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26 DE JANEIRO DE 1967 1143

vezes há muitas gerações. Forque se lhes não concede essa terra a que já fizeram jus?
Contra o que me rebelo, como grave erro de que a Pátria está pagando alto preço, é contra a rotina de, em Moçambique, e com raras excepções, quase sem significado, negro e proprietário serem a perfeita imagem de uma antítese.
Morre por esta via a tribo? A pergunta a fazer será a de saber se a tribo corresponde ainda às necessidades actuais da organização social africana. De qualquer modo, não creio que a sobrevivência da tribo, desejável ou não, dependa da ausência da posse efectiva e familiar da terra.
Devo dizer que o ponto que defendo não é nem original nem aberrante das grandes linhas da nossa política ultramarina. Nada vejo nela que colida com a proliferação do agricultor-proprietário. Pelo contrário, chegou-me à mão o Diploma Legislativo n.º 919, de 5 de Setembro de 1944, assinado pelo governador Bettencourt, e nele vejo reconhecida a vantagem da fixação do autóctone à terra, através da sua promoção a proprietário. Simples voto sem continuidade, desanimado talvez pela densa burocracia, ou pelos apóstolos do óptimo.
A lei de terras então em vigor, como, aliás, atenuadamente, a de hoje, não animava a concessão de terras em larga escala, tão complexo e moroso era o processamento de uma concessão e tão deficiente o cadastro. Por outro lado, o Estatuto do Indigenato brigava de certo modo com essa promoção do nativo a uma dignidade até então privilégio do Europeu. Em todo o caso, esse diploma constituiu o animador reconhecimento de uma urgente necessidade.
Do Estatuto do Indigenato já a Administração se desfez. E dos obstrucionismos de uma lei de terras pouco realista e prática facilmente se desfará, substituindo-a por outra que o não seja.
De resto, o tema foi de algum modo retomado exactamente no actual Regulamento para a Concessão de Terrenos, que dedica toda uma secção às diversas modalidades, pelas quais os vizinhos das regedorias tradicionais podem adquirir a concessão de terras de 2.ª classe, no visível propósito de facultar a transição da posse colectiva das terras para a individual.
Na mesma linha de orientação se situa um notável despacho do então secretário provincial de Moçambique, Eng.º Rui de Araújo Ribeiro, datado de 15 de Janeiro de 1964, pelo qual demandou aos serviços geográficos e cadastrais um esforço prático no sentido da divulgação dos preceitos legais cujo conhecimento fosse indispensável para a obtenção de títulos de concessão de terrenos, por forma a fomentar-se o seu pedido, com o que manifestamente visou as populações nativas.
Tudo se ficou, porém, pelos bons intuitos. Se exceptuarmos os nativos do colonato do Limpopo e os proprietários das casas dos bairros populares da Matola, o número de nativos proprietários de terras, quer em regime foreiro, quer em domínio pleno, carece, realmente, de significado.
Desenganemo-nos, porém, desde já não é pela via de simples diplomas que se combate uma rotina. A lei será a base e, como tal, quer-se prática e dúctil, tendo em conta, além de tudo, a modernização de processos de registo e arquivo. A esse respeito impõe-se uma imediata revisão do Regulamento da Concessão de Terrenos, orientada no sentido de simplificar ao máximo a concessão de terras, embora com rigorosa fiscalização do seu aproveitamento, com o que não quer significar severa exigência. Para esse efeito, o regime foreiro, na Europa caído em desuso, mostra-se bastante adequado os realidades e ao fim em vista.
O trabalho fundamental será, porém, o da mentalização das populações nativas, que se impõe para a subversão da rotina. Antes de mais, há que levá-las a confiar no bem fundado e na sinceridade dos intuitos que presidem a uma tão profunda alteração da sua estrutura social, das suas convicções e dos seus hábitos. E, depois, um esforço generoso no sentido de se impedir que ele fique em face da terra, que se lhe diz ser dele, com respectivo título na mão, sem notar a menor diferença ao dia anterior a tudo isso.
Cabe aí a palavra aos técnicos, de quem espero a necessária compreensão para conjugarem a imensidão da terra com a escassez do capital de investimento, promovendo a difusão e o ensino de práticas agrícolas simples, além de formas assistenciais, realistas e práticas. Sábio será, a meu ver, o técnico que possua a compreensão de que se não deslustra, antes pelo contrário, ensinando ao nativo o ABC da agricultura - a selecção das sementes, o uso da charrua e do boi de tracção, a ensilagem, etc. -, embora tivesse para ensinar-lhe, em diversas condições, o que de mais evoluído e moderno já produziu a ciência agronómica.
Penso num amplo movimento de animação rural que desperte no nativo o desejo de cooperar numa decisiva declaração de guerra à carência de meios de subsistência de que é a primeira vítima. Quanto à forma da sua promoção, recordo a eficácia do sistema de brigadas, vítimas da própria transitoriedade, além do mais. E propendo para acreditar na vantagem de um amplo sistema de descentralização de serviços, ao nível regional, por forma a assegurar-se um permanente contacto entre as actividades directoras e as realidades dirigidas.
E não registo a vislumbrar um feliz regresso à utilização do município - tão dentro da nossa melhor tradição - como expediente idóneo para administrar a concessão de terrenos ao nível regional.
Extinto o Indigenato, é de pôr o problema da conveniência em que se mantenham os tradicionais elos de ligação entre o Poder Público e o nativo, impondo-se, porém, a extinção dos cargos de administradores de circunscrição e de posto.
É nesse momento que o município me surge como um expediente viável, dadas as suas feições colectiva e electiva e ainda as credenciais históricas ligadas ao seu nome. Como quadro local, perene e afeiçoado às simpatias ocasionais dos munícipes, ele estaria, por exemplo, em condições ideais para fazer a cobertura da província em matéria de concessão de terras, que assim passariam a ser propriedade do concelho. Cada concelho definiria o foro ou renda a cobrar, ao serviço de uma política agrária eminentemente local e diferenciada.
Tudo sem prejuízo da necessária contemporização com as reservas de terras comunais que transitoriamente, ou mesmo em definitivo (na metrópole o baldio resistiu à propriedade individual), fossem julgadas convenientes.
Não quero deixar de enunciar algumas considerações sobre o crédito agrícola para chegar finalmente ao cooperativismo, que, quanto a mim, completaria o problema de que me estou ocupando.
Na organização do mecanismo da propriedade rural é de justiça evidente e de interesse inadiável atender cuidadosamente a importância maior ou menor do armamento económico do elemento autóctone, criando instituições que promovam o desenvolvimento da sua riqueza e garantam a segurança dos capitais contra a especulação dos açambarcadores, a avidez dos usurários, as irregularidades cli-