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1140 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 62

ideia de uma África em progresso real. Não é assim, infelizmente, pois essa face tem um avesso. Em todo este «avesso», em todo este «ao lado», a África não está nada evoluída, a África não partiu. Ela está mesmo, talvez, em regressão.
E, em vez de desenvolvimentos reais - traduzindo-se por um acréscimo da produção e de consumo -, os desenvolvimentos que tiveram lugar, e que têm lugar actualmente, representam apenas os custos das despesas necessárias para a instalação das elites nascidas das independências nacionais. Um contabilista registá-las-ia como despesas de instalação, ou despesas de reconversão, após uma mudança de proprietário. E é preciso notar a este respeito que a fórmula «L'Afrique est mal partie» (A África começou mal) implica também um julgamento desfavorável à amplitude das despesas desta reconversão.
Um tal julgamento é actualmente partilhado por numerosos autores e por uma grande parte do público inclinado a favor dos países subdesenvolvidos. Um pouco por toda a parte, as vozes elevam-se para exprimir a decepção perante os esbanjamentos da ajuda internacional. À esquerda, a decepção duplica pelo desalento daqueles para quem a África deveria ser um novo ponto de partida para experiências socialistas que eles próprios não puderam realizar nos seus países e pelo rancor contra os africanos que não aparentam qualquer disposição para seguir os conselhos generosamente prodigalizados em nome da tradição socialista e humanista ocidental. A direita, o desapontamento perante a utilização que tem sido dada àquela ajuda prolonga o ressentimento pela perda das colónias e serve de pretexto para recusar a continuação de um auxílio internacional que, de qualquer maneira, está em diminuição constante.
Os países devem tomar as suas independências a partir de níveis de consciência revolucionária extremamente elevados, reflexos das contradições sociais, mas com um desenvolvimento económico relativamente avançado. Ora os países africanos não são, quanto a mim, nem países em via de desenvolvimento, nem mesmo países novos - como se diz -, mas sociedades primitivas mantidas nessa situação por razões de todos conhecidas, e sobre as quais, aos responsáveis de tais independências, por conveniência ou por outros motivos, convém manter um estranho silêncio.
Os contactos das missões internacionais são diplomaticamente optimistas e lacónicos, enquanto os técnicos estão desiludidos e cépticos quanto aos resultados da sua acção, os próprios responsáveis africanos - e daqui o mito - estão tão enganados com o silêncio de uns e a boa vontade de outros que não notam a miséria dos povos negros e crêem sinceramente que, dentro de dez ou vinte anos, terão feito a sua «largada».
Apesar de tudo, a fórmula implica que, mesmo «mal começada», a África realmente começou.
Uma vez mais proponho-me colocar no meio. Os sistemas têm, normalmente, o defeito de não abrangerem toda a realidade que pretendem enquadrar. E assim, não vejo como possa uma civilização atrasada beneficiar do contacto com outra mais evoluída sem, de algum modo, se assemelhar a esta. Mas representaria grave erro desconhecer determinantes de séculos, a pretexto de uma superioridade social que não raro se esgota em mera diversidade.
A Natureza não dá saltos. Pois o homem é também da Natureza. E, assim como o Negro não pode despir a sua pele, não pode igualmente despir a sua alma.
Não raro o Europeu veio a reconhecer quanto são sábias certas instituições tradicionais que prima facie rotulou de bárbaras.
Por conseguinte nem assimilação obsessiva, nem imobilismo obstinado.
Vem este intróito a propósito do problema que me proponho focar, e que definirei como a necessidade imediata do fomento de um ruralato africano, a que poderemos também chamar comunidade rural, que é afinal o suporte de uma nação. É ele exemplo de problema em que há que conciliar o respeito pelas tradições africanas com a sua parcial alteração.
A minha primeira comunicação a esta Assembleia versou o tema da propriedade suburbana. Que a segunda foque o da propriedade rural africana não é senão o resultado da minha firme e arreigada convicção de que, em África, todos ou quase todos os graves problemas que imediatamente temos de encarar passam pela posse da terra ou a ela se reconduzem.
Ter eu focado o problema da propriedade urbana antes do da propriedade rural não representa ordem de prioridade ou importância, mas apenas o aproveitamento de uma oportunidade - a devastação do «Claude» -, que agravou aquele em detrimento deste. Quero, no entanto, reconhecer aqui que o problema dos problemas, sem a consideração do qual, inclusivamente, não poderá ser correctamente equacionado o da guerra que travamos, é o problema da propriedade fundiária e o da posse jurídica da teria pelas populações africanas.
A este respeito gostaria de formular o voto de que possa este problema vir a ser encarado com um interesse e um élan que estão faltando na condução do primeiro - refiro-me ao problema habitação. Após um primeiro embate do problema da habitação suburbana com os mais directos responsáveis pela sua solução a curto prazo, a erva daninha da burocracia e da rotina tomaram conta dos pilares erguidos e ameaçam convertê-los em ruína, sobre a qual nada de definitivo e útil venha a ser edificado. Continuo, porém, a ter esperança em que se não varra da memória dos homens de boa vontade o quadro alarmante que procurei descrever aqui.
A situação económica em todo o sector tradicional tende para uma rápida degradação. Desde 1959 que a produção aumentou em toda a África Negra de cerca de 1,7 por cento, enquanto a população aumentava de cerca de 2,5 por cento, logo a situação de cada habitante piorou. Isto é grave. O que é necessário para a África descolar? Olhemos para n Inglaterra de 1750 para completar a sua revolução económica ela devia primeiramente atingir um certo desenvolvimento agrícola. Ora, hoje, o nível agrícola da África é inferior a metade do da Inglaterra de 1750. E se nessa época a produção da Inglaterra aumentava, hoje a de África afunda-se cada vez mais.
O ruralato africano tem-se orientado no sentido da preservação das formas de posse precária e colectiva da terra.
Justifica-se isso ora com o nomadismo africano, ora com o seu desapego à forma romanista da propriedade privada, por ele praticamente desconhecida relativamente a bens de fruição Africano e proprietário têm, tradicionalmente, sido considerados situações opostas e incompatíveis.
Daí que não possamos fugir à impressão de que estamos em face de uma intrigante contradição. Somos um país arreigadamente individualista. Praticamos, em África, uma acentuada política de assimilação. Pois, apesar disso, abrimos uma lacuna nessa nossa preferência, para respeitar-mos a tradição africana da fruição colectiva das terras e do seu consequente nomadismo. Essa seria, ao que parece, uma tradição respeitável. Coloque-se, desde já, fora de causa uma possível disputa entre grupos étn-