Corporativa.

Na Constituição -artigo 98.º- estava assim: «projectos aprovados pela Assemblea Nacional são em tidos ao Presidente da República para serem dentro de quinze dias, e se dentro desse espaço tempo o Presidente da República os não voltam à Assemblea Nacional, e então, se aí o projecto tiver dois terços do número de membros desta casa V tando nesse sentido, o Presidente da República se obrigado a publicá-lo imediatamente».
Na ordem de ideas que me orientava pareceu-me que este sistema não era bom. O Presidente da República o Chefe do Estado, seria um vencido nesta hipótet

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porque, quando surgisse um conflito, ou, antes, uma divergência entre ele e a Assemblea Nacional, era a decisão desta que prevalecia, e era, portanto, o Presidente da República quem se submetia. Parecia-me desairosa a situação para o primeiro magistrado do País (Apoiados).
E por êsse motivo eu, no propósito único de colaborar com toda a sinceridade, com toda a lealdade, com todo o interesse, com o Governo, apresentei a minha proposta. E resolvia a questão desta maneira: Não figura a hipótese de se tratar de uma proposta do Governo.
No meu sistema, quando a proposta fosse do Governo e remetida ao Presidente da República, fosse convertida em lei, é porque a Assemblea Nacional estava de acordo com ela, e, nesse caso, teria o Governo e a Assemblea Nacional concordes em que fosse publicada; nem uma hesitação se deveria admitir nessa hipótese: o Sr. Presidente da República promulgava a proposta de lei. Mas, se se tratasse da iniciativa de um Deputado; se fosse essa a origem do projecto de lei enviado ao Sr. Presidente da República, então, primeiro, o Govêrno declarava que estava de acordo, porque eu entendia que a Assemblea Nacional não devia ir de encontro ao Governo, e devia colaborar com êle; e desde que o Governo declarasse que não concordava com essa disposição, ou, antes, com esse projecto de lei, o Presidente da República era chamado para árbitro. Era uma função muito mais airosa e digna do que a situação de vencido. E, ouvido o Conselho de Estado, do qual faz parte o Presidente do Conselho, membro do Governo, mus do qual faz, também, parte o Presidente da Assemblea Nacional, o Presidente da República resolveria, em última instância, e definitivamente, se o projecto devia ser promulgado ou não: e desta forma, atendendo aos altos interesses do País, ou se pronunciava a favor da Assemblea Nacional ou do Governo.
Êste era o sistema que eu tinha inventado.
Vem agora a Câmara Corporativa, diz-nos que estamos quási de acordo, e estabelece uma doutrina, pelo menos numa parte, fundamentalmente diferente da que eu preconizo.
Aprovado o projecto pela Assemblea Nacional, o Sr. Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado, é que resolve se publica ou não. E temos assim esta situação que eu não poderia admitir, no meu espírito não perpassava, de estar de um lado o Governo, a Assemblea Nacional, o Conselho de Estado inclusivamente, e de outro lado o Sr. Presidente da República. Confesso que não entrava isso na concepção do meu espírito. E por isso eu digo: em vez de um árbitro que o meu sistema criava, a Câmara Corporativa instituiu um esboço de déspota, no sentido de fazer prevalecer a sua opinião sobre a desta entidade que acabo de mencionar.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejo pôr V. Ex.ª em contacto com esta hipótese: trata-se de um projecto de lei já votado por esta Assemblea sôbre proposta do Governo. Mas esse projecto de lei que foi votado sobre proposta do Governo é um projecto que transformou a proposta. Há modificações na proposta, de modo que não pode dizer-se precisamente que aquele projecto seja a proposta do Governo, muito embora ele só tenha sido produzido em consequência de ter sido movida a actividade desta Assemblea por uma proposta do Governo. Ora bem: as considerações de V. Ex.ª satisfazem-me e são procedentes até este momento, e mas quando se põe este problema são-no igualmente ?

O Orador: - Respondo. A Câmara Corporativa não faz distinção. A Câmara Corporativa, quer se trate de um projecto de lei da Assemblea Nacional, quer se trate de uma proposta do Governo que tenha sido admitida integralmente pela Assemblea e que se não dê a hipótese prevista por V. Ex.ª

O Sr. Mário de Figueiredo: - Para a hipótese que V. Ex.ª prevê são absolutamente procedentes as suas considerações, e no fundo concordo com o pensamento geral de V. Ex.ª Mas quando se põe êste problema que a proposta de V. Ex.ª não resolve e que há pouco formulei V

O Orador: - Também se resolve esse ponto. Se o Governo estiver de acordo, dá-se a hipótese que formulo no § 2.º; se não estiver de acordo, dá-se a hipótese de o Presidente da República se ter de pronunciar.
Ora a Câmara Corporativa dá a mesma solução para todas as hipóteses, e é contra isso que eu protesto.
Há no parecer da Câmara Corporativa uma outra parte: é o recurso ao plebiscito em determinada hipótese. A esse respeito digo o seguinte: não estando Portugal nas condições da Suíça e outros pequenos países, abrangendo, pelo contrário, o território onde se faz a consulta mais de 2 milhões de quilómetros quadrados, eu tenho a impressão de que começamos a abusar deste processo político. É tudo quanto eu tenho a dizer sôbre este caso. Mas como não tenciono voltar a esta tribuna na discussão da Constituição porque já calculo ter fatigado bastante V. Ex.ªs (não apoiados), visto já ter vindo aqui três ou quatro vezes falar sobre este assunto, incluindo a discussão na generalidade, quero aproveitar a ocasião para dizer já, em relação ao § 2.º do artigo 108.º, que a minha hipótese, tal como eu a formulo, é no sentido de não legislarem simultaneamente o Governo e a Assemblea Nacional.
Pode haver alguma hipótese em que isto tenha de suceder? Pode, mas então em vez da lei é: - Salus populi suprema lex necessitas careat lege.
Tenho dito, Sr. Presidente.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: de todas as propostas de alteração da lei constitucional discutidas nesta Assemblea, segundo o meu critério, esta é a mais grave. Muitas têm sido aqui apreciadas e votadas, umas que visavam uma melhor ordenação de matérias, outras uma melhor redacção, português mais castiço, outras o (preenchimento ide lacunas, que, aliás, resultavam de um simples exame da Constituição, outras, ainda, de simplificação ou esclarecimento; e eu todas elas tenho votado com a consciência de que, aprovando-as, contribuo para o aperfeiçoamento da nossa lei constitucional.
O caso presente afigura-se-me muito mais grave. Ele importa uma profunda alteração na estrutura da Constituição Portuguesa: reconhece o direito de veto ao Presidente da República.
Devo dizer a V. Ex.ª, antes de bordar mais considerações sobre este gravíssimo assunto, que eu sentir-me-ei sempre à vontade e altamente honrado dentro desta Assemblea, quaisquer que sejam as suas atribuições, quaisquer que sejam as suas prerrogativas. Entendo meus senhores -e este ponto quero esclarecê-lo - que não somos mais nobilitados por que mais hierarquizada seja a função que exercemos; o que nos nobilita é o patriotismo, o civismo com que desempenhamos qualquer missão, por muito humilde que ela seja.
Já dentro desta situação tenho desempenhado vários cargos: fui presidente da Junta Geral do distrito do Porto, fui simples vogal da comissão administrativa dos portos de Leixões e rio Douro, fui Ministro, hoje sou Deputado da Nação, faço parte da comissão central da

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União Nacional e, ultimamente, presido à comissão distrital do Porto da mesma União Nacional.
Em todas os situações me tenho sentido sempre igualmente honrado. Não distingo hierarquia de situação; o que é preciso é integramo-nos dentro da nossa função e, dentro dela, bem servir a Pátria portuguesa (Apoiados). Entendo que não devemos procurar aumentar essas atribuições, mas também não concorrer para as diminuir. Não devemos de maneira nenhuma contribuir para diminuir os nossos trabalhos e, sobretudo, as nossas responsabilidades, responsabilidades que a Nação nos atribuiu ao mandar-nos para este lugar.
Dizia eu, Sr. Presidente - e assim penso - que a proposta que se discute envolve uma profunda remodelação da Constituição: reconhece o direito de veto ao Sr. Presidente da República.
Devo dizer ao Deputado Sr. Dr. Manuel Fratel que tive um verdadeiro prazer espiritual em ler o seu trabalho e o seu relatório, que a Câmara Corporativa classificou de brilhante e que eu também classifico do mesmo modo.
Não quero discutir a lógica que houve nas considerações de S. Exa.; não quero discutir o parecer da Câmara Corporativa.
Teremos nós direito, meus senhores, de deminuir as atribuições que a Nação, ao eleger-nos para este lugar, nos atribuiu?
Dizem que temos poderes para limitar essas atribuições e que esta Assemblea tem poderes constituintes.
Claro que tem. Mas também se passa uma procuração com amplos poderes e o procurador entende que é de sua consciência consultar o seu constituinte quando os casos em que ele tem de intervir se revestem de uma certa gravidade.
Eu entendo que, quando a Asseanblea Nacional é convocada com fins expressos para modificar a Constituição do País, diz-se taxativamente sobre que pontos é que essa discussão há-de incidir.
Eu acho que, dentro do espírito da Constituição do País, está expresso esse mesmo pensamento.
Nós temos poderes gerais mas é para as modificações que tendam a esclarecer melhor certas disposições que aios pareçam que não estuo bem claras ou a dar uma redacção mais compreensível a determinados pontos. Mas modificar completamente a estrutura da Constituição do País, que foi votada em plebiscito pela Nação portuguesa, acho, meus senhores, que é uma cousa gravíssima.
Entendo, portanto, que modificações da importância daquelas que aqui estão sendo apreciadas, e que dizem exactamente respeito à Assemblea Nacional, não deveriam ser feitas sem primeiro serem submetidas a um plebiscito nacional, para assim se ouvir a voz da Nação.
E isto que neste momento se oferece ao meu espírito, e, portanto, é este o critério que eu adoptarei, votando contra as modificações propostas, quer seja a do Sr. Dr. Manuel Fratel - a quem reitero as minhas homenagens -, quer seja o parecer da Câmara Corporativa, que podemos classificar de «douto parecer».
Modificações à estrutura da Constituição do País só se devem, fazer de acordo com a deliberação que já se tomou nesta Assemblea Nacional, isto é, recorrendo ao plebiscito da Nação, fonte de toda a soberania. Faço estas declarações para que fiquem aqui registadas.
Tenho dito.
O Sr. Cancela de Abreu: - Em resposta à subtil introdução com que o ilustre Deputado Sr. Dr. Manuel Fratel dotou o seu discurso de há pouco, eu devo esclarecer e, sobretudo, sossegar S. Ex.ª: em matéria de direito constitucional eu não tenho ciência própria. Não é, portanto, ciência minha que contradita a vasta ciência pessoal do Sr. Dr. Manuel Fratel.
Porém, servindo-me de uma frase que aqui ouvi há dias, e que considero feliz, do Sr. Dr. Mário de Figueiredo: «eu leio os meus autores». Leio e digiro; leio e raciocino. E, raciocínio, suponho eu que, legitimamente, o posso ter e alegar. Assim, eu li o parecer da Câmara Corporativa e raciocinei sobre file. O parecer daquela Câmara convenceu-me; e foi este o motivo por que, conscientemente, o perfilhei.
Dito isto, pouco mais terei a acrescentar. Suponho, no entanto, que aquele parecer é tendente a prestigiar e a elevar, mais ainda do que o desejara o Sr. Dr. Manuel Fratel, o poder e a função do Presidente da República, pois é mais vasta, mais completa e mais decisiva a faculdade que lhe é dada.

