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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

SEXTA-FEIRA, 11 DE JULHO DE 1975 * NÚMERO 15

SESSÃO N.º 14, EM 10 DE JULHO

Presidente: Ex.mo Sr. Henrique Teixeira Queiroz de Barros

Secretários: Ex.mos Srs. António Duarte Arnaut
Carlos Alberto Coelho de Sousa
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia: - Foi aprovado o n.º11 do Diário da Assembleia Constituinte, com as rectificações já apresentadas em sessões anteriores.
Foram apresentadas rectificações ao suplemento ao n.º13 do Diário da Assembleia Constituinte, no que se refere aos projectos de Constituição do Partido Comunista Português, do Centro Democrático Social e do Partido Socialista. Foram igualmente apresentadas rectificações ao n.º14 do Diário e ao suplemento a este número, estas em relação ao projecto de Constituição do Partido Popular Democrático.
Deu-se conta do expediente.
Foram lidos requerimentos dos Srs. Deputados: Júlio Francisco Miranda Calha (PS) e Américo dos Reis Duarte (UDP).
O Sr. Presidente leu o texto de um telegrama de felicitações que enviou à Assembleia de S. Tomé e Príncipe, que foi sublinhado com aplausos da Assembleia.
Foi lido o texto de um telegrama do Sr. Deputado Américo Duarte (UDP) congratulando-se com a independência de S. Tomé e Príncipe, com o pedido de que o mesmo fosse perfilhado pela Assembleia, o que foi rejeitado.
O Sr. Deputado António Arnaut (PS) usou da palavra para se referir à situação política do momento, designadamente a certa frustração da população em relação ao processo revolucionário e às limitações das liberdades fundamentais do cidadão e do arguido
O Sr. Sottomayor Cardia (PS) referiu-se à plataforma constitucional assinada entre os partidos e o MFA, e fez considerações ao comunicado emanado da Assembleia do MFA, bem como a comunicados procedentes do PCP e MDP/CDE pedindo a dissolução da Assembleia.
Os Grupos Parlamentares do PPD e do CDS requereram, nos termos regimentais, o prolongamento do período de antes da ordem do dia, o que foi aprovado pela Assembleia.
O Sr. Amaro da Costa (CDS) referiu-se ao acordo de plataforma forma constitucional firmado entre os partidos e o MFA, interrogando-se sobre o seu valor actual.
O Sr. Américo Duarte (UDP) repudiou as palavras do Sr. Deputado António Arnaut e referiu-se n actuação do PCP, saudando em seguida as novas Repúblicas da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique e focou os problemas que afectam os desertores e os deficientes das forças armadas, apresentando seguidamente uma proposta sobre os dois últimos pontos.
O Sr. Emídio Guerreiro (PPD) referiu-se ao projecto emanado da Assembleia do MFA, fazendo a sua análise crítica.
O Sr. Carlos Brito (PCP) acusou alguns partidos de tentarem transformar a Assembleia Constituinte numa Assembleia Parlamentar, referindo-se em seguida aos insultos proferidos contra o MFA, que levaram os Deputados do PCP a retirar-se da Sala das Sessões.

Ordem do dia: - A Assembleia apreciou os pedidos para os Srs. Deputados José Angelo Ferreira Correia (PPD), Domingos José Barreto Cerqueira (CDS) e Etelvina Lopes de Almeida (PS) serem autorizados a comparecer em juízo, a hm de deporem como testemunhas.
Prosseguiu o debate na generalidade tendente à aprovação de um sistema geral de Constituição, com base nos projectos e propostas apresentados. Usou da palavra o Sr. Deputado Vital Moreira (PCP) que apresentou à Assembleia uma proposta metodológica.
Posta à apreciação da Assembleia, foi rejeitada, tendo usado da palavra sobre este assunto os Srs. Deputados Vital Moreira (PCP), António Macedo (PS), Lopes de Almeida (PCP2, Jorge Miranda (PPD), João Lima (PS), Luís Catarino (MDP/ CDE), Olívio França (PPD), Angelo Meloso (PCP), Santos Silva (PPD) e Carlos Brito (PCP).
O Grupo Parlamentar do PCP requereu, nos termos regimentais, a interrupção da Assembleia durante trinta minutos.
Reiniciados os trabalhos, entrou-se de novo na ordem do dia.
Usou da palavra o Sr. Deputado Freiras do Amaral (CDS).
O Grupo Parlamentar do MDP/CDE fez uma declaração justificativa do seu abandono dos trabalhos durante o período de antes da ordem do dia.
D Grupo Parlamentar do PCP fez uma declaração de voto relativa à sua posição no que se refere à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Vital Moreira, rejeitada pela Assembleia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 55 minutos.

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298 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 15

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à geral responderam os seguintes Srs. Deputados:

ADIM - MACAU

Diamantino de Oliveira Ferreira.

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António Francisco de Almeida.
António Pais Pereira.
António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Carlos Galvão de Melo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Domingos José Barreto Cerqueira.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Luís de Sá Malheiro.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Manuel José Gonçalves Soares.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.
Maria José Paulo Sampaio.
Victor António Augusto Nunes Sá Machado.

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
José Manuel Marques do Carmo Mendes Tengarrinha.
Luís Manuel Alves de Campos Catarino.
Manuel Domingos de Sousa Pereira.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
Américo Lázaro Leal.
Ângelo Matos Mendes Veloso.
António Branco Marcos dos Santos.
António Dias Lourenço da Silva.
António Joaquim Gervásio.
António Malaquias Abalada.
Carlos Alfredo de Brito.
Dinis Fernandes Miranda.
Eugênio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos Pais.
Francisco Miguel Duarte.
Georgette de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Hilário Manuel Marcelino Teixeira.
Hipólito Fialho dos Santos.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Honrado.
José Alves Tavares Magro.
José Carlos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
José Pinheiro Lopes de Almeida.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Maria Alda Nogueira.
Vital Martins Moreira.

PPD

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Abílio de Freitas Lourenço.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Alfredo António de Sousa.
Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
Antídio das Neves Costa.
António Cândido Jácome de Castro Varela.
António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Maria Lopes Ruano.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Armando António Correia.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Eleutério Manuel Alves.
Emanuel Nascimento das Santos Rodrigues.
Emídio Guerreiro. Fernando Adriano Pinto.
Fernando Alberto Matos Ribeiro da Silva.
Fernando Barbosa Gonçalves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
Germano da Silva Domingos.
João António Martelo de Oliveira.
João Baptista Machado.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Manuel Ferreira.
Joaquim Coelho dos Santos.
Joaquim da Silva Lourenço.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José António Camacho.
José António Nunes Furtada Fernandes.
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
José Cantos Rodrigues.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra.
José Ferreira Júnior.
José Francisco Lopes.
José Gonçalves Sapinho.
José Manuel Afonso Gomes de Almeida.
José Manuel Burnay.
José Manuel da Costa Bettencourt.
José Manuel Nogueira Ramos.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Manuel Coelha Moreira.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Magia Augusta da Silva Simões.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.
Mário Campos Pinto.
Mário José Pimentel Saraiva Salvado.

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11 DE JULHO DE 1975 299

Miguel Florentino Guedes de Macedo.
Nívea Adelaide Pereira e Cruz.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.
Olívio da Silva França.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Sebastião Dias Marques.
Victor Manuel Freire Boga.

PS
Adelino Augusto Miranda de Andrade.
Adelino Teixeira de Carvalho.
Afonso do Carmo.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Álvaro Neto órfão.
Amarino Peralta Sabino.
Amílcar de Pinho.
António Alberto Correia Mota Prego Faria.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
António José Gomes Teles Grilo.
António José Sanches Esteves.
António José de Sousa Pereira.
António Mário Diogo Teles.
António Pereira Rodrigues.
Armando Assunção Solares.
Artur Cortez Pereira dos Santos.
Aquilino Ribeiro Machado.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Alberto Leitão Marques.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Emídio Pedro Aquedo Serrano.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Faustino Correia.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Eurico Teimo de Campos.
Fernando Alves Tomé dos Santos.
Fernando José Capêlo Mendes.
Florival da Silva Nobre.
Francisco Carlos Ferreira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
Isaías Caetano Nora.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo Silva Pereira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Joaquim Gomes.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
João do Rosário Barrento Henriques.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim Laranjeira Pendrelico.
Jorge Henrique das Dores Ramos.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Fernando Silva Lopes.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio Pereira dos Reis.
Ladislau Teles Botas.
Laura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Luís Manuel Cidade Pereira de Moura.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Luís da Silva Lopes Roseira.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel de Brito de Figueiredo Canijo.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Vieira.
Manuel Joaquim de Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Mário António da Mota Mesquita.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário de Castro Pina Correia.
Mário de Deus Branco.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro Manuel Natal da Luz.
Raquel Júdice de Oliveira HowelI Franco.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Manuel. Mendonça Cordeiro.
Rui Manuel Polónio de Sampaio.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Sophia de Mello Breyner Andresen de Sousa Tavares.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vasco da Gama Fernandes.
Vítor Manuel Brás.
Vitorino Vieira Dias.

UDP

Américo dos Reis Duarte.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 234 Srs. Deputados, pelo que temos número suficiente, e declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

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300 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 15

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos entrar no período de antes da ordem do dia, que terminará às 16 horas e 40 minutos. Começaremos por pôr à aprovação formal definitiva o Diário, n.º 11; tinha sido votado e n.º 10. Portanto, se alguém se opõe à aprovação do Diário, n.º 11, agradecia que se levantasse ou que se manifestasse de alguma maneira.

O Diário, n.º 11, está aprovado. Recebem-se reclamações quanto ao Diário, n.º5 12 e 13. Já há alguns pedidos de rectificação na Mesa sobre o Diário, n.º 11, cuja distribuição está ainda incompleta.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não é sobre o n.º 14, mas sim sobre o suplemento ao n.º 13, que contém o Projecto de Constituição do Partido Comunista Português.
Começamos por notar, com surpresa, que a transcrição foi feita não a partir da cópia oficialmente entregue, nos termos regimentais, ao Presidente da Assembleia Constituinte, mas sim a partir de publicação feita no Avante! da semana passada ...

O Sr. Presidente: -Peço desculpa de interromper, mas lastimo isso profundamente. Não tinha ainda observado. Evidentemente que deveria ser feito a partir da cópia que foi entregue na Mesa.

O Orador: - ... o que multiplicou o número de gralhas razoavelmente previsíveis no Diário da Assembleia Constituinte.
Em primeiro lugar, o suplemento não inclui o índice de títulos, capítulos e artigos que fazia parte integrante da cópia do projecto oficialmente entregue.
Para além disso, é a seguinte a lista das correcções a fazer:
P. 34 «,Preâmbulo», col. 1.ª, l. 12 e 13, onde se lê: «resistência antifascista, de todo o povo», deve ler-se: «resistência antifascista de todo o povo».
P. 36 [:artigo 9.º (2), a)] , onde se lê: «sistemas sociais e políticas diferentes», deve ler-se: «,sistemas sociais e políticos diferentes».
P. 36 [artigo 9.º (2), e)] , onde se lê: «nem: ameaça da força», deve ler-se: «nem à ameaça da força».
P. 36 [artigo 9.º (2), g)] , onde se lê: « do interesse e respeito mútuos», deve ler-se: «do interesse e do respeito mútuos».
P. 37 [artigo 16.º (3)], onde se lê: «ou tipos de cultura», deve ler-se: «os ,tipos de cultura».
P. 37 [artigo 16.º (5)], onde se lê: «colónia», deve ler-se: «coloria».
P. 37 [artigo 18.º, c)], onde se lê: « de qualquer país», deve ler-se: «ou de qualquer país».
P. 38 [artigo 28.º (2)], onde se lê: «Os Estado protege os trabalhadores portugueses», deve ler-se: «As pessoas jurídicas, associações, colectividades».
P. 39 [artigo 36.º (2)], onde se lê: «inscrever a participar», deve ler-se: «inscrever e participar».
P. 39 [artigo 36.º (3)] , onde se lê: «cuja categoria se encontra», deve ler-se.: «cuja categoria se encontre».
P. 41 [artigo 43.º (6)], onde se lê: « da cultura e da arte nacional», deve ler-se: « da cultura e da arte nacionais».
P. 41 [artigo 46.º (2)], onde se lê: «exercício de cargos de responsabilidade política», deve ler-se: « exercício de cargos de direcção».
P. 41 [artigo 46.º,(2)], onde se lê: «e tenham sido membros», deve ler-se: coou sido membros».
P. 43 [artigo 65.º (2)], onde se lê: «eleitor», deve ler-se: «eleito».
P. 45 [artigo 74.º (2)], onde se lê: «ou por sessões», deve ler-se «ou par secções ou comissões».
P. 47 [artigo 92.º (1)], onde se lê: «poulares», deve ler-se: «populares».
P. 47 [artigo 93.º (3)] , ande se lê «tribunais especializados deve ler-se: «tribunais especializados,».
P. 48 [artigo 100.º (1)], acrescentar a seguinte alínea: « e) Organizações populares, a que se referem os artigos 61.º, X62.º e98.º»
P. 49 [artigo 101.º (4)], onde se lê: «aumentos de despesas», deve ler-se: «aumento das despesas».
P. 49 (artigo 103.º), substituir o texto pelo seguinte:
i1. A iniciativa legislativa na Câmara dos Deputados compete aos Deputados, através de projectos de lei, e ao Governo, através de propostas de lei.
2. A iniciativa legislativa poderá pertencer também às organizações populares referidas no artigo 61.º, nos termos e com os efeitos previstos na respectiva dei.
3. O Governo poderá requerer à Câmara dos Deputados prioridade na discussão das suas propostas de lei, que só poderá ser recusada no caso de estar já em discussão algum projecto ,de lei sobre a matéria.

P. 49 (artigo 104.º), onde se lê: «artigo 62.º», deve ler-se: «artigo 61.º».
P. 49 [artigo 107.º (1)], onde se lê: «Câmara dos Deputados», deve ler-se: «pela Câmara dos Deputados».
P. 49 [artigo 108.º (3)], onde se lê: «tomará medidas», deve ler-se: «tomará as medidas».
P. 50 [artigo 118.º (4)], onde se lê: «chefe de estado-maior», deve ler-se: «Chefe de Estado-Maior».
P. 50 [artigo 1.1,8.0 (5)], onde se lê «chefes dos estados-maiores», deve ler-se: «Chefes dos Estados-Maiores».
P. 51 [artigo 1,19.º (6)], onde se lê: «Governo», deve ler-se: Governo
P. 51 [artigo 120.º (1)], onde se lê: «.n.º 5,», deve ler-se: « n.º 4».

O Sr. Presidente: - Bem, realmente a lista de erros é deplorável. Tenho que apresentar as minhas desculpas ao PCP. Os serviços consultados informam que, efectivamente, recorreram a um exemplar do Avante!, mas que trazia emendas que supunham fossem fidedignas e que pudessem servir, mas, como se acaba de verificar, não serviam.
Tem mais alguma reclamação a fazer?

Pausa.

Como o n.º 14 acaba de ser distribuído, achamos melhor que fique para a próxima sessão.

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O Sr. Secretário: - Há na Mesa alguns pedidos de rectificação ao Diário da Assembleia Constituinte, que passo a ler:
Rectificação ao Diário da Assembleia Constituinte, n.º 14, apresentada pelo Deputado Manuel Gusmão (PCP):
Na p. 293, coluna da direita, na l. 10.º a contar do fim intercalar entre «Deputados» e membros o seguinte: «(salvo pelos ...»
Na mesma página e na mesma coluna, na l. 9.ª, deve ser colocado um parêntesis [)] a seguir a sistematização.
Em nome do Grupo Parlamentar do PPD solicito as seguintes rectificações ao texto do Projecto de Constituição publicado em suplemento ao n.º 14 do Diário da Assembleia Constituinte:
1) No Preâmbulo, onde está, a 1. 3.º, «que libertou», deve ler-se: «que o libertou».
2) No artigo 8.º, n.º 5, após «Câmara dos Deputados», deve aditar-se: «sob proposta das respectivas assembleias regionais».
3) No artigo 14.º, onde se lê: «constantes das leis, das regras aplicáveis», deve ler-se: «constantes das leis e das regras aplicáveis».
4) No artigo 15.º, n.º 2, onde se lê: «sexto», deve ler-se: «sexo».
5) No artigo 91.º, n.º 1, onde se lê: «14 de Maio», deve ler-se: «14 de Março».
6) Os artigos para que se fez remissão, e que por lapso não foram indicados, são:
No artigo 71.º, n.º 2, o artigo 66.º;
No artigo 108.º, n.º 14, o artigo 92.º;
No artigo 120.º, n.º 1, o n.º 14 do artigo 108.º;
No artigo 121.º, o artigo 92.º;
No artigo 152.º, n.º 1, o artigo IV;
No artigo I, n.º 2, o artigo 92.º;
No artigo III n.º 2, o artigo 81.º

Pelo Grupo Parlamentar do PPD, Jorge Miranda.

Pausa.

Já que estamos no período de rectificações, aproveito para fazer uma, aliás sem grande importância, que não foi notada por nenhum dos Srs. Deputados, no nosso Regimento.
O último título está como sendo o título 7.º, mas é o título 6.º.

Pausa.

Há um requerimento do Sr. Deputado Vital Moreira, que pede, nos termos do n.º 5 dó artigo 30.º, a publicação, em suplemento ao Diário da Assembleia Constituinte, da acta das reuniões da Comissão de Sistematização, que se junta.

O Sr. Presidente: - Mais pedidos de rectificação?

O Sr. Freitas do Amaral (CDS): - Sr. Presidente: Era só para dizer que, no que toca ao Projecto de Constituição do CDS, há também, no suplemento ao Diário da Assembleia, numerosas gralhas, mas são tantas que eu me dispenso de as indicar oralmente, e oportunamente farei chegar à Mesa.

O Sr. António dos Reis (PS): - Sr. Presidente: Nós também temos algumas rectificações a gralhas que vêm no nosso projecto de Constituição publicado no suplemento do Diário, pelo que oportunamente faremos chegar à Mesa essas rectificações.

