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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 64

ANO DE 1936 15 DE JANEIRO

SESSÃO N.º 60 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 14 de Janeiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmo. Srs. Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com algumas rectificações, o Diário das Sessões. Leu-se o expediente. O Sr. Deputado Schiappa de Azevedo enviou para a Mesa um requerimento.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Carlos Borges realizou o seu aviso prévio e o Sr. Presidente leu uma informação que, sôbre o assunto, recebeu da Junta Autónoma de Estradas.

Entrou em discussão o projecto de lei n.º 61, tendo sôbre êle usado da palavra os Srs. Deputados Cancela de Abreu, Cândido Duarte, Moreira de Almeida, Cortês Lobão, Antunes Guimarâis e José Luís Supico.

A sessão foi encerrada às 18 Horas e 10 minutos.

Srs. Deputados presentes à sessão, 62.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão 9.
Srs. Deputados, que faltaram à sessão, 10.

Srs. Deputados que compareceram à sessão:

Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Faria Carneiro Pacheco.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
Cândido Pedro da Silva Duarte.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Garcia Pulido.
D. Domitila Honnizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Quedes.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Mesquita de Castro Cabrita.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim dos Prazeres Lança.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
José António Marques.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Ortins Bettencourt.
Manuel Pestana dos Reis.
Manuel Rebêlo de Andrade.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.

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Miguel Costa Braga.
Paulino António Pereira Montês.
Pedro Augusto Pinto cia Fonseca Botelho Neves.
Pedro Teotónio Pereira.
Querubim do Yale Guiinarâis.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Alberto Bressane Leite Perry de Sousa Gomes.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Leal Lobo da Costa.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco José Vieira Machado.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
D. Maria Gândida Parreira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Alberto Cruz.
Ângelo César Machado.
António Pedro Pinto Mesquita Carvalho Magalhãis.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
João Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
Juvenal Henriques de Araújo.
Manuel Fratel.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Procedeu-se à chamada. Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 62 Srs. Deputados. Faltam 19. Há, por conseguinte, número para a sessão funcionar.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja apresentar qualquer rectificação ao Diário das Sessões, podo fazê-lo.

O Sr. Rebelo de Andrade:-Sou um pouco avêsso a rectificações, mas é que no meu discurso do ontem há lapsos graves, porque silo lapsos do substancia o não do palavras. Assim, por exemplo, na p. 229, coluna esquerda, onde está «em Barbacena eu disse... deve ler-se «em Barbacena, o Sr. Presidente do Conselho salientou ....

Não fui eu quem o disse. Foi o Sr. Presidente do Conselho que salientou esta verdade. É uma cousa diferente.

E no final, na, coluna direita, onde se lê a couveniência de às Casas do Povo constituídas serem atribuídas estas funções» deve ler-se a conveniência do as Casas do Povo constituídas serem chamadas a cooperar com as comissões da C. A. P. L.

Quem ler êste período fica com a impressão de que eu lembrava que a C. A. P. I. fôsse substituída pelas Casas do Povo. Ora eu disso que as Casas do Povo poderiam ser chamadas a cooperar com as comissões da C. A. P. I.

O Sr. Saudade e Silva: - Como não estive presente na sessão de ontem, pedi a palavra para dizer a V. Ex.ª que, se estivesse presente a essa sessão, eu não teria aprovado o Diário das Sessões anterior, porque no meu discurso as «gralhas» são tam numerosas que eu não posso realmente indicá-las e vejo-me forçado a dizer que não perfilho o relato dêsse Diário.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª sabe que o Diário está aprovado com as rectificações feitas, mas eu tomo em consideração as palavras de V. Ex.ª

A Sr.ª D. Domitila de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa as seguintes rectificações ao Diário:

A p. 224, col. 2.ª, lia. 52.ª: suprimir a palavra «ainda».

A p. 225, col. l.ª, lin. 30.: suprimir a palavra «porque»; na mesma página, col. 2.ª lin. 20.ª: «há» o não «haveria».

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém pede a palavra sôbre o Diário, considera-se aprovado. Vai ler-se o

Expediente

Foi lida uma representação da Associação doa Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, referente ao decreto-lei n.º 20:151.

A restante correspondência será publicada no próximo número do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Comunico a V. Ex.ªs que fui procurado pelo brigadeiro Sr. Silveira e Castro. S. Ex.ª veio a esta casa agradecer-me o à Assemblea as palavras que aqui foram proferidas a respeito da aviação portuguesa, a propósito da chegada dos aviadores a Loanda. Dou, portanto, conhecimento à Assemblea dêste facto.

O Sr. Schiappa de Azevedo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte requerimento :

Leu.

Este requerimento será publicado no próximo número do Diário das Sessões.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à

Ordem do dia

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Borges para realizar o sou aviso prévio.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : não é meu propósito abusar da atenção de V. Exª. e da da Assemblea para me ocupar do um assunto que é mais de interêsse regional do que de interêsse geral.

Devo dizer em primeiro lugar, Sr. Presidente, que, ao subir a esta tribuna, não tenho a pretensão de incomodar o Sr. Ministro das Obras Públicas, a cuja acção de estadista tenho de render a homenagem de justiça que lhe é devida, porque tem sido, quanto a mim, um dos mais activos e mais dedicados pioneiros da obra de renovação material que o Estado Novo iniciou, e, portanto, um auxiliar da renovação material operada no Pais pela energia, inteligência o sacrifício do Sr. Presidente do Conselho.

Também não vou atacar, incomodar ou ferir as susceptibilidades da Junta Autónoma de Estradas, presidida pela veneranda figura do general Sr. Teófilo da Trindade, porque eu ainda sou do tempo em que não se andava em Portugal senão a pé o com muita dificuldade, e por isso sei avaliar o esfôrço despendido por essa organização, que conseguiu reconstruir a maior parte das estradas portuguesas, que não existiam senão no mapa com a característica de «intransitáveis».

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Também não vou dizer mal dos técnicos, dos engenheiros, em primeiro lugar porque não tenho mal nenhum a dizer, e em segundo lugar porque não quero incorrer no desagrado intelectual e moral de pessoas como são os Srs. engenheiros Pinto da Mota, Nobre Guedes e Cancela de Abreu; ou, melhor, não vão S. Exas. imaginar que eu vou por qualquer maneira ser-lhes desagradável. Podem guardar as suas armas, porque comigo não têm do bater-se, pois não haverá necessidade de empregar nenhuma espécie de represália.

Também não foi meu propósito, ao mandar o aviso prévio sôbre a ponte de Santarém, fazer qualquer espécie de especulação política.

É contra o meu feitio, é contra a orientação do Estado Novo, é contra a índole desta Assemblea.

Nem qualquer espécie de especulação política, nem qualquer espécie de exibicionismo pessoal.

Venho tratar pura e simplesmente de uma questão que interessa a uma região importantíssima do País, ao Ribatejo, à cidade de Santarém e às vilas que são tributárias de Santarém.

Faço-o por obrigação. Não sou ribatejano, não nasci naquela região; não pode, portanto, dizer-se que procedo em virtude de impressões impulsionadas por um bairrismo excessivo e, quando muito, tenho a obrigação de tomar esta atitude porque, vivendo no Ribatejo há muitos anos, sempre lá fui mais acarinhado e estimado do que merecia por mim e pelos meus escassos merecimentos, se é que merecimentos se lhes pode chamar. (Não apoiados).

A verdade, Sr. Presidente, é que a cidade de Santarém, que é talvez o maior centro agrícola do País, está ligada com a margem sul do Tejo pela ponte que comunica com Almeirim, Alpiarça, Coruche, Benavente e Salvaterra, isto é, com os concelhos que representam uma grande parte da produção vinícola de todo o País e que, além disso, têm uma riqueza enorme de produção cerealífera, de cortiça e um movimento intenso nas suas vias do comunicação.

Há no distrito de Santarém três pontes sôbre o Tejo: a ponte de Santarém a Almeirim, a ponte da Chamusca o a de Abrantes.

Das três, a mais importante, pelas regiões que serve, pelo trânsito e pelas condições económicas a que tem de obedecer, é a ponte de Santarém a Almeirim.

Contudo, a ponte de Santarém é de todas a pior.

Êste meu aviso prévio, Sr. Presidente, foi trazido aqui no dia imediato àquele em que tinha ocorrido mais um desastre na ponte de Santarém o em que tinha havido perda de vidas.

Não eram, Sr. Presidente, pessoas que andassem a gozar o panorama, a fazer turismo, a matar os seus ócios ou a procurar uma cura para a sua neurastenia. Não eram, emfim, pessoas ricas, cuja perda seria profundamente lamentável, mas, até certo ponto, remediável.

Quem morreu pertencia a essa classe de pessoas que nem todos os dias resolvem fàcilmente o problema do pão que hão-de comer no dia seguinte, e cuja perda é profundamente trágica, pois representa o desamparo duma mulher e a falta de subsistência, auxílio e protecção a filhos pequeninos.

A perda, como V. Ex.ª vê, é muito grave e é dêste género do perda de vidas que eu tenho do queixar-me perante V. Ex.ª, para que possa ser escutado pelas estações competentes.

É que na ponte de Santarém, de desastres de viação causados pela própria deficiência de construção da ponte, morrem frequentemente trabalhadores, morre gente pobre, que, além de fazer muita falta às suas famílias, não tem, não dispõe das facilidades com que noutras classes de fortuna remediada costuma suprir-se a falta do chefe de família.

Como vinha dizendo, há três pontes no distrito de Santarém, e há duas, que são as únicas do País (ou haverá ainda uma outra, não tenho a certeza), que estão sujeitas ao regime de portagem.

Na ponte de Santarém corre-se o risco de morrer, mas tem-se, ao mesmo tempo, o desgosto do pagar ...

Paga-se para morrer ...

Eu não vou, é claro, censurar o regime que criou êsse sistema de construção de pontos, em virtude do qual todas as pessoas que tivessem de transitar por elas haviam de desembolsar uma quantia.

Era um sistema económico, como qualquer outro, que deu resultados detestáveis-porque com a ponte de Santarém dá-se este fenómeno estranho: de quatro em quatro anos o empreiteiro recebe aquilo que deve ter gasto na sua construção. Porque a ponte de Santarém devo render anualmente mais de 150.000$ e o Estado recebe, com a sua fiscalização deficiente, uns 50.000$.

Contudo, esta ponte, meus senhores, é de tal qualidade, de tal maneira construída, que quem tiver a infelicidade de sofrer o mais ligeiro choque do veículo em que fôr transportado corre o risco de ser despenhado no Tejo, do uma altura de 15 ou 18 metros.

A ponte da Chamusca - peço desculpa aos técnicos do não empregar os termos próprios, que não conheço é construída com um tubo metálico em cuja base se faz o transito.

O trânsito faz-se por dentro dêsse tubo, que está completamente resguardado com vigamentos de ferro em cruz.

Não há possibilidade de cair daquela ponto; Não há possibilidade nenhuma de que um veículo, ou uma pessoa, ou um animal, se despenho do leito da ponte.

É um tubo fechado.

A ponte do Abrantes e a de Santarém são precisamente o contrário. O tubo assenta nos pilões e o trânsito faz-se pela sua base superior, e a base superior é res-guardada por uma... chamam-lhe guarda, porque, emfim, é uma maneira de lhe chamar alguma cousa.

