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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 150

ANO DE 1937 6 DE DEZEMBRO

SESSÃO N.º 148 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 4 de Dezembro

Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Ex.mos Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro

SUMARIO:-O Sr. Previdente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. -- Foi aprovado, com rectificações, o Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente anunciou que catava na Mesa a Conta Geral do Estado relativa à gerência de 1924-1925.
O Sr. Deputado José Cabral enviou para a Mesa um projecto de alteração à Constituição, no sentido de ser restabelecida a pena de morte.

Ordem do dia. - Discutiu-se, na generalidade, a proposta de lei de alterações à Constituição Política, usando da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarãis, Cancela de Abreu, Draga da Cruz, Lopes da Fonseca e Melo Machado.
Encerrado o debate na generalidade, iniciou-se a discussão da mesma proposta na especialidade, tendo sido interrompidos os trabalhos por falta de número.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.

Ultima redacção. - Texto, aprovado pela Comissão de Última Redacção, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas.

Srs. Deputados presentes à chamada, 55.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 14.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Angelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim dos Prazeres Lança.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Pinto Osório Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Miaria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.

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Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto Pinheiro Torres.
Álvaro Freitas Morna.
António Pedro Pinto Mesquita Carvalho Magalhãis.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Diogo Pacheco de Amorim.
João Garcia Pereira.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
Manuel Fratel.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Cândida Parreira.
Querubim do Vale Guimarãis.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: -Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.

O Sr. Melo Machado:-Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para uma ligeira, rectificação: a p. 205, col. 2.ª, lin. 57.ª, onde se lê "equilíbrio substancial" deve ler-se "superavit substancial".

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovado o Diário com a rectificação apresentada.
Está na Mesa a Conta Geral do Estado relativa à gerência de 1924-1925. Vai ser enviada, para estudo, à comissão incumbida, do exame dessas contas.

Leu-se o expediente, que constava de uma representação do professor João Vicente de Oliveira Charrua, pedindo que no novo diploma do ensino primário fiquem assegurados os direitos dou professores habilitados com o curso de ciências pedagógicas.

O Sr. Presidente: - Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.

O Sr. José Cabral: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa um projecto de alteração do n.º 11.º do artigo 8.º da, Constituição. Sem querer desde já lixar a atenção da Assemblea sobre um problema muito complexo, como o que envolve este projecto de alteração à lei constitucional, quero no entanto dizer que, por ele, me proponho tornar possível a modificação, ou, melhor, a ampliação da nossa escala penal, introduzindo nela duas categorias novas, constituídas pela pena capital e pela de trabalhos públicos.
Talvez convenha esclarecer a Assemblea sobre as principais determinantes desta minha iniciativa. Ela vai, certamente, de encontro a um conjunto de preconceitos, porventura respeitáveis, de há muito enraizados em muitos bons espíritos.
Visto o problema no aspecto filosófico propriamente dito, sei perfeitamente que muita gente boa do nosso País sente tanto pela pena de morte, como pelas de carácter perpétuo, uma viva e compreensível repugnância. Repugnância, entendamo-nos pela inclusão destas penas na escala penal comum.
Mas para mim o problema não é apenas de carácter filosófico ou jurídico; é mesmo, e unicamente, um problema, social e político. Por consequência, o que possa pensar-se do problema encarado no primeiro aspecto não pode influir na solução que o meu espírito encontra, para ele, visto à luz do segundo.
É claro que não vou fatigar a Assemblea, desfiando aqui, agora sobretudo, o interminável rosário de argumentos pró e contra tais penas, que toda a gente conhece. Mas não resisto à tentação de dizer que algumas dessas razões as considero decisivas e que uma delas -talvez a mais impressionante- é esta: só o Estado tem o direito de mandar para a guerra, que o mesmo é dizer para a morte, milhares e milhares dos seus melhores cidadãos, os mais fortes e os mais patriotas, penso que ninguém pode contestar-lhe o de condenar à morte alguns dos piores.
O fundamento do seu direito é nos dois casos o mesmo - a legítima defesa.
Julgo que este argumento, despido de artifícios e, assim, reduzido a uma fórmula simples, não pode deixar de impressionar V. Ex.ªs como me impressiona a mim.
Se outros não houvesse - e são inúmeros -, talvez este bastasse para me resolver a propor à Assemblea a resolução do problema tal como se contém no meu projecto.
Um projecto de lei tendente a ampliar a nossa escala penal com mais as duas categorias a que acabo de referir-me não poderia porém ser apresentado, visto que a isso se opõe o já citado preceito da Constituição, que estabelece que no nosso País não haverá penas perpétuas, nem pena de morte, excepto, quanto a esta, o caso de guerra.
Torna-se, portanto, indispensável, para alcançar o objectivo que tenho em vista, proporá modificação prévia daquele preceito constitucional. É o que pretendo com o projecto que vou ter a honra, de mandar para a Mesa.
Muito mais poderia, dizer à Assemblea, mas sou o primeiro a reconhecer que o momento não é oportuno: sê-lo-á o da discussão. Nessa, altura estou certo de que hão-de produzir-se contra e favor da resolução que proponho todos os argumentos possíveis, alguns já conhecidos e outros porventura novos, aqui trazidos pelo alto espírito de alguns ilustres membros desta Assemblea.
Certo estou de que daqui sairá um estudo esclarecido do problema e a sua melhor o mais oportuna solução.
Antes de terminar permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que chame a atenção da Assemblea para o aspecto propriamente de ordem política, que se mo afigura merecer menção especial.
Depois de o meu espírito ter considerado a solução que proponho, - a melhor, ainda hesitaria em propô-la se não tivesse verificado - e para isso não é preciso ter larga visão - que as condições políticas da vida de hoje, em toda a parte, não são, de modo nenhum, parecidas com as de há alguns anos atrás.
Toda a gente vê, creio eu, que as lutas políticas do hoje assumiram em todo o mundo - e o nosso País não é uma excepção- um carácter de tal violência, e os seus processos são por tal forma impiedosos, que a defesa tem de acompanhar a evolução do ataque. É, por toda a parte, uma luta sem quartel, uma luta de morte.
E o seu objectivo não é apenas o Estado na sua essência ou na sua organização: é também, e sobretudo, a

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vida, a dignidade e a honra dos homens que nele exercem funções de governo e de autoridade.
Emquanto, por um lado, as cousas se passam assim, pelo do Estado, é forçoso reconhecer-se que os seus meios de defesa permanecem os mesmos de há dez, de há vinte, de há trinta ou mais anos, isto é, estão envelhecidos, desactualizados.
Há, pois, um forte desequilíbrio entre os termos da equação.
Há que restabelecer o equilíbrio, reforçando-se, o sistema defensivo da Autoridade e da Ordem.
Se a luta degenerou numa guerra feroz, sem leis, sem quartel, por parte dos que atacam, há que dotar a defesa comi armas novas, eficazes e actuais.
Foi este o objectivo que me propus realizar. Quero que se restabeleça o equilíbrio entre os processos por que se combate o Estado e a maneira por que ele se defende.
Não dou novidade a V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem à Assemblea, se disser que os acontecimentos que a mim próprio, como a tantos outros portugueses, profundamente impressionaram, chamando-nos à dura realidade do momento que vivemos, foram os bárbaros atentados de há meses, e principalmente o perpetrado contra a vida do Chefe do Governo. E não é apenas que esse atentado tenha sido cometido contra um homem que todos os bons portugueses têm dentro do coração; é porque esse homem, além de ser quem é, representa a mais alta expressão da Autoridade e da Ordem.
No momento desse atentado, eu vi como vítima menos a pessoa do Sr. Dr. Oliveira Salazar do que - a Nação.
Notem V. Ex.ªs que esta luta de feras, que abala, o mundo nos seus fundamentos, não é apenas uma luta entre os nacionais de um país e as autoridades desse país.
Tem um carácter mais grave, porque vem de fora e de longe, de uma entidade, de uma potência, de um Estado, dispondo de meios formidáveis de acção, o que significa um perigo sério e universal.
Por isso me permito chamar a atenção de todos e do País para este gravíssimo aspecto do problema.
Não são apenas nacionais de um Estado que se rebelam contra a sua autoridade; trata-se de homens que, dentro do seu país, procuram aniquilar, por todos os meios, a ordem e a paz nacionais - às ordens e em proveito de um Estado estrangeiro.
Para todos estes males, contra todos estes perigos, há que aumentar a capacidade defensiva do Estado, actualizar os seus instrumentos de combate.
Procuro encarar este problema num aspecto de estrita objectividade política. Mas, se é possível encontrar-se uma solução menos dura do que a que proponho, ela terá, antecipadamente assegurado, o meu voto.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O projecto de lei do Sr. Deputado José Cabral é o seguinte:

