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I Série - Número 38

Sábado, 11 de Fevereiro de 1978

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1977-1978)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE FEVEREIRO DE 1978

Presidente: Exmo. Sr. António Jacinto Martins Canaverde.

Secretários: Exmos. Srs. Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Maria José Paulo Sampaio.
José Manuel Mala Nunes de Almeida.

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos

Na continuação do debate sobre o Programa do II Governo Constítucional, usou da palavra, para pedir esclarecimentos relativamente à intervenção do Sr. Ministro da Agricultura e Pencas (Luís Saias) na sessão anterior, o Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP).
Registaram-se em seguida intervenções dos Srs. Deputados Pedro Coelho (PS), Manuel Gomes (PCP). António Portugal (PS), Angelo Correia (PSD), Galvão de Melo (Indep.), Domingos Abrantes (PCP). Brás Pinto (Indep.), Acácio Barreiros (UDP), Amaro da Costa (CDS). Manuel Alegre (PS) e Sérvulo Correia (PSD) e dos Srs. Ministros da Educação e Cultura (Sottomayor Cardia), Adjunto do
Primeiro-Ministro (Almeida Santos), dos Negócios Estrangeiros (Vítor Sá Machado) e das Finanças e do Plano (Vítor Constâncio).
Usaram também da palavra para pedir ou dar esclarecimentos ou para formular protestos ou contraprotestos, além do Sr Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro (Almeida Santos), os Srs Deputados Cunha Simões (CDS). José Vitorino (PSD). Zita Seabra (PCP), Jorge Leite (PCP), Jorge Lemos (PCP), Manuel Mendes (PS). Carlos Robalo (CDS). Lino Lima (PCP), Costa Moreira (PS), Rodolfo Crespo (PS), Dieter Dellinger (PS). Marcelo Curto (PS), Narana Coissoró (CDS), Angelo Vieira l CDS), Ludovico Coita (PS), Maria Emília de Melo (PS). Cunha Leal (PSD), Marques Mendes (PSD), Magalhães Mota (PSD), Acácio Barreiros (UDP). Carlos Brito (PCP). Salgado Zenha (PS), Carlos Lage (PS), Manuel Alegre (PS). José Luis Nunes (PS), Amaro da Costa (CDS) e Amândio de Azevedo (PSD).
No decorrer da sessão foi apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Brito (PCP), em nome do grupo parlamentar do seu partido, uma moção de rejeição do Programa do Governo.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos.
António Cândido Macedo.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro Silva.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Emídio Rui Vilar.
Etelvina Lopes de Almeida.
Fernando Gomes Vasco.
Fernando João Nogueira de Carvalho.
Fernando Luas de Almeida Torres Mantinho.
Fernando Róis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.

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Francisco Igrejas Caeiro.
Henrique Manuel Velez Marques dos Santos.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Soares Louro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Ferreira Dionísio.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pares.
Manuel Lencastre Menezes de Sousa Figueiredo.
Manuel Pereira Dias.
Manuel Tito de Morais.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Margarida Ramos de Carvalho.
Maria Teresa Madeira Vidigal.
Mário Manuel Cal Brandão.
Pedro Santos Coelho.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Serafim O. Ramos Bastos.
Telmo Ferreira Neto.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social-Democrata (PSD)

Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo de Sequeira.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António João Simões de Aguiar.
Arcanjo Nunes Luis.
Armando António Correia.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
João António Martelo de Oliveira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Vasco da Luz Botelho de Paiva.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
Jorge Ferreira de Castro.
José António Numes Furtado Fernandes.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Henrique Pires Fontoura.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Manuel Valentim Pereira Vilar.
Nuno Gil Pires.
Olívio da Silva Franca.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Rivas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões da Costa.
João Carlos Filomeno Malho da Fonseca.
João Games ide Abreu de Lima.
João José Magalhães Pulido de Almeida.
João da Silva Mandes Morgado.
José Cunha Simões.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Luís Esteves Ramires.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Rui Mendes Tavares.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga ide Oliveira.
António Joaquim Navalha Garçia.
António Marques Matos Zuzarte.
António Marques Pedrosa.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglez.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim S. Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manual Abreu de Lemos.
José Cavalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Pereira Franco.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascensão Madeira Dias Ferreira.
Raúl Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Independentes

José Justiniano Taboada Brás Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 136 Srs. Deputados. Temos quórum. Está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Prosseguindo no debate sobre o Programa do II Governo Constitucional, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros, para pedir esclarecimentos

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ao Sr. Ministro da Agricultura e Pescas sobre a sua intervenção de ontem.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Em primeiro lugar, quero começar por agradecer ao Sr. Ministro a forma circunstanciada como respondeu às várias questões que foram levantadas.
Quero também dizer que fico igualmente satisfeito ao saber que está nomeada uma comissão para estudar os vários tipos de culturas, nomeadamente a beterraba sacarina, tabaco, algodão e soja. Mas o problema levanta-se ainda e gostaria, se fosse possível, de saber com mais pormenor que tipo de projectos e de estudos estão a ser feitos. Pergunto isto porque sempre manifestámos preocupação em relação a esse tipo de comissões, pois elas normalmente integram técnicos vindos do Mercado Comum, técnicos europeus, e o que eles consideram rentável e o tipo .de cultura que consideram dever ser lançado está de acordo com empresas capitalistas que cá não existem. Essas, comissões começam por estudar se a beterraba sacarina vai para a frente, se a soja vai para a frente, e chegam logo à conclusão de que não pode ir para já, que a terra está muito dividida, porque os pequenos rendeiros não têm condições para ir para diante, que o que é preciso é esperar que esses rendeiros e pequenos agricultores vão saindo da 'terra, para depois se implantarem empresas de grandes dimensões. Esses projectos, porque são feitos segundo uma lógica capitalista e não para apoiar de facto a agricultura que temos e os agricultores que temos, e antes de mais os pequenos e médios agricultores, normalmente costuma ficar nas gavetas ou nem concluídos são. Talvez o Sr. Ministro, numa outra intervenção, pudesse dar algum esclarecimento sobre se essas comissões já estão a funcionar, que tipo de estudos já estão a ser feitos, que orientação estão a ter e se integram ou não técnicos estrangeiros. E digo isto, Sr. Ministro, pelo seguinte: nas várias deslocações que tenho feito a regiões do> Norte e Centro, tenho visto da parte de muitos; agricultores com quem falei um grande entusiasmo por levar projectos desses para diante, mas nunca o Ministério da Agricultura se preocupou em discutir com eles o que quer que seja, em consultá-los, em estudar a possibilidade de esses projectos irem por diante. Há assim umas comissões fechadas que ninguém sabe se existem, se não existem, o que estão a fazer e o que andam a pensar.
Quanto à Reforma Agrária, o Sr. Ministro limitou-se praticamente a expor princípios gerais e as suas concepções do que deve ser a democracia, e eu gostava de fazer-lhe só uma pergunta, também no campo geral. O Sr. Ministro disse que uma lei, quando é aprovada, tem de ser aplicada. Gostava de saber se n Sr. Ministro não admite, por acaso, que uma lei, apesar de ter sido aprovada, apesar de ter uma larga maioria de apoio, possa estar errada. Ou seja, se se não pode verificar, ao pretender-se aplicar uma lei que em princípio é para a agricultura e se destina a beneficiar quem (trabalha na terra, que a mesma está errada e que afinal não vai beneficiar quem se pretendia. Nesse caso a obrigação de um ministro, isto é, do homem que está encarregado de aplicar uma lei, é chegar a esta Assembleia e dizer: Meus senhores, a lei não beneficia quem trabalha na terra, devendo, como tal, ser estudada de novo e revogada.
Digo isto porque o Sr. Ministro fez um elogio, aliás absolutamente justo, às ocupações, porque foram elas que lançaram a Reforma Agrária - isso é não só um elogio, como a constatação de um facto -, mas são esses homens que fizeram as ocupações, são os assalariados rurais que na elaboração das actuais Bases Gerais da Reforma Agrária, da chamada Lei Barreto, não foram consultados. E devo
dizer-lhe que por todo o lado por onde andei no Alentejo, nas dezenas de cooperativas que visitei, encontrei sempre a mesma oposição a essa lei da parte dos assalariados rurais.
O Sr. Ministro falou também na necessidade de diálogo. Devo dizer-lhe que nessas dezenas de cooperativas o que encontrei também foi um profundo desgosto, e até revolta e protesto, pelo facto de o anterior Ministro nunca ter posto os pés nessas, cooperativas, para, no local, discutir com os trabalhadores e estes poderem demonstrar como a Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária é uma lei de ruína e que destrói de facto as cooperativas e as unidades colectivas de produção.
Portanto, já que o Sr. Ministro se limitou a falar de conceitos gerais, gostava de perguntar-lhe o seguinte: se o Sr. Ministro, indo ao local, estudando os problemas com os principais interessados, que são os trabalhadores, verificasse que a lei não beneficiava quem deveria, entende ou não que a sua obrigação seria propor novas leis, propor a esta Assembleia a sua revogação, dizendo, que houve engano e erro, que a lei não conseguia atingir os objectivos pretendidos.
Finalmente, quanto ao sector das pescas, devo dizer-lhe que talvez por defeito meu, pela forma como me exprimi, o Sr. Ministro me tivesse interpretado mal. Eu não me oponho - e já nesta Assembleia o tenho dito, e fora dela aos próprios: pescadores- à ideia da necessidade de incrementar a pesca, consequentemente de aumentar as capturas. Mas o que eu gostava que o Sr. Ministro referisse é o que pensa fazer de concreto .para assegurar a venda do peixe, isto é, para terminar com o escândalo que hoje se passa nas lotas. É que realmente o pescador vem à lota, mas está nas mãos do intermediário, pois ou vende o peixe ao preço que o intermediário quer ou deita-o ao mar, pois não tem onde o guardar - o Estado não criou circuitos nenhuns para que o peixe tenha seguimento, para que ele pesque com entusiasmo e até desenvolva a sua capacidade de pescas, com a garantia de que de facto vai vender o peixe. Portanto nós consideramos - não sei qual é a opinião do Sr. Ministro - que um dos problemas prioritários é precisamente o combate aos intermediários e à situação actual da lota, a garantia de que haja onde se guardar o peixe e a garantia de preços justos ao pescador.
Foram estes pontos que levantei, e já agora queria desfazer o mal entendido: nós de facto não nos opomos, de forma nenhuma, ao aumento da pesca. O que queremos é que se acabe com esta situação

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escandalosa: sendo nós um País com uma área marítima grande, onde se poderia pescar. não faz sentido, penso eu, estarmos a importar cerca de 3 milhões de contos de peixe. Foram, pois, estas questões que queria colocar e a que gostaria que me respondesse.

O Sr. Presidente: - Como não está cá o Sr. Deputado Vítor Louro, que se encontrava inscrito, pergunto se da parte do PCP alguém pretende pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, caso deseje responder.

O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Luís Saias): - O Sr. Deputado Acácio Barreiros refere de novo o problema das novas culturas e está preocupado com a situação dos projectos e do estudo que haja sobre este assunto. Referiu particularmente o problema da beterraba sacarina.
O problema da beterraba sacarina, como o Sr. Deputado Acácio Barreiros por certo compreende, é um problema complexo. É complexo na medida em que para produzir beterraba sacarina em Portugal é necessário que existam instalações industriais que a transformem em açúcar, melaço e polpas para servirem de forragem para os .gados. De modo que a solução final a dar ao problema da beterraba sacarina depende fundamentalmente de estudos de carácter económico que se façam. É necessário efectivamente não lançarmos uma fábrica de açúcar de beterraba sacarina, cuja instalação neste momento deve ser da ordem de l milhão de contos, sem sabermos se a produção de beterraba sacarina que se possa fazer em Portugal pode ser entregue a essa fábrica em condições que remunerem devidamente os produtores de beterraba sacarina e em condições de rentabilidade económica. Em Portugal é realmente possível produzir-se beterraba sacarina, Portugal tem condições para isso, mas a dúvida que existe neste momento é se os custos dessa produção são de molde a essa beterraba poder ser industrializada tem condições económicas. Como o Sr. Deputado Acácio Barreiros por certo sabe, em Portugal produz-se já muita beterraba sacarina, não no continente, mas nos Açores, onde existe uma fábrica de produção de açúcar e de álcool a partir da beterraba sacarina. Os Açores, todavia, têm condições naturais muito mais favoráveis do que o continente para esse tipo de produção. Na realidade, nos Açores fazem-se duas colheitas anuais de beterraba sacarina e ela produz-se sem ser regada, devido à humidade que existe no meio-ambiente. No continente a beterraba sacarina só poderá ser produzida em zonas regadas e além disso haverá apenas uma produção por ano. Tudo isto vem a propósito de dizer que o problema não está descurado, está a ser estudado por organismos competentes do Ministério da Agricultura e logo que se tenha todos os dados, não só do ponto de vista cultural, como industrial e económico, esse problema obterá uma solução final. De qualquer modo, devo dizer-lhe que o problema da beterraba sacarina está a ser examinado numa perspectiva pura e estritamente nacional. Se se chegar à conclusão segura de que no interesse de Portugal se deve cultivar aqui no continente a beterraba sacarina, ela será cultivada.
Quanto às outras novas culturas, designadamente quanto à cultura do tabaco, não se pode dizer neste momento que seja uma cultura nova. O tabaco está a ser cultivado e há o projecto de alargar a sua área de cultura. No entanto, nós não podemos afectar grandes áreas à cultura de tabaco, ou melhor: temos de adequar as áreas que se afectem a essa cultura à possibilidade de esse tabaco ser consumido. E, como o Sr. Deputado Acácio Barreiros sabe, os tabacos produzidos em Portugal são tabacos sem mistura e portanto teremos de produzir a quantidade que possa ser absorvida pela produção das fábricas de tabaco portuguesas.
O Sr. Deputado Acácio Barreiros perguntou-me se eu não admitia que a Lei do Arrendamento Rural estivesse errada.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - A Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária.

