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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 184

ANO DE 1949 1 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 164, em 31 de MARÇO

Presidente: Exmo. Sr.

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs:
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 182.
O Sr. Deputado Mário de Aguiar referiu-se à partida do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para Washington, onde vai assinar o Pacto do Atlântico, e à descoberta e prisão de dirigentes comunistas feitas pela Policia Internacional e de Defesa do Estado.
O Sr. Deputado Cerqueira Gomes anunciou um aviso prévio sobre a necessidade da criação do Ministério da Saúde.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galeão sobre a administração de Angola.
Usaram da palavra os Srs. Deputados António de Almeida, Bagorro de Sequeira e Manuel Múrias.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Ferestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.

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João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 182.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum dos Srs. Deputados desejar fazer qualquer reclamação sobre aquele Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mário de Aguiar.

O Sr. Mário de Aguiar: - Sr. Presidente: pelas notícias publicadas nos jornais de hoje o País tomou conhecimento de dois factos que devem merecer a atenção da Assembleia. Um deles diz respeito à viagem aérea que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros iniciou na madrugada de hoje em direcção a Washington, onde, ao serviço da Nação, deve assinar, no dia 4 de Abril, o Pacto do Atlântico.
Vai, portanto, a esta mesma hora atravessando os mares, que tantas glórias deram a Portugal, o eminente estadista Sr. Dr. Caeiro da Mata, a quem a Nação acompanha com as mais patrióticas e sinceras saudações.
Desejar-lhe uma feliz viagem e um feliz regresso é um dever de todos os bons portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O outro facto a que também se refere a imprensa diária é a descoberta pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado de uma parte da organização comunista e prisão de alguns dos seus principais agitadores.
Esta notícia deve causar grande contentamento em todo o País, em todas as classes que amam a sua pátria e que trabalham por levantar cada vez mais alto a honra nacional.
Há muito que a Nação se sente ameaçada pelo inferno comunista, desenvolvido à sombra de leis de desagregação social, como foram as leis que concederam o direito à greve e a de separação da Igreja e do Estado.
A democracia, a liberdade, a fraternidade e a igualdade, tudo foram mistificações, espécie de ensaio do comunismo, que assassinaram em poucos anos dois Chefes do Estado: o malogrado e valoroso Sidónio Pais e o grande Rei que foi D. Carlos I, e ainda o jovem e esperançoso Príncipe Real D. Luís Filipe.
Os bandos comunistas escondiam-se então nas ruas estreitas e vielas da cidade, mas agora começam a aparecer já nas escolas e nas praças públicas, onde pretendem cruzar todos os caminhos do mal.
Por isso causou assombro que ainda há bem pouco tempo o candidato da oposição declarasse que se vencesse concederia aos comunistas todas as liberdades públicas.
A Polícia Internacional e de Defesa do Estado acaba, pois, de prestar um grande serviço ao País, pelo que merece todo o nosso reconhecimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o País ainda espora mais da sua alta competência, já tão justificadamente comprovada.
É público e notório que esta seita, que é comandada do exterior, tem dois jornais clandestinos de propaganda, intitulados Avante e Militante.
É de esperar que tal imprensa seja apreendida e presos os traidores à Pátria, que a atraiçoam com as mãos já tintas de bom sangue português, perseguindo-os a polícia até ao seu total aniquilamento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerqueira Gomes: -Sr. Presidente: desejo anunciar o seguinte

Aviso prévio

A criação do Ministério da Saúde (ou Saúde, Assistência e Previdência) impõe-se como uma necessidade patente nesta hora da vida pública portuguesa.
É o desfecho lógico do movimento de concentração e coordenação que já levou há anos à iniciativa da criação do Subsecretariado de Estado da Assistência.
Mas este estádio está hoje largamente ultrapassado.
Por um lado, avolumaram-se amplamente, em atribuições e encargos, os serviços integrados neste departamento do Estado. E, pela feição dos tempos, só há razões para esperar que esta tendência se consolide e acentue.
Por outro lado, há ainda muitos serviços de saúde dispersos pelos mais diversos sectores ministeriais - o da

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Educação Nacional, o dos Estrangeiros, o das Obras Públicas, o da Justiça, o da Guerra, o da Marinha e o das Colónias. Por outro lado ainda, há o campo, já vastíssimo, mas em plena expansão, dos serviços médicos da previdência.
São actividades paralelas nos meios, convergentes nos objectivos, e que, no entanto, andam entre nós alheias, desarticuladas, o que cria entre organizações homónimas desníveis inconsequentes e - pior ainda - dá lugar a duplicações e até multiplicações de instalações, de equipamentos, de quadros administrativos e técnicos.
A não se atalhar com remédio conveniente, a situação virá a agravar-se, sobretudo à medida que se for alargando o âmbito da medicina preventiva, que, em bom critério, interessa tanto à assistência como à previdência e, mais ainda, quando a previdência passar à segunda fase de realizações -a do internamento de doentes-, tendente à criação de um alinhamento hospitalar privativo, duplicação mais injustificada ainda em Portugal, porque a recente organização hospitalar foi calculada, com boa percentagem, para a totalidade da população portuguesa.
Esta situação reclama um novo passo no sentido da concentração e unidade de comando, confiando a um órgão superior a coordenação e entendimento das actividades presentemente dissociadas.
Pela extensão e importância dos serviços e, mais ainda, pela sua autonomia, carácter próprio e técnica especializada, este poder superior só pode ser, lògicamente, um órgão de categoria ministerial.
Não se trata de uma hipertrofia de serviços, mas de uma unificação e simplificação de serviços dispersos, com vantagens certas de economia e de melhoria do seu rendimento e eficiência.
Foi esta solução - a de um Ministério da Saúde - que já adoptou a maioria dos Estados europeus, grandes e pequenos;
E já nesse sentido se levantaram cá dentro vozes competentes e responsáveis, ao deterem-se na meditação dos nossos mais sérios problemas sanitários: a Câmara Corporativa, a Ordem dos Médicos, os relatores dos pareceres das contas públicas.
Proponho-me tratar o assunto, dentro das disposições regimentais, em aviso prévio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão sobre a administração de Angola.
Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.

O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: embora desde há mais de duas dezenas de anos me vote ao estudo dos complexos problemas que interessam à valorização das nossas colónias -algumas das quais tenho a felicidade de conhecer de visu-, contudo é Angola, de entre todas as possessões portuguesas, a que maior lugar toma no meu coração e me cativa mais seguramente o espírito. A sua enorme área territorial - cerca de catorze vezes maior do que a da metrópole -; seus indígenas, tão curiosos sob o ponto de vista científico, quão grandes e insubstituíveis agentes do enriquecimento da terra-mãe; seus funcionários públicos, missionários e colonos, cujo labor exaustivo e sem tréguas opera milagres, de brilhantes realizações de toda a ordem; suas múltiplas, variadas e excelentes produções, garantia e certeza de seu risonho porvir; e, bem assim, as atraentes belezas naturais que a enfeitam, exercem sobre o visitante, sedento de saber, profunda influência afectiva, da qual jamais poderá subtrair-se!
Por isso, Sr. Presidente, rejubilo sinceramente quando me apercebo de quaisquer esforços, atinentes a acelerar o engrandecimento moral e material do nosso imenso domínio da África Ocidental ou se exalte a portentosa obra de colonização e de aportuguesamento que ali estamos levando a cabo, para honra e proveito da Nação e robustecimento do invejável prestígio internacional de que legitimamente gozamos.
Sr. Presidente: o conteúdo do aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão não podia deixar de impressionar, ainda quem ande menos familiarizado com os assuntos angolanos, e, o que é pior, as suas afirmações, se não viessem a ser contraditadas, redundariam, porventura, no apoucamento de toda a magnífica e fecunda obra colonial do Estado Novo, induzindo em erro os desacautelados ou menos escrupulosos observadores nacionais ou estrangeiros, tanto mais de recear quanto é certo o Mundo atravessar presentemente um dos seus mais graves períodos históricos e quando os territórios de além-mar são alvo de clara ou disfarçada cobiça.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu peço a V. Ex.ª que registe o seguinte: não sou eu neste momento quem está a generalizar; é V. Ex.ª
Eu referi-me única e exclusivamente à administração superior de uma colónia, mas tive o cuidado de pôr em relevo que a administração das outras colónias estava decorrendo actualmente de forma muito diversa.
Por conseguinte eu não generalizei. É V. Ex.ª que está agora a generalizar.

O Orador: - O Sr. Deputado Henrique Galvão esqueceu-se de que os distintos oradores que me precederam, Srs. Dr. Bustorff da Silva e Engenheiro Álvaro da Fontoura, já se referiram também a este aspecto; segundo me parece, a sua gravidade impressionou toda a gente.
É verdade que, nas suas repetidas intervenções parlamentares, o ilustre representante de Angola, se não se tem abstido de criticar as defeituosas normas governativas que pensa existirem na colónia - as quais, todavia, nunca em sua repercussão se revelariam capazes de comprometer o incessante aperfeiçoamento da administração local, operada eficientemente por todos os Ministros das Colónias e governadores-gerais de Angola, desde 1920 -, tão-pouco se esqueceu de enaltecer os reais benefícios ali levados pela presente situação política.
E de todos os louvores prestados a Angola permito-mo transcrever estas suas belas palavras, autêntica consagração, proferidas na Assembleia Nacional há cerca de um ano:

... trabalha-se na colónia como nunca se trabalhou e em termos de se poder dar lições a muitos meios da metrópole.
... Angola continua a ser a mais portuguesa de todas as colónias, um exemplo confortante de trabalho e de ordem ...

Sr. Presidente: também eu, com as considerações que vou explanar sobre os assuntos angolanos trazidos à Assembleia pelo Sr. Deputado Henrique Galvão e que são do meu conhecimento directo, desejo prestar mais uma vez calorosa homenagem aos esforçados obreiros da grandeza da maior possessão ultramarina de Portugal; desta sorte, além de praticar um acto de inteira justiça, contribuirei, dentro das minhas possibilidades, para obstar a que o não esclarecimento de tais factos

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possa dar azo à especulação c maledicência internas e externas.
São de quatro natureza as questões sobre que incidirá a minha atenção: a assistência hospitalar; fomento agro-pecuário; os cuanhamas nas pescarias do litoral, e as regalias pautais dos pescadores da Baía dos Tigres, todas elas alvo de reparos do ilustre Deputado.
Antes de me pronunciar sobre o primeiro assunto julgo indispensável dizer à Câmara - socorrendo-me do lúcido relatório do distinto director dos Serviços de Saúde de Angola, Sr. Dr. Francisco Simões Amaral - que nu colónia a assistência médica é assegurada por uma rede de ocupação sanitária, cujas malhas são constituídas por 6 centros de saúde, 173 postos sanitários, 5 dispensários, 7 maternidades e 25 hospitais, à frente dos quais estão o Hospital Central de Luanda e os regionais das cidades das províncias de Benguela, Bié, Huíla e Malanje.
Ao lado destes organismos oficiais funcionam 23 hospitais, mantidos por empresas privadas e por missões religiosas, numerosos postos sanitários e postos de socorros, merecendo especial menção os Sindicatos dos Empregados do Comércio de Luanda e de Benguela, que prestam assistência médica efectiva aos seus numerosos associados.
Na colónia há 159 médicos (dos quais 27 especialistas), 364 enfermeiros do Estado e 40 médicos particulares, com o respectivo pessoal de enfermagem; é digna de particular relevo a existência de cursos de enfermagem, nomeadamente o elementar, cuja frequência de 31 alunos, em 1946, subiu a 73 no ano passado.
Ao discutir o projecto de lei sobre a organização hospitalar do País (Diário das Sessões de 25 de Janeiro de 1946) o ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão fez interessantes declarações, das quais desejo salientar as seguintes passagens:

Li algures 7 - em papéis escritos para VV. Ex.ªs, Srs. Médicos, por colegas de VV. Ex.ªs - que o médico moderno entende que não basta esperar os doentes num hospital, que é preciso procurá-los e convencê-los a deixarem-se tratar, isto é, dar combate à doença, não só onde ela procura o médico, mas esteja onde estiver, procurada pelo médico. Nas colónias, de facto, é assim.
Para tanto se servem - nas colónias onde este serviço já se pratica e em breve nas colónias portuguesas de Angola e Moçambique - não de simples ambulâncias referidas na proposta e destinadas apenas a ir buscar os doentes que dão sinal de si, mas de verdadeiros pequenos hospitais-automóveis, que tratam os doentes onde estes se encontram ou os recolhem.

