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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

SÁBADO, 12 DE JULHO DE 1975 * NÚMERO 16

SESSÃO N.º 15, EM 11 DE JULHO

Presidente: Ex.mo Sr. Henrique Teixeira Queiroz de Barros

António Duarte Arnaut
Secretários: Ex.mos Srs. Carlos Alberto Coelho de Sousa
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 12 e 13 do Diário da Assembleia Constituinte, com as rectificações já apresentadas em sessões anteriores.
Deu-se conta do expediente.
Foram lidos requerimentos dos Srs. Deputados José António Camacho (PPD) e Mário Pimentel Salvado (PPD).
O Sr. Deputado Manuel Alegre (PS) usou da palavra para, em nome do Secretariado e do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, justificar perante a Assembleia a saída do Governo deste partido.
O Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes (PS) teceu considerações sobre o que considerou ilegalidades que se estão a praticar contra os direitos do homem, tendo apoiado uma intervenção do Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. Deputado Vital Moreira (PCP) apresentou e justificou duas propostas de alteração ao Regimento, que requereu sejam discutidas no período da ordem do dia da próxima sessão.
O Sr. Deputado Américo Duarte (UDP) fez considerações sobre a saída do PS do Governo e a crise política actual, criticando a actuação de outros partidos. Apresentou também uma moção de apoie aos trabalhadores do jornal República.
O Sr. Deputado Octávio Pato (PCP) manifestou a sua discordância relativamente a certas intervenções proferidas antes da ordem do dia, que considerou constituírem uma interferência em matérias que exorbitam a competência desta Assembleia, sendo algumas delas insultuosas para o MFA.
O Sr. Deputado Cunha Leal (CDS) refutou acusações que foram feitas ao CDS pelo Deputado da UDP e criticou a actuação do PCP.

Ordem do dia.- Prosseguiu o debate na generalidade dos projectos de Constituição apresentados pelos partidos. Usou da palavra o Sr. Deputado Sousa Pereira (MDP/CDE).
O Sr. Presidente interrompeu a sessão às 16 horas e 50 minutos, reabrindo-a às 17 horas e 20 minutos.
Prosseguindo a discussão, usaram da palavra os Srs. Deputados João Lima (PS) e Américo Duarte (UDP).

O Sr. Presidente suspendeu a sessão às 19 horas e 33 minutos por se terem verificado manifestações das galerias, tendo algumas delas sido evacuadas, reabrindo-a às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Deputado Américo Duarte (UDP) abandonou a Sala em sinal de protesto contra esta atitude da Mesa.
Usaram, em seguida, da palavra, cobre a ordem do dia os Srs. Deputados Medeiros Ferreira (PS) e Barbosa de meio (PPD).
O Sr. Deputado Dias Lourenço (PCP) apresentou um requerimento pedindo a reabertura das galerias que tinham sido evacuadas, a fim de os cidadãos não serem privados de fiscalizar os trabalhos da Assembleia.
Do Grupo de Deputados do PCP requereu, nos termos regimentais, a interrupção da sessão durante trinta minutos.
Reaberta a sessão, o Sr. Deputado Vital Mateira (PCP) decorou, em nome do Grupo, de Deputados do PCP, não usar da palavra para apresentar o projecto de Constituição deste partido por não terem sido reabertas as galerias ao público, mantendo, porém, a sua inscrição para a próxima sessão.
O Sr. Deputado António Reis (PS) criticou esta atitude do PCP.
O Sr. Deputado Luís Catarino (MDP/CDE) manifestou, em nome do Grupo Parlamentar do MDP/CDE, o seu protesto peta maneira aleatória como a Mesa mandou evacuar algumas galerias.
Usaram ainda da palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira (PCP), que apresentou o parecer do Grupo de Deputados do PCP quanto ao projecto de Constituição apresentado pelo MDP/CDE, e os Srs. Deputados Vital Moreira (PCP), José Augusto Seabra e Costa Andrade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 10 minutos.

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Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

ADIM - MACAU

Diamantino de Oliveira Ferreira.

CDS

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António Francisco de Almeida.
António Pais Pereira.
António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Domingos José Barreto Cerqueira.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Luís de Sá Malheiro.
Manuel Januário Soares Ferreira-Rosa.
Manuel José Gonçalves Soares.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.
Maria José Paulo Sampaio.
Victor António Augusto Nunes Sá Machado.

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
José Manuel Marques do Carmo Mendes Tengarrinha.
Luís Manuel Alves de Campos Catarino.
Manuel Domingos de Sousa Pereira.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
Américo Lázaro Leal.
António Branco Marcos dos Santos.
António Dias Lourenço da Silva.
António Malaquias Abalada.
Dinis Fernandes Miranda.
Eugênio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos País.
Francisco Miguel Duarte.
Georgette de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Hilário Manuel Marcelino Teixeira.
Hipólito Fialho dos Santos.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Honrado.
José Alves Tavares Magro.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
José Pedro Correia Soares.
José Pinheiro Lopes de Almeida.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Maria Alda Nogueira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.

PPD

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Abílio de Freitas Lourenço.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
Antídio das Neves Costa.
António Cândido Jácome de Castro Varela.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Maria Lopes Ruano.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
Armando António Correia.
Arnaldo Angelo de Brito Lhamas.
Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Eleutério Manuel Alves.
Emanuel Nascimento dos Santos Rodrigues.
Emídio Guerreiro.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando Alberto Matos Ribeiro da Silva.
Fernando Barbosa Gonçalves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
Germano da Silva Domingos.
João António Martelo de Oliveira.
João Baptista Machado.
João Manuel Ferreira.
Joaquim Coelho dos Santos.
Joaquim da Silva Lourenço.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Camacho.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José António Valério do Couto.
José Augusto Seabra.
José Bento Gonçalves.
José Carlos Rodrigues.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra
José Ferreira Júnior.
José Francisco Lopes.
José Gonçalves Sapinho.
José Manuel Afonso Gomes de Almeida.
José Manuel Burnay.
José Manuel da Costa Bettencourt.
José Manuel Nogueira Ramos.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Manuel Coelha Moreira.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Maria Augusta da Silva Simões.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Mário Campos Pinto.
Mário José Pimentel Saraiva Salvado.
Miguel Florentino Guedes de Macedo.
Nívea Adelaide Pereira e Cruz.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.
Olívio da Silvia França.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Sebastião Dias Marques.
Victor Manual Freire Boga.

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PS

Adelino Augusto Miranda de Andrade.
Adelino Teixeira de Carvalho.
Afonso do Carmo.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amarino Peralta Sabino.
Amílcar de Pinho.
António Alberto Correia Mota Prego Faria.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
António José Gomes Teles Grilo.
António José Sanches Esteves.
António José de Sousa Pereira.
António Mário Diogo Teles.
António Pereira Rodrigues.
Artur Cortez Pereira dos Santos.
Aquilino Ribeiro Machado.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Alberto Leitão Marques.
Carlos Cardoso Lage.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Emílio Pedro Águedo Serrano.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Faustino Correia.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Eurico Telmo de Campos.
Fernando Alves Tomé dos Santos.
Florival da Silva Nobre.
Francisco Carlos Ferreira.
Francisco Igrejas Caeiro
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
Isaías Caetano Nora.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo Silva Pereira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Joaquim Gomes.
João do Rosário Barrento Henriques.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim Laranjeira Pendrelico.
Jorge Henrique das Dores Ramos
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Fernando Silva Lopes.
José Luís de Amaral Nunes.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio Pereira dos Reis.
Ladislau Teles Botas.
Laura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Luís Manuel Cidade Pereira de Moura.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Luís da Silva Lopes Roseira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel de Brito de Figueiredo Canijo.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Vieira.
Manuel Joaquim de Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Mário António da Morta Mesquita.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário de Castro Pina Correia.
Mário de Deus Branco.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro Manuel Natal da Luz.
Raquel Júdice de Oliveira Howell Franco.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Manuel Mendonça Cordeiro.
Rui Manuel Polónio de Sampaio.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Sophia de Mello Breyner Andresen de Sousa Tavares.
Vasco Francisco do Rosário Moniz.
Vasco da Gama Fernandes.
Vítor Manuel Brás.

UDP

Américo dos Reis Duarte.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 225 Srs. Deputados, pelo que temos quórum, e declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O período de antes da ordem do dia terminará às 16 horas e 30 minutos.
Vamos pôr à aprovação os n.º 12 e 13 do Diário da Assembleia Constituinte.

Pausa.

Se ninguém se opõe, consideraremos. aprovados esses Diários, com as emendas anteriormente apresentadas.

Pausa.

Vamos proceder à leitura do expediente.

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Expediente

O Sr. Secretário: - Telegramas de apoio à Assembleia Constituinte de núcleos do PPD de Agrela, Exposende e da Comissão Concelhia da Figueira da Foz.
Uma carta assinada pelo Sr. José Alfredo, de Santa Iria de Azoia, que manifesta o seu verdadeiro apoio ao Sr. Presidente e a todos os Deputados que lutam pelas liberdades fundamentais do nosso povo e toda a verdadeira democracia rumo ao socialismo. Avante com a Assembleia Constituinte. É preciso respeitar a vontade popular.
Um telegrama do conselho de trabalhadores da Alfândega de Lisboa manifestando apoio às resoluções da última Assembleia do MFA, ao Presidente da República, ao Conselho da Revolução e ao Primeiro-Ministro.
Do núcleo de trabalhadores do PPD da Caixa de Previdência da Foz do Douro, no Porto, de apoio à Assembleia Constituinte.
Do núcleo de trabalhadores do PPD da Efacec de apoio à Assembleia eleita pelo povo português para elaborar a Constituição. Rejeitam pressões minoritárias e antidemocráticas perturbadoras, clima indispensável.
Da Comissão de Moradores de Lordelo, Porto, saudando a Assembleia do povo português, exigindo defesa da liberdade de expressão e pensamento.
De José Augusto de Carvalho Branco, que refere, como cidadão eleitor, o seguinte: Peço V. Ex.ª interceda junto do Governo Provisório responsável descolonização Angola para que tome medidas urgentes, salvaguarde vidas e haveres dos cidadãos portugueses gravemente ameaçados pela situação descrita publicamente Vasco Vieira de Almeida.

Mais telegramas no mesmo sentido, que vou ler, dado que o seu texto é bastante curto:
Constituição só será vontade do povo se for livre. Mário da Fonseca.
Povo português confia Constituinte livre. Armindo de Araújo Lobo.
Exigimos pluralismo da Constituinte. Maria da Conceição Rebelo e outros.
Apoio incondicional defesa Constituinte. Maria da Conceição Rodrigues.
Deputados só representarão povo se forem livres. Maria Tereza Moura.
O povo só será livre se a Constituinte for livre. José Teixeira Lino.
Confiamos Constituinte defenderá interesses povo. Joaquina Carmo Mendes.
Apoiamos Revolução. Apoiamos Constituinte livre. António Montez Vouga.
Apoiamos Constituição pluralista livre. Amândio Peixoto.
Pretendemos Constituinte represente livremente o povo. Maria de Lurdes Pinto Machado.
Apoiamos Assembleia Constituinte. Manuel Amorim Lobo.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa dois requerimentos, que vão ser lidos e depois seguirão o seu destino.

O Sr. Secretário: - Havia um pedido formulado ontem para a apresentação de um requerimento por parte do Sr. Deputado Galvão de Melo que não vejo na bancada, e por isso fica prejudicado o pedido.
Os dois requerimentos que estão presentes são do seguinte teor:

Requerimento

Com vista a uma melhor participação nos trabalhos de feitura da Constituição, no tocante aos preceitos relativos ao Estatuto Político Administrativo da Madeira, requeiro, ao abrigo do artigo 13.º, n.º 1, alínea c), da Lei Eleitoral e artigo 6.º do Regimento da Assembleia Constituinte, me sejam fornecidas no mais curto espaço de tempo peias instâncias governamentais competentes as seguintes informações:
1.ª Quais as medidas ou plano específicos que o Governo conta lançar para a resolução da crise económica que a Madeira atravessa.
2.ª Se existe o objectivo de eliminar as diferenças geográficas de preços, resultantes dos custos de transportes e do alargamento dos circuitos de distribuição, no que se refere aos produtos básicos, nomeadamente do cimento, do ferro e dos adubos.
3.ª Qual foi a intervenção do Instituto de Apoio às Pequenas e Medias Empresas na Madeira, com referência aos montantes de créditos concedidos por sectores, o número de empresas que beneficiaram destas apoio e o número de pedidos não atendidos.
4.ª Qual a política aérea da Madeira e Porto Santo a seguir pelo Governo nomeadamente no que se refere às infra-estruturas aeroportuárias, e, de uma forma geral, qual a política Turística, tendo presente constituírem a Madeira e Porto Santo regiões onde não existem matérias-primas, oferecendo, em contrapartida, condições excepcionais à indústria turística, que já pesa no conjunto da economia madeirense, quer pelo número de trabalhadores que emprega, quer pela entrada de divisas, que contribui para o equilíbrio da balança de pagamentos regional.
5.ª Qual a estratégia que o Governo espera adoptar no que se refere à cana-de-açúcar e seu aproveitamento industrial, tendo em consideração que a sua produção constitui rendimento imprescindível dos agricultares e que a sua reconversão, a efectivar-se, não poderá ser suportada pelos mesmos.

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, 11 de Julho de 1975. - O Deputado do PPD, José, António Camacho.

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Requerimento

Considerando que é manifesta a falta de professores devidamente preparados científica e pedagogicamente e que só estes podem ser considerados verdadeiros profissionais;
Considerando que da falta destes resulta o deficiente funcionamento das escolas e, por conseguinte, um travão ao processo revolucionário em curso:
Requeiro ao Ministério da Educação e Investigação Científica os seguintes elementos:

1.º Número total de professores que concorreram aos estágios do ensino liceal, técnico e ciclo preparatório do ensino secundário;
2.º Número total dos que foram admitidos aos respectivos estágios;
3.º Porque nem todos foram admitidos, segundo me consta, embora possuindo as respectivas habilitações, desejo saber se o MEIC tenciona abrir um segundo concurso e, em caso negativo, os motivos por que não o faz.

Sala das Sessões da Assembleia Constituinte, 10 de Julho de 1975. - O Deputado do PPD Mário Pimentel Salvado.

O Sr. Presidente: - Eu queria informar que ainda não podemos efectuar hoje a reunião prevista para a distribuição de lugares. Desta vez foi o Partido Socialista que pediu o seu adiamento e não está presente o Deputado que esse Partido quereria que o representasse. Espero que se consiga na próxima sessão realizar esta reunião, que tem sido adiada, a pedido de vários partidos, como têm tido ocasião de saber.

O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia temos os seguintes pedidos para usar da palavra: Deputados Manuel Alegre, Vasco da Gama Fernandes, Vital Moreira e Américo Duarte. Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Secretariado Nacional e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista mandataram-me para trazer ao conhecimento desta Assembleia as razões que determinaram. a decisão tomada pelo Partido Socialista, e já de todos conhecida, de abandonar o Governo.
Como tivemos ocasião de afirmar repetidas vezes, o caso do jornal República não é um problema laboral mas um problema, político, que se insere numa estratégia global de controle dos órgãos da informação, estratégia que é, por sua vez, parte integrante de uma estratégia de controle e tomada do Poder por métodos não democráticos.
Tivemos a ocasião de dizer ao País, ao Conselho da Revolução e ao Sr. Presidente da República que a resolução deste caso constituía para nós um teste. Anunciámos igualmente que não podíamos permanecer no Governo se este problema não fosse solucionado de acordo com a liberdade de informação e com o pluralismo proclamado pelo MFA.
Seguiu-se uma longa crise no decurso da qual se verificaram os seguintes factos:
a) O Conselho da Revolução decidiu que o jornal República tinha de ser entregue à direcção e redacção, a quem competia a sua orientação ideológica, nos termos da lei de imprensa;
b) De modo idêntico decidiu o Conselho de Imprensa;
c) O Sr. Presidente da República afirmou em França que o caso República já estava resolvido (sic!), assegurando assim publicamente o respeito pela legalidade revolucionária.

Contrariamente a todas estas afirmações e compromissos, verificou-se, não obstante, que ontem saiu mais uma edição pirata do República, avalizada pelo nome de um oficial do Exército que nele figura como director.
Daqui se conclui que:
a) A palavra do Presidente da República não foi respeitada;
b) A decisão do Conselho da Revolução não teve qualquer alcance nem significado real;
c) A decisão do Conselho de Imprensa foi ignorada.