O Sr. Manuel Fratel: - É demais até.

O Orador: - O Presidente da República passa a ter, independentemente da opinião que o Governo lhe manifeste sobre o assunto, o direito de vetar qualquer projecto de lei que emane da Assemblea Nacional.
«É demais até», disse agora o Sr. Dr. Manuel Fratel; mas esse direito é condicionado pela audição prévia - e, portanto, prevê-se que com o acordo - do Conselho de Estado.
É de admitir que o Presidente da República possa ter, sobre determinado assunto, uma opinião diferente do Governo. Tornar a sua faculdade de recusa à promulgação duma lei dependente do acôrdo prévio do Governo era enfraquecer o poder do Presidente da República. Tanto mais que essa lei podia ser originária do próprio Governo.
De resto, afigura-se-me que o Sr. Dr. Manuel Fratel não respondeu completamente à observação que lhe fez há pouco o Sr. Dr. Mário de Figueiredo. Na verdade, o caso de as propostas do Governo serem alteradas pela Assemblea Nacional e, portanto, de os projectos chegarem à promulgação do Presidente da República possivelmente em desacordo com o pensamento do Governo, não estava previsto no projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel, ao passo que o está na fórmula que propõe a Câmara Corporativa.
Terminando e concretizando: defendo a conveniência de se adoptar a sugestão da Câmara Corporativa, por que, prestigiando e fortalecendo o poder do Presidente da República, deixa ainda de pé uma forma de não se ficar apenas sujeito a um restrito critério pessoal.

O Sr. Henrique Cabrita (para interrogar a Mesa): - Pergunto a V. Ex.ª se o que está em discussão abrangi a proposta do Governo e os projectos dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Abrange tudo.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito Nos termos do Regimento, vou pôr à votação a posta de substituição do artigo 98.º da Constituição, d Sr. Cancela de Abreu, que é do teor seguinte:

Proponho que o artigo 98.º da Constituição passe ter a redacção seguinte:

«Artigo 98.º Os projectos aprovados pela Assemble Nacional são enviados ao Presidente da República par serem promulgados como lei dentro dos quinze dias imediatos.

§ único. Se o Presidente da República, ouvido o Conselho de Estado, entender que os superiores interêsst do Pais se opõem à promulgação de qualquer projecto»

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não o promulgará. Porém, quando o referido projecto diga respeito à competência constitucional do Chefe do Estado, deverá ele ser submetido a plebiscito nacional dentro do prazo de trinta dias, vigorando as alterações à
Constituição, se forem aprovadas, logo que o apuramento definitivo do plebiscito seja publicado no Diário do Govêrno.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional. 20 de Fevereiro de 1935.- O Deputado Cancela de Abreu.
Submetida à votação, foi rejeitada.
Submetida a proposta de redacção do Sr. Manuel Fratel, foi também rejeitada.

Entrou em discussão a artigo 99.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - As alterações propostas pelo Sr. Manuel Fratel, quanto ao artigo 99.º, dependem do que a Assemblea resolver a respeito do § 3.º do artigo 108.º Por isso, passo adiante delas.
Está agora em discussão o artigo 108.º da Constituição.
Em primeiro lugar, o n.º 1.º Ao artigo 108.º, tal como é proposto pelo Sr. Deputado Manuel Fratel, está prejudicado pelo que foi votado quanto ao artigo 82.º Portanto, passamos ao n.º 2.º do artigo 108.?
A respeito deste número, há, em primeiro lugar, o projecto do Sr. Deputado Manuel Fratel; o artigo 30.º da proposta do Governo; e o parecer da Câmara Corporativa, perfilhado pela proposta do Sr. Deputado
Cancela de Abreu. Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi A palavra para exprimir o que penso relativamente tanto ao projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel como ao parecer da Câmara Corporativa.

Há uma parte em que projecto e parecer fundamentalmente coincidem. É a última parte da disposição do m.º 2.º «do artigo 108.º, que diz (leu):

«Não poderão, porém, constituir objecto de decretos-leis a autorização para cobrança de receitas e pagamento das despesas do Estado, salvo se a Assemblea Nacional deixar de se pronunciar em tempo oportuno, antes de findo o ano económico; a autorização para realização de empréstimos e outras operações de crédito, excepto se, declarada pelo Governo a urgência, a Assemblea Nacional não tomar qualquer resolução dentro de um mês; a autorização ao Chefe do Estado para fazer a guerra, nos termos do n.º 6.º do artigo 91.º, e a definição dos limites da Nação, sem quebra do estipulado no § único do artigo 1.º e artigo 2.º da Constituição».

Nesta parte estão fundamentalmente de acordo, creio,

o projecto do Sr. Manuel Fratel e o parecer da Câmara Corporativa.

Não me oferece crítica particular esta parte da disposição proposta à aprovação desta Assemblea, a não .ser pelo que respeita a uma questão que já foi posta nesta Assemblea, e pareceu-me que, muito embora não tivesse incidido sobre ela qualquer votação, por esta Assemblea foi pressuposta uma certa solução.

Sr. Presidente: V. Ex.ª naturalmente recorda-se de que, quando se discutia certa disposição do Regimento, se pôs o problema, de saber se, na hipótese de dissolução, continuava a Assemblea com qualquer função.
Sobre esta questão, que foi posta perante a Assemblea, não incidiu realmente uma votação, mas, se eu pude interpretar bem o sentido da orientação da Assemblea nesse momento, ela traduz-se por esta fórmula: é que a Assemblea entendeu que, na hipótese de dissolução, cessavam definitivamente as funções dos seus membros. Quere dizer: não havia o órgão com as funções próprias desta Assemblea ; era preciso encontrar um que as encarnasse quando desaparecesse, por dissolução, esta Assemblea, e esse órgão não podia ser senão o Governo.
Obtemperou até nesse momento o ST. Deputado Vasco Borges com um exemplo que é previsto precisamente nesta última parte do projecto e do parecer:
E no caso de guerra?
E até me lembro que o Sr. Dr. Vasco Borges pronunciou uma palavra que a mim, homem enquadrado na. disciplina do Estado moderno, me impressionou. Foi a seguinte:
«Quem seria o Chefe do Estado que havia de ousar ...».
Foi êste «ousar» que me impressionou.
E recordo-me até qual era o ambiente da Assemblea. nesse momento.
Qual seria o Chefe do Estado que ousasse declarar a guerra, sem o voto favorável da Assemblea Nacional»
Êste «ousasse» é evidente e sem o menor intuito pejorativo para. o Sr. Dr. Vasco Borges.
O Sr. Vasco Borges (interrompendo): - Eu é que peço licença da minha ousadia.

O Orador: - Não tem V. Ex.ª de quê. Se tivesse de a pedir, só tinha de o fazer ao Chefe do Estado.
Quando nessa ocasião S. Exa., referindo-se ao Chefe do Estado, pronunciou esta palavra, impressionei-me; e, agora, só a trouxe para mostrar que me lembro perfeitamente do que se passou aqui e de qual era nesse momento o sentido da orientação da Assemblea. O sentido era este, é que, na hipótese de dissolução, as funções da Assemblea cessavam completamente.
E, se assim era, na lógica deste princípio, necessário se tornava existir outro órgão que nesse momento assumisse as funções da Assemblea. e esse órgão seria o Govêrno ou o Chefe do Estado, mas havia de existir um.
A crítica que, em face do que acabo de referir, se me oferece fazer a esta segunda parte, tanto do parecer como do projecto do Sr. Manuel Fratel, é esta: é que resolver a questão no sentido em que é resolvida pelo projecto ou pelo parecer implica que nós temos de bulir naquela disposição que não está em discussão, conforme a qual a Assemblea pode ser dissolvida, para estabelecer que, mesmo no caso de dissolução, é preciso que esta Assemblea continue a viver para determinados casos.
Quanto à 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 108.º, oferece-se-me dizer o seguinte. Diz-se nessa parte:

«2.º Elaborar decretos-leis no uso de autorizações legislativas e nos casos de reconhecida conveniência ou de necessidade».

A sessão ida Câmara Corporativa que elaborou o parecer manifestou, a (propósito ide outra questão, a opinião ide que a Assemblea só se prestigia votando a diminuição da sua competência.

Esta passagem do parecer, de facto, impressionou-me bastante, pois parece que significa que se a Assemblea a não votasse se desprestigiava...
Eu tenho a segurança de que esta idea não estava no pensamento de quem redigiu o parecer. Eu tenho a segurança disso, e por isso é que estou perfeitamente u vontade, tendo, como tenho, muita admiração por quem redigiu o parecer, para fazer as afirmações que estou produzindo.
Mas, se levanto a. questão, é porque, além do pensamento de quem as faz, as cousas têm uma significação objectiva, e a significação objectiva, que estas palavras têm, ou que delas se pode tirar, é esta: os