Como se vê, Sr. Presidente, mais perfeito elogio ninguém podia dedicar à feição itinerante da política sanitária de Angola. E que o Sr. Deputado Henrique Galvão não se iludia demonstram-no os elementos de que vou servir-me. Em 1948 a colónia adquiriu as seguintes viaturas motorizadas: 16 carrinhas ligeiras, tipo Jeep, 3 carrinhas Chevrolet e 60 grandes ambulâncias Ford, no valor total de Ags. 1:785.000,00,e no ano que decorre comprou 16 ambulâncias Willya Overland, 80 motos Harlejf Davidson, com side-cars, e 1 carrinha Che-vrolct de 1:500 quilogramas, tudo pela importância de Ags. 3:841.000,00. Presentemente está em curso a aquisição de mais 40 viaturas motorizadas, no montante pecuniário de Ags. 2:610.000,00. Quer dizer: actualmente há na colónia uma ambulância para cada sector e uma moto para cada posto sanitário!
E, Sr. Presidente, para comprovar melhor a metódica e progressiva evolução dos Serviços de Saúde de Angola -crescentemente ampliados a partir de 1938, ano em que havia só 75 médicos e 232 enfermeiros-, convém apontar as despesas liquidadas correspondentes aos anos de 1946, 1947 e 1948 (até Janeiro deste ano):

[Ver Tabela na Imagem]

Analisando estes dados numéricos, verifica-se que:
1.º As despesas com pessoal subiram de mais de 14:300 contos em 1946 para mais de 16:600 nos anos de 1947 e 1948 (a pequena diferença em desfavor de 1948 deriva da circunstância de, neste ano, maior número de médicos se encontrar em gozo de licença graciosa na metrópole) e, não tendo havido aumento de vencimentos, o acréscimo dos gastos resultou do preenchimento de todas as vagas; no ano corrente, o quadro médico foi enriquecido de 12 unidades (das quais 8 estão ainda vagas por falta de concorrentes) e com 30 enfermeiros.
2.º As despesas com pagamento de serviços, à volta de 10:500 contos em 1946, passaram para mais de 16:200 em 1947, ascendendo aproximadamente a 22:200 contos em 1948, ou seja quantia dupla da de 1946, devendo observar-se que nesta rubrica se incluem 17:500 contos despendidos em medicamentos, apósitos, vacinas, drogas, instrumentos cirúrgicos, utensílios de farmácia e aparelhos de laboratório.
Em resumo: em 1947 e 1948 a tarefa sanitária de Angola alargou as suas despesas com pessoal, por virtude do preenchimento das vagas existentes, e em, 1949, mercê do aumento do número de médicos e de enfermeiros, ainda se elevará mais o montante de tais encargos, outro tanto sucedendo com a aquisição de dezenas de veículos motorizados já mencionados atrás.
E tão luminosamente como estas cifras financeiras falam da eficácia dos Serviços de Saúde da colónia os seguintes actos clínicos realizados: em 1946, 3.765:900 (dos quais 175:568 cabem a Luanda), e, em 1947, 4.328:440 (pertencendo 197:123 à capital angolana); os elementos relativos ao ano de 1948 - sem dúvida mais avantajados do que os precedentes - sòmente se consignam às intervenções de Luanda (187:029), visto apenas daqui a algum tempo se conhecer o somatório geral, isto é, após a chegada dos relatórios dos diferentes círculos sanitários da colónia.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o prazer.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª já viu funcionar esse material?

O Orador: - Que pergunta tão curiosa: ver funcionar material... Decerto que vi, nos hospitais e postos sanitários de Angola que me foi dado visitar.

O Sr. Henrique Galvão: - Eu explico a V. Ex.ª E que a mentira consiste no seguinte: esse dinheiro foi gasto, esse material foi comprado, mas a eficiência dos serviços não aumentou. E eu poderia trazer a V. Ex.ª alguns elementos.

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O Orador: - V. Ex.ª já os devia ter apresentado aquando do desenvolvimento do seu aviso prévio.

O Sr. Henrique Galvão: - O que eu disse foi apenas um esclarecimento que quis prestar a V. Ex.ª
V. Ex.ª passou muito rapidamente pela colónia de Angola, de maneira que não podia ter tido tempo de se apercebem de tudo.

O Orador: - É verdade que no ano passado me demorei em Angola apenas três meses, tempo suficiente, aliás, para ver muita coisa. O Sr. Deputado Henrique Galvão é um inspector superior muito distinto, mas não é médico; e eu, porque o sou, tenho, por isso, maiores possibilidades de me aperceber mais ràpidamente do que S. Ex.ª dos assuntos relacionados com a minha formação profissional.
Tenho pena de que V. Ex.ª invoque elementos de ordem sanitária e diga que os vai trazer no último dia deste debate, isto é, ao falar em último lugar, como lhe compete, exactamente quando ninguém poderá contestá-los. Julgo que V. Ex.ª os poderia ter apresentado quando efectivou o seu aviso prévio para a Assembleia os apreciar.

O Sr. Henrique Galvão: - Eu limito-me a responder a uma afirmação de V. Ex.ª

O Orador: - Mas V. Ex.ª já devia ter elucidado a Câmara.

O Sr. Henrique Galvão: - Se eu informasse a Câmara sobre tudo, ainda agora estava a falar.

O Orador: - Vou continuar a rebater algumas afirmações de V. Ex.ª, feitas durante o desenvolvimento do seu aviso prévio.

O Sr. Henrique Galvão: - Rebater, não.

O Orador: - Sim, rebater ou contraditar ...

O Sr. Henrique Galvão: - Sim, contraditar.

O Orador: - Como poderia obter-se tão apreciável rendimento se, no dizer do Sr. Deputado Henrique Galvão, «... nos hospitais e enfermarias de Angola falta a maior parte das coisas. As maternidades não têm leite, no hospital de Luanda, por exemplo, falta tudo, e nós ouvimos correntemente médicos, enfermeiros, pessoal branco e de cor queixarem-se de que falta tudo».
Se a expressão «falta tudo» equivale a um lugar-comum, um modo exagerado de falar, as alusões à carência de leite nas maternidades angolanas já encerram maior gravidade, e que, por esse motivo, precisam de rectificação.
Os elementos oficiais de que disponho mostram que nos anos de 1946 e 1947 - nesta altura do ano corrente é impossível servir-me dos dados de 1948 - foram distribuídos 24:911 litros de leite pelos organismos assistenciais de Luanda; 35:644 litros (e mais 306 latas de leite condensado e uma lata de leite em pó) em Benguela; e 8:432 litros de leite em Nova Lisboa.

O Sr. Henrique Galvão: - E é com esses números que V. Ex.ª pretende concluir que há leite em Angola, isto é, em Luanda, Benguela, etc.?

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Henrique Galvão o favor de não estabelecer diálogo com o orador.

O Orador: - Pela minha parte, se o Sr. Presidente o consentir, darei ao Sr. Deputado Henrique Galvão todas as facilidades para interromper-me. Quero assegurar ao Sr. Deputado Henrique Galvão que se consomem anualmente dezenas de milhares de litros de leite nas maternidades de Angola, ao contrário do que S. Ex.ª afirmou.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª só falou de Luanda, Benguela e Nova Lisboa, que não é Angola - toda a colónia.

O Orador: - Vejamos o que dizem os Serviços de Saúde da colónia sobre a assistência às crianças nativas:

No capítulo da assistência à criança indígena, é justo destacar a acção da Instituição de Assistência às Crianças Indígenas (I. A. C. I), que há cerca de doze anos vem sendo desenvolvida nos centros urbanos mais importantes da colónia. Porque 80 por cento das crianças indígenas vivem nos meios rurais, é aqui que principalmente irá actuar-se no futuro.

Esclarecidos alguns aspectos da assistência sanitária de Angola, é lícito perguntar: o estado actual da ocupação médica da colónia satisfaz plenamente necessidades locais? Decerto que não. Em conformidade com o pensamento do Sr. Ministro das Colónias, os Serviços de Saúde de Angola defendem o agrupamento das populações indígenas em grandes aldeias, a única maneira fácil e económica de dar eficiente assistência médica aos seus habitantes. Se cada aldeia tiver 500 palhotas, e calculando-se a, média de 4 pessoas por agregado familiar, com os 3.000:000 de nativos do mato, perfazer-se-á o número de 1:500 povoações; e, se a cargo de cada médico ficar uma dezena de aldeias, para complemento desta, organização necessitar-se-á de mais 150 médicos, elevando-se, portanto, para 309 o seu cômputo total.
Anàlogamente, numeroso e bem preparado deve ser o pessoal de enfermagem: se a cada aldeia competir unia enfermeira puericultura, uma enfermeira-parteira o uma, enfermeira auxiliar - para cuidarem das maternidades rudimentares, dispensários, creches, lactários e postos sanitários rudimentares-, obter-se-á o elevado montante de 4:500 enfermeiras!
O director dos Serviços de Saúde de Angola, no seu mencionado relatório de 1947-1948, ao delinear, com todos os pormenores, o programa de construções para uma integral ocupação sanitária da colónia (no qual figura a edificação do sanatório para tuberculosos do Lepi) - uma parte já em efectivação e a outra em projecto ou em estudo no Gabinete de Urbanização Colonial-, afirma, que a sua completa execução importará um 274.600:000 angolares, quantia enorme e difìcilmente suportável pelo orçamento de Angola.
Eis porque o Sr. Dr. Simões Amaral declara:

São avultadas, sem dúvida, as verbas estimadas para as construções indispensáveis a uma melhor eficiência dos serviços de saúde, não sendo possível, por os recursos financeiros da colónia não o permitirem, levar a efeito plano tão dispendioso e de tão larga projecção no futuro económico desta parcela do Império Colonial Português, de um só jacto. Seria insensata semelhante ideia, que o bom senso o a cordura dos homens de Governo repudiam por impraticável.

Parece-me que estas ponderadas palavras não destoam das que o Sr. Deputado Henrique Galvão disse nesta Casa ainda a «propósito da discussão da organização hospitalar da metrópole: o É que, senão corresponder ao ideal, ou mesmo ao melhor, que reclamam os eternos insatisfeitos, «prefiro o razoável na mão, mas realizado, ao óptimo a voar sobre o tempo com asas emprestadas da retórica» (Diário das Sessões de 25 de Janeiro de 1946).