Por isso mesmo, o Secretariado do Partido Socialista decidiu que os seus Ministros e Secretários de Estado cessassem imediatamente as suas funções no Governo.
Só as retomarão se:
a) A palavra do Presidente da República foi confirmada pelos factos;
b) A decisão do Conselho da Revolução for cumprida.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A crise provocada pelo caso do jornal República não pode ser isolada do contexto político actual. O Partido Socialista considera que a revolução portuguesa está a, atravessar uma crise grave. Esta crise é o resultado de um longo período de indefinição e confusão que, a nosso entender, se tem caracterizado:
Por uma radicalização ideológica pseudo-revolucionária que está na, razão directa da incapacidade para resolver os problemas concretos do povo e do País;
por uma indefinição da esfera de competência do Conselho da Revolução, do Governo, da Assembleia Constituinte e Ida, Assembleia do MFA, o que tem conduzido á proliferação de grupos políticos e outros de poder paralelos e à ausência de um, poder estatal efectivo;
Por uma oposição artificial entre legalidade e revolução e por uma falsa contradição entre processo revolucionário e processo eleitoral, o que apenas tem servido de cobertura a manobras políticas de vocação autoritária por parte de sectores que, batidos na terreno eleitoral, confundem dinâmica revolucionária com a subversão permanente das regras democráticas;

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Por tentativas de ultrapassagem dos partidos políticos representativos da vontade popular através do contacto directo entre o MFA e as chamadas estruturas unitárias de base, que mais não são, em muitos casos, do que simples organigramas ou meros pseudónimos de estruturas partidárias.
O Partido Socialista considera que a aliança povo-MFA se consubstancia na aliança entre o MFA e os partidos políticos e que toda e qualquer tentativa para substituir esta aliança real por uma aliança organigramática e artificial conduzirá não tanto à marginalização dos partidos políticos como, sobretudo, ao isolamento do MFA e ao enfraquecimento das forças da Revolução no seu conjunto.
É por isso que nós estamos em desacordo com o projecto de institucionalização da aliança povo-MFA aprovado na última Assembleia do MFA.
Pretende-se, em nosso entender, substituir o Processo democrático real por um processo artificial, antidemocrático e em profunda contradição com a Plataforma Constitucional assinada pelo MFA e os partidos políticos.
Sr. Presidente:
Srs. Deputados:
Durante quarenta e oito anos o povo português esteve privado do exercício dás liberdades e impedido de manifestar livremente a sua vontade. Fê-lo no passado dia 25 de Abril, em eleições que constituíram um alto exemplo de dignidade cívica e de maturidade política do nosso povo.
Essas eleições, cuja realização só foi possível pela vitória do MFA sobre o fascismo constituíram também, como então disse o Sr. Presidente da República, a mais bela vitória da Revolução do 25 de Abril.
Mas desde então para cá tudo se passa como se o povo português fosse culpado de um crime: o crime de ter votado maioritariamente no Partido Socialista.
Desde então para cá tudo se passa como se alguns sectores pretendessem dissolver o povo português ou substituir o povo real deste país por um povo abstracto.
Na verdade, fala-se muito de povo. Mas, a dar-se crédito às afirmações de certos sectores, dir-se-ia que um partido é tanto mais do povo quanto menos votos tem ou que é tanto mais revolucionário quanto mais minoritário é.
Para nós, Sr. Presidente, não há contradição entre processo eleitoral e processo revolucionário. Há contradição, isso sim, entre processo democrático, que respeita a vontade do povo, e processo antidemocrático, que a não respeita.
Por isso mesmo, entende o Partido Socialista que é chegado o momento de dizer claramente que soluções políticas impostas nas costas do povo ou contra a sua vontade não são soluções revolucionárias, são soluções contra-revolucionárias, por muito que se reclamem da Revolução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: Nós sabemos que o Estado é um instrumento de domínio de uma classe sobre outra ou outras classes. Mas o Estado, constituído no quadro do poder de uma classe orgânica em classe dominante, pode ser democrático ou pode ser ditatorial. Isto, tanto no que se refere ao Estado da burguesia como ao resto dos trabalhadores.
O Partido Socialista luta para que haja neste país uma transferência ide classes ao nível do Poder e considera que a conquista do Poder pelos trabalhadores, nas condições concretas portuguesas, pode fazer-se por via democrática. Considera ainda que o poder dos trabalhadores deve ser exercido no quadro da democracia política.
O socialismo nada tem a ver com a ditadura de um partido. Esse tipo ide regime constitui uma perversão do socialismo, e não seu modelo.
Nós pensamos, Sr. Presidente, que a instauração de um tal regime em Portugal não é viável e abriria inevitavelmente caminho - à contra-revolução.
Pensamos que é possível constituir em Portugal uma sociedade autenticamente socialista que não repita as perversões alheias e concilie, pela primeira vez na história, os valores do socialismo e os valores da democracia política.
É nisto que reside a originalidade e a grandeza da revolução portuguesa e a sua importância para a evolução da luta pelo socialismo em todo o Mundo, e particularmente na Europa.
Sr. Presidente, o povo está descontente. Há que evitar a persistência de factores que provocam esse descontentamento, sob pena ide ele vir a ser aproveitado pela contra-revolução. Há que criar uma alternativa realmente revolucionária, democrática e patriótica.
O Partido Socialista entende que a defesa da nossa revolução exige a definição do seu projecto socialista de reconstrução nacional capaz de unir e mobilizar as energias criadoras do povo português.
Para terminar direi que o Partido Socialista, fiel aos seus princípios e à confiança que nele deposita a maioria esmagadora do povo português, tudo fará para criar um Portugal numa alternativa revolucionária, socialista e democrática.
Mas não caucionará aventuras totalitárias.
Os socialistas, Sr. Presidente, não se transformarão jamais de perseguidos em perseguidores, nem passarão da situação de prisioneiros à situação de novos carcereiros deste país e deste povo. Que outros assumam, se assim o entenderem, essa responsabilidade. O povo nos julgará.
Tenho dito.

(O orador não reviu.).

Aplausos. Assobios. Manifestações nas galerias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PS): - Sr. Presidente, ilustres Deputados:
Esta minha intervenção tem lugar ao abrigo da alínea d) do artigo 42.º do Regimento. E, como questão prévia, quero declarar que já cheguei a um ponto da minha vida em que os aplausos não me comovem nem os apupos me perturbam.
Farei o possível por cumprir o meu mandato de Deputado com serenidade, com equilíbrio, com o

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mesmo respeito que, sentado naquela cadeira, ouvi tanta coisa de que não gostava. Respeitosamente, como era meu dever.
Não há muitos dias, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, ao aproximar-me da ilha de Santiago, onde ia, por mandato do meu Partido, assistir às Festas da Independência da minha terra cabo-verdiana, passei por cima do Campo do Tarrafal, olhei lá para baixo com amargura, com dores, na recordação de tantos mártires que baquearam, mercê da criminalidade desenfreada do fascismo. Tive um momento de evocação por tantos companheiros de luta, entre os quais enfileiravam muitos que eu defendi nos tribunais plenários do fascismo, com a minha toga honrada, embora humilde.

Vozes: - Muito bem!

Risos.

O Sr. Santos Silva: - Só eles é que estiveram no Tarrafal . . .

Uma voz do sector do PCP: - Nenhum do Partido Socialista.

O Sr. Manuel Alegre: - E Edmundo Pedro?

O Orador: - Ao relancear os meus olhos por esta Assembleia, e continuando a dizer que os aplausos não me comovem nem os protestos me perturbam, ao relancear os meus olhos por grande parte desta Assembleia, não por toda esta Assembleia, verifico que, indistintamente sentados nestas bancadas, se encontram homens como, eu, que sofreram as torturas da PIDE: que foram seviciados, que foram torturados, que sofreram a tortura da estátua, que se viram abrigados a abandonar o seu país e a procurar em terras estranhas a tranquilidade que lhes faltava na Pátria. Ao relancear os meus olhos por esta Assembleia indistintamente, sou capaz de contar dezenas de anos de cadeia, de misérias, passadas dentro do regime fascista.
Tenho uma palavra de comovida homenagem a todos quantos, através de todas as vicissitudes, mantiveram erecta a sua dignidade e a compostura moral do seu pensamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foram torturas, foram solidões, foram exílios, foram deportações, foi todo um rosário de martírios que nos tocou à porta de muitos de nós. Não nos conseguiram vencer ... Srs. Deputados! E a prova de que não nos conseguiram vencer é que muitos de nós não desistimos de viver, e ainda hoje aqui estamos desafiando todas as dificuldades, tendo dentro do peito sempre a amargura das horas mal passadas.
Não me consegui desprender, Srs. Deputados, da minha qualidade de presidente da Liga dos Direitos do Homem, eleito como fui por todos os quadrantes políticos do meu País, por unanimidade, numas eleições clandestinas. Não me consigo desprender desta qualidade, e as minhas palavras são impregnadas fatalmente pela recordação desta presença dentro do meu espírito.
Foi aqui, efectivamente, levantado o problema de certas ilegalidades que se estão a praticar contra os direitos, do homem, contra as condições jurídicas às quais Portugal deu a sua adesão e que fazem parte dos textos constitucionais do nosso país; mal ficaria a um Deputado, e pior ficaria ao presidente dos Direitos do Homem, se não viesse a esta tribuna solidarizar-se com as palavras que foram proferidas
Foram anos, ... Sr. Presidente, Srs. Deputados, em que todos nós, uns piores, outros melhores, uns em piores condições, outros em melhores condições, afrontámos a «besta» do fascismo, sem receios e sem medo, e com saudade eu recordo as formas em que todos nos encontrávamos juntos nas mesmas trincheiras, a minha casa aberta a todos quantos eram foragidos e procuravam guarida, a minha toga, como a toga de tantos companheiros aqui presentes, posta a serviço da causa justa dos perseguidos e espoliados pela ditadura.
Não me posso desprender desta recordação e magoa-me que alguém possa supor que podemos viver num outro sistema que não seja o sistema da legalidade, legalidade pela qual nos temos batido, e particularmente nós, os advogados, no fórum da nossa Ordem e fora dele, para que terminasse para sempre o regime jurídico e penal e de investigação processual miseravelmente posto ao serviço das polícias inconfessáveis; que eu me recorde dessa luta, e, portanto, é na recordação dessa luta que eu quero aqui afirmar se o meu país alguma vez voltasse à noite negra do fascismo, nós, os advogados e os homens como eu; estaríamos outra vez dispostos a envergar a nossa toga e a batermo-nos pelos mesmos princípios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foram anos de demissão, de sacrifícios, de assassinatos, de sevícias, de ofensas graves ao nosso corpo e á nossa alma. li bom que nos recordemos o que foi a resistência contra o fascismo, onde andámos todos irmanados no mesmo pensamento, e se eu vergo o meu pensamento para Bento Gonçalves, sepultado no Tarrafal, não posso deixar de erguer o meu pensamento, também, para Carlos Cal Brandão, sepultado no Porto, antigo presidiário do Tarrafal, e chefe da resistência contra a invasão japonesa.

Aplausos.

Não temos necessidade de nos ofendermos uns aos outros, de estabelecer entre os homens que se bateram pela liberdade nas horas negras do fascismo forças intransponíveis, malquerenças, já não falo em ódios, azedumos sequer; nós estamos ainda longe da vitória, Srs. Deputados e Sr. Presidente, espreitam-nos horas muito difíceis e muito graves, é difícil vaticinar, mas uma coisa é certa, todos nós sofremos, uns mais, repito, outros menos, para que se instaurasse de novo em Portugal um regime de legalidade, em que a Constituição fosse a coluna vertebral do nosso destino, em que as leis se promulgassem para serem cumpridas; estou-me a recordar das pessoas, às dezenas, que me procuram em minha casa, já que outra sede não pode a Liga dos Direitos do Homem, que não tem dinheiro para isso, que procuram em minha casa a minha protecção impossível, contra

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certos desmandos que se estão a praticar nas prisões de Portugal, contra as injustiças que se estão a praticar, como se fosse possível a um pobre presidente de uma Liga dos Direitos do Homem ter a força suficiente, embora tenha o ânimo, de poder protestar.
Isso farei, se melhorar ou sequer modificar este estado de coisas.
Dou, portanto, todo o meu aplauso, toda a minha concordância, à intervenção veemente e feliz do meu camarada António Arnaut.
O 25 de Abril não foi só a revolução das canções e das flores, foi a revolta inteira de um povo, que em seis, sete, oito horas nas ruas de Lisboa e do resto do País, irmanado com os jovens oficiais do nosso exército, combateram a ditadura, ergueram nos seus punhos a liberdade e procuraram que ela fosse uma coisa efectiva e concreta na sociedade portuguesa do nosso tempo.
Herdámos, Sr. Presidente, Srs. Deputados, uma pátria em pedaços, civicamente em pedaços, economicamente e socialmente em pedaços, temos que agarrar esses pedaços com a força do nosso ânimo e da nossa inteligência. Não vamos agarrar nesses pedaços e pulverizá-los, permitindo que a reacção, que nos espreita e que é cautelosa, que é sub-reptícia, que é maldosa, possa ensaiar sequer o assalto à nossa cidadela.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Orador: - Srs. Deputados, houve um homem, das inteligências mais vivas deste país, que se chamou Francisco Pinto da Cunha Leal, que brilhou a toda a altura neste mesmo hemiciclo, que um dia disse que reagia mais pelo coração que pela inteligência. As palavras que eu disse vieram da inteligência mas creiam, Srs. Deputados, que vieram também das profundezas do meu coração.

Este discurso foi proferido na tribuna dos oradores.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputada Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pedi a palavra antes da ordem do dia para apresentar duas propostas de alteração do Regimento que desde já peço sejam incluídas na ordem do dia da próxima sessão. Essas propostas são as seguintes, e passo a lê-las.

A primeira é a seguinte:

Considerando que a Assembleia Constituinte tem por emissão exclusiva [...] elaborar e aprovar a Constituição» (Plataforma Constitucional MFA-Partidos, C. 5);
Considerando que « a Assembleia Constituinte tem como exclusiva atribuição a missão patriótica de elaborar a Constituição Política da Nação Portuguesa, sendo-lhe vedado qualquer outro tipo de interferência oficial na vida política ou administrativa nacional» (Plano de Acção Política do Conselho da Revolução, 1.7);
Considerando que o período de antes da ordem do dia tem sido aproveitado efectivamente por Deputados de alguns partidos para interferirem realmente na vida política nacional, em prejuízo da missão específica da Assembleia, transformando-a, antes, em Assembleia Parlamentar;
Considerando que a quase totalidade das intervenções feitas no período de antes da ordem do dia não têm tido qualquer relação relevante com a matéria constituinte, antes têm sido aproveitadas para ataques ao Governo e ao Conselho da Revolução e insultos ao MFA e à Revolução;

Vozes: - Não apoiado!

Apupos.

E caberia aqui perguntar se os aplausos pretendidos pela intervenção do Sr. Deputado Manuel Alegre foram aqueles quentes que antes recebeu da bancada do CDS e do PPD.

Vozes: - Não apoiado!

Apupos.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção. Peço que não interrompam o orador.

O Orador:

Considerando que todos os assuntos relevantes para a matéria constituinte podem e devem ser tratados no período da ordem do dia, quer no debate na generalidade dos projectos de Constituição, quer na discussão de cada título, capítulo ou artigo da Constituição;
Considerando também os argumentos aqui invocados de vários quadrantes no sentido de se aproveitar realmente o tempo útil da Assembleia, para realizar a sua tarefa específica, evitando a perda de tempo em assuntos que lhe não dizem respeito;
Considerando o artigo 85.º do Regimento:

O Grupo de Deputados do PCP propõe as seguintes alterações ao Regimento:

1. Revogação das alíneas d) e e) do artigo 42.º;
2. Revogação do artigo 43.º;
3. O n.º 1 do artigo 60.º passará a ter a seguinte redacção:
  1. Nenhum Deputado poderá usar da palavra antes da ordem do dia por mais de cinco minutos.

4. O n.º 1 do artigo 62.º passará a ter a seguinte redacção:
  1. Não poderão ser tomadas deliberações durante a período de antes da ordem do dia.

O Grupo de Deputados do Partido Comunista Português.

A segunda proposta que passo a ler é a seguinte:
Considerando a importância fundamental do debate na generalidade sobre os projectas de Cons

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tituição quer para a definição do «sistema geral da Constituição» [artigo 3.º (3) do Regimento], quer para a análise dos «princípios e sistema de cada projecto» [antigo 77.º (2) do Regimento];
Considerando que a discussão sobre os princípios e sistema de cada projecto, bem como sobre os seus fundamentos políticos e ideológicos específicos, exige a sua discussão aprofundada;
Considerando que a deliberação aqui tomada ontem contra o Regimento e contra o parecer do Presidente da. Assembleia Constituinte impede o debate separado de cada projecto, o que dificulta gravemente a possibilidade de pôr totalmente a claro os pressupostos políticos de cada um dos projectos, de que as massas populares compreendam o seu preciso significado;
Considerando que, face a esta decisão, o disposto no Regimento sobre o número: o tempo das intervenções se revela altamente limitativo e impede uma completa discussão na generalidade dos projectos de Constituição:
O Grupo de Deputados do PCP propõe as seguintes alterações ao Regimento:

1. Ao artigo 65.º será acrescentado o seguinte número:
 2. No debate previsto no artigo 3.º (3) cada Deputado poderá usar da palavra três vezes.