Os atentados recentemente perpetrados no País chamaram, mais uma vez, a atenção geral para o carácter de estremada violência das lutas políticas de hoje.
Um terrível vento de insânia sopra pelo inundo, abalando desde os seus fundamentos a velha estrutura crista da civilização europeia.
Ideários de contextura aliciante prometem aos homens, neste momento de aguda crise económica, uma felicidade impossível e uma justiça irrealizável, perturbando-lhes o espírito e transviando-lhes a consciência.
Grupos de nações entrechocam-se numa luta surda e impiedosa, que em cada momento ameaça tornar-se guerra aberta e geral.
Os homens, perdido o equilíbrio moral, que uma propaganda corrosiva e minaz subverteu, lançam-se uns contra os outros, numa fúria de extermínio, em que não há princípios, nem leis, nem quartel.
A vida humana nada é para muitos; planeiam-se e executam-se, friamente, com uma insensibilidade arripiante, os mais bárbaros atentados.
Na face da terra parece que já nada há intangível, nem no domínio material nem no espiritual.
É uma espécie de vesânia universal, indicadora da mais terrível crise de que reza a história dos povos.
Perpetra-se, metodicamente, como cousa natural, a destruição do património espiritual da humanidade, acumulado pacientemente em séculos e séculos de labor, porfiado e nobre.
Procura-se aniquilar a tradição, suprema força das nações, onde quer que se afirme.
Negam-se os princípios da honra e do direito, de que os homens fizeram sempre escopo magnífico da vida.
Persegue-se a cultura, como se fora o pior inimigo do homem, e avilta-se a ciência, utilizando-a principalmente contra a vida dos homens e das nações.
Tenta-se arrastar a humanidade para o caos, diz-se que para edificar sobre as ruínas um mundo novo, onde certamente, pelo que se vê, não haverá lugar para as altas preocupações do espírito, onde o trabalho será escravidão, a pátria um ergástulo, a família uma mentira, a vida um inferno.
Sob a máscara da revolução universal em prol de uma classe, oculta-se o pior dos imperialismos - o imperialismo de uma seita ainda mais do que o de uma raça.

Entretanto, esta aterradora intoxicação da humanidade não se faz, graças a Deus, sem reacção.
A resistência ao morbus maldito organiza-se aqui e além com êxito pleno.
Nações e raças têm podido, num esforço prodigioso, senão imunizar-se totalmente, ao menos localizar o flagelo, opondo ao seu alastramento uma barreira invencível.
Alguns homens predestinados, homens de génio esclarecido e vontade firme, dirigem e conduzem os seus povos nesta guerra universal sem precedentes, em que a vitória total e definitiva se entremostra já, como esperança sedutora, através das incertezas do momento que passa.
Nunca vidas humanas correram risco maior do que as suas, porque jamais a vida da humanidade dependeu, tanto como hoje, da vida de poucos homens.

Todas as legislações consignaram sempre princípios e preceitos de carácter especial, tendentes a proteger a vida e a dignidade dos que exercem funções de governo e de autoridade.
Mas tais preceitos são sempre formulados em função de conceito coetâneo da autoridade e da maior ou menor temibilidade do ambiente criminal.
Estes factores porém modificam-se, acompanhando as evoluções da vida.
É pois forçoso, de quando em quando, para que a correspondência dos dois termos da equação subsista, que as leis sejam revistas e actualizadas.
De outro modo deixará de manter-se a necessária relação entre a gravidade actual de um crime e a sanção adequada e justa que deve corresponder-lhe.

Data de 1886 a legislação portuguesa que regula esta matéria.
Decorreu, assim, mais de meio século desde o início da sua vigência.

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E esses cinquenta anos desactualizaram-na, envelheceram-na, para o que contribuiu poderosamente a evolução da nossa orgânica constitucional dos últimos tempos.
A estrutura do Estado foi notavelmente reforçada.
A função de governar acentuou-se fortemente, no sentido pessoal.
A ofensa à dignidade ou à vida dos homens de Estado tem hoje uma repercussão infinitamente maior e efeitos infinitamente mais perigosos do que teria há apenas uma dúzia de anos.
Por outro lado, as lutas políticas assumiram um carácter imprevisto de violência, em que tudo é sacrificado aos objectivos, sem escrúpulos nem hesitações.
A vida humana, já se disse, perdeu o seu valor sagrado e tradicional; isto é, a temibilidade do ambiente aumentou em proporções difíceis de prever.
O ódio ao Poder e aos homens que o exercem exacerbou-se até ao paroxismo, o que é o mesmo que dizer que o perigo que as suas vidas correm se agravou extraordinariamente.
Do que fica dito se conclue que se impõe uma revisão, firme e conscienciosa, da nossa legislação penal referente a esta matéria.

A pena é uma inutilidade quando não atinja o duplo objectivo da eficaz intimidação do possível criminoso e da justa punição do crime.
É um conceito simples, natural e humano, que a consciência universal aceitou definitivamente.
Ora a segregação do meio social por tempo limitado, último termo da nossa escala penal, perdeu quási totalmente o seu valor intimidativo.
Diversas circunstâncias contribuíram para isso.
Entre elas avultam a crise económica contemporânea, que a muitos faz ver o período de privação da liberdade como uma solução cómoda do seu problema da vida, e a convicção, infelizmente generalizada, de que poucos são os criminosos, condenados a um longo período de reclusão, a quem um impulso generoso do Poder não antecipa a liberdade e até a rehabilitação.
Que esta pena, para muitos casos, não é hoje uma sanção justa e adequada ninguém contestará de boa fé.
Pense-se, por exemplo, nos crimes contra a sensibilidade e contra a moral, que afectam profundamente a consciência social, ou nos que prejudicam ou comprometem, por forma irremediável, os superiores interesses da Nação.
É preciso pois ampliar o quadro das penas da nossa legislação criminal e integrar nele categorias novas, plenamente capazes de realizar o duplo objectivo referido, da intimidação e da justiça.
O problema, que, assim posto, é de uma seriedade iniludível, tem de ser encarado com decisão e resolvido com coragem.
Há que pôr de parte velhos preconceitos românticos, hoje destituídos de actualidade e de sentido, e varrê-los da vida portuguesa.