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Sr. Presidente: outra impressionante afirmação do Sr. Deputado Henrique Galvão respeita à despopulação de Angola, ocorrência de que em grande parte responsabiliza a mortalidade infantil, que computa entre 50 e 70 por cento, à semelhança do que sucede em outros territórios coloniais.
As informações contidas no relatório dos Serviços de Saúde de 1947-1948 encarregam-se de responder ao ilustre representante de Angola:

Fala-se frequentemente no decrescimento da população indígena da colónia, filiando-o na elevada taxa de mortalidade infantil.
Ora a verdade é que na província do Congo, que tem as piores condições climáticas e mais doenças que as outras, esse decrescimento, a existir, não é devido ao excesso da mortalidade sobre a natalidade. Aqui a estatística sanitária merece bastante confiança e demonstra que, embora lentamente, a população indígena aumenta.
Dos dezoito sectores sanitários em que está dividida a província do Congo sòmente em seis a mortalidade é levemente superior à natalidade. Isto deve-se, sem dúvida, à sua melhor organização sanitária.

Sr. Presidente: após a efectivação dos trabalhos científicos que motivaram a minha ida a Angola no ano passado, visitei, para me inteirar do seu labor, as esplêndidas Estações Agrícola Central de Vila Salazar e Zootécnica de Humpata e a Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Vieira Machado, em Chivinguire, onde os seus ilustres directores me facultaram idóneos ensinamentos, quer relacionados com a actuação destes organismos, quer com a dos demais departamentos dependentes dos respectivos serviços de Luanda, ou das Juntas do Café, do Algodão e dos Cereais, elementos esses que agora aparecem desenvolvidos na excelente exposição que o Sr. Ministro das Colónias enviou à Assembleia Nacional.
Registemos a distribuição das verbas gastas, segundo as rubricas orçamentais, nos últimos três anos:

[Ver Tabela na Imagem]

O exame dos elementos transcritos patenteia que:
1.º O valor do material adquirido, em relação a 1946, quadruplicou em 1947 e aumentou cerca de trinta vozes em 1948;
2.º As despesas com serviços agrícolas cresceram no ano de 1947 .e quase duplicaram em 1948 as quantias de 1946;
3.º As despesas com o pessoal, se nos anos de 1946 e 1947 se mantiveram aproximadas, já em 1948 subiram apreciàvelmente.
Em conclusão: preencheram-se todas as vagas do pessoal em 1948 e no ano corrente o quadro foi acrescido com dois agrónomos e dez regentes agrícolas; nos meados e fins de 1948 compraram-se, por uma dúzia de milhares de contos, máquinas de lavoura - dezenas do tractores, centenas de charruas, centenas de semeadores, dezenas de debulhadoras, etc. -, recém-chegadas à colónia, e que, em dois extensos comboios, seguiram há poucos dias para as zonas agrícolas, onde, em estações ou postos apropriados, pessoal técnico competente facilitará o manejo da utensilagem mecânica, aos produtores, aos quais posteriormente será distribuída.
Como se verifica, o Sr. Deputado Henrique Galvão enganou-se afirmando que se importaram muito mais máquinas do que eram precisas, achando-se armazenadas e inutilizadas em estações, onde «apodrecerão sem benefício dos produtores». Se a maior parte da utensilagem apenas chegou há dias ao seu destino!
Quanto aos organismos de coordenação económica, mormente às Juntas do Café e do Algodão, não é menor a preocupação de valorizar a sua eficiência em Angola. Assim, a Junta do Café, empenhada em melhorar em quantidade e em qualidade o principal produto de exportação da colónia, despendeu em 1947, na compra e montagem de instalações de descasque, de calibração e de padronização (no Uíge, Porto Amboim, Novo Redondo e Luanda), 247 contos e gastou 1:387 contos em 1948, devendo empregar em seus trabalhos durante o presente ano 10:000 contos!
A utilização de máquinas para suprir a falta de mão-de-obra nativa levou a Junta do Algodão a adquirir material mecânico no valor de 1:000 contos.
Sobre a Escola Agro-Pecuária Dr. Francisco Machado é justo dizer que este estabelecimento constitui uma das mais notáveis realizações que o seu ilustre patrono concedeu a Angola entre tantas e meritórias obras de fomento que ali promoveu; deste centro instrutivo sairão, perfeitamente preparados, os futuros auxiliares da laboriosa tarefa da valorização da agricultura e pecuária da colónia - o pilar mais seguro do seu enriquecimento.
E que dizer-se, Sr. Presidente, da fecunda actividade dos Serviços Veterinários de Angola? Conquanto, muito mais autorizadamente do que eu, o ilustre Deputado Sr. Dr. Bagorro de Sequeira possa esclarecer-nos sobre tão importante factor de riqueza da colónia, não resisto a consignar algumas cifras, que reputo muito elucidativas:

[Ver Tabela na Imagem]

A observação das rubricas, e sobretudo os somatórios, constituem documentação incontestável do alargamento crescente de tão valiosos serviços: em relação a 1946 a totalidade das vacinas feitas no ano seguinte aumentou razoàvelmente, havendo-se ampliado enormemente em 1948, a ponto de ultrapassar o dobro das aplicações praticadas em 1947.
Se repararmos no número de vacinas preparadas pelos laboratórios dos Serviços Veterinários, encontraremos ainda mais clara demonstração do seu utilíssimo e intensivo labor:

[Ver Tabela na Imagem]

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Sr. Presidente: uma das medidas administrativas actualmente em vigor em Angola e que mereceu críticas ao Sr. Deputado Henrique Galvão é a que respeita à vinda de indígenas cuanhamas para os centros piscatórios do sul da colónia, em virtude de não achar racional querer adaptar homens do hinterland, pastores que vivem do gado e para o gado e sem outras preocupações, à vida bem diferente da beira-mar, pretendendo fazê-los pescadores.
Na verdade, este critério parece legítimo e antropo-geogràficamente aceitável, mas os factos que vou citar mostram que só aparentemente ele é procedente em Angola.
Durante os meses que no ano passado estive na província da Huíla, em viagem de estudo, foi-me dado visitar, com demora suficiente, algumas das principais pescarias da colónia: Lucira, Chapéu Armado, Moçâmedes, Porto Alexandre e Baía dos Tigres, enumeradas segundo a sua situação geográfica, de norte para o sul, no litoral do distrito de Moçâmedes.
Observei médica e etnogràficamente os números indígenas dos territórios de Além-Cunene que trabalham na pesca de Porto Alexandre e muitos de Moçâmedes, e bem assim as instalações que lhes destinavam e os alimentos de que se abasteciam, a modalidade do labor a que se entregavam, etc.
Dos meus exames resultaram as seguintes conclusões: em regra, os cuanhamas, que vêm de suas terras enfraquecidos e magros, após alguns meses de permanência no local de trabalho tornam-se fortes, ostentando excelente grau de nutrição, óptimo estado psicológico, como flagrantemente o denunciam as suas diversões recreativas e outras manifestações de alegria praticadas nos domingos e demais dias de descanso.
As razões da apreciável melhoria física dos nativos derivam do cuidado havido na confecção de apropriadas rações alimentares, nos bons alojamentos que lhes fornecem e na natureza das funções em que os ocupam os respectivos patrões, inteiramente convencidos de quanto lucram em tratar bem os serviçais: trabalham mais rendosamente e menos encargos sanitários lhes acarretam.
Não há muitos anos, ainda as gentes de Além-Cunene desconheciam as pescarias -então era possível encontrar mão-de-obra em outras regiões da colónia -, abundavam os casos de doença, e por vezes de morte, entre os neopescadores por virtude da brusca mudança climática, novos costumes alimentares, deficiente assistência médica, etc., condições perniciosas actualmente desaparecidas. Assim, felizmente, hoje, mercê da zelosa inspecção médica dos serviçais à partida e à chegada aos centros piscatórios e da cuidadosa vigilância sob que são tidos no ponto de vista clínico e da higiene da nutrição, o número de baixas à enfermaria, é pequeno e os casos de morte raros, extinguindo-se por completo quaisquer sintomas de escorbuto e de outras avitaminoses.
O interesse pela saúde e bem-estar dos indígenas angolanos vai ao ponto de, na impossibilidade de obter-se alimentos vegetais - tão escassos em regiões desérticas -, se determinar a aplicação de vitaminas em injecção!
E já que aludi à carência de mão-de-obra nativa no litoral do distrito de Moçâmedes, julgo conveniente informar a Assembleia sobre a maneira que tornou viável a canalização para ali dos trabalhadores de Além-Cunene. É evidente que o presente desenvolvimento das sociedades de pesca no Sul de Angola - mais um esplêndido padrão da proficiente empresa colonizadora de Portugal e pujante fonte de riqueza da colónia -, nas condições em que ainda laboram, não haveria sido alcançado sem o concurso precioso e insubstituível do braço negro, e o seu volume mostrava-se cada vez mais restrito em virtude de se ter estancado a corrente migratória, oriunda, sobretudo, do planalto de Benguela.
Em face dos insistentes pedidos de trabalhadores e da difícil situação de indústria tão importante, o Sr. Capitão Silva Carvalho, actual governador-geral e ao tempo governador da província da Huíla, e o Sr. Herbert de Azevedo, administrador da circunscrição do Baixo-Cunene, prestaram-se a andar de aldeia em aldeia a convencer os chefes negros no sentido de que estes aconselhassem seus súbditos a contratarem-se para as fainas do litoral.
Mas, Sr. Presidente, a tarefa ora árdua, não apenas pela natural relutância que o homem do interior manifesta pela beira-mar, como principalmente pela atracção campeante que o vizinho «outro lado» -é esta a designação que os indígenas dão ao Sudoeste Africano -, ávido de braços nativos para os trabalhos mineiros, desde há anos exerce sobre os povos do nosso território angolano.
O Sr. Deputado Henrique Galvão sabe muito bem dos meios (alguns deles assazmente pictóricos e aliciantes) utilizados para induzirem os pretos portugueses a irem trabalhar nas minas do «outo lado», onde adquirem males do corpo e da aluía - quem pensaria que gentes pastoris e de vida livre se dispusessem a trabalhar debaixo da terra, sujeitos a férrea disciplina! Se até já se instituiu entre os indígenas o conceito social de que só são verdadeiramente homens, e, por consequência, mais queridos das mulheres casadoiras, os indivíduos que emigram para a Damaralândia! E o hábito migratório generalizou-se tanto que é frequente ouvir termos africânderes aos nossos indígenas da província da Huíla.

O Sr. Henrique Galvão: -V. Ex.ª dá-me licença?
É para dizer a V. Ex.ª que está a transmitir uma versão que não é verdadeira.
Está a transmitir a versão popular do acontecimento, e que pode transmitir porque é uma versão corrente na colónia, mas insustentável junto de quem conhece o movimento migratório dos cuanhamas.
V. Ex.ª demonstra que o desconhece em absoluto.

O Orador: - Gostei muito de ouvir V. Ex.ª sobre este assunto e até mesmo da maneira algo agressiva como interveio agora. Porém V. Ex.ª prestaria um altíssimo favor se me demonstrasse, bem como à Assembleia, que, na realidade, eu estou pouco documentado a tal respeito; é sempre tempo de aprender, e muito agradeceria a V. Ex.ª que me desse ensinamentos sobre problema tão actual.

O Sr. Henrique Galvão: -Não tenho a pretensão de ensinar V. Ex.ª, mas posso, no entanto, elucidar V. Ex.ª e a Assembleia, na qualidade de pessoa que via as coisas que V. Ex.ª só ouviu.