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senhores votem, «senão desprestigiam-se; quere dizer - os senhores se não votarem contribuem para o desprestígio da Assemblea.
De modo que «no desenvolvimento desta razão - que não é uma razão - está 11111 princípio de coacção. Esta coacção alão está aio espírito do parecer, mas pode resultar da sua leitura, e, por isso é que eu coloco a questão neste pé: dar uma razão de prestígio ou desprestígio em defesa de certa solução ou de- certa orientação,, e indicar, dentro de uma escala de valores, qual há-de ser o caminho a seguir por determinada Assemblea (Apoiados).
Sr. Presidente: pôsto isto, insisto no comentário que pretendo fazer a esta disposição, e insisto seguindo nesta orientação: é que o que depois há no parecer de crítica ao projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel - crítica que conduz a substituir-se «conveniência e necessidade públicas» pela «urgência e necessidade públicas» -, o que aí há de razão objectiva no sentido de afastar a doutrina do Sr. Deputado Manuel Fratel é depois inutilizado, como procurei demonstrar, pela razão em que se baseia a mesma Câmara Corporativa para sustentar que deve ser dispensada a ratificação.
Há primeira parte do parecer sobre esta questão põe-se este problema. Separação de poderes, separação de funções. Simples gosto de simetria? Não. Depois a gente procura nos desenvolvimentos posteriores o que é que determinou, a mais do que o simples gosto de simetria, a Câmara Corporativa, e por melhor vontade que tenha não encontra essas fortes razões que hão-de ter determinado a referida Câmara a não aceitar o projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel, quando atribue uma certa competência ao Governo, ao Poder Executivo, e depois vem declarar que, não obstante, ela, Câmara Corporativa, entende que não é indispensável a ratificação, que não deve aceitar-se como indispensável a ratificação.
Ora bem! Aqui a questão é esta: há na nossa orgânica constitucional ainda um poder que tem em princípio a faculdade de legislar; há dentro da nossa Constituição um "poder que tem em princípio a faculdade de executar e administrar. Mas, dentro também da nossa Constituição, prtívé-se esta hipótese: pode suceder que em certas emergências o poder que. não tem a faculdade de legislar - visto que não está a funcionar o poder que tem essa faculdade, ou ainda porque, estando esse poder a funcionar, a urgência da medida não se comporta com as necessidades naturais da demora numa discussão - tenha precisão de legislar e, então, atribue-se-lhe essa faculdade nestes casos.
Proposta do Sr. Dr. Manuel Fratel - esta: não aceitava o princípio constitucional de que o poder de legislar pudesse, de uma maneira permanente, ser atribuído ao Governo. Desde que estivesse a funcionar a Assemblea Nacional era ela que tinha sempre o direito de desenvolver actividade legislativa; portanto, só a ela pertencia a faculdade de- legislar.
Mas a Assemblea Nacional podia não estar a funcionar; e então, como o poder legiferante podia constituir uma necessidade tam urgente para o Estado como o poder de administrar ou de executar as leis, aquele Deputado, muito logicamente, dizia nesta hipótese: que o poder que deve ser exercido pela Assemblea Nacional, mas que não pode realizar-se por ela não estar a funcionar, esse poder passa sem mais nada par,a o Governo.
Com isto não concorda, a Câmara Corporativa, porque entende que, desde que há um órgão do Poder Legislativo normal, o poder de legislar só deve ser atribuído ao Governo em circunstâncias excepcionais. De acordo! f. Agora o que se impunha ao jurista? Para que existem juristas? (« na Câmara Corporativa está do melhor
que há em Portugal: o relator é a primeira autoridade em direito público no nosso País). O que lhe cabia? Encontrar o processo técnico de este problema ser posto em equação e se resolver. Encontrou-se?
Para quem tiver o gosto das fórmulas encontrou-se; mas só para quem tiver o gosto das fórmulas, porque atrás da fórmula proposta pela Câmara Corporativa está precisamente o mesmo que está atrás da fórmula proposta pelo Sr. Dr. Manuel Fratel; precisamente o mesmo, no fundo.
Conveniência pública? Não, porque isso seria um poder normal, diz a Câmara Corporativa. E desde que nós temos um órgão normal não devemos atribuir, como poder normal, a outro órgão a mesma faculdade.

ubstituamos, então, a conveniência pela urgência e necessidade públicas. Mas quem é o conhecedor da urgência e necessidade públicas? Ë, como disse há pouco, o Governo, e só o Governo.
O senhor da «urgência e necessidade públicas» é agora, como há pouco da conveniência, o Governo, e só o Governo.
Portanto, basta que o Governo declare no seu decreto-lei - e nem isso é preciso - que ele é emanado em vista da sua urgência e necessidade pública para que a urgência, e necessidade pública desse decreto sejam incontroláveis, infiscalizáveis.
Em certa altura a Câmara Corporativa diz: «...a não ser que ele mesmo, isto é, o Governo, declare no relatório do decreto que não é nada urgente nem corresponde a uma necessidade pública o decreto». Ora é claro e evidente que nunca o declarará. Mas suponhamos que declarava. Eu gosto de pôr as questões no seu momento dialéctico.
Suponhamos, pois, que o Governo declarava: «não, senhor! este decreto não corresponde a uma urgência e necessidade públicas, mas eu publico-o ao abrigo da disposição que permite invocar a urgência e necessidade públicas». Isto é inadmissível, mas pensemos que isso se passava.
Eu estou colocando a questão no terreno jurídico, no terreno das normas que têm uma sanção, e não no terreno político. Como se resolve o problema? Segundo o contido numa disposição da Constituição os tribunais não podem conhecer do que nós, os juristas, chamamos «a constitucionalidade formal». Portanto, esse decreto era inatacável, visto que não podia deixar do ser aplicado pelos tribunais.
Eu peço desculpa a V. Ex.ªs, os que não são juristas, de lhes ir explicar este palavrão «constitucionalidade formal».
Os nossos tribunais podem conhecer da chamada inconstitucionalidade do «fundo», mas não podem conhecer da constitucionalidade «formal». Quere dizer, não podem afastar qualquer disposição legal desde que ela provenha de um órgão da soberania, embora este não tenha competência para a emanar. Portanto, se os nossos tribunais não podem conhecer, e este é o aspecto que interessa sobre constitucionalidade formal, o Governo emana um decreto e, embora diga que não é de urgência, ele tem no entanto toda a validade jurídica em quanto não for revogado, modificado, substituído por esta Assemblea.
Portanto, num caso ou noutro, a solução é a mesma.
Quere dizer, como o Governo é senhor da urgência e necessidade, públicas vem a concluir-se que, aparte a fórmula, tudo se passa como se realmente o Governo tivesse também aquela faculdade normal de legislar.
A Câmara Corporativa diz: «mas está depois na mão da Assemblea o substituir ou revogar». Ora eu vou mesmo ale ao ponto de dizer que não está, e hei-de demonstrá-lo.
Uma cousa é uma assemblea ter de pronunciar-se, e

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portanto de considerar, outra cousa é uma assemblea não ter de pronunciar-se, e portanto não ter sequer de considerar.
Quando nós somos os titulares da responsabilidade, sentimo-la em cima .de nós e julgamos como as exigências das nossas responsabilidades no-lo pedem. Mas, quando na nossa função não está necessariamente o ter de considerar, o caso já é diferente. O problema põe-se, pois, muito diferentemente quando se diz que a Assemblea tem de ratificar, de que quando se diz que a Assemblea pode sempre revogar.
Mas vou mais longe ainda. E que segundo uma disposição da Constituição, aqui votada, a Assemblea pode mesmo não ter competência para revogar ou para substituir.
Suponhamos que um decreto traz aumento de despesa ou diminuição de receitas. Como é que a Assemblea lhe toca? Ela só lhe pode tocar por meio de um projecto, mas como não tem a faculdade de apresentar projectos que importem aumento de despesa ou deminuïção de receitas, não pode efectivamente atacar, substituir, eliminar aquele decreto-lei.
Aqui têm V. Ex.ªs as considerações que eu não tencionava fazer, porque estou doente, com febre, sobre esta disposição proposta pela Câmara Corporativa e a disposição contida nu projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel.

O Sr. Antunes Guimarãis: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, informa-me se o que está em discussão é a eliminação do § 3.º?

O Sr. Presidente: - O que está em discussão é o n.º 2.º do artigo 108.º da Constituição. Não se encontra mais nenhum Sr. Deputado inscrito. Vou portanto pôr à votação, em. primeiro lugar, a proposta do Sr. Deputado Cancela de .Abreu sobro esse n.º 2.º, que, como V. Ex.ª sabem, é a reprodução do alvitre apresentado pela Câmara Corporativa e assim redigido:

«Compete ao Governo:

Fazer decretos-leis no uso de autorizações legislativas ou nos casos de urgência e necessidade pública, mesmo durante o período das sessões legislativas, e aprovar, nas mesmas circunstâncias, as convenções e tratados internacionais. Não poderão, porém, constituir objecto do decretos-leis a autorização para cobrança das receitas e pagamento das despesas do Estado, salvo se a Assemblea Nacional deixar do se pronunciar em tempo oportuno, antes de findo o ano económico; a autorização para realização de empréstimos e outras operações de crédito, excepto se, declarada pelo Governo a urgência, a Assemblea Nacional não tomar qualquer resolução dentro de um mês; a autorização ao Chefe do Estado para fazer a guerra, nos termos do n.º 6.º do artigo 91.º, e a definição dos limites dos territórios, da Nação, sem quebra do estipulado no § único do artigo 1.º e artigo 2.º da Constituição».

Foi rejeitada.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Se não estou em eiró, encontra-se na Mesa uma proposta minha a respeito do n.º 2.º

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta, mas é a respeito do § 3.º do artigo 108.º

O Sr. Cancela de Abreu - A minha proposta reproduz, na 2.a parte, o que estava na Constituição.

O Sr. Presidente: - Como a proposta do Sr. Dr. Manuel Fratel coincide, na 2.º parte, com a proposta do Sr. Deputado Cancela de Abreu, acho preferível pô-la à votação primeiramente.

O Sr. Manuel Fratel: - Se V. Ex.ª me dá licença, retiro a minha proposta.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o n.º 2.º do artigo 108.º, tal como figura na proposta do Governo. Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - O n.º 4.º do artigo 108.º, tal como foi proposto pelo Sr. Dr. Manuel Fratel, está prejudicado.
Quanto ao n.º 5.º do projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel, esta disposição corresponde precisamente ao n.º 4.º da Constituição.
Passemos agora ao § 3.º do artigo 108.º
Relativamente a este parágrafo, temos o projecto do Sr. Dr. Manuel Fratel e o artigo 31.º da proposta do Governo.

O Sr. Cunha Gonçalves: - Mando para a Mesa uma proposta de emenda ao § 3.º É a seguinte:

Propomos que o § 3.º do artigo 108.º da Constituição passe a ter a seguinte redacção:

«§ 3.º Quando o Governo fizer uso da faculdade constante do n.ºs 2.º durante o período das sessões legislativas, apresentará num dos cinco dias seguintes de sessão da Assemblea Nacional a proposta para ratificação dos decretos-leis que houver publicado.
Recusando-se a Assemblea. Nacional a conceder a ratificação pedida, deixará o decreto-lei de vigorar desde o dia em que sair no Diário do Governo o aviso a tal, respeito expedido pelo Presidente da Assemblea.
A ratificação pode ser concedida com emendas. Neste caso considerar-se-á o decreto, sem prejuízo da sua vigência, imediatamente transformado em proposta de lei, a enviar à Câmara Corporativa, salvo se esta tiver sido já consultada, nos termos do artigo 104.º-A e seu § único».

Sala das sessões da Assemblea Nacional, 21 de Fevereiro de 1935. - Os Deputados: Luiz da Cunha Gonçalves - Luiz Maria Lopes da Fonseca - Luiz Moreira de Almeida - Juvenal de Araújo - Leovigildo Franco de Sousa.