Não é preciso inventar soluções; o problema está resolvido em quási todas as legislações do mundo.
Em todas elas a escala penal é completa; vai da simples multa pecuniária à morte, passando pelo trabalho obrigatório e, em alguns casos, público.
Contra as terríveis realidades sociais de hoje não há sentimentalidade que valha.
Cerrar os olhos para as não ver é cobardia.
Uma nação não pode governar-se e defender-se com humanitarismos suicidas.
Se a ofendem, se a ferem, no seu interesse fundamental, a defesa deve ser sempre justamente proporcional ao ataque; isto é, à ofensa mortal deve corresponder a morte.
A pena de morte não é uma innovação, como poderá pensar-se.
Estabelece-a o Código da Justiça Militar, para alguns crimes, dos considerados essencialmente militares (traição, espionagem, insubordinação, etc.).
Convém esclarecer que ela é aplicável tanto a militares como a civis, quando hajam praticado determinados actos, ofensivos da segurança e da disciplina do exército ou da armada.
E não se julgue que este preceito é letra morta.
Está em pleno vigor; simplesmente o seu campo de aplicação é limitado, no espaço e no tempo, restringindo-se esta ao teatro e à duração da guerra.
Mas existe; existe para prevenir a prática de certos crimes gravemente lesivos do interesse nacional, ou para puni-los quando perpetrados.
Integrá-lo na escala penal, com certo carácter de relativa generalidade, não é afinal mais do que ampliar as suas condições de aplicação.
Todos os povos vivem hoje, pode dizer-se, em estado de guerra permanente - a pior das guerras, a mais cruel e a mais impiedosa, que é a guerra do interior.
Trata-se, pois, em última análise, de aplicar a esta guerra, de que o Estado não tem a iniciativa nem a responsabilidade e em que a sua posição é simplesmente defensiva - a lei da guerra.

O trabalho obrigatório e público impõe-se desde há muito, como correcção necessária ao nosso regime geral de trabalhados condenados.
A sua quási totalidade cumpre a pena de prisão em permanente ociosidade, porque, nos respectivos estabelecimentos penais, não tem trabalho, nem poderá vir a tê-lo.
O Estado não pode organizar nem manter oficinas bastantes em todas as cadeias; nem lhe seria fácil, ainda que fosse possível, assegurar o consumo de todos os produtos aí manufacturados, sem falar em que a actividade industrial livre dificilmente poderia suportar essa concorrência, dadas as condições gerais dos mercados.
A solução deste problema tem de ser procurada noutra parte.
Não o seria o regresso à tentativa, já feita, do trabalho voluntário fora da prisão.
A experiência demonstrou, em pouco tempo, que a realidade não correspondia às excelências da intenção.
Encontrar-se-á talvez no trabalho fora da prisão, sim, mas obrigatório e regulado.
São já muitos e de várias espécies os trabalhos públicos empreendidos pelo Estado e pelos municípios.
Alguns, pela sua índole especial, são de carácter permanente.
Muitos outros hão-de necessariamente empreender-se em prazo curto.
Nesse vastíssimo campo há pois muito onde empregar e aproveitar, com manifestas vantagens de vária ordem, todas as possibilidades de trabalho dos condenados.
Tudo aconselha que se faça a experiência.
Opõe-se à instituição das penas referidas - capital e de trabalhos públicos - o preceito do artigo 8.º, n.º 11.º, da Constituição.
Aí se estabelece, com efeito, entre as garantias individuais dos cidadãos portugueses, que - "não haverá penas corporais perpétuas, nem a de morte, salvo, quanto a esta, o caso de beligerância com país estrangeiro e para ser aplicada no teatro da guerra".

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A inclusão de tais penas na nossa escala penal, mesmo quando a sua aplicação haja de fazer-se só em casos excepcionais, exige pois a prévia modificação desse texto constitucional.
Pelo exposto, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º O n.º 11.º do artigo 8.º da Constituição passa a ter a seguinte redacção:

"Não haverá penas corporais perpétuas, nem a de morte, salvo, quanto a esta, o caso de beligerância com país estrangeiro e para ser aplicada no teatro da guerra, e, quanto a ambas, os crimes contra a segurança do Estado".

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.

Assemblea Nacional, 25 de Novembro de 1937.- O Deputado José Cabral.

O Sr. Presidente:-Se ninguém mais quere usar da palavra antes da ordem do dia, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em discussão a proposta de lei de alterações à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.

O Sr. Antunes Guimarãis:-Sr. Presidente: são apenas umas considerações muito rápidas que vou fazer sobre a generalidade deste assunto de flagrante importância: alterações à Constituição. É evidente que esta Assemblea, com os poderes excepcionais de que dispõe para rever e alterar a Constituição do País, logo no seu primeiro período teve o cuidado de proceder a determinadas modificações na Constituição. Volvidos três anos de legislatura, com a experiência dum trabalho longo que eu posso classificar de profícuo, tanto desta Assemblea como da Câmara Corporativa, justo é que esta Assemblea aproveite essa lição de três anos para introduzir na Constituição do País aquelas modificações que lhe pareçam absolutamente necessárias para preparar o trabalho da futura Assemblea e da Câmara Corporativa.
Está no nosso espírito introduzir essas modificações no sentido de modificar e tornar mais profícuo o trabalho da futura Assemblea Nacional e Câmara Corporativa, que todos nós desejamos que seja útil e vantajoso para a Nação.
Mas não se trata apenas de facilitar o trabalho desses organismos, mas também de dignificar a sua acção.
É preciso que as alterações à Constituição sejam de molde a que os noventa Deputados que no próximo ano venham sentar-se nestas cadeiras possam dizer que nós procurámos não só facilitar o seu mandato mas também dignificar a sua acção.
É nesse sentido, Sr. Presidente e meus senhores, que eu entendo que as alterações devem ser feitas à nossa Constituição.
Alguns dos assuntos tratados na proposta ou projecto de lei são, evidentemente, meras adaptações a diplomas já aprovados - o Código Administrativo e outros. São simples modificações da maneira de trabalhar, que merecem a minha aprovação. Há, porém, outros pontos que entram na estrutura desta Assemblea e esses precisarão, na especialidade, duma grande discussão, por forma a serem apreciados com toda a cautela. Antes de mais nada eu entendo que a apreciação isolada das duas propostas de alteração, da que é da autoria do Governo e da que é apresentada pelos nossos ilustres colegas que constituíram a Comissão de revisão do Regimento, seria inconveniente. Consequentemente e a meu ver, esses dois
diplomas devem ser apreciados simultaneamente, porque, se eles em muitos pontos se confundem, a sua orientação é diversa. Em alguns pontos a proposta de alteração do Governo, bem como o parecer da Câmara Corporativa, seguem uma orientação diversa daquela que segue a Comissão constituída, pelos nossos ilustres colegas.
Os nossos ilustres colegas procuram, sistematicamente, a valorização do trabalho da Assemblea Nacional. Não querem, de maneira nenhuma, limitar ou reduzir o período da actividade da Assemblea Nacional. Entendem, e muitíssimo bem, que os três meses são precisos.
Diz-se, por exemplo, no parecer da Câmara Corporativa, que por diversas vezes esta Assemblea não tinha matéria para estudar. Pois devia tê-la sempre. Bastava que aqui viessem todos os diplomas dimanados do Governo que fossem de urgência ou de grande interesse nacional, para terem a ratificação da Assemblea Nacional, como inicialmente se dizia, para nós termos sempre matéria para trabalhar e sermos úteis à Nação.
Não compreendo bem a razão por que alguns diplomas devem necessitar dessa ratificação e outros não.
Introduz-se agora até, ou pretende introduzir-se, uma modificação no sentido de que o período legislativo de três meses consecutivos de trabalhos possa ser subdividido em diferentes períodos, e que todos esses decretos não publicados no intervalo das sessões sejam dispensados da nossa ratificação.
Quere dizer: diplomas de grande importância poderão deixar assim de vir à ratificação da Assemblea Nacional. Ficam à mercê do acaso: se forem publicados durante os nossos trabalhos é porque necessitam da nossa ratificação, emquanto que se forem publicados no intervalo das sessões é porque se torna dispensável tal ratificação. Ora eu entendo que ou a ratificação é necessária para todos, ou a dita ratificação é uma medida dispensável...