O Orador: - Tem razão: Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária.
É evidente que, de um ponto de vista de mera hipótese, a hipótese está bem posta e tem de ser admitida. No entanto eu quero lembrar ao Sr. Deputado o seguinte: a Lei das Bases Gerais da Reforma Agrária foi votada nesta Assembleia da República, é uma lei que está em vigor. Como eu disse na minha intervenção de ontem, o Governo deve cumprir as leis votadas pela Assembleia da República. Aliás, tratando-se cie uma lei relativamente recente, como é esta, a Lei n.º 77/77, salvo erro, é uma lei que não está suficientemente rodada para se ver neste momento quais os defeitos e quais as virtudes que ela possa ter. De resto, a alteração das leis pode partir não só da iniciativa do Governo como da iniciativa dos Srs. Deputados e por isso penso que todos nós, Governo e Srs. Deputados, teremos dentro de algum tempo ideias mais concretas sobre os méritos e defeitos desta lei. Para já, a posição do Governo é extremamente clara: a lei está em vigor, foi votada, a lei será cumprida.
Fiquei extremamente satisfeito por o Sr. Deputado Acácio Barreiros ter explicado que não é contrário ao incremento das capturas na pesca. Eu, realmente, tinha a suspeita de que teria compreendido mal a sua ideia e agora verifico que estamos de acordo.
Diz-me, aliás com toda a razão, que é necessário acabar com a aberração e o escândalo de se deitar peixe ao mar. E mais grave do que se deitar peixe ao mar. como o Sr. Deputado referiu, é a voluntária limitação das capturas. É uma situação que prejudica o País, é uma situação que prejudica os pescadores e é uma situação que prejudica o público. É evidente, porém, que só poderemos pôr uma barreira definitiva a esse escândalo, como disse, quando tivermos em terra estruturas que absorvam os excedentes de pescado nas alturas de ponta. Se V. Ex.ª vir o Programa do Governo, verificará que está na intenção do Governo tomar essas medidas rapidamente. Aliás não são medidas inteiramente novas, porquanto em alguns postos de pesca já estão a fazer-se as estruturas necessárias para se poder absorver o peixe em excesso nas alturas

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de ponta. De qualquer maneira, esteja o Sr. Deputado Acácio Barreiros absolutamente descansado, porque nessa matéria as suas ideias são rigorosamente coincidentes com as minhas e eu não descurarei um único momento, um único dia, à procura de uma solução conveniente para esse problema.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Falou também nos intermediários e já tinha falado ontem no problema das lotas. Da parte do Partido Comunista Português fez-se também uma alusão à referência que eu faço no Programa à liberalização das lotas. Tanto o representante da UDP como o representante do Partido Comunista não foram justos para comigo na apreciação que fizeram quanto à referência que faço à liberalização das lotas. Estou certo de que se tivessem compreendido o alcance que eu queria dar a essa expressão estariam de acordo comigo.
Eu dou um exemplo. Há um pequeno pescador artesanal que, sozinho ou com um companheiro ou dois, vai à pesca e traz para terra 5 kg, lO kg ou 20 kg de pescado. Esse pescado tem obrigatoriamente de passar pela lota. E o que nós vemos todos os dias é que esse peixe é vendido na lota, por exemplo, a 50$ ou a 100S o quilo e no dia seguinte, ou no próprio dia, é vendido ao público nos mercados por vezes pelo dobro do preço.

Uma voz do CDS: - Ou pelo triplo.

O Orador: - Ora eu penso que se se desse só pescador artesanal a possibilidade de ele próprio comercializar o seu peixe sem passar pela lota, se fosse ele próprio a levá-lo ao mercado ou a vendê-lo a um hotel, a uma pensão ou a um restaurante, esse diferencial de preço, por vezes ^enorme e chocante, podia ficar exactamente nas mãos do pescador. É neste sentido que eu falo em liberalizar a lota. Mas também falo noutro sentido. Como os Srs. Deputados sabem, hoje um industrial conserveiro, se tiver uma ou duas traineiras para pescar sardinha, não pode receber a sardinha pescada pelos próprios barcos que explora. Essa sardinha tem de vir à lota e ele, se a quiser comprar, terá de a disputar em condições iguais à dos outros compradores. Se nós déssemos a possibilidade, tanto aos industriais conserveiros que dispõem de unidades de pesca, como aos armadores da pesca de, por meio do contrato, evitarem que o peixe que pescam passasse pela lota, suponho que isso seria uma forma de regularizar a lota, de diminuir a pressão dos excessos de captura na lota e, portanto, de os pescadores obterem melhores preços. É neste sentido que falo em liberalizar a lota. Não está nas minhas ideias acabar com a lota. mas está na minha ideia dar aos pescadores, aos produtores, a possibilidade de escolherem entre irem à lota, se quiserem, ou evitarem a passagem do peixe pela lota, de modo a defenderem melhor os seus interesses, sobretudo contra os intermediários, que são efectivamente um cancro em todo esse circuito.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado do Partido Socialista Serafim Olívio de Ramos Bastos pede autorização à Assembleia para na próxima segunda-feira depor na 4.ª Vara do Tribunal do Porto, em representação do Sindicato dos Trabalhadores de Escritório do Distrito do Porto. Caso não haja oposição da Assembleia, está autorizado.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Coelho.

O Sr. Pedro Coelho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Permitam-me que pela primeira vez que me dirijo a esta Assembleia, como Deputado eleito pelo distrito de Faro, saúde e cumprimente os Srs. Deputados a que tive a honra de me juntar nas bancadas deste hemiciclo.
Pela minha voz vem o Partido Socialista dar a sua concordância às linhas programáticas apontadas pelo Governo Constitucional no importante sector das pescas. Programa evidentemente sintético, como indicado para um documento deste teor, que não pode ser uma exaustiva e detalhada análise de cada situação, de cada projecto, de cada acção a empreender.
O Programa constitui o máximo possível, tendo em conta o meios financeiros disponíveis e a carência de quadros técnicos no sector, nomeadamente no campo da economia, da administração e da gestão empresarial, pública, privada e cooperativista.
E que não se diga que o Programa é utópico ou contraditório com a necessidade de poupar cada tostão que nos sobre ou que nos emprestem, pois é bem patente que sendo a produção alimentar uma prioridade do Governo Constitucional, ele não regateará os meios financeiros que visem esse objectivo, desde que aplicados a projectos viáveis e bem assentes na realidade económica e social do nosso país.
Nem se fique surpreendido em que se considere como objectivo principal o aumento de capturas, agitando o espantalho do peixe deitado ao mar, facto que. sendo economicamente lamentável - eu direi agora escandaloso, como disse o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, e muito bem - e politicamente espectacular, não tem uma importância estatística que mereça especial relevo.
O aumento de captura é um imperativo da economia do sector e ele permitirá, melhor do que qualquer outro mecanismo, melhorar o abastecimento da indústria de conservas e de frio, e combater a especulação no circuito de distribuição do pescado, quer na sua origem, quer junto ao consumidor.
Isto não impede, evidentemente, que se continue no fomento de instalações de frio no litoral, para conservação de excedentes e possibilidade de preços mínimos de garantia ao produtor, não abrandando a acção fiscalizadora económica contra os especuladores e contra a fuga ilegal de peixe à lota.
Passada uma fase heróica de liquidação da organização cooperativa e de libertação dos trabalhadores do mar de tutelas e paternalismos, geralmente associadas, à boa maneira fascista, a uma demagógica apresentação do pescador como um pobre de Cristo, mantido em estado medieval para seu próprio bem, fortalecidas as organizações sindicais dos trabalhadores do sector e constituídas as associações livres patronais, há que encarar agora alguns problemas fundamentais das

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pescas portuguesas. Para tal é imprescindível que o Governo dê ao sector os meios necessários e suficientes para que a política traçada seja desenvolvida rápida e eficazmente: prioridade à investigação aplicada e avaliação dos recursos na zona económica exclusiva; regulamentação dessa zona económica exclusiva em tempo útil. não deixando esgotar os prazos que a própria lei aqui aprovada por unanimidade estipula. Para tal é necessário que caiba ao Ministério das Pescas, não apenas a coordenação, mas a própria liderança de todo o processo, ainda que com a participação dos restantes departamentos interessados.
Cabe aqui uma palavra sobre as potencialidades da zona económica exclusiva, que tentarei transmitir em termos do actual estado do conhecimento da zona e não em termos de sonho, que só criam falsas esperanças, uma espécie de sebastianismo das 200 milhas. A sua exploração implica uma atitude dinâmica, mas realista e prudente, contando com o que provavelmente nela existe e não com aquilo que desejaríamos que existi-se. É por tal que vemos com inteiro agrado a ênfase dada no Programa do Governo à produção de farinha e óleo de peixe, para a qual tudo indica que existam recursos em quantidade e qualidade economicamente exploráveis
Já quanto à expressão «exploração intensiva» adoptada no Programa do Governo para o arrasto costeiro, preferiríamos ter o termo «exploração racional», que implica uma captura economicamente optimizada na base dos recursos existentes, sem pôr em risco a sua própria regeneração. Admitimos ser essa a ideia expressa no Programa, mas não deixamos de alertar para o dado biológico de que os recursos marinhos vivos não são inesgotáveis, a menos que sejam rigorosamente respeitadas as «capturas máximas permitidas».
Os aspectos qualitativos também são importantes de analisar quando encaramos os problemas da zona económica exclusiva portuguesa, considerada na área contínua às águas territoriais ou à plataforma continental. Que não se dê ao povo português uma imagem bíblica de um mar cheio de peixe, pronto a ser capturado, e a ideia de que enormes cardumes de pescadas, garoupas, salmonetes, corvinas, cachuchos ou linguados vagueiam por esta área do Atlântico, já para não falar do «fiel amigo», pois esse, por razões da experiência histórica, já se sabe que apenas existe em áreas do Atlântico Norte, junto às costas canadiana, irlandesa e norueguesa.
Nas 200 milhas não existem, em termos economicamente relevantes, espécies de fundo, o chamado peixe de mesa. Nelas poderemos contar, sim, e em quantidades ainda por determinar pelo programa projectado de «avaliação de recursos», espécies pelágicas como a sardinha, o carapau, a cavala e o chicharro, bem como esse magnífico navegador oceânico que até há alguns anos se vinha banhar nas águas cálidas do Algarve, onde deixava trabalho, alimento e dinheiro, como que precursor dos actuais turistas. Mas o atum mudou de rota e há que ir capturá-lo agora onde ele passa e isso implica elevados meios financeiros e tecnologia nova, que em parte teremos de importar.
As espécies pelágicas e os tunídeos são matéria-prima importantíssima para a indústria das conservas e do frio e poderão vir a ter uma real importância para a dieta alimentar dos Portugueses desde que a sua captura seja acompanhada por uma campanha visando a alteração substancial de hábitos alimentares. Esta leva muito tempo e aqui entra outro ponto que, pela sua importância, não deixarei de referir: parte substancial do abastecimento de peixe de fundo, actualmente consumido nos grandes centros urbanos, é oriundo de pescas fora da zona económica exclusiva portuguesa.
Neste capítulo merecem uma referência muito especial as empresas de pesca do alto e longínqua, na qual as empresas nacionalizadas do sector têm um papel de destaque (cerca de 25% na pesca do bacalhau e mais de 8C% na pesca do alto e longínqua). É pois, correcta a opção do Programa quando prevê a remodelação das respectivas frotas e a recuperação e reorganização das empresas intervenientes nesta actividade.
A permanência da participação portuguesa nas pescas internacionais implica, evidentemente, uma acção continuada e activa da nossa diplomacia, apoiada tecnicamente pelos homens do sector, desenvolvendo os acordos já firmados e efectivando aqueles que estão já em carteira ou que potencialmente tenham condições para vir a ser firmados. Vemos, pois, com especial satisfação o último ponto da política sectorial do MAP, em que se assume uma atitude clara quanto à participação de Portugal em organismos especializados internacionais e à cooperação com outros países particularmente os de expressão portuguesa. O anterior Governo Constitucional abriu caminhos e criou importantes precedentes, caberá agora ir mais além.
Tal como na regulamentação, investigação e exploração dos recursos vivos da zona das 200 milhas, cabe também ao responsável pelo sector das pescas a liderança das acções no campo internacional, já que os problemas específicos e complexos que elas colocam assim aconselham e exigem.
Uma palavra para os homens do mar. Segregados e explorados durante anos e anos pela oligarquia tenreirista. viram em Abril de 1974 uma oportunidade histórica de se libertar como cidadãos e como trabalhadores de pleno direito. Há. pois, que apoiar essa emancipação através de medidas legislativas e sociais adequadas. Não se trata, como dissemos atrás, de manter demagogicamente o chavão determinista que apresenta os pescadores como pobres explorados, sem pão nem lar. Ao paternalismo corporativo não poderemos contrapor o paternalismo social.
Os quase quatro anos que decorreram após a histórica jornada dos Capitães de Abril permitiram melhorar substancialmente os rendimentos de trabalho de largas camadas de pescadores portugueses, com algumas infelizes excepções no sector da sardinha e nalgumas pequenas comunidades artesanais do litoral continental e insular.
A emancipação dos pescadores não se limita, porém, a uma remuneração ou rendimento mais elevado. Outros factores são essenciais para a dignificação dos trabalhadores do mar como profissionais e como homens. Há que construir, passo a passo, um estatuto profissional para o pescador que integre uma carreira profissional com princípio, meio e fim, um acesso a todos os escalões da vida profissional e da formação profissional e a extensão programada de regalias sociais, em similaridade com os restantes trabalhadores portugueses.

