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212 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 150

E esses cinquenta anos desactualizaram-na, envelheceram-na, para o que contribuiu poderosamente a evolução da nossa orgânica constitucional dos últimos tempos.
A estrutura do Estado foi notavelmente reforçada.
A função de governar acentuou-se fortemente, no sentido pessoal.
A ofensa à dignidade ou à vida dos homens de Estado tem hoje uma repercussão infinitamente maior e efeitos infinitamente mais perigosos do que teria há apenas uma dúzia de anos.
Por outro lado, as lutas políticas assumiram um carácter imprevisto de violência, em que tudo é sacrificado aos objectivos, sem escrúpulos nem hesitações.
A vida humana, já se disse, perdeu o seu valor sagrado e tradicional; isto é, a temibilidade do ambiente aumentou em proporções difíceis de prever.
O ódio ao Poder e aos homens que o exercem exacerbou-se até ao paroxismo, o que é o mesmo que dizer que o perigo que as suas vidas correm se agravou extraordinariamente.
Do que fica dito se conclue que se impõe uma revisão, firme e conscienciosa, da nossa legislação penal referente a esta matéria.

A pena é uma inutilidade quando não atinja o duplo objectivo da eficaz intimidação do possível criminoso e da justa punição do crime.
É um conceito simples, natural e humano, que a consciência universal aceitou definitivamente.
Ora a segregação do meio social por tempo limitado, último termo da nossa escala penal, perdeu quási totalmente o seu valor intimidativo.
Diversas circunstâncias contribuíram para isso.
Entre elas avultam a crise económica contemporânea, que a muitos faz ver o período de privação da liberdade como uma solução cómoda do seu problema da vida, e a convicção, infelizmente generalizada, de que poucos são os criminosos, condenados a um longo período de reclusão, a quem um impulso generoso do Poder não antecipa a liberdade e até a rehabilitação.
Que esta pena, para muitos casos, não é hoje uma sanção justa e adequada ninguém contestará de boa fé.
Pense-se, por exemplo, nos crimes contra a sensibilidade e contra a moral, que afectam profundamente a consciência social, ou nos que prejudicam ou comprometem, por forma irremediável, os superiores interesses da Nação.
É preciso pois ampliar o quadro das penas da nossa legislação criminal e integrar nele categorias novas, plenamente capazes de realizar o duplo objectivo referido, da intimidação e da justiça.
O problema, que, assim posto, é de uma seriedade iniludível, tem de ser encarado com decisão e resolvido com coragem.
Há que pôr de parte velhos preconceitos românticos, hoje destituídos de actualidade e de sentido, e varrê-los da vida portuguesa.

Não é preciso inventar soluções; o problema está resolvido em quási todas as legislações do mundo.
Em todas elas a escala penal é completa; vai da simples multa pecuniária à morte, passando pelo trabalho obrigatório e, em alguns casos, público.
Contra as terríveis realidades sociais de hoje não há sentimentalidade que valha.
Cerrar os olhos para as não ver é cobardia.
Uma nação não pode governar-se e defender-se com humanitarismos suicidas.
Se a ofendem, se a ferem, no seu interesse fundamental, a defesa deve ser sempre justamente proporcional ao ataque; isto é, à ofensa mortal deve corresponder a morte.
A pena de morte não é uma innovação, como poderá pensar-se.
Estabelece-a o Código da Justiça Militar, para alguns crimes, dos considerados essencialmente militares (traição, espionagem, insubordinação, etc.).
Convém esclarecer que ela é aplicável tanto a militares como a civis, quando hajam praticado determinados actos, ofensivos da segurança e da disciplina do exército ou da armada.
E não se julgue que este preceito é letra morta.
Está em pleno vigor; simplesmente o seu campo de aplicação é limitado, no espaço e no tempo, restringindo-se esta ao teatro e à duração da guerra.
Mas existe; existe para prevenir a prática de certos crimes gravemente lesivos do interesse nacional, ou para puni-los quando perpetrados.
Integrá-lo na escala penal, com certo carácter de relativa generalidade, não é afinal mais do que ampliar as suas condições de aplicação.
Todos os povos vivem hoje, pode dizer-se, em estado de guerra permanente - a pior das guerras, a mais cruel e a mais impiedosa, que é a guerra do interior.
Trata-se, pois, em última análise, de aplicar a esta guerra, de que o Estado não tem a iniciativa nem a responsabilidade e em que a sua posição é simplesmente defensiva - a lei da guerra.

O trabalho obrigatório e público impõe-se desde há muito, como correcção necessária ao nosso regime geral de trabalhados condenados.
A sua quási totalidade cumpre a pena de prisão em permanente ociosidade, porque, nos respectivos estabelecimentos penais, não tem trabalho, nem poderá vir a tê-lo.
O Estado não pode organizar nem manter oficinas bastantes em todas as cadeias; nem lhe seria fácil, ainda que fosse possível, assegurar o consumo de todos os produtos aí manufacturados, sem falar em que a actividade industrial livre dificilmente poderia suportar essa concorrência, dadas as condições gerais dos mercados.
A solução deste problema tem de ser procurada noutra parte.
Não o seria o regresso à tentativa, já feita, do trabalho voluntário fora da prisão.
A experiência demonstrou, em pouco tempo, que a realidade não correspondia às excelências da intenção.
Encontrar-se-á talvez no trabalho fora da prisão, sim, mas obrigatório e regulado.
São já muitos e de várias espécies os trabalhos públicos empreendidos pelo Estado e pelos municípios.
Alguns, pela sua índole especial, são de carácter permanente.
Muitos outros hão-de necessariamente empreender-se em prazo curto.
Nesse vastíssimo campo há pois muito onde empregar e aproveitar, com manifestas vantagens de vária ordem, todas as possibilidades de trabalho dos condenados.
Tudo aconselha que se faça a experiência.
Opõe-se à instituição das penas referidas - capital e de trabalhos públicos - o preceito do artigo 8.º, n.º 11.º, da Constituição.
Aí se estabelece, com efeito, entre as garantias individuais dos cidadãos portugueses, que - "não haverá penas corporais perpétuas, nem a de morte, salvo, quanto a esta, o caso de beligerância com país estrangeiro e para ser aplicada no teatro da guerra".

Resultados do mesmo Diário
Página 0209:
para a Mesa um projecto de alteração à Constituição, no sentido de ser restabelecida a pena de morte
Pág.Página 209
Página 0210:
do nosso País sente tanto pela pena de morte, como pelas de carácter perpétuo, uma viva e compreensível
Pág.Página 210