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292 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 14

ralista para o socialismo pode comportar, mas que implica ambiguidades ainda a clarificar durante os debates constituintes, de modo a tornar patente o essencial da escolha, ou escolhas, a fazer pelos Deputados representantes das grandes correntes de opinião dó eleitorado, no momento de votarem.
Uma recusa se recorta em pano de fundo dos projectos: a do Estado ditatorial fascista, que se quer para sempre desaparecido como espectro e pesadelo para o nosso povo. Seria, entretanto, de desejar que todos aqueles que repudiam sistemas totalitários, quaisquer que eles sejam, assumam nesta Assembleia o compromisso de respeitarem, agora e sempre, a legitimidade democrática, ponto de honra dos partidos que depois do 25 de Abril têm cooperado no processo revolucionário desencadeado, movido e conduzido pelo MFA.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda o recente Plano de Acção Política aprovado pelo Conselho da Revolução repudiou em termos expressos qualquer forma ditatorial e violenta de passagem para o socialismo em Portugal, o que, inequivocamente, é uma profissão de fé antitotalitária. Que a Constituição Política recuse em termos também inequívocos, na sua letra e no seu espírito, uma absolutização do Poder - e particularmente sob a espécie de partido único -, tal é a exigência da imensa maioria do povo português. Não basta, neste aspecto, uma simples homenagem que o vício eventualmente preste à virtude. Do texto constitucional escrito à praxis política os exemplos de discrepância abundam. Não se trata de fazer processos de intenção, mas apenas de prevenir o que poderia ser tarde remediar. E não há remédio que valha quando ele é pior do que o próprio mal.
Toda a lei, a começar pela constitucional, é simultaneamente a expressão de uma situação histórica concreta e a tentativa da sua inflexão ou modelagem em função de um projecto ou projecção normativa no futuro, mormente no caso de uma mutação revolucionária profunda, como a que abalou a sociedade portuguesa, de alto a baixo e de baixo a alto. Foi o que o Presidente da República quis acentuar no seu discurso inaugural, ao referir-se à especial dificuldade d.º legislador constitucional em conjuntura de revolução em curso - e tanto mais quanto este curso é complexo e aberto. O facto de não irmos elaborar uma Constituição definitiva, mas provisória, se lhe demarca limites no alcance e no tempo - limites que, pelo que nos diz respeito, desejaríamos ver reduzidos ao mínimo indispensável - não lhe retira importância nem validade, antes pelo contrário. Do que for desde já consolidado como alicerce seguro das conquistas conseguidas ou a vir poderá resultar o perfil mais longínquo daquele Estado de direito a que aspiramos e por que lutaram tantas gerações de antifascistas. Antes de mais, porque não se trata - apesar do Pacto - de aprovar uma carta constitucional outorgada, mas de fazer uma verdadeira Constituição, sujeita, embora, a revisão posterior, uma vez a sua vigência esgotada. Em segundo lugar, porque o próprio contexto de crise de superação e crescimento do processo revolucionário que actualmente vivemos impõe uma formulação, e mesmo reformulação, das coordenadas que hão-de enquadrar o seu desenvolvimento próximo. E, finalmente, porque é do exemplo de exercício da democracia representativa pelos eleitos do povo, a começar pela sua capacidade de captar e de transpor constitucionalmente as aspirações majoritárias, que a eficácia pedagógica da experiência democrática de construção do socialismo no nosso país poderá resultar viável: e seria essa uma das maiores vitórias da revolução portuguesa.
Por isso os projectos que se inspiram de uma tentação minoritária, seja ela vanguardista ou passadista, padecem de um voluntarismo tendencialmente autoritário, que tenta impor-se como um molde e não como um modelo à realidade, enquanto os projectos oriundos dos partidos majoritários, e, portanto, melhor enraizados nas populações, dão necessariamente uma expressão mais genuína e democrática à vida política nacional, na sua feição progressista e pluralista: da proximidade de tais projectos poderá sair a base de uma Constituição duradoura, que corresponda a um largo consenso dos cidadãos, neste momento e nestas circunstâncias, permitindo o cumprimento da missão histórica do Movimento do 25 de Abril.

Importa não esquecer que a Constituição da II República Democrática, em cuja génese participámos, tentando fazer passar a revolução da adolescência à maturidade, se elabora em termos muito diferentes das Constituições, mesmo as mais radicais, do liberalismo e da I República (1822, 1838 e 1911), não só porque corresponde à emergência das classes trabalhadoras da cidade e do campo na cena política, ao lado das classes médias (umas e outras vítimas da plutocracia monopolista e fascista em vias de liquidação), mas porque as transformações operadas nas estruturas do Poder pela expropriação do grande capital financeiro e latifundiário criaram condições para que de uma democracia política se caminhe para uma democracia económica, social e cultural, que configuram, segundo o nosso Partido, a via social-democrática para o socialismo. A Constituição deve, pois, assegurar, ao lado dos direitos, liberdades e garantias pessoais, todos os direitos concretos no domínio do trabalho, da segurança social, da habitação, da saúde, do ensino, etc., para além de definir as estruturas da propriedade dos meios de produção a instaurar num Estado em transição para o socialismo, desde as empresas nacionalizadas ao sector ainda privado.

Não nos parece, entretanto, de aceitar a tese, que aqui foi defendida pelos representantes de dois partidos minoritários, da necessidade de dar prioridade na sistematização constitucional à constituição económica, quer no sentido material, quer no sentido formal. Tal tese deriva, com efeito, em linha recta, do materialismo histórico marxista, segundo o qual são as infra-estruturas económicas que determinam em última instância as superestruturas jurídicas e políticas. Mas note-se que mesmo para Marx: não se tratava de um determinismo estrito, dado que dialecticamente . também as superestruturas reagiriam sobre a base económica. Foi a degenerescência do materialismo histórico-dialéctico em economismo dogmático e vulgar que levou, segundo o próprio Engels, os marxistas mais apressados a cair na simplificação das ideias de que ele e Marx eram em todo o caso responsáveis. Gostaria de citar aqui uma sua passagem., que se diria, aliás, dirigida a alguns dos jovens marxistas presentes neste hemiciclo: « A responsabilidade», escreve Engels, «do facto de os jovens darem mais peso que o