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A participação dos trabalhadores do mar no aperfeiçoamento do seu valor profissional e humano é condição essencial de êxito e posso afirmar com legitimidade e sem qualquer dúvida que eles estão prontos para dar a sua contribuição activa e .generosa não só neste ponto, como nas tarefas de recuperação económica e de aumento da produção, desde que lhes dêem ouvidos e meios materiais.
Finalmente, um comentário sobre o âmbito e estrutura do sector da tutela. Qualquer programa de pescas falhará nas actuais condições de dispersão do poder de decisão sobre os factores que condicionam a execução de uma política. O sector das pescas tem especificidade própria e integra o peixe desde o seu habitat até ao balcão da peixaria, à canastra da peixeira, ao túnel de congelação ou à fábrica de transformação. O sector das pescas, para produzir mais, necessita de intervir directamente na política de preços e de abastecimento. A minha contribuição, neste campo, para o programa do sector e para o seu êxito, consiste em recomendar vivamente ao Governo Constitucional que considere a necessidade de equipar o Ministro das Pescas com os instrumentos autónomos e necessários de coordenação, de administração, de planeamento financeiro e de intervenção, nomeadamente a Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau. A integração vertical do sector e a sua autonomia é condição básica para um êxito que eu, sinceramente, desejo e prevejo para o Governo Constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Simões.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Sr. Deputado Pedro Coelho, tenho a dizer-lhe que de pescas eu não pesco nada.

Risos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Só no prato!

O Orador: - No entanto, talvez por isso mesmo, gostaria de lhe fazer uma pequena pergunta. V. Ex.ª Sr. Deputado, fala em Ministério das Pescas, fala em Ministro das Pescas. A mim, isto faz-me uma confusão terrível. É que eu sou da
Beira-Baixa, vivo no Ribatejo, mas, por aquilo que sei, parece-me que há um Ministério da Agricultura e Pescas.
Já que V. Ex.ª teve uma palavra para os homens do mar, gostaria que deixasse também uma palavra para os homens da terra. Se não se importasse, era esta a pergunta que eu lhe fazia.

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Coelho, tem mais um Sr. Deputado inscrito para pedidos de esclarecimento. O Sr. Deputado quer responder agora ou prefere responder no fim?

O Sr. Pedro Coelho (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Uma pergunta muito breve, dadas as limitações de tempo.
O Sr. Deputado falou na fuga ilegal de peixe à lota que se verificava, dando portanto a entender que deveriam ser tomadas todas as medidas para que essa fuga se deixasse de verificar. Entretanto, o Sr. Ministro tinha acabado de referir que pensava que se devia verificar uma liberalização da lota. Queria, pois. saber se prevalecia a posição do Partido Socialista ou do Ministro do Governo apoiado pelo Partido Socialista e pelo CDS.

O Sr. Presidente: - Para .responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Coelho.

O Sr. Pedro Coelho (PS): - Em primeiro lugar, fixo extremamente satisfeito que apareça essa pergunta do Sr. Deputado do CDS, porque de facto isso permite-me, finalmente, expressar um protesto que há dois anos e meio ou mais vou remoendo, é o termo.
Desde que foi criado o Ministério da Agricultura e Pescas no VI Governo Provisório, e habitual, é quase permanente ouvir-se referir aquele Ministério como Ministério da Agricultura e o Ministro respectivo como Ministro da Agricultura. Eu admito que Isso é justo quando se trata dos problemas da agricultura, portanto, pelo que me permiti também, agora, que estava a tratar dos problemas das pescas, referir-me ao Ministro das Pescas e ao Ministério das Pescas. Os pescadores, têm esse direito. Aliás, isto tem um fundo que está inscrito, digamos, na minha recomendação ao Governo, que é a necessidade, de facto, de uma autonomia do sector e de uma integração desse sector, porque o casamento da agricultura com as pescas foi um casamento demasiado íntimo e desviou das pescas alguns elementos estruturais fundamentais que eu referi na minha intervenção, como o planeamento, o financiamento, etc., e creio que isso é um assunto pelo qual me tenho batido e que espero que agora venha a ser resolvido, evidentemente com o tempo necessário para que não haja uma ruptura das estruturas actualmente em funcionamento, que só prejudicariam o próprio bom andamento do sector.
Quanto à pergunta do Sr. Deputado do PSD, evidentemente que não há qualquer contradição entre o Programa do Governo e a posição do Partido Socialista neste caso. Eu sou um militante disciplinado e, se houvesse contradição, até me teria calado sobre este problema e talvez discutisse isso pessoalmente com o próprio Ministro.
De qualquer maneira, o que eu refiro é justamente a fuga ilegal do peixe à lota. Ora aquilo que o Sr. Ministro expôs - e, quanto a mim, muito bem - é que é preciso regulamentar correctamente a primeira venda do pescado, em termos de legalizar situações, podendo dar-se o caso de o peixe dever ir à lota em certas circunstâncias e noutras ser permitida, de facto, não a fuga à lota, mas a venda directa do produtor a um circuito de abastecimento, que pode ser uma indústria, pode ser uma cooperativa ou pode ser, inclusivamente, uma empresa. Consequentemente, não há qualquer contradição e foi justamente por isso que eu tive o cuidado de

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empregar na minha intervenção a expressão «fuga ilegal».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - A Mesa pretende dar aos Srs. Deputados e ao Governo uma informação quanto aos tempos disponíveis.
Caso esta reunião termine hoje, como está previsto, às 20 horas, considerando os tempos disponíveis, partindo do princípio de que o Sr. Primeiro-Ministro utilizará apenas hora e meia no seu discurso final, considerando a votação da moção de rejeição apresentada, prevê-se, não' havendo muitos tempos mortos, que este debate termine entre as 5 horas e as 6 horas da manhã do próximo domingo.
Era só isto que queria dizer para já. Talvez fosse bom irmos pensando se não vale a pena uma sessão noctuma hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Sottomayor Cardia.

O Sr. Ministro da Educação e Cultura (Sottomayor Cardia): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alude-se no Programa do Governo à conveniência de estimular debate público sobre as principais desarticulações e estrangulamentos do sistema geral de ensino. A minha intervenção, que vai ser um tanto árida, incidirá exclusivamente sobre esse ponto por razões de economia de tempo.
É facto que não dispomos ainda de um sistema público de educação pré-escolar minimamente colocado à altura das necessidades. Mas também é incontestável que o não poderíamos ter, mesmo quando se admita a possibilidade de se haver andado mais depressa. Após a publicação da Lei n.º 5/77, votada per esta Assembleia a partir da proposta do Governo, constituiu-se, no Ministério, um grupo de trabalho para estudo da instalação do sistema e, nomeadamente, da integração do Ministério da Educação dos jardins-de-infância oficiais e da criação de novos. Está em fase final a elaboração do estatuto dos jardins-de-infância. Regulamentou-se pela primeira vez de forma sistemática, e intensificou-se, o apoio em meios humanos e financeiros a jardins-de-infância privados sem fins lucrativos. Determinou-se a criação de estabelecimentos de acolhimento para a 2.ª infância em colaboração com as autarquias locais interessadas; isso se poderá considerar improvisação, mas representa uma iniciativa imediatamente viável e de interesse social. Até agora - até ontem ou anteontem - responderam afirmativamente cinquenta e quatro câmara?, municipais e negativamente cento e quarenta. Iniciou-se a inspecção dos edifícios colocados à disposição e prontamente serão designados professores primários para conduzirem a experiência, já que o sector público carece de educadores de infância. Finalmente, e considerando a necessidade de favorecer a adaptação das crianças à escola e a impossibilidade de proporcionar a frequência de jardins-de-infância, foi determinada a criação de um ano preliminar ao ensino primário, desde que tal não prejudique o funcionamento das escolas primárias.
Entre as questões mais dramáticas do ensino primário, destaca-se a infantilização dos conteúdos de ensino. Muitos pais que têm filhos no ensino primário sabem que, desde há alguns anos, quase nada se ensina em muitas escolas: e outros reconhecerão certamente que, se os filhos adquirem as necessárias noções elementares, tal se deve à consciência profissional de quem, ensinando, sabe o que deve ensinar. Surpreendentemente, não item sido posto em evidência que os programas aprovados em 1795, e as instruções didácticas mais ainda do que os programas, parece terem introduzido a ignorância como objectivo do ensino primário. Um exemplo: mandou-se que apenas se conjuguem os verbos que exprimem acção. Outro: aconselhou-se a que não sejam ultrapassados os limites normais da linguagem espontânea dos alunos. Outro ainda e último, para não abusar da paciência desta Assembleia: desapareceu do programa a divisão do período em orações e a análise da oração. 75 não foi, sejamos justos, apenas o ano do ataque totalitário à democracia, foi igualmente o da miragem anarquista que doutrinariamente nada tem a ver com o primeiro factor que enunciei.
Criou-se um certo constrangimento entre não poucos professores. A desorientação é visível. Não se exige pelo receio de «traumatizar»; confina-se o ensino ao estritamente concreto, como se tal não bloqueasse pura e simplesmente o desenvolvimento intelectual das crianças. Uma escola não será positivamente apenas um lugar de recreio. Digo-o com todo o respeito pela necessária inovação pedagógica: mas é exactamente em defesa dessa exigência que não deve pactuar-se com o culto da facilidade e da preguiça. Não pode ser esquecido que o ensino primário tem como uma das suas finalidades garantir a aprendizagem dos rudimentos do saber e que, se isso não acontece, as vítimas são as crianças.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se no passado foi tristemente considerado suficiente aprender a ler, escrever e contar, é decerto motivo de grande preocupação que, em tempo recente, se tenha tentado fazer prevalecer a pedagogia de quase não ensinar a ler, nem a escrever nem a contar. O Governo não quis nem quer reintroduzir os antigos métodos e programas; está em curso a preparação de novos programas e novas instruções d& aplicação bem como a correspondente reciclagem de professores por meios audio-visuais.
O ensino preparatório constitui talvez o nível pedagogicamente mais eficaz. Todavia, cumpre não só proceder à revisão de programas, mas obviar ao inconveniente que resulta da passagem brusca do regime de classe com um professor ao regime de disciplina com nove. Importa igualmente acautelar a inserção na vida activa de quantos abandonam a escola no 6.º ano de escolaridade. É certo que tal abandono não deveria verificar-se nessa fase e tende felizmente a decrescer. Mas se é imperativo defender os mais desfavorecidos, isso deve concretizar-se através do aproveitamento dos centros de formação profissional, mediante mais estreita colaboração entre serviços dependentes do Ministério do Trabalho e do Ministério da Educação.
Legalmente a escolaridade, obrigatória é de seis anos. Mas psicologicamente é ainda de quatro na maior parte

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do País. Atingir na prática o que a lei prescreve pressupõe infra-estruturas materiais e humanas. Mas não só: pressupõe também medidas de carácter administrativo, de índole pressionante, como a adoptada pelo I Governo no sentido de suprimir o diploma da 4.ª classe. Desnecessário se torna esclarecer que o Governo quer caminhar para uma obrigatoriedade escolar superior a seis anos; contudo, há limitações que não é crível possam ser vencidas nos próximos tempos.
Em educação, como em tudo o mais, o aparentemente melhor é com frequência e na prática indissociável do pior. O mais justo em abstracto abre não raras vezes a porta ao agravamento das injustiças reais. Convém assim atenuar os inconvenientes dos grandes erros, sobretudo quando eles contêm virtualidades, mesmo distantes, de justiça. A unificação geral do ensino secundário foi sonho de um Verão escaldante. O que se perdeu em preparação profissionalizante, o que se perdeu em produto nacional, o que se perdeu em possibilidade de obter emprego para os jovens socialmente mais desfavorecidos - tem de ser debitado à componente anárquica do clima que se viveu em 1975.