O Sr. Presidente: - Vamos então dar conhecimento do expediente dirigido à Assembleia durante este período.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

O Sr. Secretário: - De Ponte de Sor, de João José Gil, uma cópia de uma carta enviada ao Ex.mo Sr. Presidente do Instituto de Reorganização Agrária de Eivas, dando conta da forma como se estão a fazer certas ocupações naquela região.
Uma fotocópia enviada ao Fundo de Fomento da Habitação, em resposta a mais um inquérito feito ao sector da construção civil e empresas da Urbizan Construções Civis.
Dezoito telegramas da comissão e núcleos do Partido Popular Democrático, apoiando a Assembleia Constituinte e manifestando a confiança nos Deputados eleitos pelo povo de Guimarães, Vermoim, Porto, Loulé, Albufeira, Lagos, Salir, Vila Pouca de Aguiar, Viana do Castelo e freguesia do Socorro (Lisboa).
Mais quatro telegramas da Juventude Social-Democrática do Porto, da zona D de Lisboa, Penafiel e Figueira da Foz.
Mais catorze telegramas de núcleos de trabalhadores do Hotel Algarve, Hospital de S. João, Móveis Carapucinha, do núcleo de trabalhadores da Plessey Automatic Portuguesa, da Portomar e da comissão de moradores da Condora.
Mais três cartas individuais também do mesmo teor.
Um telegrama da comissão distrital do Porto do Movimento Democrático Português MDP/CDE, que refere que «reunida, nos termos estatutários, em 6 de Julho de 1975, exprime o seu vivo apoio, apreço e solidariedade pela luta esforçada dos nossos activistas Deputados na Assembleia Constituinte e o seu respectivo grupo de apoio, com vista a impedirem que tal Assembleia seja utilizada pelas forças contra-revolucionários como instrumento da paralisação do processo revolucionário e de divisão do movimento popular de massas».
Uma carta de Maria Luísa Vasconcelos protestando contra a injustiça que resultou, para os pequenos proprietários, da promulgação da lei de arrendamento rural.
Da Sr.ª Sara Geraldes, do mesmo teor também e com o mesmo conteúdo.
Do Sr. José António Rodrigues de Sousa, dizendo que tinha 180 contos, produto das suas magras economias, que foi ao banco para as depositar e o funcionário lhe disse para comprar acções e agora ficou sem o dinheiro e sem as acções.

Risos.

Catorze telegramas de várias origens manifestando total apoio a esta Assembleia.
Carta de Joaquim Saraiva do mesmo teor.
Carta de Maria Pinto Vieira, dizendo que muito se fala na emancipação e nos direitos das classes trabalhadoras, mas que nada se fala das pessoas que ela

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considera as mais desfavorecidas e humildes, que são os beneficiários de modestas pensões do Montepio.
Do Sr. Álvaro Eugênio Pereira Condinho, revolucionário de 5 de Outubro de 1919, segundo diz, e vítima do autocratismo de Salazar e de Caetano, focando, o problema grave dos aposentados.
Moção dos trabalhadores da Applied, que não foi referida na última sessão em virtude de não estar assinada e ainda de o Sr. Presidente e a Mesa terem deliberado que não seriam lidos nem referidos documentos enviados não assinados.
Mas, porque o Sr. Deputado da UDP referiu a existência deste documento numa das suas últimas intervenções, o Sr. Presidente achou que o documento em causa deveria ser mencionado, ciada a garantia do Deputado da UDP de que se tratava de um texto verídico.
Vai ler-se.

Foi lido. É o seguinte:

Os trabalhadores ida Applied vêm à Assembleia representar os 250 000 desempregados que existem no nosso país. A dura luta que tem sido travada pelos desempregados apenas fez com que o Governo tapasse os olhos à classe com um miserável subsídio, que, para além de não ser dado a todos os desempregados, não, resolve de forma nenhuma os problemas daqueles que o recebem.
Estamos desempregados há já doze meses, vivendo tremendas dificuldades. Temos recebido um magro subsídio, mas até esse agora foi retirado à maioria das operárias, como: as operárias que têm menos de seis meses de caixa e as que têm os maridos a ganhar nasais de 8000$. Além disto, apesar de este subsídio ser uma grande burla, só é dado durante seis meses.
Isto acontece um ano após o 25 de Abril, porque não se tomaram quaisquer medidas enérgicas contra o desemprego, contra a sabotagem económica e contra a exploração vergonhosa das multinacionais imperialistas.
Os Srs. Deputados vão elaborar a nova Constituição. Aos Srs. Deputados, eleitos como, representantes do povo português, exigimos que na Constituição seja assegurado o direita ao trabalho como um direito que não pode ser negado a nenhum trabalhador. Exigimos que nela seja perfeitamente claro que nenhum trabalhador passe fome ou viva na miséria. Exigimos que nela seja bem. explícito que os trabalhadores portugueses não vivam na dependência das multinacionais estrangeiras.
E porque o nosso problema é real e precisa de solução urgente, porque a fábrica pode ser posta a trabalhar com o mesmo ou outro produto, abrindo assim novos postos de trabalho, exigimos que a, Assembleia transmita instruções ao ,Governo no sentido da imediata reconversão da fábrica, visto isto ser uma forma de abrir caminho no combate ao desemprego.
É esta a grande luta dos desempregados, à qual exigimos que os Srs. Deputados não fiquem indiferentes.
Os Trabalhadores da Applied.

O Sr. Secretário: - Foi recebido um convite da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa no sentido de o Presidente desta Assembleia Constituinte a representar na secção, daquela Assembleia, marcada para 1 e 9 de Outubro próximo. Foi respondido que naquela data, em princípio, a assembleia Constituinte deverá ter encerrado os seus trabalhos. Mas se assim não acontecer, por ter sido prolongado o seu período de funcionamento, possibilidade que a lei prevê, pediria à Assembleia que designasse uma delegação para essa representação. Foi também pedido, por intermédio do Ministro Magalhães Mata, emanado do Secretário Geral dos Grupos Parlamentares da EFTA, que a Assembleia Constituinte se fizesse igualmente representar na reunião marcada para os dias 13 e 14 de Outubro, em Genebra. Foi dada a mesma informação relativa ao outro convite.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à leitura de alguns requerimentos presentes na Mesa, que, cosmo de costume, seguirão o seu destino

Foram lidos, são os seguintes:

Requerimento

Considerando que a ocupação de propriedades agrícolas não cultivadas e pertencentes a absentistas foi um passo em frente dado pelos trabalhadores mais no sentido de uma reformulação agrária que implique reestruturação do sector agrícola de maneira a que a terra pertença a quem a trabalha.
Considerando que a ocupação de grandes latifúndios foram machadadas grandes no capitalismo e nos pilares remanescentes do fascismo.
Considerando que a reforma agrária terá de se reger por objectivos que a coloquem ao lado de pequenos e médios agricultores e trabalhadores, mais, verdadeiras vítimas do favoritismo que o estado fascista deu aos latifúndios.
Mas, considerando, no entanto, que muitas ocupações que ultimamente se estão a efectuar dizem respeito a pequenos proprietários, que as cultivam e deste modo aproveitam totalmente, e que se chega ao extremo de ocupar as ditas propriedades para as utilizarem e venderem o gado e aproveitar a boa exploração já feita, e que esta actuação, de facto oportunista, para não dizer mais nada, vem chocar com o problema fundamental da batalha da produção, que a todos diz respeito, venho por este meio requerer informações concretas sobre a política do Ministério da Agricultura e Pescas a curto e médio prazo nos problemas candentes de:
Ocupação de propriedades;
Política geral do Ministério.
Júlio Francisco Miranda Calha (PS).

Requerimento

Considerando que Elmano Alves foi presidente da fascista ANP e um dos mais destacados dirigentes e responsáveis da ditadura fascista;
Considerando que a libertação de Marcelo Caetano e Américo Tomás foi apresentada ao povo português como sendo da responsabilidade do fascista Spinola
Considerando que o fascista Elmano Alves saiu calmamente do País, de avião e com passaporte;

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Considerando que Elmano Alves era tão fascista como os 88 pides fugidos de Alcoentre: A União Democrática Popular requer que o Governo esclareça:
1) Qual a entidade a quem cabe a responsabilidade da autorização de Elmano Alves sair para o Brasil;
2) A quem cabe a responsabilidade da passagem de passaporte ao presidente da ANP;
3) Se o Conselho Superior da Revolução tinha conhecimento de tal facto.
Américo dos Reis Duarte (UDP).

Requerimento

1.º Considerando a justa luta que os operários da Applied Magnetics vêm a travar há já um ano pelo direito ao trabalho, que se insere na lua do povo pelo pão;
2.º Considerando a situação desesperada em que se encontram os mais de 300 000 desempregados existentes neste momento em Portugal e de que os 640 operários da Applied Magnetics são um bom exemplo;
3.º Considerando que a justa luta dos operários da Applied dura já há um ano sem que o Governo, e em especial o Ministério do Trabalho, tenham tomado em mãos o propósito de solucionar o seu caso;
4.º Considerando que a política de rapina imperialista é uma das principais causas do desemprego existente e da situação económica portuguesa, situação essa que só pode ser combatida por uma firme e intransigente política de independência nacional, como alguns sectores do MFA já têm afirmado;
5.º Considerando que o despedimento colectivo desses 640 operários da Applied é prova bem clara da grande exploração e desprezo que sempre caracterizou a actuação do capital americano, e mais em geral do capital estrangeiro, para com os trabalhadores portugueses;
6.º Considerando que é inadmissível que os patrões estrangeiros continuem descaradamente a explorar a mão-de-obra portuguesa, para depois lançarem os operários na miséria, abandonando Portugal quando e como querem, sem que nenhuma medida contra estas atitudes vergonhosas das multinacionais imperialistas tenha sido travada;
7.º Considerando que o Ministério do Trabalho desde há um ano que vem a dizer que o problema está em vias de solução, ao mesmo tempo que trata com desprezo os operários desempregados da Applied;
8.º Considerando que é necessário que esta Assembleia estabeleça na Constituição que vai elaborar o direito ao trabalho, e que por outro lado garanta que o povo e a economia portuguesa não vivam na dependência das multinacionais estrangeiras, o que só se conseguirá avançando na luta pela independência nacional;
9.º Considerando que até agora o capital estrangeiro e o domínio económico imperialista não foram abalados num tostão sequer;
10.º Considerando finalmente a justa aspiração das operárias da Applied em reconverter a produção da sua fábrica, para poderem de novo trabalhar;
Requeiro que o Governo me informe:
1.º Medidas tomadas ou a tomar para resolver a situação crescente de desemprego, e ao mesmo tempo o direito ao trabalho;
2.º Medidas tomadas ou a tomar para assegurar a reconversão da Applied Magnetics, ou de outras fábricas em idêntica situação;
3.º Qual o departamento governamental responsável por estes assuntos;
4.º Quais as medidas que pensa tomar em relação à atitude criminosa de empresas de capital estrangeiro;
5.º Quais as empresas que possuem no seu capital uma participação estrangeira superior a 25 %;
6.º Quais as empresas que possuem no seu capital uma participação estrangeira superior a 50 %;
7.º De que é que vivem os desempregados ao fim de seis meses, quando lhes é retirado o magro subsídio que recebiam?
8.º Os desempregadas que descontavam há menos de seis meses para a caixa de que é que vivem?
9.º Quais as medidas tomadas ou a tomar em relação ao subsídio de desemprego.

Américo dos Reis Duarte (UDP).

O Sr. Presidente: - Eu desejaria dar conhecimento à Assembleia do texto do seguinte telegrama que enviei há pouco à Assembleia Constituinte de S. Tomé e Príncipe:
Em meu nome pessoal e na convicção de que interpreto o sentir da Assembleia a que tenho a honra de presidir, mandatária que é do povo português, saúdo essa Assembleia Constituinte e através dela todo o povo de S. Tomé e Príncipe, exprimindo a certeza de que dotareis o vosso novo e nobre país do estatuto que lhe permita avançar liberto de todas as formas de colonialismo, que conduz à emancipação humana, ao progresso social e ao desenvolvimento económico.

A Assembleia, de pré, aplaudiu vibrantemente

O Sr. Presidente: -Temos na Mesa um texto do Deputado da UDP, relativo também à próxima proclamação da independência de S. Tomé e Príncipe.
Foi lido. È o seguinte:

Ao Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe

Ao povo de S. Tomé e Príncipe

O povo de S. Tomé e Príncipe, dirigido pela sua vanguarda, o MLSTP, vê coroada de êxito toda a sua heróica luta e resistência ao longo de vários séculos frente ao domínio colonial-fascista exercido pela burguesia portuguesa.

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A resistência que ofereceu à exploração e à ferocidade do colonialismo e do fascismo está bem patente no que foi o massacre de Batepá, cuja data é hoje celebrada feriado nacional. Nesse dia mais de mil trabalhadores foram mortos pelos colonos portugueses, apoiados na tropa colonialista então chefiada por Carlos Gorgulho.
É com emoção e grande respeito que saudamos o povo de S. Tomé e Príncipe e a sua vanguarda, o MLSTP, neste dia grande da sua independência, não deixando nunca de recordar que a luta dos povos das colónias e dos seus movimentos de libertação foi a força decisiva para a queda da ditadura fascista em Portugal.
Viva a independência de S. Tomé e Príncipe! Viva o MLSTP!
Viva o povo de S. Tomé e Príncipe!

O Deputado da UDP, Américo dos Reis Duarte.
O Sr. Presidente: - Este texto aparece assinado pelo Sr. Deputado, mas a Mesa presume que o Sr. Deputado desejaria que fosse enviado em nome desta Assembleia, o que exige uma apreciação. Dou a palavra a quem quiser usar dela a este respeito.
Em primeiro lugar, diz que tomará a forma de uma moção. Está admitida, pois a Mesa tem poderes para a admitir.

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Nós queremos dizer que votamos contra a admissão da moção.

O Sr. Presidente: - A admissão é privilégio da Mesa.
Esta moção, nos termos do nosso Regimento, não tem discussão. Precisamos ide saber, apenas, a opinião da Assembleia. Se a Assembleia votar favoravelmente, o telegrama será expedido, não em nome do seu proponente, mas em nome da Assembleia. Se não votar, o Deputado tomará a atitude que entender.
Vai ser posta à votação.
Posta à votação, foi rejeitada, com 1 voto a favor e 5 abstenções.

O Sr. Presidente: - Podemos agora dar a palavra aos Deputados que a pediram no período de antes da ordem do dia. Resta-nos já menos de meia hora e temos sete inscrições. É, portanto, óbvio que, se cada Deputado usar os quinze minutos a que tem direito, como máximo, o tempo não chegará para estas intervenções. Isto leva-me a fazer um apelo a que restrinjam o mais possível as suas considerações, em benefício daqueles que pediram a palavra a seguir.
Ora, pela ordem das inscrições, os nomes são os seguintes:

António Arnaut, Sottomayor Cardia, Amaro da Costa, Manuel Alegre, Basílio Horta, Américo Duarte, Emídio Guerreiro e Carlos Brito.

Portanto, tem a palavra o Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS):- Sr. Presidente: Se deixo, por momentos, essa tribuna onde me foi dada a honra de colaborar com V. Exª. e a oportunidade de admirar a sua intocável probidade - e retomo a minha plena qualidade como Deputado do Partido Socialista para falar a esta Assembleia, é apenas porque tenho algo de muito importante a comunicar-lhe e que a minha consciência cívica e revolucionária me não permite calar.
Senhores Deputados:
A revolução que nós, os antifascistas de sempre, sonhámos nos longos anos de angústia da ditadura, não é, em certos aspectos, a revolução vivida. Vai-se apoderando do povo português um pernicioso sentimento de frustração. Em alguns casos, a esperança transformou-se em cepticismo e noutros em velada ou franca hostilidade.
Isto é tremendamente nefasto para a revolução socialista e democrática que queremos levar avante, de forma irreversível, para libertarmos a nossa terra e o nosso povo de toda a sorte de exploração e de opressão.
O socialismo é mais do que a liberdade, em termos abstractos, porque é a libertação integral do homem, e não se compadece com quaisquer formas de injustiça, abuso do poder ou prepotências.
E o povo, que na sua inteligência «serena e lúcida», como escreveu Eça, adivinha, para lá das boas intenções, certos desvios ao recto caminho da revolução, o povo, que não come ideologias e repudia o pão ázimo que todos os dias, marteladamente, órgãos de informação estaduais lhe querem impingir, começa a perder a confiança, a descrer nas ideias e nos homens, começa a ter medo do seu futuro imediato ...
Já não falo na grave crise económica e na subida galopante do custo de vida que atinge sobretudo as massas trabalhadoras deste país. Não falo no desemprego e no problema grave dos «deslocados». Não falo na insegurança social, política e jurídica, no anarcopopulismo, no sectarismo de órgãos da informação, na própria deterioração das relações humanas ...
Quero falar apenas na ostensiva e, por vezes, impudica falta de respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais.
O meu ofício, Srs. Deputados, é o de advogado. No desempenho da minha profissão, defendi, sempre gratuitamente, alguns antifascistas e visitei-os nas cadeias da PIDE.
Julgava eu que essa época tenebrosa, de prepotências, arbítrios, delongas e dolorosas prisões sem culpa formada, era apenas uma página negra do passado. Página que não devemos arrancar, para que jamais se apague da memória dos homens alguns de memória tão curta - esse rol infamante de atrocidades ...
Porém, Srs. Deputados, fui vítima nas últimas semanas de actos e atitudes que reputo gravemente ofensivos dos direitos fundamentais da pessoa humana, para defesa e garantia dos quais também se fez a revolução. Actos, portanto, genuinamente contra-revolucionários, por se filiarem na raiz totalitária que os homens do 25 de Abril quiseram definitivamente arrancar da terra portuguesa. Actos que, objectivamente, não servem a revolução e aproveitam à reacção, por irem minando a confiança do povo.
Um velho companheiro de luta antifascista, que passou anos amargos nas masmorras da PIRE e veio comigo para a rua, nos dias seguintes ao 25 de Abril, saudar entusiasticamente, com a força da nossa alma liberta, a revolução triunfante, foi preso na dia 28 de Maio, por acaso o dia do aniversário de uma filha;

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às 7 horas da manhã - e não às 5 da tarde, como a Lorca -, forças militarizadas cercaram-lhe a casa, arrancaram-no da cama e conduziram-no à Penitenciária de Coimbra. Do mandato de captura, assinado pela autoridade militar, constava a acusação de pertencer a uma «associação de malfeitores
Um destes domingos tentei visitá-lo, como seu advogado, a sina solicitação e da mulher. Os guardas da cadeia informaram-me, porém, que ele estava entregue às forças armadas e que só estas podiam autorizar a visita. Um guarda encarregou-se de obter telefonicamente a necessária autorização, mas, incrivelmente, esta foi negada, sem qualquer explicação.
Nesta altura os Deputados do MDP/CDE abandonaram a Sala.

Vejo que os meus camaradas do MDP/CDE abandonaram a Sala. O problema é deles, mas este camarada antifascista de que estou a falar militou no MDP/CDE,

Apupos da Assembleia e das galerias.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia! ... Peço a atenção da Assembleia! ... Deixem falar o orador.

Vozes: - Abaixo a reacção! Abaixo a reacção! Abaixo a reacção!

O Orador: - Calma, amigos, calma!
Neste momento os Deputados do PCP abandonam a Sala. Ouvem-se diversas vozes: Fascista! Fascista!

Aplausos. Assobios.
Manifestações das galerias.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia.

O Orador: - Está na bancada do Partido Comunista um camarada que se acolheu várias vezes a minha casa.
Sr. Presidente: Agora que também os Deputados comunistas, ou melhor, os Deputados do Partido Comunista abandonaram a Sala, aqueles que são contra a liberdade, eu só quero dizer, antes de continuar, que há naquelas bancadas do Partido Comunista gente que se acolheu em minha casa, que, nos duros anos do fascismo, procurou abrigo na casa modesta de um camarada antifascista como eles, e agora abandonam esta Assembleia, mostrando à evidência que eles não sabem sentir e compreender a palavra «liberdade».
Porque saíram da Sala esses Deputados? Um dia o povo português responderá.