2. Ao artigo 60.º deve acrescentar-se o seguinte número:
 5. No caso referido no artigo 55.º (2) cada Deputado não poderá exceder vinte minutos na primeira e na segunda intervenções e dez minutos na terceira.

3. No artigo 79.º acrescentar-se-á o seguinte número:
 4. No debate referido no artigo 3.º (3) não será admitido o requerimento previsto no n.º 1.º deste artigo enquanto não tiverem usado da palavra pelo menos cinco dos Deputados de cada partido com inscrições feitas ou que queiram pronunciar-se.

Sr. Presidente: Enviarei para a Mesa em tempo oportuno e devidamente assinadas estas propostas.

O Sr. Presidente: - As propostas foram apresentadas nos termos do artigo 85.º, portanto a Mesa admite-as, e serão postas na ordem do dia da próxima sessão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Américo Duarte.

O Sr. Américo Duarte (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a luta das massas populares pelo esmagamento do fascismo, pela ocupação dos latifúndios, pela defesa da independência nacional, abriu-se uma nova crise política no seio do Governo, incapaz de satisfazer as aspirações mais sentidas pelas massas populares.
As decisões tomadas esta madrugada pelo partido do Sr. Dr. Mário Soares vêm tornar claro a todo o povo o seu tão apregoado socialismo em liberdade. O pretexto do caso República, apresentado por esses senhores, não consegue encobrir a verdadeira questão, que é a de se oporem frontalmente ao avanço da luta das massas populares.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador:- Hoje, o partido dito socialista faz bloco dentro desta. Assembleia, e fora dela, com todas as forças reaccionárias que se têm oposto claramente aos interesses do povo, como o PPD e o CDS.

Risos e apupos.
Aplausos das galerias.

O Sr. Presidente: - Temos que avisar o público de que somos obrigados, embora muito contra vontade, a convidá-los a sair se insistirem, contra a nosso Regimento, em se manifestarem.
Têm direito a assistir, têm direito a ouvir, têm direito atirar as conclusões que entenderem, mas não têm o direito de se manifestarem, porque o Regimento não o permite.

O Orador: - Só queria fazer uma pergunta ao Sr. Presidente. Cada vez que a UDP fala e a tribuna, o povo que está lá em cima, se manifesta, o Sr. Presidente chama sempre a atenção, É só em relação ao Deputado da UDP?

O Sr. Presidente: - O Presidente desmente formalmente essa acusação.

O Orador: - É questão de nós irmos ver os Diários da Assembleia Constituinte. Está bem patente nos Diários da Assembleia Constituinte.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Ainda na penúltima sessão desta Assembleia esse partido condenou a decisão de milhares de trabalhadores de dissolução do PDC e CDS.
A força que hoje tem esta coligação reaccionária, ponta de lança do imperialismo americano na nossa pátria, só é possível devido à política de meias - tintas e de traição que o partido do Dr. Cunhal vem desde há muito fazendo.

Apupos das galerias.

O Dr. Cunhal vai agora certamente atirar para cima do PS todas as culpas da inoperância do Governo e da actual crise, querendo lavar daí as suas mãos.

Apupos e risos.

Mas, de facto, as suas mãos estão bem pouco limpas.
A actual crise que se vive em Portugal deve-se aos vende-pátrias que se digladiam na disputa do Poder, querendo entregar de mão beijada Portugal e o seu povo às duas superpotências.

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O partido do Dr. Cunhal é, assim, o principal agente dos interesses imperialistas e expansionistas da actual Rússia, procurando que Portugal mude de patrão. É em nome dessa política que governou com Spínola, que se aliou ao PPD, a quem chamou «partido democrático», aliás como ao próprio CDS. É em nome dessa política que se recusou a atacar e recusa a atacar o fascismo até ao fim e opôs-se e boicotou as lutas populares pelo saneamento e contra o fascismo.
Isto foi claro na passada semana quando não hesitou em lançar desavergonhadamente uma campanha de boatos reaccionários para que os operários e trabalhadores não saíssem à rua, mostrando a sua força contra o fascismo.
O resultado desta política de sabotagem está à vista. As forças fascistas e reaccionárias puderam manobrar à sua inteira vontade e hoje temos à nossa frente um bloco reaccionário e antipopular desde o CDS ao PS.
Os últimos acontecimentos passados nesta Assembleia Constituinte mostram-nos que ela apodrece dia a dia.
A classe operária, os trabalhadores e todo o povo olham-na cada vez com mais descrédito. Ganham consciência de que desta Sala não poderá sair nada que favoreça a resolução dos seus principais problemas e de que, pelo contrário, desta Sala sairão fedidas antipopulares que querem opor-se ao avanço da luta do povo português.
É este o significado das manifestações populares da última semana em Lisboa e no Porto.
A União Democrática Popular defende que, hoje mais do que nunca, o centro de gravidade das lutas populares está longe deste hemiciclo de lacraus.
Risos.

Uma voz: - Cala a boca!

O Orador:- Hoje mais do que nunca a luta decisiva trava-se nas ruas, nas fábricas, nos campos, pela reforma agrária, e nos quartéis.
Se os trabalhadores assegurarem amplas formas de organização popular, e o que é essencial, uma direcção revolucionária, não haverá coligação reaccionária, não haverá força imperialista americana ou russa que resista à força da luta popular.
Hoje temos três frentes de luta: a luta pela reforma agrária, que daqui certamente não vai sair; a luta pelo esmagamento da base social do fascismo; a luta pela independência nacional.
E nesta luta de vida ou de morte, Srs. Deputados, as massas populares não vão mais esperar.

O Sr. Coelho dos Santos (PPD):- Peço a palavra para um esclarecimento,

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Pato.

O Sr. Américo Duarte: - Dá-me licença? Eu tenho quinze minutos para falar e ainda não acabei.

O Sr. Presidente: - Como disse: «Tenho dito, eu supus que tinha acabado.

O Sr. Américo Duarte: - Eu disse: «Tenho dito», para a última intervenção, mas agora é uma moção.

Risos.

O Orador: - Considerando que «a luta dos trabalhadores do República não tem nada a ver com os interesses de quaisquer partidos burgueses, que, falando em nome dos trabalhadores, mas actuando sempre no seu próprio interesse, traíram objectivamente os interesses da classe operária e das. classes mais exploradas», segundo as palavras dos próprios trabalhadores;
Considerando que «a luta dos trabalhadores do República é uma luta do trabalho contra o capital», usando de novo ás próprias palavras dos trabalhadores, proponho a seguinte moção:

A Assembleia Constituinte, reunida ,na sua sessão do dia 11 de Julho de 1975, saúda a decisão dos trabalhadores do jornal República em ter feito publicar o seu jornal sob sua própria responsabilidade e repudia todas as atitudes que vão contra a luta dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento não pode ser feita qualquer votação no período de antes da ordem do dia, nem tomada qualquer deliberação, a não ser nos termos da alínea e). De maneira que a moção pode ser recebida na Mesa, mas não pode ser posta à votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Pato.

O Sr. Octávio Pato (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Procurarei ser breve. É principalmente para manifestar o protesto dos Deputados do PCP, por mais uma vez se tentar transformar esta Assembleia Constituinte numa «tribuna» para discutir problemas que não têm relação directa com a elaboração e aprovação da Constituição, mas têm, sim, uma relação directa com as tentativas de criar divisões entre o MFA e o povo português, que quer realmente fazer avançar o processo revolucionário.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador:- Não quereis, mas esta é a verdade.

Risos e aplausos.

Isso é convosco! É, portanto, neste sentido que nós protestamos. Diz-se aqui, e foi dito pelo Deputado que antecedeu, que não há necessidade de nos insultarmos uns aos outros. Mas o que está aqui a fazer senão insultar os homens do 25 de Abril, os homens do MFA que libertaram o povo português?

Apupos, aplausos e assobios.

Mas não só isto. Também se está a insultar aqueles que passaram anos e anos de prisão, mesmo dizendo que se vestiu uma toga para os defender. É mais fácil passar para a bancada dos advogados de defesa do que, passar pelo banco dos réus e pelas prisões.

Aplausos e apupos.

Ah! Levantam-se! Não gostam? Não gostam? Não gostam, pois não, Srs. Drs. Santos Silva e Seabra? Então, se não gostam ...

O Sr. Santos Silva (PPD): - Quem lá esteve mais tempo fez menos. . .

Apupos, aplausos e assobios.

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O Orador: - Não gosta? Não gosta porque doem, não é Sr. Santos Silva e Dr. Seabra?
Então, se não gosta

Apupos.

O Sr. Santos Silva: - Eu não estive na cadeia e ...

Apupos e burburinho geral na Sala.

O Orador: - Então, se me permite, eu direi o seguinte . . .

Apupos e aplausos.

Nesta bancada do Partido Comunista Português, os homens que aqui estão somam 145 anos de prisão!

Aplausos, apupos e assobios diversas expressões impassíveis de registar.

O Sr. Emídio Guerreiro: - O senhor conhece-me bem e não tem o direito de me insultar.

O Orador: - Como? Como disse?
Olhe! Em primeiro lugar devo dizer-lhe que não me pediu para me interromper.
São apenas 145 anos de prisão e nós considerarmos que hoje o povo português ,não tem liberdades democráticas ou que essas liberdades estão ameaçadas é um insulto a todos aqueles que lutam e lutaram pelas liberdades democráticas e pelo derrubamento da ditadura fascista em Portugal.

Aplausos.

Que nos digam os Deputados do CDS quantos anos de prisão contam? Que nos digam os Deputados do PPD quantos anos de prisão contam?
E assim sucessivamente.

Apupos.

O Sr. Presidente: - Façam o favor de não interromper o orador. Peço a atenção da Assembleia para não se fazer diálogo entre Deputados: Continue Sr. Deputado.

O Orador: - Se me dá licença, Sr. Deputado, eu devo dizer-lhe que ainda há dias, a um dos Srs. Deputados, por uma razão muito válida, um dos meus camaradas tentou interrompê-lo e ele não permitiu. Ora, agora o senhor está a interromper-me sem me ter pedido qualquer autorização, como diz o Regimento.

Apupos.

O Sr. Presidente: - Faça o favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - É que, já que os senhores sabem assim tanto de leis, ao menos ...

Apupos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de continuar evitando o diálogo.

O Orador: - O diálogo foi-me imposto.
O que queria dizer era apenas isto. Portanto, na nossa opinião, se continuar a tentar usar esta Assembleia Constituinte para se discutirem problemas que nada têm a ver com as tarefas que lhe competem, nós, nesse aspecto, não deixaremos de protestar, desde que se venham aqui levantar questões que representam, na verdade, um insulto ao MFA, um insulto à aliança povo-MFA.

Apupos e aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Leal. Dispõe de dez minutos para acabar o período de antes da ordem do dia.

O Sr. Cunha Leal (PPD): - Sr. Presidente: Os Srs. Deputados que aqui se encontram estão aqui por imposição expressa dos eleitores ...

Risos.

... que sufragaram e, além disso, em estreita conformidade com a condicionalismo legal que regula a acesso a esta Casa ...

... condicionalismo este, controlado em pormenor por uma Comissão de Verificação de Poderes, que, debruçando-se sobre todos s cada um dos casas, chegou à conclusão de que todos quantos aqui estão estão na em, perfeita conformidade com os dispositivos a que me referi. Têm o seu direita de ingressa nesta Casa perfeitamente regularizada e, consequentemente, também o de aqui poderem permanecer. Disto ninguém pode duvidar, e muito menos o Sr. Deputado da UDP, que, tendo sedo convidada a fazer parte dessa mesma Comissão de Verificação de Poderes, coma já tive oportunidade de aqui o afirmar, a tanto se recusou, por uma questão de coerência que lhe vem da lógica cartesiana a que presta culto, e de acordo com a qual entende não dever tomar assento nestas Comissões para evitar certas convívios e de já não recusar o mesma aqui neste hemiciclo.
Ora, Sr. Presidente, feitas estas afirmações, resulta ser fora de toda e qualquer dúvida que todos os que aqui nos encontramos estamos isentos de qualquer suspeição que a lei devidamente acautelou.

Murmúrios e risos.

Disto parece andar arredada o referido Deputado da UDP, por certo sob a invocação não sei de que prerrogativas e baseando-se não sei em que direitas ou garantias do seu passado de combatente, que eu desconheço mas que do qual não duvido.

Risos.

Assim se permite ele lançar um pouco a esmo sobre todos a labéu de fascistas ...

Gargalhadas.

... expressão esta que, como já aqui foi afirmada e embora ande um pouco abastardada no consenso generalizado das pessoas, mesma assim tem

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indubitavelmente um conteúdo nitidamente ofensivo, e tanto mais ofensivo que as pessoas sobre as quais lança essa invectiva pertencem a partidos políticos que têm reconhecidamente direito a existência e que, portanto, não merecem, em nenhuma circunstância ser tidos como fascistas.
Ora, acontece isto: é que a repetição monocórdia dessa acusação de fascistas, qual balão cheio a rebentar, é já intolerável, é já inadmissível. E é-o tanto mais quanto é certo que até V. Ex.ª não lho deve consentir. E por uma razão muito simples, é que essa verborreia infrene ...

Risos.

... esse verbalismo inadmissível do Sr. Deputado da UDP, cai sobre férola do preceito expresso do artigo 20.º, alínea e), do Regimento, na qual se afirma que «compete ao Sr. Presidente da Assembleia Constituinte conceder a palavra aos Deputados e assegurar a ordem dos debates, advertindo qualquer Deputado quando se desviar do assunto em discussão, ou o discurso se tornar injurioso ou ofensivo, e retirando-lhe a palavra quando persistir nessa conduta».
Ora, é injurioso o apodo de fascista com que aquele Sr. Deputado pretende ofender todos quantos aqui se encontram.

Riscos e gargalhadas

Sr. Presidente: De qualquer forma, eu compreendo as dores que toma certo sector das galerias na justa medida em que, de alguma sorte, os seus componentes são co-autores materiais dos discursos escritos que o Deputado aqui costuma ler.

Aplausos e apupos.
Manifestações das galerias.

Nestas condições, permito-me afirmar, invocando ò artigo 53.º do Regimento, que V. Ex.ª deve, efectivamente, advertir o sobredito Deputado de que não pode continuar a referir-se aos seus pares nos termos em que o vem fazendo, e, a despeito disso, se persistir continuar a usar dessas expressões, V. Ex.ª lhe deve retirar a palavra.
Sr. Presidente: Uma vez que me encontro no uso da palavra, permito-me ainda fazer certos outros comentários, a propósito de afirmações que nesta Casa tenho ouvido.
Há certo sector deste hemiciclo que parece ter avocado a si o direito de outorgar, quase que em exclusividade, alvarás de catões e patriotas e atestados de bom comportamento cívico e revolucionário; ...

Gargalhadas Manifestações das galerias.

... e já aqui se afirmou solenemente que só esse sector tinha o direito, pelos sacrifícios sofridos na luta, que ele, mais do que ninguém, havia travado neste país, de se pronunciar em nome dos bons princípios da revolução libertadora que neste país rebentou no dia 25 de Abril.

Risos.

Ora, esses senhores são de bem fraca memória, já que pelas calçadas deste país tem corrido muito sangue, sangue de bons democratas que não eram comunistas, já que as prisões do antigo regime se atulharam de pessoas que não eram comunistas, já que a deportação foi o recurso a que o Governo de então lançou mão, para atirar para fora dos contornos geográficos da metrópole pessoas que não eram comunistas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- ... e que eram indefectíveis adversários do Governo fascista que nos oprimia, já que o estrangeiro se viu coalhado de portugueses que tiveram de fugir deste país para poderem escapar à fúria perseguidora da Pide e das polícias políticas que antecederam, não sendo comunistas. E se V. Ex.ª
permite, e com isso terminarei, bastar-me-á, para evidenciar o que deixo dito, dizer que desde o 28 de Maio eclodiram neste país várias revoluções, se verificaram-se várias tentativas e houve numerosas manifestações à mão armada a que foi estranho o Partido Comunista. Permite-me V. Ex.ª que lhas recorde:
Houve uma revolução em 3 de Fevereiro de 1927, no Porto, em que não entraram comunistas;
Em 7 de Fevereiro de 1927 eclodiu, em continuação dessa mesma revolução, uma outra em Lisboa, em que se inundaram de sangue as calçadas da capital;
Em 20 de Julho de 1928 houve outra revolução, onde não participaram também comunistas.
Em 4 de Abril de 1931 sucederam-se as revoltas dos Açores e da Madeira, com reflexo em Inhambane, em Moçambique, e também na Guiné, revoltas que não foram, outros sim, comunistas;
Em 26 de Agosto de 1931 rebentou um outro movimento; outro ainda em 10 de Setembro de 1935, este último chefiado pelo comandante Mendes Norton e pelo Dr. Rolão Preto, não sendo qualquer deles de natureza comunista;
Em, Setembro de 1936 verificou-se uma sublevação a bordo dos navios de guerra Dão e Afonso de Albuquerque, sublevação a que foi estranho o Partido Comunista;

Manifestação na sala e expressões diversas que não foi possível registar.