O Sr. Antunes Guimarãis: - O Sr. Dr. Manuel Fratel propõe, pura e simplesmente, a eliminação do § 3.º

O Sr. Manuel Fratel: - A minha proposta estava ligada a um número anterior; depois das votações havidas considero-a prejudicada.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Nesse caso desisto da palavra e escuso de incomodar V. Ex.ª

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sobre o § 3.º mandei para a Mesa uma proposta e peço prioridade para ela.

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Dr. Mário de Figueiredo diz o seguinte:
Artigo 31.º da proposta (108.º, § 3.º, da Constituição):
Ao contrário do que se afirma no parecer da Câmara
Corporativa, a nova redacção do § 3.º do artigo 108.º

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da Constituição, contida na proposta, deve ser mantida. As razões do parecer não parecem de aceitar.
Dizer que os decretos-leis estão no circulo da competência constitucional do Govêrno não é avançar nada para a solução do problema, sobretudo tratando-se de uma proposta de- reforma constitucional. Mas pode afirmar-se que a eliminação proposta pela Câmara Corporativa contraria a mecânica constitucional. Supõe esta que o órgão legiferante normal é a Assemblea e por isso estabelece que sejam submetidos à sua ratificação os decretos-leis nos casos de urgência e necessidade públicas; na doutrina do parecer criar-se-iam dois poderes legiferantes normais, já que o órgão competente para declarar a urgCncia e necessidade públicas é o Govêrno.
E nem se diga que, como a Assemblea pode sempre revogar esses decretos-leis, a situação pouco se modifica: porque uma cousa é poder revogar, outra ter de pronunciar-se.
Além de que pode mesmo acontecer que a Assemblea não possa revogar: será o caso de os decretos-leis criarem receitas.
Proponho, assim, que só mantenha o que está na proposta.

Mário de Figueiredo.

O Sr. Carneiro Pacheco: - Sr. Presidente: o problema que, neste momento, está submetido à apreciação e votação da Assemblea é o de os decretos-leis deverem vir à ratificação da Assemblea Nacional ou serem dispensados dessa ratificação.
Pela Constituição todos os decretos-leis eram sujeitos à ratificação da Assemblea.
Pelo projecto do Sr. Deputado Manuel Fratel e parecer da Câmara Corporativa todos seriam dela dispensados.
O Poder Legislativo, na actual mecânica constitucional, reparte-se entre três órgãos - a Assemblea Nacional, o Governo e o Chefe do Estado.
Considerada a posição relativa de cada um desses órgãos quanto à função legislativa, dentro da mecânica constitucional está que órgão legislativo por excelência é a Assemblea Nacional; mas, porque o interesse nacional é continuo, há um outro órgão legislativo normal, que é o Governo.
Quando está fechada a Assemblea Nacional - e ela está encerrada durante três quartas partes do ano- o Governo/órgão de execução e de administração, tem necessidade de legislar, para executar, para administrar, para realizar continuamente o interesse nacional. É, portanto, embora não órgão legislativo por excelência, um órgão legislativo normal.
Ora, para resolvermos o problema que está posto, há necessidade de considerar as diferentes situações em que o Governo se coloca quanto ao exercício da função de legislar. Se o Govêrno legisla por necessidade pública- não digo só de urgente necessidade publica, porque a necessidade pública é, por definição, uma necessidade que impõe uma solução imediata-, se o Governo legisla fora do período ein que funciona a Assemblea Nacional, como órgão legislativo normal, admito e acho lógico que não sejam submetidos os decretos-leis então publicados à ratificação da Assemblea.
Eu admito, e direi mesmo, entendo necessário para a seriedade do trabalho desta Assemblea, que assim aconteça, porque não me parece que a Assemblea Nacional, em noventa dias, possa, além do trabalho de apreciar as propostas governamentais e os projectos aqui apresentados, fazer uma revisão consciente da legislação publicada nos nove meses que precederam o início dum novo período legislativo.

O Sr. Manuel Fratel: - Era por isso que eu queria que a Assemblea funcionasse durante quatro meses, em dois períodos.

O Orador: - Lastimo que isso não tivesse sido aprovado, pela mágoa que causou ao meu ilustre colega. Não é porém já oportuno dar as razões da minha discordância de S. Exa.
Mas, como eu estava dizendo, acho lógico que no exercício normal da função legiferante do Govêrno, nos nove meses em que a Assemblea Nacional não trabalha, não seja necessária a ratificação dos decretos-leis pela Assemblea, bastando a possibilidade que esta tem de revogar tais decretos-leis.
Não é lógico porém -e neste ponto divirjo da proposta do Sr. Manuel Fratel e do parecer da Câmara Corporativa - que, estando a Assemblea Nacional a funcionar, órgão legislativo por excelência, os decretos-leis que o Govêrno publique não venham à ratificação da Assemblea. É esta a distinção que me parece corresponder à mecânica constitucional e às possibilidades de trabalho existentes.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas porque é que a ratificação deve existir num caso e não no outro?

O Orador: - Eu suponho ter apresentado uma razão decisiva. E porque, no primeiro caso, a Assemblea Nacional, o órgão legislativo por excelência, está funcionando. Vejo que não fora suficientemente claro em face da pergunta do Sr. Deputado Dr. Mário do Figueiredo, um dos mais brilhantes espíritos que conheço.

O Sr. João Amaral: - Porque é que V. Ex.ª chama órgão legislativo por excelência aquele que legisla apenas durante três meses e não ao que funciona durante nove meses?

O Orador: - Responderei: é a diferença que existe entre quantidade e qualidade.
A qualidade é que determina que a Assemblea Nacional seja o órgão legislativo por excelência. A a própria Constituição que lhe atribuo essa função específica.
Para concluir, eu voto a seguinte distinção: que só dispense a sujeição à ratificação aos decretos-leis que são publicados pelo Governo durante o período em que está encerrada a Assemblea Nacional; mas que se torne obrigatória a ratificação dos decretos-leis que sejam publicados em quanto a Assemblea Nacional está a funcionar.
Tenho dito.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: diz a Câmara Corporativa, no seu parecer, que a Assemblea Nacional demonstraria uma alta isenção aprovando a eliminação proposta pelo Sr. Dr. Manuel Fratel.

O Sr. Presidente: - Desde que o Sr. Dr. Manuel Fratel retirou a sua proposta de eliminação não tomos que considerar o parecer pela Câmara Corporativa.
O que está em apreciação é uma proposta apresentada pelo Sr. Dr. Cunha Gonçalves, no sentido de se dispensar a ratificação quando qualquer decreto-lei seja publicado no intervalo do período parlamentar, exigindo-se a ratificação quando êsses decretos-leis sejam apresentados no período em que a Assemblea Nacional funciona.

O Orador: - Não concordo, o digo a V. Ex.ª porquê. Os decretos-leis são promulgados em casos de urgência. As circunstâncias de urgência, correspondem remédios de urgência, que são para vigorar muito tran-

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sitòriamente, e que só em condições verdadeiramente excepcionais poderão transformar-se em definitivos.
Só a Assemblea Nacional é que tem uma soberania especial para converter esses decretos-leis em legislação definitiva. Diz a Câmara Corporativa que nós demonstraríamos uma grande isenção dispensando esses decretos-leis da ratificação da Assemblea Nacional. Entendo que nesta Assemblea Nacional não se trata de isenções -isenções pudemos tê-las nas nossas cousas particulares -: aqui trata-se única e exclusivamente de servir, e servir é honrar o mandato que a Nação nos confiou, e que nos manda tomar conhecimento profundo dos decretos, mas não com uma simples leitura do Diário do Governo. Temos obrigação de os estudar, de os ponderar, de. os discutir, aprovar ou rejeitar, e assumir, assim, as correspondentes responsabilidades. É assim que honramos o mandato que a Nação nos confiou.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Agradeço as boas palavras que o Sr. Dr. Carneiro Pacheco quis ter a bondade de dizer a meu respeito.
S. Exa. pode, realmente, julgar-me. Tem todo o direito de o fazer, e eu aceito o seu julgamento como vindo de um meu antigo professor, com quem muito aprendi, até a ser claro.
No capítulo clareza - como em qualquer outro que se refira a qualidades de espírito -, e eu tomo as suas palavras como as de um julgador simpático para um velho discípulo que tem sempre muita honra em continuar a ser seu discípulo -eu posso devolver-lhe essas palavras.
Posto isto, vou fazer as seguintes observações:
Não se escandalize V. Ex.ª, Sr. Presidente, com este jeito da escola: começarei as minhas observações recordando umas palavras da escola. Dizem: Plurimae legas péssima republica.- «Quanto mais leis, pior a República».
Esta fórmula tem um sentido e um sentido profundo. Os latinos, os. mestres no Direito de todo o mundo, apreenderam-no completamente.
Quando é que há muitas leis? É quando a República está desorganizada e é preciso estar sempre a acudir-lhe com cousas novas.
Eu não respondo por que esta interpretação seja dum grande romanista.
Traduziram os romanos «Plurimae lages pessima respublica» - as muitas leis são a denúncia de que a República vai mal.
Para que trouxe eu, que estou a responder a um mestre meu. esta palavra da escola? Para fazer a seguir esta afirmação: - é que o Executivo, com a República organizada, não é natural, nem está no espirito da Constituição, que durante aqueles nove meses em que esta Assemblea não funciona, legisle muito ou emane muitas disposições legais.
A Constituirão o que prevê é uma emergência excepcional, extraordinária, em que é preciso emanar, para lhe acudir, disposições legais, em que é indispensável emanar uma lei.
É claro que isto tanto pode passar-se quando funciona a Assemblea como quando ela não funciona e a solução é precisamente a mesma para os dois casos. E, prevendo essa emergência excepcional, a Constituição entendeu, eu entendo também e creio que entendemos todos, que o Governo, órgão de actuação imediata, pudesse usar directamente dos meios para o fazer.
Isto significa que o problema se põe nos mesmos termos: ou a Assemblea funciona ou não.
Só há duas soluções: ou é precisa a ratificação, e é precisa para todos os decretos durante o período em que funciona e não funciona a Assemblea, ou não é precisa a ratificação, e então não é precisa em caso nenhum.
Mas acresce que quanto aos emanados fora do momento em que a Assemblea funciona, os membros dela têm tempo para fazer o seu estudo e para auscultar a opinião.
Apoiados.
E podem até obtemperar, se houver necessidade de tal. às exigências a que a execução do decreto venha, porventura, a dar lugar.
Nestas condições, parece-me que, realmente, a única solução aceitável é aquela que foi proposta pelo Govêrno.
Apoiados.
Votando essa proposta, nós organizamos um sistema lógico; afastando completamente a proposta, e não admitindo a ratificação para cousa alguma, ainda se obterá um sistema lógico, mas inadmissível; porém, arranjar um sistema híbrido é que não me parece realmente de admitir.
Muitos apoiados.
Tenho dito.