É defendida por umas guardas que não têm um metro de altura e que são feitas de ferro fundido. È claro que uma guarda com um metro de altura, feita de ferro fundido e com a grossura de um dedo polegar, tem esta qualidade: sofrendo um pequeno choque, parte-se. E assim se explica que sucedam desastres como o que vou descrever: há dois ou três anos, quando um desgraçado trabalhador rural, que acompanhara o patrão à estação do caminho do ferro, voltava para Alpiarça, a juntar-se a sua família, cansado da labuta de todo um dia, guiando um cavalo que puxava uma charrette de madeira, que é um veículo leve aconteceu que, no meio da ponte, o cavalo, assustado pela tempestade, se espantou, e a charrette partiu as guardas da ponte, apesar de serem de ferro, e tudo veio cair sobre um areal. O pobre homem esteve a agonizar umas poucas de horas e só ao romper da manhã o foram buscar. Estava morto; tinha tido uma lenta, dolorosa e terrível agonia de muitas horas, sem que ninguém lhe tivesse acudido.

Creio que isto bastaria para dizer a V. Ex.ªs o que representa o perigo da ponte de Santarém. É que uma frágil charrette de madeira bastou para partir as guardas do ferro e, portanto, ocasionar êste desastre.

Infelizmente, outros desastres ali se têm dado.

Intervim, há muito pouco tempo, num debato judicial relativo a um sinistro ocorrido nesta ponte: um automóvel roçou por uma camioneta. Era uma camioneta Ford. barata, já velha, de um homem que mourejava, de dia o de noite, em negócio do insignificante importância, Houve um ligeiro contacto dos veículos, a camioneta desviou um pouco a sua direcção, encostou-se às grades da ponte, estas cederam e a camioneta caiu ao Tejo. Só o condutor

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morreu - porque não havia mais ninguém dentro do veículo.

Houve uma questão, não se remediou a morte do homem, mas aquele a quem se atribuiu a culpa do desastre - embora nunca se apurasse -, isto é, o dono do veículo, teve de pagar uma pesada indemnização, e resultou deste desastre a morte de um homem e a liquidação dos pequenos haveres de um outro, que teve de desfazer-se de tudo quanto tinha para pagar a indemnização.

Um outro desastre, por exemplo, foi o de uma camioneta que levava dezóito trabalhadores rurais o caiu, pela mesma razão - um pequeno desarranjo. As guardas não resistiram, mais uma vez, o tudo aquilo se despenhou.

Tiveram a sorte de o veículo bater na pedra dum dos pegões e, com o contra-choque, expulsar todos os que iam nêle. Houve ferimentos graves, mas - caso curioso! - dessas dezóito pessoas não morreu nenhuma.

Aqui têm o motivo, parece-me que suficientemente grave, que me obrigou, como Deputado, como habitante da região de Santarém, como pessoa que não pode deixar de interessar-se pela vida daquelas regiões, a fazer estas referências.

Uma ponte que tem um leito de rolagem em que mal cabem dois veículos, que tem uma guarda da altura de um metro, que um cavalo espantado galga, vindo cair no Tejo, em que há um passeio que tem 80 centímetros de largura e tem acima do leito de rolagem 10 centímetros, é positivamente uma ponte que está, não direi condenada, mas pedindo instantemente uma defesa qualquer.

Sr. Presidente: eu não pretendo que o Estado vá gastar milhares de contos para obviar a êste mal, a êste risco que corre quem transita na ponte de Santarém.

Lembro, contudo, que a ponte de Santarém é hoje uma das estradas mais importantes do sistema da circulação económica do País.

Lembro a V. Ex.ª e lembro, por intermédio da Câmara, ao Sr. Ministro das Obras Públicas que a importância desta ponto vai ser consideravelmente aumentada com o trânsito da fronteira de Badajoz, com o trânsito de grande parte do Alentejo, quando estiver construída a estrada que há-de ligar Muge a Coruche.

No dia em que se fizer esta ligação, que aliás está há muito indicada, todo o distrito de Évora, toda a parte sul da Espanha, deixam de vir a Cacilhas tomar o ferry-boat para virem por Santarém, por uma estrada fácil, boa, bem tratada, que lhes garanta a chegada a horas a Lisboa.

Esta ligação vai dar à ponte uma importância extraordinária, vai intensificar de maneira excepcional o trânsito sobre ela.

Se nela, servindo agora apenas três ou quatro concelhos, aliás muitíssimo importantes, se dão tam frequentes desastres, imagine-se o que sucederá quando o trânsito for muitíssimo maior, com carros, automóveis ligeiros, carros de turismo. Qualquer descuido do condutor, de que resulte desvio de direcção, será bastante para destruir mais uma vez aquelas guardas e arremessar para o leito do Tejo as pessoas, que, pelo menos, ficarão com os ossos quebrados.

Nestas condições, Sr. Presidente, parece-me que não é pedir muito que se lhe façam obras, e agora permitam-me os Srs. Deputados que eu entre nos domínios da técnica.

Eu tenho visto subir a esta tribuna tantos ilustres engenheiros, tantos ilustres militares, tantos ilustres professores, para discutirem proficientemente questões de direito, e dar-nos a nós, profissionais do fôro, lições de ciência jurídica, que eu quero também permitir-me um pouco, como desforra, a ousadia de invadir os domínios da técnica e dizer o que penso a respeito das obras urgentes e inadiáveis da ponte de Santarém.

Era Portugal todos somos um pouco médicos, um pouco advogados e um pouco engenheiros. (Apoiados). Não há

ninguém que não tenha delineado um plano para uma obra, um muro, uma casa, etc., assim como não há ninguém que não tenha uma receita para um amigo que lhe apareça com um catarro ou uma dor de cabeça. (Risos).

Permitam-me os ilustres engenheiros que me estão escutando, pelo menos com agrado, que muito reconhecidamente registo, que eu, metendo a foice do atrevimento na seara alheia da sua competência, diga o que penso a respeito da reparação da ponte de Santarém.

Eu não posso pedir que o Estado, que a Junta Autónoma de Estradas, que tem tanto que fazer neste País, onde já fez uma obra que só por si bastava para justificar o 28 de Maio ...

Vozes: - Muito bem, muito bom!

O Orador: - ... Eu não quero que aquela Junta, à qual tenho muito prazer de aqui publicamente significar o meu aplauso por tudo quanto tem feito, pela maneira inteligente como se tem conduzido, não quero que essa Junta, repito, faça o sacrifício do uns milhares de contos.

Tenho muito respeito pelos contratos.

Entendo que um contrato, assumindo obrigação, deve cumprir-se integralmente, mas não tenho nem a idolatria nem o fetichismo dos contratos.

Entendo que é anacrónico pagar portagem numa ponte. Entendo que não é do nosso tempo que, ao passo que numa ponte que custou muitas centenas de contos ao Pais se transite livremente, noutras seja preciso esportular uma quantia, que para nós não é surpresa, mas que para os estrangeiros pode causar uma sensação desagradável.

Parece-me que o primeiro acto do Govêrno seria, não suprimir, porque não pode, porque não deve, as consequências do contrato que fez com a empresa da ponte de Santarém, mas talvez abolir a portagem, mediante uma indemnização.

Isto é, o Estado pode expropriar, porque a emprêsa construtora já de há muito traspassou os seus direitos.

Mas o Estado não quere fazer êsse sacrifício e essa despesa?

Muito bem.

Continuarão as pessoas de Santarém, de Almeirim, de Alpiarça a pagar $80 por cada automóvel, 2$50 por cada camioneta, a pagar uma quantia relativamente importante cada vez que têm de passar na ponte de Santarém.

Mas ao menos suprima-se o perigo de essas pessoas serem vítimas de desastres constantes e morrerem.

Parece-me que seria muito fácil suprimir os passeios laterais, que têm apenas 80 centímetros de largura, e fazer um leito de rolagem da ponte, constituído pelo actual, conjuntamente com a largura dos passeios.

Fazer guardas suficientemente resistentes para não se quebrarem ao embate de qualquer veículo e por fora dessas guardas, em étagères, umas suspensões, que não devem ser muito dispendiosas, e que não demandarão uma congeminação grande de técnica, por onde passariam a transitar as pessoas que por lá tenham de fazer caminho.

Todas estas obras importariam em 300 ou 400 contos. É a participação do imposto de percentagem nessa ponte de quatro ou cinco anos que o Estado deixa de receber.

Sr. Presidente: é esta a maneira simples que eu, leigo, aliás muito atrevido, ouso propor aos poderes competentes da técnica para acabar com uma situação que não é de admitir em nenhum país e principalmente em Portugal, que tem a pretensão de fomentar o turismo.

Era isto, Sr. Presidente, que eu entendi do meu dever dizer à Assemblea Nacional para ser conhecido do Sr. Ministro das Obras Públicas e da Junta Autónoma de Estradas, a quem não regateio louvores.

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É preciso, emfim, que a ponte de Santarém sôbre o Tejo deixe de ser aquilo que tem sido até aqui - um lugar sinistro, onde a morte espreita quem por êle passa.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vou ler à, Assemblea a informação oficial que me foi fornecida a respeito do assunto que está em debate.

Essa informação é a seguinte:

O atravessamento do Tejo em Santarém pela E. N.º 16-1.ª é feito por uma ponte metálica, de 608 metros do comprimento, com um pavimento de madeira, constituindo a faixa de rolagem, de 4m,40 de largura, e dois passeios de Om,80 de largura, formando um ressalto sôbre a faixa de rolagem com Om,10 de altura. A ponte é seguida de um viaduto, também metálico, com a extensão de 570 metros e o pavimento em betom coberto com um tapete betuminoso. O perfil transversal dêste viaduto é igual ao da ponte.

A ponte foi construída em 1878 e está sendo explorada em regime de concessão, que termina em 1953, pela emprêsa que a construíu.

O viaduto está a cargo da Direcção de Estradas do Santarém.

Tanto a ponte como o viaduto tem guardas de ferro de pequena resistência. Em virtude da reduzida largura da faixa de rolagem, tem acontecido, mais de uma vez, uma viatura saltar o passeio, derrubar a guarda e cair ao rio.

Como não é possível dar à guarda uma resistência suficiente para aguentar estes embates, o meio de evitar os desastres, com pequena despesa, será elevar a altura do degrau do passeío.

Embora esta ponte não constitua perigo imediato sob o ponto de vista de resistência, ela não satisfaz às condições exigidas pelos regulamentos actualmente em vigor, pelo que terá de ser reforçada e alargada, como se tem feito noutras pontes, nomeadamente na de Portimão, construída na mesma época, do mesmo tipo e pelo mesmo construtor, o que é uma obra muito dispendiosa - cerca de 6:000 contos - o que só pode ser feita depois de finda ou remida a concessão.

Junta Autónoma de Estradas, 26 de Março de 1935. - O Presidente, Teófilo da Trindade.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: apenas dois minutos levarei.

Não se impacientem, pois, V. Ex.ªs

A Junta Autónoma de Estradas pensa remediar o inconveniente duma forma que me não parece possível.

Eu não sou engenheiro, mas parece-me que a melhor forma seria elevar um pouco o passeio - uns 20 centímetros -, pois que, desde que um carro vá com pouca velocidade, não é fácil galgar para cima dêle.

Parece-me, portanto, que o alvitre da Junta Autónoma de Estradas não é inteiramente bom, e espero que, depois do aviso prévio que acabo de fazer, esse organismo estude o problema e mande examinar a ponte por técnicos seus.