O Sr. Presidente:- V. Ex.ª dá-me licença. Sr. Dr. Antunes Guimarãis? V. Ex.ª deve recordar-se de que no texto primitivo da Constituição estava prevista essa doutrina; mas foi aqui apresentada uma proposta de alteração, que a Assemblea votou já, no sentido de só virem à ratificação da Assemblea Nacional os decretos-leis publicados durante o período das sessões da Câmara.

O Orador:- Mas, Sr. Presidente, tenta-se agora dar maior elasticidade a essa deliberação, isto é, divide-se o período legislativo em diferentes sérios de sessões, de forma que àqueles decretos que por acaso são publicados nesses pequenos intervalos de trabalhos legislativos não carecem de ratificação, ao passo que os restantes continuam a carecer da mesma.
Entendo que é uma doutrina que não tem grande justificação, ou então a medida deveria ser tomada no sentido de uma dispensa geral de ratificação ou de uma ratificação de princípio que envolvesse todos os decretos-leis publicados em condições de urgência e utilidade públicas. Isto é uma mera opinião que, na generalidade, ou manifesto aqui.
Uma vez que estamos a tratar de modificar a Constituição, não para nós propriamente, porque pouco tempo teremos já para trabalhar dentro das novas fórmulas que venham a ser aprovadas, mas adentro da idea de bem aproveitarmos o tempo que nos resta neste trabalho aturado de Deputados, convém-nos preparar o acautelar a futura Assemblea e a futura Câmara Corporativa, fornecendo ao Governo todas as possíveis indicações e elementos para que as novas Câmaras que venham a ser eleitas possam trabalhar proficuamente a bem da Nação.
Tenho dito.
O orador não reviu.

Vozes:-Muito bem!

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O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pouco virei dizer a esta tribuna sobre a generalidade da proposta de lei que está em discussão. Na verdade, da sua contextura, do conjunto que ela constitue de normas diversas sobre matérias diferentes, é difícil tirar uma generalidade.
Na sessão de 15 de Abril do ano corrente V. Ex.ª dignou-se nomear uma comissão com a missão que as próprias palavras de V. Ex.ª nessa altura lhe assinalaram : a de fazer um estudo tendente a apresentar à Assemblea Nacional, na sua próxima sessão legislativa ordinária, as sugestões que entendesse convenientes sobre a revisão do Regimento da Assemblea, e também, porventura - disse-o V. Ex.ª -, sobre revisão à Constituição.
Verificou-se posteriormente que, na mesma época, o Governo formulava também uma proposta de alterações à Constituição.
Os membros daquela Comissão lamentam, na verdade, não terem podido colaborar com o Governo nessa proposta, que devia vir a ser presente a esta Assemblea, sobre matéria idêntica ou relacionada à da incumbência que recebera. Nós ignorávamos que era intenção do Governo apresentar qualquer proposta de alterações à Constituição. O Governo também não se lembrou de que tinha sido nomeada uma comissão com esse mesmo objectivo, uma comissão da Assemblea Nacional, uma comissão desta Assemblea Nacional Constituinte.
Eis o motivo por que não aparecem ligados, perante a Assemblea Nacional, o trabalho da Comissão e a proposta do Governo. E como do imprevisto resultou um pequeno atraso na apresentação do nosso estudo em relação à apresentação da proposta do Governo, acontece o que não parece lógico: discutir-se a proposta governamental sem se esperar pelo projecto de lei que versa o mesmo assunto e que está pendente, por uns dias, do parecer da Câmara Corporativa. É que o Governo tem, na votação da sua proposta, uma particular urgência.
Não temos mais que aceitar os factos como eles se nos apresentam.

O Sr. Presidente:-Posso dar a V. Ex.ª e à Assemblea a seguinte informação: não houve da parte do Governo nenhum propósito de passar por cima do trabalho dessa Comissão. Todavia, havia a necessidade absoluta de fazer aprovar com urgência determinadas disposições. Não podia, portanto, o Governo esporar o trabalho dessa Comissão, e decidiu precipitar os acontecimentos, apresentando determinadas alterações à Constituição, de que carecia absolutamente.

O Orador:-Agradeço a V. Ex.ª a sua informação.
A proposta que o Governo apresentou encerra, a meu ver, três grupos de disposições. Um é puramente de aperfeiçoamento do forma ou de ordenação, e nada encontro a dizer sobre ele, por forma geral. Outro visa a maior maleabilidade no funcionamento da Assemblea Nacional, princípio que foi também preocupação da Comissão de que faço parte, como V. Ex.ªs já tiveram ocasião de verificar. Diverge a forma que encontrámos daquela que o Governo propõe, embora os resultados se aproximem. Perante as circunstâncias, temos de apresentar agora a nossa sugestão sob a forma de proposta de substituição do artigo correspondente na proposta do Governo.
Quanto ao terceiro grupo de disposições - aquele em que o Governo visa a valorização e o desenvolvimento da função da Câmara Corporativa -, nós nada temos a observar. Sublinho ato que a Assemblea Nacional é a primeira a compreender e a desejar essa valorização e esse desenvolvimento. Simplesmente, é de parecer, por certo - e já o Sr. Deputado Antunes Guimarãis o assinalou aqui - , que essa valorização e esse desenvolvimento não têm necessariamente de ser feitos à custa da desvalorização e do atrofiamento da função que à Assemblea Nacional compete.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A valorização do trabalho da Câmara Corporativa pode fazer-se até em concordância e sincronismo com a valorização do trabalho da Assemblea Nacional. Nós, Comissão de alterações ao Regimento, tivemos justamente essa preocupação: valorizar o trabalho da Assemblea Nacional. No momento oportuno, as considerações a que haverá lugar provarão a V. Ex.ªs este nosso objectivo.
Sr. Presidente: a Assemblea Nacional, mal ou bem, tem uma existência constitucional. Não se trata neste momento de apreciar o fundamento da sua instituição. E se existe, tem de existir com prestígio. Todos nós aqui estamos animados de uma ambição de utilidade no desempenho da missão para a qual fomos chamados e que cumprimos - muitos com certeza - com sacrifício pessoal. Não entendemos que nos digam, ou nos façam sentir, que essa missão se dispensa, emquanto a Constituição a mantém. Deve, ao contrário, pretender-se tirar dela o melhor proveito.
Mas não foi o Governo que tal nos disse ou nos fez sentir. Entendo, portanto, que é de aprovar, de louvar até, o princípio que o Governo pretende estabelecer.
O que é conveniente é rodeá-lo de expressa cautela, para que não se torne possível a interpretação que em certa passagem lhe dá o parecer da Câmara Corporativa, e que se me afigura, na verdade, não ser justificável nem devidamente fundamentada.
Era só isto que queria dizer a V. Ex.ª, e mais : que entrego na Mesa, em nome da Comissão do Regimento, propostas de alteração, que terão a sua oportuna discussão, junta com a dos diferentes artigos da proposta de lei apresentada pelo Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

As propostas de alteração apresentadas pelo Sr. Deputado Cancela de Abreu não as seguintes:

Artigo 4.º da proposta de lei n.º 185

Proposta de aditamento:

Propomos que a este artigo seja aditado o seguinte:

"... e bem assim dos que vierem a ser promulgados sobre a mesma matéria até final da presente legislatura".