O Orador: - Também estive na colónia em 1948 e no Sul de Angola percorri e estacionei nos lugares em que V. Ex.ª passou ou se demorou; portanto, também, VI e ouvi muitas coisas. Contudo, eu desejaria bastante que V. Ex.ª me esclarecesse e à Assembleia sobre os motivos que o levam a afirmar que estou em erro. V. Ex.ª fez uma afirmação categórica, mas não a demonstrou, e é necessário que o faça.

O Sr. Henrique Galvão: - Se V. Ex.ª me consente, eu posso explicar já como as coisas se passam; simplesmente peço que, depois, não me seja feito o mesmo reparo que ontem me foi dirigido pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva, exactamente sobre este mesmo assunto da emigração dos cuanhamas.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Henrique Galvão quando voltar à tribuna poderá então explicar este assunto.

O Sr. Henrique Galvão: - Era exactamente o que eu estava a oferecer ao Sr. Deputado que está no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª Sr. Deputado António de Almeida, já esgotou o tempo regimental.

O Orador: - Muito obrigado pelo aviso. Vou abreviar as minhas considerações.
Por isso, Sr. Presidente, foi necessário que o governador assegurasse aos chefes gentílicos e aos seus subordinados o repatriamento de todos os trabalhadores no fim do contrato e o pagamento integral dos salários estipulados, cláusula esta que - ao contrário do que acontece com a dos contratos dos nativos de outras regiões, cujo montante pecuniário só vêem e recebem na terra de origem - passaria a ser satisfeita por meio da entrega a um indígena de cada grupo regressado (por eles próprios escolhido) da quantia pertencente a todos, e distribuída pela autoridade administrativa logo após a chegada à sede da circunscrição natal.
Em face do exposto, Sr. Presidente, creio ser de louvar a providência governativa que promove o contrato de cuanhamas para as pescarias do Sul de Angola, pois que, além do patriótico intento de desviar os nativos de irem trabalhar em território estrangeiro, sem os prejudicar na sua saúde física e moral (antes pelo contrário), pretende-se e consegue-se arranjar braços e estimular a valorização da importante indústria da pesca do distrito de Moçâmedes.
Sr. Presidente: vou concluir a minha exposição. Porém, antes de terminá-la, devo completar as informações que o Sr. Deputado Henrique Galvão deu à Câmara acerca do beneficio pautai devido aos pescadores da Baía dos Tigres - povoação que visitei em Outubro de 1948.
De acordo com a Portaria Ministerial n.º 39, de 23 de Outubro de 1945 - que concede determinados privilégios alfandegários à gente de toda uma zona ao longo da fronteira terrestre -, o actual governador-geral de Angola mandou aplicar a sua doutrina aos pescadores deste Posto Administrativo em 27 de Setembro de 1947. Acentuo: a portaria foi mandada aplicar pelo governador-geral, sem que a tal fosse obrigado, como erradamente pode deduzir-se do discurso do Sr. Deputado Henrique Galvão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E o que dizia essa portaria?

O Orador: - Eu já afirmei que a portaria concede benefícios pautais à gente do toda uma zona ao longo da fronteira terrestre de Angola.

O Sr. Mário de Figueiredo: -Eu fiz a pergunta a V. Ex.ª, porque tenho ideia de que o produto desse imposto seria para aplicar a fins de interesse colectivo.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão; é exactamente assim.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Realmente o que se diz no discurso com que se efectivou o aviso prévio conduz a supor que a solução da portaria era outra.

O Orador: - É como V. Ex.ª disse. Concederam-se regalias pautais aos pescadores da Baía dos Tigres, por determinação do governador-geral, que para tal fim mandou estudar o assunto por pessoa idónea - como se verificará pelas considerações que exporei a seguir.
A exemplo de muitas outras regiões angolanas, na Baía dos Tigres levaram-se a efeito ùltimamente importantes construções: casas pura funcionários, igreja, escola, hospital, pista para aviões - a propósito muito me apraz afirmar que nesta localidade, como nas demais de Angola, as novas edificações públicas empregaram os melhores materiais, circunstância que, se encareceu as obras, em compensação lhes deu resistência e solidez paru dezenas de anos, o que já não acontece com certas construções feitas por particulares, que por isso custam menos dinheiro do que as do Estado, como pensa, o Sr. Deputado Henrique Galvão. Quer dizer: trata-se de realizações que estuo na base de uma séria tentativa de colonização que só florescerá quando a água do Cunene vier humedecer a areia da restinga, promovendo a formação do revestimento vegetal indispensável à manutenção e alargamento populacional.
A urbanização, impondo a melhoria da salubridade local, aconselhava a substituição dos míseros alojamentos dos serviçais, que também são gente, e que, como os brancos, carecem de grande resistência para enfrentar as universidades ambientes.
E agora, Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que passe a pensar alto.
É de crer que, de harmonia com os princípios da mencionada portaria, o engenheiro animador das obras em curso, fortalecido pelo justo prestígio de que goza na Baía dos Tigres e em toda a colónia, tivesse querido convencer os pescadores da necessidade de tais melhoramentos de carácter colectivo, de que eles eram os principais beneficiários, pois que quanto mais perfeita fosse a assistência material dada aos nativos maior rendimento de trabalho produziriam; é mesmo possível que, ao ouvirem a sugestão, por acanhamento ou por condescendência, os pescadores deixassem de contrariá-la.
O engenheiro, naturalmente tomando o silêncio por aquiescência tácita e unânime, entusiasmado com a ansiada oportunidade de poder libertar a Baía dos Tigres das precárias acomodações dos trabalhadores indígenas, cada vez mais destoantes no lindo conjunto urbanístico do povoado, expôs ao governador-geral a sedutora novidade, que, por achá-la interessante e dentro do espírito da Portaria n.º 39, a perfilhou, tanto mais que vinha de pessoa categorizada, a quem logo recomendou a elaboração do respectivo projecto.
Passaram a arrecadar-se nos cofres da Fazenda as importâncias dos pescadores, à espera de, mais aumentadas, permitirem o início da substituição regular das habitações dos indígenas, sem que os interessados fizessem qualquer reclamação até à chegada do Sr. Deputado Henrique Galvão à Baía dos Tigres. As poucas dezenas de contos depositadas ainda se mantêm intactas - assegura-o o delegado do procurador da República e chefe de gabinete do governador-geral, recentemente enviado ali para inquirição, havendo verificado que dois terços dos pescadores (ao todo são meia dúzia) desejam que seus dinheiros se destinem à amortização da fábrica de farinhas e óleo de peixe edificada pelo Sindicato de Pesca de Moçâmedes e pertença de uma sociedade cooperativa formada por aqueles.
Por conseguinte, se houve imperfeita interpretação de um distinto funcionário, aliás muito sério e bem intencionado e procedendo em completa concordância com a letra da portaria, não creio que semelhante equívoco mereça a censura do Sr. Deputado Henrique Galvão, não só «porque dele não resultaram prejuízos irreparáveis, como ainda porque, repito, no fim e ao cabo apenas os donos das quantias recolhidas lucrariam colectivamente com as novas instalações dos seus serviçais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Bagorro de Sequeira: - Sr. Presidente: ao tomar parte no debate suscitado pelo aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão, permita-me V. Ex.ª que comece por me felicitar e à província de Angola por ver a Assembleia tão interessadamente ocupada com o importante problema da sua administração, a que as circunstancias, deram aspectos de acontecimento talvez inédito na história desta Casa.
Se não tiver outra virtude a intervenção daquele Sr. Deputado, é manifesto que trouxe ao interesse da Assembleia e do público a apreciação da vida daquela nossa província e talvez seja um salutar indicador para o futuro em matéria de administração ultramarina.
Sr. Presidente: não desejo ocupar-me, nem de longe nem de perto, dos casos especificados pelo Deputado Sr. Henrique Galvão, reportados a actos praticados por funcionários de Angola no exercício das suas funções, e que aquele senhor enquadrou, bem ou mal, na administração da colónia, porque não poderia fundamentar uma opinião consciente sobre eles, pois apenas chegaram até mim através de rumores e comentários públicos e agora pelo aviso prévio, e sobretudo por desconhecer as circunstâncias que determinaram o Governo da colónia a consenti-los ou a autorizá-los.
Em idêntica posição, suponho, se encontram todos VV. Ex.ªs
Seja como for, parece-me que ao Governo, e só ao Governo, compete tomar conta deles e proceder conforme a justiça, a moralidade e os bons preceitos de administração aconselharem.
São casos de disciplina das funções públicas que os regulamentos disciplinares prevêem e para os quais estabelecem normas de averiguação e as penas respectivas aos delitos praticados.
Todavia, como o aviso prévio daquele Sr. Deputado acerca da administrarão de Angola não pode ser encarado nos seus propósitos e fins de outra forma que não seja a de se fazer nesta Assembleia, de funções essencialmente fiscalizadores, o exame e a crítica do que se passa em administração colonial, com a mesma liberdade e independência com que tantas vezes aqui se tem usado na apreciação de actos do Governo relativamente à administração metropolitana, reconheço que a intervenção do Sr. Deputado Henrique Galvão constitui um direito que lhe assiste, como Deputado que é da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entendo também que na generalização do debate cabe perfeitamente uma apreciação genérica de alguns problemas que constituem legítimas aspirações da colónia c se relacionam com a melhor eficiência dos serviços, se refiram ao progresso do seu fomento económico e consequentemente sejam considerados com projecção no nível de vida material, moral e social das populações que ali habitam e exercem as suas actividades, populações a quem dirijo neste momento as minhas mais ferventes saudações pela grandeza do seu espírito de bons portugueses, inteira e perfeitamente dedicados ao progresso da colónia, e pela galhardia e boa compreensão com que tom sabido formular as suas aspirações de justiça, sem esquecer nunca os seus deveres de colaboração para com a metrópole.
Sr. Presidente: em minha opinião, governar Angola é tarefa muito difícil, cuja dificuldade aumenta dia a dia, à medida que maior vai sendo o seu desenvolvimento e mais definidos e concretos se vão apresentando os seus problemas de administração, sobretudo agora, em que os territórios coloniais são chamados a unia mais eficiente colaboração com a Europa, onde mal cabem já as populações que a habitam e onde os recursos mais necessários à vida vão escasseando, em virtude do seu aumento demográfico sempre crescente, que se traduz em alguns milhões em cada ano, e ainda em consequência do aumento de necessidades criadas, que têm de ser satisfeitas, por um maior volume de produção e de trocas.
Acresce ainda a circunstância proveniente da complexidade dos problemas que a cada passo se apresentam e exigem a superior visão, concepção e resolução de quem governa a colónia, por vezes excedendo a capacidade e as possibilidades de um só homem, por maiores que sejam os seus recursos intelectuais, por mais equilibrados que sejam a sua ponderação e bom senso e por melhor que seja a sua formação administrativa, mesmo admitindo, por hipótese, que está rodeado de alguns bons colaboradores.
Por outro lado, em África, como em geral nos países novos, a vida é mais intensa e são mais prementes os anseios de progresso, que visam ao nivelamento com a civilização europeia, e nalguns casos a ultrapassá-la.
No caso especial de Angola, há ainda a considerar a sua situação de vizinhança com territórios e colónias bastante progressivos, do que resulta ser toda a sua actividade interpretada comparativamente com o que se faz naqueles territórios e colónias. E é este argumento de confronto o grande argumento da maior parte dos insatisfeitos com o que temos feito naquela nossa província ultramarina.
Desta forma, está claro, quanto mais se faz mais se exige do Governo - lá como cá -, na certeza de que impossível se torna satisfazer tudo, especialmente com a pressa e a insistência com que são formuladas as necessidades. É sempre mais fácil apetecer do que satisfazer.
Expostos assim os factores principais que, em minha opinião, tornam difícil a governação de Angola e em que localizo a grande parte dos fundamentos dê critica, aliás bem intencionada, e a insatisfação de muitos dos seus colonos e estudiosos dos seus problemas, julgo que seria injusto, ou pelo menos mau observador, se negasse a evidência de uma obra importantíssima de ocupação e exploração, que nos honra como nação colonizadora e civilizadora, no conceito geral dos povos e em especial no daqueles que, como nós, possuem colónias, tudo, evidentemente, interpretado na relatividade dos nossos recursos humanos e de riqueza.