Estarmos alguns anos à espera que se faça uma obra eficiente para evitar desastres, não! Então é melhor pôr à entrada da ponte uma cruz preta com estes dizeres: «Aqui tem morrido muita gente», e as pessoas prudentes voltarão para trás.

Pretender com o levantamento do passeio remediar o mal, que já consiste na estreiteza do leito, não significa absolutamente nada.

As guardas da ponte continuam a ser um pedestal. Ora isto não pode continuar.

Confio, pois, em que a Junta Autónoma de Estradas não deixará de estudar o problema, que é importante e grave, porque não há riqueza que valha a vida dum homem.

Se assim não fôr, e se não se remediar o mal, então terá, como já disse, de se colocar uma cruz preta à entrada da ponte, ou terão as companhias de seguros de pôr um guichet à entrada, para segurar a vida dos que se aventurem a atravessar essa ponte.

Em nome dos interêsses regionais, que são uma parcela dos interêsses nacionais, e que eu tenho a obrigação de zelar e defender, aqui dentro como Deputado e lá fora como cidadão, eu sustento que devem adoptar-se outras medidas mais eficazes para evitar a repetição dos desastres mortais que têm dado à ponte de Santarém uma reputação verdadeiramente sinistra.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão do projecto de lei n.º 61, da autoria do Sr. Deputado Nobre Guedes, sôbre colocação dos diplomados pelas escolas de ensino técnico.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cancela de Abreu.

O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: como de costume, não virei ocupar por muitos minutos está tribuna. As dissertações prolongadas e prolixas, mesmo que estivessem na minha competência, não estariam na minha maneira de ser.

De resto, em qualquer caso, eu suponho que o assunto que está agora na ordem do dia não comporta largas explanações, dadas a sua simplicidade o a sua clareza, nem dará lugar, por certo, a discussão acalorada, visto não ser fácil surgirem divergências.

O projecto de lei do Sr. Deputado Nobre Guedes, modificado, apenas na forma e com o acordo de S. Exa, pelo parecer da Câmara Corporativa, merece, na verdade, não só a aprovação, como o elogio da Assemblea Nacional.

O assunto é simples.

O ensino técnico profissional mereçe hoje em toda a parte do mundo um grande interesse e é objecto de um grande desenvolvimento. Quanto mais adiantados são os países, mais isso se nota.

E essa preocupação de valorizar o ensino profissional é sobretudo saliente nos países novos, resultantes do novo arranjo consequente da Grande Guerra, e nos países em renovação política e social.

Não se concebem nos nossos dias operários ignorantes da técnica elementar da sua profissão e, pior do que isso, o mais triste, operários totalmente analfabetos.

Eu refiro-me especialmente, por mim, aos trabalhadores da indústria, mas é evidente a extensão do critério ou da opinião àqueles que se dedicam às actividades comerciais.

Na verdade, o aperfeiçoamento do produto, o melhor rendimento da exploração e até o progresso da técnica aplicada são evidentemente dependentes da competência dos operários.

Haverá quem diga que essa competência dos operários se obtém, sobretudo, pela prática diuturna do seu mester e é, filha, em especial, da sua própria habilidade.

É claro que não se pode contestar que a longa prática e a habilidade pessoal são factores importantes da formação profissional; é assim em todos os campos, quanto mais naquele em que o trabalho manual constitue a parte essencial.

Mas a questão que só põe é outra: quanto se não valorizam essa prática e essa habilidade com a preparação técnica racional, embora modesta, que pode dar aos operários a escola profissional? Quanto se não aumenta o rendimento do seu trabalho? Sobretudo, quanto mais rápida se não torna a sua aprendizagem na oficina, pela

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consciência que adquiriram da sua profissão, pelo auxílio do próprio cérebro ao esfôrço dos braços ou das mãos?

A resposta favorável a estas preguntas todos a sentem; mas sentem-na por forma especial aqueles que estão ligados tecnicamente e profissionalmente a qualquer indústria.

Pelo que respeita à exploração ferroviária, posso afirmar a V. Exas a justeza e o valor do princípio nos sectores onde se exigem trabalhadores especializados. Nos serviços de tracção, nos serviços de construção e, especialmente, nas oficinas de qualquer ramo a preparação prévia dos operários é de manifesta utilidade. E tanto é assim que são as próprias grandes emprêsas ferroviárias, lá fora, que instalam as suas escolas de aprendizagem, onde admitem sobretudo os filhos dos seus agentes..

E, mesmo em Portugal, a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses está entrando por êsse caminho, na medida das suas possibilidades.

Ora, é justamente a colaboração entre o trabalho do raciocínio e o trabalho do corpo que constitue o objectivo do ensino técnico profissional no seu primeiro grau, que constitue a sua razão de ser. É por isso que êle se desenvolve e se aperfeiçoa em toda a parte. A perfeição da mão do obra é um factor importantíssimo da riqueza da economia de um país; não basta a posse das matérias primas.

Dizia-me há dias um colega, a propósito de certa frase do Sr. Deputado Pacheco do Amorim, proferida nesta tribuna, que a riqueza das minas da Abissínia não chegava para conseguir a competência dos seus teóricos de minas. Também não chega para produzir a riqueza da economia etíope nesse aspecto.

O ensino e o estudo é que formam os técnicos competentes. O ensino e o estudo é que produzem a mão de obra perfeita e rendosa.

Em Portugal, Sr. Presidente, a necessidade do ensino técnico profissional impõe-se por uma forma especial. É certo que os nossos operários são dotados de uma notável destreza e de uma grande facilidade de adaptação à prática de todos os trabalhos. Mas isso é justamente mais uma razão para se tirar todo o partido dessas agradáveis e úteis circunstâncias; e isto tanto mais quanto é certo também que a instrução geral dos nossos operários, a sua cultura extra-profissional, é muito rudimentar, quando não absolutamente nula.

Por outro lado, ocorre-me destacar, ainda que sob um aspecto restrito, a necessidade de manter e desenvolver o gôsto e o estudo das nossas indústrias regionais características, algumas delas de uma tam curiosa tradição artística. E não esqueçamos também, Sr. Presidente, o alto alcance da elevação do nível mental das classes trabalhadoras, o alto benefício que assim se obtém no campo social e rio campo político.

Ora, é certo que o Estado Novo tem já dedicado ao ensino técnico profissional um interesse que é do assinalar. Mas é de desejar - digo mesmo: é indispensável - que o mais rapidamente possível se corrijam as deficiências de que esse ensino ainda enferma o se lhe facultem os meios materiais que permitam a melhoria das suas precárias instalações e o aperfeiçoamento dos seus apetrechos. E isto sobretudo quando se verifica que já está hoje totalmente esgotada a capacidade das nossas escolas profissionais; que centenas, senão milhares, de candidatos são anualmente recusados, e que, portanto, se verifica que a população do País tem a noção exacta do valor de tal ensino.

Mal ou bem, Sr. Presidente, o certo é que já hoje existem, espalhadas pelo País, cêrca de quarenta e cinco escolas industriais e comerciais, com uma população de cêrca de 21:000 alunos, distribuídos por cursos diurnos e nocturnos. Mal ou bem, o certo é que o Estado portu-

guês já hoje despendo com o ensino técnico profissional qualquer cousa como 11 ou 12 mil contos em cada ano.

Não faz sentido, portanto, que não seja o Estado a primeira entidade a tirar partido das vantagens do ensino que ministra, que não seja o Estado o primeiro a valorizar os seus diplomados.

Não faz sentido, mas tem sido assim. É para que assim não seja que o Sr. Deputado Nobre Guedes apresentou o seu projecto de lei. E é justamente para que assim não continue a ser, de facto, que a Assemblea Nacional - em minha opinião - deve aprovar êsse projecto de lei.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Cândido Duarte: - Sr. Presidente: subi a esta tribuna com o propósito especial de apresentar à nossa Assemblea uma base que inclue no projecto de lei do ilustre Deputado Sr. engenheiro Nobre Guedes doutrina nova, mas, Sr. Presidente, doutrina afim.

A proposta da base, porque a faço entrar na altura do debate na generalidade, poderia vir assinada só por mim, mas, para honra minha, vem ela também assinada pelo autor do projecto e por mais alguns Srs. Deputados.

A justificação dessa base fá-la-ei na especialidade se V. Exas o desejarem; no entanto, creio que os considerandos que lhe antepus dão clara e implícita justificação para que a matéria dessa base faça parte integrante do projecto de lei em discussão, pelos direitos que assistem a profissionais de condições legais análogas e de categoria análoga.

O projecto do Sr. Deputado Nobre Guedes é um trabalho de alcance económico-social, que marca um conjunto de princípios que há conveniência em estabelecer. Trabalho perfeito - di-lo a Câmara Corporativa -, e o meu critério também gostosamente perfilha esse parecer.

Está certo, absolutamente certo, que o Estado seja a primeira entidade a prestigiar os seus próprios serviços, e, neste caso, fá-lo com natural beneficio dando preferência aos diplomados pelas suas escolas no desempenho de funções próprias às suas jerarquias.

Sr. Presidente: no ensino, do dois modos o Estado pode e deve valorizar e acreditar os seus serviços.

Primeiro, respeitando as funções escolares, isto é, adoptando as medidas gerais e indispensáveis para que seja possível juntar ao valor individual de cada diplomado o justo e equitativo amparo do Estado.

Em segundo lugar, é através do número bastante de escolas, em relação com as condições económicas e sociais do país e com a boa qualidade do ensino, que um Estado desenvolve e melhora cada ensino especial, levando-o a atingir, no campo utilitário, o grau julgado ocasionalmente como óptimo.

Dentro desta série de ideas e para não fugir da ordem dos nossos trabalhos - projecto de lei que impõe ao Estado o respeito pelos diplomas do ensino técnico profissional-, limitar-me-ei a fazer considerações - poucas para não cansar a Assemblea - só sôbre o correspondente ensino, ligeiramente equiparado em categoria, ou seja o ensino prático agrícola.

Referi-me ao respeito, por parte do Estado, pelas funções escolares, e o projecto do ilustre Deputado Sr. engenheiro Nobre Guedes vem dar o primeiro passo nesse caminho e vem fortalecer o estímulo que a acção do Ministério da Instrução Pública há tempos lançou entre as principais entidades particulares, representativas das forças vivas da Nação.

De facto, a melhoria de ambiente particular a favor dos nossos cursos técnicos tem sido sensível, e o ilustre autor do projecto de lei em discussão cita que as associações comerciais e industriais têm colaborado na obra de propaganda e de amparo aos cursos técnicos. Posso acrescentar que, no referente ao ensino agrícola, também

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a Associação Central de Agricultura Portuguesa tem prestado valiosa colaboração.

Tocando rapidamente na segunda parte das condições a que o Estado deve atender para beneficiar os serviços de ensino, indiquei a quantidade necessária de escolas e a qualidade do ensino.

Quanto ao número de escolas não deve aqui dissertar sôbre o que se faz lá fora em ensino prático agrícola, onde o número de escolas é de muitas centenas em certos países da Europa.

Não quero repetir-me com algumas das afirmações que já proferi nesta tribuna na sessão legislativa próxima passada, mas não posso furtar-me ao desejo de citar aqui uma frase dum distinto técnico português.

