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1878 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 61

dividida em classes, o acesso aos bens da cultura é apenas reservado aos «senhores» sendo vedada aos escravos. E para justificar tal situação a própria cultura gera os ideólogos necessários.
Perdeu-se, assim, nas culturas mediterrânicas daquela época, as características essenciais das comunidades primitivas, nas quais sendo conforme às necessidades e interesses e sendo estes comuns, a educação lhes correspondia e a aprendizagem resultara directamente da participação activa na vida colectiva.
A educação e a cultura serviu também aos romanos como meros objectivos utilitaristas, sendo a educação nas regiões ocupadas um instrumento eficaz de preservação da ocupação pela «romanização».
Na sociedade feudal a educação e a cultura, monopolizadas pela Igreja, inculcaram nos servos as ideias de imutabilidade e da origem divina da servidão.
Perdeu esta Igreja hierarquizada e ao serviço do Poder, as características revolucionárias do cristianismo primitivo, que, no entender de Bento Jesus Caraça assenta em duas características essenciais:

1.ª O seu conteúdo de natureza ética, que se traduzia na condenação moral de um mundo que não soubera organizar as suas forças de produção de modo a assegurar o sustento e segurança material da massa da população e que, por isso, resvalava, cada vez mais, na injustiça e na corrupção.
2.ª A sua feição colectiva de movimento de massas, que a filosofia clássica, de feição eminentemente aristocrática, não tivera nunca por preocupação interessar.

Com o advento do poder das burguesias comercial e industrial condena-se o feudalismo e a sua cultura, mas à pedagogia da burguesia então revolucionária seguiu-se, necessariamente, o aproveitamento da cultura por esta classe agora dominante. A história repete-se até aos nossos dias, sempre se verificando o sistemático aproveitamento pelas classes dominantes das conquistas culturais e dos sistemas de educação e ensino.
Legitimase, assim, que «quantas as sociedades, fases históricas, ideologias dominantes, tantas as opções para a educação».
Por tudo isto, o MDP/CDE não entende e propõe claramente a eliminação do conteúdo do n.º 3 do artigo 27.º da proposta da 3.ª Comissão. Por tudo isto, não podemos conceber que se possa admitir que o Estado tome uma atitude passiva e acéfala em relação ao problema da cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se consideramos fundamental a construção do socialismo, só duas posições nos restam: ou consideramos que nesse caminho a educação tem papel importante e por isso deve ser orientada, planificada e programada; ou consideramos que não tem e por isso serão desnecessários os cuidados aqui expressos.
Ou será que, sob esta proposta, se esconde mesmo a manifesta intenção de um aproveitamento reformista da cultura em benefício das classes favorecidas e dominantes? Ou será que, inesperadamente, se retira à revolução democrática rumo ao socialismo, um instrumento importante?
Entendemos ou não que a cultura deve continuar a ser benefício de alguns, ou, pelo contrário, a cultura deve ser definitivamente posta ao serviço do povo português?
Srs. Deputados: Entendemos que é ou não fundamental fazer uma revolução cultural que liberte, definitiva e irreversivelmente, o povo português da opressão cultural que as classes exploradoras exerceram e exercem?
Srs. Deputados: Entendemos ou não que é necessário e urgente que os meios de acção cultural fundamentais sejam propriedade e sejam geridos em benefício do povo?
Srs. Deputados: Entendemos ou não que deve ser vedada a qualquer grupo defensor do fascismo, do colonialismo, do belicismo, da violência reaccionária, a utilização dos meios de comunicação de massas?
Srs. Deputados: Entendemos ou não que se pode permitir, quantas vezes invocando o gosto dominante, continuar a servir ao povo produtos ditos culturais, de qualidade adulterada, apenas satisfazendo cegamente uma sociedade de consumo alienante?
Ao respondermos não, e tenho a certeza que todos o farão, nós estamos a orientar a cultura e a definir-lhe directrizes filosóficas, estéticas, políticas e ideológicas e, se assim é, não podem, sob pena de trair a Revolução, admitir que o Estado seja mentalmente acéfalo em relação a problemas desta importância.
O MDP/CDE considera, pois, o número proposto não só oportunisticamente demagógico, mas absurdo, pelo que energicamente se lhe opõe.
Nesse sentido votará pela sua eliminação.

O Sr. Presidente: - Para apreciação da proposta de eliminação, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PPD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Sousa Pereira em defesa da eliminação do artigo é um exemplo concreto da directriz que o seu partido pretendia ou pretenderia imprimir à criação cultural no nosso país, se lhe fosse dado exercer o poder.
Eu abstenho-me ,de entrar em considerações de ordem histórico-cultural, em considerações de ordem filosófica ou estética. O que me parece claro é que, ao propor-se a eliminação deste artigo, o que se está a defender é, contra o pluralismo cultural, o monopolismo de um certo tipo ideológico bem marcado de cultura. E por isso a posição do Sr. Deputado Sousa Pereira mais reforça o nosso apoio ao texto provindo da Comissão.

Uma voz: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tema palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Eu confesso que me desinteressei de seguir a exposição do Sr. Deputado Sousa Pereira.
Na verdade, o que nos deve interessar nesta Assembleia não é dar lições de história, seja ela bem feita ou mal feita, mas sim justificar a adopção de normas constitucionais. E vou procurar dizer com simplici-