Em 11 de Outubro de 1946 teve lugar a chamada revolta da Mealhada, que não foi, igualmente, comunista;
Em 10 de Abril de 1947, houve uma intentona, não comunista, chefiada pelo capitão Henrique Galvão;
Em 12 de Março de 1959 verificou-se uma intentona a que o Partido Comunista foi também alheio;
Em 1 de Janeiro de 1962, houve o assalto ao quartel de Beja, do mesmo modo não comunista, assalto este onde veio a perder a vida um pobre rapaz que já havia participado na revolta do 12 de Março; e cujo nome um Sr. Deputado do PCP não gosta de ver confundido com ele - esse pobre homem, esse pobre chauffeur, chamava-se qualquer coisa como Correia Vilar.

O Sr. Presidente:- Eu agradecia ao orador que abreviasse, porque está no seu limite de tempo.

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O Orador: - Em 22 de Janeiro de 1961 teve lugar o assalto ao Santa Maria, chefiado também pelo capitão Henrique Galvão. E quantas, quantas mais intervenções eu não poderia relatar para evidenciar o seguinte: é que neste país houve homens puros, que pretenderam instaurar um regime de liberdade, que não era só para elas mas que era para todos, ao passo que ...

Aplausos e pateada da Assembleia e da galeria.

O Sr. Presidente: - Terminou o tempo que ...

O Orador: - Eu vou terminar. Ao passo que o Partido Comunista, como se está provando actualmente, deseja apenas uma liberdade «dirigida» contra nós. Tenho dito.
Aplausos e pateada da Assembleia e da galeria.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Queria dizer ao Sr. Deputado Cunha Leal que também houve o 25 de Abril e não foi comunista.

Aplausos vibrantes e pateada da Assembleia e da galeria.

O Sr. Presidente: - Bem, meus senhores, terminámos o período de antes da ordem do dia, vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Têm a palavra reservada, da sessão anterior, os Deputados Sousa Pereira, do MDP/CDE, João Lima, do PS, e Américo Duarte, da UDP. Hoje há mais inscritos. Os seguintes: Medeiros Ferreira e Barbosa de Melo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pereira.

O Sr. Sousa Pereira (MDP/CDE): - Sr. Presidente: A minha intervenção ...

Burburinho na Assembleia.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia para o orador.

O Orador: - A minha intervenção é para fazer a apresentação da proposta de Constituição do meu Partido - Movimento Democrático Português -, que vou ler:
A Constituição Política da República Democrática Portuguesa deve reflectir as grandes aspirações do povo e acompanhar a sua crescente determinação de, em estreita aliança com o MFA, instaurar uma sociedade de democracia socialista, isto é, «uma sociedade semi classes, obtida pela colectivização dos meios de produção, eliminando todas as formas de exploração do homem pelo homem e na qual serão dadas a todos os indivíduos iguais oportunidades de educação, trabalho e promoção, sem distinção de nascimento, sexo, credo religioso ou ideologia». Em suma, uma sociedade para o povo e em que o poder seja por ele exercido.
Inserta num processo de democratização, rumo ao socialismo, a Constituição deve reflectir com clareza a dinamismo desse processo, só assim se conseguindo que o seu conteúdo possa ser verdadeiramente revolucionário, permitindo o desenvolvimento das conquistas daquele processo.
O seu texto deverá ser tão preciso que consagre, sem sofismas, as conquistas já alcançadas pela luta vitoriosa do povo português e tão elástico e genérico que permita conter as conquistas económicas, sociais e políticas ao alcance das populações unitariamente organizadas e aliadas ao MFA.
Tal coma nos processos biológicos os organismos se encarregam de rejeitar os corpos estranhos, também o processo revolucionário, por processo de defesa natural, se encarregará de rejeitar uma Constituição que lhe seja estranha ou adversa.
Deverão, portanto, ser recusadas todas as propostas que, invocando razões formais de democracia orgânica, tentem neutralizar o avanço de um processo revolucionário, codificando o seu comportamento e eliminando, por essa via, a capacidade participativa da imaginação popular, tornando estático um processo de movimento para uma sociedade nova.
Só este espírito corresponderá às palavras exemplares do general Costa Gomes na sessão inaugural desta Assembleia quando concluiu que «o legislador revolucionário só garante a eficácia histórica da sua acção criando legislação avançada, bem adequada ao curso do processo revolucionário, com conteúdo qualitativo que contribua para a felicidade e dignidade da sociedade a que se destina».
O conteúdo e o esquema do projecto de Constituição estudado e proposto pelo MDP/CDE tiveram a preocupação de corresponder às ideias fundamentais atrás expressas.
Optou-se também por um respeito rigoroso da plataforma MFA/partidos, que o MDP/CDE nunca considerou um espartilha paralisante mas, bem pelo contrário, um factor objectivo garantindo o avanço do processo revolucionário. Representa também uma plataforma de unidade, livremente aceite pelos partidos políticas signatárias que constitui garantia real de que as esperanças do povo português não seriam defraudadas e que, na Constituinte, seriam garantidos os instrumentos de avanço da sua Revolução.
O preâmbulo pretende definir, carro clareza, as antecedentes, o enquadramento histórico político da Constituição portuguesa e as suas determinantes políticas. E, nessa tentativa, têm de considerar, não apenas os fenómenos políticos, sociais e económicos que precederam imediatamente e, assim, condicionaram e mesmo determinaram, de forma directa, o actual momento político, mas também todo o longo período de dominação do terrorismo fascista que atacou violentamente - e a todos os níveis - os interesses mais profundos do povo português.
A consideração deste período da história do País e daqueles fenómenos permitirá informar o momento político presente e surpreender as contradições fundamentais da vida política portuguesa, determinar quais as forças políticas agora libertas e mobilizadas para a tarefa da construção de uma sociedade nova, quais os factores de dinamização e organização populares e a sentido da lufa do povo português.
São estes as elementos e as condições que deverão definir o Estado Português, na sua estrutura política e nas suas finalidades.

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Daí que consideremos esta parte da Constituição não como um elemento formal de circunstância, mas como um elemento informador e um factor preponderante do texto constitucional.
Os princípios fundamentais enunciados pelo MDP/CDE, na ponderação do quadro histórico que se desenha, indicam as bases populares em que assenta a República Democrática - as grandes camadas da população oprimidas pelo fascismo e exploradas pelos monopólios indicam os meios de participação política das massas - aliança revolucionária das classes populares com as forças armadas; indicam os objectivos da luta política das forças assim aliadas - a instauração da sociedade socialista.
O MDP/CDE julga que o povo português, submetido ao jugo fascista durante meio século, é agora o único destinatário das liberdades que conquistou e deve decidir plenamente do seu exercício.
O seu uso só pode ter um sentido - o da conquista das condições concretas de manutenção do seu próprio e amplo exercício; o da consecução das condições materiais que lhe permitam conferir conteúdo prático às liberdades conquistadas, como condição imprescindível da modificação profunda da sociedade portuguesa,
Essa liberdade política legitima-se como meio de reforço da organização popular, base da expansão democrática e dispositivo de ataque à opressão fascista, ao poder monopolista explorador e à espoliação imperialista; enfim, como o primeiro elemento da construção da sociedade socialista.
O MDP/CDE sublinha não ter encontrado, nos projectos do PS, do PPD e do CDS um Estado definido inequivocamente em função das actuais forças populares e progressistas e da sua perspectiva de luta com vista à construção da sociedade socialista.
Tais projectos, uniformemente, esquecem-se de que a estrutura política e os fins do Estado dependem do curso dinâmico da Revolução do povo português. E esquecê-lo é perder de vista, irremediavelmente, o elemento mais importante da arquitectura política do País.
A visão dinâmica da sociedade portuguesa e a recusa de a considerar em formas acabadas e inertes, solenemente consagradas num texto, é a dominante do sistema preconizado pelo MDP/CDE.
Procurou-se, desde a definição política do Estado até à organização popular, adoptar fórmulas evolutivas que, desde logo assentando nas conquistas alcançadas pelo povo português, venham a incentivar, a acompanhar e depois a cobrir os novos avanços revolucionários das amplas camadas da população portuguesa, na consolidação do Estado democrático e na construção da sociedade socialista.
Neste entendimento, julgou-se correcto que as leis do País e a sua aplicação prática deveriam ser consideradas especificamente.
O título VI «Legalidade e justiça democráticas reflecte esta preocupação e dará resposta própria à instante e grave necessidade de dotar o povo português com um sistema de leis que termine com a violenta contradição existente entre a realidade revolucionária e a legalidade formal, que sirva de elemento catalisador ao próprio avanço revolucionário e constitua um meio de fixação das conquistas sucessivas das amplas camadas da população portuguesa.
A consideração especificada desta matéria responderia ainda, no domínio da aplicação das leis, a uma preocupação de ajustamento da estrutura existente às necessidades actuais da sociedade portuguesa.
O nosso projecto teve em atenção uma cuidada análise da situação real do processo revolucionário, a correlação das forças políticas que o movimentam e daquelas que é preciso ganhar e galvanizar na luta pelo seu avanço acelerado.
Por isso e para isso o nosso projecto se orienta no sentido do reconhecimento da necessidade de uma ampla participação popular em todas as fases do processo.
Não só no título v «Administração local e poder popular», mas também em todos os outros, a vontade e o poder popular aparecem indissoluvelmente ligados ao poder do Estado, no qual se vão progressivamente integrando. Assim se consagra e reconhece a intervenção activa da organização popular nos problemas locais de habitação, saúde, na defesa do meio ambiente, no controle da produção, na aplicação da justiça e na defesa da legalidade revolucionária.
È esta uma característica fundamental e dinâmica do nosso projecto constitucional e é também o reconhecimento de que algo de profundo se passa na nossa sociedade em que as massas populares, saídas de um regime de degradante exploração, se mobilizam no sentido de activamente promoverem a passagem de um estado opressor a um estado progressivamente livre e popular.
E não podemos admitir que esta circunstância, altamente positiva, não tenha a sua tradução e consagração no texto constituinte.
Alguns outros textos e esquemas constitucionais apresentados, esquecendo esta situação real, que é uma conquista do povo, aceitaram a linha tradicional da divisão e funções administrativas das autarquias locais, vagamente sugerindo a criação de «regiões», porventura substituindo os actuais distritos, mas reflectindo apenas uma preocupação tecnocrática de nova reorganização regional (caso do PPD e CDS).

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - A do PS apresentando um título «Comunidades locais», fez o tratamento do seu articulado nitidamente inspirado na Constituição francesa, que, já em 1946, designou por colectividades locais, entendendo como tal as comunas e os departamentos.
Também na Constituição francesa, tal como na proposta do PS, essas comunidades ou colectividades, não tendo formas harmónicas de integração e colaboração com a organização do Estado, fez coam que constituíssem; de certo modo, um poder paralelo.
Isto significa uma tentativa de transposição artificial e esquemática das formas de organização utilizadas nas democracias tradicionais, nomeadamente na França e na Itália, para as nossas condições completamente diferentes, condições que constituem formas de bloqueamento ao caminho para um estado democrático e popular.
A inclusão, por parte do PS, deste assunto num título separado não significa, ao contrário do que

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acontece no nosso projecto, uma forma de destaque pela importância que se lhe reconhece na organização do Estado, mas uma forma de autonomização. Está isto em nítida contradição com o movimento e organização populares que tem vindo a tomar corpo e que foram agora mais claramente definidas na Assembleia do MFA segundo a qual as organizações populares unitárias constituem peças fundamentais de uma prática democrática unitária.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador:- Terão oportunidade de não apoiar, quando defenderem o vosso projecto e comentarem o nosso. Nessa ocasião nós faremos o mesmo.

O Sr. Presidente:- As vozes «não apoiado» são permitidas pelo Regimento; o que não é permitido é interromper o orador.

O Orador: - Naturalmente, Sr. Presidente.
Não podemos também, independentemente da análise do conteúdo, deixar de referir a ordenação das matérias e sua sistematização, pelo que elas representam de posição de fundo, marcadamente ligadas às concepções ideológicas que lhes são inerentes.
Como tivemos ocasião de salientar na declaração de voto relativa ao projecto de sistematização aprovado pela Comissão, a nossa primeira discordância respeita à própria ordenação dos assuntos. Colocar a organização económica depois dos direitos e de fundamentais dos cidadãos (solução comum aos projectos PS, PPD e CDS) corresponde a uma linha marcadamente retrógrada. Apresentar tais direitos e deveres fora do contexto económico e social que, em grande medida, os condicionam, confere a esses projectos um conteúdo formal e abstracto.
Na verdade, entendemos que na organização dos indivíduos em sociedade não interessa tanto a definição teórica dos direitos, interessando mais as condições concretas que permitirão o seu exercício em toda a amplitude. Qualquer propósito de inversão da importância daquelas questões, característica de regimes sociais-democratas, significa, em nosso entender, uma tentativa ardilosa de reconstituição de formas degradadas de capitalismo, em formas de exploração ainda mais intensiva, embora, aparentemente, menos odiosa.
E a nossa revolução tem sido um claro exemplo de que sem a alteração profunda das estruturas económicas não deixará de haver opressão social e política e, por essa via, postas em causa as liberdades conquistadas em 25 de Abril.
São inequívocas provas disso o aproveitamento que sectores reaccionários e monopolistas tentaram fazer, em seu próprio proveito, das liberdades conquistadas pela aliança povo-MFA, sendo também evidente que a dinâmica actual do nosso processo revolucionário, que aponta decididamente para uma democracia socialista, não possa ser contido numa Constituição que pretenda deter esse processo em padrões limitados de uma democracia tradicional.
Igualmente discordamos do tratamento separado dos «direitos económicos e sociais» e dos «direitos; liberdades e garantias individuais», na medida em que isso representa uma artificial separação de dois planos que se encontram indissoluvelmente ligados.
Pelas razões atrás aduzidas, o MDP/CDE pensa que o seu esquema de sistematização, adiante reproduzido, será, pela sua clareza e simplicidade e pela sua ordenação, aquele que melhor corresponde às necessidades de uma Constituição ao serviço da dinâmica revolucionária e constituirá uma proposta correcta de trabalho.

Esquema:

Preâmbulo - Antecedentes, enquadramento histórico e determinantes políticas.
Título I - Princípios fundamentais do Estado-Estrutura e fins do Estado.

Título II - Bases económicas e sociais:

Planificação económica; meios de produção; consagração das conquistas populares; criação das condições materiais para instauração do socialismo.

Título III- Direitos liberdades e garantias dos cidadãos:
Consagração das conquistas populares; consideração dos fins do seu exercício.

Título IV- Órgãos de Soberania:

Observância das regras do Pacto.

Título V- Administração local e poder popular:
Consagração das conquistas populares; institucionalização da participação popular e da sua dinâmica.

Título VI - Legalidade e justiça democrática:
Papel da lei e da sua aplicação no processo revolucionário.

Normas transitórias e disposições finais.

O Sr. Presidente:- Se estivessem de acordo, faríamos agora um intervalo de quinze a trinta minutos. Está, portanto, suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Declaro reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente - Tem a palavra o Sr. Deputado João Lima.