Assim escrevia Paulo de Morais em 1888:

«Eu não compreendo que haja providência que melhor possa fazer sair os interessados do trilho rotineiro a que, em grande parte, está ainda escravizada a indústria rural portuguesa, como deve ser a fundação de escolas práticas da agricultura nos pontos mais bem escolhidos».

Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados: de 1888 ato hoje galgado é quási meio século e temos sòmente 2 escolas práticas de agricultura em locais mal escolhidos.

Não faço confronto com os impérios nem com os grandes países, nem sequer com os pequenos, os mais pequenos. Volto o meu pensamento para o Mar das Antilhas e aprecio a ilha que se chama Haiti e que tem 78 escolas elementares agrícolas. Chegamos a uma tam triste conclusão, que dispensa comentários. Haiti tem 78 escolas práticas agrícolas e Portugal tem 2. Em ensino elementar agrícola somos o país mais atrasado do Mundo.

Pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados: parece haver na nossa terra quem julgue ainda que os serviços do ensino não merecem melhoria e até talvez tenham capacidade para deminuir a amplitude da sua pobre acção.

Não pensou assim com certeza a França quando, recentemente, condecorou com a Legião de Honra os serviços do ensino agrícola, pelos seus relevantes préstimos para a economia nacional.

Sr. Presidente: vou neste caminho das ligeiras considerações, que me propus fazer, perto do fim, para alívio dos que me ouvem.

Referir-me-ei somente, no respeitante à qualidade do ensino, à preparação e valorização do pessoal docente.

E digo sòmente para evitar inoportunas divagações pedagógicas e técnicas agrícolas.

Parece-me, no entanto, justo e útil que eu procure demonstrar, dentro desta oportunidade criada pelo decreto-lei n.º 26:115 o com tanto de desejosa elevação como de sinceridade, o quanto está fora dos moldes experimentados e consagrados o critério do Governo, que êsse decreto deixa transparecer.

O decreto-lei n.º 26:115 coloca os professores do ensino elementar agrícola numa posição de imerecida inferioridade.

Não entro pormenorizadamente na apreciação do caso porque tenho de ser breve, como determina o nosso Regimento.

Todos nós sabemos o papel predominante, na qualidade do ensino, que tem o pessoal docente.

Todos sabemos ainda que há professores que nasceram mestres, que são indivíduos portadores do dom de ensinar, mas também os professores se fazem e aperfeiçoam, em parte, pela intervenção persistente e cuidadosa do Estado. Não se pode tomar como completamente certo o adágio de que «os professores que não nasceram mestres nunca o serão».
Q?? influência tem ou terá o decreto n.º 26:115 na vida das escolas práticas de agricultura?

Prepara a retirada para outros serviços oficiais, muito melhor remunerados, dos professores que em larga folha de serviços provaram já os seus merecimentos e dificulta

ou impossibilita a entrada nas escolas de pessoal seleccionado.

Além de que a selecção no nosso País é rudimentarmente feita, porque o é através só dum simples concurso de entrada.

Não há a preparação especial para o professorado agrícola, como existe noutros países.

Não entremos nos métodos rigorosos e impecavelmente utilizados na selecção dos professores ingleses o norte-americanos, nem apreciemos a série de experiências a que são sujeitos os professores na Checo-Eslováquia.

Reconheçamos só que a Alemanha procura entre os seus melhores diplomados com os cursos superiores os professores do ensino prático agrícola. Que a Bélgica utiliza os seus engenheiros agrónomos e não os licenciados em ciências agronómicas, que têm um curso de menor duração, para o magistério elementar agrícola. A Itália faz dirigir as suas 92 cátedras agrícolas ambulantes por seleccionados doutores em agronomia.

Na Polónia os centros agrícolas regionais promovem séries de conferências, com o cunho de lições práticas, pelos diplomados da escola superior.

Em Espanha os peritos agrícolas - curso inferior ao do agrónomo - exercem sòmente funções pedagógicas, como auxiliares dos engenheiros agrónomos.

Evitando a citação de mais exemplos, reservei para o fim a França, onde o seu Instituto Nacional Agronómico é considerado ainda como uma escola normal superior de agricultura, porque um dos seus fins é a preparação do professores para os diversos estabelecimentos de ensino agrícola.

O Sr. Chancrin, inspector geral da agricultura e encarregado do ensino agrícola em França, fala da necessidade do aperfeiçoamento técnico, da formação pedagógica o de um estágio pedagógico do sois meses para os professores das escolas práticas do agricultura.

Ainda o Prof. Lichtenhahn, presidente da Associação dos Professores de Agricultura da Suíça, numa interessante publicação intitulada A formação profissional dos professores agrícolas, mostra clara e pormenorizadamente as vastas exigências que são requeridas a êsses profissionais.

Sr. Presidente: creio que de sobra foram os exemplos que apresentei para chegarmos à conclusão de que deveremos fazer deficiente ensino prático agrícola se mantivermos êsses professores em situações materiais, e até morais, inferiores aos segundos oficiais que exerçam na mesma escola, e como subordinados daqueles, as suas funções administrativas.

É pena, porque se tinham acentuado ultimamente nesso ensino bastantes melhorias.

E, Sr. Presidente, por um lado não se podem exigir altos merecimentos a professores a quem o Estado não dá ajusta compensação, por outro lado está tecnicamente provado - em parte pelos exemplos que apresentei a V. Exas - que não se pode deminuir de categoria o pessoal de ensino das escolas práticas agrícolas.

Por fim, direi que não reparar o erro causado pelo decreto n.º 26:110 é contribuir fortemente para o tradicional sofrimento a que têm sido sujeitas as cousas agrícolas da nossa terra.

E afinal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as cousas agrícolas têm sido sempre e são os mais pesados, os mais custosos problemas económicos nacionais.

Não é difícil deduzir - a dedução vem pelo simples abrir dos olhos para os factos de hoje, para os factos de ontem -, repito, não é difícil deduzir que a existência social e económica do nosso País, ou, melhor, do nosso Império, está profundamente ligada à agricultura nacional e seria sôbre ela que deveria incidir a maior atenção e a maior solicitude dos Governos.

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Permitam V. Exas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que eu finde - para dar melhor fim a esta minha pobre exposição - com as seguintes palavras de Latino Coelho:

«Para que se interesse cada vez maior número de cidadãos no empenho de regenerar a agricultura, o primeiro entre todos os incentivos é, sem contestação, a educação intelectual, encaminhada no sentido agrícola. A ciência é o primeiro e mais precioso de todos os capitais, e onde esta riqueza é menos copiosa ou pouco repartida não se esperem notáveis melhoramentos na vida económica duma nação».

A proposta em referência é a seguinte:

Considerando que ao Estado cumpro respeitar e valorizar, como medida intuitivamente justa, os técnicos diplomados pelas suas próprias escolas;

Considerando que nos Ministérios das Colónias e da Agricultura há lugares cujas exigências estão em harmonia com a habilitação técnica dos profissionais com o curso de feitor agrícola, tais como os de: capatazes agrícolas, guardas agrícolas, guardas florestais, viveiristas, auxiliares de arborização, abegões, jardineiros, fiéis, práticos agrícolas e auxiliares de regentes agrícolas;

Considerando, finalmente, o valor dos cursos de operários agrícolas especializados, existentes nas escolas de regentes agrícolas e práticas de agricultura, e, por consequência, a justa atenção que deverão merecer, por parte do Estado, os respectivos certificados, propõe-se a seguinte base:

No provimento dos lugares dos quadros e serviços dos Ministérios das Colónias e da Agricultura, que requeiram conhecimentos profissionais adquiridos nas escolas práticas de agricultura, têm preferência os diplomados por estas escolas, só podendo ser admitidos outros indivíduos quando não haja diplomados, ou quando se trate de lugares que, pela sua comprovada natureza, exijam longa prática especializada. Na admissão aos serviços rurais dependentes do Ministério da Agricultura têm preferência os operários especializados nas escolas agrícolas.

Os Deputados: Cândido Duarte - António Augusto Aires - Botelho Neves - Joaquim de Moura Relvas - A. Cancela de Abreu, - Nobre Guedes - Paulino Montês - Francisco de Meio Machado - José Penalva Franco Frazão.

O Sr. Moreira de Almeida: - Sr. Presidente: depois do a Assemblea ter ouvido o Sr. engenheiro Cancela de Abreu e o Sr. engenheiro agrónomo Cândido Duarte, inúteis seriam as minhas palavras se não fora uma circunstância muito especial obrigar-me a subir a esta tribuna. E essa circunstância é que, sendo tanto o ilustre autor do projecto, o Sr. engenheiro Nobre Guedes, como os Srs. engenheiros Cancela de Abreu e Cândido Duarte, pessoas que têm uma ligação íntima - digamos assim - com o ensino técnico, poderia supor-se que êles subiam a esta tribuna para falar pro domo sua.

Não é o meu caso, porque eu nem sou professor do ensino técnico, nem desempenhei nunca qualquer função que com êle se relacione, nem sou engenheiro, ou agrónomo, ou comercialista.

Mas, porque contràriamente ao que muitas pessoas supõem, não deve haver, nem há, qualquer má-vontade ou mesmo qualquer falta de consideração em relação ao ensino técnico por parte dos que trabalham noutros ramos do ensino, porque isso é assim, é que muito gostosamente venho trazer o meu desautorizado aplauso ao projecto de lei do ilustre Deputado Sr. engenheiro Nobre Guedes.

Inútil é dizer à Câmara o que se pretende com esse projecto. Já aqui foi focado pelos oradores que me antecederam no uso da palavra e já a Câmara muito bem sabe.

Simplesmente quero chamar a atenção de V. Ex.ª para o alcance social e até para o alcance pedagógico desse projecto. Êle visa a dar uma preferência para o exercício de certas funções do Estado e das autarquias locais aos diplomados pelas escolas do ensino técnico comercial e industrial, e também pelas escolas do ensino agrícola, de harmonia com a base proposta pelo Sr. Deputado Cândido Duarte.

Êste projecto vem preencher uma lacuna importante que havia no nosso sistema do ensino técnico, e que era a falta de valorização prática reconhecida às escolas do ensino técnico.

Com efeito, todo este ensino deve basear-se em três princípios fundamentais: regionalismo, especialização, valorização prática.

Não pode conceber-se ensino técnico sem regionalismo, dado que a escola técnica tem de se adaptar às variadas circunstâncias e condições do ambiente onde funciona e para que funciona.

Não se podem compreender escolas técnicas sem especialização, porquanto todo o ensino que nelas é ministrado não se compadece com generalidades, com ideas gerais, com propósitos culturais, que essas escolas não podem nem devem ter.

E vem a propósito até lembrar que nem sempre esta característica da especialização tem informado as escolas técnicas, senão na sua organização, pelo menos na execução do seu ensino.

Embora a característica diferencial do ensino técnico, em relação ao ensino liceal, seja bem claramente a de que uma escola, a liceal, se propõe atingir propósitos culturais, e a outra, a técnica, se propõe atingir propósitos informativos na respectiva especialidade, o certo, porém, é que muitas vezes, numa e noutra, os professores têm esquecido essa diferença fundamental.

E assim é que nós temos assistido por vezes ao paradoxo de, em alguns liceus, certos professores chegarem a ensinar os seus alunos a fazer análises de vinhos, e, nas escolas do ensino técnico, alguns professores de português terem perdido bastante tempo a falar no lirismo camoneano e nas églogas do Bernardim Ribeiro.

