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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 62

ANO DE 1967 26 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 62, EM 25 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Foi negada automação para o Sr. Deputado Calheiros Lopes depor no tribunal da comarca de Benavente.
Usaram da palavra os Sr. Deputados Sebastião Ramires, para focar a vida e a obra do falecido Prof. Eng.º Ferreira Dias, Alberto de Araújo, acerca de assuntos de interesse para o arquipélago da Madeira, Nunes Barata, sobre problemas de pesca e comércio do pescado, Pinto Meneses, que se referiu a assuntos de transporte de vinho a granel, Cazal Ribeiro, para apelar no sentido de anualmente a Federação de Futebol promover um festival a favor dos militares mutilados em combate, Horácio Silva, que louvou o comportamento de civis e militares na defesa de Vila Teixeira de Sousa, Melo Giraldes, sobre assuntos de previdência, Sérgio Sirvoicar, acerca da nota entregue pelo Governo Português na O N U. respeitante ao plebiscito em Goa, Damão e Diu, e Janeiro Neves, para se referir ao recente falecimento do bispo da Beira.

Ordem do dia. - Na primeira, parte da ordem do dia foram postas à discussão e votação as moções apresentadas no encerramento do debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre educação da juventude.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Elmano Alves, Proença Duarte, Nunes de Oliveira, Braamcamp Sobral, Soares da Fonseca e Cunha Araújo.
Os Srs. Deputados Nunes de Oliveira Braamcamp Sobral requereram a retirada das moções que haviam apresentado; consultada a Câmara, foi autorizada. Pôs-se à votação uma terceira moção, subscrita pelo Sr. Deputado Elmano Alves e outros Srs. Deputados, que foi aprovada, encerrando-se assim o debate.
Na segunda parte da ordem do dia o Sr. Deputado Manuel Henriques Nazaré efectivou o seu aviso prévio sobre ruralato africano.
O Sr. Presidente encerrou a sessão de 20 horas.

O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, a qual responderam os seguintes Srs. Deputados.

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.

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Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbien Figueiredo Baptista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martins da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva
Jaime Guerreio Rua.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Nunes Fernandes.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Feres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
D Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartões congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Peres Claro acerca do escutismo.

O Sr Presidente: - Está na Mesa um pedido do tribunal judicial da comarca de Benavente para ser autorizado o Sr. Deputado Calheiros Lopes a depor naquele tribunal no dia 6 de Março.
Neste momento não está ainda prorrogada a sessão legislativa. Mas é possível que no dia 6 de Março, em consequência de prorrogação que porventura virá a ser feita, esteja em exercício efectivo o Sr. Deputado Calheiros Lopes Portanto, não vejo inconveniente em que desde já se tome uma posição para a hipótese de estar em funcionamento efectivo a Assembleia Nacional em 6 de Março próximo. Consultado o Sr. Deputado Calheiros Lopes sobre se via inconveniente para o exercício das suas funções de Deputado em que lhe fosse dada essa autorização, declarou que sim. Nestas condições, submeto à consideração da Assembleia o pedido do tribunal.

Consultada a Assembleia, foi negada autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramirez.

O Sr. Sebastião Ramirez: - Sr. Presidente: Faleceu há dois meses o Prof. Eng.º José do Nascimento Ferreira Dias.
É cedo de mais para se apreciar na sua verdadeira dimensão o notável homem público a quem o País ficou a dever uma obra de relevante alcance, designadamente no sector da economia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não será, porém, impertinência pronunciar desde já nesta Assembleia uma palavra de merecida justiça.
Concluídos os cursos de engenheiro electrotécnico e de engenheiro de máquinas no Instituto Superior Técnico, Ferreira Dias ingressa na empresa privada e dirige em Sevilha a instalação e montagem de uma nova fábrica pertencente à Companhia União Fabril.
Demora-se pouco tempo a trabalhar na actividade particular e, com 27 anos apenas, é nomeado professor do Instituto Superior Técnico para o grupo de electricidade. Em breve se afirma um mestre de raros talentos e conquista o respeito e a simpatia dos seus alunos pelo brilho da sua inteligência, pelas altas qualidades didácticas e pela clareza na exposição.
Nos começos da Revolução Nacional, estávamos em 1928, o Ministro do Comércio e Comunicações, Dr. João Antunes Guimarães, constitui um grupo de trabalho en-

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carregado de estudar as bases técnicas e económicas que serviriam de alicerce para o lançamento da rede eléctrica nacional.
Faziam parte deste grupo os Eng.ºs Ferreira do Amaral e couto dos santos, pais dos prestigiosos engenheiros que usam os mesmos apelidos, e o prof. Eng.º Ferreira Dias.
Desde então e até à sua morte jamais Ferreira Dias deixaria de ocupar uma posição da maior responsabilidade no comando da política orientadora do fomento da electrificação do País.
Chefe da Repartição dos Serviços Eléctricos na antiga Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, ocupa depois e sucessivamente o cargo de presidente da Junta de Electrificação nacional, de Subsecretários de Estado do Comércio e Indústria de presidente do Conselho Superior de Electricidade, de Ministro da Economia e de presidente do Conselho de Administração da Companhia Nacional de electricidade, concessionária da rede primária do transporte de energia eléctrica, desde a sua criação.
A Ferreira Dias ficou o País a dever, na maior parte, o lançamento da rede primária do transporte e a política de fomento da produção eléctrica.
Melhor se avaliará a grandeza da tarefa já realizada neste sector comparando a situação em que nos encontráramos em 1927 com as realidades de 1965.
Em 1927

Potência instalada - 134 000 kW.
Energia produzida Kilowatts hora

Via hidráulica........................ 55 000 000
Via térmica........................... 132 000 000
Total............... 187 000 000

O consumo especifico por habitante era apenas de 26 kWh por ano, provindo em mais 70 por cento de energia térmica, logo com combustível importado e consequente saída de divisas.
Como em tantas coisas más poderá afirmar-se, sem redundâncias escusadas, que no sector da electricidade a Revolução Nacional arrancou quase do zero.
Em 1965 os números indicativos são os seguintes:

Potência instalada - l 846 000 kW
Energia produzida Kilowatts hora

Via hidráulica....................... 3 983 000 000
Via térmica.......................... 652 000 000
Total ............. 4 635 000 000

O consumo específico por habitante subiu paia 492 kWh ou dezanove vezes mais do que em 1927.
As linhas de alta tensão, com tensões inferiores a 100 kV, percorriam em 1927 apenas, 1714 km, enquanto em 1965 se estendiam por 22 339 km, entre os quais 2572 km com tensões superiores a 100 kV.
Em 1965 encontravam-se electrificadas 2351 freguesias na metrópole, não incluindo as sedes dos concelhos, representando mais de 69 por cento do total.
Nos últimos dez anos foram electrificadas cerca de 1000 freguesias.
Bastariam estas realizações, verdadeiramente notáveis no sector da electrificação para se prestar merecida reverência aos seus principais doutrinadores e realizadores, entre os quais ferreira Dias ocupou sempre lugar de destacado relevo.
Nos alvores da Revolução Nacional vivia-se também quase no zero no sector industrial.
Não dispondo de matérias-primas essenciais, nem de capitais, nem de técnica capaz estávamos em grande atraso industrial e no convencimento de que éramos, e seríamos sempre, um país essencialmente agrícola, se não exclusivamente.
Na verdade, no campo industrial pouco se enxergava para além do sector artesanal, geralmente com características regionais.
Receava-se que um começo de industrialização criasse um proletariado exigente, à custa do abandono dos campos, e fizesse surgir um capitalismo egoísta, tudo contrário a nossa tradicional maneira de ser e de viver.
Nos países ricos de capitais e de matérias-primas, e com uma mentalidade actualizada a gerir as actividades, o desenvolvimento económico decorre com aparente facilidade, como sendo uma consequência de determinada consciência colectiva.
Não é fácil, e normalmente é impossível, conseguirem-se resultados equivalentes em países como o nosso.
O Dr. Rafael Duque ao assumir a pasta da Economia teve a seu lado como Subsecretário de Estado do Comércio e Industria e seu mais próximo colaborador o Prof. ferreira Dias.
É quase impossível regressar 25 anos atrás e reviver o que então se passou.
Terminara a grande guerra, que arrastara a Europa, se não o Mundo, para a confusão, para a miséria e para na dor. Lutava-se com as mais tremendas dificuldades. Foi uma tarefa quase sobre-humana assegurar um mínimo do indispensável abastecimento público e ocorrer às múltiplas exigências do agregado nacional.
Ferreira Dias, sem preocupações de fácil popularidade, debruça-se com entusiasmo no estudo de uma política de desenvolvimento industrial e formula uma meia dúzia de princípios orientadores que possibilitassem o respectivo arranque e simultaneamente viessem a criar uma mentalidade nova nos empresários e nos técnicos.
Aqueles princípios hão-se inscrever-se numa proposta de lei a submeter à apreciação e votação da Assembleia nacional - mais tarde a lei n.º 2005.
Os mais velhos talvez recordem a discussão daquela proposta de lei e a intervenção verdadeiramente notável do Dr. Rafael Duque em sua defesa.
A votação de uma das bases conduziu a Assembleia a uma situação singular, porquanto se igualaram os votos a favor e contra.
O saudoso presidente, a figura gentilíssima do Prof. José Alberto dos reis, encerrou os trabalhos perante a dúvida de qual seria o caminho a seguir para o nosso desenvolvimento industrial.
A futura Lei n.º 2005 foi assim talhada ao sabor das nossas opiniões desencontradas.
Apesar de tudo, ela foi o nervo motor de uma arrancada espectacular do País e de uma mudança radical de algumas das ideias que se encontravam inveteradas em muitos espíritos.
A noção de uma conveniente dimensão empresa-estabelecimento - da necessidade de adopção de novas técnicas e modernos equipamentos, de um mínimo de competência na gestão das empresas apoiada em boa técnica, e de uma orientação empresarial actualizada, são princípios já respeitados, acatados e seguidos pela grande maioria dos nossos industriais. Uma nova mentalidade surgiu em toda a actividade industrial.
Pode objectar-se que não foram alcançados todos os propósitos, já que perduram, e em número, empresas marginais.

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É verdade, mas é de justiça reconhecer, que em alguns sectores os resultados ultrapassam as próprias aspirações do autor da proposta de lei.
A indústria portuguesa afirma-se já como uma reconfortante realidade e com novas e legítimas aspirações.
O pouco que se disse não representa a homenagem que a todos os títulos é devida ao mestre de engenheiros, ao notável economista, ao homem do Governo e ao varão singular que pela sua privilegiada inteligência, méritos e virtudes realizou uma obra vastíssima e valiosa no campo do nosso desenvolvimento económico e conquistou lugar de merecido relevo entre os que serviram a Nação sob o comando directo de Salazar, como seu próximo colaborador.
A homenagem virá um dia como dever de gratidão e de reconhecimento das novas gerações, para as quais o Prof. Eng.º Ferreira Dias trabalhou afanosamente e sem descanso durante 38 anos da sua vida, abrindo-lhes amplos caminhos para um futuro melhor.
Por mim, procurarei apenas, e pobremente, cumprir um dever de consciência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: Numerosas vezes me tenho ocupado nesta Assembleia de muitos dos problemas que mais directamente interessam à vida e à economia da Madeira. E como aqui tenho salientado por mais de uma vez, é de toda a justiça destacar a importância dos benefícios que aquele arquipélago usufrui, mercê do vasto conjunto de obras públicas ali realizadas nos últimos anos e na execução das quais o Governo pôs o seu melhor interesse.
Bastará referir, em abono do que afirmo, as obras das estradas, dos aproveitamentos hidráulicos, da electrificação, do repovoamento florestal, do prolongamento do porto e, mais recentemente, do aeroporto do Funchal.
Tem a Madeira, como VV. Exas. sabem, especiais condições como terra e estância de turismo. Foi - quando mal se falava ainda em turismo -, é e há-de continuar a ser o primeiro e o mais conhecido valor turístico do País.
A abertura do aeroporto do Funchal - formado pela pista de Santa Catarina, na Madeira, e pela pista do Porto Santo - deu um impulso decisivo ao turismo local. O número de visitantes aumentou grandemente, estes passaram a vir à Madeira ao longo de todo o ano, alguns dos hotéis existentes aumentaram as suas instalações, outros estão em construção ou projectados, são numerosos já os estabelecimentos residenciais e numerosas iniciativas privadas surgem com o objectivo de dotar o arquipélago dos atractivos e empreendimentos complementares de uma indústria de turismo, como seja a construção do futuro casino. O Governo do Distrito, a Junta Geral, a Câmara - que vai agora ampliar a principal piscina da cidade -, a Delegação de Turismo, todos procuram contribuir, na sua respectiva esfera de acção, para que só impulsione uma actividade que é de grande interesse para a Madeira, dada a valorização que imprime aos seus recursos e factores de produção e de trabalho, e para o País, pelo importante caudal de divisas que lhe assegura.
Mas defensor da importância e da valorização turística da Madeira, desde que há 22 anos tomei assento nesta Câmara, não quero deixar de afirmar que se torna indispensável que o manto do turismo que alimenta e cobre tão fundadas esperanças não faça obscurecer e relegar para segundo plano outras actividades, nomeadamente a agricultura, que através dos tempos têm sido elementos importantes de riqueza e ocupação tradicional da sua gente.
Em virtude de um decréscimo sensível e gradual de produção, o leite fornecido à indústria baixou para cerca de metade do que era há poucos anos, desapareceram algumas das mais nobres castas vinícolas, a produção da cana está longe de corresponder às necessidades de abastecimento de açúcar, desvalorizou-se substancialmente o valor de matas e pinheiros que cobrem extensas áreas de terreno.
E se, em contrapartida, se desenvolveu e intensificou a cultura da banana, não posso deixar de exprimir as sérias apreensões da agricultura e de todos os madeirenses se, desde já e a tempo, não sé adoptarem providências destinadas a assegurar a colocação e o preço da banana da Madeira, em face da concorrência maciça que vai sofrer no mercado continental por parte da banana de Angola, para o transporte da qual o Governo desta província acaba de fretar dois navios fruteiros.
A ruína da cultura da banana na Madeira privaria a agricultura do seu mais importante rendimento, diminuiria o poder de compra geral, baixaria o valor da propriedade.
Não se deseja nem se deve contrariar os princípios da integração e da formação do espaço económico português, visto corresponderem a verdadeiros imperativos de ordem nacional. Mas que se estude, sem demora, o problema dos mercados para a banana de África e da Madeira, a fim de evitar uma concorrência prejudicial e ruinosa. E que desde já se volte a equacionar o problema da armazenagem, amadurecimento e conservação da banana da Madeira no continente, libertando-a também de todas as taxas e encargos específicos que a oneram e que a colocam em situação de desfavor relativamente à banana do ultramar.
Os problemas que referi são deveras graves e trazem inquieta a opinião madeirense. É factor também de apreensão um outro problema conexo com os que referi. Porque são difíceis as condições de vida rural, acentua-se a emigração para a Venezuela, para a África do Sul, para o Brasil e, até já, para a França. Surge, assim, nomeadamente em certas regiões da Madeira, o problema importante e premente da necessidade de fixar o homem à terra pela criação de melhores condições de vida e de bem-estar: a abertura de caminhos que valorizem os produtos do trabalho, a distribuição de água potável, o acesso à habitação.
Sr. Presidente: Tive há dias oportunidade de ler diversos trabalhos do Sr. Ministro da Economia, alguns feitos em conjunto com os Secretários de Estado do Comércio e da Agricultura e referentes a problemas e matérias da maior relevância na vida nacional, como sejam, entre outros, o condicionamento nacional e territorial da indústria, a definição de uma política de energia no espaço português, o regime cerealífero, a criação de comissões técnicas regionais, o regime de comercialização do azeite, o fomento pecuário, a simplificação das condições para a instalação de estabelecimentos industriais, a política vitivinícola, as bases de apoio técnico e financeiro à lavoura além de outros.
Já por mais de uma vez me tenho referido nesta Câmara ao actual Ministro da Economia para pôr em relevo os serviços de que a Nação lhe é devedora na salvaguarda dos interesses da economia do País perante os movimentos de integração económica europeia. Nunca é de mais exaltar a sua acção esclarecida e o justo prestígio que conquistou lá fora.
Hoje desejo felicitá-lo pelos notáveis despachos e diplomas agora publicados em separata e pedir o seu in-