Vozes do PS, PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Foi alegado, na altura, que mais vailia cedo do que nunca. Na verdade, preferível teria sido trabalhar na valorização possível do que improvisar na angústia de queimar etapas. A tarefa que se impõe agora é de fazer funcionar o curso geral do ensino secundário, sem prejuízo da unificação genericamente considerada, mas também sem prejuízo de se reconhecer que o aluno, ao abandonar o 9.º ano, deve estar de algum modo habilitado a trabalhar como trabalhador e não como aprendiz totalmente desqualificado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Considera também o Governo que deve ser dignificada a disciplina de trabalhos oficinais de modo a tornar obrigatória a opção por duas modalidades de trabalhos oficinais no 7.º ano e por uma no 8.º, bem como a conservar e melhorar a componente vocacional do 9.º Quer isto dizer que, aos 12 anos, os alunos devem ser obrigados à vivência e experiência de alguma das modalidades do trabalho manual. Esta directriz só pode ser prosseguida mediante o aproveitamento de unidades oficinais escolares, o apetrechamento de novas unidades e a utilização de centros de formação profissional. Estou certo de se ter já atingido suficiente consciência do valor do trabalho e do direito à preparação para trabalhar; creio por isso superada a eventualidade de ser havido como retrógrado em Portugal o que se exalta como progressivo em países estrangeiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Desde a publicação, em 1972, dos planos de estudo do 3.º ano experimental, hoje correspondente ao 7.º ano de escolaridade, cessou a obrigatoriedade do ensino de duas línguas estrangeiras no curso secundário geral. A unificação de 1975 consagrou o princípio de que no secundário geral, os portugueses só podiam estudar ou francês ou inglês. Era fácil imaginar o que daí resultaria: os ricos aprendem inglês na escola e francês em casa, ou vice-versa, os pobres aprendem francês na escola. Não interessa agora interpretar as motivações profundas de tal decisão; mas talvez deva salientar-se que ela não obteve qualquer destaque nas preocupações dos críticos do sistema escolar. O I Governo determinou que se pusesse termo a esse desmando suspeito e mandou que de novo se exigisse o estudo de duas línguas (alemão, francês ou inglês) no curso secundário geral, o que se começará a executar no próximo ano lectivo.
A reforma do curso complementar do ensino secundário está em fase de conclusão, devendo a decisão sobre estrutura e programas ser tomada até ao fim do corrente mês. Prevê-se a adopção de um regime de tronco comum - composto eventualmente ,por disciplinas de Português, Filosofia, uma língua e Educação Física - e a adopção de cinco grandes áreas optativas: a científico-natural, a
científico-tecnica, a económico-comercial, a humanistico-social e a artística. Em todas se ressalvará a componente profissionalizante.
Questão do maior relevo mas também de evidente melindre é a da formação de professores. Faltam quase absolutamente educadores de infância; verifica-se considerável excesso de professores primários. A evolução demográfica agravará a situação do professorado primário. O Governo considera de elementar bom senso, e de indiscutível interesse profissional para a classe dos professores primários reconverter escolas do magistério primário em escolas destinadas à formação de educadores de infância. Empenhar-se-á, por outro lado, na intensificação do envio ao estrangeiro de bolseiros candidatos ao ensino normal infantil e em obter a colaboração de técnicos estrangeiros em escolas normais infantis em Portugal.
De semelhante relevo e melindre se reveste a profissionalização de docentes do ensino preparatório e secundário. Obtém-se actualmente a qualidade de professor profissional do ensino preparatório e secundário através de dois sistemas muito diferentes, quer quanto à exigência, quer quanto às condições de acesso: os tradicionais estágios pedagógicos e os ramos educacionais das faculdades de Ciências. Aos primeiros só têm acesso os docentes diplomados com preferência para os mais graduados, isto é, os que obtiveram melhores classificações académicas e cumpriram mais tempo de serviço. Aos segundos têm acesso os,
recém-diplomados com o grau de bacharel por simples acto de matrícula. Os efeitos na carreira são idênticos. Em matéria de falta de equidade nada mais precisa acrescentar-se.
É certo que os estágios tradicionais funcionam hoje deficientemente, têm muitas vezes escasso rendimento e são muito onerosos. Das condições de funcionamento dos estágios dos ramos educacionais, melhor será talvez não falar.
Assim, o Programa do Governo prevê a formação de centros de formação pedagógica, sem discriminação dos cursos de proveniência; no quadro dessas instituições, realizar-se-ão estágios integrados em es-

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colas preparatórias e secundárias. No Programa referem-se também duas medidas de natureza experimental: o lançamento, em área regional carecida, de uni processo de formação profissional em serviço e a institucionalização de cursos periódicos e obrigatórios de reciclagem. Já o I Governo tinha estabelecido facilidades especiais com vista ao completamento de habilitações académicas de agentes de ensino.
Passando agora à área do ensino superior, que será mais breve que a precedente, refira-se como primeiro estrangulamento a impreparação cultural e científica de muitos estudantes que, nos últimos anos, ingressaram nas universidades e o consequente abaixamento da qualidade do ensino. A introdução de provas de acesso e a criação do Ano Propedêutico - cumpre-me, aqui e num parêntesis, a propósito, louvar o alto esforço técnico do Instituto de Tecnologia Educativa e a competência dos professores que se tem exposto às câmaras da TV - contam-se entre as .medidas adoptadas pelo anterior Governo para fazer frente à situação. As soluções não são, como é óbvio, impecáveis, mas permito-me sustentar que foram importantes e positivas. Os dispositivos legais devem ser aperfeiçoados tanto quanto humana, financeira e fisicamente for possível. Proceder-se-á, por outro lado, à necessária articulação com os cursos complementares do ensino secundário.
Grave factor de perturbação da instituição universitária é a proliferação de bacharelatos. Criados provavelmente por motivos de imagem estatística externa e aproveitados para diplomar antigos estudantes que não tinham completado os seus cursos, muitos bacharelatos representam apenas cursos incompletos ou comprimidos; e quando se pretende que o não sejam, introduz-se distorção inconveniente na organização curricular. Por isso o I Governo não previu o grau de .bacharel nos cursos que criou; o II Governo continuará a apreciar a validade social e científica dos bacharelatos existentes, com prioridade para os cursos professados nas universidades. Mas desde já se pergunta: o que é um bacharel em Leiras, ou em Ciências, ou em Direito, ou em Economia, ou em Farmácia? Não estão em causa as situações profissionais de quaisquer bacharéis; mas está em causa o inconveniente de deixar que o erro prossiga indefinidamente.
O País carece de especialistas qualificados de nível superior não universitário; não de semigeneralistas saídos com a frequência de meio curso universitário.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na área da tecnologia industrial, faltam especialistas de electrónica, electricidade, instrumentação e controlo de qualidade, equipamento térmico. Na área da tecnologia dos produtos alimentares, faltam especialistas de conservas e congelados de carne e de peixe, de leite e seus derivados, de bebidas fermentadas, de frutas e vegetais. Na área da produção agrícola, florestal e pecuária, faltam técnicos especialistas, com o mesmo grau de formação, em melhoramento rural e mecanização agrária, em culturas arvenses, em fruticultura, em horto-fruticultura, em silvicultura, em avicultura, em
bovinicultura, em ovinicultura, etc. Na área da saúde, faltam profissionais de enfermagem, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, optometristas, audiometristas, etc. Cumpre, por outro lado, dignificar o estatuto académico dos educadores de infância e dos professores primários.
Os cursos do ensino superior de curta duração (dois a três anos) conferirão diplomas de estatuto administrativo pelo menos idêntico ao dos bacharelatos e permitirão uma efectiva e progressiva descentralização e regionalização do ensino superior.
O Governo está em condições de informar que se encontram lançadas acções com vista ao planeamento da formação de técnicos superiores. O instrumento do numerus clausus, basicamente utilizado pura defesa das condições de funcionamento das escolas, só adquire o seu verdadeiro sentido social, e não apenas escolar, quando puder ser aplicado na concretização de uma política de emprego de quadros de formação intelectual e tecnológica. Deve evitar-se que no País haja acentuado excesso ou defeito de quadros superiores. Na primeira hipótese, o desemprego cria situações humanas injustas e avoluma a problemática da proletarização intelectual. Na segunda, a carência compromete o desenvolvimento social, económico e cultural do País. A política praticada de numerus clausus foi, contudo, a única possível. Mas, à luz do exposto, o Governo considera necessário prosseguir estudos sobre a& condições de instalação de escolas do ensino superior.
Apesar das disposições legais que introduziram a democracia na convivência universitária e do entusiasmo, participação e firmeza suscitados pelo novo enquadramento legal de gestão das escolas, apesar de outras medidas de normalização como as relativas a avaliação de conhecimentos e equivalências, persiste, embora atenuado, o mau funcionamento de várias escolas.
Reestruturou-se a Faculdade de Direito de Lisboa, a Faculdade de Economia do Porto, a Universidade Nova de Lisboa, os ISEF; admitir-se-á que, sob pressão de uma ou outra lei, algumas outras escolas tenham melhorado um tanto o seu trabalho. O Governo continua atento, como lhe compete.
O mau funcionamento de várias escola?, deve-se, contudo, em certos casos, a razões mais fundas. Nos últimos anos improvisaram-se cadeiras, não apenas com o intuito de absorver candidatos à docência impreparados para um ensino útil, além, naturalmente, de outras finalidades desaconselhadas ao ensino universitário. Para vencer esse estado de coisas, foram nomeadas comissões científicas interuniversitárias; dos seus trabalhos -, já concluídos, resultará a revisão dos planos de estudo das escolas superiores, processo que já se iniciou nas Faculdades de Letras.
A carreira docente universitária tornou-se pouco aliciante. É necessário motivar os universitários e os que o possam ser. A carreira deve ser atractiva, mas a exigência não pode ser subalternizada. Está concluído o projecto de diploma onde se prevêem quatro graus académicos (a licenciatura, o provisoriamente chamado mestrado, o doutoramento e a agregação) articulados, basicamente, cora quatro

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categorias profissionais (assistente-estagiário, assistente, professor auxiliar e professor titular). Mas não é bastante reformular o estatuto da carreira; é igualmente necessário proceder ao alargamento dos quadros, após criterioso estudo. Inútil, contudo, pensar que tais medidas de natureza administrativa possam produzir grandes resultados se não se fomentar a investigação científica em âmbito universitário.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, as universidades não devem limitar a sua actividade à formação de diplomados e ao desenvolvimento de linhas de investigação. No âmbito das suas atribuições deve incluir-se também a prestação de serviços às comunidades que servem (nos domínios da saúde, da agro-pecuária, da promoção social e cultural, etc.), de modo a contribuírem para vencer certas carências das regiões em que se situam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de concluir. Pretendeu-se apenas introduzir um debate sobre problemas capitais do sistema escolar, preliminar à sua reforma global. É na verdade preciso não perder a visão de conjunto, o que é fácil aos Deputados desta Câmara, mas não tão fácil a pessoas com interesses profissionais próprios a acautelar. E é igualmente necessário reconhecer que estão em vigor pelo menos dois sistemas contraditórios e por isso deformados: o anterior à Lei n.º 5/73 e o decorrente do espírito inicial dessa lei, mas sobretudo inflectido pela prática descontrolada de 1975. O I Governo iniciou a aplicação de um terceiro tipo de sistema que o II se propõe desenvolver e, após debate dos temas enunciados e de outros, sujeitar à consideração da Assembleia da República, nos termos do Programa do Governo.