O Sr. João Lima (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar o projecto de Constituição do Partido Socialista não me poderei limitar à simples enunciação das matérias nele versadas e da ordem por que foram sistematizadas.
Antes de tudo, e para além da definição gerai dos critérios que a informam e que a revestem de certa carga ideológica, importa afirmar mais uma vez, sublinhando a sua importância, que ora se

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inicia o momento transcendente da feitura e formulação de uma lei fundamental que os portugueses, confundidos, uns, com a anarquia reinante, sempre muito bem justificada pelos que nela estão interessados e sempre à custa dos «saltos da revolução», desconfiados, outros, pela prática que se vai vulgarizando de o não cumprimento das leis ou a sua ignorância pura e simples tender a erigir-se em princípio geral a nacional, mesmo assim, e talvez por isso mesmo, anseiam ver concluída.
Órgão de soberania, cuja dignidade lhe advém expressamente de a sua composição resultar de uma escolha directa do povo, que, doa a quem doer, livre e secretamente, elegeu os seus Deputados, a Assembleia Constituinte tem vindo a aparecer, como verdadeira excrescência da revolução portuguesa, pela boca ou pela pena de alguns irresponsáveis, que ousam fazer da ironia, gratuita e barata, que faria corar de vergonha o «verve» queirosiano, meio ide deformar e de confundir a opinião pública, num objectivo muito claro e inequívoco de lhe diminuir a sua importância e de obviar à consecução dos seus patrióticos objectivos e mesmo ao exercício das suas tão difíceis quanto transcendentes funções.
Para esses direi - e a história o testemunha - que o povo não se engana e que quem tiver a veleidade de o pretender fazer possibilita e fomenta que a voz popular, que não é só a baixa lisboeta, mas que integra a dos portugueses do Minho ao Algarve, do litoral ao interior, se erga num protesto nacional de repúdio activo a um pseudo-revolucionarismo que não é nem nunca será o seu!
Para vós, Srs. Deputados, direi que não serão os Deputados do Partido Socialista que voluntariamente abandonarão este hemiciclo, mas que, se daqui saírem sem que tal resulte da mesma vontade popular que aqui os colocou, terá de ser à força e, ainda assim, aos sacolões!

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Temos a responsabilidade de fazer uma Constituição no único órgão de soberania que tem competência para tal, de acordo com o pacto-platalorma, aqui tantas vezes invocado e por nós, socialistas, escrupulosamente cumprido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas se o cumprimos, exigimos e exigiremos que todos o cumpram, sem qualquer excepção e seja qual for a qualidade dos seus signatários.
Se ouvimos constantemente dizer - e já não sem algum tédio que a função exclusiva desta Assembleia é a de fazer a Constituição, também não hesitamos em fazer ouvir a nossa voz, afirmando clara é seguramente que esta exclusividade de a fazer nos pertence a nós, Deputados, e a mais ninguém.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É neste contexto que o projecto constitucional do Partido Socialista se apresenta com a natureza não de um panfleto político mais ou menos articulado, mas sim de corpo formulatório de regras imperativas que haverão de condicionar toda a regulamentação da vida política e económico-social da comunidade portuguesa.
Crente de que a função específica da Assembleia Constituinte não se pode divorciar em caso algum da dinâmica do processo revolucionário português, pretende o Partido Socialista pôr à discussão deste Plenário um normativo constitucional adequado ao período de transição em que se vive, preservando a exequibilidade das soluções, mas tentando também assegurar as condições materiais e colectivas dessa mesma transição para a verdadeira sociedade socialista, onde a democracia deve ser obra do povo e não das pseudovanguardas que o pretendem em seu nome dirigir, para o tutelar, num reelaborado sentido burguês de classe.
Só assim, pensamos, se pode obter a forma concreta de transformar a Constituição num instrumento revolucionário que impeça ou ajude a impedir toda a sorte de desvios aventureiristas que conduzam o povo português à tragédia de um beco sem saída ou de saída difícil, terreno sempre fértil para o totalitarismo de uns ou de outros e qualquer que seja o seu rótulo.
Por isso, entendemos que a construção do socialismo está intimamente ligada à defesa intransigente da democrática política e a tudo o que nela se contém.
Por isso, entendemos, como Rosa Luxemburgo (talvez uma «fascista» para alguns ...), que as liberdades são sempre, pelo menos, as liberdades daqueles que pensam de outra maneira.
Não apenas como resultado de critérios de justiça ou de ética, mas porque tudo o que elas contêm de instrutivo, de salutar e de purificador depende desses critérios e deixa de ser eficaz quando as «liberdades» se tornam privilégios.
Constitui perfeita demagogia de que o Pais está farto o afirmar-se que a importância decisiva por nós atribuída às liberdades e aos direitos fundamentais do homem prefiguram a intenção do Partido Socialista de constituir em Portugal uma democracia tradicional de tipo burguês não correspondente «às conquistas efectuadas e às perspectivas apontadas pelas forças afirmadas e pelas massas populares».
Porque, Srs. Deputados, as liberdades nem são burguesas nem o deixam de ser. São liberdades e nada mais.

Uma voz: - Isso é verdade ...

O Orador: - Mas seguramente que os que as apelidam de burgueses são os que as desejam suprimir, se não na teoria, pelo menos na prática quotidiana.
E disso temos sobejos exemplos nas Constituições e nas praxes políticas, a leste ou a oeste, à direita e à esquerda.
Suprimir a democracia burguesa pela democracia socialista não significa suprimir a democracia, significa, isso sim, construir o socialismo.
Aqui reside a tarefa histórica a que o Partido Socialista não se pode nem quer eximir-se:
Substituir o obscurantismo e o totalitarismo fascistas por um sistema económico e social em que a democra-

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cia política seja letra morta não será construir o socialismo, será, quando muito, mudar de patrão, cuja técnica de angariar mais-valias não impede que a classe operária e todos os trabalhadores continuem como meros instrumentos de novas elites com novos carizes.
É para que isso não aconteça em Portugal que a projecto constitucional do Partido Socialista dá grande relevo aos direitos do homem e às liberdades.
Mas porque o PS não se demitirá da sua participação na construção da verdadeira sociedade sem classes, em que a não exploração do homem pelo homem não seja letra morta, ou simplesmente sirva de slogan publicitário, propõe, no seu projecto constitucional, um conjunto de normas atinentes aos direitos e deveres económicos sociais e culturais, bem carro à organização económico-social, cujo conteúdo aponta decisivamente na realização em Portugal do genuíno socialismo, em que a criatividade e liberdade do Haurem são elementos decisivos na formulação do seu conteúdo.
Sem eleições, sem liberdades de imprensa, de reunião, de associação ou de opinião, garantidas na sua materialidade e no seu exercício, a burocracia será a regra.
E se tal acontecesse, decerto que teríamos qualquer coisa, mas não socialismo.
E isso, Srs. Deputados, é que constitui traição ao MFA, isso é que, acima de tudo, constitui traição ao povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: de momento, dispenso-me a mais considerações de ordem sistemática ou de exegese política, dado que todos já conhecem o projecto socialista e que as discussões na generalidade devem ser ampliadas em momento ulterior, aquando da discussão mais detalhada dos projectos enviados à Mesa.
Diremos, numa nota final e para terminar, que são os critérios gerais apontados que presidiram à sistematização constitucional contida na proposta do Partido Socialista.
E porque ao parecer da Comissão de Sistematização estão subjacentes posições e critérios, se não coincidentes, pelo menos bastante aproximados, demos-lhe o nosso voto favorável, ainda que com algumas reservas de ordem formal.
É que o Partido Socialista não tem qualquer complexo de ver as suas opiniões apoiadas por quem quer que seja desde que tal seja favorável ao seu objectivo de liberdade nacional, concebida esta como a vivência numa sociedade socialista, livre, democrática e não exploratória.
Complexos teria, isso sim, se sacrificasse tão grande objectivo à intenção mal disfarçada de hegemonias e de domínio total que implicasse o apoia fosse de quem fosse e a quem quer que fosse, numa atitude antinacional porque ambígua, porque totalitarista porque sectária.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem o uso da palavra o Sr. Reputado Américo Duarte.

O Sr. Américo Duarte (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Democrática Popular apresentou a esta Assembleia Constituinte um projecto de Constituição que, tendo o carácter de uno programa imediato de luta, consagra na lei as conquistas já alcançadas pelas lutas das massas populares, como as liberdades apara o povo se reunir, associar, manifestar, organizar, etc., e defender as mais profundas aspirações do povo português, fundamentalmente o esmagamento total da fera fascista, a nacionalização do capital monopolista e de todo o grande capital, a independência nacional através da expulsão das bases militares do nosso país, recusando os tratados militares imperialistas, a nacionalização do capital imperialista e a realização de uma reforma agrária radical, assente nas decisões de todos os que trabalham os campos, com a expropriação da terra, máquinas, gado, etc., de todos os latifundiários e grandes agrários, sem qualquer indemnização.
Com o avanço constante da luta das massas populares torna-se evidente que estar hoje a propor ou a aprovar uma Constituição com mais de uma centena de artigos que quer regulamentar tudo e mais alguma coisa, até ao mais ínfimo pormenor, tem no essencial o objectivo de restringir e impedir o livre desenvolvimento da iniciativa revolucionária das massas populares e tentar travar as suas lutas pelas justas aspirações do povo português.
É por isso que, baseados no princípio da máxima liberdade de organização e iniciativa revolucionária das massas populares, o nosso projecto é simples e está resumido em poucas dezenas de artigos, entre os quais se destaca a afirmação de que o conjunto de leis, instituições e órgãos da República Portuguesa não podem criar obstáculos ao desenvolvimento da luta que a classe operária encabeça com o objectivo da emancipação total e completa das massas populares.
Perante isto, qual é a posição dos outros partidos presentes nesta Sala, expressa nas suas propostas de Constituição?
O chamado Partido Comunista apresenta uma Constituição que começa por, no preâmbulo, com quatro pontos, não reconhecer como factor decisivo da queda da ditadura fascista a luta armada vitoriosa dos povos das colónias e a sua vitória conquistada em treze anos de guerra popular de libertação. Esta posição é, aliás, a do MDP/CDE, que inverte as questões e afirma que ao processo de descolonização logo iniciado já reconheceu aos povos das colónias o direito à independência pela qual sempre lutaram ...), negando, assim, que foram os povos das colónias que pela luta conquistaram a sua independência e tomando uma posição paternalista de que nós é que lhes demos «acesso à independência. O MDP/CDE, recusando-se a atribuir a queda do fascismo à derrota da burguesia colonialista sofrida nas colónias, acabou por considerar que o fascismo está derrotado. Talvez seja por isto que as Constituições do MDP/CDE e do Partido dito Comunista não põem posições claramente antifascistas, propondo-se o MDP/CDE combater os «vestígios do fascismo». Seria altura de perguntar se o MDP/CDE considera o CDS um vestígio do fascismo.

Risos.

Mas, continuando a referir-me ao preâmbulo do Partido que se diz Comunista, gostava de frisar que

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aí se fala seis vezes na aliança Povo-MFA, enquanto nem uma vez aí é referida a aliança operário-camponesa, que para qualquer partido revolucionário é a verdadeira força e motor de toda a luta revolucionária, de toda a revolução. Aliás, durante todos os artigos da sua Constituição, apenas aparece nomeada uma tez de forma explícita a classe operária ...

O Sr. Vital Moreira: - Mentira!

O Orador:- . . . e nenhuma os camponeses pobres. O Partido do Sr. Dr. Cunhal, que tanto tem falado dos caciques que no Norte do nosso país têm oprimido o povo, manobrados pelo CDS e PPD ...

Burburinho.

O Orador:- Eu não permito que aquele senhor me interrompa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não interrompa o orador.

O Sr. Dias Lourenço (PCP): - Está a insultar o nome do Partido Comunista Português. O Partido Comunista Português chama-se Partido Comunista Português. Quando nós nascemos já o Partido Comunista Português existia.

Assobios, apupos e aplausos.

O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, desculpe interrompê-lo Era para lhe dizer que uma vez que o Partido Comunista acha que a maneira como está a ser referido é para ele injuriosa, o Sr. Deputado deve privar-se de usar essa designação e designa-lo por Partido Comunista Português.

O Orador:- Eu estou aqui a defender a minha Constituição e apreciar as outras Constituições e é na base disso que eu me estou a referir.
Manifestações das galerias.

O Sr. Presidente:- Tem esse direito. Faça favor.

Manifestações das galerias.

O Sr. Presidente:- Não posso consentir que as galerias se manifestem. É a última advertência. Terei de mandar evacuar as galerias. Já há tempo informei que o fazia. Constrangido, mas terei de o fazer.

O Orador: - . . . esquece-se, mais uma vez, de falar nos camponeses pobres, na sua Constituição.
Dizemos esquece-se maus uma vez porque o abandono da aliança operária-camponesa não é de hoje, mas de há uma dezena de anos. Vem da altura em que o Sr. Dr. Cunhal e seus partidários, traindo o povo português, escolheram trocar essa aliança pela aliança com a burguesia.
Pronuncia-se, no entanto, este Partido pela reforma agrária, pedindo a expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas. Do que já não fala é na expropriação do gado, das máquinas e, muito menos, que sejam feitas sem qualquer indemnização, abdicando de tomar essa aspiração revolucionária dos trabalhadores e camponeses, preferindo deixa-la a cargo do Governo. Aliás, nesta questão das indemnizações batem todos pela mesma tecla, excepção seja feita ao MDP/CDE. Mas a sua reforma agrária é deixada a cargo do Estado, retirando aos trabalhadores do campo a iniciativa de a efectuar de acordo com as decisões das suas assembleias plenárias.
Aliás, a própria Assembleia do MFA, na sua última reunião, ultrapassa de longe a posição deste Partido e do MDP/CDE, ao decidir que a aplicação da reforma agrária «deverá ser exemplarmente controlada pelas massas trabalhadoras rurais organizadas».
E que propõe esse Partido quanto à luta das massas populares contra o fascismo?
Acaso propõe que todos os responsáveis do Estado fascista e organizações terroristas ou implicados em golpes sejam privados dos seus direitos políticos?
Acaso propõe o julgamento revolucionário dos pides? Não. Apenas propõe que a lei que os irá incriminar seja retroactiva. Acaso propõe a proibição de partidos, organizações, reuniões, manifestações ou agrupamentos de fascistas, a proibição de imprensa fascista e da utilização pelos fascistas dos órgãos de informação?

Vozes de protesto dos Srs. Deputados Vital Moreira e Dias Lourenço que não se conseguem registar.

E a extinção da PSP e GNR enquanto forças de repressão do povo, como têm mostrado em cada tentativa de golpe fascista. Também não. Segue-lhes o exemplo o MDP/CDE, que tenta «impedir os grupos de pressão contra-revolucionários de manipularem e desvirtuarem os meios de comunicação social». Somos tentados a propor ao MDP/CDE que em vez dessa redacção proponha pura e simplesmente a proibição dos próprios «grupos de pressão contra-revolucionários», acaso não se ache esquerdista e não se faça com isso o jogo da reacção!
Esses Srs. Deputados e os seus Partidos esquecem-se pura e simplesmente de nas suas Constituições retirarem de facto as liberdades aos fascistas. Certamente que os Srs. Deputados do CDS e outros lhe estarão muito agradecidos.
Continuemos com os olhos bem postos nos inimigos do povo. Coloquemo-nos de frente face ao imperialismo e à luta decisiva do povo português pela independência nacional. A traição e cobardia do Partido do Sr. Dr. Cunhal nesta questão é transparente.
Nem uma vez sequer apresenta na sua Constituição a nacionalização dos capitais imperialistas e muito menos o fim dos tratados militares com a NATO. Talvez fosse bom para esses senhores recordarem Avantes antigos, do tempo de José Gregório Alex e mesmo alguns posteriores.
Quando no artigo 11.º fala do «direito do povo português a decidir livremente dos seus destinos, libertando-se progressivamente de dependência políticas, económicas e financeiras» é para logo no ponto seguinte afirmar que «Portugal respeita os seus compromissos internacionais, sem prejuízo do direito do povo português a ver satisfeitos os princípios referidos atrás». Ou seja, fala-se nas palavras numa política intransigente de independência nacional, para logo de seguida se declarar a maior transigência face ao imperialismo. Não nos espanta a política deste Partido. É que quando propõe expulsar os americanos, o que pretende é

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fazer entrar outro patrão, o social-imperialismo russo. Por isso é incapaz de levantar a única força capaz de expulsar o imperialismo americano, a energia revolucionária das massas populares, que na sua luta aprenderiam a expulsar qualquer imperialismo que pretendesse pôr a pata sobre Portugal. Quanto a esta questão, o MDP/CDE adopta precisamente a mesma posição, e apesar de querer apagar a «vergonha da dominação estrangeirai respeita essa dominação estrangeira, ou seja, «respeitar os compromissos internacionais assumidos».
Em poucas palavras: O Partido dito Comunista e o MDP/CDE ...

O Sr. Presidente. - O orador está advertido já de que deve dizer: o Partido Comunista. Está advertido!