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teresse pelo estudo dos problemas económicos da Madeira e cuja solução interessa a importantes sectores da sua população. Alguns dos problemas que enunciei, pela sua interdependência de outros problemas nacionais, por dependerem da competência de diversos sectores da Administração e pela colaboração técnica e especializada que exigem, só podem ser estudados e resolvidos ao nível ministerial, embora, localmente, se possam obter todos os elementos de informação e orientação julgados necessários pelo Governo. Não desejo apontar soluções. Peço, apenas, que o Governo atenda às necessidades reais da economia e da gente da Madeira e delibere e resolva de acordo com o interesse geral. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A imprensa deu notícia de que o Sr. Ministro da Marinha visitou duas novas unidades que se destinam principalmente a servir o País em matéria de aproveitamento do pescado o primeiro navio congelador para a pesca de arrasto nos mares do Atlântico Sul e o primeiro transporte frigorífico que, actuando entre o ultramar e a metrópole, assegurará o abastecimento dos mercados com as espécies capturadas nesses mares do Sul.
A simultaneidade destas ocorrências merece destaque, não só pelo que representam em si mesmas, mas muito principalmente como consagração de um esforço que agora se renova com o objectivo de bem servir a economia nacional.
Quem estiver atento à política de pescas persistentemente realizada, nos últimos anos, em Portugal poderá, sem grande esforço, sintetizar nestes termos os seus objectivos:

a) Expandir o consumo do pescado, dado que este constitui em Portugal a fonte mais acessível de proteínas de origem animal;
b) Assegurar a estabilidade dos preços no consumidor;
c) Garantir ocupação de elevado número de pescadores e outros trabalhadores que em terra se ligam a actividades relacionadas com a pesca;
d) Assegurar o fornecimento regular de matérias-primas às indústrias transformadoras;
e) Possibilitar a existência e expansão dos estaleiros navais, nomeadamente os da província, com relevante interesse para o desenvolvimento regional;
f) Proteger os recursos das águas territoriais e colaborar nos esforços internacionais para a exploração racional dos recursos biológicos do mar;
g) Consagrar, ainda no domínio da pesca, os princípios de integração económica, de forma a tirar o maior proveito das potencialidades que oferecem as várias parcelas do espaço português.

Foi a partir da criação dos organismos corporativos da pesca que se renovou o desenvolvimento económico deste sector.
Na verdade, o panorama das pescas nacionais era, ao tempo, bem caótico. insuficiência de produção, carência de unidades piscatórias modernas, ignorância em matéria de conhecimentos técnicos, penúria de capitais. Pode, em suma, afirmar-se que todo o sector estava carecido de meios, de confiança e de estímulos.
Se nos reportarmos ao período mais próximo, e que se iniciou com o I Plano de Fomento, poderemos concluir que nos anos de 1953 e 1965 se investiram na pesca, em Portugal, l 400 000 contos, verba a que, de resto, conviria adicionar mais 150 000 contos de investimentos anuais efectuados fora dos planos. Assim, nos treze anos que vão de 1953 a 1965, os investimentos totais na pesca atingiram cerca de 2 milhões de contos, verba bem expressiva do esforço realizado.
Se, por outro lado, atendermos à evolução da produção anual do sector, verificamos que as quantidades do pescado descarregadas subiram de 296 000 t em 1955 para 439 000 t em 1964, ou seja um acréscimo de 48 por cento.
No que respeita ao rendimento bruto da pesca, o acréscimo foi igualmente de 48 por cento. A produção, que em 1955 atingiu 1344 000 contos de valor, elevou-se a 1993 000 contos em 1964.
Assim, uma primeira conclusão a tirar é a de que, no período referido, se manteve o preço médio global da pesca desembarcada no continente e ilhas adjacentes.
Embora adiante voltemos a aspectos particulares deste problema, uma conclusão desde logo se impõe a situação de desfavor do sector da produção no que respeita à valorização dos seus produtos, quando os índices gerais das despesas de exploração se agravaram consideravelmente.
Sr. Presidente: A visita do Sr. Ministro da Marinha, que às pescas nacionais tem dado o contributo da sua alta inteligência e grande dedicação, bem comprovada na responsabilidade da elaboração, em colaboração com os organismos das pescas, dos planos de fomento, relaciona-se particularmente com o esforço do arrasto longínquo. Daí que me permita referir, mais em pormenor, alguns problemas deste sector.
Se nos reportarmos ao período que se iniciou com o I Plano de Fomento, verifica-se que, de 1953 a 1959, se construíram 17 arrastões, deslocando mais de 8000 t.
O resultado deste esforço fez-se sentir, desde logo, nas quantidades de peixe capturado subiram de 33 000 t em 1953 para cerca de 50 000 t em 1960.
Posteriormente, encarou-se a construção de mais cinco arrastões de pesca pela popa, o primeiro dos quais, que vai iniciar imediatamente as suas actividades nos mares do Atlântico Sul, foi agora visitado pelo Sr. Ministro da Marinha.
Só a construção e equipamento destas cinco novas unidades representa um investimento de 175 000 contos.
A renovação da frota de arrasto implicou assim, até agora, a mobilização de centenas de milhares de contos.
Isto tornaria legítimo esperar a existência de condições normais que permitissem uma justa amortização dos investimentos, mas infelizmente tal não tem acontecido.
As condições em que vivem os armadores põem mesmo em grave risco a subsistência das explorações existentes.
As dificuldades que se levantaram nos últimos tempos têm a sua origem em factores da ordem interna e internacional.
Na verdade, o alargamento das águas territoriais, no Noroeste africano, atirou a nossa frota de arrasto para fora dos pesqueiros tradicionais, obrigando os navios a manterem-se mais tempo nos locais de pesca e a capturar espécies de menor valor comercial. Daqui ainda uma maior percentagem de mutilizações.
Só aos esforços persistentes da delegação do Governo junto dos organismos das pescas se deve um ensaio de novas soluções tendentes a minorar os efeitos negativos desta tão desvantajosa situação.

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Pensou-se, entretanto, no aproveitamento das potencialidade oferecidas pelos mares do Atlântico Sul e na melhor conjugação dos esforços e possibilidades, da metrópole e do ultramar em matéria, de pesca.
Se o desenvolvimento das pescas no ultramar necessita de auxílio da metrópole, em matéria de capitais, técnica e mercados, as pescas da metrópole podem, por seu turno, beneficiar o apoio logístico do ultramar.
Constituíram-se assim, com o apoio dos Ministros do Ultramar e da Marinha, duas sociedades de pesca, uma com sede em Moçâmedes e outra com sede em Lourenço Marques.
Nestas sociedades participam, ao lado dos armadores metropolitanos, capitais das províncias ultramarinas, tendo os bancos locais tomado parte das acções que foram postas à subscrição pública nas mesmas províncias.
A construção em Moçâmedes da mais importante instalação frigorífica até hoje projectada no ultramar, onde os arrastões congeladores que vão pescar no Atlântico Sul descarregarão o pescado congelado, constitui o primeiro objectivo da sociedade dos Armadores de pesca em Angola. Prevê-se que navios da frota de arrasto do alto e da frota artesanal a desenvolver ou a estunular na província também venham a descarregar aí peixe fresco proveniente dos pesqueiros existentes ao largo de Angola, peixe que será em parte congelado na referida base.
O pescado obtido satisfará, em primeiro lugar, as necessidades de Angola e, seguidamente, as da metrópole, para onde será transportado por navios frigoríficos pertencentes a uma sociedade especialmente constituída para tal fim, a qual é proprietária da outra unidade agora visitada pelo Sr. Ministro da marinha.

O Sr. Augusto Simões: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Augusto Simões: - estou a ouvir V. Exa. com muito interesse, pois V. Exa. está realmente bem documentado. Mas perante as dificuldades que V. Exa. anotou aos armadores nacionais eu fiquei com a seguinte dúvida, que gostaria que V. Exa. esclarecesse se puder.
Interessará, na verdade, à economia nacional, relativamente aos armadores, o facto de estarmos a importar peixe que fica aqui por um preço bastante mais baixo do que aquele que as nossas armações podem pescar? E, depois de estar em funcionamento na província todo esse mecanismo que V. Exa. referiu, continuará a ser necessário nós importarmos o peixe congelado de outros países aos quais o vamos pagar por um preço mais elevado que aquele que o nosso mercado pode comportar?

O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Exa. e pela pertinência dos problemas que pôs V. Exa. há-de ver, no decorrer da minha intervenção, que encontrará aí a resposta a esses problemas. Mas porque V. Exa. se antecipou, eu também tenho a obrigação de me antecipar, correspondendo à gentileza da curiosidade de V. Exa.
Como disse, o problema da pesca de arrasto tornou-se mais premente entre nós a partir do momento em que os países do noroeste africano alargaram as águas territoriais. Eu posso dar números de uma empresa-tipo de pesca de arrasto actual. Essa empresa, antes do alargamento das águas territoriais numa viagem de pesca num arrastão grande demorava 20 dias e pescava 160 t de peixe, mas desde que o alargamento se fez sucessivamente, primeiro para seis e depois para dose milhas, passaram as viagens a demorar mais 30 dias e as quantidades de peixe pescado desceram para 100 t.
Quanto ao panorama dos preços, o problema dos armadores põe-se assim: desde 1960 vigora para as pescas de maior valor comercial uma tabela que fixa preços-limite na lota, preços esses relativamente insignificantes, que V. Exa. poderá confrontar na tabela. Simplesmente, de memória, posso dizer que no mercado de Santos, em Lisboa, o peço médio ó de 6$ ou 7$ e no da Ribeira esse preço médio é de 12$ ou 14$. Quer dizer a menos de 500 m, por via de uma série de intermediários, o peixe já leva um agravamento de 100 ou 130 por cento.

O Sr. Augusto Simões: - Quer dizer: o preço que os armadores recebem pelo peixe está longe de ser aquele pelo qual o consumidor o paga.

O Orador: - Há uma distância enorme. Isso revela a deficiência do esquema de comercialização e, como V. Exa. verá no seguimento das minhas palavras reforcei aspectos relacionados com esses problemas.
Quanto a Moçambique, a criação da sociedade dos Armadores das pescas em Moçambique procurará realizar nesta província um plano paralelo ao da Sociedade dos Armadores das Pescas em Angola aceitando-se, contudo, que as características particulares dos mares de Moçambique dão tonalidade especial a algumas realizações.
A instalação frigorífica principal localizar-se-á na área de Lourenço Marques, prevendo-se outros frigoríficos ao longo da costa, tudo para apoio da frota a construir pela referida Sociedade.
Pretende-se libertar a província de Moçambique das substanciais importações do pescado e, muito particularmente, fomentar a pesca local de crostácios, sector em que aqueles mares são particularmente ricos. Isto permitirá exportações bastante valiosas, oportunidade bem relevante para fortalecer a afectada balança de pagamentos de Moçambique.
Tal como a sua congénere de Angola, a Sociedade constituída em Moçambique projecta realizar, numa primeira fase investimentos no montante de 50 000 contos.
Redobra assim a autoridade dos armadores metropolitanos quando chamam as atenções do Governo para as dificuldades de natureza interna com que lutam, as quais o Governo, ao menos em parte, poderá atenuar ou minimizar.
No sector da produção tais dificuldades traduzem-se com fortíssimos encargos fiscais e parafiscais, considerável aumento no custo de mão-de-obra e insuficiência em prémios de construção e abate de outros estímulos de natureza financeira, medidas de protecção generalizada noutros países.
Analisemos mais em pormenor alguns destes aspectos.
É indiscutível que o peixe tem desempenhado, não obstante certa especulação do sector comercial, um papel altamente moderador na evolução do custo de vida.
Na verdade, a relativa estabilidade nos preços médios do pescado resulta da análise dos números publicados nos Anuários Estatísticos.
Verifica-se mesmo uma regressão no confronto de alguns desses números. Assim, por exemplo, o preço médio do pescado desembarcado, que em 1960 foi de 4$16 por quilo, não ultrapassou em 1964, 3$99.
O Anuário Estatístico de 1964 revela que os índices de preços no consumidor (índice total) subiram em Lisboa de 101,1, em 1955, para 123,1, em 1964. Pois nesse entretempo o mesmo Anuário Estatístico dá conta de que o preço médio do peixe desembarcado oscilou apenas entre 3$90 e 3$99.
Se atendermos aos índices da rubrica "Alimentação", constatamos que a sua variação, ainda em Lisboa, foi