Aplausos do PS e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra, para pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro, o Programa do Governo não contém nem uma linha, e creio que também não conteve a sua intervenção, de referência a um dos problemas com que deparam as nossas escolas, particularmente as escolas do ensino secundário, que são as actividades das organizações fascistas que lançam a violência, o terror, destroem instalações e provocam o caos, em muitos estabelecimentos de ensino. Efectivamente o MEIC nada fez até à data para impedir essas acções, não tomando, portanto, qualquer medida, apesar dos apelos sucessivos, dos estudantes e professores progressistas, dos votos aprovados aqui na Assembleia da República e dos apelos das organizações progressistas da juventude, e mesmo da Juventude Socialista.
Posto isto, perguntava-lhe se o Ministério da Educação e Cultura pensa tomar alguma medida em relação a esse problema. Será que o Ministério teme atingir algum ou alguns filiados da Juventude Centrista que inequivocamente têm estado ligados a essas acções de violência? Que pensa fazer concretamente a esse respeito?
Uma segunda questão lhe queria pôr. Fala o Programa do Governo num conselho nacional de educação e, em relação ao ensino superior, no conselho nacional de educação superior. Quem compõe estes conselhos? Como são nomeados os seus membros? O Sr. Ministro pensa na participação dos professores, nomeadamente dos seus órgãos representativos, os sindicatos? Pensa na participação estudantil, nomeadamente através das suas associações de estudantes? Pensa na participação dos órgãos de gestão eleitos e que são completamente ignorados ao longo de todas as vinte páginas que o programa contém?
Ainda queria pôr-lhe uma terceira questão. O primeiro objectivo do Programa do Governo em matéria de educação é dotar o sistema de ensino de uma coerência sequencial. Achamos, pois, estranho que este seja o primeiro objectivo. Não deveria ser antes uma coerência constitucional?
Também nos pareceu da leitura dessas vinte páginas que a Constituição' esteve completamente alheia e foi completamente ignorada na sua redacção, muito em particular no que respeita aos direitos dos trabalhadores e dos seus filhos ao efectivo direito ao ensino e ao acesso a todos os graus de ensino, e, portanto, às medidas que deveriam ser encaradas nesse sentido.
Uma última questão desejava ainda colocar-lhe. Tem sido uma tónica do Ministério da Educação e Cultura e da equipa que se vai manter à sua frente, e que só é alterada para dar entrada a um Secretário de Estado do CDS, a recusa ao diálogo, à participação dos professores e dos estudantes nos seus órgãos representativos, as associações de estudantes e os sindicatos dos professores, o que tem sido bem claro ao longo de toda a acção do Ministério. Pensa o Ministério da Educação e Cultura rever essa posição e. nomeadamente, quando prevê no seu programa a redacção de vários estatutos da carreira docente a diversos graus, pensa ouvir e fazer participar os professores interessados na elaboração desses estatutos? Pensa, por exemplo, fazê-lo em relação ao Estatuto do Ensino Superior?
Eram estas as questões que lhe queria pôr, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro Sottomayor Cardia, há mais cinco inscrições para pedidos de esclarecimento. Pretende responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Educação e Cultura: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Jorge Leite.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Sr. Ministro, desejo pôr-lhe algumas questões muito simples.
A primeira questão era a seguinte: o Sr. Ministro disse que o estatuto da carreira docente está a ser objecto de criterioso estudo, ora em curso. Os professores do ensino superior ouvem isso há pelo menos dois anos, pelo que lhe perguntava se esse criterioso estudo vai levar ainda mais dois anos ou quanto tempo mais poderá levar.

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Uma outra questão - refere-se ao seguinte: o Sr. Ministro, na primeira parte da sua intervenção, gastou uma boa percentagem do seu tempo referindo aquilo quo se passou ou não se passou há cerca de três anos. Entretanto, lembro ao Sr. Ministro - que está no Ministério da Educação e Cultura há cerca de dezoito meses. Não acha, pois, o Sr. Ministro que essa fórmula é no fundo uma capa com que se cobrem normalmente os incompetentes, para quem a culpa é sempre dos anteriores responsáveis e nunca dos actuais, coisa que, aliás, me parece imprópria do Sr. Ministro?
A terceira questão que lhe queria pôr é a seguinte: já aqui foi posto muito concretamente ao Sr. Primeiro-Ministro, na altura em que apresentou, ou deveria apresentar, o Programa do Governo, o problema do despacho do Sr. Ministro relativo ao direito à greve por parte dos professores do ensino público. O Sr. Primeiro-Ministro não respondeu - está no seu direito e o Sr. Ministro naturalmente que também está no direito de não responder -, mas fazia-lhe a pergunta muito concretamente. Diria ainda, para justificar mais, que não podemos desligar assim com toda a facilidade o Programa do Governo da prática deste, e esta prática foi assumida pelo Sr. Ministro já como Ministro do II Governo Constitucional. Perguntava-lhe então, a propósito dos ataques à democracia que referiu terem existido em 1975, quem ataca de facto a democracia? Quer dizer, será que naquele Ministério há alguém, e nomeadamente o Sr. Ministro, que seja capaz de ler uma coisa que aqui nenhum Deputado com certeza se atreverá a ler, ou seja, que a lei da greve não garante aos funcionários públicos o direito à greve? Quer dizer, haverá tão pouca cultura por aquele Ministério da Educação e Cultura?

Risos.

Ou, se não existe assim tão pouca cultura, como pode um Ministro dizer aquilo que razoavelmente ninguém é capaz de ler, isto é, haverá naquele Ministério tão pouca educação que seja capaz de dizer uma coisa diferente daquela que se lê?
Concretamente gostava que me dissesse, Sr. Ministro: entende ou não entende que hoje em Portugal, à face da Constituição e à face da Lei n, º 75/77, os funcionários públicos têm direito de fazer greve? E ligado a isto, Sr. Ministro, gostava que me dissesse: entende ou não que é abusivo o uso da TV na véspera da data anunciada pelos sindicatos para desencadear uma greve, vindo ameaçar os professores, como se se tratasse, porventura, de jovens alunos, com medidas repressivas, caso exercessem um direito democraticamente conquistado e constitucionalmente consagrado?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Apenas vou fazer três curtas pergunta:, porque já vai longo o tempo utilizado pela nossa bancada.
A primeira pergunta é esta: Sr. Ministro, sabendo que faltam cerca de 20 000 salas de aula para o ensino primário, a nossa bancada estaria interessada em saber quais as perspectivas do Governo para resolver o problema e quantas salas estarão prontas até 1980.
A segunda pergunta: pensa o Governo inscrever na proposta de lei de Orçamento Geral do Estado, que virá a apresentar a esta Assembleia da República, verba destinada à criação e ao lançamento da rede de ensino pré-escolar?
Terceira pergunta: em caso afirmativo, será o lançamento da rede pré-escolar feita ao mesmo tempo em todo o País ou haverá prioridades regionais? No caso de haver prioridades regionais, quais?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Cunha Simões.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Sr. Ministro, ouvi com agrado a sua intervenção e na verdade secundo-o, porque a confusão que reinou ,no ensino secundário e no universitário em determinada altura foi de tal ordem que cheguei a
convencer-me de que ficaria mais barato ao MEIC vender directamente diplomas para oferecer como prenda de anos do que ter lá os alunos e os professores.

Risos.

Na verdade, nunca compreendi como era possível que se saneasse indivíduos porque ensinavam Física fascista, Anatomia fascista ou Mecânica fascista.

Risos.

A pergunta que, gostaria de pôr ao- Sr. Ministro era a seguinte V. Ex.ª falou nos jardins de infância que se iriam estender pelo País e na reconversão das escolas do magistério primário em escolas de educação de infância. Pois bem, houve 154 câmaras municipais que responderam afirmativamente a esta questão e 140 que responderam negativamente. Gostara de saber qual o motivo por que estas últimas responderam negativamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Manuel Gusmão.

O Sr. Manuel Gusmão (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pode responder, Sr. Ministro, se assim o entender.

O Sr. Ministro da Educação e Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei ser muito breve nas minhas respostas.
Relativamente às questões poetas peia Sr.ª Deputada Zita Seabra, tenho a dizer o seguinte: em primeiro lugar, a questão das perturbações verificadas em estabelecimentos do ensino secundário...

O Sr. Sousa Marques (PSD): - Provocadas pelas organizações fascistas.

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O Orador: - Fascistas e outras...

Risos do PS e do CDS.

..., isso é matéria disciplinar que como tal tem sido encarada, tendo já sido aplicadas, como toda a gente sabe, algumas penalidades adequadas, sempre que é possível. Mas é preciso - não esquecer que a competência disciplinar dos órgãos próprios das escolas, e não do Ministério.
No que respeita à prática de crimes mo exterior das escolas, a questão diz, naturalmente, respeito às autoridades competentes, não diz respeito ao
Ministério da Educação. Pergunto-me apenas se a Sr.ª Deputada Zita Seabra aconselha o Governo a que recrute para protecção interior das escolas funcionários com alguma especial qualificação em matéria de compleição física.
Relativamente aos partidos a que eventualmente pertençam certos estudantes, é evidente que em democracia e nos termos da Constituição, pela Sr.ª Deputada invocada, todos os cidadãos são iguais perante a lei e, e claro, todos os estudantes são iguais perante a lei.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Isto é que é Cavar as mãos!

O Orador: - Não é lavar as mãos, Sr. Deputado Lino Lima e meu querido amigo.
Eu peço ao meu querido amigo Sr. Deputado Lino Lima que me dê sugestões concretas que possam levar a que nas escolas se evite, através de mecanismos centrais do Ministério da Educação, que elementos fascistas ou outros agridam, provoquem ou maltratem os professores. Se o Sr. Deputado Lino Lima me ajudar nesse ponto eu ficar-lhe-ei mais uma vez muito grato pela sua contribuição, que no passado, em muitos aspectos da nossa actividade comum, foi tão proveitosa e para mim inesquecível.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Todo o Governo tem de ter uma política de defesa das instruções democráticas. É ao Governo que compete determinar essa política, esclarecê-la em cada momento e actuar de harmonia com ela.
Não é a mim que deve fazer essa pergunta, tem de fazê-la aos seus colegas de gabinete. É ao seu Governo que cabe determinar as condições concretas em que se deve actuar para defender a democracia, que é uma obrigação fundamentalmente do Governo, como de todos os cidadãos bem entendido.

Aplausos do PCP.

O Orador: - Sr. Deputado Lino Lima, provavelmente o meu querido amigo não está informado dos regulamentos disciplinares...

Uma voz do CDS: - É natural!

O Orador: -... e não tem disso nenhuma obrigação. Se agora, por exemplo, me perguntar quais são os artigos aplicáveis na matéria, eu também não lhe sei responder, pois não sou um serviço de informações. No entanto, é óbvio que compete às entidades das escolas velar pela disciplina, e não penso que deva
competir à Polícia de Segurança Pública ou à Guarda Nacional Republicana intervir no interior das escolas, a não ser que, como é o caso que aconteceu no Liceu de Garcia de Orta, sejam praticados actos, de tal gravidade que, tal como nesse caso, se deu precisamente a circunstância de, a meu requerimento e com o aplauso do Sr. Governador Civil do Porto, de ter chamado a PSP para retirar as imagem do defunto ditador Salazar. Ou quer V. Ex.ª substituir os conselhos disciplinares e directivos por órgãos policiais dependentes do Ministério da Administração Interna?

O Sr. Lino Lima (PCP): - O que, lhe estamos Q perguntar é por uma política, não é pelos regulamentos. Estamos a perguntar-lhe por uma política, o que é uma coisa diferente.

O Orador: - A política é esta, Sr. Deputado a política é que nas escotas mandam os órgãos representativos das escolas eleitos. Se quiser, podem ser nomeados.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É o que eles fariam.

O Orador: - Fora das escolas e para questões de criminalidade actuam as polícias. Esta é a política.

O Sr. Victor Louro (PCP): - É a política do regulamento!