Há aqui uma má interpretação do objectivo de uma o outra escola.

É que muitas vezes o professor de um liceu não tem em vista a finalidade formal do seu ensino, e também algumas vezes os professores das escolas técnicas não atendem à finalidade informativa e prática das suas aulas.

Mas ninguém põe em dúvida o princípio da exigência da especialização como base imprescindível para uma perfeita organização e boa execução do ensino técnico.

O terceiro princípio a que aludi é a valorização prática, e esta, infelizmente, não tinha uma efectivação plena no nosso País.

Com efeito, milhares de alunos saíam das escolas técnicas sem terem a garantia de uma colocação, ou ao menos uma preferência na admissão a qualquer serviço do Estado ou das autarquias locais, para cujo desempenho tivessem uma especial habilitação.

O projecto do Sr. engenheiro Nobre Guedes, visando a dar essa preferência, aos diplomados pelos institutos de ensino técnico comercial e industrial, nos serviços das autarquias locais e do Estado, dá à escola técnica portuguesa uma valorização prática e uma eficiência que ela não tinha, contribuindo assim poderosamente para o seu prestígio.

Não me alongarei em considerações sôbre o valor intrínseco do ensino técnico, porque bem evidente ele é.

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Diz a Câmara Corporativa no seu parecer, e muito bem, e também já foi focado nesta tribuna pelo Sr. engenheiro Cancela de Abreu, que não se compreende o exercício de uma profissão no comércio, na indústria, na agricultura, sem uma base técnica devidamente apropriada. E visto que o Estado sustenta escolas que dão essa instrução e essa especialização, é evidentíssimo não se compreender que o mesmo Estado não vá conceder vantagens e preferências aos diplomados por essas escolas.

A idea da necessidade de uma preparação científica para o exercício de qualquer profissão, de resto, não é apenas de hoje.

Há cerca de vinte anos, o reitor da Universidade de Hlinois, E. James, numa famosa alocução que fez, visava justamente êste ponto: no estado actual da indústria, do comércio e da agricultura nenhuma profissão pode ser exercida capazmente sem uma base verdadeiramente científica.

Ora sucede que, depois que o regime das corporações de artes e ofícios foi dissolvido pelo vendaval demolidor de 1789, o operário, durante muito tempo, ficou desprovido de qualquer preparação técnica sólida e séria.

Êsse regime das corporações de artes e ofícios, anterior à Revolução Francesa, que tam caluniado tem sido, tinha, pelo menos, a vantagem de fornecer aos operários uma esplêndida preparação profissional.

E, se assim não sucedesse, impossível teria sido que a Idade Média nos legasse um sem numero de obras primas, no campo das artes e das indústrias, como de facto nos legou.

A Idade Média - e com ela êsse regime das corporações de artes e ofícios - não representou uma longa noite, como já ouvi afirmar, dêste lugar, ao ilustre Deputado Sr. Pinto da Mota. Bem pelo contrário, ela foi uma bela aurora, uma época de rara fecundidade.

Extinto o regime das corporações, e abandonada assim ao acaso a preparação técnica dos trabalhadores, ficou pertencendo ao Estado o dever de cuidar a sério da organização do ensino técnico - e, conseqaente-meute, cumpre-lhe valorizá-lo.

Mas a valorização da escola técnica ainda tem outro aspecto, para o qual desejo chamar a atenção da Assemblea: é a repercussão que fatalmente há-de ter na frequência dos cursos ministrados nas escolas de ensino industrial e comercial, e que não pode deixar de contribuir para o descongestionamento dos liceus.

Todos sabem que os liceus estão, hoje, pletóricos de alunos.

Ê certo que as escolas técnicas também estão, mas isso apenas significa a necessidade de aumentar o seu número e de facilitar cada vez mais a difusão do ensino técnico.

Pelo contrário, a grande frequência dos liceus, essa, sim, é que é alarmante e deve ser combatida, visto que os institutos liceais têm de ser escolas de élite, e, portanto, nunca de grande população discente.

Por isso, repito, tudo o que seja retirar alunos dos liceus e encaminhá-los para as escolas técnicas, tudo neste sentido me parece de adoptar e digno do mais caloroso aplauso.

Não é raro ouvir-se que o ensino secundário, ministrado nos liceus, está bastante dificultado e cheio de espinhos para aqueles que têm de o receber.

É um pouco verdadeira essa afirmação, se bem que não seja inteiramente fundada certa crítica feita à orientação do ensino secundário. Mas aqueles que assim pensavam devem ponderar que não há vantagem nenhuma em facilitar o curso liceal, e, muito pelo contrário, êsse curso deve ser difícil, destinado apenas à preparação de um escol.

Pelo contrário, as escolas técnicas é que devem ser abertas àqueles que, tendo instrução primária, têm o direito de procurar uma preparação técnica qualquer, uma especialização que os habilite a ganhar a sua vida honradamente e com proveito para a sociedade. Nunca será demais frisar e repetir que essa frequência pletórica dos liceus é a grande causa - a causa máxima - donde provém êsse proletariado intelectual, que é uma das grandes chagas da nossa sociedade de hoje.

Tudo que seja, portanto, pôr um terminus a esta inflação - permita-se-me o têrmo - do proletariado intelectual não deixa de merecer o nosso maior aplauso.

É-me grato ver o cuidado que merece aos homens do Estado Novo o ensino técnico, o cuidado que êle tem merecido e continua a merecer, como bem eloquentemente mostra o projecto de lei do Sr. Nobre Guedes - e é-me grato porque a um notável político francês se deve uma afirmação a que eu não quero deixar de me referir e contra a qual também não quero deixar aqui de protestar. O conhecido homem de Estado francês Edouard Herriot, em tempos, declarou que o ensino técnico era de origem democrática, era unia instituição eminentemente democrática, e só podia ser devidamente posta em prática por regimes inteiramente democráticos.

Esta afirmação - atendendo ao conceito de democracia que sempre preside ao pensamento do conhecido político radical-socialista - é tudo quanto há de mais erróneo - e que o é bem o prova o cuidado que ao Estado Novo tem merecido e há-de continuar a merecer o ensino técnico.

Contràriamente ao que Herriot afirmava, o ensino técnico não é de origem democrática, porquanto poderemos encontrar a sua remota origem nas Ècoles Chré-tiennes de La Salle, no primeiro quartel do século XVIII.

O ensino técnico não é estruturalmente um ensino democrático porque, destinando-se a dar uma preparação adequada à condição social de muitos, que não podem aspirar a desempenhar altas funções na sociedade, contraria justamente - como há pouco frisei - o aumento do proletariado intelectual e contraria, portanto, a tendência de igualar, na mediocridade, as funções intelectuais e sociais dos cidadãos.

O ensino técnico não pode ser unicamente - ao invés do que Herriot afirmava - pôsto em prática por regimes democráticos, porque é a experiência que eloquentemente depõe contra essa asserção - a experiência alemã, como a italiana, como a nossa própria.

Concluindo - e não desejando fatigar mais a atenção da Assemblea -, resta-me apenas dirigir as minhas felicitações ao Sr. Deputado Nobre Guedes pelo seu projecto, pelas alevantadas intenções que êle tem e pelas suas felizes consequências, e fazer votos por que esta Assemblea dê todo o seu aplauso e a sua aprovação a este projecto - na certeza de que dêle advém qualquer cousa que há-de figurar no activo do Estado Novo.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: o projecto que está em discussão na generalidade, da autoria do ilustre Deputado Sr. engenheiro Nobre Guedes, tem toda a oportunidade.

No seu relatório esclarece S. Ex.ª o seu projecto e justifica a necessidade de resolver com urgência este assunto - assunto que, em seu entender, fica resolvido com a aprovação deste projecto.

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Estou plenamente de acôrdo com S. Ex.ª, e felizmente não sou só eu, mas a própria Câmara Corporativa.

Nem era de esperar outra cousa atendendo ao Estado caótico em que se encontra o problema.

Nós vemos com muito interêsse o Estado encarar este problema do ensino técnico profissional, porque até aqui êle preparava os técnicos, mas, depois de êles preparados, abandonava-os por completo, não lhes dando a mão quando êles mais necessitavam dêsse auxílio. E assim é que vemos a maior parte dêsses técnicos entrar para as actividades particulares, que dêles tiram o maior proveito; e, em compensação, vemos o Estado nomear, as mais das vezes, indivíduos incompetentes para preencherem os lugares que com toda a justiça e direito deviam ser ocupados por êsses técnicos.

Sr. Presidente: na parte industrial já o problema foi aqui suficientemente esclarecido pelo ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu; a parte agrícola igualmente foi muito bem esclarecida pelo engenheiro agrícola Sr. Cândido Duarte.

Se subi a esta tribuna foi simplesmente porque desejo focar, por alguns minutos apenas, o problema no aspecto comercial pelo que respeita às autarquias locais; e se abordo êste ponto do problema é porque tenho até certo ponto responsabilidades na administração camarária. Creia V. Exa, Sr. Presidente, que, pela experiência que tenho dos serviços camarários actualmente, posso afirmar que há falta de uma legislação que obrigue as câmaras municipais a levar para os seus serviços técnicos os diplomados por estas escolas, que satisfazem absolutamente para certos lugares; e, em contrapartida, sei que as câmaras municipais, na sua grande maioria, têm funcionários incompetentes, e quando nós muitas vezes precisamos de um funcionário que tenha uns pequenos conhecimentos de contabilidade, saiba escrever, saiba dactilografar, tenha, emfim, outros conhecimentos elementares - especialmente falo na Câmara de Lisboa, de que tenho conhecimento profundo -, dificilmente o encontramos, tendo de andar pelos diferentes serviços para que nos cedam um ou outro. Isto não se pode admitir, não se deve consentir, quando o Estado, que tem a seu cargo a preparação dêsses técnicos, os abandona e vai procurar incompetentes, alguns mesmo analfabetos. E não se justifica isto, tanto mais quanto é certo que nós sabemos que um diplomado por essas escolas pode aprender com facilidade qualquer serviço e poderá vir a ser um bom funcionário.

Era êste ponto que desejava focar, para que ficasse bem esclarecido, para que ficasse bem no espírito de V. Exas que na parte comercial, na parte industrial, na parte agrícola, emfim, em todos os pontos, o projecto de lei é o mais oportuno possível, porque vem resolver, de facto, um problema que até hoje não estava resolvido.

Por consequência, só tenho de felicitar o autor dêsse projecto de lei pela sua oportunidade e pela forma brilhante como o apresentou, o que era de esperar, visto tratar-se de um ilustre técnico que há muito se tem dedicado a estes serviços.

Se nós queremos levantar o nivel intelectual de todos os serviços, devemos principiar por aprovar êste projecto, na certeza de que prestamos um altíssimo serviço ao Estado Novo, ao País e portanto à Nação.

Tenho dito.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente e Srs Deputados: o decreto está mais que justificado; justifica-o cabalmente o belo relatório que o precede; e, como se isso não bastasse, surge o douto parecer da Câmara Corporativa a justificá-lo também. Por sua vez, os ilus-

tres oradores que me precederam com muito acêrto e muita elegância o justificaram também. Seria portanto desnecessário eu subir a esta tribuna, mas há umas pequenas alterações, ou, melhor, uns ligeiros aditamentos que julgo de grande alcance e que, por isso, desejo propor à ilustre Assemblea.