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 4 de Dezembro de 1937. - Os Deputados: António Cancela de Abreu - João do Amaral - Joaquim Diniz da Fonseca.

§ 4.º do artigo 85.º da Constituição

(Artigo 2.º da proposta de lei n.º 185)

Proposta de substituição:

Propomos que este parágrafo seja substituído pelo seguinte:

"§ 4.º Aos membros da Assemblea Nacional é vedado renunciar ao seu mandato".

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 4 de Dezembro de 1937.- Os Deputados: António Cancela de Abreu - João do Amaral - Joaquim Diniz da Fonseca.

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Artigo 90.º da Constituição

(Proposta de lei n.º 185)

Proposta de emenda:

Propomos que a primeira parte do corpo do artigo seja formulada como segue:
"Importa perda do mandato de qualquer dos membros da Assemblea Nacional:"

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 4 de Dezembro de 1937. - Os Deputados: António Cancela de Abreu - João do Amaral - Joaquim Diniz da Fonseca.

§ 1.º do artigo 90.º da Constituição

(Alínea b) da proposta de lei n.º 185)

Proposta de substituição:

Propomos que esta alínea seja substituída pela seguinte:
b) Os cargos de acesso, as promoções legais e provimentos definitivos e os cargos equivalentes aos já exercidos, resultantes da remodelação de serviços;"

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 4 de Dezembro de 1937.-Os Deputados: António Cancela de Abreu - João do Amaral - Joaquim Diniz da Fonseca.

§ único do artigo 94.º da Constituição
(Artigo 2.º da proposta do lei n.º 185)

Proposta de substituição:

Propomos que este parágrafo seja substituído pelo seguinte:
"§ único. O Presidente da Assemblea poderá, no entanto, de acordo com a conveniência dos trabalhos e sem prejuízo da duração total de cada sessão legislativa, dividir o seu funcionamento em períodos, normalmente mensais".

Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 4 de Dezembro de 1937. - Os Deputados: António Cancela de Abreu - João do Amaral - Joaquim Diniz da Fonseca.

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: estamos hoje a ocupar-nos de mais uma proposta de lei alterando a Constituição Política, que, na realidade - forçoso é dizê-lo -, já foi apresentada ao plebiscito nacional de 19 de Março de 1933 devidamente corrigida e completamente estudada, por forma a ser uma das Constituições mais perfeitas da actualidade.
E pena tenho eu, Sr. Presidente, de que, ao ser posta na ordem do dia esta proposta de lei, não tenha a faculdade de consultar esse trabalho de revisão e redacção definitiva do projecto da Constituição, que deu origem a treze documentos de emenda, que sucessivamente se foram sobrepondo e que parece terem sido oferecidos à Biblioteca da Universidade de Coimbra.
Não me foi possível consultar esse trabalho, mas, pela forma como se acha redigida a actual Constituição, nós vemos e temos a certeza, feita a comparação com as Constituições de outros Estados, de que ela é, de facto, como há pouco disse, uma das mais perfeitas. E é curioso frisar que esta Constituição há sido traduzida para várias línguas, designadamente para latim, como se poderá ver no n.º 1.º do 7.º ano da revista Apolinaris, de Roma, tradução feita, para orgulho nosso, por um distinto e ilustre português.
Nós, os portugueses, podemos orgulhar-nos disto: temos, como nenhum outro povo, a Constituição traduzida em muitas e muitas línguas e também na língua latina.
Claro está que não é de discutir neste momento aquele problema que foi posto quando da apresentação da Constituição Política à aprovação em plebiscito nacional, isto é, se as normas constitucionais são uma cúpula ou uma base. Esse problema, aliás interessante em tese, seria aqui descabido. Mas, ou seja esta disposição a cúpula ou a base, uma cousa há que nos pode tranquilizar: a perfeita adaptabilidade destas normas jurídicas ao povo para o qual foram decretadas, ao povo para o qual foram elaboradas. E se, na realidade, a maior perfeição da lei está na justa adaptação da norma legislativa às necessidades de cada povo, nós podemos ter o orgulho de que estas normas constitucionais se adaptam maravilhosamente àquilo que poderemos classificar de necessidades nacionais, e não é de admirar ou estranhar a divergência de apreciações que resultam de um telegrama vindo na imprensa diária de hoje, referentes à comparação feita no Rio de Janeiro entre a nova Constituição brasileira, de 10 de Novembro, e a nossa Constituição Política.
E é até para frisar que a apreciação feita no Brasil absolutamente em nada nos é desfavorável; antes pelo contrário, nós devemos sentir um certo orgulho ao ler os resultados da crítica que no Rio de Janeiro acaba de ser feita.
Diz o crítico brasileiro que a Constituição de 10 de Novembro só comporta uma ideologia, a ideologia do Estado; e um chefe, o Chefe do Governo Nacional, ou, melhor, o Presidente da República.
Claro que escuso de dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a V. Ex.ªs, Srs. Deputados, que por forma nenhuma o meu espírito poderia admitir como uma boa Constituição para Portugal aquela que quisesse sujeitar o povo português a uma só ideologia e a um só chefe.
A nossa Constituição, sendo unitária e corporativa, adapta-se extraordinariamente mais às necessidades do País do que qualquer outra Constituição que, porventura, não atendesse a estas duas bases, que julgo fundamentais.
Ao meu espírito acorre, nesta altura, aquela velha fórmula do meu saudoso amigo Henrique Trindade Coelho, quando, em 1922, preconizava uma fórmula federativa, que, embora rodeada por uma demonstração, por um talentoso carinho de defesa, não conseguiu convencer as pessoas que se dessem a um estudo completo daquele seu trabalho.
O federalismo, em Portugal, não podia por forma alguma triunfar. O federalismo, em Portugal, seria, a meu ver, uma planta exótica, que não teria aqui fácil adaptação.
Creio, Sr. Presidente, que Trindade Coelho, com a reflexão que lhe deu o estudo e a observação dos homens e das cousas, deveria ter concluído que, na realidade, não era possível em Portugal uma fórmula federativa.
A Constituição portuguesa foi apresentada a princípio, como eu disse há pouco, ao plebiscito nacional de 19 de Março de 1933, por uma forma tam brilhante e perfeita que jamais deixou de merecer o cuidado e a atenção daqueles que, sendo encarregados de vigiar a sua aplicação prática, viam que dessa aplicação resultavam necessidades de uma tal ou qual atenção. E não é em virtude dessa aplicação teórica que estas alterações surgem, traduzidas em proposta de lei, mas sim em virtude dos resultados da sua aplicação prática; não é em virtude de pura especulação teórica que elas surgem, mas sim em satisfação daquilo que a prática aconselha e recomenda.
Todas as alterações que se acham englobadas nesta proposta de lei parece-me que traduzem bem as necessidades que a prática há revelado, e se é certo que num ou noutro ponto se poderia ainda pensar noutras alterações, o facto é que muitas delas poderão talvez