Aplausos. Pateada.

O Sr. Presidente:- Informo o orador que tem apenas dois minutos para a sua intervenção.

O Orador:- Chamo a atenção do Sr. Presidente, aliás com todo o respeito, que não me deve ser descontado o tempo nem dos aplausos, nem das manifestações do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Terá um pequeno acréscimo.

O Sr. Américo Duarte (UDP): - Viva a classe operária!

Vivas das galerias.

O Sr. Presidente: - As galerias não se podem manifestar.
Nesta altura o Deputado da UDP abandona a Sala.
Manifestações vibrantes das galerias.

O Sr. Presidente: - Peço às autoridades que evacuem as galerias.

O Orador: - Bem, Srs. Deputados, este meu amigo e antifascista desde sempre, que sofreu às garras da PIDE, que foi torturado e julgado, esse de quem vos falava está agora, ou estava ainda há poucos dias, a fazer a greve da fome na prisão de Pinheiro da Cruz, perto de Grândola, essa terra que diz a canção ser da fraternidade.
Eu temo bem que esse meu companheiro de luta não resista, porque ele é, infelizmente, dotado de saúde débil. Mas não é só esse caso que eu vos queria relatar.
Outro também, detido na Penitenciária de Coimbra, acusado também de pertencer a uma associação de malfeitores, pediu o meu patrocínio, mas de igual modo a autorização me foi recusada ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem mais dois minutos.

O Orador: - Há dias tentei visitar um condiscípulo meu, enclausurado há mais de um mês em Caxias, mas também sem resultado, pois, ao que ali me informaram, está incomunicável .. .
O facto mais grave e insólito, que me levou a fazer esta intervenção, vou relatá-lo de seguida:
No dia 30 de Junho dirigi-me à sede da Comissão de Extinção da PIDE/DGS/LP em Coimbra, para visitar um cidadão detido na Penitenciária daquela cidade, acusado, outros sim, de pertencer a uma «associação de malfeitores». Este tipo de acusação, diga-se de passagem, que era o normalmente usado pela PIDE, parece estar de novo em voga ...
Depois de mais de uma hora de espera e de deambulação entre o Quartel-General e o edifício daquela Comissão (onde funcionou a PIDE até ao 25 de Abril) consegui ser recebido pelo Sr. Capitão Pereira da Costa, presidente da dita Comissão em Coimbra.
Identifiquei-me à sentinela, a quem entreguei o meu bilhete de identidade e expus ao que ia. Pouco depois fui introduzido numa sala onde aquele oficial se encontrava, sentado à secretária, rodeado por uma dezena de graduados. Sem a menor cortesia para um advogado que ali estava no exercício das suas funções, como era do seu perfeito conhecimento - nem sequer se levantou quando o cumprimentei -, disse-me logo, secamente, à guisa de sentença inapelável: «Indeferido, indeferido!»
Tolhido de surpresa pela agressividade da recepção e do tom peremptório da sua voz, que não estou habituado a ouvir de pessoas responsáveis, tentei explicar-lhe que estava ali como profissional a solicitar autorização para visitar um constituinte, aliás, meu conterrâneo, que tinha o elementar direito de ser assistido por um advogado.
O Sr. Capitão ripostou no mesmo tom e postura de quem não está disposto a ouvir as razões dos outros,

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ainda que se trate de cidadãos enclausurados sem culpa formada e de um advogado consciente da sua alta função de servidor do direito e da justiça: «Indeferido, indeferido!»
Perguntou-me então quem era o meu constituinte e, quando eu lhe declinei a sua identidade, não conseguiu ocultar os seus profundos sentimentos, bradando-me, na presença dos outros militares que ali se encontravam:
- O senhor presta-se a defender um tipo desses?!
Como o Sr. Capitão persistisse na negativa, dando mostras de enfado pela minha presença, continuando descortesmente a remexer em papéis que tinha na sua secretária, perguntei-lhe se, ao menos, me podia explicar as razões da sua atitude. Respondeu-me desabridamente que não tinha explicações a dar-me.
Então, fazendo um último esforço para não perder a serenidade, disse-lhe claramente que ele estava a violar a lei e os direitos fundamentais da pessoa humana, pelos quais eu vinha lutando desde sempre e que, em longos anos de actividade profissional e de luta antifascista, era a primeira vez que uma pessoa ou autoridade responsável me tratava de forma insolente.
O Sr. Capitão olhou-me enruborecido e vociferou esta enormidade:
- Rua, rua! Saia já daqui!
Expulso assim por um elemento responsável do Exército, quando procurava desempenhar a minha função de advogado, creio que os Srs. Deputados compreenderão todos a indignação que este comportamento insólito me causou, numa altura em que seria legítimo esperar o fim da prepotência e do arbítrio.
Como está chegado o fim, eu quero dizer que sempre me bati por esses direitos que agora aqui vim defender e noutra altura em que pensava que me era legítimo que fosse ouvida » minha voz e quero-vos dizer que eu luto e continuarei a lugar, como disse o nosso camarada do Partido Socialista José Magalhães Godinho, para que se não manche a pureza desta Revolução e porque eu sou um antifascista desde sempre.
Sou um antifascista de sempre, quer dizer, de ontem e de hoje!

(O orador não reviu.)

Este discurso foi proferido na tribuna dos oradores.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia, a quem peço »possível brevidade

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, pedia palavra para me ocupar de um facto que está traumatizando o País profundamente e poderá desencadear interpretações e comportamentos incontroláveis. O que vou dizer exprime o pensamento do Secretariado Nacional do Partido Socialista e refere-se ao documento aprovado de madrugada na última Assembleia, do M MFA.
Trata-se de um texto contrário ao Programa do MFA e à Plataforma de Acordo Constitucional subscrita pelo MFA e diversos partidos. Corresponde ainda a uma tomada de posição geradora de muitos equívocos e ambiguidades. E representa sobretudo um desprezo formal pela vontade popular expressa nas eleições de 25 de Abril. Isso obriga o PS a tecer os seguintes comentários:
1.º A «orgânica» e as «normas estatutárias» propostas no documento não visam, na realidade, estabelecer bases para a aliança povo-MFA; adiantam um esquema de organização do Estado. Ora, esse esquema, que é, aliás, matéria constitucional, não favoreceria, a concretizar-se, a aliança entre povo e forças armadas, mas conduziria a um generalizado mal-estar da população perante o poder militar se não ao divórcio entre o povo e o MFA.

Neste momento regressam à Sala os Deputados do PCP.

2.º Para a elaboração e aprovação da lei constitucional elegeu o País a Assembleia Constituinte, que para tanto dispõe dos necessários poderes de soberania, como órgão democraticamente representativo do povo português. E o único democraticamente representativo do povo português.
3.º É verdade que sobre certos pontos precisos da futura organização do Estado a Assembleia Constituinte se encontra limitada na sua capacidade de decisão. Mas tal limitação é unicamente a que decorre da Plataforma de Acordo Constitucional e de nada mais. Ora, acontece que o documento aprovado na Assembleia do MFA colide frontalmente com disposições da Plataforma. Nesta se prevê a existência de um Presidente da República ao qual são atribuídos poderes efectivos; pelo contrário, o documento não apenas omite esse órgão de soberania, mas afirma explicitamente que «o Conselho da Revolução é o órgão máximo da soberania nacional». Nenhuma lei assim o ,definiu relativamente ao período provisório que se vive e não é isso que decorre da Plataforma Constitucional, onde expressamente se prevêem até casos de supremacia da Assembleia Legislativa sobre o Conselho da Revolução em matéria de competência legislativa. Que significa então chamar-lhe «órgão máximo da soberania nacional»?
Igualmente se viola a Plataforma Constitucional quando se pretende instituir uma Assembleia Popular Nacional formada por eleição em quarto ou quinto grau e a partir de votação por braços levantados. Ora a Plataforma claramente estabelece que «a Assembleia Legislativa será eleita por sufrágio universal, directo e secreto». De acordo com a Plataforma, a eleição dessa Assembleia verificar-se-á pouco depois da entrada em vigor da Constituição, e não em tempo «distante», como pretende o documento agora publicado.

Nesta altura volta a ocupar o seu lugar na Sala o Deputado da UDP.

4.º Numerosas são as disposições previstas no documento que invadem o domínio da competência próprio da Assembleia. Constituinte, à qual competiria, por exemplo, definir, o estatuto das comissões de moradores, das comissões de trabalhadores, das instituições de poder local, municipal e distrital ou
regional
5.º E extremamente grave que o documento proponha a institucionalização das comissões de moradores constituídas na actual forma e pretenda perpetuar eleições por braço levantado. Igualmente inquietante se revela a preocupação de tutelar militarmente não

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só essas comissões de moradores, mas as próprias comissões de trabalhadores. Completamente diversa é a concepção do PS sobre as associações de moradores e comissões de trabalhadores. Prova-o o Projecto Constitucional do PS, onde se propõe que as comissões de trabalhadores sejam eleitas em plenário de trabalhadores por voto directo e secreto e as comissões de moradores igualmente eleitas, após convocação pública, por sufrágio directo e escrutínio secreto, entre todos os recenseados, moradores na respectiva zona, por listas concorrentes, procedendo-se ao apuramento pelo método proporcional.
Por que receará o documento a eleição democrática? Ou não será a Assembleia do MFA composta por delegados democraticamente representativas das bases do Movimento?
6.º Embora protestando não ser sua intenção «militarizar o povo», o documento propõe, na prática, uma militarização da vida política. Que significa a «participação física do MFA nas assembleias municipais e distritais pelas ADU's, nas regionais pelas ADR's e nas nacionais pela AMFA», sabendo-se que as ADU's e ADR's são ou resultam das assembleias de unidades das forças armadas? E como interpretar a afirmação de que a «melhor garantia para se obter este objectivo (a construção da sociedade socialista) é ser o MFA, movimento suprapartidário, a acompanhar e incentivar este processo, apoiando-o, integrando-o e reconhecendo as organizações que, pela prática, o justificarem»? Esta é uma concepção de cunho abertamente paternalista, inspirada da teoria das vanguardas ditas revolucionárias, de que a história regista os resultados. Que competência assiste à Assembleia do MFA para pronunciar uma decisão sobre o destino do País contrária ao voto popular?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - 7.º É verdadeiramente estranha a tentativa de converter as comissões de trabalhadores e moradores em instrumentos de polícia e mesmo em instituições de «autodefesa».

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem mais cinco minutos para a sua intervenção e findos esses cinco minutos terminou o período de antes da ordem do dia.

O Orador: - Mas afigura-se ainda mais chocante a «constituição junto aos órgãos de poder popular local de um tribunal popular para resolução de problemas não criminais». Que problemas não criminais serão levados a esses tribunais populares? Provavelmente, não o contencioso civil. Certamente, não o administrativo ou militar. Será o delito político? Nesse caso, como evitar se caísse num Estado tipicamente policial?
Eu passo à frente um parágrafo e, por conseguinte, vou continuar ...
9.º Algumas das análises e propostas políticas contidas no documento reproduzem teses irrealistas, mas perfeitamente identificadas com as difundidas por partidos e grupos minoritários. Será admissível entender-se que vivemos ainda numa «economia privada dominada peio capital monopolista, que paralisa o desenvolvimento da produção»? Que se pretende em rigor por «um novo aparelho de Estado de base popular»?
Porquê destruir e não proceder a uma profunda transformação do aparelho de Estado? Além do mais, como não reconhecer o risco de um desmantelamento da vida social portuguesa, particularmente grave no momento em que se proclama a necessidade de vencer a batalha da produção? E que significa «criar uma organização de massas que, no momento actual, dentro de uma perspectiva correcta da luta de classes, congregue unitariamente os trabalhadores»? Porquê uma só organização dessas?
10.º Não é de facto um «documento guia de acção prática das unidades militares e organismos populares» de acordo com «a própria dinâmica do processo» este texto saído da Assembleia do MFA. As soluções propostas não são, aliás, exequíveis no que aparentemente têm de popular. Esta redução do País a um organigrama híbrido serve, no fundo e apenas, de cobertura à instauração de uma ditadura.

Vozes: - Apoiado! Não apoiado!

O Orador: - Por definição e pela força das coisas, essa não será nunca uma ditadura do MFA. Mas percebe-se que poderia ser imposta pelos sectores minoritários militares. Essa ditadura parecer-se-ia muito com a que saiu da revolução russa de 1917, que também partiu do poder dos sovietes para a destruição dos sovietes ...

Apupos e assobios.

... - e os sovietes tinham tradição .na história revolucionária russa - e dissolveu a Assembleia Constituinte, :transferindo os seus poderes para a Assembleia Pan-Russa dos Sovietes. Nada haveria aí de original. Nada de progressivo. Corresponderia a uma concepção de socialismo que a si mesmo se desvirtuou e autodestruiu para dar origem a um capitalismo de Estado autocrático.

Apupos.

Melhor se compreende, deste modo, a razão por que o PCP distingue agora «os oficiais progressistas do MFA» dos que o não são.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos. Apupos.

O Orador: - Há ainda militares reaccionários no MFA, como pretende o PCP?

Apupos e vozes discordantes.

O Sr. Presidente: - Peço o favor de tomarem atenção. Não podem interromper o orador.
O Orador: - Eu não admito agora interrupções. Depois, terei muito gosto em ouvir as vossas intervenções.
E porque se arrogai o PCP a competência de avaliar do progressismo dos elementos do MFA? São progressistas e detêm o monopólio do progressismo os que defendam as teses do PCP? É essa uma manobra divisionista que visa pôr em, causa a coesão do MFA.
Vozes discordantes.

O Orador: - Sr. Presidente: Eu passo outro parágrafo e vou concluir.

Apupos.

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O Sr. Presidente: - Não podem interromper o orador. Peço o favor de o deixarem concluir.

O Orador: - Esta é a posição do Partido Socialista, tomada em reunião do Secretariado Nacional, realizado na noite de ontem.
Lendo esta manhã os jornais, pudemos todos tomar conhecimento das primeiras interpretações e comportamentos incontroláveis a que inicialmente aludi. Bases do PCP e do MDP, ...

Apupos

... partidos da coligação, reclamam a dissolução desta Assembleia Constituinte, onde os seus partidos se encontram representados. Uma questão que se afigura difícil não levantar: é essa a posição dos Srs. Deputados Comunistas aqui presentes? Ou, sobre tão importante matéria, verificou-se um tão extremo divórcio entre as cúpulas parlamentares e algumas bases desses partidos, habitualmente tão disciplinados?

Apupos

Mas nem é isto o mais grave. O que verdadeiramente inquieta no documento da Assembleia do MFA é que ele vai ser promovido pela demagogia reinante a estatuto de verdadeira Constituição da República Portuguesa.
A autoridade do Governo Provisório sabe-se qual é, a do próprio Conselho da Revolução frequentemente se desrespeita. Quem manda neste país?

Vozes: - O povo!

O Orador: - Para que serve a Constituição que esta Assembleia vai aprovar?

Vozes discordantes

O Sr. Presidente: - Peço o favor de não interromperem o orador.

A Aplausos e apupos.

O Orador: - Quem imporá o seu acatamento?
Sem autoridade não há revolução. Mas a autoridade, confirmamo-la cada dia que passa, só pode ter eficácia se for legitimada pela vontade popular. Queremos comprometer a revolução em aventuras suicidas? Ou vamos institucionaliza-la no respeito do voto popular? Todos os esforços do PS se dirigem no sentido de fazer o povo participar da revolução. Mas para isso é necessário que quem ocasionalmente fala em nome da revolução e parece conduzi-la aceite que o povo possa participar da revolução. E essa participação só pode obter-se por via democrática. Senhores cuja identidade só parcialmente conheço (gera-se grande burburinho), para onde quereis arrastar este país tantas décadas massacrado pela ditadura?

Aplausos e apupos.

O Sr. Presidente: - Pede-se a atenção da Assembleia. Encontra-se terminado o período destinado a antes da ordem do dia.

Pausa.

Estão na Mesa dois requerimentos, que vão ser lidos.

Foram lidos. São os seguintes:

Requerimento do PPD

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Constituinte:
Em nome dos dez Deputados signatários que representam o Grupo Parlamentar do PPD, requeiro o prolongamento do período :de antes da ordem do dia, nos termos do artigo 43.º do Regimento.
(Seguem-se dez assinaturas ilegíveis.)

Requerimento do CDS

Nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do Regimento da Assembleia Constituinte, temos a honra de requerer a V. Ex.ª o prolongamento por mais ume hora do período de antes da ordem do dia, tendo em conta a intervenção do Deputado Amaro da Costa, que consideramos relevante.
(Seguem-se dez assinaturas ilegíveis.)

O Sr. Presidente: - Ora, estes requerimentos são do mesmo teor e ambos satisfazem o requisito de conter dez assinaturas. Vão ser, portanto, postos à votação.

Submetidos à votação, foram aprovados, com 29 votos contra e 2 abstenções.

O Sr. Presidente: - Nos termos que estatui o nosso Regimento, durante esse prolongamento será concedida prioridade no uso da palavra a um dos Deputados de cada um dos partidos com oradores inscritos. Portanto, concederemos a palavra ao Deputado Amaro da Costa pelo CDS, Manuel Alegre pelo PS, Américo Duarte pela UDP, Emídio Guerreiro pelo PPD e Carlos Brito pelo PCP. Mais uma vez peço, se possível, que abreviem esta intervenção, no sentido de não tirarem tempo aos Deputados que se seguem para todos terem possibilidade de intervir. Tem, portanto, a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Revolução do 25 de Abril abriu as portas à democracia política através do Programa do Movimento das Forças Armadas. Foi a partir desse documento histórico que se tornou possível a legalização de forças políticas que durante muitos anos desenvolveram na clandestinidade a sua luta antifascista e foi também a partir dele que se tornou viável a mobilização partidária de largos extractos do povo a quem, até então, a política pouco ou nada dizia.
O Programa do MFA foi, assim, o salvo-conduto que permitiu aos portugueses ensaiarem os primeiros passos da vivência democrática. Vivência que só na aceitação das tensões próprias da liberdade tem sentido. Vivência que exige a diferença, o respeito mútuo, o contraste das opiniões e das ideologias, aquilo, afinal, a que alguns, já talvez cansados da nossa firme luta pela consolidação das liberdades concretas, chamam a «mania do pluralismo».

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A Revolução do 25 de Abril foi, antes do mais - há que proclamá-lo -, a revolução da liberdade.
Liberdade para os povos de África decidirem sobre o seu futuro, constituindo-se como Estados na identidade da sua própria consciência nacional.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Por voto secreto.