O Orador: - Continua a discussão.
Querem construir um «socialismo» original, construir um «socialismo» com o imperialismo cá dentro, um «socialismo» sem esmagar definitivamente o fascismo, um «socialismo» em que a reforma agrária é ditada de gabinetes. Quanto a este socialismo original, dizemos pura e simplesmente que é uma burla e o que se pretende de facto é mudar a forma de dominação burguesa sobre o povo português.
Quanto aos projectos do PPD e do CDS, se os Srs. Deputados me dão licença e sem qualquer prejuízo para o PPD, referir-nos-emos ao do CDS, já que, sendo praticamente iguais no seu essencial, este último clarifica melhor as questões, porque as leva até ás suas últimas consequências.
Em primeiro lugar regulamentam exaustivamente e minuciosamente todos os direitos e garantias dos cidadãos, independentemente das classes a que pertencem, procurando introduzir na Constituição, no meio das liberdades individuais, a garantia de a burguesia poder continuar a mais desenfreada exploração capitalista sobre o povo. Na actual situação das lutas e das conquistas populares estas disposições não são mais que uma tentativa de fornecer à burguesia uma defesa por via constitucional contra os ataques e conquistas desenvolvidos pelo povo português. Aliás, é de notar o ataque do PPD e CDS e mesmo do PS às decisões do MFA, considerando que vão contra os direitos do Homem, considerando antidemocrática a estrutura das assembleias populares. É um facto que a UDP não assinou o pacto com o MFA, mas neste caso tem a dizer que o PPD, que assinou esse pacto, se volta precisamente contra o MFA, numa resolução que a UDP apoia em muitos pontos e muito em especial o ponto 3.3 sobre o processo de formação das assembleias populares. A UDP não assinou o pacto, mas apoia as resoluções progressistas por parte do MFA, ao contrário do PPD que apoiou enquanto as posições não eram tão avançadas e agora as passou a atacar.

Uma voz: - Questão de coerência.

O Orador:- Sobre o território português o CDS afirma o ser o «que actualmente lhe pertenceu. Será que o CDS considera Angola, Timor, Macau, territórios sob a administração portuguesa como territórios portugueses?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não.

O Orador: - Quanto ao domínio imperialista sobre Portugal o CDS reafirma o tão odiado domínio americano, a defesa da ligação de Portugal à NATO e a manutenção das suas bases militares.

O Sr. Amaro da Costa. - Não há referência à NATO.

O Orador: - Quanto à expropriação do grande capital o CDS de facto cada prevê, defende-o mesmo da nacionalização em vários artigos. Mas não sabendo o dia de amanhã, o CDS propõe «uma justa indemnização aos legítimas proprietários», no que é apoiado pato PPD no artigo 67.º da sua Constituição. O CDS aprova mesmo para o sistema económico em Portugal o capitalismo, dando-lhe um nome mais pomposo, para que não ressalte claramente, chamando-lhe assim no seu artigo 36.º «economia social de mercado, baseado na liberdade de iniciativa». O PPD, por sua ver, prevê «promover a iniciativa e a concorrência entre as empresas, como forma de incentivar o progresso económico nas sectores da economia livre».
Quanto ao campo, o CDS prevê a «(socialização)» de propriedades rurais por explorar ou inconvenientemente exploradas, o que significa que os latifundiários que exploram bem as suas terras e os seus assalariados rurais têm total direito a continuar latifundiários e a explorar os assalariados agrícolas.
Defende ainda o CDS com particular cuidado o fascismo e os fascistas carrascos do povo.

O Sr. Amaro da Costa: - Isso é falso!

O Orador: - Não é por acaso que faz um artigo em que se proíbe « toda e qualquer actuação que tenha por fim ou por resultado a eliminação dos partidos políticos ou a subordinação da vida política a um partido único», o que passa a significar a possibilidade de reprimir as massas populares quando atacam . . .

O Sr. Amaro da Costa: - Isso é falso!

O Orador: - ... e exigem a dissolução de partidos fascistas entre os quais o próprio CDS.

O Sr. Amaro da Costa: - Não apoiado!

O Orador: - Quanto à odiada PIDE e aos fascistas, tanto o CDS como o PPD se dedicam ...

O Sr. Amaro da Costa. - Sr. Presidente: Pedia que mandasse calar o Sr. Deputado.

O Orador: - Cale-se, pá!

Apupos e manifestações da galeria.

... a propor que eles não sejam julgados pelo povo em tribunais revolucionários ...
Manifestações intensas na Sala e nas galerias,

O Sr. Presidente: - A sessão está suspensa!

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A galeria é evacuada. As autoridades cumpram o seu dever.

O Orador: - Se as galerias forem evacuadas, eu também me retiro desta Sala, porque eu quero falar. Eu só falo em frente do povo.

Continua o barulho nas galerias.

O Sr. Presidente: - As galerias I e III são evacuadas.

Pausa.

Eu apresento desculpas às pessoas que estão nas galerias e que nada têm que ver com esta manifestação extemporânea. Apresento as minhas desculpas, mas tem de ser. Façam favor de executar a ordem.

Apupos e assobios constantes.

O Sr. Presidente: - Façam favor. As autoridades que executem a minha ordem. A sessão está suspensa.

Eram 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos reabrir a sessão. Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Pausa.

Volto a advertir o público das galerias, cuja presença, aliás, é apreciada por todos, porque, como se sabe, os debates são públicos, que o Regimento não permite que se manifestem. Eu tenho, por muito que me custe, de cumprir os deveres que o Regimento me impõe. Não creiam que o faço de ânimo leve, nem com satisfação alguma, pelo contrário. Estou a cumprir o meu dever e mais nada. Portanto, voltaria a solicitar insistentemente que não dessem origem a que tivéssemos que tomar essas medidas, que, evidentemente, são desagradáveis para todos, para quem as suporta e para quem as toma, e particularmente até para aqueles que são vítimas dela sem terem tido qualquer responsabilidade nos incidentes. Ora, o Sr. Deputado Américo Duarte tinha ficado com a sua intervenção interrompida. Creio que não está presente.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: o projecto de constituição do Partido Socialista obedece a quatro grandes objectivos. Estes objectivos foram:

1.º Enterrar definitivamente as normas e as instituições fascistas;
2.º Erguer as normas e as instituições da democracia política, económica e social, ou seja, o poder democrático dos trabalhadores, com as quais o povo português se identifique neste período de transição para o socialismo;
3.º Integrar as matérias do pacto-plataforma proposto pelo Movimento das Forças Armadas como força dominante do processo político em curso;
4.º Aproveitar o que há de válido nas iniciativas tomadas pelas massas populares neste ano já decorrido desde o 25 de Abril de 1974 e eliminar aqueles aspectos que se têm revelado negativos ou inoperantes nessas experiências.

O primeiro grande objectivo foi, portanto, o de enterrar definitivamente as normas e as instituições fascistas. Este primeiro objectivo é historicamente e politicamente fundamental neste momento. Na realidade, o País foi dominado durante mais de quatro décadas pelo regime fascista. O fascismo caracterizou-se em Portugal, do ponto de vista político, pelo combate à democracia política, pelo menosprezo da vontade popular expresso em eleições, pela eliminação dos partidos políticos, pela proibição legal da liberdade sindical, pela proibição da greve, assim como de todas as liberdades fundamentais. Um forte aparelho repressivo foi a condição essencial para a manutenção de um tal estado de coisas. Tal poder políticos assentou sobre a alta finança, a formação de grandes monopólios e a manutenção dos domínios latifundiários.
O Partido Socialista no seu projecto de constituição afirma o seu propósito de garantir todas as liberdades que o regime fascista negou à colectividade portuguesa e fie prevenir contra e qualquer forma ide «evolução na continuidade e alas podem ser múltiplas. Ora, só uma constituição que consagre as liberdades fundamentais e a democracia política poderá obstar a que a tradição autoritária e repressiva das classes burocráticas dirigentes de novo se reproduza em Portugal. Não haverá profunda revolução neste país sem democracia política. Só a liberdade é revolucionária. O fascismo ladeou a questão das formas políticas democráticas propondo aquilo a que chamou «democracia orgânica», cujo único fim era o de impedir a expressão da vontade popular e a defesa dos interesses das classes trabalhadoras. O sistema corporativo foi a cobertura ideológica e sócio-económica dessa manobra. Foi a tentativa então utilizada para ultrapassar e esmagar a democracia política, da qual temos, afinal, uma bem curta experiência em Portugal neste século. O fascismo português na sua vigência oficial nunca teve condão de despertar a mobilização popular. Mas outras experiências históricas dizem que é possível tal acontecer. Foram os casos da Itália fascista e da Alemanha nazi. Quando tal acontece, a tendência das classes burocráticas dirigentes é a de montar um sistema de ligação directa às massas passando por cima dos corpos intermédios que informam a organização colectiva-sociedade, sobretudo aquelas instituições que conseguem ter influência junto das massas populares. É o caso dos partidos, dos sindicatos, da igreja, da Universidade e de outras associações que conseguem conglomerar, organizar e dar forma às aspirações colectivas do povo. O projecto do Partido Socialista tenta, pois, eliminar no campo institucional as hipóteses de repetição histórica de tal fenómeno. É por isso que nós damos uma importância extrema ao enunciado das liberdades, das garantias e dos direitos fundamentais.
O segundo grande objectivo é o de erguer as novas instituições de democracia política, económica e social, com as quais o povo se identifique neste período

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de transição para o socialismo. Repito: erguer instituições com as quais o povo se identifique e nelas participe de uma maneira activa e voluntária. Quem conhece um pouco de história sabe que a participação popular não se decreta. O legislador pode regrar e disciplinar e também impulsionar a participação popular, mas não a desencadeia pela mera feitura de um organograma.
No nosso projecto afastamo-nos decididamente da organogramomania que é uma das doenças infantis do processo revolucionário em curso. Pelo contrário, foi atendendo aos movimentos profundos das massas populares e dos grupos sociais que retivemos as instituições e as regras que hão-de pautar a vida colectiva dos portugueses. Assim, a consagração dos partidos políticos como instrumento privilegiado da formação e expressão da vontade popular decorre não só da teoria como da prática que este ano já consagrou. E, com efeito, quem pode negar que neste período de profunda alteração das estruturas os partidos surgiram simultaneamente como instituições organizadoras da vontade colectiva e como meios de identificação e de defesa do indivíduo perante a instabilidade geral? Quem ainda não compreendeu o significado dos emblemas na lapela, das grandes manifestações, de uma vida intensa no interior dos partidos políticos e da concorrência às urnas verificada no 25 de Abril de 1975? Quem ainda não compreendeu que o povo de uma maneira espontânea e empírica faz confiança nos partidos políticos, deposita confiança no voto, deposita confiança no sufrágio universal? Ou, por outra, quem não quer compreender que o povo português está aberto e está sensibilizado para a democracia política?

Risos.

Vozes diversas impossíveis de registar.

O PS sabe, no entanto, que a democracia política só se completa e se defende pela construção simultânea da democracia económica e social. Daí que tenha incluído muitas disposições respeitantes a tal matéria: umas sobre os direitos e deveres económico-sociais e muitas também sobre a organização económica. Aí se consagram as nacionalizações dos grandes meios de produção, assim como se ordena os diferentes sectores da propriedade estatal, social e privada, indicando também os modos de gestão adequados.
O terceiro grande objectivo foi o de integrar a matéria do pacto com o Movimento dais Forças Armadas que respeitamos escrupulosamente. O Partido Socialista foi o primeiro partido a propor a institucionalização do Movimento das Forças Armadas, no seu congresso de Dezembro de 1974. E eu próprio, a título pessoal, havia indicado tal necessidade em artigos publicados nos meses de Outubro e Novembro também de 1974. Em qualquer dos casos, o espírito era o de permitir a integração institucional do Movimento das Forças Armadas no processo político em curso, dando-lhe dignidade constitucional e atribuindo-lhe algumas funções sem limite de tempo. O Movimento das Forças Armadas optou, no entanto, por tese diferente, arrogando-se uma concentração de funções, num período chamado transitório, e por ele próprio limitado ao máximo de cinco anos. Não é o momento de discutir á bondade respectiva dessas posições já que o Partido Socialista assinou o pacto-plataforma e entende respeitá-lo. Achamos no entanto, sobre este ponto, que as sessões da Assembleia de Delegados do Movimento das Forças Armadas, funcionando como órgão de soberania, devem ser públicas e publicadas as actas das respectivas sessões, a fim de impedir a especulação partidária que se pode fazer de algumas das suas resoluções, distorcidas ou apresentadas apenas parcialmente ao público.
Finalmente, o quarto e último objectivo do nosso projecto de Constituição foi o de aprovar o que há de válido nas iniciativas das massas populares e eliminar aqueles aspectos que se têm revelado negativos e inoperantes. Vou só referir alguns casos, sobretudo o problema da informação.

O público manifesta-se nas galerias.

O Sr. Presidente:- As galerias não se podem manifestar. Insisto mais uma vez que os agentes da autoridade façam o favor de verificar quem se está a manifestar e convidar a sair.

O Sr. Dias Lourenço (PCP): - Peço a palavra para um requerimento. Autoriza-me, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Está autorizado pelo Sr. Deputado que interrompeu.

O Sr. Dias Lourenço: - Nós acabamos de ver aqui uma das diversas formas de paralisar o trabalho desta Assembleia.
Verificamos que já antes, como o Grupo de Deputados do Partido Comunista frisou, uma das tentativas de paralisar a Assembleia é o prolongamento excepcional dos períodos de «antes da ordem do dias. A outra forma de paralisar a Assembleia é usar na tribuna uma linguagem insultuosa, difamatória contra os partidos que aqui estão representados, entre os quais há profundas divergências políticas, ou afinidades com alguns, mas que nós pensamos que na tribuna devem ser impedidos os termos insultuosos que na prática levam às manifestações a que acabamos de assistir na galerias.
Eu creio que o Sr. Deputado da UDP, que tantas vezes aqui tem falado na necessidade do público assistir às sessões da Assembleia Constituinte, na prática, como se verificou hoje, prejudica que afinal o povo possa fiscalizar o trabalho desta Assembleia.
Creio que este caminho é errado, é um caminho que prejudica muito gravemente os nossos trabalhos e penso que o Sr. Presidente da Assembleia, que tentou tudo aquilo que estava ao seu alcance para travar este caminho, deve encarar formas que impeçam que tais coisas se repitam.
Também, Sr. Presidente, o facto de se ter evacuado indiscriminadamente as galerias, isto priva os cidadãos que aqui estavam presentes, e que não podem ser associados às manifestações que se produziram, de assistir e fiscalizar os trabalhos da Assembleia.

O Sr. Presidente: - Aos quais apresentei as minhas desculpas . . .

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O Orador: - Eu não tenho medo, e, portanto, não há esse problema e quero fazer um requerimento ...

Uma voz:- Isto não é um requerimento:

O Orador: - ... no sentido de o Sr. Presidente mandar abrir as galerias para que o público entre, tendo, no entanto, de fazer novas recomendações à forma como o público se pode comportar aqui, como V. Ex.ª tem feito, e, naturalmente, pôr os próprios assistentes a esta Assembleia perante o grave perigo de não poder o povo fiscalizar o que se passa aqui dentro.

(O orador não reviu.)

Aplausos e manifestações das galerias.