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vir a traduzir-se em simples leis constitucionais, mesmo sem a natureza de leis constitucionais, como por exemplo aquelas a que se refere o n.º 1.º do artigo 14.º da Constituição, referente à instituição do "casal de família".
O "casal de família", que foi criado pelo decreto n.º 18:531, de 13 de Julho de 1930, não conseguiu ainda ter entre nós aquela definição que seria para desejar. E também, filiando-me nesta disposição constitucional - deixe-se-me falar assim -, filiam-se eles apenas como sendo uma consequência, como sendo um dos elementos da defesa da família, sem se atender a outra parte do problema, como seja a função propriamente económica da propriedade, a sua função social.
Neste ponto, creio - e não tenho medo de dizê-lo, porque a prática o demonstra, é a prática que o aconselha-, é absolutamente necessário caminhar a passos firmes para a criação daqueles casais de família, que, não sendo já órgão da defesa da família, atendem directamente à função da propriedade e - eu devo dizer o termo- são necessário: para as unidades rurais marcarem absolutamente posição num problema como é o da vinculação. Só dessa forma será dado cabal cumprimento ao aspecto social da propriedade, porque muitas e muitas vezes nós vemos que a propriedade não conseguiu desempenhar essa função social, por mercê de circunstâncias várias a que só unicamente a vinculação poderia pôr têrmo.
Há na Constituição normas de tal perfeição, há na Constituição normas tam necessárias à organização da vida administrativa e económica do País, que seria verdadeira redundância estar a pretender demonstrar aquilo que é verdadeiramente axiomático; e, porque não tenho o direito de estar a cansar a Assemblea e de estar a roubar-lhe mais tempo (Não apoiados), dou por terminadas as minhas considerações, declarando que muito gostosamente dou o meu voto à proposta de lei em discussão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Lopes da Fonseca:-Sr. Presidente: encontra-se de novo esta Assemblea discutindo uma proposta do Governo sobre alterações à Constituição. E já a segunda do Governo e o quarto ou quinto projecto de alteração à Constituição que esta Assemblea discute.
Veio a primeira proposta do Governo logo após a abertura desta legislatura. Depois veio o projecto do Sr. Deputado Manuel Fratel. E como eu recordo com saudade aquela figura superior de Deputado e de homem, com a eloquência que alguém classificou nesta casa de eloquência inglesa, decerto pela sobriedade do seu gesto, pela elegância da sua atitude! Que pena tenho de não o ver ainda entre nós! Faz-nos falta nesta casa, pelo carinho, pelo conforto e pelo complemento que nos vinham dar as suas palavras e os seus ensinamentos.
Daqui lhe dirijo as minhas homenagens, desejando, e bem, a continuação das suas melhoras e pedindo a Deus que ainda nos seja permitido tê-lo de novo entre nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em seguida houve também um projecto de alteração à Constituição, da autoria do Sr. Deputado Vasco Borges; depois outro, da Deputada Sr.ª D. Maria Guardiola, outro, do Sr. Deputado Cancela de Abreu, e ainda outro, do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, se não estou em erro.
São, pois, bastantes já as propostas e projectos de alteração à Constituição.
Encontra-se de novo esta Assemblea, como disse, discutindo outra proposta de alteração à Constituição.
Põe-se desde logo ao nosso espírito esta pregunta: Tantas propostas de alteração à Constituição ou indicam que a Constituição não fora feita com cuidado - o que nós nem sequer observamos - ou, como ela dispõe num dos seus artigos que só poderá ser revista normalmente dez anos depois, a não ser nalguns casos especiais e quando o interesse público claramente o determinar, pode parecer, à primeira vista, que nos furtamos ao cumprimento da própria Constituição, discutindo tantas vezes alterações à mesma, ou até que a queremos demolir?
Não, não é assim.
Nós fazemos estas alterações em obediência ao artigo 139.º, visto que tais alterações têm um carácter especial. São alterações derivadas de um artigo de natureza transitória - o artigo 139.º-, que deu a esta Assemblea os poderes constituintes para ela, colhendo os ensinamentos da vida, aperfeiçoar, por tentativas, essa mesma Constituição. Ela põe assim os preceitos indispensáveis para realizar o melhor possível os seus fins.
Não fizemos a Constituição perfeita, fizemo-la perfectível, e, dia a dia, nós procuramos que essa perfectibilidade se afirme, chegando à perfeição.
Trata-se de alterações a certos artigos da Constituição, fixando-se o sentido que a prática nos deu e a necessidade nos determinou.
As alterações são quási todas elas puramente interpretativas. Devo dizer que, na sistematização que a Câmara Corporativa fez dos diversos artigos, não concordo com ela. Aquilo a que a Câmara Corporativa chama formal é apenas verbal, porque é uma questão de palavras, e nada mais.
Logo em primeiro lugar vem o artigo 90.º como substancial, mas ele é a repetição da doutrina- feita por esta Assemblea.
Não é substancial, é interpretativo. E a fixação de um sentido que a Câmara lhe deu. Para mim é substancial, porque eu entendo que a Constituição não admitia a renúncia sob qualquer forma, mas a Câmara não foi dessa opinião.
Não se trata, portanto, de uma alteração substancial, porque, de contrário, teríamos de concluir que as nomeações feitas o tinham sido ilegalmente, como, por consequência, todos os actos derivados dessas nomeações.
Pelo que diz respeito à organização, funcionamento e competência da Câmara Corporativa, são também as alterações propostas quási todas derivadas da necessidade, tantas vezes manifestada, de poderem melhor completar-se a Assemblea e a Gamara Corporativa no trabalho que a ambas incumbe e que cada uma delas desempenha com igual intenção e com o mesmo afinco.
Relativamente à ratificação de decretos-leis, é certo que a Constituição também assim lhe chama, mas a verdade é que, ao tratarmos dos assuntos desses diplomas, não nos limitamos a ratificá-los, visto que procedemos à sua análise, embora na consciência, na vontade de todos, e até na realidade dos factos, nós tenhamos, para honra do Governo e da Assemblea, ratificado pura e simplesmente a maioria dos decretos emanados do Governo.
Pelo que diz respeito ao adiamento das sessões legislativas, isso representa, sem dúvida nenhuma, uma forma indispensável de nós não termos, todos os dias e a toda a hora, de explicar lá fora as razões por que, estando a Assemblea aberta, não se encontra a funcionar. Eu não lhe chamaria adiamento, mas sim interrupção. A Assemblea Nacional interrompe-se, mas

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não se adia, porque adiar é deixar para o dia seguinte o que tem de se fazer hoje. E um princípio de dignidade, para não termos de responder a quem nos pregunta porque é que a Assemblea está fechada. A Assemblea não está fechada, mas interrompida.
Rejeito, porém, o final que a Câmara Corporativa indica, porque os três meses são improrrogáveis, mas necessários.
São estas as considerações que me sugere a análise rápida da proposta de alterações à Constituição. É claro que mais detalhadamente, na especialidade, eu me ocuparei de cada uma delas.
Devo dizer, porém, desde já, que essas alterações, no seu conjunto, me agradam e que as aprovo. Mereceram-me os reparos que acabo de fazer, mas elas representam de facto a fixação de determinados artigos, ou em virtude de interpretações já dadas, ou em virtude de necessidades muito bem sentidas.
Tenho dito.

Vozes:-Muito bem!

O Sr. Melo Machado: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: V. Ex.ªs estranharão decerto a minha presença nesta tribuna. Tratando-se de um projecto de alteração à Constituição, parecia que este lugar pertencia directa s unicamente a jurisconsultos, e estranharão por isso que eu, simples lavrador, venha falar sobre um assunto tam estranho à minha seara...

O Sr. Mário de Figueiredo: -V. Ex.ª dá-me licença?
(Gesto de anuência do orador).