Este projecto de lei demonstra que o nosso colega Sr. engenheiro Nobre Guedes, ilustre director geral do ensino técnico, é um funcionário que exerce o seu cargo não só por obrigação, mas também por devoção.

Efectivamente, S. Ex.ª não se tem limitado a cumprir as obrigações regulamentares, e demonstra-o eloquentemente neste projecto de lei. Não se preocupa apenas com proporcionar uma educação técnica perfeita a todos os alunos que estão sob a sua superior direcção. Êle vai mais longe, porque, dentro do espírito do Estado Novo, deseja prestar assistência a êsses rapazes, uma vez terminados os respectivos cursos.

Depois de instruídos e educados esforça-se por obter-lhes colocação que lhes garanta situação condigna nu sociedade, reservando-lhes lugares do Estado e das autarquias locais. Desta forma espalha bons exemplos de trabalho inteligente em todo o País, e cria estímulo para que outros vão beber conhecimentos à mesma fonte. Assim combate a rotina, a rotina que, como V. Ex.ª sabe, é incontestavelmente um dos males mais deletérios da nossa sociedade, porque em Portugal o ensino técnico infelizmente ainda está muito longe de ser o que deve e precisa de ser, para acompanhar os grandes progressos da ciência, os inventos que dela resultam e as correspondentes e profundas modificações opeladas na técnica.

Os auto-didactas podiam noutros tempos triunfar, mas hoje é muito difícil, porque precisam, salvo casos muito excepcionais, do socorro de instrução bem orientada e ministrada em institutos onde nada falte, nem professores competentes, nem laboratórios dotados com material de ensino e oficinas que tornem possível o ensino prático.

Bem haja S. Ex.ª por proporcionar assim trabalho aos portugueses, porque nesta época é de trabalho que eles precisam.

Não posso deixar de salientar que hoje já não há a aspiração de outros tempos, de andar de «costas direitas», porque, quando algum português agora se nos dirige, é geralmente para pedir trabalho.

Lembro-me que antigamente, quando de nós se aproximavam determinados indivíduos, já sabíamos que tínhamos de preparar a carteira, porque, em geral, era um empréstimo ou esmola que se pedia. Hoje já não é assim: procura-se trabalho.

Isto nobilita a raça portuguesa, isto prestigia a actual situação política, e S. Exa., vindo com o seu projecto proporcionar trabalho honrado, corresponde à época singularmente dinâmica e nobilitadora que atravessamos.

O que é preciso, como disse, é combater a rotina e instruir, mas instruindo como se tem feito nas escolas técnicas, que S. Ex.ª orienta.

Eu devia-lhe estas palavras de homenagem. Fui presidente da Junta Geral do distrito do Pôrto, onde os rapazes e raparigas internados nos estabelecimentos que aquele corpo administrativo dirige se socorrem das escolas industriais para completarem a sua preparação profissional.

Há também, administrada por aquela Junta Geral, uma escola agrícola, mas deficiente por falta de instalações.

Na última sessão legislativa levantei a voz pedindo ao Governo toda a assistência para a Escola Agrícola Ferreira Lapa, onde tantos rapazes se preparam para a luta séria da vida, e para a Escola de Vairão, onde

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estão internadas muitas raparigas, uns e outras susceptíveis de se prepararem como bons trabalhadores agrícolas, de que a nossa lavoura tam carecida está.

Porém, à míngua de recursos, não se pode fazer mais do que a Junta Geral do distrito tem feito, com muito patriotismo e dedicação pelos internados.

Devo dizer que, não obstante o exposto, aqueles rapazes e raparigas recebem uma educação suficiente no que respeita a profissões industriais e comerciais, e tanto assim que há facilidade em os colocar em estabelecimentos privados, como sejam fábricas e escritórios.

Esta iniciativa de S. Ex.ª é oportuníssima.

Efectivamente, espalhar rapazes convenientemente preparados no campo técnico por todos êsses concelhos, ao serviço das câmaras municipais, vai constituir grande exemplo e estímulo.

Entendo que se torna necessária e urgente a generalização do ensino técnico.

S. Exa. nas suas bases e a Câmara Corporativa na base III propõem o aumento de cursos. Ora eu vou apresentar uma proposta de aditamento àquelas bases. Proponho que, em vez de «cursos», se diga «cursos e escolas», mostrando assim a necessidade de se desenvolver o ensino técnico por todo o País.

Isto é basilar, porque precisamos de adaptar o operariado à nova técnica, por forma a não ter mêdo das máquinas.

Hoje é frequente ouvirmos palavras a traduzir receio, mêdo da máquina, isto é, mêdo da ciência, mêdo da técnica.

Ora eu entendo que da máquina só podem resultar benefícios, quando convenientemente aproveitadas. O grande mal vem de não termos adaptado as instituições dos nossos antepassados, criadas para garantia de equilíbrio económico-social em épocas em que o trabalho obedecia a normas seculares, senão milenárias, ao novo ritmo emanado da ciência e dos inventos.

Se assim não fôsse não assistiríamos hoje a essa série de iniquidades, traduzidas em situações tremendamente díspares, a cavar abismos entre classes e perturbar o equilíbrio social.

Felizmente para todos, estamos numa situação política que tem como principal escopo estabelecer essa relativa, essa possível igualdade, capaz de pôr têrmo à série enorme de iniquidades que conhecemos desde há muito, e restabelecer o indispensável equilíbrio, baseado nas virtudes e merecimentos de cada um.

Mas, para aproveitar a máquina e corresponder à ciência, é preciso instruir os novos técnicos, e isso só é possível nas escolas técnicas. De outra forma correremos o risco de ver homens transformados em autómatos, espécie de máquinas, que aprendem apenas a executar certos movimentos, numa racionalização excessiva, que torna homens em escravos de máquinas.

É preciso, pois, que nas escolas industriais todos os rapazes possam esclarecer o seu espírito, de forma a que ao lado da máquina o operário não perca a personalidade e cultive a faculdade criadora, para que haja homens ao lado de máquinas e não máquinas humanas enfeudadas ao ritmo de outras máquinas.

Evidentemente que estas considerações, relativas ao projecto de lei do Sr. engenheiro Nobre Guedes, aplicam-se, também, às que aqui fez, com toda a oportunidade, sôbre o ensino agrícola, o Sr. engenheiro agrónomo Cândido Duarte.

É bem de ver que as considerações produzidas relativamente ao ensino industrial devem tornar-se extensivas ao ensino agrícola.

Também aqui ouvi uma alusão do Sr. Deputado Moreira de Almeida ao ensino secundário, e não posso sair desta tribuna sem expor a minha opinião sôbre tam momentoso problema.

S. Exa. disse que neste, campo - no industrial - deveria facilitar-se tudo, de forma a que os alunos completem os respectivos cursos, para garantia própria e utilidade da Nação; mas admitiu e defendeu o critério de se criarem certas dificuldades no ensino secundário, por ser a escola preparatória das élites.

Efectivamente é preciso joeirar, seleccionar os alunos dos cursos liceais, mas não como se fez no último ano, em que os resultados dos exames de admissão aos cursos superiores se traduziram em verdadeira hecatombe, aniquiladora de muitas carreiras de rapazes e raparigas que até aí tinham cumprido as suas obrigações escolares.

E isto fez-se mercê de disposições conhecidas a poucas semanas dos exames e que modificaram não só o regime escolar, mas a bitola das provas.

O resultado dos exames na última época, Sr. Presidente o meus senhores, constituiu um autêntico cataclismo!

No Pôrto foram reprovados 75 por cento dos alunos, cêrça do dôbro daqueles que foram reprovados em Lisboa nas mesmas disciplinas, isto é, nas ciências.

Trata-se de um acontecimento profundamente deplorável, porque não corresponde ao que seria de desejar, em face da mentalidade e preparação da maioria dos alunos.

A raça portuguesa é boa em todos os campos, e portanto também no intelectual. E faço a justiça de acreditar que os professores, pertencentes à mesma raça, também são todos bons; mas não posso explicar a reprovação do 75 por cento dos alunos.

Se tam lastimável resultado se verificou é porque a lei ou as providências que se lhe seguiram não se adaptam às circunstancias particulares da raça portuguesa. Ora do Govêrno, ou desta Assemblea, só devem e podem sair leis para portugueses, que levem a resultados razoáveis na sua aplicação, e não a reprovação de 75 por cento dos alunos examinados no norte de Portugal, sendo certo que muitos centos de alunos não requereram exame, por recearem os seus efeitos; e não se enganaram. Tal resultado trouxe, como consequência, em primeiro lugar, o corte de muitas carreiras, porque as famílias não podiam arcar com as despesas da repetição de um ano do estudos, e, em segundo lugar, uma depressão moral, uma falta de confiança da parte da nossa mocidade, falta de confiança que considero mal gravíssimo, porque é para essa mesma mocidade que estamos a preparar o Estado Novo. (Apoiados).

Sr. Presidente: partindo do princípio de que serão aprovadas as bases propostas pela Câmara Corporativa, partindo do princípio do que a substituição das do projecto de lei pelas do referido parecer é admitida, eu proponho que a essas mesmas bases se laça o seguinte aditamento:

«Têm preferência os diplomados por estas escolas e, de entre eles e em igualdade de circunstâncias, os nascidos ou domiciliados nos concelhos sede daqueles quadros ou serviços».

Sr. Presidente: V. Ex.ª sabe bem que não temos por emquanto escolas em todas as regiões do País, e, assim, a aplicação da doutrina da referida base traduzir-se-ia na deslocação de rapazes de Lisboa, do Pôrto e doutras cidades com escolas industriais para as escolas e concelhos rurais da província.

Mas é preciso procurar defender a fixação dos trabalhadores à sua terra, dando a preferência nas nomeações aos nascidos ou domiciliados nos concelhos onde os serviços tenham a sua sede.

Assim se criará também estímulo para que muitos rapazes dêsses concelhos procurem frequentar cursos das escolas profissionais - industriais, comerciais e também

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agrícolas, como o Sr. engenheiro Cândido Duarte propôs, visto como teriam probabilidades de conseguir colocação na sua terra, ao lado dos seus casais agrícolas, de suas famílias e amigos, circunstâncias de relêvo e, por isso, de atender, tanto no seu aspecto económico como no social.

Estas mesmas palavras que proponho relativamente à base I proponho-as também para a base II e, se fôr aprovada a proposta do Sr. engenheiro Cândido Duarte, como entendo que o será pelas suas vantagens para a lavoura, proponho também para ela o mesmo aditamento.

Quanto à base III, proponho o seguinte aditamento ao parecer da Câmara Corporativa:

«Ou a criar escolas ou, cursos novos, a fim de que o ensino técnico se generalize, para que em todas as regiões soja possível recorrer a profissionais com a devida preparação escolar».

Tenho dito.

O Sr. Luiz Supico: - Sr.Presidente o Srs.Deputados: pedi a palavra porque se me afigura que o projecto que hoje estamos discutindo tem uma grande importância para o progresso económico do País.

À primeira vista parece que êle interessa apenas aos alunos diplomados das escolas técnicas e às pessoas que dedicam a sua actividade ao ensino técnico, por isso que se trata do assegurar colocações e de regular as equiparações dos cursos o outros direitos dos diplomados por essas escolas.