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de 1008, em 1955, para 125,3, em 1964. Pois neste entretempo o preço médio da pesca de arrasto desembarcada em Lisboa oscilou apenas entre 5$28 e 6$09, ou seja de 100, em 1955, para 115, em 1964.
Os números revelam assim que o problema da carestia do peixe, que aliás está longe da carestia verificada nos outros produtos alimentares, não resulta de ganhos dos armadores. Antes pelo contrário, o peixe desembarcado nas lotas, submetido em parte aos limites máximos de uma tabela aprovada em 1960, não tem conhecido oscilações nos preços de venda que compensem os maiores encargos dos custos de exploração.
Apenas um exemplo relativo às oscilações nos custos de trabalho.
De Agosto de 1962 a Março de 1965, um marinheiro recebia de soldada nominal (vencimento, percentagem mínima e abono para rancho) 2100$ e um contramestre 2980$. Estas soldadas, no período de Abril de 1965 a Junho de 1966, foram já, respectivamente de 2800$ e 8680$. Finalmente, a partir de Julho de 1966, um marinheiro passou a ganhar de soldada normal 3506$ e um contramestre 5228$. Isto é, de Março de 1965 a Julho de 1966, só o aumento das soldadas normais dos marinheiros e dos contramestres foi respectivamente de 67 e 75 por cento.
Sr. Presidente: Um dos problemas que mais afecta os armadores da pesca de arrasto do alto é, porém, o dos encargos fiscais e parafiscais a que a
actividade se encontra sujeita.
É uma verdade bem conhecida a de que o sector da pesca se encontra particular- mente agravado nestes domínios.
De facto, além da tributação normal, a pesca suporta encargos especiais que, não constituindo motivo para isentar os armadores da tributação normal a que estão efectivamente sujeitos, constitui, portanto, autêntica duplicação tributária.
O peixe não especificado fresco, refrigerado ou congelado a bordo paga cerca de 1$ por quilo ($992 19).
O imposto do pescado, por exemplo, traduz-se, só por si, num gravoso encargo de 10,2 por cento, dos quais 7,2 por cento porá o Estado e 3 por cento para os municípios.
Embora teoricamente se trate de um imposto de consumo, a verdade é que este imposto do pescado é suportado pelos produtores, que assim saem onerados por mais esta imposição, além das de contribuição industrial e licença de comércio e industria que igualmente pagam ao Estado e às câmaras municipais.
No ano de 1965 os armadores inscritos no Grémio dos Armadores da Pesca de Arrasto pagaram às câmaras municipais de imposto do pescado cerca de 13 900 contos, dos quais 8545 à Câmara Municipal de Lisboa.
Acresce que a imposição que recai sobre o pescado proveniente de navios nacionais é bem superior à que onera o peixe importado.
Na verdade, o pescado, não especificado, fresco, refrigerado ou congelado, tem $81 de encargos de importação enquanto o mesmo pescado, se for descarregado de navios nacionais, sofre a imposição, atrás referida, de $992 19.
Sobre a produção nacional pesam assim, mesmo sem considerar a tributação directa nominal, mais cerca de 25 por cento de encargos fiscais e parafiscais do que sobre o pescado importado.
A imprensa tem referido, nos último dias, os esforços realizados pelo Ministro da Economia e Secretário de Estado do Comércio no sentido de melhorar consideravelmente o sistema de comercialização de peixe fresco e congelado, levando-o a regiões até agora deficientemente abastecidas, libertando o público da especulação dos intermediários e oferecendo-lhe um produto de melhor qualidade.
De entre os géneros alimentares que têm por vezes escasseado conta-se o bacalhau. Isto em virtude da grande sobrepesca nos bancos da Terra Nova e Gronelândia e, também, pela acção nefasta de alguns intermediários.
Por tudo isto tem de se reconhecer que o aumento da produção de peixe fresco e congelado virá compensar a falta de bacalhau, contribuindo assim para regularizar o necessário abastecimento público.
O sistema de comercialização tem consentido, na verdade, entre nós, quanto ao pescado fresco, um número excessivo de intermediários, trabalhando em condições deficientes de equipamento, o que tudo afecta a conservação do produto e o encarece extraordinariamente em relação aos preços praticados na lota.
Assim, as novas soluções anunciadas, ou já em vias de execução, revelam um esforço que todos saúdam com esperança. Elas testemunham ainda, na medida em que tal esforço resulta da colaboração dos armadores, o seu grande desejo de um conveniente abastecimento do País.
Esperemos que as autarquias locais compreendam também este esforço e lhe dêem a sua melhor colaboração.
Esta nova realização, que se traduzirá em todo o interior do País num magnífico apoio às exigências de abastecimento, devem ser acompanhadas de medidas destinadas a aliviar o produtor das dificuldades com que luta.
Apelam os armadores para o Ministério das Finanças no sentido de ser revista a situação quanto ao aspecto fiscal. Na verdade, a dupla tributação a que se encontram sujeitos constitui, além de medida injusta e talvez ímpar, um estrangulamento para as suas actividades.
A manter-se tal situação, correm risco as explorações existentes, pois pode chegar-se à conclusão de que é mais rentável ter os navios amarrados nos portos do que mantê-los em actividade no alto mar.
A impossibilidade de expansão do sector, de forma a corresponder aos sempre crescentes consumos do País, conduzirá a gravosas importações com s drenagem de centenas de milhares de contos de divisas.
Sr. Presidente: A contribuição do sector da pesca para a alimentação da população portuguesa e a das indústrias de conserva de peixe para a valorização da balança comercial têm constituído factores de grande projecção na paz e no progresso da comunidade portuguesa.
Na hora que passa, o sector das pescas tem dado aos Poderes Públicos um contributo bem desinteressado, se tivermos em conta os condicionalismos que dificultam a sua expansão e o sacrifício que a todos se tem pedido, desde os modestos trabalhadores do mar aos armadores.
É, pois, com uma palavra de esperança que findo esta intervenção. Esperança de que o Sr. Ministro das Finanças, com toda a sensibilidade política que o caracteriza e o espírito de justiça que tanto o distingue, não deixará de atender ao apelo dos armadores da pesca de arrasto do alto. Assim se permitirá a que os esforços e sacrifícios dos últimos anos encontrem uma compensação que permita ao sector dimensionar o seu desenvolvimento de acordo com as necessidades já evidenciadas na preparação do III Plano de Fomento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente. O despacho de 16 de Novembro de 1966 do Ministério da Economia sobre o fomento vitivínicola é um documento a que não podemos negar o nosso aplauso. Lê-se, em todo ele, uma argumentação conscienciosa e transparece uma vontade de bem decidir que fazem jus aos maiores encómios. E tem até a virtude de vir redigido num estilo sóbrio e elegante, felizmente de há muito praticado neste Ministério, onde os problemas, apesar de áridos por natureza, são expostos em forma cativante e airosa.
Todavia, há uma parte desse despacho que julgo do meu dever apreciar nesta Câmara, e faço-o não pela condição de natural de uma região que muito sofrerá com a execução desse despacho. Faço-o por indeclinável obrigação de solidariedade humana e coagido pela premência das razões que ao diante terão o ensejo de ouvir.
A parte do despacho a que me quero referir é a contida nos n.ºs 18, 19 e 20, que trata do fornecimento de vinhos às províncias ultramarinas. Está o Ministério da Economia preocupado em conseguir processos que reduzam os encargos do circuito de comercialização e melhorem, garantindo até onde for possível, a qualidade dos vinhos no consumidor. Isto com o fim de aumentar o escoamento da produção e favorecer ao mesmo tempo o cliente e o viticultor. Para tanto julga necessário baratear o preço do transporte. «Esse barateamento» - diz o despacho - «deverá em grande parte resultar da substituição do actual sistema de transporte em barris, extremamente oneroso (l$13 de frete por litro, mais $70 por litro do custo do barri), pela utilização de navios-tanques, que reduzirá para menos de metade o custo do transporte actualmente praticado». Depois, salienta-se no despacho que o processo de engarrafamento consentirá o exercício mais eficaz da actividade fiscalizadora, garantindo melhor a genuinidade do produto. Resumindo, pois, a tese do Ministério, é esta o transporte de vinhos em navios-tanques e o seu engarrafamento tornarão mais barato o vinho nas províncias ultramarinas e preservarão melhor a sua qualidade de origem.
Enunciada, assim, em termos que procurei traduzissem fielmente os do despacho, a tese é convincente. Porém, a análise de todos os dados do problema contraria, a meu ver, tão esperançosos horizontes e permite antever uma realidade muito ao contrário da que se deseja. Senão vejamos. Segundo o cálculo do próprio despacho, o vinho transportado em barris chega aos portos do destino onerado, no frete marítimo e no vasilhame, em l$83 por litro.
E se transportado em navios-tanques? Se transportado em navios-tanques calcula-se no despacho que o custo do frete marítimo fique em menos de metade do actual, portanto em menos de $36. Sim, muito mais barato. Mas a verdade é que o vinho, uma vez chegado aos portos, não pode ficar nos navios, tem de ser transfundido e engarrafado. E, supondo (supondo, repare-se bem) que cada garrafa de litro custe apenas l$50, temos que, pelo novo processo, o frete e a embalagem montam a 2$06, ou seja, mais do que o preço actual. E, depois, os investimentos em navios, cais, armazéns e operações de engarrafamento e arrolhamento, na ordem das centenas de milhares de contos, a quanto mais não farão subir o preço da mercadoria?
E baseado em números ainda mais expressivos que os industriais de tanoaria defendem que o transporte em barris é de todos o mais económico. De resto, na metrópole nós temos o exemplo vivo e quotidiano de que assim é, pois o vinho vendido da pipa ou do barril é incomparavelmente mais acessível do que o vinho engarrafado.
Quanto à garantia da qualidade do produto havia muito que discorrer, mas eu simplesmente direi três coisas primeiro, a madeira, devido às suas propriedades isolantes, é o melhor meio para conservar o vinho, segundo, o transporte em navios-tanques obriga a mais operações de mudança, e é sabido que quanto mais se transvasa o vinho mais ele se deteriora, terceiro, a honestidade das vendas não é assegurada pelos sistemas de transporte, mas reside apenas nos homens, impondo-se, por isso, uma fiscalização rigorosa e implacável, seja qual for a forma de exportação da mercadoria.
Do sobredito resulta a convicção de que o programa declarado no n.º 20 do despacho não responderá aos anseios do Ministério da Economia e agravará o custo do vinho no ultramar, com a consequente retracção das vendas e prejuízo do produtor.
Porém, Sr. Presidente, a problemática decorrente do citado despacho não pára no inconveniente apontado. Haverá sectores da vida nacional gravemente afectados se for dada à execução a doutrina do despacho. Um desses sectores é a indústria de tanoaria. Localizada quase toda nos concelhos de Espinho e Ovar, para os quais representa o mesmo que a dos lanifícios para a Covilhã ela compreende cerca de 60 unidades fabris, cujo valor não é para estimar em menos de duas centenas de milhares de contos. E, como 70 por cento da sua produção se destina ao embarque de vinhos para além-mar, o despacho vem feri-la, não digo de morte, mas quase, e originará uma série de implicações funestas, que VV. Exas. poderão avaliar pelos seguintes elementos que indicarei sumariamente e sem qualquer ordem de grandeza ou preferência.
Estão inscritos no respectivo sindicato 2500 profissionais, que são dos mais bem remunerados do País. E, porque subsidiárias da tanoaria há outras indústrias, como a camionagem e a serração, onde se empregam para cima de 200 homens, não será exagerado calcular que, ao todo, vivem de e para a tanoaria umas 8000 pessoas. Se amanhã, por força do novo sistema que o despacho preconiza, a maior parte daqueles operários tiverem de ser despedidos, não há indústria local que os absorva e empregue.
Depois, convém não esquecer que a agricultura tem beneficiado com esta indústria. A venda das madeiras, especialmente de eucalipto, vai-se mantendo a preços razoáveis devido à procura deste sector industrial. Se essa procura desaparecer ou diminuir, mais uma região agrícola ficará, como muitas outras, à mercê de ofertas irrisórias e especulativas. Ora, num tempo em que tanto se clama pela protecção da agricultura, julgo que este aspecto não é para menosprezar.
Também direi ainda que há cerca de cinco anos estes industriais viram-se obrigados, por força de um diploma legal, a modernizar os seus estabelecimentos fabris, construindo estufas e estaleiros, adquirindo novas máquinas e ampliando as instalações, segundo exigências muito dispendiosas. Quase todos investiram ou comprometeram, para cumprimento da lei, as suas economias ou os seus patrimónios, longe, muito longe de pensarem que o curso normal das coisas se alterasse tão cedo e tão profundamente.
E, por último, uma nota que não pode ser indiferente a uma câmara política. Esta indústria é das mais antigas do País, e encontra referências nas primeiras crónicas do Reino, que rezam terem os seus mesteirais levantado voz pelo Mestre de Avis, colaborando arduamente no arranque dos Descobrimentos, e lutado sempre, com de-

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nado, pela independência da Pátria Mantendo esta tradição de fidelidade, os seus operários têm vindo a responder, nestes dolorosos anos de guerra, às precisões do Exército, trabalhando horas supletivas para que não falte aos bravos moços de Portugal que lá longe defendem as fronteiras da nossa cidade o saboroso complemento da sua alimentação. E fazem-no de tal modo que não há aí dinheiro que pague o seu suor, a sua exaustão e as suas aflições.
E, ainda dentro da mesma tradição de fidelidade esta indústria foi das primeiras, em Portugal, a organizar-se comparativamente, tanto pelo lado sindical como pelo empresarial. Nas várias freguesias onde opera constitui salutar factor de estabilidade e harmonia e um inigualável vector de promoção social, pois quase todos os actuais patrões vieram da classe operária, e assim há-de continuar a ser, para honra sua e desmentido dos que acusam o Regime de dificultar a transposição das condições de classe. Por virtude da sua formação patriótica, das suas arreigadas convicções cristãs e do seu instinto de fidelidade às correntes políticas tradicionais, a classe tunária sempre esteve firme e coesa como um ininolito do lado dos governos da Revolução Nacional.
Eu sou intransigentemente pela modernização dos processos técnicos e nunca a minha fala se levantaria a defender a estagnação das formas e sistemas de vida material. Mas sou-o quando essa modernização traz um real e efectivo progresso e não implica graves lesões humanas e sociais.
Todo o exposto vem para sugerir que seja revisto o programa enunciado no n.º 20 do despacho de 16 de Novembro de 1966 do Ministério da Economia e que, antes de a sua doutrina ser dada à execução, se atenda à voz da indústria, porque ela terá por certo alguma coisa de muito útil a dizer.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas algumas palavras de breve comentário a um acontecimento registado há dias em Lisboa, no Porto e noutras cidades e vilas da província, abrangendo ao todo onze localidades diferentes.
A propósito de um fortuito e lamentável acidente de viação, que vitimou um dos melhores e, sobretudo, mais correctos jogadores do futebol nacional - o que só por si é qualidade que quanto a mim prevalece sobre todas as outras - inutilizando-o para a prática do desporto que o evendiciou realizaram-se vários encontros de futebol, revertendo o benefício totalmente para o homenageado.
Este, num gesto nobilitante, ofereceu determinada percentagem da receita, que, certamente, ainda bem, foi avultada à família de um outro atleta vítima de um acidente que lhe foi fatal.
Semelhante atitude evidenciou o futebolista. Vicente Lucas, assim se chama o homenageado como homem elevando-o muito alto ainda do que se guindou no campo do desporto, sobretudo se atentarmos à época de materialismo em que vivemos.
Mas a festa que lhe foi dedicada, sobretudo a circunstância de a Federação Portuguesa de Futebol Ter disposto de um Domingo, interrompendo o Campeonato Nacional de Futebol e adiando a 2.ª mão dos oitavos de final da Taça de Portugal, com aquiescência das associações regionais e dos clubes faz-me pensar nas centenas de estropiados que regressados de África, se encontram no centro de recuperação que a Cruz Vermelha Portuguesa com muitas dificuldades e tanto sacrifício mantém no antigo quartel de artilharia n.º 3. Deve notar-se que é decisivo o auxílio que, para tal obra, aquela instituição recebe do Governo. Embora normal, convém registar o facto.
Mas são algumas centenas de rapazes que, jovens como Vicente Lucas, viram ruir todos os seus sonhos de viver como lhes era licito desejar, e isso sucedeu na defesa da Pátria e de todos nós, desportistas ou simples espectadores das grandes competições que o desporto proporciona!
Não poderia a Federação Portuguesa de Futebol, as associações regionais e os clubes, com tantos atletas seus a combater em África, colaborar com essa obra admirável que é a recuperação, embora por vezes apenas parcial, dos mutilados desta guerra que nos foi imposta? Daqueles que na flor da vida, cheios de força e de esperança partiram para o ultramar, deixando tudo, para ali defenderem a integridade territorial da própria Pátria?
De certo que para tanto teriam o apoio de toda a imprensa e de todos os artistas que, generosamente, a não regatearam na humanitária jornada de Domingo passado!
Não sou de modo algum contra a homenagem, nem contra o benefício que dela resultou, muito menos ainda contra a consideração demonstrada por um homem que, também jovem, se inutilizou para a prática do futebol, o seu ganha-pão.
A simples presença de S. Exa. o Chefe de Estado na manifestação de solidariedade que, em Lisboa se realizou é bem prova de que apenas justiça foi feita - o que ninguém de boa formação sequer contesta.
Simplesmente, o que lamento é que igual movimento, que, essencialmente popular, assumiu carácter nacional, não se registe, de quando em quando, a favor de outros jovens que, igualmente na força da vida, deram algo de si próprios e se incapacitaram para uma vida normal que, além de tudo mais, também constituiria para muitos, ou mesmo para todos, o «pão nosso de cada dia».