O Orador: - Liberdade para os portugueses decidirem, sem tutelas de espécie alguma, do seu futuro e do dos seus filhos. No dia em que a Revolução Portuguesa tiver esquecido este firme ideal da liberdade de cada povo e de cada pessoa, nesse dia a Revolução terá cedido às pressões contra-revolucionárias. No dia em que a Revolução deixar esbater, na generosa luta pela democratização social e económica, os traços vigorosos da democracia política, nesse dia a Revolução estará morta. E a reacção terá obtido a sua primeira e maior vitória. Com a conivência ou a cobardia do CDS isso não se fará.
A partir do Programa do MFA organizaram-se os partidos políticos,...

Apupos.

... regulamentou-se de forma justa e livre a actividade da imprensa, promulgou-se uma quase perfeita lei eleitoral e realizaram-se as primeiras eleições em liberdade, depois de quase cinquenta anos de ditadura. Foram conquistas muito importantes do primeiro ano da Revolução: conquistas que honram os compromissos dos homens do MFA, conquistas que temos, a todo o custo, de defender. Sombras houve, algumas delas bem graves, no terreno que separa os textos legais da realidade prática. No controvertido campo da informação, por exemplo, muitos estaremos de acordo, inclusivamente com grande número de jornalistas, de que é ainda extenso o caminho á percorrer, se não é que ele se vai tornando cada vez mais longo. Mas essas sombras não podem fazer-nos cair na injustiça que seria a de ignorarmos as conquistas da democracia política até 25 de Abril de 1975.
E a própria dinâmica da democracia política ajudou, porventura, a que os pressupostos económicos e sociais da verdadeira liberdade fossem trazidos à luz do dia. As lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida foram postas perante a consciência de toda a colectividade. A liberdade não é compatível com a exploração ou com a opressão do homem pelo homem ou da homem pelo Estado. Essas lutas dos trabalhadores mostraram, claramente, que o 25 de Abril continha em si, não s6 o gérmen de uma revolução liberal, mas, mais do que isso, a semente de uma autêntica revolução política em todos os seus aspectos: económicos, sociais e culturais. Os desequilíbrios gerados na sociedade, obrigando à recriação dos próprios fundamentos da autoridade, vinham provar que o 25 da Abril não abria, apenas, as portas à democracia política, mas impunha a construção solidária e livre de um novo projecto social e económico aferido e avalizado pelo próprio povo. Povo que - não o esqueçamos - durante meses viu repetida, diante de si, a esclarecedora palavra de ordem de que o voto era a sua arma.
A conquista de um novo fundamento para a autoridade não se improvisa de um dia para o outro. A autoridade que se baseia na legitimidade democrática e que visa uma profunda revolução política leva o seu tempo a consolidar-se. Talvez os Partidos Socialista e Comunista tenham tido a intuição dessa necessidade. O primeiro ao aprovar no seu Congresso de Dezembro passado uma moção apontando a um diálogo com o MFA a propósito da feitura da Constituição; o segundo declarando em comunicado de 26 de Janeiro que não era cede considerar nem seria possível deliberar sobre a futura Constituição sem ter em conta a opinião do MFA e dizendo ser «indispensável chegar a acordo em tempo sobre tal matéria».
Em Fevereiro passado, o MFA promoveu encontros com os partidos a fim de se estudar, em conjunto, a institucionalização do Movimento, tendo em vista a actividade futura desta Assembleia Constituinte. Interrompido esse diálogo pelo 11 de Março, ele veio a prosseguir em Abril, levando á assinatura da Plataforma de Acordo Constitucional MFA-Partidos Políticos. Todos os partidos representados nesta Assembleia, à excepção de um, subscreveram esse documento. Ao assiná-lo, o CDS ratificou um compromisso que, por seu lado, não deixará jamais de respeitar. Fê-lo na convicção de que o MFA era garante da democracia política e de que a sua presença transitória nos órgãos de Soberania era factor positivo para a recriação da autoridade neste Portugal desequilibrado, na via original para um socialismo português.

O Acordo MFA-Partidos Políticos foi o reconhecimento público e solene de que o Movimento reconhecia nos partidos a legitimidade da representação popular na perspectiva eleitoral e de Governo. E foi também o reconhecimento, por parte dos partidos, de que a presença política do MFA, num período de transição, contribuía para a necessária estabilização da nossa vida institucional, em ordem à plena democracia política. O Acordo MFA-Partidos Políticos foi um contrato escrito entre os representantes do povo e o MFA, foi o espelho das novas responsabilidades então assumidas pelo MFA perante o povo e foi, ainda, o sinal das limitações patriótica, temporária e livremente aceites pelos partidos em nome desse mesmo povo. Tal era a leitura e o entendimento que dávamos e damos à Plataforma de Acordo Constitucional no quadro da aliança Povo-MFA e do recente processo eleitoral.
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Qual é a validade presente desse Acordo? Até que ponto podemos considerar que o MFA lhe atribui ainda importância? Perante a recente publicação, pelo MFA do projecto de estruturação política do País, são legítimas as mais sérias dúvidas.

Onde estamos hoje? De que modo podemos continuar a servir a Revolução? Em que acreditámos e em que queremos continuar a acreditar? Qual é o nosso lugar como Assembleia Constituinte, como Deputados?

Apupos

O Sr. Vital Moreira: - Já ouvi isso aqui hoje ...

O Orador: - Mas vale a pena discutir. As coisas graves discutem-se, não se insultam.

O Sr. Vital Moreira: - Estou só a constatar um facto.

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O Orador: - O Programa do Movimento das Forças Armadas foi a carta do nosso nascimento como membros de organizações partidárias que não mais têm por que se ocultar na sombra ou na clandestinidade; e foi também a carta do nosso nascimento como Deputados à Assembleia Constituinte, como representantes do povo que em nós votou.
A Plataforma de Acordo Constitucional foi o compromisso escrito quanto aos futuros órgãos de Soberania e quanto à substância dos objectivos da Revolução, nos planos social e económico. Nele se afirmava expressamente que a institucionalização do Movimento não visava «substituir ou marginalizar os partidos políticos autenticamente democráticos e empenhados sinceramente no cumprimento do Programa do MFA». Pelo contrário, o que se desejava era «levar a cabo, em liberdade, mas sem lutas partidárias estéreis e desagregadoras, um projecto comum de reconstrução nacional».
O Programa do MFA e a Plataforma de Acordo Constitucional são as nossas cartas de mandato. A primeira abriu-nos para a vida na democracia. A segunda impôs-nos uma solidariedade. Mas até que ponto permanece essa solidariedade do lado do MFA? Como podemos nós, agora, entender o nosso papel? Qual é ele, depois das decisões tomadas pelo Conselho da Revolução e pela Assembleia do MFA? Tem ainda razão de ser a Assembleia Constituinte? Qual o sentido dos nossos debates? Qual a validade e o poder dos futuros órgãos de Soberania em face das estruturas unitárias que se visam criar?
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Não creio que possamos ignorar estas perguntas. O povo que em nós votou, que em nós todos depositou a sua confiança de acordo com a sua ideologia ou com a sua sensibilidade política do momento, esse povo tem o direito de nos exigir a coragem destas perguntas. Não entraremos, aqui, na análise das propostas avançadas, unilateralmente, pelo MFA. Julgamos, no entanto, fundamental que o próprio Movimento com o mesmo espírito e idêntica solenidade, torne a iniciativa de reabrir com os partidos um diálogo franco e leal sobre esta matéria, pois está em jogo o futuro de um Acordo que os Partidos e o MFA em conjunto subscreveram. Este, o convite simples e honesto que queríamos aqui deixar.
Não é sem angústia que o formulamos. Num país onde a incerteza cresce impõe-se obter, até para bem da Revolução, resposta firme e clara às nossas perplexidades. Num país onde as dificuldades económicas aumentam, a instabilidade social se agrava e o contorno das instituições se esbate, neste nosso querido país é justo que a voz dos Deputados que querem cumprir honradamente a sua missão tenha o eco que lhe é devido. De outra forma, o que estaremos aqui a fazer? Como poderá o nosso trabalho ser considerado profícuo e eficaz por aqueles que fizeram a Revolução e pelo povo que nos elegeu?
Porventura - concedo-o sem facilidade - haverá quem diga que não há razão para a nossa perplexidade e menos ainda para a nossa angústia. Se assim for, tanto melhor. Mas as dúvidas e as incertezas acumulam-se: não mais as podemos calar.
Para nós o MFA tem a responsabilidade histórica que assumiu solenemente através do seu Programa e da Plataforma de Acordo Constitucional. Para nós, Deputados centristas, o MFA é, antes do mais, o autor do Programa e o signatário privilegiado da Plataforma. Não há, nesta posição. sombra de conservantismo ou de legalismo superficial. Há o reconhecimento de que a nossa tarefa aqui é a de fazermos uma Constituição. E não a poderemos fazer sem conhecermos com clareza, sem lugar para dúvidas, a autoridade política que passe o paradoxo - é afinal consentida aos Deputados eleitos pelo povo. Ou, de outra forma, corremos o risco de nos chamarem nomes pelo facto de não termos sabido acompanhar a dinâmica do processo ... É bom que saibamos evitar que de nós se diga que aqui discutíamos o sexo dos anjos enquanto lá fora os nossos sonhos de democracia política se abatiam irremediavelmente. Seríamos maus companheiros da Revolução, seríamos maus companheiros do MFA se assim procedêssemos, o povo e a história não nos perdoariam.
Tenho dito.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre, Como a todos os Srs. Deputados, peço o favor de abreviar o mais possível.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas eu prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Américo Duarte.

O Sr. Américo Duarte (UDP): - Tenho dois assuntos para apresentar. Queria em primeiro que fique aqui bem expresso por que razão abandonei há pouco esta Sala. Foi pelas palavras reaccionárias do Sr. Deputado Arnaut, palavras essas apoiadas por declarados fascistas presentes nesta Sala, e não de apoio ao MDP/CDE, filhote do Partido do Sr. Cunhal ...

O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Partido Comunista Português!

O Sr. Dias Lourenço (PCP): - Isso é um insulto. O nome do nosso Partido é Partido Comunista Português. Não admitimos que insultem o nome do nosso Partido.

O Sr. Presidente: - Peço ao orador o favor de moderar as suas expressões e não empregar as que possam ser consideradas ofensivas.

O Orador: - ... ou a esse mesmo Partido, porque ainda me doem as costas da porrada que levei num último plenário dos metalúrgicos no Pavilhão dos Desportos, em que a traição desses senhores esteve bem patente, em que os seus caciques bateram nos operários presentes, que não seguiram a linha traiçoeira desses mesmos partidos.

Uma voz: - Aldrabão!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Democrática Popular considera que existe actualmente em Portugal uma situação inadmissível, e até contraditória, cuja resolução não pode ser adiada por mais tempo.

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Foi com grande alegria e manifestações de júbilo que o povo português viu tornarem-se independentes a República da Guiné-Bissau, a República de Cabo Verde e a República Popular de Moçambique.
Pergunto: ao saudar-se a gloriosa luta das povos das colónias, ao saudarmos os heróis e mártires dessa luta, não teremos nós o dever e a obrigação de nos lembrarmos daqueles que desertaram, contribuindo e apoiando assim a luta desses povos? Não será ridículo que os desertores, que hoje devem ser considerados lutadores anticolonialistas e antifascistas, não tenham ainda visto promulgada uma amnistia total e incondicional, e que actualmente só possam vir a Portugal apenas por um período limitado que é concedido?
Pergunto ainda: aqueles que ficaram deficientes nessa guerra em que a ditadura fascista lançou o País, aqueles que foram obrigados à força a fazer essa guerra assassina e sofreram na carne os seus enfeitas não merecerão apoia?
Porque consideramos absolutamente inadmissível esta situação, propomos, como questão prévia à aprovação da Constituição, a aprovação de uma disposição constitucional que amnistie incondicionalmente todas as desertores, como reconhecimento do que foi a justa posição de se recusarem a participar numa guerra assassina, e o apoio e protecção por parte do Estado Português de todos os deficientes das forças armadas, que foram obrigados a combater nessa guerra criminosa.
Tenho aqui a proposta, que vou apresentar à Mesa.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de disposição constitucional

1 - A República Portuguesa amnistia incondicionalmente todos os desertores da guerra colonial, assim como todos os refractários.
2 - A República Portuguesa obriga-se a dar todo o seu apoio aos deficientes das forças armadas, apoiando com relevo as decisões tomadas em assembleias dos deficientes das forças armadas, promovidas pela Associação dos Deficientes das Forças Armadas, nomeadamente:
a) Uma pensão (indemnização) na base de 4500$ para a deficiente com 25% de incapacidade, sendo acrescida a percentagem de incapacidade aplicada ao ordenado mínimo nacional;
b) Para os grandes deficientes (todos os que não dispensem terceira pessoa), ficarão com direita a uma suplemento equivalente ao ordenado mínimo nacional.

O Sr. Presidente: - Como sabem, no período de antes da ordem do dia não podemos tomar resoluções que não sejam votos de saudação, de protesto, congratulação ou pesar. Não temos poderes ...

O Orador: - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Um momentinho. O Regimento não nos confere poderes para tomarmos outras deliberações.

O Orador: - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente:- Dou sim senhor. Podemos ter porventura errado, mas estamos a tempo de emendar os erros cometidos.

O Orador: - Conforme o vosso Regimento diz (risos) na alínea c) do artigo 42.º, «apresentação e entrega na Mesa de projectos de Constituição e de disposições constitucionais». Isto é uma disposição constitucional.

O Sr. Presidente: - Será enviada à respectiva Comissão e apreciada na especialidade, quando chegar o momento de o fazer.

O Orador: - E mais. Quer esta Assembleia queira, quer não, tem que ser urgentemente resolvido o problema desse mesmo povo. Por conseguinte, tanto me faz que os senhores digam que não, ou que sim, isso está tudo no Regimento.
E há mais um caso. Se os senhores aqui não aprovarem e disserem que foram as vinte e quatro horas, porque tem que vir no Diário da Assembleia, eu, amanhã, volto a apresentar, e todos os dias apresento isto, segundo o que diz a alínea c) do artigo 42.º do Regimento.

O Sr. Presidente: - O que o Regimento diz é que a Mesa pode receber propostas relativas à Constituição, propostas essas, evidentemente, que serão discutidas quando chegar a ocasião de discutir a Constituição. A Mesa não pode fazer mais do que receber a proposta, como, aliás, já fez.
Como já mais de uma vez referi, não é permitido, segundo o Regimento, executar quaisquer votações antes da ordem do dia. O Regimento é expresso.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Emídio Guerreiro.

O Sr. Emídio Guerreiro (PPD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não há dúvida nenhuma de que a cena que se acaba de passar aqui nesta Assembleia é digna de uma estampa da Museu Carnavalé da Revolução Francesa.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Para aqueles que não conhecem o que é o Museu Carnavalé eu devo dizer-lhes que é o Museu da Revolução Francesa.

Risos.

Congratula-se o Partido Popular Democrático de ter seguido ou de ter sido seguido pelo Partido Socialista, no sentido de fazer o seu protesto equivalente ou quase idêntico ao nosso, feito por nós através de um comunicado, esta noite. O Partido Popular Democrático entende, na realidade, que o momento que estamos a atravessar é até um belo momento da revolução portuguesa. E estas dissidências manifestadas nesta Assembleia só provam

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que o Partido Popular Democrático, agindo com esta benevolência, entende que a democracia ainda terá um grande valor em Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O povo português tomou conhecimento através de alguns meios de informação do projecto apresentado pelo grupo de trabalho constituído pelos gabinetes de dinamização dos três ramos das forças armadas e do Copcon sobre a estrutura da Aliança Povo/MFA, aprovado na generalidade na assembleia do MFA de 9 de Julho de 1975.
O Partido Popular Democrático considera que se tal projecto viesse a ser concretizado em textos constitucionais, ficariam, desde já, definidos os principais órgãos de soberania e a orgânica político-administrativa do Estado a todos os níveis. Desta forma ficaria feita parte essencial da Constituição, à margem do povo e dos representantes por ele eleitos e seriam postos em causa o poder legítimo e a missão patriótica da Assembleia Constituinte.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Só esta Assembleia tem legitimidade para definir a estrutura do Estado democrático e socialista que lhe advém de eleições livres, do Programa do MFA e do pacto celebrado com os partidos políticos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Outra atitude corresponderia, em nosso entender, à violação desses compromissos, além de poder acarretar graves consequências no caminho do socialismo democrático.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, uma estrutura vertical de assembleias ditas populares, tal como proposta, seria antidemocrática, em primeiro lugar porque as eleições nas bases não assentariam na, participação livre de todos os cidadãos. Uma participação que só o sufrágio universal e secreto pode assegurar, evitando que as coacções, de minorias activistas possam constituir prática dominante.
Em segundo lugar, porque nas eleições das sucessivas assembleias ditas populares não haveria participação directa da verdadeira vontade popular, uma vez que cada assembleia elegeria uma outra, distanciando-se cada vez mais as cúpulas das suas correias de transmissão, prestando-se às manobras e filtragens que orientariam a composição e ideologia da assembleia de vértice.
Tal sistema, a seu estabelecido, entraria, em confronto aberto com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que é texto constitucional essencial nos termos do Programa do MFA.

Vozes: - Muito bem! Apoiado!