O Sr. Presidente: - Estamos perante um requerimento que a presidência lamenta não poder atender, mas acha que tal procedimento perturbaria ainda mais os trabalhos desta Assembleia.
Evidentemente que a desejo da presidência é que c público assista ordeiramente e que nesse sentido se manifestou apresentando desculpa às pessoas que foram vítimas sem terem qualquer culpa dos acontecimentos, vítimas de actos praticados por outros,
Lamento, portanto, não atender ao requerimento, mesmo porque possuo grande consideração pela pessoa que o apresentou. Mas não poderei.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Eu gostava de dizer que permiti a interrupção do Deputado do Partido Comunista porque pensava que se tratava de uma intervenção que dizia respeito à minha intervenção. Não sendo assim, acho que o funcionamento dos trabalhos também tem muita a ver com a pertinência das interrupções que se fazem.
Finalmente, o quarto e último objectivo foi o de aproveitar o que há de válido nas iniciativas populares e eliminar aqueles aspectos que se têm revelado negativos ou inoperantes. Vou falar, por exemplo, no caso da informação. A informação em Portugal, de uma maneira geral - embora as excepções sejam poucas, convém referir e ter em conta essas excepções - a informação em Portugal tem criado um fenómeno doentio para a democracia e até para o processo revolucionário em curso, que é a existência de duas opiniões públicas; aquela que se forma através dos grandes meios de comunicação social, através de uma intensa acção de propaganda e de um monolitismo de análise, e que leva a uma perturbação terrível no que diz respeito à apreensão riu fenómeno revolucionário em curso. Por outro lado, uma opinião pública que se forma e constitui ao arrepio desses grandes meios de comunicação social, que brota das consciências e das colectividades e que está muitas vezes em confronto directo com as notícias e as análises feitas nos grandes meios de comunicação social. Essa doença da informação tem sido devida a uma perturbação nos locais de trabalho onde se formam e se fazem as notícias e as análises, pelo que hoje em dia existe um autêntico mercado negro, permito-me a expressão, da informação e da análise.
Eu chamo a atenção dos órgãos da informação para a grave responsabilidade que assumem neste momento. Eles podem enganar consciente ou inconscientemente as tomadas de decisão política neste país. Os homens que tomam decisões políticas têm, é verdade, variados meios de informação. Mas a imprensa, a televisão, a rádio muitas vezes impedem que decisões racionais, decisões sensatas, e até mesmo a consolidação do processo revolucionário, possam ocorrer, por não encontrarem um mínimo de compreensão, um mínimo de análise, um mínimo de isenção nos órgãos de comunicação social. O que se pode dizer, e eu estou convencido disso, é que não deve haver nenhum homem público neste país, nenhum dirigente de qualquer organização local, que, para tomar as suas decisões, se baseie e faça confiança no que os jornais, na sua maioria, dizem e analisam. Acho, portanto, que compete à Constituição consagrar, para os grandes meios de comunicação social estatizados, uma forma de fiscalização que o Partido Socialista pensa dever ser a Assembleia Legislativa, através de uma comissão a eleger.
Também a experiência das comissões de trabalhadores rios mereceu especial atenção. E no nosso projecto de Constituição elas encontram-se consagradas, assim como algumas das suas funções.
Finalmente, eu gostava de dizer o seguinte:
A tentativa de inutilização e os esforços que se estão a fazer para desprestigiar a Assembleia Constituinte são, no presente, pelo menos, antidemocráticos. E o futuro poderá talvez dizer, infelizmente, que forem anti-revolucionários.
Aplausos da Assembleia e manifestações das galerias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Medo.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra pana apresentar na generalidade o projecto da Constituição Política do Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático.
E gostaria de começar por pôr em destaque duas ideias que nortearam a elaboração. deste documento de trabalho que o Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático entrega à consideração e crítica, da Assembleia Constituinte.
A primeira ideia diz respeito à nossa maneira de entender a natureza e as funções da Assembleia Constituinte. O mandato que esta Assembleia recebeu confere-lhe, por um período de tempo determinado, o poder soberano de definira nova forma do Estado Português, isto é, o poder de fazer a moldura política através da qual se há-de edificar a futura da Paris, que desta vez há-de ser o de uma sociedade sem exploradores nem explorados e onde a liberdade e a igualdade entre todos venham a tornar-se realidades efectivas. A força representativa desta Assembleia é tanto maior quanto é certo que à sua eleição concorreu, nos termos de uma lei eleitoral sem precedentes na nossa história política, a quase totalidade dos portugueses residente em Portugal maiores de 18 anos de idade.
Tem esta Assembleia assim a composição que no seu conjunto o povo português quis livremente dar-lhe e não há motivos para se sofrer aqui dentro de quaisquer complexos quanto à autenticidade dos nossos poderes de representação. Não estamos numa Assembleia for-

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mada por uma qualquer classe, grupo ou partido, mas numa Assembleia verdadeiramente nacional em rigorosa correspondência com o Povo e o país que somos. Ela está, pois, como nenhuma outra na nossa história nas melhores condições para interpretar fielmente as profundas aspirações e anseios que existem e pulsam nesta hora em todos os Portugueses. Demitir-se de o fazer equivaleria a, traição à Pátria e seria trair, perante a História, todo um povo que em nós confiou.
A segunda ideia que guiou o Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático na elaboração do seu projecto de Constituição foi o empenho de honradamente cumprir o compromisso solene que o Partido assumiu ao subscrever a plataforma de acordo constitucional proposta pelo MFA aos partidos políticos que concorreram às eleições. Ponderosas razões levaram o nosso Partido a reconhecer, numa hora incerta para os destinos da Revolução Portuguesa, a necessidade de confiar ao MFA, durante o período de transição, o papel de motor e garante do processo de transformação política, social e económica desencadeado em 25 de Abril de 1974. Era necessário que o MFA ficasse a garantira continuidade desse processo e a assegurar a sua recta direcção, defendendo-o da intervenção abusiva de quaisquer grupos que, à margem do povo, quisessem impor uma vontade ou interesse particular, agindo ou reagindo contra a vontade ou interesse universal dos Portugueses. Quem assinou a plataforma de acordo constitucional assumiu esse compromisso e o compromisso de fazer incluir na futura Constituição os princípios na plataforma definidos e as normas instrumentais necessárias para que tais princípios se tornem viáveis na prática política do futuro. Uma Constituição Política não servirá de nada ao povo se não for praticável. Inventar uma Constituição correspondente aos anseios manifestados pelo povo e uma Constituição que dê viabilidade prática aos princípios da plataforma de acordo constitucional - eis a tarefa primordial em que o Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático se propõe colaborar leal e afincadamente nesta Assembleia. E o nosso projecto de Constituição respeita integralmente esses anseios e princípios, vertendo-os num sistema harmónico que, em nosso entender, poderá servir, neste futuro próxima, de lei fundamental da Revolução Portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o projecto de Constituição da República Portuguesa apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido, Popular Democrático procura definir instituições políticas, sociais e económicos que garantam a realização do socialismo humanista e personalista que corresponda aos anseios do nosso povo. Queremos que as transformações profundas que a nossa sociedade está a sofrer e que deve ainda sofrer se realizem no permanente respeito pela dignidade da pessoa humana, tal como a define hoje a consciência unitária.

Aplausos.

É este o pensamento basilar do projecto de Constituição apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático.
E passo agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a descrever sucintamente os rasgos característicos do nosso projecto de Constituição da República Portuguesa.

3. O projecto do Partido Popular Democrático caracteriza Portugal como República independente e democrática, que se baseia na dignidade da pessoa humana, na solidariedade e no trabalho para construir uma sociedade socialista; enuncia com clareza e rigor os direitos e deveres pessoais, sociais e políticos dos cidadãos; consagra as indispensáveis garantias do pluralismo de associação, de partidos políticos e de órgãos de comunicação social, afirmando o princípio de que a vida pública assenta na livre discussão de ideias e na livre organização de partidos e associações políticas; promove uma organização sócio-económica baseada na associação do trabalho com os meios de produção e a construir sempre no respeito pela vontade expressa do povo português e, em particular, dos trabalhadores; estabelece um Estado de direito, com separação e interdependência dos órgãos de soberania e directa subordinação de tolos eles à Constituição: obedece ao princípio da descentralização e da regionalização política e económica do País.
Saliento, em particular e desde já, este ponto de regionalização. O Partido Popular Democrático tem em atenção o estado de organização política e administrativa do País, criada ao longo dos séculos. Somos um povo que se estruturou a partir de uma fase anterior aos descobrimentos num sistema político altamente centralizado. E a centralização do poder é, para nós, incompatível com a democracia. Para que possamos reencontrar o caminho da democratização real do povo português é necessário desfazer de uma vez por todas esta estrutura imperial da vida política e económica que caracteriza ainda hoje o nosso país. Por isso, o projecto apresentado pelo PPD assenta no princípio de que devem ser criadas, além das autarquias locais tradicionais; uma autarquia em sentido próprio, que é a região administrativa. Isto é: um órgão ou, melhor, uma pessoa territorial, dotada de competência para resolver os assuntos próprios da comunidade a que diz respeito e em que os órgãos dirigentes sejam efectivamente eleitos por sufrágio universal e secreto dos cidadãos residentes na área.
Por outro lado, e neste mesmo capítulo da regionalização, o nosso projecto prevê a criação de regiões autónomas para os Açores e para a Madeira, regiões com um estatuto político-administrativo adequado às condições específicas dos dois arquipélagos, um estatuto que garanta a unidade da soberania portuguesa sem massacrar aqueles que ali vivem, impedindo-os de escolher dentro da soberania portuguesa o seu caminho administrativo e político próprio.
Contém o nosso projecto disposições respeitantes aos direitos fundamentais, como já disse, mas dá-lhes o cunho de preceitos jurídicos imediatamente aplicáveis e, portanto, vinculantes para todas as autoridades públicas e para os particulares. Reconhece a função pública da imprensa e estabelece normas para institucionalizar nos meios de comunicação social o pluralismo, criando, por exemplo, ao nível constitucional, um órgão que tem a designação de conselho da comunicação social.
Propõe-se a criação de um sistema nacional de ensino que integre as escolas públicas e as privadas, sem prejuízo da autonomia destas últimas e garantindo a fiscalização adequada ao Estado; consagra-se uma política de infância, de juventude e de terceira

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idade orientadas para a realização de cada um em todas estas etapas da vida; preconiza-se a abolição da distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos; proíbem-se os despedimentos sem justa causa; consagra-se a co-gestão da empresa com o direito fundamental dos trabalhadores e estabelece-se o princípio de que a co-gestão é o caminho para a autogestão e dá-se ao Estado a incumbência de promover desde já o apoio a todos os fenómenos de autogestão viáveis social e economicamente; proíbe-se que a organização da vida pública tenda para a instauração de um partido político único; reconhecem-se as assembleias populares de freguesia e as associações de moradores para tratar de assuntos específicos em colaboração estreita com as autarquias locais de base; define-se um extenso sector público da economia, um sector social onde se incentivam as cooperativas de produção, de crédito e de consumo e de um sector privado onde se exercerá a iniciativa económica individual.
Estabelecem-se as regras de uma planificação económica e social rigorosamente democrática e participada.
Afirma-se, no espaço legislativo não reservado ao Conselho da Revolução, o primado da competência legislativa da Câmara dos Deputados.
Consagra-se a constituição de um comissário parlamentar dos interesses dos cidadãos com a incumbência de zelar, na equidade, pelo respeito pelos direitos dos cidadãos perante os órgãos do Estado
Fixa-se por três anos o período de transição previsto no Pacto com o MFA
Tais são, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as linhas fundamentais do projecto de Constituição Política que o grupo parlamentar do Partido Popular Democrático tem a honra de submeter à apreciação e crítica da Assembleia Constituinte.
Em coerência com tal projecto, o grupo parlamentar do Partido Popular Democrático manifesta a sua concordância na generalidade com o parecer da Comissão de Sistematização.
Os direitos e deveres fundamentais da pessoa humana, como aí se propõe, devem figurar na primeira parte da Constituição, como sinal e símbolo da eminente dignidade que à pessoa humana deve ser concedida em todo o sistema da Constituição que esta Assembleia Constituinte vier a votar e aprovar.
Tenho dito.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não posso fazer a minha intervenção sem juntamente com os meus camaradas, Deputados do Partido Comunista Português, decidirmos se sim ou não devemos intervir nesta Assembleia quando estão duas galerias fechadas. Por isso, eu requeiro ao Sr. Presidente uma suspensão da sessão por meia hora para considerarmos esse problema.

O Sr. Presidente: - Nos termos do artigo 39.º está concedida a suspensão de meia hora.
Está suspensa a sessão.

Eram 19 horas.

O Sr. Presidente: - Declaro reaberta a sessão. E vai continuar a usar da palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

Eram 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Vital Moreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - O grupo de Deputados do Partido Comunista Português entendeu que a intervenção que me competia, de apresentar o projecto de Constituição do Partido, não deveria ser feita, quando por motivos alheios à sua vontade e sem culpa, uma parte do público aqui presente tenha sido obrigada a abandonar as galerias. Por outro lado, verifico, noto agora também, que já uma parte dos Srs. Deputados abandonaram a Sala.
De qualquer modo, nestes termos, achamos que devemos requerer ao Sr. Presidente que encerre a sessão para que não fôssemos obrigados a prescindir da possibilidade de apresentar, em condições por nós julgadas normais, o nosso projecto de Constituição.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Temos ainda aqui registado o pedido para uso da palavra da Sr.ª Deputada Alda Nogueira.
Prescinde?
Devo ainda acrescentar que o Sr. Deputado Vital Morena, como é evidente, pode usar da palavra na próxima sessão. Tomámos nota disso.

O Sr. Vital Moreira: - Muito obrigado.

A Sr.ª Alda Nogueira: - Sr. Presidente, se me dá licença, é apenas para informar que prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Alguém deseja usar da palavra?

Pausa.

Nesse caso, marco a próxima sessão para ...
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis. É que ia perguntar novamente quem é que queria usar da palavra.

O Sr. António Reis (PS): - De acordo, mas eu não sabia que o Sr. Presidente ia já tomar uma decisão sobre este aspecto. Nós, socialistas, consideramos que há, de facto, uma contradição muito pouco dialéctica na intervenção do Sr. Deputado Vital Moreira. Pois, por um lado, tem acentuado aqui a necessidade de um debate sobre os projectos de Constituição, dando todo o realce ao período de antes da ordem do dia, e, por outro lado, verificamos que já por duas. vezes pedem interrupções da sessão durante o funcionamento do período da ordem do dia, e, por outro lado, ainda, vem-se agora pedir para suspender os nossos trabalhos até portanto, terça-feira, data do reinicio desses mesmos trabalhos ...

O Sr. Presidente: - Esclareço que esse pedido não foi atendido. Foi atendido, sim, o desejo de o Sr. Deputado apresentar o seu projecto na próxima sessão, não a suspensão da sessão, a sessão continua.

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O Orador:-... Pois, nós consideramos, de facto, que é lamentável que o Partido Comunista Português não queira aproveitar o tempo que ainda nos resta para apresentar o seu projecto de Constituição. Não cremos que o argumento apresentado seja de facto muito convincente. O Partido Comunista Português teve, ao que sabemos, setecentos mil eleitores e tem a possibilidade de através de muitos órgãos de comunicação social deste país fazer chegar ao conhecimento dos seus eleitores e de todo o povo interessado os seus pontos de vista sobre o seu projecto de Constituição.
Não será, decerto, a ausência de algumas centenas de pessoas nestas galerias que viria mitigar o alcance, a extensão de audiência que a posição do Partido Comunista Português teria necessariamente num país em que a sua influência sobre os órgãos de comunicação social está à vista.

Manifestações das galerias.

Por isso, nós, evidentemente, lamentamos que não possamos ter hoje o prazer de ouvir o Deputado do Partido Comunista Português apresentar o projecto de Constituição deste Partido.
Evidentemente que se não houver mais oradores inscritos para este debate na generalidade não teremos outra solução senão aguardar a próxima terça-feira para prosseguirmos este debate, e nós, socialistas, que gostamos de ouvir as opiniões dos Deputados do Partido Comunista, .. .

Risos.

... não iríamos, evidentemente, aproveitar esta ocasião para pedirmos a. conclusão de debate na generalidade e a votação das propostas de sistematização da Constituição.
Por outro lado, reconhecemos que os últimos acontecimentos políticos não terão certamente permitido uma conveniente elaboração da apresentação desse mesmo projecto de Constituição do Partido Comunista Português aqui, nesta Assembleia. É, portanto, normal que o Grupo de Deputados do Partido Comunista Português precise deste fim-de-semana alargado para melhor preparar a sua intervenção.

Nessa medida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós, como partido democrático que somos, . . .
Risos. Manifestações das galerias.