O Sr. Mário de Figueiredo: -É só para dizer a V. Ex.ª e à Câmara que tal opinião é um erro. O trabalho do jurisconsulto é um trabalho sobre a lei já fixada, ao passo que o trabalho de reforma de leis é trabalho do político, do economista, do agricultor, e por isso V. Ex.ª está muito bem nessa tribuna.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as suas palavras. O facto é que na interpretação e discussão do texto da Constituição eu não me sinto absolutamente à vontade. Todavia, há nesta proposta de lei um assunto que não é da exclusiva competência dos jurisconsultos; ele interessa a todos os Deputados, quando de alguma maneira possa ferir a nossa susceptibilidade.
Disse aqui o nosso ilustre colega Sr. Cancela de Abreu que a comissão desta Assemblea que estudou as alterações à Constituição tinha tido o cuidado de valorizar ao mesmo tempo o trabalho da Câmara Corporativa e o desta Assemblea.
Por sua vez esta Assemblea tem tido sempre o maior escrúpulo e cuidado em pôr em relevo os trabalhos da Câmara Corporativa, que connosco é solidária no desejo de bem servir o País. É uma atitude digníssima.
Todavia, meus senhores, justamente no parecer que diz respeito a esta proposta de lei pode ser que eu esteja em erro, e se assim fôr V. Ex.ªs o dirão - não há reciprocidade nesta atitude, antes pelo contrário, visto que parece existir a intenção de deminuir esta Assemblea, facto que, na qualidade de Deputado, me leva a protestar.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: eu não falo por mim.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: não falo por mim, porque sei bem a nulidade do meu valor (Não apoiados); falo por V. Ex.ªs todos, que tenho visto trabalhar aqui com a melhor boa vontade, com a maior dedicação e sacrifício.
Nós temos procurado aqui prestar ao Governo todos os serviços que estão ao alcance das nossas possibilidades. Cada um de nós tem sido sempre um colaborador leal e dedicado, dedicado até ao sacrifício, repito.
Quere-me parecer que o Governo reconhece esta nossa atitude e que tem em atenção o nosso esforço e a nossa boa vontade. E, assim, eu não tinha dado à redacção da proposta do Governo a interpretação que lhe deu a Câmara Corporativa.
A proposta do Governo diz: "O Presidente da Assemblea Nacional poderá adiar as sessões quando o julgue conveniente, contanto que o seu encerramento não seja posterior a 30 de Abril".
É certo, Sr. Presidente, que esta redacção não está clara. Daqui se poderia inferir que esta Assemblea, convocada e aberta em 25 de Novembro, poderia ser adiada até poucos dias antes do fim de Abril e dadas assim por concluídas as suas sessões.
Mas estou convencido de que não era este o pensamento do Governo, porque o Governo, quando fez a Constituição e nela criou os dois corpos legislativos
- Assemblea Nacional e Câmara Corporativa-, fez uma construção de um todo e entendeu que ambas as Câmaras eram necessárias.
Não fomos nós quem fez a Constituição; ela apareceu aqui já em vigor. Fomos nós quem a aprovou, mas não fomos nós os seus autores. Houve um plano, e foi dentro dele que se criaram a Assemblea Nacional e a Câmara Corporativa. Não há que deminuir nem uma nem outra, porque a missão das duas foi julgada necessária e não há razão para não continuarem a ser julgadas como absolutamente indispensáveis. Eis porque eu afirmo, convicto, que não era aquela a intenção do Governo.
Mas a Câmara Corporativa, fazendo a sua apreciação sobre esta proposta, poderia ter procedido como procedeu a Comissão desta Câmara, ao pretender elevar, utilizar e melhorar o seu funcionamento. Mas infelizmente, Sr. Presidente, eu reparo que na emenda proposta pela Câmara Corporativa se diz o seguinte: "O Presidente da Assemblea Nacional pode adiar as sessões quando o julgue conveniente, contanto que o seu encerramento não seja posterior a 30 de Abril, e ainda que com prejuízo da duração fixada para a sessão legislativa".
Eu acho, Sr. Presidente, que é legítimo pedir-se a esta Câmara todos os Sacrifícios para o bom desempenho da sua missão; mas não há o direito de lhe pedir que seja a portadora do seu próprio esquife.
Ora eu entendo, Sr. Presidente, que isto seria uma forma de suicídio e julgo, por consequência, que nós, Deputados da Assemblea Nacional, não só não podemos aprovar esta emenda, como não ficaríamos até bem colocados se não respondêssemos à insinuação feita.
De facto, se esta emenda viesse a ser aprovada, nós passaríamos a ser um fantasma dentro da Constituição Política Portuguesa, visto que uma sessão-relâmpago seria suficiente para dar por terminada a sessão legislativa do ano.
Estou certo, pois, que a Assemblea não poderá, de forma alguma, aprovar este modo de ver da Câmara Corporativa.
Não sei se, porventura, tenho sido violento na forma de apreciar este parecer da Câmara Corporativa, mas parece-me, Sr. Presidente, que há nesta Câmara a necessidade de dizer as cousas com convicção, com clareza e com lealdade.
V. Ex.ªs todos, que me têm visto vir algumas vezes a esta tribuna afirmar a minha discordância cie alguns projectos que aqui têm sido apresentados, têm podido constatar que eu falo sempre com sinceridade, pois

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quando me convidaram a vir para aqui não me pediram que fosse subserviente.
Julgo que só assim poderemos servir o Governo e que só desta forma podemos ser-lhe verdadeiramente úteis, e só assim, também, é que o Governo pode conhecer a verdadeira opinião do País.
Apoiados.
Se nós nos limitarmos a dizer banalidades laudatórias. a nossa função tornar-se-á dispensável.
É até de toda a conveniência que se discorde quando há razão para isso, mas com sinceridade, porque quando se discorda com boa intenção é sempre um bom serviço que se presta, muito melhor do que quando se concorda por espírito de louva minha ou de servilismo.
Julgo, Sr. Presidente, que aquele tempo em que se respondia ao Monarca, que preguntava quantas horas eram: - "São aquelas que Vossa Majestade, Real Monarca, determinar que sejam", já passou. Esses homens serviam mal o seu Rei, como cortesãos, e nós queremos ser os Deputados que servem bem a sua Nação.
Tenho dito.
O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito, pelo que considero encerrado o debate na generalidade.
Como os primeiros artigos desta proposta de lei são de pouca monta, porque importam apenas modificações de redacção, faço prosseguir os trabalhos da Assemblea, entrando-se na discussão na especialidade.
Está em discussão a nova redacção do artigo 9.º da Constituição, proposta pelo Governo.
Esta alteração é a seguinte:

"Artigo 9.º A qualquer empregado do Estado, dos corpos administrativos o das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa ou de companhias que com um ou outros tenham contrato é garantido o direito ao lugar durante o tempo em que for obrigado a prestar serviço militar".

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se ninguém quero usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:- -Está em discussão a nova redacção proposta para o artigo 25.º da Constituição.
É a seguinte:

"Artigo 25.º Estão sujeitos à disciplina prescrita no artigo anterior os empregados das autarquias locais e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e bem assim os que trabalham em empresas que explorem serviços de interesse público".

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Está em discussão a nova redacção para o § 3.º do artigo 85.º da Constituição. É a seguinte:

"§ 3.º do artigo 85.º As vagas que ocorrerem na Assemblea Nacional, quando atingirem o número que a lei eleitoral fixar, até à quarta parte do número legal de Deputados, são preenchidas por eleição suplementar, expirando os novos mandatos com o termo da legislatura".