O Orador: - No entanto, isto não significa que o PPD não reconheça a validade de assembleias locais representativas dos interesses das populações, «para discutir assuntos de interesse público, formular perguntas ou recomendações aos órgãos do Estado, das autarquias locais e de instituições públicas em acção nas respectivas áreas ou as associações de moradores para promover a resolução de problemas específicos», como está expresso no artigo 60.º do nosso projecto de Constituição.
O esquema proposto no projecto em causa marginalizaria ainda o estatuto e a acção dos partidos políticos, na medida em que nas estruturas sugeridas não lhes cabe qualquer papel e em que nas eleições das assembleias de base é suposto um apartidarismo inexistente na prática.
Como o comprova a experiência histórica, não é possível a construção democrática de uma sociedade sem a apresentação de diferentes projectos políticos postos à escolha popular, papel esse próprio dos partidos.
Até hoje ainda ninguém contestou que a Aliança Povo/MFA é indispensável para que o processo revolucionário possa ter êxito. O PPD várias vezes o declarou publicamente. Assim, o PPD entende que o esquema proposto, embora possa ter na sua intenção um ideal de democracia directa, não permitira a realidade daquela Aliança, uma vez que o País já manifestou claramente que deseja exprimir a sua participação na vida portuguesa por formas verdadeiramente democráticas.
(Este discurso foi proferido da tribuna dos oradores.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Perante o que se tem passado no período de antes da ordem do dia, não pode o Grupo de Deputados do PCP deixar de manifestar, mais uma vez, a sua preocupação perante a utilização desta Assembleia Constituinte para fins que não são manifestamente aqueles que lhe estão atribuídos.
Através de requerimentos, declarações, propostas de moção, etc., os Deputados de certos partidos têm utilizado esta Assembleia, não para fazer aquilo que unicamente lhe compete - fazer a Constituição -, mas sim para erigir aqui uma tribuna de agitação e propaganda ou para interferir na vida política e administrativa do País. O que se passou há pouco, o que se passou na última reunião, é mais do que suficiente para mostrar que certos partidos, aqui representados, pretendem fazer desta Assembleia Constituinte uma assembleia parlamentar. A maior parte dos requerimentos até agora apresentados, a pedir esclarecimentos a departamentos governamentais, não têm qualquer relação, directa ou próxima, com a elaboração da Constituição. A quase totalidade das declarações aqui feitas a propósito dos assuntos da conjuntura política, como aqueles que ouvimos há pouco, não têm qualquer relação relevante com matérias constitucionais ...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... e quando a tenham, e quando a tenham, eu repito, o seu lugar é no período da ordem do dia, quando se discutir o capítulo ou artigo

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da Constituição com que tenham relação directa. Nenhuma das moções até agora propostas à votação tem qualquer interesse minimamente útil para a elaboração da Constituição.
O PCP considera que a utilização desta Assembleia para fins de propaganda partidária sem qualquer ligação com as tarefas constituintes, ou para interferir na vida política e administrativa do País, é uma violação directa à plataforma constitucional assinada entre o MFA e os partidos e da lei que previu esta Assembleia Constituinte e lhe conferiu única e exclusivamente os poderes necessários para elaborar e aprovar uma Constituição. O PCP considera que tem aqui aplicação a passagem do PAP do Conselho da Revolução, que entendeu dever «tornar publicamente explícito que a Assembleia Constituinte tem como exclusiva atribuição a missão patriótica de elaborar a Constituição Política da nação portuguesa, sendo-lhe vedada» sublinho. «sendo-lhe vedada» - «qualquer outro tipo de interferência oficial na vida política ou administrativa nacional».
0 Grupo de Deputados do PCP tem sempre votado contra a admissão de quaisquer propostas de moção no período de antes da ordem do dia, qualquer que seja o seu conteúdo; e tem-se sempre abstido na votação dessas moções, qualquer que seja o seu conteúdo, pela simples razão de que, não podendo, pelo Regimento, deixar de votar, 56 lhe resta a abstenção para significar a sua discordância em relação ao próprio facto da votação.
O PCP também não tem respondido pelos mesmos motivos - a algumas declarações ou interpelações políticas aqui feitas que o visam directa ou veladamente. Mas o PCP não pode deixar de considerar essas declarações e interpelações como aquilo que verdadeiramente são. acções de agitação e propaganda partidária, aqui feitas abusivamente. O PCP, por seu lado, responderá, quando for caso disso, pelas vias e meios normais das comunicações partidárias.
O PCP não pode deixar de constatar, finalmente, que alguns requerimentos e intervenções aqui feitos traduzem sendo, como são, interpelações directas ou indirectas ao CR, ao Governo Provisório à Administração, traduzem, dizia eu, uma clara interferência na vida política e administrativa do País.
O PCP não pode entender como é que, partidos com assento no Governo Provisório recorrem à tribuna desta Assembleia como meio de apresentação de queixas ou protestos.
O PCP não pode admitir que partidos que não têm assento no Governo - mesmo que se considerem «candidatos naturais» - possam pretender interferir na política governamental e administrativa, utilizando abusivamente esta Assembleia Constituinte.
Os Deputados do PCP repudiam todas as tentativas para transformar esta Assembleia numa Câmara de oposição ao MFA e ao processo revolucionário.

Risos. Aplausos.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Os Deputados do PCP erguem o seu protesto contra os insultos que objectivamente foram aqui dirigidos ao MFA pelo Deputado Arnaut do PS.

Aplausos. Apupos.

Foi o tom insultuoso desse discurso para com os homens do MFA que motivou a nossa retirada da sala.

Aplausos. Assobios.

Algumas manifestações das galerias que, entretanto, não tinham sido evacuadas.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - O grupo de Deputados do PCP, numa firme linha de coerência relativamente à posição que desde sempre adoptou quanto ao período de antes da ordem do dia, tem-se. abstido de utilizá-la, mesmo quando se verificam situações que podem fazer perigar a marcha da revolução portuguesa ou quando se produzem acontecimentos de extraordinário alcance para a sua consolidação e desenvolvimento. Quer quanto a urnas, quer quanto a outras, o PCP encontrou as formas, fora deste lugar, para definir as suas posições, alertar e mobilizar as massas trabalhadoras e o povo português.
O grupo de Deputados do PCP poderia hoje tecer aqui largas considerações acerca das conclusões da última Assembleia do MFA. O Partido Comunista Português já sublinhou através dos seus próprios meios de informação a grande importância dessas conclusões e já lhes manifestou o seu apoio.

Aplausos.

O Sr. Secretário (António Arnaut - PS):- Sr. Deputado dá licença que ü interrompa?

O Orador:- Estou a terminar.

O Sr. Secretário: - Dá licença que faça um aparte, já que se referiu à minha pessoa.

O Orador:- Depois de eu terminar. Estou a terminar o meu tempo.

O Sr. Secretário:- Bom, mas depois de terminar não posso interromper, porque já terminou. Era só para lhe dizer uma coisa, mas fica para outra vez.

O Sr. Presidente: - Só esclareço que o Sr. Deputado esta a pedir licença para interromper, que lhe pode ser dada ou não.

O Orador: - Estou a terminar.
Não utilizamos a Assembleia . Constituinte como um meio de agitação e propaganda partidária.
A nossa tarefa aqui é contribuir para se fazer, a Constituição. Para ela depois contar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com o esforço sério e responsável dos Deputados comunistas.

Apupos. Aplausos.

O Orador: - Um esforço que se dirigirá para a elaboração de um texto constitucional que reflicta todos os avanços do processo revolucionário, todos os anseios das massas trabalhadoras e do povo português, todas as disposições adequadas a um regime de transição para o socialismo, tal e qual como fizemos no projecto de Constituição, que apresentámos e publicámos em tempo oportuno. Entendemos que é

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esta a forma patriótica de nos desempenharmos da missão que nos foi cometida.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Aplausos.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Concluímos as intervenções previstas para este prolongamento do período de antes da ordem do dia. Se não há objecções, faríamos agora um intervalo antes de entrarmos na ordem do dia. Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Entramos no período da

ORDEM DO DIA

O primeiro ponto da ordem do dia, que não foi, aliás, anunciado previamente porque os documentos só chegaram hoje, são pedidos urgentes no sentido de autorizar Srs. Deputados a deporem como testemunhas em tribunais. Se não há objecção, poremos esses pedidos à apreciação; eles não exigem, evidentemente, votação por escrutínio secreto.
O Sr. Secretário vai ler.

O Sr. Secretário:- Do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, pedindo autorização para o Sr. Deputado José Ângelo Ferreira Correia depor como testemunha num julgamento naquela comarca, em 25 de Julho, pelas 11 horas;
Da Deputada Etelvina Lopes de Almeida, pedindo igualmente autorização para depor amanhã como testemunha num processo civil pendente na comarca de Lisboa, às 15 horas;
Do Deputado Domingos José Barreto Sequeira, pedindo também autorização para depor como testemunha no dia 14 do corrente, às 9 horas e 30 minutos, na comarca de Lisboa.

O Sr. Presidente: Se a Assembleia concorda, estes Deputados serão autorizados a depor, a menos que. alguém deseje votar contra.
Os Deputados foram autorizados a depor como testemunhas.

O Sr. Presidente: - A Mesa comunicará aos respectivos tribunais que os Deputados estão autorizados a depor.
Vamos entrar, então, no período propriamente da ordem do dia, que envolve o debate na generalidade tendente à aprovação de um sistema geral da Constituição, com base nos projectos e propostas apresentados. Esses projectos e propostas já foram publicados, embora, infelizmente, circunstância que muito deploro, com muitas gralhas, como já tivemos ocasião de ver. Ficou combinado que se fará uma reedição, a publicar em suplemento, e que, dado que não se trata agora já de um assunto com tanta premência, as provas serão entregues aos representantes de cada um dos partidos, que as reverão.
Para usar da palavra no período da ordem do dia estão inscritos já alguns Deputados. E o primeiro é o Sr. Deputado Vital Moreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira para falar sobre os projectos de Constituição, para o que talvez fosse melhor subir à tribuna.

O Sr. Vital Moreira, (PCP):

Posição do Grupo de Deputados do PCP sobre o modo de efectuar a discussão na generalidade dos projectos de Constituição e das propostas de sistematização da
Constituição.
1. Porque parecem existir dúvidas e interpretações incorrectas do Regimento quanto ao modo de proceder ao debate na generalidade dos projectos de Constituição e propostas de sistematização - dúvidas levantadas desde logo a propósito da intervenção do Deputado José Augusto Seabra (PPD), na sessão de 8 de Junho o PCP entende ser necessário esclarecer o assunto e determinar a metodologia a seguir.
2.Segundo o Regimento - artigo 77.º(2) -, «a discussão na generalidade versa sobre os princípios e o sistema de cada projecto ( ... )». Quer dizer: o debate na generalidade dos projectos de Constituição e propostas de sistematização não pode fazer-se em conjunto para todos os projectos, mas sim para um projecto de cada vez. Cada projecto terá de ser objecto de um debate próprio, independente do debate de outros projectos.
Poderia eventualmente argumentar-se que a expressão «cada projecto», utilizada no artigo 77.º (2), é apenas um modo incorrecto de dizer «os vários projectos», podendo, pois, interpretar-se no sentido de discussão na generalidade do conjunto dos, projectos.
Mas tal interpretação não colhe, e tem de ceder perante o caso paralelo do artigo 81.º do Regimento, onde se volta a utilizar precisamente a mesma expressão - «cada projecto»- a propósito da votação na generalidade, não havendo quaisquer dúvidas aqui de que se trata de votação separada de cada um dos projectos. De resto, a mesma interpretação resulta, sem lugar para dúvidas, do artigo 82.º(votação na especialidade), correspondente ao artigo 77.º(2) (discussão na especialidade), onde se utilizava uma expressão equiparada, se não mais explícita: «cada um dos artigos (...) ou proposta de alteração».
3. Esta solução, não só nos parece absolutamente líquida em face do teor literal e sistemático do Regimento, mas é também aquela que melhor responde aos requisitos de um completo e profícuo debate na generalidade dos projectos de constituição e propostas de sistematização. E isto por dois motivos. Em primeiro lugar, só o debate de cada um dos projectos e propostas, de per si, permite um cabal conhecimento e clarificação dos seus «princípios e sistema» [para utilizar a pertinente linguagem do referido artigo 77.º(2) do Regimento]. Em segundo lugar, o debate dos projectos e propostas em conjunto traduzir-se-ia numa grave limitação do poder de intervenção de cada Deputado e dos grupos de Deputados dos partidos minoritariamente representados, em virtude das limitações que o Regimento impõe às intervenções, ou seja, duas intervenções por Deputado (artigo 55.º), limitadas a vinte minutos na primeira vez e dez minutos na segunda [artigo 60.O(2)], o que seria manifes-

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tamente insuficiente para matéria tão vasta e de tanta importância como é o debate na generalidade dos projectos de Constituição e das propostas de sistematização.
4. Mesmo que se entendesse que o debate dos projectos de Constituição visa apenas permitir uma melhor solução do problema da sistematização - concepção esta que de modo nenhum resulta do Regimento, nomeadamente do seu artigo 3.º, ainda assim a sua importância não precisaria de ser encarecida. Realmente, já ficou exuberantemente demonstrado - quer na Comissão de Sistematização, quer nas declarações de voto dos vários partidos a propósito do parecer dessa Comissão - que a sistematização não é um assunto de mero esquema formal, antes assenta em opções ideológicas e políticas de fundo, que têm a ver com os princípios de cada projecto de Constituição. Por outro lado, a discussão na generalidade dos projectos de Constituição há-de servir, não apenas para efeitos de definição da sistematização da Constituição, mas também, e não menos, para fornecer, desde já, elementos que as «comissões especializadas» (a constituir após a definição do esquema sistemático da Constituição) poderão e deverão tomar em conta na elaboração dos seus pareceres sobre cada título ou capítulo da Constituição. O facto de não haver votação na generalidade dos projectos de Constituição não retira valor ao argumento acabado de indicar: isso apenas pode significar que as comissões valorarão autonomamente o resultado da discussão que tiver havido sobre os«princípios e sistema de cada projecto» [para utilizar de novo a expressão do artigo 77.º (2) do Regimento]
5. Para resumir: o Regimento prescreve e a importância do assunto exige que a discussão na generalidade dos projectos de Constituição se faça separadamente em relação a cada um dos vários projectos apresentados. (Obviamente, isso não implica de modo algum que na discussão de cada projecto não sejam referidos ou tomados em consideração os outros projectos. Pelo contrário: para discutir cada um dos projectos é conveniente ter presentes todos os outros.)
Posto isto, o único método correcto de trabalho é discutir os - projectos de Constituição e as propostas de sistematização por ordem da sua entrega. Como em alguns casos houve entrega prévia de propostas de sistematização e só posteriormente de projectos de Constituição, o meio de evitar dificuldades, de ordenação é tomar como referência os projectos de Constituição, até porque, em alguns casos (nomeadamente PS, CDS e PPD), a sistematização do projecto de Constituição não corresponde inteiramente à proposta de sistematização previamente apresentada pelo mesmo partido. Nestes termos, teríamos a seguinte ordem: MDP/CDE, PS, CDS, PCP, PPD e UDP. A preceder cada debate, o grupo de Deputados do partido respectivo fará a «apresentação sucinta», exigida pelo artigo 54.º do Regimento.
6. De tudo isto resulta o seguinte esquema de trabalhos, que entende-mos ser o único que cumpre o Regimento, para dar cumprimento integral ao artigo 3.º(3) e(4) do Regimento:
1) Debate sobre os projectos de Constituição, incluindo a respectiva sistematização, sucessivamente, MDP/CDE, do PS, do CDS, do PCP, do PPD e da UDP,
2) Votação na generalidade de cada uma das propostas de sistematização, incluindo a da Comissão de Sistematização;
3) Votação na especialidade, se for caso disso, da proposta de sistematização que tiver sido aprovada na generalidade;
4) Determinação do número de «comissões especializadas» e respectiva constituição;
5) Estabelecimento do calendário de apresentação dos pareceres das comissões referidas em (4) e marcação do início dos debates na generalidade sobre o primeiro título, parte ou capítulo (conforme se decidir) da Constituição.

Srs. Deputados, queria ainda apresentar mais uma consideração:
7 - É provável que a já pouco invulgar coincidência de posições que aqui hoje se manifestou tão unida em tratar antes da ordem do dia - alargando-a mesmo - assuntos de conjuntura política do País que estão fora das suas atribuições, leve esses mesmos partidos a não ter esse mesmo entusiasmo em tratar tão extensamente os assuntos da ordem do dia, isto é, precisamente aqueles que directamente dizem respeito à sua única e exclusiva atribuição a de fazer a Constituição.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador. - E talvez até alguns estejam dispostos a violar o Regimento que aprovaram, para evitar a completa discussão e esclarecimento dos princípios políticos e ideológicos de cada projecto. Se isso acontecer - o que sinceramente não esperamos - ficaríamos então a saber quem é que não está interessado em pôr a claro os fundamentos de cada projecto. Quem é que está interessado em que se não veja, claramente isto, que certos projectos violam clara e frontalmente o pacto, que (eles sim!) prevêem órgãos constitucionais não previstos no pacto, que não consagram as conquistas revolucionárias enfim, que aparecem expressamente como projectos os de liquidação da Revolução.
Nós não prescindimos de mostrar isso, e para isso é necessário debater os projectos um a um.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vital Moreira apresentou uma questão que, efectivamente, tem um carácter prévio, visto propor, aliás, de uma forma muito precisa, como de resto era de esperar dele, uma metodologia para apreciarmos os diversos projectos. Evidentemente, julgo ter entendido que isto diz respeito a uma discussão na generalidade, em que cada qual poderia intervir, e quando se trata, nesta fase da nossa discussão, da votação, ele incidiria sobre o tal sistema geral. Segundo julguei compreender, haveria depois dessa discussão uma apreciação dos esquemas apresentados, até à aprovação de um deles, e, se fosse caso disso, para votação na especialidade desde que tivesse sido votado na generalidade. Como essa questão tem de facto um carácter prévio, um carácter metodológico, de condução dos nossos trabalhos, eu gostaria, sem prejuízo dos mais inscritos, nos termos mais breves possíveis, gostaria de ouvir qualquer notação ou

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comentário a este sistema que foi proposto, o mais rapidamente possível para não prejudicarmos os oradores inscritos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vital Moreira pediu a palavra?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não era para uma intervenção, mas para uma evocação do Regimento.
Creio que esta matéria de fixação do que diz o Regimento é da competência da Mesa.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, é da competência da Mesa, o que não obsta que a Mesa possa solicitar o uso de esclarecimento da parte de algum membro de algum partido e depois tomará a sua decisão.

O Sr. António Macedo (PS): - Sr. Presidente: Dá-me a palavra?

O Sr. Presidente: - Faça o favor.