O Sr. Botelho Moniz: - Até interpretado em justiça absoluta.

O Orador: - Sr. Presidente: de qualquer forma que consideremos a nossa actuação de país colonial, seja qual for o sentido da nossa crítica ou da crítica alheia, é inegável que Angola constitui já hoje um valioso empreendimento nacional, construído orgulhosamente com a fé, a abnegação, o trabalho e o dinheiro dos portugueses, sujeito, como tudo neste Mundo, à lei do confronto, mas em si mesmo representando uma obra moral de grande envergadura e projecção, frente a tempos de mentalidade política extraordinàriamente complicada, obra por sua vez já materializada em realizações de substancial importância na vida comum da Nação e na qual é difícil distinguir, tão intimamente estão ligados e confundidos, o esforço do Estado e o dos seus colonos.
Negá-lo seria negar a existência de uma coisa que os nossos olhos vêem e a nossa inteligência compreende. Seria negar o patriotismo, a boa vontade e o dedicado e heróico esforço de quantos ali têm trabalhado e trabalham - governantes e governados -, Deus sabe, em muitas épocas e em muitos casos, em que circunstâncias difíceis.

O Sr. Henrique Galvão: -Para evitar confusões acerca de generalização, eu pergunto a V. Ex.ª se reconhece que alguma coisa tenho feito para dar a conhecer aos portugueses a obra realizada na colónia.

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O Orador: - Evidentemente que não é este o propósito do ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão,, autor do aviso prévio que se debate, ao fazer o exame crítico da administração de Angola, pois todos conhecemos e temos sentido nesta Câmara o seu apaixonante entusiasmo pelos assuntos coloniais, especialmente pelos que respeitam a Angola, e todos conhecemos o devotamento que dedica aos seus colonos, de cujos direitos e aspirações se tornou o melhor dos paladinos.
Por isso daqui lhe dirijo os meus cumprimentos, convencido como estou da boa fé e das boas intenções que o animam relativamente às críticas e acusações que formulou e dos seus bons desejos de contribuir para que se alcance maior perfeição nos nossos métodos e processos de administração colonial, o que, aliás, está inteiramente de acordo com a sua longa e permanente actuação, como funcionário superior e como publicista, reputado justamente como um dos melhores valores que possuímos entre os que se dedicam ao estudo dos problemas do nosso ultramar.
Sr. Presidente: era difícil, senão impossível, fazer aqui na Assembleia, considerado o escasso tempo que me é concedido, uma exposição da grande transformação que tem sofrido a colónia de Angola, em realizações e benefícios de toda a ordem, que de uma maneira ou de outra têm elevado o seu valor como terra portuguesa e o bem-estar da sua gente, mesmo que pretendesse restringir o campo da minha observação ao limitado período da última vintena de anos.
Tenho sido, como muitos, um modesto obreiro do progresso de Angola, por largos anos ocupado, dia a dia, a acrescentar alguma coisa mais ao que está feito, sempre com a certeza do muito que há a fazer.
Reconheço que nalguns aspectos da nossa política e administração coloniais temos andado devagar, noutros temos possivelmente andado mal; mas a obra é dos homens, e, como tal, não pode ser inteiramente perfeita. O que me interessa é, pois, o balanço dos resultados, interpretado no seu conjunto e no tempo, e esse, diz-mo a razão, é favorável. Considero-o mesmo motivo de orgulho, como manifestação de potencialidade da nossa raça.
É possível que este meu juízo seja influenciado pela circunstância, para mim feliz, de ter vivido e assistido à transformação a que me referi e na qual participei com um mínimo de quota-parte, seja-me permitida a referencia, mas... não é inteiramente assim, como p provam: o mais elevado nível de vida social dos seus colonos; o melhor arranjo, conforto, higiene e salubridade das suas casas, aldeias, vilas e cidades; o desenvolvimento dos seus meios de transporte e comunicações; a robustez e firmeza da sua agricultura, indústria e comércio; o equilíbrio das suas finanças e economia; a melhor organização e apetrechamento dos serviços públicos; mais compreensivas relações entre europeus e indígenas, com mais acentuada protecção do Estado à sua saúde, alimentação e trabalho, e a realização formidável e constante de obras de fomento e de interesse público, cuja enumeração e designação me dispenso de fazer, por desnecessária, visto já ter sido referida por outros Srs. Deputados.
Sr. Presidente: com a exposição que acabo de fazer, que satisfaz plenamente a minha consciência e a minha devoção por Angola e pela sua gente, não quero, contudo, afirmar que tudo está bem e que a administração de Angola nada tem a criticar.
Não. Tenho também alguns reparos a fazer, especificadamente dirigidos a alguns problemas, que, pela sua importância e influência na administração, me parece requerem correcções de sistema e alguns até exigem mudança total nos processos de execução. Não são dirigidos a ninguém. O alvo é Angola.
O trabalho indígena, mais conhecido pela designação de mão-de-obra indígena, é um dos problemas que mais preocupam o Governo e as empresas produtoras da colónia, pelas dificuldades do que se tem revestido.
Na sua apreciação há forçosamente que considerar determinados conceitos, aceites hoje, indiscutivelmente, como leis reguladoras das relações estabelecidas pelas duas civilizações postas em contacto.
O Dr. Armindo Monteiro, no seu notável discurso quando da posse do governador-geral coronel Lopes Mateus, em Janeiro de 1935, disse:

Colonizar é essencialmente tratar do negro. Este é a grande força de produção, o abundante e dócil elemento de consumo que a África oferece.
... a preguiça não entra nos direitos do indígena; trabalhando, poderá o indígena vender e comprar mais.
... ouso indicar-lhe um problema que não pode adiar-se por mais tempo: a organização das populações indígenas.

Nestes três curtos períodos disse o Dr. Armindo Monteiro tudo.
É da nossa obrigação e conveniência cuidar do negro, sob todos os aspectos da sua vida, pessoal e familiar, ensiná-lo a trabalhar cada vez com maior rendimento e organizar a sua vida social de maneira a que melhor desempenhe a sua missão humana na «associação» que connosco forma. Cuidar do negro é essencialmente robustecer a sua armadura económica, vigiar a sua saúde e instrução e fornecer-lhe alimentos, alojamento e vestuário condignos, ao mesmo tempo que salário remunerador, que lhe permita elevar o seu nível de vida.

O Sr. Melo Machado: - Sobretudo não o deixar morrer. A mortalidade infantil em Angola é uma coisa grave.

O Orador: - Da mesma maneira, a avaliação dos pretos trabalhadores com base nos arrolamentos para pagamento do imposto e mais elementos de informação fornecidos pela Repartição dos Negócios Indígenas é excessivamente teórica e estimada sobre erros, deficiências e conveniências que viciam totalmente o sistema.
Por outro lado, a prestação de trabalho não pode depender exclusivamente do arbítrio do preto, por temperamento e ambiente propenso ao esforço mínimo.
É, pois, neste campo de princípios que o Governo tem de estabelecer e admitir o trabalho dos indígenas - e assim tem sido de facto -, princípios, aliás, aceites sem discussão por toda a gente.
Simplesmente, a forma de os realizar é que, me parece, não tem sido suficientemente eficiente, por duas razões fundamentais:
a) A falta de organização das populações indígenas, a que já me referi, e a falta de um cadastramento dos indígenas dos dois sexos, sob o ponto de vista da sua aptidão ao trabalho doméstico, agrícola e industrial, de conta própria e de conta alheia, organizado por áreas administrativas perfeitamente definidas, consideradas fornecedoras de mão-de-obra a determinadas e também definidas áreas de produção agrícola e industrial;
b) A falta de uma instituição superior, idónea e responsável, que centralize, dirija e ordene tudo que respeita ao trabalho indígena, com funções de execução, inteiramente à margem da interferência das autoridades administrativas, no que respeita à distribuição e atribuição dos trabalhadores relativamente às áreas e empresas que os utilizam, instituição que deve ser assistida convenientemente por uma fiscalização, também idónea e responsável, sobre as empresas e trabalhadores.

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Assim, e só assim, me parece ser possível basear em informação segura o problema da mão-de-obra indígena relativamente à sua melhor utilização pelas empresas e melhor distribuição pelas diversas actividades.
Para mim, a afirmativa de que a crise de mão-de-obra que se vem verificando em Angola tem sua causa primária na falta de pretos carece de fundamento.
Afigura-se-me antes que, por enquanto, não há um problema de falta de mão-de-obra, mas sim um problema de injusta e atrabiliária distribuição e utilização de mão-de-obra.

O Sr. Henrique Galvão: - Muito bem.

O Orador: - E é nisto que consiste a minha crítica.