O Sr. António Cortês Lobão: - Sr. Presidente: é talvez atrevimento da minha parte subir neste momento a esta tribuna para discutir um assunto que diz respeito à Constituição.
Eu, que alguma cousa sei de engenharia e de assuntos militares, atrevo-me a vir aqui tratar dum assunto que tam bem tem sido esclarecido por professores e mestres na matéria, quando, possivelmente, melhor seria que estivesse na minha cadeira de Deputado, atento às informações e esclarecimentos que fossem prestados por S. Exas.
Mas, ao abordar este assunto, e antes de mais nada, permitam-me V. Ex.ªs que eu exponha o meu ponto de vista, que, embora possivelmente seja errado, representa, no entanto, a expressão do meu pensamento. E a razão pela qual me resolvi a vir até este lugar é a seguinte: tendo sido um dos Deputados que ontem subscreveram a proposta de alterações à Constituição, apresentada pelo Sr. Dr. Vasco Borges, referente ao artigo 97.º, que agora não está em discussão, eu resolvi aproveitar a ocasião para expor a V. Ex.ªs os meus pontos de vista sobre o assunto que se está debatendo.
Eu julgo que, tendo esta Assemblea três meses de vida em cada ano, se ela limitasse a sua esfera de acção a apreciar e a discutir, conscienciosamente, os problemas que nos viessem do Governo, teria, no fim desse tempo, produzido um trabalho útil e colaborado com o mesmo Governo na solução dos assuntos que devessem merecer a sua atenção.
Discute-se se por acaso os decretos do Governo, postos em execução sem ter sido ouvida a opinião desta Câmara, se devem manter ou não sem virem a esta Assemblea. Eu julgo que não, porque me parece que a função principal desta Assemblea será a de apreciar as bases gerais das propostas que o Governo, durante o interregno dos nove meses em que a Assemblea está fechada, preparou para apresentar à sua apreciação. Portanto, se aparecem decretos-leis durante os três meses de funcionamento da Assemblea é natural que aqui venham para ser apreciados.
No interregno, desde que foram aprovadas as bases para o Governo trabalhar, julgo que não há necessidade de esta Assemblea se manifestar sobre os decretos a publicar durante aquele prazo de tempo, tanto mais que pode ocasionar discussões acaloradas e dificuldades ao Governo; e parece-me que esta Assemblea não foi criada para levantar dificuldades ao Poder Central, mas sim para com ele colaborar.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Quero informar a Assemblea que está sobre a Mesa uma proposta de emenda do Sr. Pinto

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de Mesquita que não diz propriamente respeito ao ponto em discussão e sim ao § 3.º do artigo 108.º, e que é a seguinte (leu):

Proponho o seguinte aditamento ao texto do § 3.º do artigo 108.º da Constituição Política da República:
«Ao conceder a ratificação com emendas, a Assemblea Nacional declarará se até final redacção da proposta o decreto-lei manterá ou não a sua força executória».
Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional. 7 de Fevereiro de 1935. - António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhàis.

O Sr. Carneiro Pacheco: - Sr. Presidente: quis o meu ilustre colega Sr. Dr. Mário de Figueiredo lembrar a circunstância ide haver sido meu discípulo. Efectivamente, em perto »de vinte e três anos de professor, ele foi, com certeza, dos mais notáveis discípulos da Universidade em que ensinei. De resto, como já lá, ele dá sempre lições. É uma idas glórias ida minha vida de professor. Ditas estas palavras, vou responder àquelas que S. Ex.ª proferiu em discordância das que tinham sido por mini alegadas em favor de uma proposta aqui trazida por cinco dos nossos colegas.
Plurimae leges... A República desmoralizada. Que a nossa está felizmente moralizada... Mas ela tem necessidade constante de leis. O interesse nacional é contínuo. Eu respondera antecipadamente a esse argumento de S. Exa.
O Sr. Dr. Mário de Figueiredo disse que não está no espírito da Constituição a função legislativa do Governo, que eu classifico de normal, para a distinguir da função legislativa, por excelência, que pertence à Assemblea Nacional. Normal, até pela circunstância ide respeitar a três quartas partes ido ano.
O n.º 2.º do artigo 108.º da Constituição diz:
«Compete ao Governo:
2.º Elaborar decretos-leis no uso de autorizações legislativas ou mós casos ide urgência e necessidade pública»
Está, portanto, no espírito, e mais do que no espírito, está na própria letra da Constituição.
Com referência aos decretos publicados durante os nove meses em que a Assemblea não funciona, devo dizer que é em face de um princípio lógico e impreterível que a diferenciação tem. ide fazer-se, por isso que, estando a funcionar o órgão legislativo que a classificação gradua em primeiro lugar, é absurdo que se admita ao mesmo tempo, com valor igual, o exercício da função legislativa por outro órgão.
Nestas condições, estando a funcionar a Assemblea Nacional, é natural que a posição dos Governos em face dos decretos-leis que então publiquem seja diferente daquela em que publiquem decretos-leis não estando ela a funcionar.
Eu ouvi a S. Ex.ª uma razão que peço licença para invocar em abono da minha tese.
S. Exa. disse, quanto aos decretos-leis publicados durante os nove meses, que tinham os Deputados muito tempo ide os estudar, e portanto estarem habilitados a tomar conhecimento deles quando a revisão se fizesse na Assemblea Nacional. Eu respondo que, em tal caso, e por isso mesmo, basta à Assemblea Nacional a faculdade de revogar os decretos-leis.
S. Exa. não considerou ainda a razão por mim invocada de que, sendo restrito o período em que (trabalha esta Assemblea, a qual se tem pronunciado sobre propostas ido Governo e projectos dos Deputados, a revisão da legislação produzida em nove meses não poderia ser senão superficial.
Acrescentarei agora um argumento ide carácter histórico: <_ assembleas='assembleas' alguma='alguma' ditaduras='ditaduras' seriamente='seriamente' revisão='revisão' vez='vez' o='o' pelas='pelas' legislativasbr='legislativasbr' às='às' preceito='preceito' cumpriu-se='cumpriu-se' constitucional='constitucional' da='da' quanto='quanto'> Tenho dito.

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - O bill de indemnidade foi votado muitas vezes.

O Sr. Lopes da Fonseca: - Perdoem-me os Srs. Deputados que me antecederam que eu também comece pelo velho aforismo latino, mas perdoem-me que eu o modifique neste sentido: plurimae leges corruptissimae respublica.
É certo que a facilidade de legislar importa a maldade da República, mas isso tem de ser tomado em determinado sentido.
Em períodos de transformação isso não indica maldade, antes é absolutamente normal, e nós temos ouvido dizer e sentimos bem que a revolução continua.
Ainda estamos no período da necessidade de legislar. É urgente e preciso. Não indica isso uma corrupção da República, mas a necessidade de morigeração.
Eu venho, como o signatário da proposta em discussão, afirmar que há razão no que disse.
Ela diz :
Leu.
... e necessidade até de prática absoluta.
Vejam V. Ex.ªs que diz:
Leu.
Tanto no projecto do Sr. Manuel Fratel como na proposta do Governo e no parecer da Câmara Corporativa, reconhecida que seja a necessidade do caso, isso significa como que a urgência.
Ora o projecto, trazido imediatamente, vem imediatamente, os seus efeitos não foram nenhuns, mas o decreto vigorou nove meses.
Pergunto : então a ratificação é uma renovação porque o decreto pode estar inteiramente cumprido e pode não ser possível revogá-lo?
O que se vai fazer é por consequência uma cousa sem jeito, a não ser para trazer a desordem.
Por isso entendo que tem razão de ser aquele princípio, que tem forma de apressar a urgência e não complica nos seus efeitos a eficiência.

O Sr. Mário de Figueiredo: - As considerações de V. Ex.ª tinham todo o fundamento se a ratificação da Assemblea se retrotraísse; mas a decisão da Assemblea só produz efeitos para o futuro.

O Orador: - O que eu não posso compreender é que se volte atrás, revogando um decreto que já produziu efeitos.

O Sr. Henrique Cabrita: - Sr. Presidente: das soluções aqui apresentadas as duas únicas lógicas são ou a ratificação para todos os decretos ou a não ratificação para todos eles. E parece-me que a solução de não sujeitar a ratificação os decretos publicados nos casos de urgente necessidade pública é mais lógica e constitucional, porque o artigo 92.º da Constituição determine que as íeis votadas pela Assemblea devem substancialmente estabelecer as bases jurídicas.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª, hoje, está mais constitucional do que o próprio Governo.

O Orador: - Agora que esteja a discutir, artigo por artigo, número por número, alínea por alínea, parece-me que não está no espírito da Constituição, nem na índole desta Assemblea Nacional, que deve apenas aprovar as bases do regime jurídico a estabelecer.
Tenho dito.

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O Sr. Diniz da Fonseca:-Sr. Presidente: poucas palavras sobre o problema que neste momento está posto à Assemblea.
O Sr. Dr. Cunha Gonçalves propôs que entre os dois sistemas que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo considera mais lógicos, e que são, pelo menos, aqueles que resolvem o problema, mais facilmente - de ratificação de todos os decretos ou de não ratificação de nenhum decreto -, se pusesse um outro problema : necessidade de ratificação dos decretos quando o Governo os publica estando aberta a Assemblea Nacional e desnecessidade de ratificar os decretos quando o Governo os publica estando encerrada a Assemblea.
Não posso deixar de dizer que há na proposta do Sr. Dr. Cunha Gonçalves alguma cousa também de lógico, de natural e de muito aceitável. Pelo menos, reflectindo na proposta que S. Ex.ª mandou para a Mesa, não pude deixar de verificar esta razão, e por isso a votarei.
De facto, se os decretos são publicados pelo Governo por urgência e necessidade publicas, porque só nesta hipótese ele os poderá publicar à sombra da letra constitucional, é natural, é certo mesmo que eles terão, na maior parte dos casos, um efeito de carácter transitivo, e, por conseguinte, a ratificação ou não ratificação que a Assemblea lhes desse, nove meses depois, era uma pura inutilidade, que viria ainda complicar os trabalhos desta Assemblea, porque, devendo ser apresentados todos nas primeiras cinco sessões, podiam ser mais de duzentos os projectos de lei que a Assemblea tinha de conhecer e apreciar, muitos deles, senão todos, já sem proveito ou necessidade.
Mas partamos da hipótese de que esses decretos, sendo de urgência e necessidade públicas, não têm efeito transitivo. Se eles foram publicados pelo Governo, porque reconheceu que eram de necessidade pública, vejam V. Ex.ªs a situação em que colocamos as leis, cujo primeiro efeito, ou, por outra, cuja primeira necessidade, para que elas tenham o efeito que devem ter num País em que toda a gente supõe que as leis se fazem para não se cumprirem, é a coacção suficiente para o seu absoluto cumprimento. Esse efeito psicológico de uma lei sobre os cidadãos perde-se completamente no dia em que o País souber que o Governo publica as leis sómente com vigência até à próxima abertura da Assemblea ; e, assim, a urgência e necessidade públicas que o Governo tivera ao publicar essas leis ficam manifestamente prejudicadas.
Mas há mais - e esta é para mim a razão decisiva que me inclina para a proposta do Sr. Dr. Cunha Gonçalves: é que o texto constitucional, que era lógico na primitiva urdidura constitucional, perdeu hoje muito do seu valor.
Como V. Ex.ªs sabem, nós aprovámos já nesta Assemblea um texto de modificação da Constituição pelo qual o Governo pode - e poderemos dizer deve - ouvir a Câmara Corporativa quando publicar os seus decretos-leis. De maneira que nós estamos neste momento numa posição inteiramente diferente da que estávamos há poucos dias.
Não podemos dizer que o País não foi ouvido, não podemos já dizer, como quando, por exemplo, aqui apreciámos a proposta de ratificação dos decretos sobre os vinhos, que deviam ser ouvidos os técnicos, porque já o foram.
De maneira que, quando o Governo publica um decreto estando a Assemblea encerrada, ouve o País através dos técnicos competentes, a fim de estes lhe darem a sua opinião, tendo em conta os interesses fundamentais ...