O Orador: - Não é a política do regulamento, é manifestamente a política da separação de competências.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segundo ponto: o Conselho Nacional de Educação seira compósito por pessoas cujo conselho seja considerado conveniente, mas não terá a ambição de se substituir a uma câmara corporativa
Quanto à questão da coerência sequencial e da coerência constitucional, na verdade não percebi o alcance da observação da Sr.ª Deputada, porque presumo, ou melhor, estou certo de que não há nada na Constituição que proíba a coerência sequencial. Portanto, estamos a falar de coisas completamente diferentes. Eu falo da necessidade de haver uma coerência sequencial no sistema escolar. V. Ex.ª fala-me da necessidade de apoiar o acesso de trabalhadores ao ensino superior, o que o Ministério da Educação, com os recursos disponíveis do Orçamento do Estado, tem feito através da Acção Social Escolar.
Quanto à recusa ao diálogo, esse é um ponto sobre o qual se tem falado demasiado, porque de todo não corresponde à verdade. E aqui eu queira aproveitar a circunstância para fazer um esclarecimento: se por dialogo se entende que todos os representantes de alunos, de professores, de escolas ou de sindicatos tem o direito de permanentemente, e em qualquer ocasião, entrar em contacto directo com o Ministro ou com os Secretário de Estado, evidentemente que isso não é prática que se possa garantir. Mas o diálogo não é apenas com o Ministro ou com os Secretários de Estado, pois ele tem de se passar a muitos diversos níveis. O Ministério da Educação e Cultura é uma

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máquina com uma certa latitude, tem 170 000 funcionários, e é, portanto, dentro de esferas de competência delimitadas que o diálogo se processa, como se tem processado e como se há-de continuar a processar.
O que aconteceu no anterior Governo, relativamente ao que tomei já providências, é no senado de que as acções do Ministério da Educação e Cultura tenham uma divulgação que a sua importância justifique nos meios dê comunicação social. E aí eu gostaria que se fizesse um estudo - é certo que ele será minto complexo - do espaço que os jornais dedicam a dar informação das iniciativas do Governo, mesmo das leis, e o espaço que consagram a noticiar as reuniões mais insignificantes, ainda que de pessoas que porventura possam ser em alguns casos qualificadas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não falo já do estúdio, que também seria necessário, sobre a, utilização dos tempos na televisão.
Quanto à audição relativamente a certas leis como as que a Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu, naturalmente que o Ministério está interessado na audição de sugestões - aliás, estas leis estão a ser preparadas há já bastante tempo e todas as sugestões que nos queiram dar serão bem acolhidas mas compreenderá a Sr.ª Deputada que estas leis são leis de interesse, nacional, e não de interesse corporativo.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Leite, tenho a informar que em relação à carreira docente não disse que ela está em fase de critério o estudo, mas disse que ela está ultimada. Em fase de criterioso estudo está a questão do alargamento dos quadros das escotas superiores.
Quanto ao que eu disse relativamente à política seguida a partir de 1975, quero afirmar que muita coisa foi inflectida, mas naturalmente que, como o Ministério da Educação não tem sido dirigido por irresponsáveis, não se pensa que é através de pura legislação ou de despachos apressados que se consegue refazer em pouco tempo tudo aquilo que se desfez, em muitos aspectos mal, em tempo mínimo e que por isso foi mal pensado É preferível não fazer as coisas, a fazer as coisas de uma maneira precipitada.
A questão do direito à greve para mim é de uma clareza meridiana. Obviamente que a lei garante o exercido do direito à greve na função pública. Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª é jurista e sabe que a lei não regula, expressamente o diz e o ressalva, o exercido do direito à greve na função pública. É esse, e apenas esse, o problema. Quanto à circunstância de alguém se poder sentir atingido, naturalmente que recorre contenciosamente, como é seu direito, se se sentir ofendido. E é de todo em todo destituído do fundamento que tenha habido qualquer intenção de ameaçar. O que houve naturalmente foi a intenção de informar...

O Sr. Jorge Leite (PCP): - De desinformar.

O Orador: - ... de informar sobre o regime legal.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - De desinformar.

O Orador: - Finalmente, o problema que me é colocado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos sobre o timing da construção das 20 000 salas de aula de que se carece de momento, não lhe posso dar informação concreta, pois outra não valeria a pena dar sobre um ponto tão preciso como o que colocou, mas terei muito prazer em comunicar imediatamente à Direcção-Geral do Equipamento para que forneça a V. Ex.ª os elementos relativos a esta matéria. Por outro lado, também tenho a informar que a rede do ensino pré-escolar se conta entre as preocupações que devem ter a cobertura do Orçamento Geral do Estado. A prioridade na instalação da rede de jardins de infância obedecerá a critérios regionais, na medida do possível, para defesa de regiões mais carenciadas.
Finalmente,, em relação à questão que me foi posta pelo Sr. Deputado Cunha Simões, tenho a informar que não é a mim próprio que deve perguntar qual o motivo por que responderam negativamente 154 câmaras municipais, mas a elas próprias. Posso apenas presumir que elas não estão em condições, pelo menos de momento, de colocar à disposição do Ministério as instalações que foram solicitadas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Portugal.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Prudente, Srs. Deputados: É apenas pana constatar que, não obstante todos os partidos manifestarem a sua preocupação com os tempos disponíveis e a necessidade de os partidos que apoiam o Governo e o Governo intervirem, estamos confrontados perante a seguinte situação: houve uma intervenção de um Deputado socialista, segui-se a intervenção de um Ministro e terá de haver novamente uma intervenção de um Deputado socialista porque os outros partidos não inscrevem os seus Deputados. Ora nós consideramos que feito é um pouco anómalo.

O Sr. Presidente: - Na verdade, neste momento só se encontra inscrito o Sr. Deputado António Portugal.

O Sr. António Macedo (PS): - É esta a moralidade da fábula!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente peço para não contar o tempo desta minha Intervenção, pois é só para repor um pouco a verdade. De facto, entre os partidos, o Partido Socialista dispõe ainda de 132 minutos.

O Sr. António Macedo (PS): - Não é disso que está em causa!

O Sr. Presidente: - A mesa vau anunciar os tempos exactas de que dispõem os partidos e o Governo.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, mas é importante que se gastem os tempos de

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irmã forma equitativa, porque pode haver partidos que pretendam fazer oito intervenções e outros que só queiram fazer quatro, mas que são intervenções de maior duração, peto que deve haver uma sucessão, tanto quanto possível alternativa, dos partidos e do Governo no uso da palavra.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Secretária vai proceder à indicação dos tempos disponíveis dos partidos, do Governo e dos Deputados «independentes.

A Sr.ª Secretária (Maria José Sampaio): - Ou tempos disponíveis neste momento são os seguintes: o Governo dispõe de 116 minutos e 30 segundos, o PS de 117 minutos, o PSD de 110 minutos e 30 segundo, o CDS de 106 minutos e 30 segundos, o PCP de 119 minutos, a UDP de 38 minutos e 30 segundos, os Deputados independentes Artur Rodrigues, Galvão de Melo, Carmelinda Pereira e Brás Pinto, de 15 minutos cada um e o Deputado independentes Lopes Cardoso de 14 minutos e 30 segundos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Gomes, para uma intervenção.

O Sr. Manuel Gomes (PCP): - Sr. Pressente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Para a generalidade dos trabalhadores portugueses e para as mais largas camadas da população, problemas como os da saúde, o da habitação e da segurança social continuam a ser questões fundamentais, carecidas de soluções satisfatórias e largamente condicionantes da qualidade da sua vida. O parque habitacional escasseia, e o que existe é inacessível às magras bolsas dos trabalhadores. A protecção no desemprego, doença, invalidez e reforma é insuficiente -, coimo o é o apoio à maternidade, à infância e à velhice. As
condições de resolução dos problemas de saúde estão muito longe de qualquer solução satisfatória.
Se é certo que não é possível desenquadrar a solução dos problemas de saúde, habitação e segurança social de toda uma orientação geral da acção governativa no plano político, económico e social; se é certo que são os problemas económicos, da política social, da política de salário e preços que se encontram no centro das preocupações dos trabalhadores - a verdade é que o dia-a-dia de milhões de portugueses se defronta também nestes campos com dificuldades, quantas vezes dramáticas, que importa considerar e resolver com urgência.
São, de de logo, os reformados e os pensionistas que têm a angústia de verem as suas magras reformas diminuídas com a alta do custo de vida e de não lhes chegarem para comer e vestir. São cerca de 1 milhão de reformados que têm uma pensão abaixo do nível de subsistência!
Promete-se, como no Programa do Governo anterior, uma actualização das reformas, mas não se definam os critérios a utilizar, nem se estabelecem prazos a cumprir.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso os reformados do regime geral da Previdência exigem, e continuarão a exigir, a actualização das suas pensões e a definição de uma
reforma mínima que proporcione um nível de subsistência de acordo com o aumento do custo de vida.
São, Sr. Presidente, os trabalhadores rurais que todo o ano esperaram em vão que fosse cumprida a promessa do Sr. Secretário de Estado da Segurança Social, feita nesta Assembleia, da revisão dos esquemas de previdência para o 1.º trimestre de 1977.
Entretanto, as reformas de 900$ e 600$, atribuídas aos homens e às mulheres, perderam, desde Abril de 1975 a Dezembro de 1977, um terço do poder de compra.
Ou trabalhadores do campo continuarão a exigir ao mesmo Secretário de Estado, agora novamente em exercício no II Governo Constitucional, a igualização das reformas entre homens e mulheres, a redução da idade da reforma para os 65 anos, o aumento das pensões, em função do aumento do cauto de Vida, e a igualização progressiva com o regime geral, como está estabelecido na lei que aguarda regulamentação desde 1976 e como define a Constituição.
São, Sr. Presidente, os beneficiários da pensão social, pois dos 80 000 inscritos no prazo estipulado, e apesar do muito barulho que se fez à sua volta e das promessas feitas, apenas 20 000 Viram a receber essa pensão.
São, Sr. Presidente, os problemas da terceira idade: continua a dar-se prioridade à política de lares e centros de dia para a terceira idade. Mas ninguém vai acreditar que com os 500 lugares criados ao longo de 1977 se está a definir uma alternativa para o insuficiente aumento das pensões e das reformas.
Os trabalhadores reformados do campo e da cidade continuarão a reclamar no que respeita a outros beneficies que lhes sejam concedidos descontos nos transportes públicos, na compra de medicamentos e subsídios para habitação e para lares.
São os pensionistas sindicalizados do trabalho que viram as suas condições melhoradas há dois anos, mas que estão hoje já numa situação de progressiva e grave injustiça devido à desactualização das pensões.
É o abono de família, cujo montante de 240$, fixado há vários anos, tem sofrido uma desvalorização progressiva que muito afecta os, agregados familiares mais numerosos e de fracos recursos. O Programa apenas considera a necessidade de um estudo tendente à sua actualização [...]». E aos pequenos e médios agricultores e comerciantes abrangidos pelo regime de previdência dos trabalhadores independentes não será já concedida esta prestação, pois que o Programa se limita a um vago reconhecimento gradual desse direito. É também, Sr. Presidente e Srs. Deputado:, o problema da saúda. O povo português continuará a reclamar as medidas concretas que satisfaçam as suas necessidades de saúde e assistência médica, ou seja: não esperar meses por uma consulta dos serviços sociais, como acontece com inúmeras especialidades; ter direito ao internamento hospitalar no prazo clinicamente indispensável; não ficar sem assistência médica nos feriados e fins de semana, como acontece por todo o País; ter direito a uma verdadeira consulta clínica, e não à entrevista relâmpago que se proporciona nas caixas.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: -Ter direito a uma verdadeira medicina de urgência e não ter de passar pelo drama da assis-

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tência praticada em muitos dos baraços hospitalares; poder contar com um hospital em cada distrito dotado com as especialidades fundamentais; ter a garantia de assistência medrica em cada freguesia e concelho, com a devida valorização e reforço do serviço medito à periferia e o estímulo à fixação local de médicos; que todas as mães tenham direito aos cuidados da assistência na gravidez e no parto; que as crianças tenham a assistência para que o drama da mortalidade infantil no nosso país não atinja o triplo da média europeia.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

O Orador:- É ainda o problema dos mediamente: em vez da prometa feita pelo Sr. Secretário de Estado Vítor Vasques, há um ano nesta Assembleia, de formulário nacional de medicamentos gratuitos, o que sucedeu foi um aumento de preço de 30 %, sem qualquer formulário.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): -Muito bem!