Serviços técnicos bem organizados ou brigadas eventuais, mas... de carácter permanente:
As melhores condições de administração de qualquer país ou território só se realizam quando se dispõe de serviços públicos bem organizados, para cada caso dotados com pessoal suficiente e competente e com o apetrechamento de trabalho indispensável para que os seus objectivos sejam atingidos.
Refiro-me aos serviços públicos de carácter permanente, cuja necessidade se reconhece no tempo, enquanto houver coisa pública a governar e administrar.
Estão neste caso os serviços públicos de Angola, que, diga-se a verdade, têm na generalidade melhorado as suas orgânicas e condições de trabalho.
Actuam também ali ou têm actuado serviços de carácter eventual, cuja existência se limita ao tempo necessário para investigar, estudar ou executar uma determinada tarefa, que, uma vez realizada, dispensa a manutenção dispendiosa de um serviço permanente.
Estão neste caso os serviços de delimitação de fronteiras, hidrográficos, geodésicos, geográficos, botânicos, estudos de portos, missões científicas, etc., que têm efectivamente de ser realizados por pessoal especializado, directamente subordinado do Ministério, que a colónia não tem e verdadeiramente não precisa ter, e cuja actuação tem sido altamente proveitosa.
Por outro lado, a cada passo se reconhece a necessidade e conveniência de recorrer a visitas de estudo de cientistas e técnicos isolados que ali vão buscar e levar conhecimentos das suas especializações, e pena é que isso se não faça com mais frequência e com maior extensão a todos os ramos da técnica aplicada.
Até aqui tudo está muito bem e merece o nosso aplauso.
O meu reparo, porém, começa quando se criam brigadas eventuais, mas que se tornam de carácter permanente, à custa das disponibilidades de pessoal dos quadros dos serviços, com funções independentes e vencimentos especiais, que afinal não fazem mais do que os serviços permanentes podiam e deviam fazer. É o caso da brigada de construção de casas, que ainda por cima foi investida da função de construtor civil, como se fosse missão do Estado construir casas, por sua directa administração, sendo certo que o Estado, por esse processo, constrói sempre mais caro do que os particulares.
A brigada, de construção de casas de Angola é, pois, e como tal, considerada por toda a gente uma organização que representa duplicação de serviços e uma desnecessária e avultada despesa. Parece, pois, que a Direcção de Obras Públicas, pela sua Repartição de Edifícios, poderia perfeitamente organizar os cadernos de encargos e provocar a adjudicação das obras a empresas construtoras particulares, e o Gabinete de Urbanização Colonial, como aliás tem feito noutros casos, fornecer os projectos.
Era o caso da brigada de estradas, que, felizmente, deixou há pouco do existir.
Organismos de coordenação económica. Suas funções comerciais:
Durante o período da última guerra teve o Governo da colónia imperiosa necessidade de utilizar os organismos de coordenação económica para a movimentação dos seus valores de exportação e importação. Em muitos casos a interferência desses organismos teve de abranger todo o ciclo da movimentação dos produtos, desde a produção até à sua colocação nos mercados compradores, incluindo a compra, o embarque, a venda e a distribuição.
Quase todas as operações de compra e venda, bem como o abastecimento da colónia, dependente do exterior, corriam pelas chancelarias oficiais dos países aonde se destinavam ou de onde provinham os produtos.
Nas próprias relações com a metrópole e as outras colónias assim sucedeu, como disse, por imperiosa imposição das circunstâncias. Também as coisas correram assim nas colónias vizinhas de Angola, através de organismos especialmente criados para tal fim.
Acabada, porém, a guerra, e logo que os mercados e as relações comerciais normais se restabeleceram, estava indicado que tais funções comerciais dos organismos de coordenação económica, por desnecessárias, deixassem de se realizar, pois passaram a representar uma usurpação das funções que competem ao comércio. É esta função comercial exercida pelos organismos que, por ser de concorrência desleal e em muitos casos se revestir de aparências suspeitosas de favoritismo e em alguns de realidades condenáveis, não tem a aceitação pública e concorre para o descrédito do sistema e desprestígio dos seus agentes. Acabe-se, pois, com os organismos comerciantes e haverá mais paz nos espíritos, mais compreensão do sistema corporativo e melhor aceitação da interferência do Estado na ordenação dos interesses económicos.
Sirva de exemplo o prestígio de que goza a Junta de Exportação do Algodão, que não tem qualquer interferência comercial na movimentação do produto cuja actividade técnica e económica dirige.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu creio que a manutenção desses organismos de coordenação económica na colónia de Angola não é pròpriamente culpa nem da administração de Angola nem do Ministério das Colónias, mas sim da exigência de determinadas condições de exportação para a metrópole. Não será assim?

O Orador: -Direcção de Economia:
Tal qual tem funcionado não representa nada, a não ser um encargo inútil no orçamento. Tem atribuições definidas, mas não as exerce, entre outras razões, porque foram absorvidas por outros departamentos, alguns criados posteriormente.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Isso não é pecado de hoje, é de há muitos anos.

O Orador: - Ah, sim!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pelo movimento das considerações de V. Ex.ª percebia-se, talvez que era pecado de hoje; eu quis marcar bem que não é assim.

O Sr. Henrique Galvão: - Para marcar bem, então é preciso acrescentar o seguinte: é que esses poderes, já escassos, foram consideràvelmente diminuídos ainda pela criação do Conselho de Direcção Económica.

O Orador: - Eu também refiro aqui que as suas funções foram absorvidas por outros organismos, alguns criados recentemente. Eu continuo:
Assim, a Direcção de Economia é um alfobre de burocratas a esgrimir com uma papelada infernal, tal qual

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D. Quixote esgrimiu com os moinhos de vento. Passa licenciamentos comerciais e alvarás industriais, numa azáfama impressionante de dificultar as melhores e mais pertinazes iniciativas.
Parece que assim não está bem.

Política de fomento. O problema da água no Sul de Angola:
Tenho para mim, há muito tempo, que o maior empreendimento de fomento que Angola requer é o abastecimento de água, tanto quanto possível regular e permanente, às imensas e ressequidas planícies do sul do sen território, conseguido por todas as formas que a técnica da especialidade encontrar viáveis. Ocupar os serviços de minas, fortemente robustecidos de pessoal experimentado em tais estudos e trabalhos, ou criar um serviço privativo para tal fim é com certeza investir com uma das mais prometedoras fontes de riqueza que a colónia nos oferece.
Captar a água de todas as nascentes, procurá-la na fundura das chanas e represá-la nos vales seria aproveitar muita da que agora se perde num constante vazamento para o mar, enquanto a terra vai calcinando, à falta de frescura.
O Sul de Angola com água poderia ser a reserva de abrigo e sustentação dos excedentes demográficos metropolitano e insular durante largas décadas.
Em todo o caso, a este empreendimento não tem a administração de Angola votado o interesse que me parece merecer.

Caminhos de ferro:
Também neste aspecto do fomento de Angola julgo andarmos demasiadamente despreocupados. À parte os caminhos de ferro de Benguela e de Amboim, de iniciativa particular, e de um pequeno troço recentemente acrescentado a um ramal do caminho de ferro de Malanje e agora o prolongamento do caminho de ferro de Moçâmedes até à Chibia, em construção, há cerca de trinta anos que a rede dos caminhos de ferro de Angola não aumenta, embora muito se tenha dito e escrito em justificação da necessidade de fazer as derivações complementares da linha Luanda-Halanje e sobretudo de lançar uma linha no sentido Congo-Norte-interior, que é porventura uma das regiões mais ricas de Angola.
Sr. Presidente: vou terminar as considerações que julguei necessário produzir, fazendo votos para que deste debate sobre a administração de Angola resulte alguma coisa de construtivo para aquela nossa colónia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel Múrias: - Sr. Presidente: não quero ocultar o acanhamento com que subo à tribuna para um debate desta ordem.
Falta-me naturalmente a categoria (não apoiados) que o Sr. Deputado Henrique Galvão exigiu para se poder discutir certo número de problemas ligados com as colónias: ter passado por lá repetidas e demoradas vezes, ter procurado estudar com atenção, e no próprio local, esses problemas complicados e a sua posição em todas as colónias; e eu, pode bem dizer-se, só conheço de visu algumas colónias portuguesas, não todas, e um tanto como dizia o Padre Vieira dos portugueses do Brasil: que apenas haviam arranhado alguma coisa nas costas. Procurei vencer esse acanhamento sem me servir, invocando-as como benefício, das disposições constitucionais e regimentais que declaram, na sua capacidade de decidir, a todos os Deputados como seres omniscientes, porque são Deputados.
Intervirei muito ao de leve no aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão - exclusivamente para colocar perante o País e a Assembleia as dúvidas que me surgiram ao ouvi-lo e que, de certa maneira, enquanto umas foram eliminadas ao ouvir outros Srs. Deputados e o Sr. Deputado Henrique Galvão nas suas interrupções, outras se tornaram mais perturbantes e perturbadoras. Só por isso me atrevo a tomar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia alguns momentos.
Seja-me permitido notar, em primeiro lugar, que, se alguma coisa há a apontar no aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão, é uma completa falta de coincidência entre o anúncio do aviso prévio e a sua apresentação, ùltimamente, à Assembleia. Notando isto, quero esclarecer que se não trata de uma dúvida minha apenas. Verifiquei tratar-se de uma dúvida do País, profundamente mais impressionado agora, segundo creio, do que ao ser anunciado o aviso prévio - nos termos em que se anunciou.
Não direi que me não desagradasse verificar que foi assim; e ainda agora, ao ouvir o discurso do Sr. Deputado Bagorro de Sequeira, tive verdadeiro prazer em observar que, perante um testemunho tão autorizado como foi este, se averigua existir muita coisa que se salva na grande colónia portuguesa da África Ocidental - além da população indígena o dos colonos, que a princípio parecia ser apenas o que o Sr. Capitão Henrique Galvão procurava defender.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª consinta-me que o interrompa para salientar uma vez mais, a fim de evitar qualquer confusão, que me referi ùnicamente a um período determinado da administração de Angola, não negando, evidentemente, todas as obras - e muito notáveis foram - feitas por administrações anteriores e que, estou convencido, poderão ser feitas por administrações futuras.

O Orador: - Agradeço muito a explicação de V. Ex.ª; e já que me deu a honra de me interromper, se me permite, dir-lhe-ei agora que agradeço desde já todas as interrupções que julgar dever fazer, para meu esclarecimento, no decorrer da minha intervenção.
E, agradecendo o esclarecimento, sempre notarei que, no entanto, verifico pelo discurso do ilustre Deputado, segundo o texto do Diário das Sessões, que, depois de ter feito uma enunciação de males, defeitos e consequências desagradáveis resultantes do deficiente funcionamento da máquina e de afirmar que são mais fáceis de verificar no seu efeito do que explicar nas suas causas, reconhece que «não há que pedir, evidentemente, responsabilidades à administração actual de Angola».
Ora bem. Está aqui precisamente a minha dúvida, pois, tendo visto assim tão largamente marcada, tão largamente estendida ao espaço de mais de um século a responsabilidade de todos os males, de todos os defeitos, de todas as consequências do deficiente funcionamento da máquina administrativa de Angola, se viu depois circunscrita, na exposição do aviso prévio, a um período muito mais curto, para que me não pareça que está de certa maneira diminuído no seu alcance o aviso prévio do Sr. Capitão Henrique Galvão.
Quer dizer, o Sr. Deputado espontaneamente apertava, acaso excessivamente, a um fenómeno que, de começo, ao anunciar o aviso, considerara como da responsabilidade da administração actual de Angola, mas depois se pôde atribuir, nas suas raízes, a erros longínquos, e afinal se limitou a casos circunscritos e quase banais de sectores que podem reconduzir-se à ordem moral e administrativa sem ter de alterar a orgânica da administração.
Esta, pois, a dúvida que se me suscitou, no decorrer da apresentação do aviso, limitado já agora a meia dúzia de casos, de que não quererei negar a gravidade, mas

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que também me não permitem afirmar que sejam excepcionais, e de que será necessário ainda averiguar minuciosamente, partindo, embora, do que o Sr. Capitão Henrique Galvão aqui expôs, para se chegar não se sabe ainda onde.

O Sr. Ribeiro Cazaes: - V. Ex.ª dá-me licença?
Parece que o aspecto público é este: vendo que a administração era má, que há funcionários que prevaricaram e prevaricam, eu desejaria saber se têm as instâncias superiores conhecimento disso.
Ora isto é que não foi demonstrado; porque se as instâncias superiores têm conhecimento é um caso, se não têm é outro.

O Sr. Henrique Galvão: - Posso informar VV. Ex.ªs de que têm as instâncias superiores em Angola conhecimento deles e posso dizer que isso foi demonstrado nos documentos que apresentei, visto que nesses documentos figura a intervenção dessas autoridades.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O que não foi demonstrado é que quando figura a intervenção das entidades superiores houvesse erro; e houve da parte de V. Ex.ª a afirmação de que havia erro.

O Orador: - Se VV. Ex.ªs me permitem continuarei a expor a minha dúvida neste assunto, porquanto, embora a exposição que trago congeminada seja uma seriação de pequenas dúvidas, em todo o caso não deixarei de tocar também nesta outra dúvida, agora levantada pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes.
Voltando ao assunto, há realmente uma série de casos, ou um caso central ligado a outros, a que podemos chamar o caso de Morais Sarmento e que, tanto pela extensão que lhe deu, como pelo desenvolvimento das provas ou começo de prova da argumentação apresentada, parece ter dominado o espirito do Sr. Deputado Henrique Galvão, e dominou ao menos, com certeza, o interesse público, que por ele classificou o aviso prévio.
Há, todavia, ainda o caso chamado da Pameli, que, à primeira vista, parece o mais sério, embora limitado também, segundo creio, ao presidente da Junta de Exportação, que interveio. Eis o motivo da dúvida, quanto a a mim:
Aparece neste caso uma história de $20, que só com os elementos trazidos à Câmara pelo Sr. Deputado Henrique Galvão não julgo poder entender-se, pois me deu a impressão de que tanto poderia tratar-se de uma combinação ilegítima entre a empresa e o funcionário como de confusão com a taxa cobrada nos termos habituais pela Junta.