Vozes: - Muito Bem!

O Orador: - Não representa este breve comentário uma censura, seja a quem for, não constitui tão-pouco uma atitude discordante ou destrutiva num grande movimento de solidariedade humana e que tão largo vulto tomou para com um desportista na verdadeira, na melhor acepção da palavra, não significa também um protesto, ou um azedo comentário, contra um gesto em tudo digno dos maiores encómios. Apenas, repito, representa o desejo de que haja em todos os corações, lugar para aqueles que, com muito maiores riscos e abnegação ímpar sofrem e ficam mutilados, tendo como único conforto, embora imenso a certeza do dever cumprido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não é um protesto Sr. Presidente, repito, contra o que se fez, será apenas um lamento quanto ao que, com semelhante amplitude já se devia ter feito, havendo para tanto razões mais fortes.
Pois que todos os desportistas, quem dirige e orienta o desporto com alma e coração verdadeiramente portugueses, conscientes e patriotas se lembrem também daqueles que sofrem a sua invalidez porque «jogaram» a vida na defesa de Portugal em terras escaldantes da nossa África.
Se pertencer à selecção de todos nós - como vulgarmente se diz - representa indiscutível honra e valioso

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contributo para o prestígio nacional no campo do desporto, o que não representará a honra de envergar a farda das nossas gloriosas forças armadas e, muito longe, sem o tratamento nem as comodidades dos bons hotéis de Liverpool ou de Londres, «jogar» a todo o momento a sua sorte, a sua vida e, muitas vezes, se ela é preservada ficar para todo o sempre sem possibilidades de a viver como os demais?
Emboscadas, minas, balas traiçoeiras e golpes covardes de catana quantas, vidas ceifam, quantos jovens inutilizam para aquilo que seria, ou mesmo era, a sua profissão, tal como o futebol era para o Vicente Lucas!
Sr. Presidente: Não percamos o sentido das proporções nem das realidades, não exageremos, embora procurando ser humanos e justos. Sem esquecer os outros, comecemos por aqueles que mais merecem e mais precisam.
A Pátria carece do todos os seus filhos! A guerra tudo exige da nossa juventude A Nação não discute, aceita e agradece o seu generoso sacrifício, mas o que pensarão esses heróicos mutilados, jovens e abnegados, assistindo a grandes movimentos de solidariedade, sentida, é certo, mas que não começam, repito, por onde deviam começar?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou um homem de desporto, mas a vida lançou-me na política - o que, aliás, não procurei, sem esquecer aquela condição, não posso enjeitar esta qualidade, e, por isso, deste lugar na Assembleia Nacional, lanço um veemente apelo à imprensa de todo o País - sempre pronta, tão generosa e desinteressadamente, a lutar pelo bem comum - e a quantos colaboraram na ideia de socorrer um jogador de futebol - célebre, prestigioso e infortunado - para que continuem, com a sua indesmentível humanidade, a lutar em benefício de outros jovens, que, talvez por serem ignorados, mais infortunados são, e que, pela sua coragem e heroísmo, garantem a todos nós o ambiente propício a movimentos desta natureza e, o que é mais, à continuação da própria Pátria!
O desporto é escola de virtudes. Graças a Deus, mais uma vez se demonstrou, pois foi através do desporto que Vicente Lucas, o futebolista infeliz, viu o seu futuro assegurado.
Assim, que tudo se faça para que, com carácter nacional, todos possam contribuir, através do desporto, para minorar o sofrimento de muitos jovens que, com muito mais razões, são credores da nossa profunda gratidão.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - O seu valor assim o justifica ou, pelo menos, impõe que seja recordado.
Rendo às forças armadas, mas sobretudo àquelas que se batem no ultramar com os olhos postos no altar da Pátria, a mais sentida, a mais vibrante, a mais sincera e justa homenagem

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos em guerra, a vida não pára, é certo, mas também não param nem os sacrifícios nem os exemplos de heroísmo daqueles que além-mar garantem as nossas fronteiras e, talvez mesmo, a nossa própria sobrevivência como nação Livre.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Prestemo-lhes, em tudo, a justiça que merecem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Horácio Silva: - Sr. Presidente: Não posso deixar de assinalar desta tribuna da representação nacional o acontecimento de há um mês ocorrido na madrugada do Natal último num torrão do nosso território o traiçoeiro ataque terrorista lançado do Congo ex-belga contra a nossa fronteiriça Vila Teixeira de Sousa. Ataque bravamente, vitoriosamente, repelido pelo pequeno núcleo das nossas tropas ali aquarteladas, com o auxílio e o apoio da Polícia de Segurança Pública, da Polícia Internacional, da Organização da Defesa Civil e da serena coragem, acção decidida e notável firmeza de toda a população, firmeza e coragem de que fizeram prova as próprias mulheres.
Militares e civis foram bem dignos da sua e nossa pátria. Deram um nobre exemplo de patriotismo, de acendrado patriotismo, e deram-no com a simplicidade, a heróica simplicidade daqueles para quem a defesa da Pátria, mesmo quando exija a dádiva da própria vida, não depende de condicionalismos geográficos ou numéricos. Para os de Teixeira de Sousa - portugueses de lei - Portugal é aí, onde flutuava, e flutua, a bandeira nacional e a sua defesa devia fazer-se, e fez-se, em termos que constituem motivo de orgulho para todos os Portugueses. Até mesmo quando em determinado momento mais dramático da cruenta refrega um alferes pediu quatro voluntários para salvarem uma mulher em perigo, foram mais de trinta os que se ofereceram e com o merecido êxito levaram a cabo tão honrosa missão.
Aqueles trágicos 90 minutos que se viveram em Vila Teixeira de Sousa, invadida e atacada ferozmente por muitas centenas de bandoleiros drogados e ululantes na silente madrugada do último Natal, foram um instante bem alto da própria Nação. O resultado da sangrenta contenda foi uma vitória relampejante e esmagadora das nossas armas e uma dura lição infligida aos terroristas - a única que são capazes de compreender verdadeiramente. Mas seria de consequências psicológicas incalculáveis, desastrosas decerto, se assim não fosse, e é por este facto que se pode e deve medir o alto serviço prestado à Nação pelo reduzido núcleo de portugueses de Vila Teixeira de Sousa, militares e civis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Bem o sentiu aquela nossa província quando pediu a elevação a cidade da nobre vila da fronteira leste e quando sugeriu para a sua bandeira a Torre e Espada. E de qualquer modo sei que interpreto os portugueses de Angola inteira ao erguer na Assembleia Nacional a minha voz para prestar as homenagens devidas às forças armadas, às restantes corporações paramilitares e aos civis daquela vila longínqua - aos bravos de Vila Teixeira de Sousa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Giraldes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao dar posse, no dia 21 passado, a dirigentes da organização da previdência, S. Exa. o Ministro das Cor- porações proferiu, entre outras, as seguintes palavras:

Considerando-se, praticamente, coberta pela previdência toda a população activa dos sectores que lhe estão confiados (comércio, indústria e serviços), chegou a altura de ponderar a possibilidade de alargamento

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daquela cobertura aos restantes, designadamente o sector agrícola, actualmente apenas abrangido, em parte, pela acção da assistência e previdência das Casas do Povo.
E talvez que a simples formulação desta conclusão envolva compromisso susceptível, de resto, de ser confirmado pelos estudos já realizados ou em apreciação pelas entidades competentes.
Aqui, acentuar-se-á, no entanto, que a dificuldade do alargamento do nosso seguro social, em toda a sua amplitude, não é apenas técnica, mas também económica.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como lavrador e representando aqui um distrito quase 100 por cento agrícola, não quis deixar passar sem eco, nesta Câmara, as afirmações do Sr. Ministro, pela atenção que denotam, por parte do Governo, a um problema fundamental da nossa vida agrária, cuja solução se faz tardar, com graves reflexos no meio rural e no seu desenvolvimento.
Parece-me, por isso, que o estudo do alargamento da previdência ao sector agrícola requer, certamente, ponderação, pois levanta outros e variados problemas, mas exige também celeridade pela sua urgência como medida indispensável para conseguir alguma estabilidade no desorientado mundo do trabalho agrícola português, e cujo adiamento torna dia a dia mais difíceis de remediar as consequências da sua falta.
Já tive ocasião de o afirmar aqui e repito na origem do êxodo rural não está já, hoje em dia, apenas uma questão de salários.
De um modo geral, o trabalhador agrícola não ganha menos, actualmente, que um operário vulgar, e a tendência é para ganhar mais.
O que o diminui, em relação aos que se empregam noutras actividades, dentro do País, é a sua inferioridade em matéria de segurança social.
É uma injustiça que não merece, muito contribui para a sua insatisfação e em nada favorece o seu progresso profissional e social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não está certo fazer depender a amplitude da previdência das possibilidades de cobertura económica do sector respectivo, sabendo-se como são díspares essas possibilidades e como essa disparidade se tem agravado em relação ao sector agrícola, em que, no entanto, as necessidades dos seus trabalhadores não deixaram de acompanhar as de todos os outros trabalhadores portugueses.
Certamente que o maior obstáculo ao alargamento do nosso seguro social, em toda a sua amplitude, em relação à agricultura, será o económico, intransponível se, para esse fim, se contar apenas, ou principalmente, com as suas possibilidades materiais.
Há que haver um critério nacional para a previdência, estendendo-a a todos os que a ela tenham jus, segundo as necessidades de cada sector e contando com as possibilidades do todo o País.
Para a industrialização de Portugal muito tem contribuído um forçado, mas nem por isso menos patriótico, sacrifício de legítimos interesses da lavoura, que a deixou sem forças para suportar mais encargos. Será, por isso, justo que os que resultarem do alargamento da previdência à agricultura sejam também suportados pelas outras actividades, económica e politicamente mais favorecidas, mas cujo progresso não poderá, de futuro, sem prejuízo da Nação, separar-se do progresso da que tem sido até agora a sua parente mais pobre, mas não a menos generosa, quando se trata de contribuir ou de votar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sérgio Sirvoicar: - Sr. Presidente: Pela imprensa desta manhã tomei conhecimento da nota que o nosso governo fez entregar ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas por intermédio do delegado português junto daquela Organização, Dr. António Patrício.
Não podia, dado o teor dessa nota e o mandato por força do qual aqui me encontro, deixar de vir manifestar perante a Assembleia o reconhecimento dos Goeses, Damanenses e Diuenses por mais esta acção diplomática em prol da causa do Estado da índia.
Por certo também se concordará em que o momento é oportuno e o local apropriado para algumas reflexões sobre o profundo significado da acção do Governo empreendida no quadro da O N U.
No agradecimento julgo que não faço mais que interpretar o sentir de todos os que nasceram ou por alguma outra forma estão mais directamente ligados ao Estado da índia, qualquer que seja a sua raça, naturalidade, condição social ou confissão religiosa, e deixo propositadamente a confissão religiosa para o fim, pois, com a permissão de V. Exa., Sr. Presidente, abrirei nesta intervenção um pequeno parêntesis.
Tenho ouvido alguns ilustres Deputados da presente legislatura - segundo presumo meus correligionários (no sentido exacto da palavra) - exaltar o cristianismo como condição de portuguesismo.
Se, como creio, com tais afirmações se pretende referir os valores cristãos que enformam a cultura portuguesa e afinal são hoje reverenciados por todo o mundo livre, pelo menos em propósito embora nem sempre em acção, nesse caso aceitamos o asserto como verdadeiro. É que seria injusto e até contrário à Constituição (e não só à escrita no papel, mas também à que se encontra gravada nos corações dos Portugueses) esquecer os hindus de Diu, que demonstraram, dentro do que lhes foi possível, os seus sentimentos, ou os muçulmanos da Guiné ou de Moçambique, que vêm lutando e até morrendo por Portugal.
Dizia, portanto, todos os que trazem mais afincadamente Goa, Damão e Diu no coração. Tanto os que nos territórios nacionais livres ou vivendo em comunidades no estrangeiro se organizaram num movimento de libertação e vêm lutando desde há cinco anos contra um grande poder material, como os marítimos, que através do Indico e do Atlântico estabelecem a teia impalpável da esperança, como ainda os emigrados na própria União Indiana, temperados num combate iniciado mesmo antes da invasão. Todos esses e os dos três distritos cativos, que, como há dias aqui foi lembrado na palavra emocionada da nossa ilustre colega Sra. D. Maria de Lurdes Albuquerque, deram bem a prova, lutando contra variadíssimas pressões, de como forjaram, na adversidade, uma capacidade de resistência e de luta que acabará por triunfar de um inimigo sem mística, apenas movido por interesses materiais.
Especialmente estes valorosos combatentes de Goa, de Damão e de Diu não mais poderão duvidar do apoio

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constante e esforçado de toda a Nação, apoio que vá redobrar-lhes o ânimo enquanto não alcançarmos, juntos o dia da libertação.
Reflexões sobre o significado da nota agora entregue podem e devem fazer-se, o silêncio pode prestar-se a especulações mal intencionadas.