O Sr. Antunes Guimarãis (interrompendo): - Em caso de urgência não há tempo para consultar a Câmara Corporativa. Há assuntos que não podem esperar nem um dia. Há diplomas que têm de ser imediatamente publicados.

O Orador: - Muito bem. Pois se não há tempo para consultar a Câmara Corporativa, que o Governo pode convocar imediatamente, dentro de vinte e quatro ou quarenta e oito horas, (g com o querem V. Ex.ªs que uma proposta dessas esteja em suspenso até que a Assemblea Nacional reabra?...

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - E que realmente V. Ex.ª está a raciocinar de uma maneira que não corresponde ao estado de facto, e, portanto, as conclusões que V. Ex.ª tira são lógicas; mas, como lógicas não quere dizer verdadeiras, o certo é que elas não são efectivamente verdadeiras.
A afirmação da necessidade de suspender a execução de um decreto pelo facto de ficar dependente da sua ratificação definitiva não corresponde à verdade, porque essa execução não está, com efeito, na dependência da ratificação.

O Orador: - V. Ex.ª é que está a argumentar desprezando o valor de um argumento que pus à consideração da Assemblea, qual é o valor psicológico que é indispensável atribuir à lei...
V. Ex.ªs têm atrás de si uma legislação publicada em Ditadura, que teve a sua eficácia e o seu valor precisamente porque não necessitou de ratificação.
E se daqui para o futuro todos os decretos que forem publicados necessitarem de ser ratificados, o País duvidará da sua eficácia e ido seu valor.

O Sr. Angelo César: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Sim, senhor.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ªs não podem interromper o orador. Desta forma não sei dirigir os trabalhos da Assemblea.

O Sr. Angelo César: - Peço perdão a V. Ex.ª, mas o orador deu-me licença para o interromper.
Lembro, pois, a S. Ex.ª que a mobilização de interesses só pode fazer-se através de interesses.

O Orador: - V. Ex.ª está enganado. E, se V. Ex.ªs procurassem nos bastidores da política deste País, V. Ex.ªs veriam o que eu tive ocasião de verificar durante sete anos.

O Sr. Carlos Borges (interrompendo): - Mas isso não se pode dar agora.

O Orador: - Eu acredito que todos os que estão nesta Assemblea são pessoas honestas e absolutamente incapazes de se deixaram subornar por interesses, mas nós estamos aqui ,a fazer um trabalho de Estatuto Constitucional, não só para nós como para quantos possam no futuro vir a sentar-se nestas cadeiras. E, apesar do respeito que eu tenho por todos os meus concidadãos ...

O Sr. Henrique Cabrita (interrompendo): - O Estado Novo é definitivo em Portugal (Muitos apoiados).

O Orador:- O Estado é onovo nas suas fórmulas e nas suas intenções, mas há ainda dentro dele muitas cousas que são velhas.
Tenho dito.

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O Sr. Albino Pinto dos Reis: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: subo a esta tribuna depois da sessão inaugural desta Câmara convencido de que submeti a paciência da Assemblea, nesse momento, a uma dura prova.
Muitos não apoiados.
Não tencionava, por isso, usar dela hoje; mas uma certa excitação que me provocaram as palavras do orador que me precedeu é que me determinou a isso.
O Deputado Sr. Diniz da Fonseca não tinha nem podia ter. porque é um espirito nobilíssimo, a intenção de ferir nenhuma das pessoas que se sentam nesta sala.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Orador: - E só por hipótese pode admitir-se a sua referência à mobilização de interesses.
Nuca as minhas paixões conseguiram alcançar um ponto tal que se sobrepusessem a um espírito de justiça; e é por isso que eu direi que, se no passado houve erros, também pode havê-los no presente e no futuro, e que muito boas intenções houve nos que nos precederam nesta Câmara, e que muito boas intenções há-de haver naqueles que se nos seguirem.
Ditas estas palavras, sempre abordarei o problema em discussão, que, aliás, suponho perfeitamente esclarecido.
Três as hipóteses a considerar: nenhuma ratificação, sempre a ratificação e ratificação apenas para os decreto, de urgência e necessidade pública, publicados pelo Governo durante o período de funcionamento desta Assemblea.
A hipótese que agora nos ocupa é a que se refere aos decreto; publicados pelo Governo, com carácter de urgência e necessidade pública, no período em que esta Câmara não funciona, isto é, durante nove meses. Eu, que tenho atrás de mim uma tradição que talvez me impusesse outra atitude, dentro daquela parte que já está votada, entendo que a Câmara se não deminue e mostra o senso das realidades votando a proposta que está em discussão. E porquê? Se esta Câmara já votou que o Governo pode legislar nos casos de urgência e necessidade pública; se o Governo é o senhor e o juiz dessa urgência e dessa necessidade pública; se esta Assemblea não tem maneira, como acentuou o Sr. Dr.º Mário de Figueiredo, de controlar essa urgência e essa necessidade pública, pergunto à Assemblea que motivo inibitório pode ter para não votar a dispensa de ratificação no interregno parlamentar. Pois a Assemblea não receou investir o Governo dessas atribuições e receia dispensá-lo de uma ratificação? Que valor terá essa ratificação?
Nada me custa dizer que as considerações do Sr. Dr. Mário de Figueiredo têm lógica.
Se há ratificação, quando o Governo legisla em caso de urgência e necessidade pública, durante o período em que a Assemblea funciona, deve também havê-la no intervalo da sessão parlamentar?
Mas admitamos que à, Câmara se dava o direito de controlar o decretos publicados pelo Governo com carácter de urgência. Admitamos que o sistema está a funcionar. Admita V. Ex.ª que na prática essa prerrogativa da Câmara teria algum efeito. Mas a história para alguma cousa nos há-de servir, e na verdade o que se passava antigamente era um de dois factos: ou nem sequer se aprovavam os decretos, ou se dava um 6/7? de indemnidade.
Ora, eu penso que é mais digno para esta Câmara não se sujeitar a uma mistificação.
Assim, pergunto, reflectindo sôbre as realidades, se estamos dispostos, em face da actividade legislativa exercida, a debater longamente em três curtos meses os
decretos publicados nos nove meses e negar um bill de indemnidade ao Governo.
Reputo mais nobre e mais digno dispensar a ratificação do que mais tarde a Câmara ter de desempenhar um papel que não corresponda a sinceridade.

O Sr. Presidente: - Tenho duas propostas sobre a Mesa. A proposta do Sr. Mário de Figueiredo é a mais antiga, e como esta se resume em aprovar o texto do artigo 31.º da proposta do Governo, eu ponho primeiro à votação a proposta de substituição a esse texto. Ora a proposta de substituição é a que foi apresentada pelo Sr. Cunha Gonçalves, que diz:
Leu.
Submetida à rotação, foi aprovada.
Foi prejudicada a proposta do Sr. Pinto de Mesquita.
Entra em discussão o § 5." do artigo 108.º

O Sr. Presidente: - A proposta do Sr. Dr. Manuel Fratel a respeito do § 5.º está prejudicada pelo que só votou a respeito do n.º 9.º do artigo 81.º; mas temos o artigo 32.º da. proposta do Governo no sentido da eliminação do § 5.º do artigo 108.º e uma proposta do Sr. Carneiro Pacheco, que diz:

Revestirão a forma de decreto a nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Procurador Geral da República, dos agentes diplomáticos e consulares e dos governadores coloniais.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 8 de Fevereiro de 1935. - A. Carneiro Pacheco.

O Sr. Carneiro Pacheco: - Julgo que em consequência das considerações do Sr. Manuel Fratel se podem fazer uns aditamentos, e que são:
Leu.
Submetida à votação, foi. aprovada a referida proposta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta do Sr. Vasco Borges, que se relaciona com o § único do artigo 112.º da Constituição.
A respeito desta proposta tenho sobre a Mesa uma proposta do Sr. Carneiro Pacheco, no sentido do § único do artigo 112.º, assim redigida:
Leu.

O Sr. Carneiro Pacheco: - Sr. Presidente: a minha proposta de substituição não deminue em nada a tam útil iniciativa que tomou o Sr. Dr. Vasco Borges, destinando-se unicamente a completá-la, porventura só a assegurar-lhe a maior amplitude. Realmente era indispensável dar-se entrada na Assemblea Nacional ao Presidente do Conselho, quando ele entendesse dever dar explicações a Assemblea ou quando estas aqui houvessem sido solicitadas, e, como se acentua no parecer da Câmara Corporativa, sem qualquer espécie de coacção moral, quando o Presidente do Conselho, por sua livre vontade, entendesse aqui vir para tais explicações. Mas com a redacção que tinha a sugestão do parecer da Câmara Corporativa, em substituição da redacção inicial proposta pelo Sr. Dr. Vasco Borges, podia ficar excluída a hipótese de não se tratar de simples explicações, mas de uma comunicação que o Presidente do Conselho entendesse trazer pessoalmente à Assemblea, ou da defesa de propostas aqui apresentadas pelo Governo, ou doutro acto de interesse nacional.
A palavra «explicações» não corresponderia, ao menos no sou sentido corrente, a alguns destes casos.

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A minha proposta, portanto, visa apenas a assegurar, sem restrições, ao Presidente do Conselho a faculdade que a proposta do Sr. Dr. Vasco Borges pretende atribuir-lhe.