O Sr. Henrique Galvão: - Eram as duas.

O Orador: - Eram então $40.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Segundo o depoimento do padeiro de Santo Amaro, suficientemente conhecido na Portugal e Colónias e lá, havia duas vezes $20.

O Orador: - Na realidade poderia considerar-se que o simples depoimento, nos termos em que foi feito, por uma pessoa que nessa altura teria, sem dúvida, conveniência em depor contra os seus antigos associados, digo que esse depoimento, só por si, não pode levantar senão uma suspeita. Este é o problema: só por si, sem outros elementos comprobatórios, o depoimento dos moageiros não condena. Deve, porém, suscitar um inquérito que leve mais longe a procura da verdade.
Claro que a Assembleia Nacional não é um tribunal. Nem os Deputados são juizes.
Hás convém, ao fazer-se uma acusação, mesmo desta tribuna, que ela seja solidamente formulada e assente, não se dê o caso de estarmos, simplesmente, a fazermo-nos eco de atoardas sem base real.
Repare-se: as minhas dúvidas não são mais do que dúvidas. Nem sei se podem ajudar a acusação ou facilitar a defesa. São dúvidas apenas.
O Sr. Deputado Henrique Galvão, porém, ao desenvolver este caso com todas as minúcias, parece, e antes de cair noutras que se limita a indicar, alargar nas suas conclusões o que julga ter demonstrado ao geral da administração de Angola. E neste ponto não há dúvidas, pois o ilustre Deputado põe na generalização mais paixões do que razões.
E surge o caso da sacaria ... Outra dúvida que acaso o próprio texto do discurso do Sr. Deputado Henrique Galvão chegou para esclarecer. (Eu, aliás, não trouxe para a tribuna documentos, montes de documentos...).

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas traz pior, que é a dúvida, o que é o diabo...

O Orador: - Devo confessar que procurei ouvir atentamente o Sr. Capitão Henrique Galvão para não perder uma palavra, o que faço normalmente com todos os oradores, que mais não seja por dever de ofício.
Não me escapou, assim, que, depois de exposto todo o caso da sacaria, a uma pergunta do nosso colega Pinto Coelho o Sr. Deputado Henrique Galvão respondeu com toda a clareza: o negócio dos sacos foi principiado antes de o Sr. Morais Sarmento ter assumido a interinidade da presidência na Comissão Reguladora e deste caso foram responsáveis outros funcionários. Até aí, porém, tudo na exposição parecia desenvolver-se como se não fosse assim. E não fora a intervenção do Sr. Deputado Pinto Coelho poder-se-ia supor tratar-se de mais um caso Morais Sarmento.

O Sr. Henrique Galvão: - Constam dos documentos todos os funcionários intervenientes.

O Orador: - Não me custa a crer. O que, no entanto, se me afigura é isto: a opinião pública não foi elucidada no sentido de que de facto era de outro funcionário a responsabilidade da informação sobre a qual o governador-geral lançou o seu despacho.
A confusão deriva, naturalmente, da circunstância de o mesmo funcionário vir depois a assumir também a presidência do organismo que dirigira e tornou possível o negócio.
Repare-se que me não pronuncio sobre a legitimidade deste negócio, assim como da dos outros. Faltam elementos para se poder fazer, e nem valeria a pena, já que a Assembleia, repito, não vai intrometer-se nas funções disciplinares dos serviços adequados do Ministério das Colónias. Nem o poderia fazer. Todavia, o que parece mais grave em tudo isto, e não o negarei, é precisamente o facto que tornou possível a confusão, isto é: o ter-se vindo a completar a entrega nas mesmas mãos do poder de decidir, para bem ou para mal, sobre todo o comércio externo de Angola.

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Com certeza não tinha essa decisiva possibilidade de acção, porque o Sr. Deputado Henrique Galvão disse aqui que, tendo pretendido impedir a importação da sacaria, graças aos protestos de importadores interessados, não pôde levar por diante o seu intento. Então foi porque outra entidade mais alta se
levantou ...

O Orador: - Assim terá sido. Em todo o caso, quem analisou, como o Sr. Deputado Botelho Moniz, o discurso

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do Sr. Deputado Henrique Galvão não pode deixar de concluir, com os elementos que apresentou, à falta de outros mais, caso existam, que um homem só pode decidir, pràticamente, orientando e informando para despacho sobre a distribuição e condições do comércio importador e exportador da colónia. Claro que não quero acusar nem defender; não me cabe essa missão, nem me agrada. E não tenho a mais pequena ligação económica e financeira com Angola, nem, de resto, com a metrópole ou qualquer outra colónia.

O Sr. Henrique Galvão: - Nem eu!

O Orador: - Como quer que seja, a verdade é que não fujo, não consigo fugir a pôr no meu espírito esta questão, correspondente à dúvida maior de todas que aqui trago: como é que, parecendo poder deduzir-se do discurso do Sr. Deputado Henrique Galvão que durante a sua longa permanência em Angola esse homem, que foi ascendendo até ocupar a posição que conquistou no comando da economia de Angola, tem passado o tempo a fazer trapalhices de toda a ordem, como é que esse homem, dizia eu, apesar disso, pôde merecer e conquistar também a confiança de três governadores-gerais?

O Sr. Mário de Figueiredo: - Pode dizer mesmo de quatro.

O Orador: - Pois direi mesmo de quatro, com a garantia do Sr. Deputado Mário de Figueiredo; agora, contudo, permito-me considerar apenas três. Obedecendo a reminiscências de leituras já antigas, fui ler de novo o notável relatório do Sr. Comandante Freitas Morna sobre o seu governo em Angola. O ilustre marinheiro, que foi Deputado a esta Assembleia antes de ser governador-geral de Angola e aqui deixou um rasto firme de integridade, não teve dúvidas em escrever nele algumas palavras que são mais que um elogio amável de ocasião, porque parecem corresponder mesmo ao intuito de marcar o reconhecimento no homem agora tão fortemente atacado, e com tal abundância de documentos, de qualidades profissionais e morais de relevo. A Câmara poderá apreciar e sentir-se confusa, como eu.
Leu.
Isto que acabo de ler encontra-se na p. 570 do relatório do Sr. Comandante Freitas Morna.
Devo confessar que um testemunho como este é mais do que um motivo de dúvida para mim. Julgo mesmo para o País.
Mas a questão é esta: ouviu-se fazer na Assembleia esta pergunta: como foi possível a ascensão através três ou quatro Governos-Gerais do homem que hoje é acusado tão gravemente de erros e crimes?
Ainda há pouco voltou a ser posta a mesma questão, embora por outra forma: ninguém disse às autoridades superiores da colónia que este homem não era um homem nas condições de ser colocado à frente de organismos de tal responsabilidade?
A confiança, a lealdade e a honradez de Morais Sarmento, que o comandante Freitas Morna testemunha no seu relatório e se prolongou por mais de um ano depois da prestação dos serviços louvados, no espírito do ilustre colonialista (pois mais do um ano depois se publicou o seu livro), não será de facto coisa impressionante para quem ouve agora o que acerca do mesmo homem se disse aqui e se diz lá fora?
Eis o que ao meu espírito traz agora dúvidas redobradas, tanto mais que o próprio Sr. Deputado Henrique Galvão nos preveniu em passo de um seu relatório contra a força da má-língua, do espírito de intriga e das lutas de interesses que se põem em movimento nas colónias, nomeadamente, especialmente, em Angola.
Pode perguntar-se: acaso o governador-geral agora em funções haveria de desprezar de ânimo leve as abonações que acerca do mesmo homem lhe chegavam dos três ou quatro governadores-gerais que o precederam? Poderia deixar-se influir apenas pelo que bem poderia ser apenas um conjunto de atoardas, suscitadas talvez por interesses obscuros? Acaso o informaram aqueles que por obrigação de cargo tinham precisamente obrigação de o fazer?
A situação era esta.
Teremos o direito de exigir que não pudesse pesar efectivamente no espírito de equidade do actual governador-geral o conceito em que os seus antecessores haviam tomado o homem hoje tão vivamente acusado?

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?
Pareceu-me ouvir o Sr. Bustorff da Silva dizer nessa mesma tribuna que conhecia alguns dos antecedentes do Sr. Morais Sarmento, que conhecia qualquer coisa de menos honesto antes de ele ser funcionário público. O que me parece é que não há culpa evidente dos governadores; o que há é culpa de quem, conhecendo os antecedentes dessa pessoa, não avisou os governadores.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Ah! A culpa é do Dr. Bustorff da Silva!?

O Sr. Botelho Moniz: - Não, não é. O Sr. Dr. Bustorff da Silva estava aqui, mas a C. A. D. A. estava lá!

O Orador: - Devo dizer que quanto a esse facto me impressionou extremamente a carta que o Sr. Capitão Henrique Galvão aqui leu e foi publicada no Diário das Sessões junto à reacção do Sr. Dr. Bustorff da Silva.
Em todo o caso, a carta, parece, traz apenas um testemunho e eu queria saber a data. V. Ex.ª, Sr. Deputado Botelho Moniz, sabe a data dos factos a que se alude na carta do Sr. Bento?

O Sr. Botelho Moniz: - Não sei ao certo; mas, em todo o caso, é anterior à nomeação dele como funcionário.

O Sr. Henrique Galvão: - Creio que os factos são de 1938 ou 1939 - cerca de dez anos antes.

O Orador: - Não faço ideia sequer da idade do Sr. Morais Sarmento.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas tem muito empenho? Nasceu em 1900.

O Orador: - Muito obrigado. Mas a data dos factos é que tem importância, porquanto podia ser até mais de dez ou de vinte anos anterior. E desde que de então para cá nada se tivesse passado de anormal ou incorrecto na vida do actual funcionário, que poderia significar (na suposição de chegar, como rumor, aos ouvidos do governador-geral) a vaga referência a dois actos, se ninguém surgisse a fazer a acusação e a assumir responsabilidades pela verdade dela?
E que essa acusação chegasse aos ouvidos do governador-geral, eis o que se não demonstrou.
Não insistirei, porém, no que parece razoável e permitir-me-ei tocar noutro problema: o problema da transmissão de notícias da metrópole para as colónias e vice-versa.
Não é justo responsabilizar pelo teor das noticias distribuídas a Lusitânia, que está a prestar há alguns anos à imprensa da metrópole, como à imprensa das colónias, grandes serviços. E o que posso dizer e quero confessar aqui é que nos meus vinte e cinco anos de jornalista a

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todos os momentos ouvi lastimar a falta de noticiário do ultramar na imprensa metropolitana e a falta de notícias da metrópole na imprensa das colónias.
O Sr. Deputado Henrique Galvão não o desconhece, e certamente já lamentou, como toda a gente, a falta de uma organização capaz de informar os jornais do Império sobre os acontecimentos que vão correndo na metrópole e capaz de informar os jornais da metrópole sobre o que vai correndo no Império.
Deve-se à Lusitânia que já não seja assim; e, se para o conseguir foi necessário subsídio do Ministério das Colónias, reconheçamos que isso se fez em benefício do País e para auxiliar a imprensa no cumprimento da sua missão do interesse nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Abrem-se os jornais do ultramar e verifica-se que, ao contrário do que sucedia antes da Lusitânia, todos inserem agora, e todos os dias, uma página e mais com informações que, é preciso confessar, nem sempre ou poucas vezes são elogios a pessoas amigas ou de interesse político do Governo, salvo quando reproduzem documentos de alto interesse sobre os grandes factos ou as grandes declarações de alcance que superam a simples informação de factos da rua. As mais das vezes, porém, são notícias que interessam a muita gente, e a prova encontra-se na circunstância de contribuírem poderosamente para a expansão dos jornais que as publicam.