O Orador: - É finalmente, Sr Presidente, o problema d& habitação: as carências 'existentes em matéria da habitação passaram em apenas dez anos de 483 000 fogo?; paira um número não inferior a 700 mil fogos.
E destes, cerca de 200 000 são de carácter absolutamente urgente, pois destinam-se a substituir barracas, habitações, degradadas e a alojar famílias que vivem em regime de subarrendamento.
Recentemente, um inquérito oficial, com as respostas de 3540 freguesias do nosso país, revelava quais 90,7 % sentem que a habitação constitui a sua principal carência (como, de resto, revelava que 91,8% não tem esgotos, 89,7% solicitam estradas e caminhos o 85,6% carecem de abastecimento de água).
Inutilmente, porém, se procurará no Programa deste Governo um conjunto amplo e profundo de medidas concretas fendentes a resolver estas graves carências e dar ano reinvento ao imperativo constitucional que aponta para que cada família tenha para si e para os seus uma habitação de dimensão adequada, em condições da higiene e de conforto.
Fala-se vagamente da «construção em ritmo compatível», da «recuperação e aproveitamento do parque habitacional sempre que se imponha». Promete-se mesmo a «disponibilidade de materiais de construção em volume e qualidade adequados ao» programas de construção». Mas não é aumentando o preço da construção, como se fez ao aumento do preço do cimento, não é aumentando o preço do ferro, que se resolverá o problema da habitação.
Não é anunciando a actualização das rendas, quem sabe se pondo em vigor a lei guardada iras gavetas do I Governo Constitucional, que se protegem os inquilinos. Como nada de positivo gê encontra na ausência de medidas concretas de apoio à iniciativa das comunidades locais e populações e, às iniciativas de auto-construção, de criação de cooperativas de habitação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: estes são os factos para os quais os trabalhadores portugueses, o povo português, reclama uma resposta urgente.
Ouvimos aqui e regelamos 00 bons propósitos anunciados pelo Sr. Ministro dos Assuntos Sociais. Mas o facto é que este Governo, coimo o anterior, não quer assumir a obrigação constitucional de cobrir financeiramente o déficit da Previdência, e daí as restrições e insuficiências nas prestações e benefícios da segurança social.
O facto é que o Governo vem aqui revelar uma preocupação de limitação das despesas, de que é exemplo a referência do Sr. Primeiro-Ministro, ao consumo de radiografias nos Serviços Médicos-Sociais, sem ter em conta que somos o País da Europa que menos gasta com a saúde em percentagem do produto interno bruto.
O corte de despesas é afinal a preocupante perspectiva que se adivinha e que o Programa do Governo anuncia. O corte de despesas é a consequência directa da política de recuperação capitalista e da cedência às exigências dos nossos prestamistas internacionais.
Não e este o caminho da resposta aos problemas do nosso povo e do nosso país. Pela sua parte, os moradores, os trabalhadores, os reformados e os rurais continuarão seguramente e com firmeza a lutar pela concretização dos seus direitos, por uma existência digna e por melhores condições de vida.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Mendes.

O Sr. Manuel Mendes (PS): - O Sr. Deputado Manuel Gomes abordou problemas que são para nós, trabalhadores, importantes. No entanto, perguntava-lhe se todos os pontos focados na sua intervenção respeitantes à segurança social são ou não aquilo que consta do Programa do Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Gomes.

O Sr. Manuel Gomes (PCP): - Vou responder muito brevemente à questão que me colocou o Sr. Deputado Manuel Mendes, se as perguntas que formulei na minha intervenção estão ou não contempladas no Programa do Governo. Evidentemente, digo-lhe que não estão. E a prova concreta disso é que o actual Secretário de Estado da Segurança Social e Saúde fez aqui muitas promessas que não cumpriu.
Os pensionistas e os reformados têm dificuldades enormes, tal qual foram expressas na minha intervenção. Se o futuro Governo cumprir aquilo que a minha intervenção apresentou - carências fundamentais dos reformados, dos pensionistas da segurança social, dos inválidos e de outros -, nessa altura, sim, acreditaremos que os interessados estão de parabéns. Aguardemos para ver se isso será ou não concretizado, porque as restrições impostas levam-nos a pôr as nossas dúvidas sobre se isso será de facto concretizado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Portugal.

O Sr. António Portugal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Ao iniciar esta intervenção, desejo afirmar ao Sr. Ministro dos Assuntos Sociais que a resposta dos Deputados do Partido Socialista que integram a Comissão de Segurança Social e Saúde da Assembleia da República ao seu apelo é uma incondicio-

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nal disponibilidade e abertura para uma colaboração que desejamos frutuosa para bem dos trabalhadores e do povo português, de cuja vontade de construir um futuro melhor somos todos fiéis depositários.
Numa análise global do Programa do Governo apresentado a esta Assembleia, no que concerne à segurança social e à saúde, resulta com clareza a concretização de uma mudança de óptica do que foi e do que deve e tem de ser a segurança social e a saúde em Portugal e se apontam já caminhos cujo percurso nos levará, sem dúvida, a um País socialmente mais justo e à eliminação de todo o conceito de assistência pública como forma institucionalizada de caridade.
Não basta dizer que todos, os homens nascem livres e iguais se não lhes dermos efectivas condições do exercício dessa liberdade e dessa igualdade, e é nos domínios da segurança social e da saúde que vemos quotidianamente o desmentido frontal daquele princípio.
O Governo vem, no seu Programa e através de uma reestruturação orgânica da previdência que lhe está subjacente, tornar possível que a segurança social deixe de ser uma previdência cooperativa e classista, para passar a ser para os Portugueses o exercício de um direito de todo o cidadão perante o Estado.
Cremos que será um precioso instrumento adjuvante desse exercício o Código de Segurança Social já em elaboração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisando agora sectorialmente o Programa do II Governo Constitucional, desejamos determo-nos em alguns pontos fundamentais que representam a concretização dos parâmetros atrás, aflorados.
Assim, no âmbito da segurança social e no domínio da infância e juventude, conforme é apontado no ponto 4.1 5 do programa em debate, a intensificação da implantação de creches, jardins-de-infância e centros de animação infantil, destinado às crianças dos O aos 6 anos de idade, terá um elevado significado em termos de bem-estar, quer para os pais, assegurando-lhes o tratamento e educação dos filhos durante as horas Ide trabalho, quer para as crianças, que, pana além do cuidados físicos e educacionais lhes proporcia um enquadramento social diferente aquele que teriam em casa.
Isto tem particular significado para aquelas crianças privadas de um meio familiar normal, como é o caso dos deficientes e dos abandonados.

A Sr.ª Maria Margarida de Carvalho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Esta acção terá que ser complementarizada com outras acções no âmbito da ocupação dos tempos livres para as crianças dos 6 aos 13 anos, tais como incremento de actividades socioculturais, colónias de férias e outras.
Importa frisar ainda aqui, pela sua relevância, quer o alargamento do direito ao abono de família aos descendentes dos trabalhadores com mais de 14 e menos de 21 anos de idade que se encontrem à procura do primeiro emprego, quer ainda a actualização do próprio montante do abono de família.
Outro sector que nos mereceu no Programa do Governo particular atenção é o constante dos pontos 4.1.10-Invalidez e reabilitação, e 7 - Reabilitação de deficientes.
Aí se poderá constatar a vontade firme de o II Governo Constitucional solucionar os problemas que naqueles campo; se nos deparam - de a articulação de protecção na invalidez com as demais modalidades de protecção e a atribuição de subsídios mensais vitalícios até à colaboração com o serviço de reabilitação, formação e colocação profissional.
Quanto ao segundo ponto, temos fundada;, esperanças de que, para além das medidas que o Governo, no seu Programa, nos propõe, o Conselho Nacional de Reabilitação criado pelo Decreto-Lei n.º 346/77, de 20 de Agosto -, apresenta propostas para colmatar as carências existentes neste campo, por forma a obviar à marginalização a que tem estado votados os deficientes, o que constam outro dos grandes atentados aos direitos fundamentais da cidadania.
Sr. Presidente, Srs Deputados: No capítulo (referente à segurança social na doença aparecem medidas inovadoras que peia sua relevância merecem a especial atenção desta Câmara. Salientamos entre elas: o reconhecimento de um subsídio de valor igual ao de maternidade a conceder às mulheres em situação de inactividade por ameaça de aborto - focamos esta medida em primeiro lugar não pelo seu carácter social, mas por se dirigir a um valor fundamentai que é o direito à vida; a definição de valores máximos e mínimos para subsídio de doença; a revisão do mecanismo do controle de baixa a atribuição de subsídios, funcionando como mínimos garantidos paira doença, tuberculose e maternidade aos trabalhadores rurais; consideraçâo da equivalência à entrada de contribuições de um período de cessação de actividades da mãe beneficiária para assistência ao filho no primeiro ano de vida.
Traduzem esta medidas a preocupação do II Governo Constitucional mão só de dar resposta à necessidade ainda não satisfeitas no domínio da protecção na doença, como também de satisfazer o imperativo social da moralização de diversas situações.
Apesar de se reconhecer a insuficiência da cobertura das necessidades e por mão se dispor de um levantamento de carências, tanto a nível local como nacional, são de realçar, no domínio da terceira idade, os seguintes pontos: a actualização das pensões de velhice, invalidez e sobrevivência a uniformização das pensões dos trabalhadores rurais (acabando assim a distinção iníqua entre homens e mulheres); a elaboração de nova regulamentação de abono de família para ascendentes; o apoio domiciliário à família; o esforço a desenvolver para a cobertura do País em lares e centros de dia a revisão da situação das pensionistas quo exercem profissões remuneradas; e, finalmente, a redução dos tempo de demora na atribuição de pensões.
Estas medidas são a garantia cabal de que a terceira idade merece do II Governo Constitucional todo os cubados tendentes a que os idosos deixem de ser o estrato mais desfavorecido e esquecido da sociedade portuguesa.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Propõe-se, ainda, o Governo no Programa apresentado a esta Assembleia lançar os alicerces do Serviço Nacional de Saúde sem os quais não é possível sequer falar de uma política autêntica de saúde que responde às reais necessidades e anseios de grande parte do povo português.
Sabemos ser uma tarefa ingente, que vai bulir com o privilégios bem fundos de alguns, mas também sabemos que a consciência colectiva que a pouco e pouco se vai sedimentando e ganhando raízes profundas em todos nós, vai ser um complemento poderoso do desejo de tornar realidade o que está expresso no artigo 64.º da Constituição e que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais solenemente nesta Câmara se comprometeu a levar a cabo.
Confiamos nesse compromisso.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: É temerosamente grande a tarefa a que metestes ombros. A construção da nossa pátria é uma tarefa colectiva que só tem sentido enquanto tal, e enquanto continuadora do sentir histórico do povo português, que soube sempre em todos os momentos difíceis encontrar o seu rumo e o seu norte de povo muitas vezes centenário.
Que não desmereçamos nem esta Pátria nem este povo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições.

Pausa

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Laje.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos temos consciência de que devemos aproveitar todos os minutos. Faltam vinte e cinco minutos para as 13 horas, que não podem ser desaproveitados.
Entretanto, quero aqui lembrar que os Srs. Deputados independentes têm o direito de usar da palavra durante quinze minutos cada um. Falou apenas um Deputado independente e, se todos usarem da palavra, vamos ter ainda cinco Deputados no uso da palavra, o que representa l hora e 30 minutos aproximadamente. Sendo assim, achamos que é necessário que os Deputados independentes utilizem a palavra hoje, já que o não fizeram nas sessões anteriores, porque não podemos concentrar as intervenções na sessão de amanhã, que assim se poderia prolongar indefinidamente. Fazemos, pois, um apelo para que esses Deputados usem hoje da palavra e que os restantes grupos parlamentares utilizem ainda este tempo, dado que nós já fizemos esta manhã as duas intervenções que tínhamos planeadas. As restantes intervenções que temos programadas para hoje são para a tarde e não podemos fazer agora nenhuma intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep): - Era só para dizer ao Sr. Deputado Carlos Lage que lhe agradeço imenso a sua preocupação em relação aos Deputados independentes, mas devo dizer que os Deputados independentes, particularmente no que me diz respeito, têm algumas dificuldades de preparação das suas intervenções em função mesmo da falta do staff que têm os grupos parlamentares. Por essa razão é normal e natural que precisem de mais tempo para a sua preparação, até por terem exactamente uma só intervenção a fazer e terem de a preparar em relação a materiais expendidos nas intervenções de outros oradores. Por isso, sem ter de modo nenhum a preocupação de acumular no último dia as suas intervenções, o problema que s& põe é um problema de preparação das intervenções de cada um dos Deputados. Não há neste facto de modo algum, pelo menos da minha parte, a tentativa de entravar ou obstruir os debates parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Laje.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, atrevia-me a fazer a seguinte proposta: se não ha nenhum partido que esteja em condições de intervir nestes vinte minutos, sugeria que interrompêssemos a sessão e que recomeçássemos os trabalhos às 14 horas e 30 minutos, para aproveitar à tarde os minutos que não são aproveitados durante a manhã.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Precedente, Srs. Deputados, continua a verificar-se que o Governo se está a deixar ficar para o fim, por razões óbvias, nomeadamente por causa do diferente sistema de transmissão para o público destes debates. O Governo tem neste momento mais tempo de intervenção do que ainda dispõe, por exemplo, o meu grupo parlamentar. Portanto, parece que seria equitativo que fosse agora um membro do Governo a intervir e, pelo nosso lado, estaríamos dispostos a concordar com o prolongamento da sessão o tempo necessário para que esse membro do Governo usasse da palavra.