O Governo acaba de dar uma extraordinária prova de fé nos princípios que tem proclamado, a saber, que a presença portuguesa no Mundo nunca se baseou exclusiva ou mesmo principalmente na força material(se bem que o uso desta seja um dever perante a agressão externa ou a subversão movida de fora), mas assentou e continua a fundamentar-se pela actual política ultramarina na integração cultural completa.
Não se especule por isso a medida agora tomada é coerente com as posições sempre defendidas, e os povos do Estado da índia assim entendem e aceitam com simplicidade a confiança que um Governo civilizado e sobretudo, responsável, neles deposita.
Se, porém, esta confiança não é de agora, antes ficou bem patente nas próprias vésperas da invasão, como aliás já vinha acontecendo havia séculos até na história administrativa de Moçambique, por exemplo, compreendem-se as dúvidas alimentadas quanto à boa fé das autoridades indianas.
É de esperar, e os Indo-Portugueses estão disso conscientes, que a União Indiana prossiga na sua campanha de destruição da individualidade da Índia Portuguesa e procure reeditar ou melhorar os vários processos de intimidação e fraude relatados na nota do governo.
Por isso os Goeses, Damanenses e Diuenses também confiam e têm agora a certeza antecipada de que o Governo português tentará o máximo em ordem a despertar a consciência adormecida das instâncias no sentido de garantir, como prévia condição de qualquer opção do povo de Goa, Damão e Diu a saída das autoridades indianas de ocupação, que não têm sombra de legitimidade para lá permanecerem ou a de quaisquer disfarçados sucedâneos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A última reflexão que me ocorre obriga-me a repetir o que já tive ocasião de afirmar em intervenção anterior; quanto maiores forem a mobilização das consciências e a coordenação de esforços no plano interno, tanto maiores serão as possibilidades de vencer.
Já se criou por decreto a Comissão dos Deslocados do estado da Índia. É um primeiro passo, a que, ousamos esperá-lo, se seguirão outros de maior amplitude, nomeadamente no campo da informação e planeamento relativos a todos os assuntos do estado da Índia que não se esgotam, por maior que seja a sua importância na resolução do problema dos deslocados.
Ao terminar, formularei três votos.
Um voto de confiança na política do Governo da Nação quanto ao caso do Estado da Índia.
Um voto de urgência quanto á organização coordenadora dos vários problemas decorrentes da ocupação e da luta para lhe pôr termo.
E, finalmente, um voto de prioridade possível na série dos problemas da integridade territorial da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Janeiro Neves: - Sr. Presidente: Quanto há poucas horas entrei nesta sala tive conhecimento, com pesar, do falecimento de S. Exa. Revma. O Bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende. Na qualidade de deputado por Moçambique e, além disso, como presidente da Câmara Municipal da Beira, sede administrativa da área da jurisdição da Diocese da Beira, sinto-me na obrigação, que de modo algum quero enjeitar, de assinalar nesta Câmara o falecimento de D. Sebastião Soares de Resende. Se, por um lado, eu sou a pessoa indicada, digamos, para assinalar esse infausto acontecimento nesta casa, por outro, de eu ser aquilo que em linguagem corrente se designa por católico não praticante dificulta mais a minha missão. Todavia, pelo conhecimento que tive do Sr. D. Sebastião Soares de Resende, não posso deixar de manifestar a profunda admiração que eu tinha pela sua inteligência apuradíssima, pela sua vontade firme. Poucos contactos tive com Sua Excelência Reverendíssima. Mas desses - e não esqueçam VV. Exas. Que vos fala um não praticante -, desses, dizia eu, criei no meu espírito a convicção de que o Sr. Bispo da Beira tinha a preocupação da realização da justiça social, do bem, da verdade e da justiça, como, na sua qualidade de prelado, não podia deixar de ser.
Cabe perguntar se como homem terá realizado essa justiça social, esse bem, essa verdade e essa justiça. É cedo. Morreu há horas o Sr. D. Sebastião. A sua personalidade sempre me impressionou. E, a acrescer a estas qualidades, Sua Excelência, pelo pouco que os meus contactos com ele me puderam revelar, foi de um estoicismo extraordinário no sofrimento de uma doença que não perdoa, como não perdoou, e se revelou rapidamente.
E se eu hoje, quando entrei nesta casa, fui surpreendido pela infausta notícia, fui-o só em certa medida, porque, por outro lado, também estou surpreendido como é possível a um homem resistir tanto ao sofrimento.
Quando sua Excelência pela última vez, a caminho da beira, passou por Lisboa, tive oportunidade de o cumprimentar, e verifiquei que o seu estado de saúde era precaríssimo, formulando para mim mesmo a pergunta se Sua Excelência chegaria com vida à beira. Chegou e viveu ainda, se não me engano quinze dias - consequência, estou certo, da sua vontade firme, da sua fé e da sua resignação que ele próprio me disse que tinha sobre o destino que já lhe estava marcado.
Pois, meus senhores, muito haveria a dizer do Sr. Bispo da beira. Simplesmente, e como VV. Exas. Facilmente compreenderão, eu não disponho aqui de elementos que me ajudem a traçar o que foi a sua vida. Não posso fiar-me só na minha memória com receio de falhar.
Vou portanto acabar, pedindo àqueles de VV. Exas. que saibam rezar que rezem pela sua alma. Eu, se isso for rezar rezarei à minha maneira.
Tenho dito.

Vozes: - muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Interrompo, a sessão por uns momentos.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: Está aberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a discussão e votação das moções que concluem o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.

O Sr. Elmano Alves: - Peço a palavra!

O Sr Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Elmano Alves: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por render a minha homenagem ao autor deste aviso prévio.
Quando à semanas subiu à tribuna para o enunciar, abrindo caminho à discussão que ontem acabámos de trilhar na generalidade, não foram, porém as razões que aduziu, nem os textos das maiores autoridades em matéria de educação que seleccionou para fundamentar a sua extensa e bem documentada intervenção nesta Câmara, que mais vivamente me impressionaram.
Foi, sim, o testemunho do próprio autor e a autoridade que lhe assiste como pai exemplar de uma família numerosa e cristão convicto que calaram fundo na minha alma perante o seu depoimento em defesa da juventude, que serviu durante tantos anos com raro aprumo, primeiro como filiado e depois como alto dirigente da Mocidade Portuguesa.

O Sr. Presidente: - Eu informo V. Exa. que nós estamos na fase de discussão e lotação das moções.

O Orador: - Perdoe-me V. Exa. se as minhas palavras fogem ao tema da discussão, mas elas correspondiam de facto a uma saudação que eu considero meu dever dirigir neste momento.

O Sr. Presidente: - Eu não retirei a palavra a V. Exa.. Referi só um facto circunstancial.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No final do debate foram ontem apresentadas duas moções. Esta Câmara tem, portanto, o direito de ser esclarecida das razoes que determinaram alguns Deputados, entre os quais se contam os signatários dessas mesmas moções, a levarem agora à Mesa uma terceira moção. É o que passo a fazer.
Considerou-se na reunião da Comissão de Educação, a que me foi dado assistir, que as duas primeiras moções - substancialmente idênticas, apenas divergindo em meras questões de forma e de pormenor - se limitaram, quanto ao fundo, a reafirmar a posição que incumbe à Família, à Igreja, à Escola e às organizações de juventude, em matéria de educação.
Ora esta era a posição em que se colocava o problema entre nós, já há 30 anos.
Hoje, porém, não se discute se a Igreja ou a Escola têm um papel a desempenhar na educação nacional. Nem se negam, antes se protegem, os direitos da família em tal domínio. Também se não duvida da necessidade das organizações de juventude. São conquistas efectivas, ganhos traduzidos em instituições que colaboram fecundamente no respeito e no equilíbrio de direitos e obrigações recíprocos.
Colocar assim a questão é reafirmar princípios inteiramente válidos é certo. Mas será só isto que teremos a responder as inquietações da juventude, que seguiu os debates de olhos postos nesta Câmara, esperando que déssemos uma resposta actual aos problemas em que se debate?
Creio que a realidade nacional de há 30 anos se encontra hoje superada por acontecimentos da maior importância e extensão, que se agravaram sobretudo no decurso do último decénio.
Referi-me ainda ontem aos fenómenos em agravamento constante da emigração e do êxodo rural para as cidades. Eles traduzem, na sua complexa motivação um estado de ansiedade dos jovens relativamente ao meio rural, à sociedade em que nasceram e às condições de trabalho que lhes oferece a sua própria pátria.
Tal problema, que com tanta amplitude e acuidade afecta a juventude portuguesa neste momento, não pode deixar de ser objecto da reflexão e da resposta desta Câmara.
Por isso se entendeu no seio da Comissão de Educação que, não contendo as duas moções apresentadas resposta a essa e outras questões igualmente de candente actualidade, era indispensável tomar posição quanto a esses novos aspectos de um mesmo, velho e sempre actual problema.
Por outro lado, quis-se ainda salientar a necessidade de uma política de juventude entre nós e o seu carácter coordenador e convergente.
A educação é obra de todos. Uma política de juventude não pode constituir tarefa de um só departamento de Estado ou de algumas organizações para jovens.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - A formação da juventude e a sua defesa não se limitam aos aspectos de ensino e à evolução dos problemas escolares. Hoje ganharam extraordinária importância as questões do desenvolvimento industrial, do nível de salário, da formação profissional, do pleno emprego dos jovens.
Mas ainda, a própria defeca da família implica um problema básico de orientação da juventude. Enquanto essa defesa é a base do descimento demográfico e tal crescimento se transformou em questão de vida ou de morte para o prosseguimento do esforço da defesa e da política de ocupação e desenvolvimento dos territórios do ultramar, entendeu-se também que semelhante preocupação não podia deixar de ser presente na resposta concreta a dar por esta Câmara às inquietações e à ansiedade dos jovens portugueses de hoje.
Foram estas, sinteticamente, as posições que, além das mais já consideradas, se quis vincar na terceira moção ora presente a Mesa. Com ela se procura completar, respondendo ao presente, a posição do problema da juventude, que, no quadro institucional, se mantém válido de há 30 anos para cá.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Referi-me ontem à necessidade de um diálogo de gerações. Ora, eu creio que o trabalho da Comissão de Educação hoje realizado foi um diálogo de gerações. Diálogo em que os mais novos (mais novos porque só agora chegaram a esta Câmara, mais novos até pela idade) puderam confrontar o saber, a experiência e o alto mérito dos mais velhos: com a sua própria, mais recente e incompleta experiência. O que daí resultou foi uma colaboração, uma síntese. E eu creio - e com isto termino - que, se nos entendermos sem distinção de idades para elaborar uma moção com vista a definir uma política de juventude, continuaremos a entender-nos na convergência dos esforços para vivificar essa política.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

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O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: Desejava apresentar um requerimento no sentido de que desse conhecimento à Câmara da moção que se está a discutir e que vai ser submetida à aprovação da Assembleia.

O Sr. Presidente: - O que se estava a fazer era esclarecer a Câmara sobre o que foi o trabalho realizado pela Comissão de educação e que conduziu à apresentação de uma outra moção que, ao que parece, e a integração acrescentada de alguns aspectos novos, das duas moções que tinham sido apresentadas.
É claro que do teor desta terceira moção no momento próprio será dado conhecimento à Câmara.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Depois da explicação dada pelo Sr. Deputado Elmano Alves desejava pedir autorização para retirar a moção por mim ontem apresentada e que foi assinada por mais quatro Srs. Deputados.

O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente: lamentavelmente, como disse o Sr. Deputado Elmano Alves, foi feito um trabalho pela Comissão de Educação com vista a sintetizar e a compilar numa terceira moção os aspectos fundamentais que constavam da primeira e Segunda moções que foram apresentadas na Mesa. Eu, como autor de uma dessas moções e porque reconheço que os fundamentais objectivos que ela tinha estão de certo modo defendidos na terceira moção, peço a V. Exa. Sr. Presidente, que consinta na retirada da moção por mim apenas assinada para ser submetida unicamente à apresentação e votação da Assembleia a terceira moção.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sobre se autoriza a retirada das duas moções ontem apresentadas.

Consultada a Assembleia foi autorizada a retirada das moções.

O Sr. Presidente: - Ponho, pois em discussão a nova moção que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Moção

A Assembleia Nacional, sintetizando o debate desenvolvido no aviso prévio sobre educação da juventude e consciente da importância decisiva da projecção a dar às novas gerações no quadro da vida da Nação, em face da presente conjuntura internacional e da situação política, económica, social e espiritual das várias parcelas que entegram o espaço português, entendo exprimir a urgência da definição de uma política de juventude na qual particularizo os seguintes aspectos:

1.º Que em ordem à família se prossiga e desenvolva em níveis adequados a política de habitação económica de melhoria de salário familiar e de protecção materno-infantil que permita assegurar a continuidade da expansão harmónica da
população portuguesa e atenuar as assimetrias da sua distribuição territorial.
2.º Que se continue a reconhecer, de harmonia com interesse moral da Nação Portuguesa a alta missão da Igreja, que se deseja cada vez mais eficaz na formação e educação da juventude.
3.º Que, na sequência do esforço do desenvolvimento económico, comandado pelos planos de fomento se estruturem, paralelamente e com base nos estudos decorrentes, a planificação do fomento cultural e a valorização profissional da juventude.
4.º - a) Que se criem imediatamente as condições de efectividade do prolongamento da escolaridade obrigatória de um mínimo de seis anos;
b) Que se tenha por urgente a revisão dos quadros, vencimentos e processos de preparação e recrutamento dos professores, em todos os graus de ensino, por forma que correspondam, moral e pedagogicamente às necessidades educacionais do País criando condições que tornem aliciante e prestigiada a carreira docente.
5.º Que se desenvolva uma eficiente organização da medicina e da higiene escolares e se complete e aperfeiçoe a medicina desportiva.
6.º - a) Que se desenvolvam as actividades circum-curriculares da escola e se melhorem substancialmente os meios da acção social escolar;
b) Que paralelamente, se dêem às Organizações Nacionais Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, na função específica de movimento de juventude, escolar e não escolar, amplas possibilidades de acção e adequada estrutura orgânica.
7.º Que sejam criados os meios necessários para se alargar ao maior número possível de jovens escolares e não escolares, a prática de actividades gimno-desportivas.
8.º Que se fomentem a boa literatura, as bibliotecas e os espectáculos, bem como os programas de rádio e televisão destinados à juventude de harmonia com a alta função que desempenham como meios de educação popular.
9.º Que se intensifique a fiscalização e repressão das actividades que atentam contra a moral e os bons costumes.
10.º Que em apoio ao esforço da juventude na defesa do ultramar, se mobilize adequadamente a opinião pública nacional.
11.º Que considere indispensável a criação de uma entidade que estude os problemas específicos da juventude e promova a convergência de todos os esforços dos organismos estatais, movimentos e organizações juvenis - oficiais e particulares - com audiência e representação das associações de pais com vista a propor ao Governo as medidas concretas de uma política de juventude.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 25 de Janeiro de 1967 - Os Deputados: Joaquim Nunes de Oliveira - Manuel Braamcamp Sobral - Martinho Cândido Vaz Pires - Júlio Dias das Neves - José Henriques Mouta - Francisco Elmano Alves - Manuel Pinto de Menezes.

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O Sr. Presidente: - Está em discussão

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente - A moção que acabou de ser lida ressente-se das condições apressadas em que teve de ser redigida. Sofre por isso, talvez, de excessivas pormenorizações, ao arrepio das grandes linhas gerais de orientação que devem, em meu modesto entender, ordenar qualquer moção perfeitamente elaborada.
Não pôde calmamente preparar-se, mesmo em pequena comissão, um texto suficientemente sucinto sem prejuízo da precisão e - para evitar um aparte do nosso colega António dos Santos da Cunha - da clareza. Como diria o Padre António Vieira, os ilustres redactores, que puseram no estudo e redacção do texto ora apresentado toda a sua muita inteligência e não menor boa vontade conciliatória, não tiveram tempo de o fazer mais curto.

O Sr. Presidente: - Eu só queria notar que a responsabilidade do facto de não ter sido possível elaborar um texto mais sucinto tem de ser imputada ao Regimento, que apenas permite que a discussão seja transferida para o dia seguinte, e não para qualquer outro.