O Sr. António Macedo: - É apenas sobre este ponto que me vou pronunciar, porque as outras considerações marginais do Sr. Deputado Vital Moreira já foram antecipadamente respondidas pelo meu partido.
Mas, quanto ao problema levantado pelo Deputado Vital Moreira, eu quero fazer notar que o Sr. Deputado Vital Moreira se esqueceu de ter presente o preceito que especificadamente regula os nossos trabalhos, quanto ao plano aqui expresso pelo artigo 3.º do Regimento. Quer dizer, o Sr. Deputado Vital Moreira espraiou as suas considerações na base do disposto nos artigos 77.º e 81.º do Regimento. No entanto, há um preceito breve, que é o do artigo 3.º, onde se fixa um plano quanto à apreciação e discussão dos projectos e dos sistemas constitucionais e dos processos de sistematização.
Quer dizer: o Sr. Deputado Vital Moreira evocou o artigo 77.º e o artigo 91.º para demonstrar, segundo ele, que na verdade não poderíamos e não deveríamos discutir em conjunto os projectos ou propostas de Constituição e de sistematização. É diferente o meu entendimento, como membro que fui da Comissão de Elaboração do Regimento. Isto é, segundo essa Comissão, que procedeu ao estudo dos vários projectos de Regimento e depois elaborou um projecto que foi submetido à apreciação desta Assembleia fixou-se um plano segundo o qual esta Assembleia Constituinte devia proceder e devia actuar.
Assim, no primeiro número, era a «apresentação de projectos de Constituição e de propostas de sistematização do texto constitucional» - está cumprido. Segundo aspecto, o n.º 2 do artigo 3.º, «nomeação de comissões, que, tendo em vista os projectos o propostas apresentados, dê parecer sobre a sistematização da Constituição» - está observado. N.º 3 - «debate na generalidade sobre os projectos e proposta e o parecer da Comissão e aprovação pela Assembleia do sistema geral da Constituição» - e aqui é que surge o entendimento, quanto a mim inadequado, do Sr. Deputado Vital Moreira. Quer dizer: o que há a observar é exactamente, nos seus precisos termos, o n.º 3 do artigo 3.º É certo que o artigo 77.º e o artigo 81.º falam em discussão na generalidade, como também na especialidade, sobre cada número do projecto ou parte do projecto.
Ora, o Sr. Deputado Vital Moreira admitiu que houvesse uma incorrecção na redacção destes dois artigos ou uma impropriedade, quer dizer, que não estivesse o texto dos artigos 77.º e 81.º adaptado, à matéria do n.º 3 do artigo 3.ºOra, o que se dá, quanto a mim , é apenas isto: é que, quanto ao n.º 3, não há dúvida nenhuma que tem de se observar nos seus precisos termos, isto é, tem de fazer-se um debate na generalidade do conjunto dos projectos e do conjunto das sistematizações, e isto até pela vantagem que traz o confronto, a conjugação, a definição de linhas gerais em face dos vários projectos, como, caminho aberto para as comissões que vão depois trabalhar sobre os vários projectos que são apresentados. Isto, portanto, não precisou de regulamentação, digamos assim, é o que está expresso no n.º 3 do artigo 3.º Mas já quanto a outro debate e ao debate fixado no n.º 5 do artigo 3.º, quanto a esse debate, então sim, é que já se julgou necessário que houvesse uma espécie de regulamentação, quer dizer: o artigo 77.º e o artigo 81.º nada mais são do que preceitos regulamentares do n.º 5 do artigo 3.º Quando digo regulamentares, funciona como tal, isto é, enquanto o n.º 3 vale de por si e não precisou. de quaisquer linhas definidoras nem regulamentares, o n.º 5 necessitou. E é por isso que eu chamo a atenção dos Srs. Deputados e da Mesa que, no n.º 5, se diz «de cada título ou capítulo da Constituição, como base em todos os projectos e propostas até então apresentados e nos pareceres das respectivas comissões». Quer dizer, no n.º 5 fala-se na votação ou no debate, quer na generalidade, quer na especialidade, votação a respeito de cada título ou capítulo da Constituição, desce-se na verdade ao pormenor de indicar se é por títulos ou por capítulos que se faz, na verdade, a apreciação na generalidade e na especialidade. É exactamente o mesmo que nós vamos encontrar no artigo 77.º e no artigo 81.º No artigo 77.º também se diz: «A discussão na generalidade versa sobre os princípios e o sistema de cada projecto correspondente a um título ou capítulo do texto, constitucional. » É exactamente, portanto, no mesmo sentido, na aproximação até da linguagem perfeitamente afim, e no artigo 81.º então ainda mais claro: «A votação na generalidade far-se-á sobre cada projecto ou parte de projecto correspondente a um título ou capítulo do texto constitucional. » Volta a repetir que há uma correspondência, portanto, em relação a título ou capítulo, exactamente correspondência que também se assinala no n.º5 do artigo 3.º. Quer dizer, portanto, que o entendimento, quanto a mim, como elemento da Comissão de Regimento, e ainda também em nome do meu partido, o entendimento que damos, na verdade, a este preceito é de que tem de observar-se o plano no sentido estrito do que está consignado no artigo 3.º Aí é que está firmado qual o plano e segundo ele o debate na generalidade sobre projectos, propostas e pareceres, até porque essa apreciação e esse debate vai fazer-se em conjunto, não só dos vários pareceres de sistematização, como também quanto aos vários projectos e propostas no seu conjunto, para, na verdade desse confronto, desse paralelismo e dessa conjugação poder aferir-se as linhas gerais do que possa, na verdade, ser indicativo para as comissões de trabalho. Portanto,

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os artigos 77.º e 78.º são, como disse, relacionados com o n.º5 do artigo 3.º Poderá dizer-se, talvez aqui neste aspecto a crítica seja pertinente, que o n.º 3 do artigo 3.º ficou sem regulamentação. É exacto. Mas ficou sem regulamentação por se entender não ser necessário, por ser na verdade tão expresso e tão claro que dela necessitava.
O artigo 87.º e o artigo 81.º nada mais são, portanto, do que uma regulamentação, portanto de uma definição de termo mais específico em relação ao n.º 5.º do artigo 3.º, que consigna o plano de apreciação das Constituições. Portanto, parece ser este o caminho a seguir, até também por economia de tempo, e, na verdade, o Partido Socialista tem-se demonstrado, como nenhum outro, muito empenhado em que o tempo se ocupe utilmente. E o tempo ocupa-se utilmente na medida em que possamos fazer uma apreciação de conjunto, porque, se vamos fazer apreciações parcelares dos cinco ou seis projectos, nós vamos ocupar variadíssimas sessões sem outro proveito que não seja na verdade- de fazer as flores de retórica. Por vezes, na verdade, fazer exercícios de dialéctica, quando o que aqui estava em causa, com utilidade maior, era fazer a aproximação ou a confrontação dos vários projectos, dizendo quais são as linhas definidoras e ter em conta nessa apreciação se faz apenas a apreciação de princípios de sistemas. Nada mais! Não entra, portanto, em qualquer outro aspecto a apreciação subjacente.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Ora o ponto que estávamos agora a controverter era o ponto levantado pelo Sr. Deputado Vital Moreira, de maneira que eu dava a palavra aos Deputados que quisessem ocupar-se deste aspecto.

O Sr. Lopes de Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As considerações, nomeadamente de ordem jurídica, apresentadas já pelo meu camarada Vital Moreira parece-me que são claras, precisas e dispensam, quanto a elas, qualquer reforço de argumentação ou exposição. Pedi, entretanto, a palavra, na medida em que o Sr. Deputado António Macedo interveio para apreciação deste ponto, invocando a sua qualidade de membro da Comissão do Regimento, e, nessa qualidade, também eu não queria deixar de reputar alguns dos argumentos apresentados pelo Sr. Deputado António de Macedo relativamente à interpretação deste ponto, começando, entretanto, por dizer que também estamos de acordo em que o tempo de que dispõe esta Assembleia para os seus trabalhos deveria centrar-se, efectivamente, nestes trabalhos específicos que constituem a sua competência e função, e não ser malbaratado disso não temos nós a culpa - em actividades extraconstituintes e que são manifestamente, elas sim, perdas de tempo e usurpação de competência que não é própria desta Assembleia.
O problema é claro e está posto no n.º 3 do artigo 3.º do Regimento da Assembleia. Aí se diz que haverá nesta fase, neste momento, um debate na generalidade sobre os projectos de Constituição apresentados. Aí diz essa disposição, invocada pelo Sr. Deputado António de Macedo, como se deve fazer essa discussão na generalidade. E este é que é o ponto específico directamente abordado na intervenção do meu camarada Vital Moreira. O como se faz a discussão na generalidade, não está posto de forma nenhuma no artigo 3.º do Regimento, mas sim no artigo 77.º e nas demais disposições invocadas pelo Deputado Vital Moreira. De qualquer modo, também a invocação de ordem histórica dos trabalhos da Comissão do Regimento só favorece, Srs. Deputados, a interpretação por nós preconizada. Fui eu próprio que, nessa Comissão, defendi, até, não digo exaustivamente, mas muito insistentemente, que a votação sobre a sistematização da Constituição tinha forçosamente de ser precedida de um debate na generalidade acerca de todos os apresentados. E o artigo 3.º, tal como agora se apresenta, resulta até de uma proposta concreta apresentada em esquema por mim e pelo meu camarada Gusmão à Comissão do Regimento. Esquema esse que foi na generalidade aceite nessa altura, salvo erro, por todos os membros da Comissão e depois objecto de uma redacção aperfeiçoada, que mereceu o acordo da Comissão e, posteriormente, da Assembleia. Portanto, o fundamento do n.º 3 do artigo 3.º do Regimento é, efectivamente, este: de que não poderíamos apreciar e votar o esquema de sistematização sem conhecer e discutir previamente, ainda que na generalidade, certamente que só na generalidade, os princípios ideológicos e políticos que informassem os diversos projectos de Constituição apresentados.
O como se faz a votação, esse sim, é, nos termos específicos, contemplado no artigo 77.º e nas outras disposições invocadas pelo meu camarada Vital Moreira. Não me parece, portanto, que dos trabalhos da Comissão do Regimento possa extrair-se qualquer conclusão que contrarie, no mínimo que seja, a interpretação que nós propusemos aqui à Câmara, e que se nos afigura que, à face do Regimento e à face dos princípios, é a única pensável e a única que deverá efectivamente ser adoptada, sob pena de, na realidade e como salientou o meu camarada, irmos apressadamente discutir e votar um esquema de sistematização sem fazer o debate na generalidade dos projectos.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

O Sr. Jorge Miranda:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei ser breve. Ouvi com toda a atenção, como sempre, embora não concordando, os argumentos do Sr. Deputado Vital Moreira. Parece-me que há razões, umas de ordem jurídica, outras de ordem política, em contrário à tese que se sustentou. No que 'diz respeito às primeiras, às razões de ordem jurídica, parece-me, como já aqui foi salientado, que se deve tomar, preferentemente, como base de resolução do problema levantado o artigo 3.º do nosso Regimento. E resulta muito claramente do artigo 3.º que, no amplo e complexo processo de feitura da Constituição, há dois momentos distintos: o momento da sistematização, aquele, em que nos encontramos agora, e o momento da aprovação de disposições constitucionais. É relativamente a esse segundo momento que podem surgir algumas das dúvidas levantadas pelo Sr. Deputado Vital Moreira. No que diz respeito, pelo con-

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trário, ao momento de sistematização em que nos encontramos, parece que tais dúvidas não têm qualquer cabimento.
Do que se trata agora é de definir o esquema geral do texto constitucional e, em função desse esquema, nomear comissões especializadas em razão da matéria para estudar os vários títulos ou capítulos desse mesmo texto constitucional. Será mais tarde, em face dos sucessivos pareceres das comissões, que esta Assembleia se encontrará em condições de votar disposições constitucionais. E é relativamente às disposições constitucionais que eu entendo que devem ser vistos os artigos 77.º e 81.º, invocados pelo Sr. Deputado Vital Moreira. De resto, provo-lhe mais: a seguirmos o seu raciocínio, após a discussão na generalidade de cada projecto de Constituição, teríamos também, provavelmente, que fazer uma votação na generalidade de cada um desses projectos constitucionais, com a consequência - uma vez que nesta Assembleia nenhum partido tem a maioria absoluta - de, provavelmente, ficarmos sem nenhum projecto de Constituição como dado dos nossos ulteriores trabalhos. Parece-me claro que, neste momento, do que se trata é de definir o esquema geral da Constituição, e esse esquema geral deverá resultar do confronto do parecer da Comissão de Sistematização com as propostas de sistematização, ou com a sistematização constante dos diferentes projectos constitucionais aqui apresentados.
É evidente, como foi dito - elemento com que estou inteiramente de acordo -, que a sistematização não é neutra, nenhuma sistematização é neutra, e por isso é que nós temos todo o interesse em conhecer o conteúdo dos vários projectos de Constituição. Mas conhecermos esse conteúdo não para tomarmos posição sobre eles e, sobretudo, não para virmos exercer poderes de polícia, como o Sr. Deputado Vital Moreira tentou fazer a respeito da ortodoxia, em conformidade com os vários projectos, mas sim para extrairmos do conteúdo dos vários projectos de Constituição a ideia, a filosofia, que informa as várias propostas de sistematização.
Quanto aos argumentos ou às razões políticas que me parece contrariarem as razões do Sr. Deputado Vital Moreira, eu queria apenas chamar a atenção para duas: em primeiro lugar, haverá vantagem, que, aliás, já foi salientada pelo Sr. Deputado António de Macedo, num confronto aberto e simultâneo dos vários projectos de Constituição, em vez de a Assembleia, em sucessivas sessões, estar a apreciar cada um rios projectos ide per si. Parece-me alue há vantagem nesse confronto aberto, até porque dificilmente eu concebo que seja possível, relativamente a cada projecto, deixar de tomar em consideração os outros projectos, quer para os defender, quer para os atacar, de qualquer forma pana estabelecer comparações que serão úteis para todos nós. Ainda há uma segunda razão de ordem política, que é a seguinte: eu receio que, porventura, este debate viesse a prolongar-se indefinidamente, e nós já estamos no dia 10 de Julho. O nosso tempo é limitado e, além disso, o Sr. Deputado Vital Moreira disse que, a. seguir-se determinada disposição regimental de que eu agora não me lembro, porventura cada Deputado teria apenas trinta minutos para expor o seu pensamento acerca de cada. projecto constitucional. Sem entrar em demasiados pormenores, parece-me apenas o seguinte: é que eu suponho que o Partido Comunista Português não vai apenas pedir a intervenção do Sr. Deputado Vital Moreira. Tem mais vinte e nove Deputados - os vários partidos têm um número de Deputados variável, naturalmente, consoante o apoio popular que receberam. (Risos.) O que é de esperar não é que cada partido vá intervir apenas através de um único Deputado, mas através dos seus diferentes Deputados, e se há uma desproporção no número de Deputados que cada partido conta, isso resulta apenas do maior ou menor apoio popular que receberam nas eleições de 25 de Abril. (Risos.) Por todas estas razões, sou de opinião que não há vantagem em seguir o pensamento do Sr. Deputado Vital Moreira e que, pelo contrário, devemos abrir um debate amplo sobre todos os projectos e, essencialmente, sobre todas as propostas de sistematização, tendo em vista definir o mais rapidamente possível o esquema geral da Constituição e avançar para os trabalhos das várias comissões especializadas em razão da matéria.

(O orador não reviu.)

O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só para dizer que me parecem até perfeitamente descabidas as evocações de razões de ordem política na defesa da proposta do Sr. Deputado Vital Moreira. É perfeitamente concebivel discutir este problema dentro de um âmbito de melhor elucidação da Mesa, na discussão meramente jurídica. É que, no n.º 3 do artigo 3.º, um pouco esquecida na proposta do Sr. Deputado Vital Moreira : ...

O Sr. Vital Moreira: - Citei-o duas vezes.. .

O Orador: - Desculpe, sou eu que sou surdo ...

Risos.

É perfeitamente uma disposição excepcional, quer na letra, quer no espírito do Regimento. O que se passa - eu recordo-me agora das discussões que se fizeram na Comissão de Sistematização - que o próprio Deputado Sr. Vital Moreira dizia, e com muita pertinência, que, de certo modo, os trabalhos daquela Comissão tinham uma certa inutilidade, dado que discutir a sistematização ou emitir um parecer sobre a sistematização pressupunha um conhecimento, pelo menos, na generalidade dos projectos apresentados. Isto é evidente, porque a sistematização vai reflectir ou tem atrás de si toda uma visão ideológica, digamos política, do texto da Constituição.
O que é certo é que, bem ou mal, foi aprovada uma moção que nós tivemos que cumprir.
E este n.º 3 do artigo 3.º vem exactamente constituir a excepção à regra geral de todo o espírito do Regimento, que se encontra efectivamente no antigo 77.º Quer dizer: há dois regimes. Há um regime para a discussão nas normas constitucionais, conforme se disse, e há um regime especial para o caso em questão neste momento, que advém do reconhecimento da necessidade de se discutirem questões de fundo para se elaborar uma sistematização.
E tanto assim é que nós devemos integrar esse artigo 77.º no título 5.º, que tem o nome geral de

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«Processo de aprovação de projectos constitucionais»,com vários capítulos, com «Iniciativa, com «Exame pelas comissões», com «Discussão e votação. Não há, neste Regimento, qualquer disposição que aponte na discussão na generalidade de projectos, antes de esses projectos ou propostas serem submetidos a pareceres das comissões, a não ser no n.º 3 do artigo 3.º, na parte que diz respeito à sistematização. De modo que irmos discutir agora, com uma prioridade qualquer que eu não a disputo, na generalidade os projectos da Constituição, perdoe me o Sr. Presidente, perdoem-me os Srs. Deputados, é pôr o carro à frente dos bois. Eu não quero dizer que nos devemos eximir a uma discussão na generalidade dos projectos de Constituição. Más não há dúvida de que temos de discutir duas vezes. Uma, para chegarmos a uma conclusão de sistematização, a fim, de que sejam nomeadas as comissões que se pronunciem sobre os projectos de Constituição, concreta e oportunamente apresentados. Depois, Proceder-se-á a uma discussão na generalidade dos pareceres dessas comissões e dos projecto em si, no termos do artigo 77.º
Por conseguinte, bastariam estas razões de ordem meramente jurídica, sem invocação de razões de ordem. política de qualquer espécie, para justificar a rejeição, pela Mesa da Assembleia, neste caso, da proposta do Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Presidente: - Alguém mais deseja usar da palavra sobre este ponto?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Vou responder aos argumentos que foram Utilizados contra a minha interpretação naquilo em que eles são a repetição, de argumentos meus para, curiosamente, tentarem provar o contrário.
O artigo 3.º, n.º 3, que eu citei, diz que «haverá um debate na generalidade». Não diz - é conveniente que isto fique claro- como se faz o debate na generalidade. Tal como o n.º 5 desse mesmo artigo, que diz que haverá debate na generalidade, quando estivermos a discutir as partes ou capítulos de todos os projectos e propostas até então apresentados. A lógica utilizada pelos Srs. Deputados António Macedo, Jorge Miranda e João Lima levava, pura e simplesmente, a dizer que os dois casos são paralelos. O artigo 3.º não diz nada de como se faz o debate; refere-se, quer no n.º 3, quer no n.º 5, a um debate na generalidade, e no n.º 5 até diz «de todos as projectos», coisa que não diz no n.º 3.
Mesmo que entendêssemos que o artigo 77.º, n.º 2, se refere apenas ao n.º 5 do artigo 3.º, o que teríamos, pura e simplesmente, era um caso omitido do Regimento. Admito, a título de hipótese, isso, mas nada autoriza e desafio qualquer dos dignos contra argumentantes a provar a dizer que esse caso omisso terá de ser preenchido por uma norma que não se sabe donde vem senão do oportunismo político de quem está a argumentar.

Risos.

O Sr. Deputado António Macedo fez silêncio absoluto sobre as argumentos políticos que invoquei. Tomemos apenas nota. Não vou repetir esses argumentos Mas talvez seja curioso notar como se invocou, como argumento, o facto de que o debate na generalidade, projecto a projecto, implicaria - para citar mais ou menos aproximadamente muitas sessões dedicadas a exercícios de dialéctica. É provável que a Sr. Deputado não goste da dialéctica. É, efectivamente, com o Sr. Deputado. Nós gostamos e estamos dispostos a utilizar os poderes que o Regimento nos dá para exercer toda a dialéctica que possamos utilizar.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Quanto à intervenção do Sr. Deputado Jorge Miranda, devo dizer que as únicas coisas correctas que ouvi foram aquelas que consistiam na repetição do que eu tinha dito.

Risos.

Dizer que o meu argumento prova de mais é, ao fim e ao cabo, ignorar o seu próprio argumento, de que, nesta base, estamos apenas a tratar da sistematização; então, isso sim, era provar de mais. Era provar que não devia haver qualquer debate na generalidade fosse em globo, fosse em conjunto ou separadamente. Isto vale, nos mesmos termos, para os argumentos apresentados pelo Sr. Deputado João Lima. Ou há debate, ou não há. Esse debate está expressamente aprovado no Regimento.
O Regimento, quando muito, admite, a título de hipótese. Não diz como se faz esse debate. Eu, utilizando as regras conhecidas de todos (e há aqui muitos advogados, não do meu Partido) ...