O Sr. Vasco Borges:-Sr. Presidente: breves palavras, quiási só destinadas a formular a minha integral discordância, senão a minha estranheza, provocada por determinada passagem do parecer da Câmara Corporativa que incidiu .sobre o projecto de lei em discussão.
Já o ilustre Deputado Dr. Manuel Fratel hoje teve ocasião de declarar que não deixaria passar certa afirmação do parecer que recaiu sobre o seu projecto de lei sem o protesto de um membro da Assemblea Nacional. Sucede-me agora outro tanto. Não passará sem a minha formal estranheza o parecer da Câmara Corporativa relativo ao projecto em discussão onde ele diz:
Leu.
Sr. Presidente: esta afirmação é inexacta, tam inexacta que, sendo a República Portuguesa um regime corporativo, esta natureza é absolutamente incompatível com qualquer espécie de índole cesarista.
A todos os que me ouvem faço a justiça de que nenhum deixa ide pensar, como eu, que na Constituição de 1933 não há nada de cesarismo, mas tam sómente o alto pensamento de Portugal ter uma Constituição de índole e sentido nacionais.
Pôsto isto, só tenho ainda para, dizer que, como muito bem acentuou o parecer da Câmara Corporativa, o projecto em discussão não representa de modo algum qualquer evolução regressiva de carácter parlam entarista. Nele apenas há o objectivo de melhor se servir o interesse nacional, permitindo que o Presidente do Conselho, quando ele julgue conveniente, e só nestas condições, venha a esta Assemblea declarar o que entender, pára conhecimento do País e até do estrangeiro, sobre questões de excepcional importância ou gravidade. Com efeito, pode isso convir em qualquer momento ao interesse nacional; e nenhum local, como esta Assemblea, mais adequado e até constitucionalmente mais apropriado para o Presidente do Conselho falar à Nação.
Basta-me acrescentar que, por considerá-la mais perfeita em relação ao meu projecto, votarei a proposta e substituição do Sr. Dr. Carneiro Pacheco.

O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente: quando, pela primeira vez, usei da palavra nesta sala, debaixo ida presidência de V. Ex.ª, disse aqui que esta Assemblea tinha de ser económica nas palavras. E hoje acrescento: entendo que há absoluta necessidade dessa economia.
Prometi só subir a esta tribuna quando repute absolutamente necessário marcar determinada posição, adentro dos problemas em discussão.
É o caso desta hora.
Fui daqueles que tiveram uma grande satisfação em votara Constituição de 1933. Mais, Sr. Presidente: tive um grande prazer em fazer a sua propaganda, por meio de conferências e em sessões de carácter político.
E isto porque, acompanhando de perto a Constituição ide 1911, eu convenci-me de que a maior parte «dos males e desgraças que caíram sobre Portugal de 1911 a 1926 derivaram directamente da própria Constituição, que, sendo, como era, ferozmente individualista, não olhava para os interesses nacionais, mas apenas e tam sómente para os interesses dos organismos políticos e das clientelas.
Nessas sessões de propaganda em que intervim afirmei que a Constituição de 1933 vinha à experiência na maior parte das suas cláusulas, porquanto os homens do Estado Novo, os homens da Idea Nova, não eram intolerantes nas suas ideas e princípios, porque a única intolerância e intransigência que temos é a de querermos o bem da Nação.
Porém, entendo que, a meia dúzia de meses de estar em execução a Constituição de 1933, ainda não há necessidade de fazer-lhe alterações que modifiquem os seus fundamentos, que a modifiquem nas suas bases, porque ainda não há tempo suficiente para podermos verificar se a Constituição está ou não inteiramente de harmonia, com as nossas necessidades nacionais.
Por isso, Sr. Presidente, só tenho votado e só voto, nesta Assemblea, modificações à Constituição que «ao a alterem na sua estrutura e economia.
O projecto do Sr. Dr. Vasco Borges dá apenas faculdade, ao Presidente do Conselho de vir aqui quando ele entenda necessário, isto é, quando, em seu critério, ele julgue conveniente comparecer na Assemblea Nacional.
Se no projecto de S. Ex.ª se consignasse a obrigatoriedade de o Presidente do Conselho vir à Assemblea, eu não lhe daria o meu voto, porque isso ia contra, os princípios gerais da Constituição.
De resto, Sr. Presidente, também não votaria nem. voto nesta Assemblea projectos de lei que, segundo o meu critério, viessem ou venham estabelecer qualquer desharmonia entre a sociedade portuguesa, originando atritos ou abrindo quaisquer fendas nesta abóbada de si já um tanto rendida.
A nossa posição deve ser esta: contribuir, dentro de todas as nossas possibilidades, para conciliar os interesses dos portugueses em jogo.
Nestes termos, eu voto o projecto do Sr. Dr. Vasco Borges com a alteração que mandou para a Mesa o Sr. Dr. Carneiro Pacheco, porque entendo, repito, que esse projecto, bem como a referida alteração, não modificam, aia essênicia, os princípios constitucionais.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação.

Em primeiro lugar V. Ex.ªs votarão .a proposta do Sr. Dr. Carneiro Pacheco no sentido de o § único do antigo 112.º da Constituição ficar assim redigido (leu):

Proponho que ao artigo 112.º seja aditado u seguinte:

§ único. Tratando-se de assuntos que respeitem a altos interesses nacionais poderá o Presidente do Conselho comparecer na Assemblea Nacional para deles se ocupar.

Sala das Sessões da Assemblea. Nacional. 20 de Fevereiro de 1935. -A. Carneiro Pacheco.
Foi aprovada.

O Sr. Almeida Garrett: - Sr. Presidente: a hora está adiantada e não quero, por isso, prender largamente a atenção de V. Ex.ª, mas, francamente, eu não esperava que fosse hoje posta à discussão a alteração que eu tinha proposto para o artigo 126.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não propôs propriamente nenhuma alteração; manifestou-se no sentido de ser mantido o disposto por este artigo da Constituição.

O Orador: - Permita-me, todavia, V. Ex.ª duas palavras.
Devo dizer que, não sendo eu «orador», não tendo, portanto, a faculdade de improvisar, não me sinto às vontade para discutir e apreciar devidamente o parecer sobre este artigo 126.º, parecer que só recebi hoje. ao entrar nesta Assemblea.

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Noto em primeiro lugar que, tendo solicitado o (parecer da 2-3." secção da Câmara Corporativa, em lugar dele vem novamente ampliado o parecer da 18.ª secção, limitando-se ele unicamente a transcrever alguns retalhos do parecer da 23.ª secção.
Era impossível aqui na Câmara estudar esse parecer e analisá-lo devidamente.
Do que se trata, mantendo a redacção proposta pela Câmara Corporativa, é admitir, à sombra da Constituição, a introdução nas leis administrativas, nos simples decretos ou posturas que digam respeito às Câmaras Administrativas, tudo quanto se queira.
A Câmara Corporativa, primitivamente, dizia o seguinte:
Leu.
Ora, Sr. Presidente, não se impôs esta ou aquela organização, mas intervir nas deliberações camarárias é estabelecer uma peia absoluta, uma prisão completa, à acção administrativa.
Eu sei por experiência própria o que se ida. As diferentes repartições do Estado, por intermédio dos seus funcionários, intervêm constantemente na vida administrativa, e a tal ponto que posso apontar um exemplo singular que, neste momento, se passa na minha terra.
Existe uma obra subsidiada pelo Ministério das Obras Públicas, a abertura de unia mina que absorve em pessoal, diariamente, 18$. Pois por aquele Ministério foi imposto um fiscal que ganha diariamente 20$, quantia esta que fica exclusivamente a cargo da câmara municipal.
Eu quero lembrar à Assemblea que, para mim, a única doutrina que existe dentro do Estado Novo, porque não conheço outra, é a doutrina que nos seus diferentes discursos nos tem expendido o Sr. Presidente do Conselho, e lembro-me de ele ter dito que nós temos uma doutrina e que somos uma fôrça.
Eu conheço essa doutrina e não vejo que o Sr. Presidente do Conselho pretenda em nada afrouxar, diminuir ou inutilizar a acção dos municípios.
Disse mais: que somos uma força.
Eu entendo que essa força não é tam exagerada que a possamos afrouxar ou deminuir, e o que posso garantir à Assemblea é que, se se perder o elo entre o Governo e a as autarquias locais, que são os municípios, difícil será manter e propagandear a mística absolutamente indispensável para que o Estado e a sua doutrina sejam incutidos no espírito do povo.
Sendo assim, e como eu entendo, a razão da Câmara Corporativa vem, absolutamente, apoucar, inutilizar a acção das câmaras, fazendo com que entrassem para elas unicamente os menores valores e não, como convém, os melhores.
Eu entendo que se a Câmara aprovar a proposta de alteração da Câmara Corporativa arca com enorme responsabilidade e vai matar um organismo que .ainda pode e deve prestar os melhores serviços à Nação.

O Sr. Presidente: - Não obstante a afirmação feita pelo Sr. Deputado Almeida Garrett não tenho sobre a Mesa nenhuma proposta no sentido de ser adoptado o parecer da Câmara Corporativa.
Só está em discussão neste momento o texto do artigo 126.º da Constituição, tal como se acha proposto no artigo 33.º da proposta do Governo.

Pôsto à votação o artigo 33.º, foi aprovado.
Foi aprovado, seguidamente, sem discussão, o artigo 34.º da proposta do Governo que se refere ao artigo 131.º da Constituição.

O Sr. Presidente: - Na próxima sessão é amanhã, à hora regimental.

A ordem do dia é a discussão e votação tios decretos-leis n.ºs 24:976, 24:977, 24:978 e 24:979, convertido» em propostas de lei lios termos do § 3.º do artigo 108.º da Constituição.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.

Aditamento à sessão de 20 de Fevereiro

O trecho do parecer da Câmara Corporativa que o Sr. Deputado Carneiro Pacheco leu na sessão de 20 de Fevereiro (Diário das Sessões n.º 10, p. 326) foi o seguinte:

«Não se trata portanto de estabelecer um princípio geral aplicável a todos os preceitos constitucionais, mas sómente de evitar que a Assemblea Nacional possa impedir, por sua exclusiva vontade, uma reforma que toque na sua competência, para a restringir, ou nas regalias dos seus membros, para as deminuir».

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Texto aprovado pela Comissão de Última Redacção

Classificação das instituições de previdência social

Artigo 1.º São reconhecidas as instituições de previdência social incluídas em qualquer das categorias seguintes:

1.ª Instituições de previdência dos organismos corporativos ;
2.ª Caixas de reforma ou de previdência;
3.ª Associações de socorros mútuos;
4.ª Instituições de previdência dos servidores do Estado e dos corpos administrativos.