O Orador: - Exactamente. Daí que algumas proposições possam sofrer a crítica de parecerem um pouco fora do elenco essencial do debate do aviso prévio ou de estarem formuladas em termos menos adequados aos objectivos próprios de uma moção.
Mas há-de reconhecer-se - e eu, que tive a honra de assistir ao trabalho exaustivo e longo da Comissão de Educação, posso afirmá-lo -, há-de reconhecer-se, repito, que se trabalhou com muita boa vontade e que a moção, não obstante os possíveis defeitos que, na ordem de considerações que fiz, lhe possam ser apontados, tem grandes virtudes, as, quais sob sobrelevam as das moções anteriores que foram retiradas.
Só este pequeno apontamento para justificar a minha posição em face da nova moção.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Se bem ouvi e entendi as palavras, de V. Exa., pede-se-me, na integração que me cabe nesta Câmara, um voto tendente a ser ou não autorizado que sejam retiradas as moções.

O Sr. Presidente: - Mas esse problema está arrumado.
E a Assembleia

O Sr. Soares da Fonseca: - O Sr. Deputado Cunha Araújo disse "se bem entendi", mas não entendeu bem.

(Risos)

O Orador: - Pede-se-me um voto no sentido de ser ou não autorizada a retirada das moções ontem apresentadas. Ora, como eu não conheço essas moções...

O Sr. Presidente: - Mas o problema já está arrumado.

O Orador: - Pronto, Sr. Presidente, não quero mais nada.

O Sr Presidente: - Vai votar-se a moção que foi lida.

Submetida a votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henriques Nazaré para efectivar o seu aviso prévio sobre ruralato africano.

Sr. Henriques Nazaré: - Sr. Presidente: Na sequência da linha de rumo que me impus ao aceitar ser porta-voz das amarguras e das esperanças das populações do pedaço de Portugal em que nasci, trago hoje à ponderação desta ilustre Assembleia um problema que se me afigura como básico e prioritário.
Para o tratar, reconheço que me faltam outras credenciais que não sejam a vantagem do que tem ouvido musical sobre o que sabe música. Refiro-me à particular receptividade para os justos anseios das populações africanas, que me é assegurada pela minha condição de africano.
Percorri de novo e recentemente a província de Moçambique de espírito pronto e coração aberto.
Perante o quadro que me foi dado observar, nós, portugueses, não podemos manter-nos estacionários. Não nos iludamos. Nós vivemos muito da ilusão e, quando assim é, o futuro reserva sempre terríveis surpresas. Temos de arrancar, mas arrancar com atitudes revolucionárias, não como homens brancos ou homens negros, mas como homens. Há que modificar as estruturas burocráticas, actualizá-las, que é o mesmo que dizer simplificá-las. Há quem diga que estas estruturas devem ser, em parte, modificadas, conservando o que é bom, e esquecem-se que elas constituem um todo, e que a alteração de uma parte modifica e enfraquece o conjunto.
Talvez que o melhor caminho seja o da conciliação da evolução necessária com a prudência conveniente nem a vanglória do absoluto conservadorismo, nem a cegueira da radical mutação. Em África, mais do que em lugar algum, há que evoluir. Mas sem subversão dos valores a que o homem adequou a sua personalidade e pelos quais regula as suas reacções.
Quando se fala em evoluir, a primeira tarefa que se impõe é a da definição do sentido a imprimir às mutações possíveis.
A este respeito está aberto aos políticos e aos etnólogos um tema aliciante, o da revisão ou confirmação da nossa política de assimilação. Deve a evolução do Negro ser programada à imagem e semelhança do Europeu, tendo como escopo o "negro de alma branca", de que falam os idealistas da ocidentalização da África, ou antes orientada no sentido da revalorização das suas estruturas tradicionais, com aproveitamento não corrigido das suas virtudes próprias?
O livro de René Dumont L'Afrique noire est mal partie (A África Negra começou mal), que oferece à nossa observação o estado evolutivo da África actual independente, sugeriu Albert Meister algumas observações, as quais correspondem ao meu ponto de vista; a fórmula "A África Negra partiu mal" é muito mais verdadeira se se notarem não só as dificuldades nas quais se debatem os países africanos, mas também a descrença do público perante os fenómenos da estratificação social do esbanjamento económico, das lutas intestinas, etc., que marcam os primeiros anos da independência dos países africanos.
Por outro lado, se se pensar nas deslocações dos homens de Estado africanos, na sua activa participação nas instâncias internacionais, se se observarem os desenvolvimentos económicos para além da elaboração dos respectivos planos e dos acordos de auxílio, ao lado dos aeroportos, por detrás das avenidas ladeadas de edifícios administrativos novos, de algumas grandes cidades - forma-se a

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ideia de uma África em progresso real. Não é assim, infelizmente, pois essa face tem um avesso. Em todo este «avesso», em todo este «ao lado», a África não está nada evoluída, a África não partiu. Ela está mesmo, talvez, em regressão.
E, em vez de desenvolvimentos reais - traduzindo-se por um acréscimo da produção e de consumo -, os desenvolvimentos que tiveram lugar, e que têm lugar actualmente, representam apenas os custos das despesas necessárias para a instalação das elites nascidas das independências nacionais. Um contabilista registá-las-ia como despesas de instalação, ou despesas de reconversão, após uma mudança de proprietário. E é preciso notar a este respeito que a fórmula «L'Afrique est mal partie» (A África começou mal) implica também um julgamento desfavorável à amplitude das despesas desta reconversão.
Um tal julgamento é actualmente partilhado por numerosos autores e por uma grande parte do público inclinado a favor dos países subdesenvolvidos. Um pouco por toda a parte, as vozes elevam-se para exprimir a decepção perante os esbanjamentos da ajuda internacional. À esquerda, a decepção duplica pelo desalento daqueles para quem a África deveria ser um novo ponto de partida para experiências socialistas que eles próprios não puderam realizar nos seus países e pelo rancor contra os africanos que não aparentam qualquer disposição para seguir os conselhos generosamente prodigalizados em nome da tradição socialista e humanista ocidental. A direita, o desapontamento perante a utilização que tem sido dada àquela ajuda prolonga o ressentimento pela perda das colónias e serve de pretexto para recusar a continuação de um auxílio internacional que, de qualquer maneira, está em diminuição constante.
Os países devem tomar as suas independências a partir de níveis de consciência revolucionária extremamente elevados, reflexos das contradições sociais, mas com um desenvolvimento económico relativamente avançado. Ora os países africanos não são, quanto a mim, nem países em via de desenvolvimento, nem mesmo países novos - como se diz -, mas sociedades primitivas mantidas nessa situação por razões de todos conhecidas, e sobre as quais, aos responsáveis de tais independências, por conveniência ou por outros motivos, convém manter um estranho silêncio.
Os contactos das missões internacionais são diplomaticamente optimistas e lacónicos, enquanto os técnicos estão desiludidos e cépticos quanto aos resultados da sua acção, os próprios responsáveis africanos - e daqui o mito - estão tão enganados com o silêncio de uns e a boa vontade de outros que não notam a miséria dos povos negros e crêem sinceramente que, dentro de dez ou vinte anos, terão feito a sua «largada».
Apesar de tudo, a fórmula implica que, mesmo «mal começada», a África realmente começou.
Uma vez mais proponho-me colocar no meio. Os sistemas têm, normalmente, o defeito de não abrangerem toda a realidade que pretendem enquadrar. E assim, não vejo como possa uma civilização atrasada beneficiar do contacto com outra mais evoluída sem, de algum modo, se assemelhar a esta. Mas representaria grave erro desconhecer determinantes de séculos, a pretexto de uma superioridade social que não raro se esgota em mera diversidade.
A Natureza não dá saltos. Pois o homem é também da Natureza. E, assim como o Negro não pode despir a sua pele, não pode igualmente despir a sua alma.
Não raro o Europeu veio a reconhecer quanto são sábias certas instituições tradicionais que prima facie rotulou de bárbaras.
Por conseguinte nem assimilação obsessiva, nem imobilismo obstinado.
Vem este intróito a propósito do problema que me proponho focar, e que definirei como a necessidade imediata do fomento de um ruralato africano, a que poderemos também chamar comunidade rural, que é afinal o suporte de uma nação. É ele exemplo de problema em que há que conciliar o respeito pelas tradições africanas com a sua parcial alteração.
A minha primeira comunicação a esta Assembleia versou o tema da propriedade suburbana. Que a segunda foque o da propriedade rural africana não é senão o resultado da minha firme e arreigada convicção de que, em África, todos ou quase todos os graves problemas que imediatamente temos de encarar passam pela posse da terra ou a ela se reconduzem.
Ter eu focado o problema da propriedade urbana antes do da propriedade rural não representa ordem de prioridade ou importância, mas apenas o aproveitamento de uma oportunidade - a devastação do «Claude» -, que agravou aquele em detrimento deste. Quero, no entanto, reconhecer aqui que o problema dos problemas, sem a consideração do qual, inclusivamente, não poderá ser correctamente equacionado o da guerra que travamos, é o problema da propriedade fundiária e o da posse jurídica da teria pelas populações africanas.
A este respeito gostaria de formular o voto de que possa este problema vir a ser encarado com um interesse e um élan que estão faltando na condução do primeiro - refiro-me ao problema habitação. Após um primeiro embate do problema da habitação suburbana com os mais directos responsáveis pela sua solução a curto prazo, a erva daninha da burocracia e da rotina tomaram conta dos pilares erguidos e ameaçam convertê-los em ruína, sobre a qual nada de definitivo e útil venha a ser edificado. Continuo, porém, a ter esperança em que se não varra da memória dos homens de boa vontade o quadro alarmante que procurei descrever aqui.
A situação económica em todo o sector tradicional tende para uma rápida degradação. Desde 1959 que a produção aumentou em toda a África Negra de cerca de 1,7 por cento, enquanto a população aumentava de cerca de 2,5 por cento, logo a situação de cada habitante piorou. Isto é grave. O que é necessário para a África descolar? Olhemos para n Inglaterra de 1750 para completar a sua revolução económica ela devia primeiramente atingir um certo desenvolvimento agrícola. Ora, hoje, o nível agrícola da África é inferior a metade do da Inglaterra de 1750. E se nessa época a produção da Inglaterra aumentava, hoje a de África afunda-se cada vez mais.
O ruralato africano tem-se orientado no sentido da preservação das formas de posse precária e colectiva da terra.
Justifica-se isso ora com o nomadismo africano, ora com o seu desapego à forma romanista da propriedade privada, por ele praticamente desconhecida relativamente a bens de fruição Africano e proprietário têm, tradicionalmente, sido considerados situações opostas e incompatíveis.
Daí que não possamos fugir à impressão de que estamos em face de uma intrigante contradição. Somos um país arreigadamente individualista. Praticamos, em África, uma acentuada política de assimilação. Pois, apesar disso, abrimos uma lacuna nessa nossa preferência, para respeitar-mos a tradição africana da fruição colectiva das terras e do seu consequente nomadismo. Essa seria, ao que parece, uma tradição respeitável. Coloque-se, desde já, fora de causa uma possível disputa entre grupos étn-

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cos sobre a posse da terra, dado que a terra abunda de tal modo em Moçambique que me não parece possível o receio da sua generalizada distribuição. A esse respeito só é concebível a disputa das terras mais ricas e rentáveis. A que deveremos então essa aparente contradição? Interessam menos as causas do que o seu efeito conjuntural. Eu afirmo não considerar o nomadismo uma característica africana, solidamente fixada nas populações, mas sim uma consequência fatal das condições ambienciais. Igualmente não considero o colectivismo agrário africano como expressão de estrutura, antes como manifestação da falta dela.
A história mostra-nos que o homem só foi nómada até que pôde deixar de sê-lo. E que a posse individual da terra funciona sempre como elemento primordial da sua fixação.
Digamos antes que, em África, foi a abundância da terra que conduziu ao aparente desamor por ela. No dia em que o oxigénio do ar se tomasse escasso, fechá-lo-íamos em frascos comercializáveis e lutaríamos pela sua posse.
Irei mesmo ao ponto de afirmar que ausência de um real sentimento de domínio individual está na base do atraso do nativo africano. Quem está de viagem não faz obra definitiva, só por engano alguém edifica sobre solo alheio. A um campo sem dono sacrifica-se uma colheita, não se devota uma vida.
Não quer isto dizer que eu não seja sensível à beleza de entreajuda, do desinteresse, da solidariedade e de outras expressões de comunitarismo. Mas reconheço que a África pagou por essa beleza um preço em estagnação e sofrimento de que deve, sem demora, cuidar de ressarcir-se.
Outros porão problemas de coerência ideológica ou introduzirão no tema as simpatias partidárias. Não tenho outro partido que não seja o bem da minha pátria e o dos meus concidadãos, com particular acento de simpatia para os mais desfavorecidos da fortuna, que são também, por determinamos bem conhecidos, a generalidade dos portugueses da minha cor. Se uma solução se me afigura mais conducente à sua rápida promoção social tratarei de defendê-la sem me preocupar com outras formas de coerência.
Um dos erros de que pode justamente ser acusada a nossa administração ultramarina consiste na ausência do senso prático. Transplantamos, com frequência, soluções só válidas à pequena escala geográfica para a imensidão dos nossos território ultramarinos. Não raro a preocupação das soluções óptimas e definitivas adiou a viabilidade das soluções razoáveis e transitórias. Com igual frequência deparamos com tentativas, quase sempre frustradas, de operar de um salto a transição da rotina para o superdinamismo, do primitivismo para o ultramodernismo.
Os modernos preceitos da sociologia dizem que se não deve injectar de repente a tecnologia mais avançada, principalmente quando se trata de transformar sociedades menos evoluídas em outras mais evoluídas. Esta transformação mostra-se vantajosa quando feita gradualmente.
No Senegal, por exemplo, depois de um salto brusco da cultura de amendoim com ferramentas primitivas para a cultura altamente mecanizada e motorizada, verificou-se ser preferível voltar «aparentemente atrás» e fomentar a cultura à charrua de tracção animal.
Mostramos, ainda, tendência para as soluções localizadas, circunscritas, menos do que regionais, e ficamo-nos pela exemplificação improfícua à escala geral da unidade dos territórios.
Exemplo que se vai tornando clássico: o parcelamento do vale do Limpopo. Quis fazer-se obra perfeita, alindada, definitiva. Pois ergueu-se um empreendimento sem rentabilidade, não se resolveram, talvez, mais problemas do que os que foram criados, concentrou-se um pequeno «tudo» cercado de «nada». Não creio que a experiência colhida aconselhe a que volte a trilhai-se o suposto caminho do óptimo em detrimento do razoável possível.
Em face destas considerações sobre este tema da distribuição e aproveitamento da terra, quais têm sido as nossas preocupações dominantes? O perfeito cadastro, ainda que moroso e complicado. A agricultura de empresa. A canalização da produtividade rural para o sector das matérias-primas facilmente industrializáveis ou de garantida exportação e mecanização agrícola.
Dir-se-ia que persistimos em não nos darmos conta de que a mecanização da agricultura em larga escala está fora da nossa potencialidade de investimento e de que esse mesmo erro, cometido por outros países de maior suporte financeiro, chamou por toda a parte os técnicos de escol à realidade das dimensões da problemática agrária africana.
De que dispomos afinal? De braços e de terra. Pois procuremos investir o trabalho de que dispomos na exploração da terra que não nos falta, através de uma sensata e realista política agrária de que, antecipo já, considero a propriedade da terra o insubstituível factor dinamizante.
Até ao presente temos procurado o êxito fácil e imediato, ainda que pelo preço de muitos contra-sensos, a produção de matérias-primas industriais de garantida procura, num território onde escasseiam os bens de subsistência, a sua esporádica manufactura local, antecipando a industrialização de territórios sem agricultura racionalizada e sem mão-de-obra especializada, a exportação de força de trabalho manual em detrimento do seu investimento local, a prestação de serviço - portos, caminhos de ferro, turismo - em despeito da nossa carência de estruturas básicas.
Mais nos valera, penso eu, que trilhássemos a via sacra das soluções intermédias, porém, generalizadas. Se dermos uma enxada a cada braço, teremos cumprido o ciclo da enxada manual, de que as estatísticas nos dizem ser chocante a escassez em Moçambique Se tivermos garantido uma charrua manual e um boi de tracção a cada unidade agrária, teremos encerrado o ciclo da enxada manual e iniciado o ciclo da tracção animal. Isto sem prejuízo das possíveis guinadas no sentido da agricultura mecanizada, que certamente um dia se seguirá àquela.
À primeira vista, parecerei modesto nas minhas ambições. Creio que estou apenas a ser realista e prudente. Que, porém, se não considere obra de pequeno valor ou diminuto vulto a radicação generalizada da charrua e do boi de tracção. Pelo contrário atingido esse estádio, poderá falar-se de progresso e raciocinar-se em termos de prosperidade.
E esta, de resto, a lição da história do desenvolvimento dos povos africanos já destribalizados e mais do que isso, de muitas sociedades espalhadas no Mundo.
Li, como disse, um impressionante Livro de um insuspeito anticolonialista francês, o Sr. René Dumond, L'Afrique noir est mal partie. Nele encontrei a consagração ao mais alto e especializado nível técnico, desta minha rudimentar percepção de que é preferível um lento e gradual desenvolvimento rural global a surtos esporádicos e sem significado da iniciativas dernier en.
Se os Europeus - diz Dumond - tivessem pensado em negociar com os Negros como se eles fos-