Risos.

... da simples hermenêutica jurídica, utilizo o puro argumento do caso paralela e do argumento sistemática; o argumento de que o artigo 77.º, n.º 2, não se aplica directamente, aplica-se por analogia, exactamente, o artigo 3.º, n.º 3, do Regimento.
O Sr. Deputado João Lima cometeu uma incorrecção ao reproduzir a minha argumentação na Comissão de Sistematização. Essa argumentação está reproduzida no voto de vencido, lida aqui em nome do meu Partido, pela minha camarada Ala Nogueira, onde se diz exactamente que nós entendemos que a decisão sobre a sistematização só deve ser tomada depois do debate na generalidade sobre o sistema e os princípios de cada Constituição. Isso está no nosso voto de vencido.
Não era preciso utilizar o meu argumento, precisamente nos mesmos termos em que foi feita na Comissão de Sistematização. E é exactamente ao abrigo desse argumenta que nós aqui reivindicamos, bastando-nos o Regimento, o direito de debatermos os projectas, cada projecto um a um, tal como está no Regimento e tal como os argumentos materiais, que eu utilizei e aqui não rebatidos, apontam precisamente nesse sentido.
Não deixa de ser efectivamente indecente que se utilize aqui como argumento a falta de tempo. Pasmem! ... A perda de tempo a debater os princípios do sistema de cada projecto, quando esta sessão entrou na ordem do dia três horas depois

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de ter sido iniciada. Eu pergunto: quem é que não está interessado em debater a Constituição?
Quem é que está interessado em que, efectivamente, não se conheça os princípios e o sistema de cada projecto de Constituição? Devo dizer ao Sr. Deputado Jorge Miranda que, de facto, não abdicamos de provar que o projecto do PPD viola frontal e repetidamente o pacto celebrado com o MFA e com o Partido que eu aqui represento. E, como não prescindirei disso ...

O Sr. Coelho dos Santos (PPD): - Sr. Presidente: Dá-me a palavra para invocar o Regimento?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para invocar o Regimento.

O Sr. Coelho dos Santos: - É o n.º 2 do artigo 60.º

O Orador: - Se o Sr. Deputado queria chamar a atenção para o tempo, eu devo dizer que, apesar de ter reivindicado mais tempo, chegaram-me cinco minutos ...

O Sr. Presidente:- É uma segunda intervenção, para a qual dispõe, efectivamente, de cinco minutos.

O Orador: - Tem razão, Sr. Presidente, eu estava a dizer isso. E tenho dito.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Alguém mais deseja pronunciar-se sobre esta questão prévia?

O Sr. Laís Catarino MDP/CDE - O MDP/CDE não vai acrescentar razões de técnica jurídica à discussão que se estabeleceu aqui e àquilo que entende que é uma interpretação rigorosa e certa do entendimento do Regimento. Não só através da letra ou das possibilidades de interpretação que ele oferece, admitindo qualquer omissão, mas das necessidades práticas também de, através do Regimento, se tentar conseguir uma solução nesta Assembleia.
Chama-se, todavia, a atenção da Assembleia, passando por esse problema, para a impossibilidade prática ou, pelo menos, para a grande dificuldade que o MDP sente, em, num assunto tão importante como é o de sistematização, e tão importante, reconhecidamente até, porque, para sistematização, foram até aceites projectos de Constituição como uma das maneiras mais eficazes e mais completas de enformar essa sistematização. Como é que se superam as dificuldades de discutir em conjunto todos os projectos de Constituição que foram apresentados aqui? Suponha que a Assembleia, muito facilmente, não terá meios de superar esta dificuldade de apreciação conjunta, não só de uma proposta apresentada pela Comissão, como também dos projectos apresentados por cada um dos partidos.
Parece-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta é uma razão ponderosa e uma razão que leva, embora com algum acrescento de tempo, no nosso entender, perfeitamente útil e perfeitamente necessário, uma razão ponderosa que leva a considerar que os projectos de Constituição que, na tentativa dos partidos, devem enformar a sistematização a adoptar para a futura Constituição, devem ser considerados um a um.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Olívio França quer falar sobre o assunto?

O Sr. Olívio França (PPD): - É sim.

O Sr. Presidente: - Então tenha a bondade.

O Sr. Olívio França: - Eu queria, em primeiro lugar, dizer que não vou ocupar demasiadamente o tempo desta Assembleia, visto que os nossas propósitos são de não nos repetirmos e entendi que poderia ter aqui uma, pequena achega com referência à interpretação dos n.ºs 3 e 5 do artigo 3.º Isto faço, de certa maneira, em resposta ao Sr. Deputada Vital Moreira.
Ora, parece-me que das palavras do Sr. Deputado resultou para mim a certeza de que de certa modo ele tornava paralelas as interpretações resultantes dos artigos 3.º e 5.º e, até, no seu entendimento, deu a entender que o n.º 5 do artigo 3.º se achava reforçado em relação às palavras que proferiu em defesa do seu propósito. Ora, parece-me que há aqui, efectivamente, um pequeno erro de interpretação do ilustre Deputado. Ora vejamos: efectivamente, a n.º 3 fala: «debate, na generalidade sobre os projectos e propostas». O n.º 5 fala: «debate na generalidade e na especialidade e votação a respeito de cada título ou capítulo da Constituição». Sem dúvida que cada um trata a seu modo o problema; num refere-se a generalidade dos projectos e propostas, enquanto o n.º 5 fala exclusivamente na «generalidade e na especialidade e votação a respeito de cada título ou capítulo da Constituição».
Portanto, o que é visado particularmente no n.º 3 são, efectivamente, os projectos e propostas em conjunto e no n.º 5, então, a «generalidade e a especialidade de cada título ou capítula da Constituição». O reforço aduzido pelo Sr. Deputado Vital Moreira, no que diz respeita à explicitação feita no n.º 5, quando fala «com base em todos as projectos e propostas», concerteza não reparou que o que estava visado em primeira lugar era, na verdade, cada título ou capítulo, mas ao mesmo tempo o Regimento teve o cuidado de explicitar a fonte que dizia respeito a cada título ou capítulo. É a essa fonte que se refere o n.º 5 quando fala em «base» - «com base em todos os projectos e propostas até então apresentados». Há uma simples referência às fontes que estão particularmente versadas no n.º 5, quando se separa efectivamente cada título ou capítulo da Constituição. Nada mais.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira para um esclarecimento, se faz favor.

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O Sr. Vital Moreira: - O Sr. Deputado Olívio França dá-me direito de pedir um esclarecimento?

O Sr. Olívio França: - Ora essa.

O Sr. Vital Moreira: - É o seguinte: No caso de para certo capítulo, imaginemos a organização económica, haver, como vai haver, certamente, vários projectos, se o Sr. Deputado entende, sim ou não, que cada um desses projectos vai ser debatido na generalidade um a um ou não.

O Sr. Olívio França: - E eu pergunto. Qual é a importância que o Sr. Deputado Vital Moreira dá a essa objecção, quando, afinal de cantas, estamos efectivamente a tratar de problemas totalmente distintos?

O Sr. Presidente: - Evidentemente que continuamos a discutir o mesma problema levantado pelo Sr. Deputada Vital Moreira. Portanto, se o Sr. Deputado Ângelo Veloso queria usar da palavra sobre este assunto, faça favor.

O Sr. Ângelo Veloso (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é um problema de interpretação do Regimento. Eu penso que nenhum dos membros da Comissão do Regimento se pode arrogar o direito de interpretar o Regimento; está aí, foi discutido, está aprovado, é preciso interpretá-lo. Por outro lado, isto é um problema evidentemente político, trata-se de saber se nós vamos discutir suficientemente a Constituição, a sua sistematização e os seus princípios, ou se vamos atropelar esta discussão. Parece que há, efectivamente, o propósito de atropelar esta discussão. Não nos parece a nós possível aprofundar a discussão dos princípios que estão na base de cada proposta constitucional sem fazer um debate separado e devidamente aprofundado de cada projecto. De outro modo, o tempo será muito escasso e, efectivamente, eu chamo a atenção dos Srs. Deputados para isso; entraremos num sistema que nos põe sérias dúvidas sobre os propósitos aqui, que é o sistema dos requerimentos, o velho sistema que foi aqui tão discutido, dos requerimentos, e então passaremos a ter debates em conjunto e requerimentos que depois na sessão do debate fica apenas a cada partido a possibilidade de uma intervenção mínima na discussão. Se nós queremos efectivamente dar ao País imagem de que estamos aqui para discutir uma Constituição de acordo com o processo em curso, então temos de a discutir suficientemente e acabar, ou pelo menos diminuir muito, os períodos de antes da ordem do dia, e esses, sim, não são de dialéctica, são pura retórica contra-revolucionária.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra sobre esta questão prévia, importante apresentada pelo Sr. Deputado Vital Moreira, eu queria dizer que. segui com a maior atenção esse debate, procurando colocar-me, como é meu dever, numa posição alheia a qualquer posição de partidos, visto que não estou aqui nesta qualidade. Estou aqui numa qualidade que foi aceite por todos os Deputados desta Assembleia. Creio que o problema consta, de facto, numa interpretação do Regimento, visto que, a esse respeito, creio que estaremos de acordo. O Regimento não é muito claro a respeito da maneira como devemos proceder. Ouvi, repito, com muita atenção a argumentação desenvolvida, na medida, evidentemente, em que a minha muito insuficiente, muito deficiente cultura jurídica o permitia.
Devo dizer, com toda a franqueza, desde já, como opinião pessoal, que a argumentação do Sr. Deputado Vital Moreira me convenceu. Creio que é aqueda que permitirá assegurar melhor os direitos dos Deputados nas intervenções a favor das suas respectivas posições na discussão tão importante que vamos assinalar. Evidentemente que nos poderá eventualmente fazer perder mais tempo, mas tudo depende da maneira como o detrate for conduzido.
Essa argumentação convenceu-me. Procurei, o melhor possível, aperceber-me dos argumentos apresentados contra ela.
A validade pareceu-me variável e nenhum deles me pareceu suficiente para informar essa conclusão, de maneira que, pessoalmente, eu aprovaria o esquema que foi proposto e que me parece um esquema metódico capaz de conduzir a uma discussão útil. Entretanto, consultados os meus colegas da Mesa, visto que o artigo 86.º se refere à Mesa, ao dizer que a «Mesa, com recurso para a Plenário, deverá, como lhe compete, interpretar o Regimento e integrar os casos omissas. É, portanto, um caso de interpretação dó Regimento. Entretanto, repito, consultados os meus colegas da Mesa, verifiquei que havia um voto a favor da posição que acabo de defender, favorável á tese defendida pelo Sr. Deputado Vital Moreira, e dois contrários. Isso significa que o Plenário poderá, se quiser, recorrer desta decisão, enfim, que está tomada pela Mesa, visto que tenho voto de qualidade. Se alguém. quiser recorrer, faremos evidentemente uma votação.

O Sr. Santos Silva (PPD): - Eu recorro para o Plenário da decisão de V. Ex.a, porque me parece dialecticamente impossível chegar-se a uma conclusão. V. Ex.ª disse que não tinha espírito jurídico e, efectivamente, Sr. Presidente, não o tem agora mostrou claramente que assim é. Efectivamente, tal como propõe o Sr. Deputado Vital Moreira, nós nunca poderíamos chegar a uma conclusão. Era totalmente impossível. É só pensarmos um instante. Por isso, recorro da decisão de V. Ex.ª

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Acho que exerce um direito que o Regimento expressamente lhe confere.
Não me preocupa muito, porque, devo dizer, eu próprio anunciei várias vezes que tinha sido notada a tal incompetência jurídica. Eu próprio a anunciei. Tenho, no entanto, uma formação técnica que me permite ver os problemas de uma maneira objectiva, clara, e foi nesse sentido que apreciei o problema, completamente à margem de qualquer óptica partidária. Mas, repito, está interposto um recurso para o Plenário. Assim, eu gostaria que esse recurso fosse mais explicitado, no sentido de nos, permitir uma votação.

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O Sr. Santos Silva: - Sr. Presidente: Eu queria dar apenas um esclarecimento. Quando disse que V. Ex.ª não tinha uma competência jurídica, eu reconheço-lhe a maior competência profissional.

O Sr. Presidente:- Não pensei que fosse essa a interpretação.

Pausa.

Dois pontos de vista aqui expressos são no sentido de se fazer uma votação, como estava previsto, creio eu no entendimento de muitos, pelo menos, em conjunto, apreciando todos os projectos, uma discussão, porque creio que estamos de acordo quanto à votação, por que a votação incidirá sobre o sistema geral da Constituição nesta fase. Quem é favorável a que se faça uma interpretação em conjunto, evidentemente, discutindo os projectos à medida que sejam apresentados ...
O Sr. Deputado Lopes de Almeida pediu a palavra?

O Sr. Lopes de Almeida: - É para invocar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Faça o favor de - invocar o Regimento.

O Sr. Lopes de Almeida: - É o artigo 36. º, que V. Ex.a, aliás, já referiu, que fala na possibilidade de recurso para o Plenário. Eu pergunto, pode ser por deficiência minha, mas na realidade e francamente não me apercebi de que haja sido já interposto qual quer recurso para o Plenário. Penso que só depois da interposição de um recurso é que V. Ex.ª deverá pôr à votação do Plenário a decisão desse recurso. Parece-me que, na realidade, a Mesa já tomou uma decisão; parece-me agora que só se justifica uma votação se houver interposição de recurso, que tem de ser taxativamente e claramente formulado.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Foi anunciado um recurso para o Plenário, e queria que o formulassem de uma maneira explícita para permitir uma votação. Aliás, já foi pedido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós queríamos dizer que não interpretamos a intervenção do Deputado Santos Silva como um recurso, mas como uma pressão sobre a Mesa, e até não muito elegante.

O Sr. Presidente: - De qualquer maneira, efectivamente, o recurso para o Plenário, que o artigo consente, deve ser formulado de uma maneira explícita, e isso é que eu agradeceria.
Tem a palavra o Sr. Secretário António Arnaut.

O Sr. Secretário: - Parece-me, entretanto, que a Mesa não tinha nenhuma decisão, porque, na pureza dos princípios, de harmonia com o texto do Regimento, houve um empate nos membros da Mesa. Portanto, nenhuma decisão foi tomada. A interposição do recurso que verbalmente foi feita pelo Sr. Deputado pareceu à Mesa que era correcta, visto que o Regimento não se refere à forma de interposição do recurso, e, dentro do princípio da simplicidade e da objectividade, a Mesa não viu nenhuma objecção a que esse recurso fosse recebido por ter sido considerado interposto por aquela forma verbal. De resto, quando se refere, por exemplo, o artigo 20.º, os poderes de o Presidente admitir ou rejeitar as propostas, quando o Presidente rejeita uma dessas propostas, também o proponente pode recorrer para o Plenário e, também aqui, não se refere a forma de interposição do recurso. Em princípio, e pese embora a opinião do Sr. Deputado Dr. José Pinheiro Lopes de Almeida, distinto advogado, apesar disso, a interposição do recurso é feita por um requerimento escrito, em princípio, mas não nos casos desta Assembleia, porque o Regimento não o prevê, e se o Regimento não o prevê, qualquer forma válida de interposição do recurso é admitida. O que é preciso é que o Reputado manifeste o desejo de interpor o recurso por não se conformar com uma decisão.

O Sr. Presidente: - De qualquer maneira, está na Mesa um recurso nos seguintes termos.

Foi lido, é o seguinte:

Nos termos do artigo 86.º do Regimento, recorro para o Plenário da interpretação dada pela Mesa ao plano de discussão.

Santos Silva.

O Sr. Presidente: - Portanto, nesse caso a votação, mais uma vez agradeço que me esclareçam se estiver com a tal reconhecida incultura jurídica a cometer um erro, incidirá sobre se esta interpretação que foi apresentada é aceite ou não, pela Assembleia. Vai-se votar a interpretação que a Mesa deu através do seu Presidente.

O Sr. Secretário: - O Sr. Presidente deu a interpretação pessoal, como disse, de que a discussão de cada projecto devia ser feita separadamente, e perguntou agora àqueles que concordassem com essa interpretação para se levantarem. É a votação que estamos a fazer.
Eu faço este esclarecimento porque havia dúvidas.

Submetida à votação, foi rejeitada.

Uma voz: - A santa aliança ...

O Sr. Presidente: - Quero esclarecer mais uma vez para que fique perfeitamente claro que o que me preocupou, essencialmente, foi o argumento de que no processo proposto haveria mais possibilidades de intervenção dos Deputados no sentido de nos esclarecermos uns aos outros.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito: - Eu evoco o artigo 39.º, n.º 3, e peço a suspensão da sessão por meia hora para que o Grupo de Deputados do Partido Comunista possa reconsiderar a sua posição e a sua participação nos trabalhos a partir deste momento, uma vez que consideramos muito grave a decisão que foi agora tomada.

O Sr. Presidente: - Artigo 39.º, n.º 3? Um pequeno instante, por favor.

Pausa.

Sim, senhor, o artigo é perfeitamente explícito.
A sessão está suspensa por meia hora.

Eram 18 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.

De acordo com a ordem de inscrições que temos aqui na Mesa, tem a palavra o Deputado Freitas do Amaral.