O Sr. Henrique Galvão: - Mas isso faz-se há muito tempo. Tem sido sempre manifestado um grande interesse das colónias, especialmente de Angola e Moçambique, em terem noticiário da metrópole.

O Orador: - Evidentemente, o interesse é de sempre. A organização sistemática de há pouco. E era essa também a nossa queixa de jornalistas da metrópole de não termos a possibilidade de publicar noticiário ultramarino ou de o recolhermos, às vezes, de imprensa estrangeira. Não creio que seja de censurar a agência por ter ido escolher em Luanda um familiar do director. Parece natural, como pessoa de confiança. E se a circunstância de ser funcionário público pode levantar uma observação do Sr. Deputado Henrique Galvão, a verdade é que não creio que esteja a exercer o cargo sem a conveniente autorização superior.

O Sr. Henrique Galvão: - Isso também eu não creio, e ai é que está o mal.

O Orador: - Esse funcionário aceitou a responsabilidade e resolveu cumpri-la da forma que lhe parece melhor, sem que haja necessidade de censurar quem lhe tenha concedido a autorização.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sobretudo para quem tiver este critério, a que muitas vezes faz alusão o Sr. Deputado Henrique Galvão: queremos lei ou serviço? É preferível serviço.

O Sr. Henrique Galvão: - Do que eu me queixo é do carácter tendencioso das notícias. Davam-se as que eram contrárias ao Deputado e omitiam-se as favoráveis.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É que talvez as últimas fossem pouco conhecidas.

O Sr. Henrique Galvão: - Eram tão conhecidas como as outras.

O Orador: - Sr. Presidente: em todo o caso li nestas últimas semanas quase todos os jornais de Angola.

ueria avaliar a qualidade da reacção que o aviso prévio provocara na imprensa. E creio que, apesar de todas as condições em que se trabalha nos jornais, o Sr. Capitão Henrique Galvão não quis abranger a imprensa de Angola na mentira colossal que anunciou, porquanto encontrei observações vivas, observações algumas delas porventura excessivas, outras até evidentemente incisivas, em jornais que não eram nem são considerados enfeudados ao Governo da colónia nem tão-pouco ao regime.

O Sr. Botelho Moniz: - Mas, se são adversos da Situação, são partidários do Morais Sarmento, e como tal atacavam o Sr. Henrique Galvão.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª não sabe quais foram os melhores colaboradores da Situação em Angola nas últimas eleições? Pois foram exactamente os adversários da Situação em 1945.

O Sr. Mário de Figueiredo: - O problema do aviso prévio do Sr. Capitão Henrique Galvão põe-se assim: todos em Angola eram dominados pelo governador. Portanto, esta nota que o Sr. Deputado Manuel Múrias está a fazer tem todo o cabimento. São ou não são dominados pelo governador? Disseram o que disseram às ordens do governador ou não? Este é o problema que está sendo posto.

O Sr. Henrique Galvão: - E eu responderei a V. Ex.ª, uma vez que assim o deseja.

O Orador: - Posto então este caso e aguardando para meu completo esclarecimento nesta matéria a informação do Sr. Deputado Henrique Galvão no que respeita à reacção da imprensa, passo a outro aspecto da questão. Devo dizer que me propus fazê-lo - e essa foi uma das razões que me levaram a subir a esta tribuna - porque tenho uma grande ternura pelos meus camaradas, tantas vezes humildes, que trabalham e dignificam, de nina maneira excepcionalmente brilhante, a imprensa do ultramar. Há por lá alguns dos jornais mais bem feitos da língua portuguesa, conscientes e dignos da missão que lhes foi confiada de esclarecerem e orientarem a opinião pública, e não quereria que passasse este momento, depois do que a seu respeito se disse, sem lhes mandar daqui uma palavra de amizade e de camaradagem.
Agora, voltando ao problema central, ao problema das juntas e do Conselho de Coordenação Económica, aludirei apenas ao caso da Baía dos Tigres, e só para fazer notar o que foi citado primeiro que tudo pelo Sr. Capitão Henrique Galvão: que no inquérito que se fez, a sen pedido, o chefe de gabinete do Governo-Geral, que o efectuou, fez notar que só por o Sr. Deputado Henrique Galvão ter pedido elementos sobre o caso se resolvera devolver aos homens da Baía dos Tigres o seu dinheiro.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Deles, não; para aplicar em obras de interesse colectivo.

O Sr. Henrique Galvão: - O dinheiro era deles.

O Sr. Mário de Figueiredo: - A portaria -eu vi-a- diz assim: «Para aplicar em obras de interesse colectivo».

O Sr. Henrique Galvão: - A Portaria n.º 39 concede esse dinheiro a eles.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Lá o número da portaria não sei.

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O Orador: - Peço desculpa à Assembleia, mas não era propriamente ai que eu queria chegar. Onde queria chegar era a isto: tendo o ilustre Deputado Sr. Henrique Galvão verificado que a sua intervenção, só com pedir elementos, bastava para que se fizesse justiça, não o forçaria essa ideia, em consciência, a pôr claramente ao governador toda a matéria que trouxe aqui, enchendo-se então de mil razões ...

O Sr. Henrique Galvão: - Evidentemente que dei conhecimento ao governador.

O Orador: - Não falo neste caso da Baía dos Tigres; os outros que V. Ex.ª aqui trouxe e que, segundo julguei perceber através do debate, V. Ex.ª não chegou a apresentar ao governador-geral. E não digo que isso fosse sua obrigação oficial, se a sua missão, de momento, era outra; o que digo é que se não seria acaso pela verificação de que tinha sido de facto o seu pedido...

O Sr. Henrique Galvão: - O pedido feito aqui trouxe algum resultado, mas a comunicação que fiz lá não surtiu efeito algum.

O Orador: - Mas esse pedido era de cá?

O Sr. Henrique Galvão: - Sim, de cá.

O Orador: - Pois a mim parecia-me que fora de lá... Continuando, direi que V. Ex.ª poderia, de qualquer forma, ter colocado o governador perante esta situação: ou ele mandava averiguar os casos que V. Ex.ª trouxe aqui, ou V. Ex.ª se enchia de mil razões para as levar o mais alto que fosse possível e conveniente.
Como acentuou o Sr. Deputado Bagorro de Sequeira, pelo interesse que suscitou à Câmara e ao País o seu aviso prévio, talvez que V. Ex.ª tivesse oportunidade de prestar serviço a Angola procurando que se resolvessem de outra maneira os casos em debate.

O Sr. Henrique Galvão: - Posso assegurar a V. Ex.ª que tentei resolver de outra maneira...

O Orador: - Talvez uma simples nota ao Sr. Ministro das Colónias?
Sr. Presidente: esgotei as minhas dúvidas; mas tenho ainda um caso para o qual queria chamar a atenção da Câmara.
Esperava que fosse esclarecido no plano científico pelo ilustre professor Sr. Deputado Mendes Correia, para cujo saber o Sr. Deputado Henrique Galvão por mais de uma vez apelou. Como, porém, aquele ilustre Deputado não usou ainda da palavra, obrigo-me, para lhe apontar o sentido, a ocupar a Câmara durante mais alguns momentos. Refiro-me à portaria sobre poligamia publicada pelo governador-geral de Angola.
O Ministério das Colónias enviou à Câmara, e foi publicada no Diário das Sessões, uma larga exposição em que perfeitamente se demonstrou não se tratar de inovação na legislação moderna sobre política indígena em África.
Verifica-se mesmo que o governador-geral de Angola foi com muito mais prudência para a solução do problema do que propriamente o Governo do Congo Belga, ao promulgar as disposições que, sobre a mesma matéria, se publicaram.
E, seja como for, está na lição da colonização portuguesa o procurar por todos os meios lícitos diluir a tendência para a poligamia.

O Sr. Henrique Galvão: - Estamos absolutamente de acordo.

O Orador: - Limitando-se a acção repressiva à poligamia de Angola aos centros urbanos e suburbanos, não parece que seja de facto motivo de censura para quem tenha ouvido as queixas de missionários, em cuja voz ressoa a voz dos missionários que, desde os séculos XV e XVI, afrontam na poligamia talvez o maior empecilho à acção evangelizadora que vão desenvolvendo. Há, porém, outra razão, e essa das que mais me impressionam: é que as mulheres dos pretos polígamos são peças apenas, com o valor de qualquer animal.

O Sr. Henrique Galvão: - V. Ex.ª não está convencido de que eu defendo tal situação?

O Orador: - Decerto. Simplesmente mantenho que importa encaminharmo-nos de vez para o fim dos costumes viciosos que entravam a marcha dos indígenas para a civilização que lhe levamos. E assim a portaria não é de condenar, mas de louvar, ainda que não fique senão por símbolo de uma atitude superior de espirito. Ainda mais: alargaria as disposições da portaria aos brancos.

O Sr. Henrique Galvão: - Ou fixá-las para os brancos.

O Orador: - Também aqui não faria destrinça de cores e raças.
Este é o meu parecer, que não procuro de maneira nenhuma, nem procurarei, impor. Creio ser a melhor maneira de ir abrindo caminho à acção evangelizadora, pois creio também que a cristianização, como era nos séculos passados, continua a ser a melhor forma de obter a naturalização portuguesa dos indígenas.
Porque julgo que neste caso entendi inteiramente o pensamento do Sr. Capitão Henrique Galvão como sendo o de S. Ex.ª julgar que a portaria acaso nos havia de trazer sérias preocupações na ordem externa...

O Sr. Henrique Galvão: - Não foi apenas por essa razão, porque isso era o menos.

O Orador: -... principalmente por esta razão... o exemplo de fora pode sossegá-lo.
Resumindo as considerações: fora disso, volto a acentuar que do aviso prévio do Sr. Deputado Henrique Galvão não pode efectivamente extrair-se a conclusão de crise colossal da administração de Angola. Trouxeram-se a terreiro casos que, mesmo se vierem a averiguar-se por criminosos, estão longe do que o aviso anunciou.

O Sr. Henrique Galvão: - É uma doença que se pode curar.

O Orador: - O que julgo, Sr. Presidente, é que disto se deve extrair uma lição: não será preciso afastarmo-nos sensìvelmente do método e dos processos clássicos da nossa administração colonial.

O Sr. Henrique Galvão: - Muito bem!

O Orador: - E foi precisamente por se terem alguns serviços afastado desses métodos que se fez largo clamor, com eco na Assembleia. Conforme se foi averiguando na apresentação do aviso prévio e com os elementos aqui trazidos, verificou-se que houve certos desvios em determinados sectores; mas ninguém duvida de que hão-de ser por inteiro esclarecidos, e, se for o caso, nos termos da lei, punidos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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1 DE ABRIL DE 1949 435

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Fernão Couceiro da Costa.
Henrique de Almeida.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Querubim do Vale Guimarães.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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