O Sr. Cancela de Abreu:- Peço a palavra.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Cancela de Abreu: -Sr. Presidente: é apenas para mandar para a Mesa uma nota com vista à Comissão de Última Redacção, porque não me parece absolutamente correcta a parte final, que diz: "expirando os novos mandatos com o termo da legislatura". Parece-me redundante. Deve ser: expirando os novos mandatos no termo da legislatura, ou então, expirando os novos mandatos com a legislatura.
Esta nota é como segue:

Nota para a Comissão de Última Redacção

Proposta de lei n.º 185

§ 3.º do artigo 85.º da Constituição:

"expirando os novos mandatos com o termo da legislatura" não me parece forma impecável. Creio ser mais perfeito escrever:

"expirando... no termo..."
ou:
"expirando os novos mandatos com a legislatura".

Evita-se a redundância.

4 de Dezembro de 1937. - A. Cancela de Abreu.

O Sr. Presidente:-É uma questão de redacção. Vai votar-se a proposta, ressalvando a sugestão feita pelo Sr. Deputado Cancela de Abreu.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Está em discussão a redacção proposta para a alínea d) do artigo 89.º
É a seguinte:

"Alínea d) do artigo 89.º Promovido procedimento criminal contra algum Deputado e chegado o processo à pronúncia ou ao despacho que lhe corresponder, o juiz comunicará o facto à Assemblea, que, fora do caso previsto na última parte da alínea c) deste artigo, decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito do seguimento do processo".
Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-Está em discussão o artigo 90.º Quanto a este artigo, o Sr. engenheiro Cancela de Abreu apresentou uma proposta de alteração.

O Sr. João do Amaral:-Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. João do Amaral:-Requeiro a contagem. Tenho dúvidas se há número para a sessão poder prosseguir.
Pausa.

O Sr. Presidente:-Vou mandar proceder à chamada.
Peço ao Sr. Deputado Teixeira de Abreu que venha substituir na Mesa um dos Srs. secretários.
Fez-se a chamada, que deu o seguinte resultado:

Srs. Deputados presentes:

Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

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António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancela, de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Correia Pinto.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
José Alberto dos Reis.
José Luiz Supico.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Saudade e Silva.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 40 Srs. Deputados. Não há número bastante para se continuar a lazer votações. Portanto não podemos prosseguir.
Como V. Ex.ªs devem saber, celebra-se na próxima semana o centenário da Universidade de Coimbra. Foi convidada a Assemblea Nacional para se representar nesse acto. Comunico a V. Ex.ªs que serei eu quem representará, a Assemblea Nacional.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Em consequência desse facto, não haverá sessão na próxima têrça-feira nem na quarta-feira.
Era meu propósito marcar sessão para segunda-feira, mas tenho quási a certeza de que não haveria número nesse dia. Para não me sujeitar a essa contingência, não marcarei sessão para segunda-feira.
Portanto não haverá sessão nem segunda, nem terça, nem quarta-feira. Mas peço a V. Ex.ªs o lavor de comparecerem à sessão de quinta-feira, de modo que os trabalhos possam prosseguir.
V. Ex.ªs sabem que o Governo tem a maior urgência em que sejam votadas as propostas de alterações à Constituição e de autorização do empréstimo. E portanto, para nos compensarmos destes três dias em que a Assemblea está fechada, é conveniente que os trabalhos recomecem na quinta-feira e que se possa ir até à votação destas propostas, que eu desejaria concluída, pelo menos, de hoje a oito dias.
E assim, se eu vir que não, é possível fazê-las votar com uma sessão por dia, terei de incomodar V. Ex.ªs, fazendo em qualquer desses dias duas sessões.
A próxima sessão será, portanto, na quinta-feira, com a mesma ordem do dia que estava marcada para a sessão de hoje.
Está encerrada, a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.

Texto aprovado pela Comissão de Última Redacção

(Proposta de lei de autorização de receitas e despesas)

Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a cobrar durante o ano de 1938 os impostos e mais rendimentos do Estado e a realizar os outros recursos indispensáveis à sua administração financeira, em conformidade com as leis em vigor, bem como a aplicar o seu produto às despesas legalmente inscritas no Orçamento Geral do Estado decretado para o mesmo ano.
Art. 2.º Fica igualmente autorizada a aplicação das receitas próprias dos serviços autónomos à satisfação das despesas dos mesmos serviços constantes dos respectivos orçamentos devidamente aprovados.
Art. 3.º A taxa da contribuição predial a incidir sobre os rendimentos dos prédios urbanos no ano de 1938 é fixada em 10 1/2 por cento.
Art. 4.º Continuará a cobrar-se no ano de 1938, com a taxa de 4 por cento, o adicionamento ao imposto sobre sucessões e doações a que se refere o artigo 2.º do decreto n.º 19:969, de 29 de Junho de 1931, observando-se na sua aplicação a doutrina, da última parte do artigo 1.º do decreto n.º 20:558, de 2 de Novembro de 1931.
Art. 5.º O Governo poderá dispensar, no todo ou em parte, conforme a situação do Tesouro o permitir, a cobrança, durante o ano de 1938, do imposto de salvação pública.
Art. 6.º O Governo continuará a promover no ano de 1938 as obras e melhoramentos abaixo mencionados, para cujas despesas, a efectuar naquele ano em harmonia com os planos aprovados, inscreverá, no orçamento as verbas necessárias:
a) Rearmamento do exército em ordem a assegurar a integral eficiência da instrução militar, incluindo as indispensáveis instalações, podendo, conforme as necessidades, ser reforçada a dotação fixada no artigo 16.º do decreto n.º 26:177, de 31 de Dezembro de 1935, ou encurtado o prazo da sua aplicação estabelecido no mesmo artigo;
b) Ampliação das obras marítimas e terrestres para instalação dos serviços da base naval de Lisboa e prosseguimento da reconstrução da marinha de guerra e da aviação naval segundo os planos que forem legalmente aprovados;
c) Rede telegráfica e telefónica nacional - instalações complementares, nos termos da lei n.º 1:959, de 3 de Agosto de 1937;
d) Obras novas e complementares nos portos comerciais e de pesca mais importantes;
e) Trabalhos de urbanização de Lisboa e na região da Costa do Sol e construção do Estádio de Lisboa.
Art. 7.º Considerar-se-á em vigor em relação ao ano de 1938 o disposto no artigo 9.º da lei n.º 1:943, de 17 de Dezembro de 1936.
Art. 8.º O Governo intensificará durante o ano de 1938, inscrevendo para tanto no orçamento as verbas necessárias, os estudos sobre aproveitamentos hidráu-

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licos, e bem assim os estudos, reconhecimentos e pesquisas para avaliação dos recursos mineiros da Nação tanto na metrópole como nas colónias.
Art. 9.º E autorizado o Governo a subsidiar a construção da rede complementar de estradas da Ilha da Madeira segundo o plano que por ele vier a ser aprovado.
Art. 10.º O Governo deverá inscrever no orçamento para 1938 as verbas necessárias à construção, em comparticipação com os corpos administrativos, de escolas do ensino primário, para começo de execução do plano de rede escolar que vier a ser legalmente aprovado, e bem assim para as edificações destinadas a outros graus de ensino, nos termos da lei n.º 1:914, de 24 de Maio de 1935.
Art. 11.º Fica o Governo autorizado a contrair na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência um empréstimo que eleve a soma mutuada por aquele estabelecimento de crédito para a construção de novos liceus ao montante necessário para a conclusão do respectivo plano.
Art. 12.º O Governo apresentará à Assemblea Nacional o plano de povoamento florestal, podendo inscrever no orçamento as verbas necessárias para começo da sua execução de harmonia com as possibilidades financeiras do País.

Mário de Figueiredo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
João Neves.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Joaquim Diniz da Fonseca.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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