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sem seus iguais, ter-lhes-iam levado em troca das suas riquezas locais a charrua e a roda, os géneros necessários para a produção. Se a isso tivessem acrescentado a instrução e a formação profissional, a arte simples de treinar bois para o trabalho, em lugar de procurarem apenas escravos e um benefício fácil, a situação da África de hoje seria certamente muito diferente.

Não tenhamos, porém, ilusões. Só por si, a difusão de novos métodos de trabalho e novos auxiliares do braço do homem, sem uma declaração de guerra à tradicional organização da propriedade tribal, estarão votados ao mais seguro fracasso. D. João II, numa das primeiras embaixadas do rei do Congo, enviou a este:

pedreiros e carpinteiros com as suas ferramentas, prontos a avançarem, lavradores com as suas enxadas e charruas, seguidos por mulheres com bacias e selhas preparadas para demonstrar como se fabrica o pão.

A rotina a vencer era e continua a ser a da ausência do pacto entre o homem e a terra, que se chama propriedade. Porém, a terra, mesmo quando rica, exige drenagens, enxugos, fertilizantes, medidas antierosivas, investimento de sacrifício a que só a continuidade de um propósito assegura a sedução.
Aos que consideram a propriedade colectiva como superestrutura da individual, objecto que ainda não foi demonstrada a superioridade da granja colectiva sobre a herdade individual. É que, de qualquer modo, a instituição definitiva em África de formas colectivistas de domínio representaria um efeito sem causa. Além disso, defendo a instituição da propriedade individual, porque considero esta forma o caminho mais curto para o pacto de amor entre o homem e a terra, que a lição dos séculos representa como o primeiro motor do progresso. Nesta medida, repito, vale a pena remar contra a maré de uma tradição de que se tem exagerado o significado.
Alguns exemplos, ao arrepio desta tradição, demonstram que o Africano, sempre que se lhe proporcionou ser dono exclusivo de um pedaço de terra, nele se fixou e nele investiu o ser suor. É o caso de vários pontos do litoral da província, em especial dos distritos de Moçambique (Lunga, Lumbo, Mossuril e Matibané), Zambésia (Quelimane) e Inhambane (Inhambane, Maxixe e Morlumbene), em que os vizinhos das antigas regedorias são donos efectivos da terra, embora sem título legítimo que lhes não advenha da posse imemorial, de tal modo que correm pela comarca de Inhambane acções judiciais em que essa posse é confrontada com títulos jurídicos conseguidos por europeus pouco escrupulosos, enquanto a retenção efectiva da fruição das benfeitorias agrícolas - palmeiras, mangueiras, cajueiros, etc. - não raro tem sido assegurada pelos seus possuidores africanos com recurso a medidas que não excluem a violência, sob o olhar entre tolerante e cúmplice da autoridade que não foge à força moral de uma posse de tão longa data.
E é consolador verificar que nos pleitos pendentes os pleiteantes africanos invocam exactamente os direitos que lhes advém da valorização da terra através da plantação de árvores de rendimento e não raro a natureza hereditária desses direitos.
O milagre fê-lo a árvore de grande porte, que representa suor e vence a transitoriedade das culturas anuais.
Exemplo frisante é ainda o da propriedade suburbana da Matola e da Machava, onde o simples título de domínio operou o trânsito da palhota maticada para a casa de alvenaria.
Dir-se-á, pois, que o Africano é tão sensível ao amor à terra e tão permeável ao sentimento de domínio, como qualquer outro utente dela. Mister é que se lhe criem condições para que a valorize e a explore como coisa seguramente sua, da qual ninguém poderá espoliá-lo. Essa certeza não lhe será dada tanto pela emissão de um título jurídico como pela confiança que lhe mereça esse título.
E reconheçamos dando-se-lhe terra, muita terra, mais terra do que a que cabe na força do seu braço, nada se lhe dará que no dia seguinte não sobeje, e pede-se-lhe a devoção de uma vida. E este o mais rendoso e aliciante dos «negócios», porque tentável à escala de mobilização afectiva de milhões de braços. Na verdade, é sabido que o nativo não gasta a totalidade do seu tempo nas actividades relacionadas com a produção dos próprios meios de subsistência, pertencendo ao homem as tarefas de derrube - quase sempre incompleta e secundada pela mortífera queimada -, da pesca e da caça, incumbindo à mulher, em regra, os trabalhos propriamente agrícolas da sacha, armação da terra, sementeira e colheita. Este quadro é ainda a regra para a quase totalidade do território de Moçambique, embora deva considerar-se ultrapassado nas regiões ao sul do Save.
Enquanto isto, o agricultor europeu trabalha mais tempo, aliás ajudado por moderna maquinaria e utensilagem, que multiplica a produtividade do seu trabalho. A diferença, com a natural correcção do condicionalismo ecológico de um e outro meio, representa o caminho a percorrer e, ao mesmo tempo, o prémio a tentar.
Como o tentaremos?
Em matéria tão afastada da minha preparação especializada não se me levará decerto a mal que enumere apenas sugestões pessoais que aos, competentes caberá apreciar e corrigir.
Em tese geral já esbocei o meu pensamento; penso que o título de proprietário poderá representar a centelha explosiva do prodigioso arsenal de trabalho de que dispomos. A posse jurídica da terra pode bem representar o ovo de Colombo de que precisamos para operar o transito da expectativa da natureza para o domínio efectivo dela.
Quando se reconheceu ao «indígena» de há pouco o estatuto da plena soberania, na maioria dos casos não se lhe melhoraram as condições de vida. Mas eu sei com que satisfação a maioria dos nativos recebeu essa nominal emancipação jurídica e com que orgulho a invoca. Mas não nos iludamos, há que realizá-lo como cidadão. Pois bem o investimento dele na posse jurídica da terra, a dignidade de proprietário, em suma, viria reforçar essa consciência da própria maioridade - cidadão português.
Quando ele foi investido na posse jurídica de um talhão suburbano, superou a palhota e fez prodígios para edificar o seu sobrado. Esperemos que outrotanto aconteça quando dispuser, como de coisa sua, de propriedade fundiária.
Sei que a terra é apenas o ponto de partida e que o seu aproveitamento exige capital de investimento, técnica, etc.. O meu ponto de vista é, porém, o de que, desde já, se dê ao nativo o que em abundância temos para lhe dar, criando condições psicológicas propícias ao total investimento do seu braço. Que se complemente esta atitude com a assistência possível, mas que se a não enjeite, mesmo despida de todo e qualquer complemento.
De qualquer modo, não exageremos o fatalismo da rotina. A maior parte do armentio pecuário é propriedade dos africanos. Porque se lhes não concedem lotes de terreno para o seu pascigo, tal como se fez para os europeus? Há terra de ninguém coberta de árvores que são pertença de africanos, que as plantaram e as exploram por

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vezes há muitas gerações. Forque se lhes não concede essa terra a que já fizeram jus?
Contra o que me rebelo, como grave erro de que a Pátria está pagando alto preço, é contra a rotina de, em Moçambique, e com raras excepções, quase sem significado, negro e proprietário serem a perfeita imagem de uma antítese.
Morre por esta via a tribo? A pergunta a fazer será a de saber se a tribo corresponde ainda às necessidades actuais da organização social africana. De qualquer modo, não creio que a sobrevivência da tribo, desejável ou não, dependa da ausência da posse efectiva e familiar da terra.
Devo dizer que o ponto que defendo não é nem original nem aberrante das grandes linhas da nossa política ultramarina. Nada vejo nela que colida com a proliferação do agricultor-proprietário. Pelo contrário, chegou-me à mão o Diploma Legislativo n.º 919, de 5 de Setembro de 1944, assinado pelo governador Bettencourt, e nele vejo reconhecida a vantagem da fixação do autóctone à terra, através da sua promoção a proprietário. Simples voto sem continuidade, desanimado talvez pela densa burocracia, ou pelos apóstolos do óptimo.
A lei de terras então em vigor, como, aliás, atenuadamente, a de hoje, não animava a concessão de terras em larga escala, tão complexo e moroso era o processamento de uma concessão e tão deficiente o cadastro. Por outro lado, o Estatuto do Indigenato brigava de certo modo com essa promoção do nativo a uma dignidade até então privilégio do Europeu. Em todo o caso, esse diploma constituiu o animador reconhecimento de uma urgente necessidade.
Do Estatuto do Indigenato já a Administração se desfez. E dos obstrucionismos de uma lei de terras pouco realista e prática facilmente se desfará, substituindo-a por outra que o não seja.
De resto, o tema foi de algum modo retomado exactamente no actual Regulamento para a Concessão de Terrenos, que dedica toda uma secção às diversas modalidades, pelas quais os vizinhos das regedorias tradicionais podem adquirir a concessão de terras de 2.ª classe, no visível propósito de facultar a transição da posse colectiva das terras para a individual.
Na mesma linha de orientação se situa um notável despacho do então secretário provincial de Moçambique, Eng.º Rui de Araújo Ribeiro, datado de 15 de Janeiro de 1964, pelo qual demandou aos serviços geográficos e cadastrais um esforço prático no sentido da divulgação dos preceitos legais cujo conhecimento fosse indispensável para a obtenção de títulos de concessão de terrenos, por forma a fomentar-se o seu pedido, com o que manifestamente visou as populações nativas.
Tudo se ficou, porém, pelos bons intuitos. Se exceptuarmos os nativos do colonato do Limpopo e os proprietários das casas dos bairros populares da Matola, o número de nativos proprietários de terras, quer em regime foreiro, quer em domínio pleno, carece, realmente, de significado.
Desenganemo-nos, porém, desde já não é pela via de simples diplomas que se combate uma rotina. A lei será a base e, como tal, quer-se prática e dúctil, tendo em conta, além de tudo, a modernização de processos de registo e arquivo. A esse respeito impõe-se uma imediata revisão do Regulamento da Concessão de Terrenos, orientada no sentido de simplificar ao máximo a concessão de terras, embora com rigorosa fiscalização do seu aproveitamento, com o que não quer significar severa exigência. Para esse efeito, o regime foreiro, na Europa caído em desuso, mostra-se bastante adequado os realidades e ao fim em vista.
O trabalho fundamental será, porém, o da mentalização das populações nativas, que se impõe para a subversão da rotina. Antes de mais, há que levá-las a confiar no bem fundado e na sinceridade dos intuitos que presidem a uma tão profunda alteração da sua estrutura social, das suas convicções e dos seus hábitos. E, depois, um esforço generoso no sentido de se impedir que ele fique em face da terra, que se lhe diz ser dele, com respectivo título na mão, sem notar a menor diferença ao dia anterior a tudo isso.
Cabe aí a palavra aos técnicos, de quem espero a necessária compreensão para conjugarem a imensidão da terra com a escassez do capital de investimento, promovendo a difusão e o ensino de práticas agrícolas simples, além de formas assistenciais, realistas e práticas. Sábio será, a meu ver, o técnico que possua a compreensão de que se não deslustra, antes pelo contrário, ensinando ao nativo o ABC da agricultura - a selecção das sementes, o uso da charrua e do boi de tracção, a ensilagem, etc. -, embora tivesse para ensinar-lhe, em diversas condições, o que de mais evoluído e moderno já produziu a ciência agronómica.
Penso num amplo movimento de animação rural que desperte no nativo o desejo de cooperar numa decisiva declaração de guerra à carência de meios de subsistência de que é a primeira vítima. Quanto à forma da sua promoção, recordo a eficácia do sistema de brigadas, vítimas da própria transitoriedade, além do mais. E propendo para acreditar na vantagem de um amplo sistema de descentralização de serviços, ao nível regional, por forma a assegurar-se um permanente contacto entre as actividades directoras e as realidades dirigidas.
E não registo a vislumbrar um feliz regresso à utilização do município - tão dentro da nossa melhor tradição - como expediente idóneo para administrar a concessão de terrenos ao nível regional.
Extinto o Indigenato, é de pôr o problema da conveniência em que se mantenham os tradicionais elos de ligação entre o Poder Público e o nativo, impondo-se, porém, a extinção dos cargos de administradores de circunscrição e de posto.
É nesse momento que o município me surge como um expediente viável, dadas as suas feições colectiva e electiva e ainda as credenciais históricas ligadas ao seu nome. Como quadro local, perene e afeiçoado às simpatias ocasionais dos munícipes, ele estaria, por exemplo, em condições ideais para fazer a cobertura da província em matéria de concessão de terras, que assim passariam a ser propriedade do concelho. Cada concelho definiria o foro ou renda a cobrar, ao serviço de uma política agrária eminentemente local e diferenciada.
Tudo sem prejuízo da necessária contemporização com as reservas de terras comunais que transitoriamente, ou mesmo em definitivo (na metrópole o baldio resistiu à propriedade individual), fossem julgadas convenientes.
Não quero deixar de enunciar algumas considerações sobre o crédito agrícola para chegar finalmente ao cooperativismo, que, quanto a mim, completaria o problema de que me estou ocupando.
Na organização do mecanismo da propriedade rural é de justiça evidente e de interesse inadiável atender cuidadosamente a importância maior ou menor do armamento económico do elemento autóctone, criando instituições que promovam o desenvolvimento da sua riqueza e garantam a segurança dos capitais contra a especulação dos açambarcadores, a avidez dos usurários, as irregularidades cli-