§ 1.º Pertencem à 1.ª categoria as instituições seguintes:
a) Caixas Sindicais de Previdência, criadas nos termos do artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional;
b) Caixas de Previdência das Casas do Povo;
c) Casas dos Pescadores.
§ 2.º Pertencem à 2.º categoria as instituições que, embora não abrangidas na alínea a) do parágrafo anterior, restrinjam a admissão aos indivíduos que exerçam determinada profissão, serviço especializado ou actividade diferenciada, ou ao pessoal de unia só empresa, e para cujas receitas concorram normalmente entidades distintas dos beneficiários.
§ 3.º Constituem a 3.a categoria as instituições de capital determinado, duração indefinida e número ilimitado de sócios cuja cotização assegure a concessão tios benefícios associativos, sem que na admissão dos sócios exista, em geral, qualquer restrição que diga respeito a profissão ou ao meio económico em que exercem a sua actividade.
§ 4.º Constituem a 4.a categoria as instituições privativas do funcionalismo público, civil ou militar, e demais pessoal ao serviço do Estado e dos corpos administrativos, criadas ao abrigo de diplomas especiais.
§ 5.º As instituições abrangidas na 3.ª e 4.ª categorias, nos termos dos parágrafos anteriores, continuam a reger-se pela respectiva legislação especial, sem prejuízo da sua gradual integração no plano de previdência social, que ao Estado incumbe estabelecer.

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22 DE FEVEREIRO DE 1935 355

Caixas Sindicais de Previdência

Art. 2.º Incumbe aos Grémios e Sindicatos Nacionais e respectivas Federações a iniciativa e organização das Caixas Sindicais de Previdência, por meio de acordos, ou por efeito dos contratos colectivos de trabalho.
Art. 3.º Compete ao Estado estabelecer ou sancionar a medida e a forma em que os patrões e trabalhadores nam-se a proteger o trabalhador contra os riscos dá Previdência ou a ter nelas comparticipação.
Art. 4.º As Caixas Sindicais de Previdência destinam-se a proteger o trabalhador contra os riscos da doença, da invalidez e do desemprego involuntário, e bem assim a garantir-lhe pensões de reforma.
§ 1.º Poderão ainda estas instituições adoptar outros fins acessórios de previdência quando devidamente autorizadas pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
§ 2.º A protecção contra o desemprego involuntário por intermédio das Caixas Sindicais só .poderá fazer-se nos termos determinados em diploma especial.
Art. 5.º As Caixas Sindicais de Previdência têm personalidade jurídica depois de aprovados por alvará os seus estatutos.
Art. 6.º As Caixas Sindicais de Previdência terão, além da reserva matemática, dois fundos especiais:
a) Fundo de reserva, destinado a garantir a instituição contra qualquer eventualidade;
b) Fundo de assistência, destinado a permitir a prestação de socorros extraordinários.
§ 1.º O fundo de reserva será anualmente reforçado, até 30 de Abril, com 25 por cento, ao menos, dos saldos da Caixa, depois de constituída a reserva matemática.
§ 2.º O fundo de assistência será constituído por:
1.º Rendimentos do fundo de reserva;
2.º Donativos ou subvenções destinadas a esse fundo;
3.º Receitas independentes das contribuições ordinárias da Caixa que a direcção atribua ao mesmo fundo.
Art. 7.º Os valores da reserva matemática e do fundo de reserva, só poderão estar representados em:
a) Moeda;
b) Títulos do Estado ou por ele garantidos;
c) Imóveis, para instalação ou rendimento, nos termos da parte aplicável do decreto-lei n.º 19:093, de 4 de Dezembro de 1930;
d) Construção de casas económicas em comparticipação com o Estado, de harmonia com o disposto no artigo 1.º do decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933.
§ único. Os valores a que for dado o emprego indicado nas alíneas c) e d) não poderão exceder 50 por cento da totalidade da reserva matemática e do fundo de reserva.
Art. 8.º O balanço anual das Caixas Sindicais de Previdência será referido a 31 de Dezembro.
Art. 9.º A gerência das Caixas Sindicais de Previdência será Confiada a uma direcção presidida por um delegado das entidades patronais e os restantes elementos representarão, em número igual, os Grémios e Sindicatos Nacionais interessados.
§ 1.º A designação dos representantes, efectivos ou substitutos, dos organismos corporativos para a direcção das Caixas Sindicais de Previdência compete aos Grémios e Sindicatos Nacionais ou respectivas Federações, mediante acordo em separado.
§ 2.º As direcções das Caixas de Previdência ficam sujeitas à sanção prevista no § 5.º do artigo -15.º do decreto-lei n.º 23:050, de 23 de Setembro de 1933, e as pessoas que as componham são civil e criminalmente responsáveis pelas faltas ou irregularidades cometidas no exercício das suas funções, excedam ou não os limites da sua competência.

Caixas de Reforma ou de Previdência

Art. 10.º As Caixas de Reforma ou de Previdência destinam-se a proteger os beneficiários contra os riscos da doença e invalidez e a garantir-lhes pensões de reforma.
Art. 11.º E aplicável a estas Caixas o disposto no § 1.º do artigo 4.º e nos artigos 5.º, 6.º, 7.º e 8.º e § 2.º do artigo 9.º, podendo, porém, ser dispensada a constituição de fundo de assistência.
Art. 12.º A gerência das Caixas de Reforma ou de Previdência será confiada a uma direcção constituída, ao menos, por presidente, secretário e tesoureiro.
§ 1.º Quando se trate de unia Caixa de Reforma ou de Previdência privativa do pessoal de uma empresa ou grupo de empresas, o presidente da direcção da Caixa será sempre o representante das entidades patronais, e cios restantes membros da direcção, dois, pelo menos, representarão os beneficiários.
§ 2.º Quando existam um ou mais Sindicatos Nacionais formados pelo pessoal inscrito na Caixa, à direcção ou às direcções dos mesmos incumbe designar os representantes dos trabalhadores.
§ 3.º Nas Caixas de Reforma ou de Previdência em cuja organização não intervenham ou não tenham intervindo entidades patronais contribuintes, será a direcção designada pelos beneficiários.
Art. 13.º Nas Caixas de Reforma ou de Previdência, respeitantes a classes representativas de interesses espirituais ou morais, poderão os respectivos superiores hierárquicos praticar todos os actos atribuídos às entidades patronais.

Disposições comuns e transitórias

Art. 14.º As instituições de previdência criadas ao abrigo desta lei ou as já existentes e classificadas na 1.ª, 2.ª ou 3.ª categoria, a que se refere o artigo 1.º, ficam subordinadas ao Sub-Secretariado do Estado das Corporações e Previdência Social e sujeitas à fiscalização do I. N. T. P., recebendo destes as instruções convenientes ao seu aperfeiçoamento e consolidação.
§ único. As instituições referidas neste artigo são obrigadas a fornecer ao I. N. T. P. os elementos estatísticos ou informações por ele requisitadas.
Art. 15.º As instituições compreendidas na 1.ª e 2.º categorias gozam das seguintes isenções:
a) Da contribuição industrial e do imposto sobre aplicação de capitais, secção B;
b) Do imposto do selo nos seus livros de escrituração, aios recibos de jóias e cotas dos sócios e nos que estes passarem por quaisquer quantias recebidas no uso dos seus direitos;
c) Do imposto de sucessões e doações sobre mobiliários e imobiliários, e da sisa pela aquisição de prédios, com autorização do I. N. T. P., para instalação da sede e serviços de utilidade social, bem como da contribuição predial devida pelos mesmos prédios.
§ único. Exceptua-se do disposto na alínea c) o imposto de Sucessões e doações, pago por avença, nos termos do artigo 2.º do decreto-lei n.º 19:045, de 15 de Novembro de 1930, salvo quanto aos títulos averbados ao fundo de assistência.
Art. 16.º As instituições indicadas no artigo anterior gozam das regalias seguintes:
a) Promover, mediante autorização do I. N. T. P., em instituição oficial ou sociedades particulares legal-

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mente constituídas a realização de seguros individuais ou colectivos em caso de vida, morte ou acidentes de trabalho, pensões de invalidez ou de sobrevivência;
b) Despedir no fim do arrendamento, quando instaladas em edifício próprio, qualquer dos seus inquilinos, se carecerem da parte por eles ocupada para as suas instalações.
Art. 17.º As pensões ou subsídios devidos aos sócios, seus herdeiros ou legatários item o carácter de pensões alimentícias.
§ único. As pensões ou subsídios não podem ser cedidos a terceiros nem penhorados, mas prescrevem a favor das respectivas instituições no prazo de um ano, a contar do vencimento ou do último dia do prazo de pagamento, se o houver.
Art. 18.º Poderá ser ordenada ou permitida a mudança de categoria de qualquer instituição de previdência, ou ainda a sua união ou federação com outras, quando por inquérito realizado pelo I. N. T. P. se verifiquem vantagens de ordem económica e social.
Art. 19.º Em caso de dissolução ou liquidação de qualquer instituição de previdência social, exceptuadas as das Casas do Povo ou as Casas de Pescadores, serão os seus haveres, pagas as dívidas ou consignada a quantia necessária para esse fim, divididos entre os beneficiários na proporção da respectiva reserva matemática.
Art. 20.º Será fixado um limite máximo às pensões e subsídios concedidos pelas instituições de previdência pertencentes à 1.ª, 2.ª e 3.ª categorias.
Art. 21.º As Caixas de Reforma ou de Previdência que hajam estabelecido pensões de sobrevivência, devidamente asseguradas, poderão continuar a concedê-las.
Art. 22.º Nas Caixas de Reforma ou de Previdência do pessoal das empresas concessionárias de serviços públicos que não tenham devidamente constituída a reserva matemática e o fundo de reserva, e emquanto os não tiverem, a integralização das pensões de reforma e de previdência constituo encargo inerente à exploração desses serviços.
§ único. As Caixas de Reforma dos Caminhos de Ferro do Estado serão reguladas por diploma especial.
Art. 23.º O Governo publicará os regulamentos necessários para a boa execução da presente lei, e em relação a dada uma das categorias.
Sala das Sessões da Comissão de Ultima Redacção, Fevereiro de 1935. - António Faria Carneiro Pacheco - Luiz da Cunha Gonçalves - Mário de Figueiredo- Joaquim, Diniz da Fonseca - José Pereira dos Santos Cabral.

CAMARA CORPORATIVA

CONVOCAÇÕES

Por ordem do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Corporativa são convocadas para o próximo dia 25 as seguintes secções:

17.ª, às 17 horas
16.ª, às 15 horas
17.ª, às 15 horas
18.ª, às 15 horas
23.ª, às 15 horas
24.ª, às 15 horas
12.ª, às 15 horas
19.ª, às 16 horas
16.ª, às 16 horas
20.ª, às 16 horas
E para o dia 26, às 15 horas, a secção 1.ª

Direcção Geral da Assemblea Nacional, 21 de Fevereiro de 1935. - O Director Geral, F. Alves Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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