O Sr. Freitas do Amaral (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora cheio de dúvidas quanto à utilidade da Assembleia Constituinte, dúvidas que não tinha até há dois dias, aproveitarei esta primeira intervenção no debate na generalidade dos projectos de Constituição formulados pelos diferentes partidos políticos para proceder à apresentação do texto subscrito pelo grupo parlamentar do CDS.
Desejaria, no entanto, que as minhas primeiras palavras fossem para sublinhar o profundo significado do acto em que estamos a participar. Somos os representantes livremente eleitos de, um povo a quem se prometeu a democracia, e encontramo-nos reunidos numa Assembleia Constituinte para elaborar, de harmonia com os nossos princípios doutrinais e com as nossas convicções políticas, a lei fundamental da República Portuguesa.
Por muito pouca relevância que alguns movimentos políticos pretendam atribuir à nossa função, é por muito pequena que seja a ressonância que alguns órgãos da informação vêm dando às nossas actividades, o certo é que, quer se queira quer não, a feitura de uma Constituição traduz, após o golpe revolucionário inicial, o momento mais alto, a tarefa mais importante, o acto mais decisivo de todo o processo político em curso.
Nenhuma revolução pode deixar de institucionalizar-se, sob pena de mais tarde ou mais cedo se dissolver no turbilhão das forças contraditórias que desencadeia. E mau seria que a Revolução portuguesa se considerasse tão incerta, tão indefinida ou tão insegura de si mesma que não aspirasse a ver desenhados com nitidez os seus princípios, seleccionados com critério os seus objectivos, estruturados com traço firme os seus órgãos.
Alguém disse um dia que os povos inventaram o Estado para poderem obedecer às leis, em vez de terem de obedecer aos homens. É a esta necessidade fundamental que responde a tarefa de elaborar uma Constituição: qualquer que seja o dinamismo, a criatividade e o poder de inovação do caudal demolidor e reconstrutivo que corre impetuosamente para o mar da Revolução, o povo português tem direito a que lhe digam, com uma lealdade total e de forma solene e escrita, para onde vai o seu país. O povo português tem o direito de saber, de uma vez por todas, qual o regime político e social em que vai passar a viver e quais os direitos e deveres de cada indivíduo na nova cidade a que o destinam.
Para isso se vai fazer uma Constituição. É nela que se há-de reflectir a grande opção - a escolha entre o sistema que põe o Homem acima do Estado e o sistema que coloca o indivíduo ao serviço da colectividade.
A partir da aprovação e entrada em vigor da Constituição, não mais será lícito hesitar na qualificação a dar às atitudes, aos comportamentos, às declarações de pessoas e de grupos: serão legítimos revolucionários os que respeitarem a Constituição ou a aplicarem, desenvolverem e completarem; serão ilegítimos e contra-revolucionários os que a ofenderem ou procurarem neutralizar.
Não duvido um só instante que grupos e movimentos minoritários tudo farão para ignorar a Constituição, considerando-a mero pedaço de papel a substituir por outra supostamente mais avançada. Mas que não tenham ilusões os que nos governam: uma Constituição ultrapassada é o mesmo que um Poder impotente. Se os que hoje possuem o poder não se empenharem a fundo na defesa e consolidação da Constituição que eles próprios quiseram ver elaborada, outros os substituirão para defender e consolidar uma Constituição diferente. Quando o poder não é exercido por quem o detém, depressa passa a ser detido por quem o exerce.
A Revolução precisa, pois, da sua Constituição. Estamos agora a tratar de fazê-la.
Devemos dar-lhe a natureza de um documento sólido e firme, colocado no topo do edifício político, e não a de um texto frágil é aberto, permeável a todas as ultrapassagens ensaiadas por quaisquer revolucionários insatisfeitos. Devemos procurar pôr de pé uma Constituição capaz de perdurar nos seus traços essenciais - assegurando no tempo a perenidade dos direitos e liberdades fundamentais e, bem assim, uma ordem tranquila e equilibrada, um Estado moderno e próspero, uma democracia humana e justa - e não uma Constituição precária, provisória, derrotada à nascença pelo sentimento de que tudo o que vier de novo e pela força, se tiver uma determinada coloração, será sempre; preferível ao que os representantes eleitos do povo tiverem decidido escrever no texto constitucional.
É dentro desta ordem de ideias que o CDS apresenta o seu projecto de Constituição.
Não corresponde este documento - com a maior franqueza o digo à totalidade da doutrina constitucional do CDS.
Se não estivesse vinculado pelo pacto que assinou com o MFA, o CDS estaria hoje aqui a defender um projecto parcialmente diferente - um projecto caracterizado, por exemplo, pela eleição do Presidente da República apor sufrágio directo e universal, por um alargamento das matérias reservadas à competência exclusiva do Parlamento, pela integralidade do contrôle da constitucionalidade das leis pelo Tribunal

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Constitucional e, também, obviamente, pela natureza e missão puramente militar das Forças Armadas e pela subordinação completa das instituições militares ao poder civil.
Todavia, o CDS assinou o pacto e fê-lo na convicção de que as soluções nele acordadas eram necessárias e convenientes ao desenrolar pacífico da vida portuguesa, tendo confiado na palavra dada pelo MFA de quer-se trataria tão-somente de um período de transição, de três a cinco anos, findo o qual se evoluiria naturalmente para um sistema puro e genuíno de democracia. Foi dentro do campo de liberdade deixado pelo pacto aos partidos que o CDS concebeu e redigiu o seu (projecto. Para o descrever em grandes linhas direi que se trata de um projecto democrático, socializante e europeu.
Primeiro, um projecto democrático.
Não constitui novidade para ninguém que , o modelo de democracia preconizado pelo CDS é o modelo de tipo europeu ocidental. Isso mesmo procuramos proclamar no artigo 1.º, que incorpora por outro lado a directriz essencial do pacto assinado com o MFA e pode, deste modo, ser considerado como a síntese de todo o projecto: Portugal constitui um Estado democrático, fundado na soberania popular, na liberdade individual, na solidariedade social e no pluralismo político, e orientado pelo respeito da dignidade do Homem na via original para um socialismo português.»
Na estruturação do Estado, o CDS leva em conta, por um lado, a descolonização levada a efeito a partir do 25 de Abril e, por outro lado, a política de cooperação e aproximação especial com os países de língua portuguesa. Agora que Portugal é cada vez mais alma e cada vez menos corpo, propomos que a nossa lei da nacionalidade substitua como critério básico o do jus soli pelo do jus sanguinis. E preconizamos que venha. a ser favorecida, tão cedo a5 circunstâncias o permitam, a celebração de convenções onde se estabeleça o estatuto da dupla nacionalidade tanto para os portugueses que residam em países de expressão lusíada como para os cidadãos destes países que residam em Portugal.
Consideramos o Estado unitário, mas como é próprio de uma democracia avançada defendemos uma ampla descentralização regional e local, em moldes de auto-administração de base electiva, com especial relevo para o estatuto de autonomia - não apenas administrativa e financeira, mas também legislativa que reconhecemos aos Açores e à Madeira.
Um dos capítulos mais importantes, senão o mais importante, do projecto do CDS é, sem dúvida, o dos direitos, liberdades e garantias individuais.
Como princípio geral, dominando toda a matéria e alargando indefinidamente o sentido e o alcance dos preceitos a seguir redigidos, declara-se que «o Estado reconhece no homem, como ser que aspira à justiça e à liberdade, o primeiro criador e intérprete dó direito, respeita o livre desenvolvimento da personalidade na sua dimensão individual e social e promove a formação de uma comunidade de homens livres e responsáveis» (artigo 11.º, n.º 1). E como regra básica de interpretação - que poderá colocar Portugal na vanguarda dos povos mais livres do mundo - propõe-se que a nossa Constituição adopte, e faça sua a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aliás, referida no Programa do MFA e por ele incorporada já na ordem jurídica portuguesa, e que o respectivo texto em português seja publicado em anexo ã própria Constituição, dela ficando a fazer parte integrante para efeitos de interpretação, integração e aplicação.
Também se regulamenta a intervenção do legislador ordinário na organização concreta do regime dos direitos, liberdades e garantias, procurando tornar impossível que estes sejam reduzidos ou menosprezados na prática jurídica apesar de proclamados na Constituição.
Apresenta o projecto do CDS, nos seus artigos 12.º e 13.º, um elenco muito desenvolvido de direitos, liberdades e garantias individuais. É intencionalmente que o fazemos, não apenas em função da amarga experiência do antigo regime, mas também por causa das tendências desrespeitadoras dos direitos do homem reveladas, após o 25 de Abril, por alguns grupos e movimentos políticos irresponsáveis.
Na impossibilidade de fazer aqui uma referência individualizada a todos os direitos, liberdades e garantias consagrados, abstenho-me de citar apenas alguns.
O projecto de Constituição do CDS alude em seguida aos partidos políticos e aos outros grupos sociais. Se a regulamentação dos primeiros reproduz, no essencial, a legislação publicada em 1974 pelo Governo Provisório, embora completando-a onde ela se mostra mais - lacunosa, ou seja, na atribuição da direitos aos partidos, já a matéria dos grupos sociais em geral se reveste de novidade e grande alcance.
No entender do CDS, com afeito, é contrária à realidade qualquer concepção segundo a qual os únicos sujeitos da acção política sejam o Estado e os indivíduos: se em determinados planos há realmente um diálogo directo entre o Poder e o cidadão, em muitos outros a vida pública entretece-se de uma rede complexa de relações travadas entre corpos intermédios, que enriquecem sobremaneira o tecido social, servem de alicerce à expansão das iniciativas individuais e, ao mesmo tempo, constituem baluarte da pessoa humana contra a hipertrofia das organizações colectivizadas. Negar a existência destes grupas é totalitarismo estatista; servir-se deles para os integrar no Estado, instrumentalizando-os ao serviço da política governamental, é corporativismo; só o pluralismo democrático se mostra simultaneamente capaz de reconhecer os grupos sociais e de prescrever a sua autonomia e independência. É o que o projecto do CDS procura fazer, num capítula profundamente original e inovador.
Finalmente, e para terminar a apresentação da primeira parte do nosso projecto, direi que em matéria de organização das forças armadas e de defesa nacional se incorporam as cláusulas constantes do pacto MFA-partidos e, para além delas, se inscrevem disposições sobre o serviço militar e ò serviço cívico, com realce para o reconhecimento do direito à abjecção de consciência e sua regulamentação.
Na sua parte ti, dedicada ao tratamento constitucional da vida económica., social e cultural, o projecto do CDS respeita a via socializante preconizada no pacto, sem visar a abolição da propriedade privada, antes procurando promover a sua difusão popular.
Admitem-se, pois, formas do que poderá chamar-se um socialismo de «contrôle»; rejeita-se, em toda a linha, o que viria a ser um socialismo de extermínio.

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O sistema económico proposto, sob a denominação de economia social de mercado, assenta em seis elementos fundamentais:

a) A liberdade da iniciativa económica privada, dentro dos limites traçados pela Constituição e pela lei;

b) A promoção do acesso generalizado dos trabalhadores à propriedade privada da habitação, da terra e da empresa;

c)socialização dos meios de produção que, nos termos da Constituição e da lei, devam ser submetidos ao regime de propriedade colectiva ou de gestão pública;

d) O planeamento económico-social, imperativo para o sector público e também para as empresas privadas que para esse fim entrem por acordo em cooperação com o Estado;

e) A atribuição aos trabalhadores do direito de participarem na gestão e nos resultados das empresas, tanto públicas como privadas, e adopção do princípio da divisão paritária dos lucros líquidos;

f) A criação e manutenção pelo Estado de grandes serviços públicos nacionais de carácter social, nomeadamente nos sectores da saúde, segurança social, habitação económica, urbanismo e protecção da Natureza, transportes colectivos, telecomunicações, protecção civil, educação, investigação científica e tecnológica, conservação, criação e difusão cultural, e fomento da educação física e do desporto.

Através deste sistema misto, ou de duplo sector, pensa o CDS poder garantir a felicidade, o progresso e o bem-estar do nosso povo, mediante aquela via original, para um socialismo português que a pacto advoga e que o CDS interpreta, à luz do humanismo cristão, como rejeição e superação das capitalismos individualistas e dos colectivismos totalitários.
Democrático e socializante a projecto constitucional do CDS é também profundamente europeu.
E num duplo sentido.
Em primeiro lugar, no que diz respeito ao sistema de órgãos governativos adoptado como forma de estruturação do poder político.
É bem certo que a esquema proposto sofreu as alterações e adaptações tornadas necessárias pela institucionalização do MFA e pela consequente participação dele no conjunto dos órgãos da soberania: nesse ponto, trata-se de derrogações ao tipo ideal de sistema político preconizado pelo CDS aliás reconhecidas como excepcionais e transitórias pelo próprio MFA.
Mas não é menos certo que o modelo perfilhado no pacto para o sistema de .relações entra o Presidente da República, o Governo e a Assembleia Legislativa é inegavelmente um modelo inspirada na experiência constitucional da Europa Ocidental. Refiro-me em particular ao regime definido para a responsabilidade do Executivo perante o Legislativo, que reproduz no essencial o sistema francês actual, que por seu turno muito deve às experiências britânica, alemã e italiana.
Quando ouço dizer que não haverá em Portugal um verdadeiro parlamento nem uma democracia «burguesa» sabendo-se o que com isto se quer significar -, não consigo deixar de pensar que quem mais invoca o pacta não é, certamente, quem melhor o conhece ...

Resta-me acrescentar que, no domínio da regulamentação das órgãos de Soberania - e, em especial, na parte referente à Assembleia Legislativa, ao Governo e aos tribunais, incluindo o Tribunal Constitucional, o projecto do CDS é bastante desenvolvido. Não pelo prazer de regulamentar: mas parque a correcta organização do princípio da separação dos poderes é essencial, não só à construção de um Estado eficaz, mas também à protecção adequada dos direitos, liberdades e garantias individuais, Portugal sofreu demasiada, de 1910 para cá, com a ineficácia do Governo, primeiro, e com o autoritarismo do Poder, depois, para se dar agora ao luxo de não regular cuidadosamente o seu futuro sistema de governo.

A segunda acepção em que o projecto do CDB se pode considerar europeu é a atinente à política externa a prosseguir pelo Estado Português. De acordo com o nosso ponto de vista, Portugal é um país europeu. Não tanta ou não apenas sob o aspecto geográfico, como, sobretudo, sob o aspecto histórico, cultural, social, económico - e, portanto, também político. Sempre, ao longo da sua história quase milenária, Portugal partilhou com os' restantes países da Europa o seu destino; com todos teceu lagos de solidariedade económica; de todos recebeu e a todos transmitiu impulsos de influência cultural e filosófica; com todos formou, em ampla homogeneidade religiosa,, uma «república cristiana»; a todos se identificou quase constantemente nas instituições políticas adoptadas.

Os cinquenta anos decorridos sob o Estado Corporativo foram, a esta luz, um desvio em relação à tradição europeia portuguesa: desvio estrutural, na medida em que após mais de cem anos de democracia parlamentar nos foi imposta a ditadura; e desvio funcional, na medida em que a aventura africana nos afastou da convivência europeia para nos acorrentar com exclusivismo a um destino terceiro mundista.

O 25 de Abril veio, em meu entender, corrigir este duplo desvio, restabelecendo a democracia e permitindo refazer a ligação com a Europa política e socialmente avançada. A revolução portuguesa assume, pois, a esta luz, o sentido profundo e o alcance transcendente de uma reintegração - a reintegração do povo português na tradição democrática da sua história política, a reintegração de Portugal na realidade europeia do seu espaço geoestratégico.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Adoptando no projecto constitucional, que apresentou, instituições parlamentares de tipo europeu - aliás, em grande parte desejadas pela própria MFA no pacto que propôs aos partidos - e declarando expressamente que «preconiza a integração de Portugal, como membro de pleno direito, na Comunidade Económica Europeia» (artigo 7.º, n.º 2) - na perspectiva da participação ulterior numa vasta e promissora Europa unida de estrutura confederal -, o CDS corresponde, assim, ao que lhe parece ser a verdadeira essência do 25 de Abril.

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Oxalá que algumas sugestões, sem grandeza nem inocência, feitas ultimamente ao MFA no sentido do regresso a um isolamento nacionalista, a uma ditadura carismática e a um romantismo de terceiro mundo, não nos roubem .esta oportunidade, talvez única, de nos reencontrarmos com a nossa verdadeira vocação. Pois do que Portugal precisa não é de um novo «despotismo esclarecido», mas sim do reconhecimento do que ele sempre foi - uma nação adulta -, do que ele inegavelmente é - um povo europeu e do que ele - sem qualquer dúvida pretende ser um país democrático.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Temos três inscrições: O Sr. Deputado Sousa Pereira, do MDP/CDE, Carmelinda dos Santos Pereira, do PS, e Américo Duarte, da UDP.
Não temos, evidentemente, tempo para que elas se efectuem no prazo que nos resta, pelo que os Srs. Deputados ficarão inscritos, pela ordem ditada, para amanhã, a não ser, evidentemente, que o Sr. Deputado Sousa Pereira, que é o primeiro inscrito, queira aproveitar os cinco minutos que restam. Se quiser, tem a palavra.

O Sr. Sousa Pereira: - Não precisava dos cinco minutos, Srs. Presidente, porque a minha intervenção visava dois objectivos. Por um lado, fazer a apresentação do nosso projecto de Constituição, que farei amanhã, se me conceder a palavra para isso. O outro ponto, era para fazer uma declaração que vou passar a ler:

Em face da gravidade das declarações produzidas no período de antes da ordem do dia na sessão da Assembleia Constituinte de hoje por um Deputado do PS, o Grupo de Deputados do MDP/CDE decidiu abandonar a sala como manifestação de repúdio pelo conteúdo contra-revolucionário de tais afirmações.
Confirmam-se, assim, as preocupações do MDP/CDE relativamente à utilização daquele período num sentido contra-revolucionário, contrário ao pacto com o MFA e ultrapassando abusiva e provocatoriamente as funções desta Assembleia Constituinte. Consideramos estes factos de extrema gravidade e até podendo pôr em causa o normal funcionamento desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito: - Sr. Presidente: Há pouco pedi a suspensão da sessão por meia hora para podermos discutir - o nosso Grupo - a votação e a decisão que acabava de ser tomada na Assembleia. Da nossa discussão resultou uma declaração' de voto de vencido que gostaria de apresentar à Assembleia, se o Sr. Presidente mo permitir.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Orador:- As preocupações que os Deputados do PCP aqui têm trazido acabam de ter uma flagrante confirmação.
Assistimos com preocupação à formação de uma aliança dirigida a sufocar o debate das questões fundamentais do processo revolucionário e das aspirações das massas trabalhadoras - e do povo para depois as consagrar na Constituição.
Não se recuou sequer ante a violação frontal do Regimento e invocam-se questões de tempo, depois de se terem malbaratado na sessão de hoje as três primeiras horas da sessão em intervenções sem qualquer ligação directa ou próxima com a tarefa única e exclusiva desta Assembleia.
Fica, assim, claro quem receia a completa discussão e esclarecimento dos princípios políticos e ideológicos de cada projecto; quem receia a demonstração de que certos projectos são uma violação do pacto, que fazem silêncio sobre as conquistas revolucionárias, que são uma tentativa de liquidação da revolução por via constitucional; quem receia que sejam debatidas as questões de fundo da revolução e do povo em condições que as massas populares possam acompanhar as atitudes e posições de cada partido.
Em face da grave decisão agora tomada o Grupo de Deputados do PCP reserva a sua posição definitiva para ocasião posterior, mas entende vincar desde já o seu firme protesto.

O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a sessão, queria informar que, a pedido dos representantes do MDP/QDE que não poderiam assistir, a reunião que tinha sido convocada para discutirmos o problema dos lugares na Sala não se poderá realizar. Essa convocação ficará para amanhã. Já dispomos de plantas que nos permitem objectivar mais esse estudo.
Está levantada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

PPD

Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Seabra.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.

PS
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

CDS

Manuel Januário Soares Ferreira-Rosa.

Página 327

11 DE JULHO DE 1975 327

PCP
José Pedro Correia Soares.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

PPD

Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Miguel Luís Kolback da Veiga

PS

António Pode Lopes Cardoso
Carmelinda Maria dos Santos Pereira
José Luís de Amaral Nunes.
Raúl d, Assunção Pimenta Rêgo.
Vasco Francisco do Rosário Moniz.

Os REDACTORES: José Alberto Pires - Filomeno
António Monteiro Sobreira

Página 328

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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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