Num estreito critério, tantas vezes infelizmente seguido neste País, de justificar uma função com outra função colocam-se os alunos para que haja escolas, e criam-se escolas para haver alunos, professores e dirigentes de serviços. Quem assim pensa comete um grandíssimo êrro. Porque, Srs. Deputados, é preciso não esquecer que, se os progressos da ciência deram à humanidade as vastas possibilidades que por toda a parte se patenteiam a nossos olhos, êsses mesmos progressos criaram ao homem a obrigação de no campo material, desenvolver a sua actividade sob a preocupação constante do bem aproveitar o trabalho, o tempo o os recursos que a natureza pôs à sua disposição.

Antigamente, numa época em que a população era muito menor, o tempo não contava e as obras primas saíam das mãos dos artistas trabalhadas com esmêro, trabalhadas com carinho, sem a preocupação da quantidade e a preocupação do rendimento base, como hoje.

Hoje em dia isso não acontece; a febre da produção rápida, a necessidade de criar riquezas, obriga a aproveitar, e muito bem, todas as possibilidades.

Hoje é necessário que as actividades económicas, o trabalho, a sua preparação e a sua execução se desenvolvam segundo espírito e regras inteiramente novos. Pode dizer-se, efectivamente, que, hoje em dia, o espírito da ciência moderna domina a actividade humana.

E se é certo que êsse espírito se revela sob uma forma mais aparente nas profissões que dependem do estudo, profissões que até certo pouto poderemos chamar intelectuais, não é menos exacto que êsse espírito se deve também estender a todas as outras profissões.

E aí, no campo das actividades económicas, nós podemos designá-la pelo que chamaremos o espírito da técnica moderna.

Em que consiste ela? Como se define?

Responderei dizendo: consiste na ocupação do trabalho a desenvolver, de modo que se obtenha sempre o melhor rendimento, de modo que o esfôrço despendido seja mínimo e OH resultados máximos, as matérias sejam bem aproveitadas e o tempo útil integralmente consumido em bem produzir.

Ora isto pode parecer à primeira vista que imo tem importância. Mas tem muitíssima, e eu vou dizer porquê.

Fala-se constantemente em progresso social, fala-se no flagelo do desemprêgo, fala-se na melhoria das condições de vida, e pode muita gente falar, pronunciar estas palavras de uma maneira abstracta, por assim dizer, sem lhes dar o significado que elas têm, mas a verdade é que a diminuição do flagelo do desemprêgo, a melhoria das condições de vida, o desenvolvimento do bem-estar humano dependem essencialmente de dois factores, que são: o progresso da riqueza geral e a distribuição equitativa, o aproveitamento racional dessa riqueza.

Todos V. Ex.ªs sabem como progride a riqueza geral e todos sabem também o tempo e as energias que se despendem em, volta do problema da distribuição dessas riquezas. Ora o fulcro, a base do problema social será estéril e inútil se não houver riqueza geral.

O progresso e o desenvolvimento da riqueza geral aparecem-nos, por consequência, como a condição primeira, a base necessária e fundamental de progresso económico e social.

Ora, como é que aumenta a riqueza geral?

A riqueza geral aumenta, como todos V. Ex.ªs sabem, pelo acrescentamento anual do que se poupa, do que não se gasta. Eu pregunto a V. Ex.ªs se fazem uma idea do que, por exemplo, no nosso País, se perdi; anualmente em matéria prima mal empregada e em tempo, consumidos em pura perda e esforços inúteis?

Não fazem, nem é fácil fazer.

Representam com certeza muitas dezenas de milhares de contos. E para o demonstrar eu posso citar um caso, que é um exemplo típico, passado comigo ainda há poucos dias.

Tratava-se de reconstruir uma parede traseira, que tinha caído, e um mestre de obras tinha projectado para fundação dessa parede uma placa de betom armado. A pedido do proprietário, graciosamente (o proprietário é meu parente), examinei o assunto e verifiquei isto: o mestre de obras, na sua ignorância, motivada pela falta de preparação escolar, e falho do espírito da técnica moderna, tinha projectado uma armadura com varões tam grossos e em malhas tam apertadas que eu não tive dificuldade em classificá-la, não de cimento armado, mas de alvenaria e ferro.

Direi a V. Ex.ªs que o excesso de ferro projectado sôbre o realmente necessário excedia, por metro corrente, uma importância de 150$.

Quere dizer: em cada metro corrente de parede o nosso homem ia empregar mais 150$ de ferro do que o realmente necessário.

V. Ex.ªs agora multipliquem isto por milhares ou por dezenas de milhares, juntamente com o que se perde e se desperdiça sob muitas outras formas das diferentes actividades comerciais, e farão uma idea aproximada do dinheiro que em pura perda se desperdiça.

V. Ex.ªs, por êste exemplo, fazem, por consequência, uma idea exacta da importância que tem a introdução, no trabalho das actividades económicas, dêste espírito que nada deixa ao acaso, que tudo subordina aos conhecimentos anteriores, à utilização dos estudos teóricos e àqueles resultados da experiência acumulada.

O Sr. Cortês Lobão (interrompendo): - V. Ex.ª dá-mo licença? O muro a que V. Ex.ª se referiu era construído em Lisboa ou fora?

O Orador: - Nos arredores de Lisboa, na Amadora.

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O Sr. Cortês Lobão: - V. Ex.ª sabe que a lei sôbre construções de cimento armado exige que os projectos sejam feitos por engenheiros civis?

O Orador: - Sei isso, mas o caso a que mo referi n3o cai sob a alçada da lei, porque o regulamento do cimento armado condiciona apenas os mínimos.

Mas, continuando, há portanto necessidade de introduzir no desenvolvimento do outras actividades êsse espírito a que mo estou referindo.

E, quanto a mim, estas considerações são, sob um certo aspecto, uma das justificações do ensino técnico.

O projecto que estamos discutindo atribue na sua base I, II o em parte da IV, aos diplomados pelas escolas técnicas uma preferência nos lugares do Estado.

Que significado tem esta disposição? Se realmente o ensino técnico fôr organizado e desenvolver a sua acção no sentido de assegurar uma preparação perfeita aos seus alunos e diplomados, esta disposição não tem aquele significado criticável do arranjar-lhes colocação.

Se realmente o ensino técnico fôsse largamente disseminado pelo País, melhor receberia e secundaria também por seu turno a acção que aos técnicos, aos engenheiros dirigentes da indústria compete desenvolver-no sentido de que o trabalho se realize com o máximo rendimento, isto é, com integral aproveitamento das matérias primas, com economia de tempo e de esfôrço. E, se assim é, é legítimo que o Estado, que criou, organizou o mantém êsse ensino, seja o primeiro a beneficiar dos efeitos dêle.

Por consequência, as bases I, II e em parte a IV exprimem o direito e conveniência que o Estado tem do tirar proveito do dinheiro que empregou no estabelecimento das escolas e na sua manutenção.

Mas destina-se a escola técnica a quê? : Destina-se a preparar profissionais como o em que espírito? Na escola ou profissão, que é muito vasta?

Aparecem-nos especialidades numerosas, todas elas mais ou monos necessitam possuir conhecimentos que vão além de simples empirismo.

Por exemplo, o electricista, especialmente o electricista industrial, precisa de saber o que faz. O electricista que tem a seu cargo, a conservação do motores, por exemplo... Eu não sei se abuso da paciência de V. Ex.ªs; este terreno é árido...

Ta eu a falar do motoros eléctricos. Em motores eléctricos há diversas espécies: correntes contínua, alterna, síncrona, etc.

Um operário electricista, montador, que tem a seu cargo uma secção destas tem de saber fazer rolamentos, isolamentos, tem de ter conhecimentos vastos e variados, porque umas vozes está em presença com a corrente contínua, outras vezes com a alterna, o ainda outras com a síncrona, etc.

Se passarmos para o pedreiro, carpinteiro, serralheiro mecânico, torneiro, etc., o mesmo se verifica.

Outro exemplo, que não deixa do ser curioso. Trata-se de montar, por exemplo, um grupo electrogéneo a certa potência; o simples desnivelamento pode causar deficiências, visto que êsse grupo tom de ser assento sôbre uma fundação perfeitamente nivelada; além dum certo limito, em que só considera o nivelamento que está feito, é possível ainda aperfeiçoar êsse limite. E então nós podemos encontrar deficiências.

Essas simples deficiências têm uma acção importante na direcção da mecânica, porque criam um desequilíbrio no centro de gravidade.

O mesmo sucede em muitas outras especialidades.

É difícil a um leigo avaliar dos conhecimentos da aritmética e geometria que tem de ter, por exemplo, o serralheiro mecânico, que trabalha com o motor plano, etc. E isso não é qualquer.

Estes conhecimentos tem de ser ministrados obedecendo a um plano racional e têm do ser adquiridos pelo aluno de tal forma que, simultâneamente com êles, êle aprenda essas noções do melhor rendimento.

A escola técnica compete e esta segunda conclusão é importantíssima esta grandíssima função, a função do criar e defender entro as classes trabalhadoras o espírito da técnica moderna.

O projecto de lei que estamos discutindo, na sua base III, atendo a esta necessidade, e atende porque autoriza o Govêrno a estudar a reforma dos cursos. Ora, quem diz reforma dos cursos diz a reforma dos programas, a reforma da organização interna das escolas. Autoriza, por consequência, o Govêrno a estudar a reforma de maneira a fazer com que as escolas técnicas não só ministrem os conhecimentos técnicos e dêem aos profissionais os conhecimentos que devem ter, mas lhes incutam os atributos a que me estou referindo.

É de esperar que o Govêrno utilize essa faculdade determinada na referida base para o fim desejado.

E a êste propósito quero fazer uma observação relativa a um perigo que se corre, nestes casos, frequentemente em Portugal.

No nosso País existe uma tendência para se enaltecer a prática em detrimento da teoria, e é frequente ouvir-se pessoas gabarem os cursos rápidos do engenheiros, que se fazem no estrangeiro, em que um indivíduo vai para lá com o curso dos liceus e quatro anos depois volta com o curso de engenheiro, argumentando-se que êsses cursos dão a prática, o a prática é tudo. Êste conceito é um conceito errado e uma tendência lúcida da própria natureza.

Da mesma natureza é a mesma tendência que pode produzir-se no caso particular de que nos estamos ocupando, atribuindo ao prático a missão de ensinar na escola técnica. É claro que o prático pode ensinar na escola técnica as cousas que sabe. Sem dúvida. Mas o corpo docente deve ser constituído de forma que transmita aos alunos êsse espírito de técnica moderna a que me tenho referido, porque só quem o possue é que o transmite, e êsse espírito só o possuem os engenheiros, os dirigentes de indústria e os técnicos.

De maneira que temos de fazer votos para que, utilizando a faculdade que lhe é conferida pela base III dêste projecto, o Govêrno defenda do só exagerar o valor da prática sôbre a teoria.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Como ainda há vários oradores inscritos, o não há tempo para se concluir a discussão deste projecto, vou encerrar a sessão.

A próxima sessão será amanhã, com a seguinte ordem do dia:

Continuação da discussão do projecto do lei n.º6l.
Ratificação do decreto-lei n.º 26:174.

Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.

O REDACTOR - Conta Brochado.