... não vemos inconveniente em que a discussão seja encerrada hoje e os trabalhos prossigam na próxima terça-feira, embora não deixemos de lamentar este fraco contributo que o Grupo de Deputados do Partido Comunista Português vem, desde ontem, trazendo para o nosso debate na generalidade.
Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Esclareço que a sessão não está encerrada.
Há um pedido de palavra do Sr. Deputado Luís Catarino.
Tem a palavra.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - O MDP/ CDE quer fazer a seguinte declaração: depois dos incidentes de há momentos, na sessão desta tarde, o MDP/CDE esteve reunido, e, por isso, não pôde comparecer na Sala senão neste momento, disposto a acompanhar a discussão das matérias que estão na agenda, mas não quer reentrar na discussão das matérias sem deplorar, em primeiro lugar, tudo o que sucedeu aqui, nesta Casa. Em segundo lugar, o Partido que represento quer deixar expresso o seu desacordo pela forma aleatória como a Mesa decidiu a evacuação parcial das galerias. Entendemos que apesar das tentativas que reconhecemos de um comportamento justo e correcto por parte da Mesa não havia um critério seguro, não havia um critério certo para que a Mesa tivesse decidido uma evacuação parcial das galerias. Cremos que se recorreu a um critério aleatório, com todos os riscos de se ter tomado uma decisão injusta.
Era este o protesto que nós queríamos deixar lavrado, quando recomeçamos a participar nos trabalhos desta Assembleia. Reconhecendo, embora, todo o esforço que a Assembleia fez no sentido de conter uma situação que se deteriorou (ao ponto de a Mesa, aplicando o Regimento, como era obrigada, ter de proceder â evacuação), deploramos o sentido aleatório que a Mesa não conseguiu desprender da sua decisão.
O MDP/CDE preocupa-se com situações deste tipo, preocupa-se com a criação de um ambiente como o que hoje aqui foi criado e preocupa-se mais porque receia que situações deste género se repitam nesta Assembleia. Evidentemente que nós não defendemos a legalidade sobretudo em termos de Regimento de atitudes como as que provocaram a decisão da Mesa, mas receamos bem que o sentido de ansiedade patente em todas as pessoas que se manifestaram há momentos alguma coisa terá a ver com o sentido político do comportamento desta Assembleia. Nesta medida - e na impossibilidade de se rever rapidamente este comportamento -, o MDP/CDE radica os seus receios que muito proximamente nós tenhamos de sofrer situações idênticas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PPD): - Sr. Presidente: Era só para pedir uma informação à Mesa ou à proponente da citação que acabámos de ouvir. Com base no facto de não estarem todas as galerias ocupadas, com base em alguns Deputados estarem ausentes, não obstante termos quórum suficiente para continuarmos os nossos trabalhos, prescinde-se do uso da palavra ou, pelo menos, adia-se a possibilidade de usar da palavra, e com base nessa situação pede-se o adiamento da sessão. Nós gostaríamos de saber: primeiro, quais as bases regimentais que atribuem esses direitos, o direito de se recusar usar da palavra, pelo facto de não estarem presentes alguns Deputados, não obstante haver quórum e também, independentemente da razão de não estarem ocupadas algumas galerias, estando certo que elas foram esvaziadas no conhecimento do Regi-

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mento, que todos nós aqui, maioritariamente, aprovamos. Porque das duas uma, ou há base regimental para isso, que nós não vemos neste momento e disso gostávamos de ser informados, ou há aqui uma situação lacunar. E, a havê-la, há aqui um caso em primeira mão que poderia, não nos opomos a isso, constituir «jurisprudência» para o futuro. Mas queríamos que as coisas ficassem claras.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Bem, a Mesa tanto quanto pode esclarecer dirá apenas isto: não há base efectivamente regimental nem, aliás, ela foi evocada. Há apenas essa situação de um Deputado que pretende apresentar um projecto do seu ,partido, declara que não está, de momento, seja lá pelo que for, as razões não pesaram nesta decisão, em condições de poder apresentar esse mesmo projecto. A intervenção tem, evidentemente, um certo alcance e um certo significado. Pareceu à Mesa que não deveria forçar ou tentar forçar, admitindo que o conseguia, o Deputado a usar da palavra, quando ele expressamente dizia que não o queria fazer.
Entretanto, a sessão não foi suspensa e poderíamos ter aproveitado o tempo para continuarmos o debate, porque não era forçoso que se seguisse essa exposição sobre o projecto apresentado. Até porque não resolvemos outro dia que se fizesse uma exposição sucessiva dos diversos projectos apresentados.
São essas as explicações que, pessoalmente, eu posso dar. Se o Sr. Deputado interpelado quiser dar mais alguma explicação, pode fazê-lo.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que não fique radicada a ideia, que, aliás, não corresponde à realidade, de que os Deputados do Partido Comunista Português não desejam dar um contributo positivo aos trabalhos de preparação da Constituição, eu passa a ler, não a apresentação do nosso projecto, que é mais longa, mas, sim, o parecer do grupo de Deputados do Partido Comunista Português sobre o projecto de Constituição apresentado pelo MDP/CDE, se me autoriza eu passo a ler:
É parecer do Grupo de Deputados do Partido Comunista Português que o projecto de Constituição apresentado pelo MDP/CDE tem características que consideramos como requisitos fundamentais de uma Constituição integrada na dinâmica do processo revolucionário.
Isto para além de considerarmos algumas das formulações encontradas menos precisas e de nos parecer que o projecto apresenta algumas lacunas, como seja a não referência explicita à reforma agrária.
No que se refere à imprecisão de algumas formulações, referimos, por exemplo, a que respeita à definição das tarefas revolucionárias decorrentes da reforma agrária.

O Sr. Presidente: - Dá-me licença só um minutinho?
O Sr. Deputado quer interpelar a Mesa?

O Sr. José Augusto Seabra (PPD): - Um ponto de ordem, que é o seguinte: dado que foi aqui votado por maioria a decisão de que a discussão dos projectos se fazia em conjunto, eu queria perguntar à Deputada do Partido Comunista, que, aliás, está no uso da sua palavra, se ela está a aplicar neste momento, não propriamente a decisão que foi tomada aqui por maioria, mas a proposta que ela fez, salvo se ela se refere apenas ao projecto do Movimento Democrático Português, que foi o primeiro apresentado e dado que foram aqui expostas em linhas gerais os projectos do Partido Socialista e do Partido Popular Democrático.
Eu queria apenas que me esclarecesse, porque, de qualquer modo, a Deputada do Partido Comunista tem o inteiro direito de usar da palavra, é perfeitamente legítima, é sua, era apenas para me esclarecer se efectivamente se mantém fiel à proposta do seu Partido, independentemente da decisão que foi tomada aqui por maioria.

(O orador não reviu.)

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Eu posso usar da palavra sobre esse assunto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vital Moreira pediu a palavra?

O Sr. Vital Moreira: - Era para me pronunciar sobre esta estranha intervenção.

O Sr. Augusto Seabra (PPD): - Sr. Presidente, dirigi-me à Deputada, portanto agradeço que seja a Deputada que tenha o uso da palavra.

O Sr. Vital Moreira: - Estou a usar da palavra na mesma qualidade com que o senhor a utilizou.
A minha camarada Alda Nogueira se quiser responder ao Sr. deputado fá-lo-á certamente.

O Sr. Presidente: - Bem, se a Sr.ª Deputada quiser, poderá responder.
Bem, então prescinde da palavra, não quer responder?

A Sr.ª Alda Nogueira: - Prescindo.

O Vital Moreira:- Eu queria referir-me a esta estranha intervenção do Sr. Deputado do PPD e que julgo ser uma intervenção que certamente não colhe o apoio dos restantes Deputados do PPD, tão estranha ela é.

Risos.

De facto, o que é que impede um partido, ou um Deputado de se ocupar expressivamente apenas de um projecto. O Sr. Deputado certamente não esperará que deixem ou que deixemos de nos referir também ao projecto do PPD fá-lo-emos também como intervenção expressamente dedicada ao projecto do PPD e nada nos proíbe, nem sequer a votação anti-regimental ontem feita, que, efectivamente, nós possamos intervir sobre cada um dos projectos utilizando exac-

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tamente o direito de palavra que o Regimento nos dá, ninguém nos pode obrigar a que refiramos na mesma intervenção o projecto do PPD, da CDS, do MDP e do PS. Não, nós entendemos que devemos referir-nos em intervenções especiais para cada um, para que fique claro quais são os princípios de cada um, para que fique claro aqueles que consagram o pacto e aqueles que não consagram, para que fique claro aqueles que consagram as conquistas revolucionárias e quais são aqueles que não são contra-revolucionários (risos}. Este é que é o problema, e se o Sr. Deputado estiver muito interessado em ouvir intervenções sobre todos os projectos, pois não tem mais nada que fazer senão assistir até final do debate e certamente ouvirá desta bancada referências possivelmente mais longas do que aquilo que gastaria de ouvir acerca de todos os projectos, incluindo o projecto do PPD.

Risos.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente - Eu queria, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado, esclarecê-lo, e creio que tenho autoridade para o fazer, visto que me pronunciei no sentido que sabem, a respeito da interpretação do Regimento, que a deliberação, a meu ver, não é atin-regimental. Nos termos do artigo 86.º competia à Mesa efectuar a interpretação; o Plenário não aceitou, estamos dentro do Regimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Seabra.

O Sr. José Seabra: - Quero dizer o seguinte: dado que efectivamente o problema que foi posto foi de legitimidade ou não do uso da palavra, porque eu acho que a Sr.ª Deputada Alda Nogueira tem o direito, coma eu afirmei. Eu apenas desejava, a título de esclarecimento, saber se com louvável coerência o Partido Comunista entendia discutir os projectos um a um ou se entendia aceitar democraticamente uma decisão que foi tomada aqui, que não é, no entanto, oposta à do Partido Comunista, de se discutirem os projectos comparativamente. Portanto, o que eu desejava saber era se existia, de facto, uma filosofia desculpe a palavra, e a imprevenção que consistia em manter-se fiel à linha do Partido Comunista qualquer que seja a decisão tomada aqui pela Assembleia. Era isto que desejava. Em todo o caso, acho que temos interesse em ouvir a crítica ou aprovação feita do projecto do MDP pela Deputada do Partido Comunista, que eu saúdo pela minha parte.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente:- Tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.

A Sr.ª Alda Nogueira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu colega e camarada Vital Moreira respondeu a um ponto que o Sr. Deputado levantou. Simplesmente, o Sr. Deputado precipitou-se um pouco, porquanto não ouviu, e eu posso dizer-lhe neste momento que não há razões para levantar esse problema.

Mas, mesma assim, o meu camarada Vital Moreira entendeu que devia responder e eu estive inteiramente de acordo.

Portanto, prosseguindo. Estava eu dizendo: do mesmo modo nos parece que o conjunto do título II, «Bases económicas e sociais», padece de alguma indefinição de conceitos e imprecisões no que respeita, por exemplo, à propriedade dos meios de produção e à planificação da economia.
Porém, salvaguardando as diferenças de Solução e formulação na especialidade, entendemos que o projecto de Constituição apresentado pelo MDP/CDE se caracteriza por princípios e disposições que revelam uma positiva adequação ao processo revolucionário, o que não verificámos nos outros projectos de Constituição.
1. Garante sem ambiguidades as conquistas revolucionárias feitas até este momento, no que se refere às liberdades democráticas, descolonização, nacionalizações, unicidade sindical, organização popular, etc.
Esta garantia das conquistas obtidas, para além de vir consignada no pacta do MFA com os partidos, é evidentemente condição primeira e fundamental para que a constituição não seja um nado-morto.
2. É um projecto que deixa ampla margem de desenvolvimento e de iniciativa ao processo revolucionário e aos órgãos revolucionários, quer no avanço da revolução, quer no combate à contra-revolução.
Assim, parece-nos que se responde positivamente ao que o pacta expressa na parte «Pontos programáticos a incluir na Constituição», onde se diz que deverão ser consagradas os desenvolvimentos ao programa impostos pela dinâmica revolucionária que, aberta e irreversivelmente, empenhou o País na via original para um socialismo português».
Não podemos deixar de sublinhar que, quanto a nós, este é um quesito fundamental a ser contemplado na futura Constituição. Tal como afirmou o Sr. Presidente da República na sessão inaugural desta Assembleia: «em revolução, na génese de uma lei avançada, interessa eliminar o risco de ver a dinâmica do processo torná-la inútil par passagem flanqueante».
Não deixar ampla margens de desenvolvimento e de iniciativa ao processo revolucionário e aos órgãos revolucionários seria tentar deter e aprisionar nas malhas de um texto legal o avanço desse mesmo processo. Ora, deter o processo revolucionário significa colocar-se contra os legítimos anseios das massas populares em luta pela consolidação de um regime democrático rumo ao socialismo, significa dar novo alento à contra-revolução.
Os factos têm provada e provam à evidência, cada dia com mais clareia, ante o levantar de cabeça cada vez mais descarado da reacção, que equivaleria a um verdadeiro suicídio da revolução qualquer limitação à iniciativa das seus órgãos revolucionários. Com efeito, tal limitação poderia e seria certamente aproveitada pela reacção para atar as mãos do poder revolucionária no que respeita ao combate à contra-revolução.
3. Em terceira lugar, e para além da consignação das duas anteriores exigências fundamentais, trata-se do projecto de uma Constituição expressamente de transição, e não como sucede com os outros projectos de uma Constituição de excepção.
Esta característica do projecto do MDP/CDE é saudada por nós, comunistas, porque dela resulta o entendimento necessário de que a revolução é um

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processo prolongado que não terminou com as eleições, nem terminará ao fim do período de transição, para regressar, após este, àquilo que alguns entendem como normalidade, e que, na realidade, seria, nada mais nada menos, do que o afastamento e a eliminação de órgãos, instituições e dinâmica revolucionários. Para o projecto do MDP/CDE, portanto, o processo revolucionário não é uma perturbação negativa que se tem de aceitar na esperança que acabe, na esperança de que se não atinjam as metas finais da revolução em que o povo português está empenhado.
4. Em quarto lugar, queremos frisar o facto de se integrarem na estrutura constitucional do Estado os órgãos de poder popular, nomeadamente a nível local.
Sendo este um corolário da consignação do texto constitucional das conquistas revolucionárias já obtidas, é digno de menção especial, uma vez que aqui se joga a participação cada vez mais ampla das massas populares organizadas, o seu papel de controle e de direcção, assegurando, assim, a democratização do Estado.
É, para nós, comunistas, um ponto muito importante este, pois o estímulo à iniciativa popular, à sua organização independente, unitária e de massas é fundamental para que se alargue e se reforce a dinâmica do movimento popular de massas, garantia do avanço do processo revolucionário e da construção de uma democracia que não seja apenas formal e abstracta.
5. Há ainda outros aspectos do projecto do MDP/ CDE que, pela sua importância, o PCP não quer deixar de apoiar, nomeadamente a caracterização político-material do Estado democrático, e não apenas uma caracterização jurídico-formal como se verifica em outros projectos de Constituição.
É esta caracterização que, em formulações que não são as nossas, tenta definir a base social e política e os fins do Estado, dando assim conteúdo político e ideológico concreto ao título Princípios fundamentais».
6. Também nos parece de salientar a caracterização das liberdades fundamentais não apenas como direitos a uma abstenção do Estado, mas também como direitos a que o Estado crie condições efectivas de exercício dessas liberdades por parte dos trabalhadores e das massas populares.
Aqueles que apresentam as liberdades fundamentais apenas como garantia de abstenção ou não ingerência do Estado revelam uma concepção idealista da sociedade e do Estado, escamoteiam o facto de que a instituição jurídica e formal dessas liberdades em textos legais não altera substancialmente a circunstância de que a própria organização da sociedade e a natureza do Estado podem limitar e impedir o exercício efectivo desses direitos por parte dos trabalhadores e das massas populares.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe interromper, é só para informar que estamos a chegar ao fim da sessão.

A Oradora: - Também já estou no fim. Se me permite eu acabo.
7. No projecto do MDP/CDE é igualmente importante a caracterização dos direitos económicos, sociais e culturais, não como meros preceitos programáticos de boas intenções, mas sim como direitos efectivos a serem satisfeitos através das necessárias alterações revolucionárias da estrutura económica, social e cultural do País.
É o reconhecimento claro da necessidade destas alterações revolucionárias e do seu sentido concreto em direcção à construção do socialismo, que permite dar um conteúdo real a esses direitos e à utilização da palavra socialismo. De outro modo, esta reduz-se a um slogan demagógico, oportunista e hipócrita.
8. Ainda pela mesma ordem de razões, nos parece de salientar a justeza de fazer proceder os direitos e liberdades do capítulo sobre a organização económica; opção em relação à sistematização da Constituição, que é idêntica à nossa e que salientámos já na declaração de voto que fizemos a propósito do parecer da Comissão de Sistematização.
Para terminar, desejamos mais uma vez sublinhar que, a despeito das observações com que iniciámos esta nossa apreciação, consideramos que o projecto de Constituição do MDP/CDE representa uma valiosa contribuição e achega para a elaboração da Constituição.
Por esta contribuição, desejamos felicitar o Grupo de Deputados do MDP/CDE.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Vamos agora marcar a ordem de trabalhos para a próxima sessão que se realizará no dia 15 à hora habitual, às 15 horas.
Continuaremos a apreciar as propostas de alteração ao Regimento apresentadas nos termos do artigo 85.º pelos Srs. Deputados do Partido Comunista e depois a continuação do nosso debate na generalidade.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Nota de rectificação:

No Diário da Assembleia Constituinte, n.º 15, de 11 de Julho de 1975, na col. 1.ª, no final do discurso do Sr. Deputado Freitas do Amaral (CDS), por lapso, não foram mencionados os aplausos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

CDS

Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.

PPD

Alfredo António de Sousa.
António Júlio Simões de Aguiar.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

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Armando Assunção. Soares.
Fernando José Capêlo Mendes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

CDS

Carlos Galvão de Melo.

PCP

Angelo Matos Mendes Veloso.
António Joaquim Gervásio.
Carlos Alfredo de Brito.
Jaime dos Santos Serra.
José Carlos.

PPD

António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Miguel Luís Kolback da Veiga.

Álvaro Neto Órfão.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vitorino Vieira Dias.

Os Redactores: José Alberto Pires - Maria José da Silva Santos.

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