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matérias e as deficiências administrativas dos agricultores nativos. E não deixará de verificar-se que, fazendo progredir rapidamente a organização económica dos naturais, a sua fortuna desenvolvida e mobilizada virá a influir poderosamente na prosperidade material do ultramar. Seja qual for o estatuto social da sociedade nativa, e ainda nos mais recundos graus de barbárie, é indispensável, para o progresso económico dessas organizações sociais, que se
façam germinar no su seio ideias de associação e previdência praticamente realizadas em instituições apropriadas. A diversidade destas instituições tem de ser grande para que se possa atender aos particularismos das condições locais, tão variáveis como as raças e com o nível sociológico. O africano é imprevidente por natureza e, afinal, até por uma necessidade tradicional, de que ainda não se consegue desabituar.
Anteriormente à ocupação europeia e nos primeiros períodos de colonização o Africano ou era escravo e nada possuía ou era nominalmente livre, mas sujeito às violências e extorsões dos chefes e grandes indígenas que o desapossavam do melhor da sua propriedade. Quer num, quer noutro caso, fazer economias era capitalizar para os estranhos, o que, devemos concordar, não era o melhor incitamento às regras da economia. Além disto a facilidade da vida sob os trópicos e as pequenas necessidades dos naturais permitem-lhes viver quase sem trabalhar prescindindo da capitalização previdente, tão indispensável às populações das zonas temperadas e frias.
A difusão da moeda é um meio bastante preconizado para conseguir dos nativos «poupança individual». Todavia, a insegurança da vida africana torna difícil, e até perigosa, a conservação do numerário e, mesmo admitindo que o proprietário nativo consegue esconder em sítio seguro as suas economias, é fora de dúvida que esse capital se mantém totalmente improdutivo. Ou, sem vislumbrar uma finalidade digna para o seu trabalho, ele volta-se para o álcool, para o crime e para a prostituição. E não se pode ficar indeciso, há que adoptar uma solução moral. É por isso que há toda a conveniência em crias instituições especiais.
A riqueza dos nativos pode considerar-se, na maioria dos casos, como resumindo-se a propriedade imobiliária ou simplesmente à sua exploração. Por esse motivo, as formas que o crédito deve assumir quanto ao seu fim económico são as de crédito predial agrário e de crédito agrícola. No primeiro caso o crédito obtido destina-se a melhoramentos e supervalorização do capital fundiário, no segundo caso, o benefício resulta em favor do capital empregado na exploração das terras.
A forma do crédito agrário só poderá ser aplicável aos territórios onde a propriedade individual ou colectiva mantiver situação e limite estáveis e se encontrar mais ou menos perfeitamente cadastrada e titulada.
O crédito agrícola beneficia indistintamente todos os estabelecimentos ultramarinos onde for organizado, indispensável ao progresso da obra colonizadora, é igualmente uma das melhores maneiras de conseguir o desenvolvimento e consolidação da propriedade indígena, libertando-a do jugo da usura e estabilizando-lhe os limites nas regiões onde ainda domine o nomadismo.
Finalmente, resta-me considerar o crédito agrícola associativo, que julgo ser, e procurarei demonstrar que é, a forma de crédito agrícola mais apropriada ao desenvolvimento da riqueza indígena e, pela sua maleabilidade, mais moldável às diversas graduações económicas da organização indígena. As vantagens gerais do crédito associativo foram brilhantemente expostas pelo Sr. Dr. João Ulrich no seu excelente trabalho O Crédito Agrícola em Portugal nos seguintes termos.

Há, porém, um princípio de organização social que, quando devidamente aplicado, resolve todos os obstáculos. É a mutualidade, a cooperação a verdadeira forma de organização agrícola que a experiência e o exemplo dos povos adiantados consagram. É a associação livre que pacificamente há-de revolucionar os antigos preconceitos, fazendo surgir um novo mundo de progresso e civilização. É esta nova força, no dizer de Gide - o resultado de uma lei natural mais poderosa que a humanidade e que por si mesmo actua olhando indiferentemente todos os desfalecimentos -, que, pondo em prática a velha máxima «a união faz a força», tende a aumentar o potencial de garantia de cada indivíduo, facilitando-lhe, quando necessário o recurso ao crédito.

Quantas instituições judiciais e administrativas, quantas leis e regulamentos se estabelecem nas províncias ultramarinas e se aplicam aos autóctones que estes nem sabem utilizar, nem podem compreender! A associação económica pelo contrário, fazendo reflectir directamente todo o benefício sobre o bem-estar material dos associados, não tardará em vincar profundamente no espírito dos nativos a compreensão das suas vantagens.
Assim, as cooperativas organizadas com estatutos elementares e apropriados ao nível intelectual e social dos mutuários e bastante disseminadas pela província, à semelhança das de Zavala - tão incompreendidas -, de maneira que os cultivadores encontrem na localidade de residência, ou perto dela o crédito ou os socorros de que careçam, representam a melhor garantia de progresso económico para a população.
Vejamos o que a este respeito escreveu o Prof. Henrique de Barros.

O crédito agrícola cooperativo; eis aqui outro campo cujo desenvolvimento seria indispensável factor de êxito para a modalidade de que tenho vindo a falar, de reforma da estrutura agrária.

A este respeito pode até escrever-se que não haveria que hesitar na escolha no caso de se pretender que as novas empresas tivessem ao seu dispor um mecanismo de crédito capaz, realmente, de as servir. Uma rede de pequenas caixas de crédito mútuo em âmbito local, baseadas na ilimitada solidariedade de todos os seus membros.
Mais adiante, diz ainda o prof. Henrique de Barros:

O seguro agrícola cooperativo é uma actividade que também pode e deve merecer o carinho dos cooperativistas, isto sem deixar de reconhecer que implica dificuldades técnicas muito peculiares, as quais até hoje não permitiam o su sucesso em escala importante.

Com efeito a organização dos bancos ultramarinos não permite a constituição do pequeno pé-de-meia nem pode fornecer aos proprietários nativos capitais de crédito agrícola ou imobiliário. Porém, pode ter um papel primordial na regeneração económica da sociedade nativa na sua ligação com as cooperativas. E, assim terão uma influência indiscutível no progresso económico e civilizador das populações.
Porém, se na origem são de natureza económica os objectivos das cooperativas propostas, nomeadamente o de familiarizar os autóctones com as ideias mais elemen-

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tares da previdência e da economia e incitá-los a aperfeiçoar os seus processos culturais, por forma a tirar mais rendimento das suas explorações agrícolas, não se julgue que se ficaria no domínio dos benefícios matérias, pela criação disseminada de agrupamentos cooperativistas. Penso, na verdade, que a estas cabe uma função de maior transcendência no progresso social e cultural dos agregados rurais africanos, pois que não poderemos fazer passar estes, de chofre, de um colectivismo tradicional arreigado para o individualismo do tipo ocidental.
Na verdade, um dos glandes males da África actual, daquela que "partiu mal", foi a criação de um proletariado retirado abruptamente das estruturas tradicionais, sem que se tivesse deixado o nativo ligado a qualquer tipo de agrupamento social. Todos nós conhecemos os dramas da destribalização, e se é certo que não poderemos nem devemos pôr de parte os programas de industrialização do ultramar, temos de evitar, a todo o custo, cometer os erros irreparáveis de outras partes daquele continente, e uma das formas de os continuar é a criação de uma sólida comunidade rural. Ora ao movimento cooperativista, que no Ocidente teve e tem aspectos essencialmente económicos, cabe em África função muito mais nobre a de construir uma fase intermédia entre o colectivismo agrário do tipo tradicional e a propriedade individual, pois que, se dentro dele o indivíduo tem a noção do que representa ser proprietário, a revolução que se opera nas estruturas sociais será compensada pela protecção que o cooperativismo assegura ao indivíduo.
Creio mesmo que entre a extinção do Estatuto do Indigenato e o advento da sociedade moderna que aspiramos constituir no ultramar a cooperativa será instrumento indispensável - repito, indispensável. Em face do que ouviram, entendo que, na organização que se impõe constituir com a maior urgência do ruralato africano, às cooperativas a criar deveriam ser cometidas as seguintes funções:

a) Permitir aos nativos a conservação das sementes desde a colheita à sementeira e a utilização de aparelhos destinados a preparar e a seleccionar as sementes;
b) Efectuar as vendas em comum, a fim de regularizar os preços numa média remuneradora;
c) Comprar em comum as matérias-primas, adubos e máquinas necessários ao aperfeiçoamento das culturas e da produção;
d) Centros de armazenamento;
e) Escolas regionais;
f) Clínica regional com pequenos hospitais de Ceca de dez camas e posto clínico com médico permanente ou eventual e dois enfermeiros permanentes;
g) Centros culturais;
h) Parques desportivos;
i) Outros benefícios relacionados com a rentabilidade das mesmas.

Tenho perfeita noção de que, ao esboçar estas descoloridas sugestões, assumo o risco de ferir os ouvidos mais sensíveis. Faço-o, porém, no melhor e mais construtivo dos intuitos. E por isso o faço também com a maior tranquilidade de consciência.
Por mim, penso que uma equipa disciplinada de peritos economistas, sociologistas, agrónomos, juristas, sob a direcção de um coordenador de alta capacidade administrativa, seria capaz de um planeamento agrário eficaz.
Há bem pouco tempo, atraído pelas referências que ouvira ao que estava feito nesta matéria em Israel, desloquei-me até lá para colher uma ideia das realizações e dos métodos postos em prática. Verifiquei que todo o trabalho é produzido por uma equipa de dez membros especializados, com os quais estive em contacto, e que agregam em si todos os trabalhos de planeamento agrário. Métodos simples, burocracia actualizadíssima e resultados reais. Entre nós existem personalidades capazes de semelhantes tarefas. Tratar-se-ia de uma equipa autónoma, com sector de planeamento e execução. Não seria nem mais uma comissão! Esta equipa trabalha em colaboração com o instituto central de pesquisas agro-pecuárias e com os Estudos Gerais Universitários. Com estes últimos, o objectivo seria interessar os estudantes nos planeamentos rurais e, consequentemente formação de técnicos para este fundamental sector económico da província. E, assim, elaborar-se-iam projectos de actuação, sem se cair no fosso entorpecente das vias convencionais e hierarquizadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os caminhos de África, das colinas de Cnenaica às montanhas da cidade do Cabo, da costa Atlântica ao oceano Indico e através de espaços vedes e desérticos, há nos nossos dias o acordar dos povos africanos, da maneira como vivem e das diferentes maneiras que eles desejam viver. Há o desejo de mudar de diversas maneiras para entrar no mundo moderno, acabando com a sujeição e começar a igualdade. Este movimento está presente em todos os lados, apesar de nalguns não se evidenciar, e pode-se contar como uma das glandes evoluções da humanidade no século XX. Como os grandes movimentos de unidade da raça humana, está cheio de tensões e conflitos, de hesitações, falsas partidas e direcções erradas. A humanidade deseja a união de todas as raças. Este processo de unificação torna-se cada vez mais forte com novas ideias e novas potencialidades.
Se a África portuguesa for capaz de uma evolução harmoniosa entre brancos e negros - solução evolutiva portuguesa -, demonstraremos ao mundo a nossa capacidade de convívio independentemente da cor da pele, se demonstraremos incapacidade para tanto, teremos então de obedecer a regras estrangeiras, o que será triste para negros e brancos portugueses.
Deixo à consideração da Assembleia este problema, que considero básico e primordial, com a certeza de que não deixará de ajuizar com segurança e actuar com prudência. Não quero, porém, esquivar-me à responsabilidade de propor as providências basilares que julgo aconselháveis para se chegar a solução do problema focado, e que resumo como segue:

1 Formação de uma equipa de planeamento agrário e povoamento (planing of agricultural development and settlement), uma equipa autónoma, com sector de planeamento e execução, constituída por economistas, sociologistas, agrónomos, veterinários, médicos e administrativos. Não faltam, felizmente, pessoas competentes para estes cargos. Nós conhecemo-las, andam dispersas, há que chamá-las e reuni-las.
2 Atribuição de novas funções aos municípios. E assim definiriam e realizariam uma política agrária local. Os terrenos considerar-se-iam propriedade do concelho.
3 Criação e desenvolvimento de cooperativas, do tipo das de Zavala. Esta iniciativa, de longo alcance, do governador comandante Gabriel Teixeira e bem secundado pelo administrador Abel dos Santos Baptista, infelizmente não teve continuidade, pelo afastamento das personalidades citadas.
4 Criação de um instituto agro-pecuário que centralize tudo o que se relacionar com a agricultura e pecuária

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A este respeito pergunta-se porque existe um Instituto de Cereais, um Instituto do Algodão, uma Junta de Povoamento, serviços de agricultura, de veterinária, Brigadas do Chá, do Tabaco, do Limpopo, do Revuè e do Maputo, Instituto de Investigação Científica, Instituto de Investigação Agronómica, Estação Zootécnica, etc.. Quais as interligações e a coordenação necessárias para a fecundidade de todas estas instituições? Há, como VV. Exas. verificam, desdobramentos e sobreposições, e até com pequena colaboração entre eles, e alguns até se hostilizam. Tudo isto é uma grande confusão para nós; imaginem VV. Exas. o que pensarão as populações perante a actuação isolada de tantos técnicos diferentes e cada um tentando soluções nem sempre afins ou compatíveis.
5 Intervenção dos Estudos Gerais Universitários na solução do problema através da investigação, da criação de campos de treino para estudantes, etc..
Aqui ficam, pois, estas sugestões envoltas nas minhas melhores esperanças, pois creio que esta Assembleia não quererá, certamente, assumir a grave responsabilidade de acolher com indiferença um tema de tão decisiva importância e flagrante actualidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Sou informado pelas Comissões designadas para fazer o estudo da proposta de lei da caça de que esse estudo não é fácil desde que a Assembleia esteja a funcionar, uma vez que as Comissões não podem funcionar durante o funcionamento efectivo do plenário. Dizem-me, e eu compreendo, que precisam de tempo para fazer o estudo da proposta de lei.
Por isso mesmo e por estar convencido de que têm razão, não marcarei a próxima sessão plenária senão para quarta-feira dia 2 de Fevereiro. Peço às Comissões que apressem, na medida do possível, o estudo da proposta de lei, que vai constituir objecto da ordem do dia da próxima sessão.
Essa sessão realiza-se, como acabo de dizer, no dia 2 de Fevereiro, à hora regimental. E para o estudo da proposta de lei informo VV. Exas. de que a primeira sessão das Comissões se realizará amanhã, às 15 horas e 30 minutos, tencionando ainda as Comissões reunir as vezes indispensáveis para chegar a soluções fundamentadas relativamente ao estudo da proposta de lei da caça.
A próxima sessão realizar-se-á, repito, no dia 2 de Fevereiro, tendo por ordem do dia a discussão na generalidade da proposta de lei da caça.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Artur Correia Barbosa.
D. Custódia Lopes.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Hirondino da Paixão Fernandes.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
António Júlio de Castro Fernandes.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D Maria de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.

O REDACTOR - Luís de Avilles

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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