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CÂMARA CORPORATIVA

Parecer sôbre o projecto de lei acêrca da obrigação de os proprietários de automóveis trasferirem a sua responsabilidade civil para companhias de seguros

Consultada acerca do projecto de lei sôbre a obrigação dos proprietários de automóveis transferirem a sua responsabilidade civil para companhias de seguros, a Câmara Corporativa, pelas suas 10.ª e 12.ª secções, ouvida a 20.ª, emite o seguinte parecer:

O projecto de lei do ilustre Deputado Sr. José Saudade e Silva, cuja oportunidade é justo salientar, tem por objectivo o alto significado moral de reparar, de um modo mais justo, os danos materiais que resultam dos acidentes ocasionados por veículos de tracção mecânica.

Com efeito, não é de boa justiça nem é humano que a vítima de um acidente incluído na, em direito, denominada reparação civil esteja subordinada à circunstância aliás fundamental para a base de incidência da indemnização da condição económica e social dos responsáveis, proprietários dos veículos, como observa e comina a última parte da alínea b) do artigo 138.º do Código da Estrada (decreto n.º 18:406).

Desta anómala legislação em vigor têm resultado, como não podia deixar de ser, determinações de indemnizações, por acidentes, de quantitativos ridículos em relação aos prejuízos causados, mais se distinguindo esta injusta aplicação nos considerados casos fatais.

De há muito que se sentia, portanto, a necessidade de dar pronto remédio a uma situação que, em boa humanidade social, não é de admitir, e êsse remédio pretende atingi-lo aquele ilustre Deputado com o projecto de lei em questão.

Concordamos, pois, em absoluto com o fim que o mesmo pretende atingir, mas afigura-se-nos que o projecto de que se trata não se reporta convenientemente aos artigos inducionais da reparação civil, limitando-se a citar o artigo 139.º (base I) do Código da Estrada, o que o torna, portanto, pouco completo.

A sugestão a que o projecto sujeito se refere relaciona-se, no seu fundamento e base execucional, ao todo exposto e estipulado embora de modo diferente no capítulo VII, sob a epígrafe «Reparação civil», do decreto n.º 18:406 (Código da Estrada) e a alterações introduzidas pelo decreto n.º 18:625.

Ora, sendo assim, e tendo de depender a eficiência do que se pretende agora legislar do já estipulado e legislado, cremos que é preferível, por sua maior consentaneidade, que para atingir tal fim se altere sómente o Código da Estrada na parte conveniente, de modo a dar cabal cumprimento ao objectivo que se pretende conseguir.

Do parecer formulado pela 20.ª secção passamos a transcrever a seguinte passagem, por a considerarmos muito elucidativa:

O nosso Código Civil, elaborado numa época em que se desconhecia o motor rápido de combustão interna e era impossível prever o extraordinário incremento dos meios de transporte terrestre, e quanto mais os aéreos, sàbiamente estabeleceu, no entanto, o princípio da obrigação da reparação dos prejuízos causados por factos ou omissão de factos (artigos 2361.º e seguintes) e consignou já, no artigo 2398.º, em título consagrado à responsabilidade por perdas e danos provenientes da inobservância de regulamentos ou por desleixo ou incúria, que os empresários de viação a vapor, ou outro ramo de transporte, seriam responsáveis não só pelos danos e prejuízos causados à propriedade alheia, mas também pelos acidentes que, por culpa sua ou de seus agentes, ocorrerem a qualquer pessoa, acrescentando, em parágrafos, que idêntica responsabilidade recai sôbre os que, no exercício de tais emprêsas, profissões ou mesteres, causarem dano ou prejuízo a propriedades ou pessoas alheias, quando se verificar que voluntariamente deixaram de observar ou fazer observar as regras comuns e seguidas na praxe, sem embargo da atenuação da responsabilidade quando se prove que houve culpa ou negligência por parte do lesado.

Tais disposições pareceram insuficientes ou imprecisas para atenderem à intensidade do moderno tráfego de transportes, e daí veio o decreto n.º 4:536, de 3 de Julho de 1918, a defini-las e ampliá-las, do mesmo passo que estabelecia um processo especial, sumário, para as acções judiciais tendentes à efectivação da responsabilidade civil dos lesantes. Pouco tempo esteve, porém, em vigor tal diploma, pois foi substituído pelo decreto n.º 5:646, de 10 de Maio de 1919, o qual, aliás, revogando a parte processual, manteve integralmente as disposições substantivas do anterior e introduziu uma innovação que, para o caso sujeito, muito interessa.

Com efeito, foi no artigo 8.º e seu parágrafo dêste decreto que ficou estabelecido que as pessoas ou entidades responsáveis pela indemnização poderão transferir a sua responsabilidade para quaisquer companhias de seguros devidamente autorizadas, as quais serão chamadas à autoria, nos

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termos dos artigos 322.º e 325.º do Código do Processo Civil, quando aos lesantes fôr exigida responsabilidade.

O actual Código da Estrada (decreto n.º 18:406, de 31 de Maio de 1930), no artigo 138.º, alínea d), e $ 1.º, não fez mais que reproduzir êsse preceito. Foi, porém, mais além, nos $$ 2.º, 3.º e 4.º do mesmo artigo, relativamente ao transporte colectivo de passageiros em carreiras automóveis, pois para estas preceituou a indispensabilidade de prévia apresentação da apólice de seguro, a cobrir responsabilidades na proporção de 5.000$ por passageiro, ou a prestação de caução idónea correspondente.

O projecto do Sr. Deputado Saudade e Silva tende a estabelecer a obrigação do seguro prévio para todos os veículos de tracção mecânica, com excepção dos que forem pertença do Estado e dos corpos administrativos, e dos destinados a transportes colectivos de passageiros, sendo de 100.000$ o limite mínimo da responsabilidade assumida, pela apólice.

Não há razões ponderosas a contrapor à obrigatoriedade do seguro. Se é certo que se não deve embaraçar a expansão do admirável meio de transporte rápido que é o automóvel, o melhor animador da vida económica do País, pela fácil e rápida deslocação dos produtos, e o melhor colaborador do movimento turístico, pela cómoda e pronta digressão dos viajantes, utilizando a excelente rêde de estradas de que já hoje dispomos e vai alargando, certo é também que o encargo do seguro não é incomportável para os proprietários dos veículos, tendo a contrapartida quer da tranquilidade dos mesmos proprietários em relação às suas responsabilidades, sempre iminentes, quer da certeza da compensação material para as vítimas de desastres, bem merecedoras de uma protecção, que é, de resto, uma das funções sociais do Estado.

Os Estados Unidos da América do Norte, país que, pode dizer-se, atingiu a saturação automóvel, pois registou, em 1935, 26.150:000 carros, ou seja 1 por família, ou 1 por 4,5 habitantes, registou também cerca de 35:000 acidentes mortais por êles causados. Em Portugal, os serviços de estatística são, neste ramo, já bastante perfeitos, e, assim, a estatística de 1934 acusa a existência de 49:472 automóveis em todo o País, que causaram 1:335 acidentes, dos quais 183 mortais. É evidente que estes números têm aumentado e tendem a aumentar mais, pois devemos ter neste momento cêrca de um automóvel para cada 150 habitantes, e há que contar, para o vulto dos acidentes, com o traçado defeituoso das nossas velhas estradas, com a existência de vedações, barreiras e arvoredos, em pontos que impedem ou deminuem a visibilidade nas curvas, com a incultura de grande parte da população, e outros factores materiais ou psicológicos que fazem prever um crescente número de sinistros. A caiição idónea, facilmente mobilizável, ou o seguro por companhia habilitada são portanto de aconselhar, quanto a esta espécie de veículos.

O projecto de lei que estamos apreciando isenta da obrigatoriedade do seguro os veículos automóveis de transporte colectivo de passageiros, o que não é de aceitar.

Os $$ 2.º, 3.º e 4.º do artigo 138.º do Código da Estrada só estabelecem o seguro obrigatório em relação aos passageiros transportados, não abrangendo os transeuntes lesados por veículo alheio, que são justamente aqueles que visa o projecto de que se trata. Nas bases que apresentamos se remedeia esta deficiência.

Pelo que diz respeito à limitação do custo máximo da apólice, visado na base IV do projecto que apreciamos, julgamos dispensável a sua inserção, visto que, pela legislação em vigor, não é possível qualquer abuso neste particular, por o Estado, pela Inspecção de Seguros, o não permitir.

Julgamos indispensável prever as sanções a aplicar àqueles que não cumpram com as novas disposições de que nos estamos ocupando, o que se faz nas bases que propomos.

Nestas condições, sugerimos que ao projecto seja dada a seguinte forma:

BASE I

Deve ser modificado o Código da Estrada (decreto n.º 18:406, de 31 de Maio de 1930, alterado pelo decreto n.º 18:625) do modo seguinte:

1.º A alínea b) do artigo 138.º deve ter a seguinte redacção:

A indemnização consistirá no pagamento de uma quantia fixada pelo prudente arbítrio do julgador, o qual deverá ter sempre em atenção não só a gravidade do acidente e as circunstâncias em que se deu, mas também, e sobretudo, as consequências dêle resultantes em relação à condição social do lesado e à deminuição ou cessação da sua função económica e familiar.

2.º A alínea c) do mesmo artigo deve ser suprimida, porque a caução ou seguro prévios a tornam praticamente inútil.

3.º A alínea d) deve passar a alínea c), com a seguinte redacção:

As pessoas ou entidades proprietárias de automóveis civilmente responsáveis pela indemnização a que êste artigo se refere, ficarão obrigadas a transferir a sua responsabilidade para qualquer companhia de seguros legalmente autorizada até ao quantitativo mínimo de 100.000$, ou a prestar caução idónea correspondente, facilmente mobilizável.

4.º O $ 2.º do mesmo artigo 138.º deve ter a seguinte redacção:

Quando se trate de veículos automóveis para transporte colectivo de passageiros será exigida, além da obrigação geral já consignada na alínea c), a prévia apresentação de outra apólice de seguro contra o risco que possam sofrer os referidos passageiros, na proporção de 5.000$ por cada um dos previstos na respectiva lotação, incluindo o pessoal da empresa, excepção feita do condutor e cobrador, quando no exercício das suas funções, ou a prestação de caução idónea pelo montante correspondente, nos termos do número anterior.

5º No artigo 142.º deve ser elevado o quantitativo de 20.000$ para 100.000$.

6.º Ao artigo 145.º deve adicionar-se o seguinte:

$ único. As pessoas ou entidades civilmente responsáveis que não derem cumprimento ao disposto na alínea c) do artigo 138.º incorrerão na pena de multa de 1.000$ a 3.000$, sem prejuízo

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de responsabilidade civil e criminal em que incorrerem pelos acidentes por que forem responsáveis. No caso de reincidência a multa poderá ser elevada até 10.000$ e será sempre cumulada com prisão correccional até doze meses.

BASE II

Na expressão «automóveis» empregada na alínea c) consideram-se compreendidos todos os veículos de tracção mecânica para transporte de passageiros ou mercadorias, sem via própria, com excepção dos pertencentes ao Estado e aos corpos administrativos.

BASE III

Os seguros e as cauções a que se refere a alínea c) devem estar efectuados no prazo de três meses, a contar da data da publicação desta lei.

Sala das Sessões da Câmara Corporativa, 14 de Janeiro de 1936.

Joaquim Abranches (assessor, servindo de presidente).

José da Glória.

Jaime Ferreira.
João Duarte.

Geraldo Braamcamp de Mancelos (relator).

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