O Sr. António Macedo (PS): - Querem obrigar o Governo a intervir!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Almeida Santos.

O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Sr». Deputados: Respondendo à intervenção do Sr. Deputado Sérvulo Correia, eu queria anotar que a diferença em tempo utilizável entre o Governo e o PSD não é tão grande como isso: restam ao Governo cento e dezassete minutos e ao PSD cento e dez minutos. Acontece que, na lógica de alternância, cada membro do Governo deveria intervir depois de terem intervindo quatro Deputados. Acabou há pouco de falar o Sr. Ministro Sottomayor Cardia, pelo que penso que nessa lógica não devia intervir agora um membro do Governo, mas a fim de facilitar o aproveitamento do tempo que resta até ao fim da manhã eu pedirei a um Sr. Ministro que intervenha neste espaço de tempo. Simplesmente, anoto que esta boa vontade não poderá continuar a repetir-se, até porque nos compete responder e não adiantarmo-nos às críticas que nos forem feitas.

Aplausos do PS e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Vítor Sá Machado): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Permitam-me, Srs. Deputados, que inicie esta minha primeira intervenção, como membro do Governo, por uma saudação muito sincera a todos quantos, nesta Câmara, comigo viveram a experiência exaltante da institucionalização desta Assembleia da República, que é um dos pilares visíveis e fundamentais da nossa democracia.
Tive a honra de ser um dos seus Vice-Presidentes e de, nessa qualidade, acompanhar o democrata ilustre e respeitado que é o Presidente Vasco da Gama Fernandes, a quem, neste momento, desejo render o preito da minha devotada homenagem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Presidi por vezes a esta Assembleia. É uma honra que sempre terei a reconfortar-me o espírito, pois no exercício desse alto cargo pude porventura compreender melhor que a verdade não é algo que possa dizer-se apropriado em permanência por ninguém; que a democracia se reforça na diversidade e na tolerância; e que é muito mais importante o que entre todos nos une do que aquilo que realmente nos separa.
Por tudo isso, que me constitui em gratidão para com todos os Srs. Deputados, sem excepção, eu desejaria exprimir aqui também os meus agradecimentos muito sinceros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do programa de política externa, que me cabe defender, destacarei como pontos centrais desta minha intervenção, que tem essencialmente carácter explicitaste, sobretudo aqueles pontos que determinada crítica mais persistentemente tem apontado como decorrências lógicas ou necessárias da presença de um centrista no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Curiosamente, essa abordagem crítica tem-se desdobrado em razões de natureza oposta e tem a ver, num caso. com o que se adivinha da facilitação e noutro com o que se antevê de dificuldades para a actividade do Ministro.
No primeiro caso, estigmatizando as facilidades, porque geradoras de potenciais perigos para a nossa independência nacional. No segundo, para deplorar as dificuldades que seriam impeditivas do cumprimento de uma política nacionalmente relevante, por corresponder ao que se aceita pacificamente como um imperativo histórico, cultural e moral da nação portuguesa. Assim, receio essa crítica, a presença de um democrata-cristão, embora desvinculado na área governamental da política externa, tornará particularmente conjugáveis, no espaço português, as solidariedades europeias mais significativas, isto é, as das forças representadas nas internacionais socialista e democrata-cristã.
É verdade que assim é. Porque é inquestionável que a fórmula que corporiza o Governo, apoiada como está nos dois únicos partidos portugueses filiados um, na Internacional Socialista, outro, na União Europeia das Democracias Cristãs, recria, com felicidade, no nosso país,, um espaço de sintonia não só com idênticas fórmulas governamentais que, na Europa, conjugam socialistas e democratas-cristãos, mas e sobretudo, com as duas opções largamente maioritárias do eleitorado europeu.
Porém, e contrariamente àqueles que pensam constituir este facto um mal, consideramo-lo nós uma e das mais importantes vantagens do nosso Governo. Trata-se, de resto, de um juízo elementar, quando os vectores essenciais da vocação económica de Portugal são a abertura ao exterior e a especialização e a opção europeia se reforça, como objectivo central da nossa política externa.
A integração plena de Portugal nas instituições europeias, tanto económicas como culturais e políticas, que se iniciou com a admissão no Conselho da Europa e com o pedido de adesão à CEE encontrará, como é justo e parece evidente, renovado alento na nova conjugação de forças ao nível do Governo em Portugal.
O Programa do Governo, na parte em que claramente se afirma favorável à declaração de aceitação da competência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem e da jurisdição obrigatória do Tribunal Europeu, exprime, sem ambiguidade, a sua opção pela Europa da liberdade, da cooperação e da paz...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -..., da Europa a que pertencemos e a que regressamos e cujo enquadramento nos é necessário como factor de reencontro connosco mesmos e a nossa própria identidade.
Falar de perigo de perda de independência nacional em tal quadro -que corresponde ao único quadro possível de enriquecimento material e espiritual, que são, afinal, os autênticos penhores da independência - não tem realmente seriedade ou sentido

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O seguindo ponto diz respeito à teoria das relações que devemos manter com os novos Estados africanos de expressão portuguesa.
Um dos modelos possíveis para tais relações - e que em Portugal procuram ensaiar-se em certos passos do acidentado percurso da nossa Revolução - é o que se caracteriza pela valorização de um sistema único de referência ideológica, apontando para uma solidariedade política de raiz internacionalista que ignora identidades e soberanias nacionais. Curiosamente, é a fórmula que, em nome do anticolonialismo, mantém e prolonga indisfarçáveis conotações paternalistas e neocolonialistas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não será esta certamente a nossa orientação em matéria de relações com os Estados irmãos da África. Porque defendemos com convicção o princípio da não ingerência nos assuntos internos de cada Estado; porque não albergamos anacrónicas e grotescas tentações neocolonialistas que, de resto, só em termos de assimilação ideológica um pequeno país como Portugal - que atinge o fim da sua aventura colonizadora a braços com gravíssima crise económica, empobrecido de recursos materiais

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e humanos - poderia validamente pretender. E sempre certamente para benefício de terceiros; porque entendemos ainda que a resolução do extenso contencioso resultante da descolonização, caracterizada justamente por inflexões de carácter ideológico, só será possível no quadro de um pragmatismo sem hipotecas e num espírito de igualdade, reciprocidade e confiança que apenas o respeito pelas soberanias nacionais, claramente assumido, pode estruturar.
E, finalmente, porque consideramos que o património espiritual comum a Portugal e aos novos países africanos que, mau grado todos os erros, os ressentimentos ou os agravos, existe e se fortalece -porque nele pulsa o espírito da história - é o quadro de referência necessário e autêntico, no qual espontaneamente se forjará o privilégio das relações que desejamos. Relações que não poderão deixar de ser privilegiadas porque têm sobretudo a ver com os povos que somos, depositários de uma sabedoria que em Portugal, como em Angola e em Moçambique, na Guiné, como em S. Tomé ou Cabo Verde, se exprime por idênticos sentimentos de convilidade e tolerância.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões atrás abordadas, sob invocação do que creio terem sido as meditações críticas mais generalizadas sobre o Programa do Governo em matéria de política externa, permitiram-me deter-me nos dois aspectos dessa política que porventura mais importaria salientar: a adesão europeia e o esforço dos laços de cooperação com os novos Estados africanos de expressão portuguesa.
Não esgotam eles, no entanto, a explicitação do programa que, porventura, caberia fazer. Não vou, porém, alongar-me muito mais. Gostaria apenas de referir que será preocupação constante do Governo a defesa intransigente dos interesses dos nossos emigrantes, e propósito claro o reforço dos laços que mantemos com os países tradicionalmente amigos, permitindo-se-me que destaque aqui, de maneira especial, o Brasil e a Espanha. Gostaria ainda de afirmar que a política externa, cujo estilo decorrerá fundamentalmente, como se escreve no Programa, do respeito pelos princípios da solidariedade na defesa da paz, da segurança e dos direitos do homem na Europa e no Mundo, essa política é solidária e colegialmente assumida pelo Governo. E que será nessa perspectiva, posta ao serviço do projecto governamental português, visando o reforço do prestígio e da independência nacionais, como prescreve a Constituição, e a concretização dos grandes objectivos do desenvolvimento económico e social do País.
Esta a nossa aposta e o nosso compromisso.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Há pedidos de esclarecimento?

Pausa

Uma vez que não há pedidos de esclarecimento, vamos interromper agora a sessão e retomaremos os trabalhos às 15 horas.

Eram 12 e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 15 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Corrêa para uma intervenção.

O Sr. Ângelo Correia ('PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Encontra-se esta Câmara a discutir o Programa do II Governo Constitucional, programa que dirigentes altamente representativos dos dois partidos; presentes no Governo classificaram como realista. Talvez com isso pretendam mostrar a diferença entre as dificuldades que o futuro nos irá trazer e as preme as passa-las de felicidade e bem-estar que prometeram e não cumpriram.
A nosso ver aquela afirmação representa a passagem de um atestado de falta d£ realismo a programas anteriores.
Está-se a dizer que ou cotes não possuíam os mérito? necessários para atacar a crise na sociedade portuguesa, ou então o Programa cria bom, mas a execução, o mesmo é dever a acção do Governo, essa falhou.
Mais ainda um Governo como o actual, de elevada maioria socialista, ao permitir designar o seu Programa como realista está, aio fim e ao cabo, a passar uma certidão' de óbito ao seu programa de partido, o que, aliás, não é inovador.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS - É falso!

O Orador: - O afastamento progressivo concepção e na prática governativa por parte do PS relativamente ao seu programa é notório e acelerado.
Não temos sequer a certeza diz que a presença do CDS neste Governo constitua factor determinante para um maior afastamento.
Considerai: o Programa deste Governo como realista é dizer por outras palavras que o programa do PS não. serve para governar Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS

Talvez esse Programa sirva para um país sem cries, mas, nesse caso não tem nem mérito nem oportunidade nem conveniência paira Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - O vosso é que é bom!

O Orador: - Assim sempre o considerámos. Que o próprio PS o tenha agora reconhecido ao apresentar um projecto que dele se afasia profundamente é facto importante.
Na generalidade, o Programa do Governo perspectiva uma «terapêutica de choque» para 1978. A esse propósito interrogamo-nos. Ou a crise vem de trás, antes mesmo da formação do I Governo Constitucional e então este não propôs e não actuou como devia deixando manter ou até agravar a crise, ou em alternativa esta é consequência da gestão do Governo do Sr. Dr. Mário Soares.

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O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Qualquer que seja a hipótese, grande parte da responsabilidade cabe ao I Governo Constitucional. Dupla falência país: a de gestão socialista e a da concepção socialista.
A da gestão porque falhou. A concepção porque foi abandonada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, chegámos a 1978 com um novo Programa de Governo, onde se define «um quadro estanciai dia organização e funcionamento da economia portuguesa resultante da danificação introduzida per algumas leis, nomeadamente a delimitação entre sectores público e privado, leis de trabalho, leis de indemnizações, Reforma Agrária, etc.».
O Governo considera, pois, que grande parte da sua acção e irá baixar na concepção de organização e funcionamento da economia, consequências do modelo, implícito nesses diplomas.
Compreendemos e aceitamos que assim seja.

Vozes do PS: - É só vaidade!

O Orador: - Mas não compreendamos que o CDS o admita sob risco de profunda incoerência.
O CDS manifestou há meses forte oposição à maioria dessas leis. O CDS votou contra o PS em quase todas elas.
Poderá o CDS dizer que não concorda com as leis e como tal não as votou favoravelmente, mas que democraticamente as respeita. Só que sendo essas leis «o quadro fundamental da organização e funcionamento dia economia», como pode desenvolver-se uma política aceitável paira o CDS que à partida, em princípio, viola frontalmente as suas próprias convicções e prometas eleitorais?
Construi ponto de relevo, quer no acordo celebrado entre o PS e, o CDS quer no Programa de Governo a regulamentação de vários diplomas fundamentais para a clarificação do sistema económico.
São exemplos os das sociedades de investimento e de desenvolvimento regional, cios transportes marítimos, da actividade agrícola, da reestruturação fundiária, das indemnizações, dos seus critérios valorimétricos, do trabalho e da actividade agrícola e silvícola. O ordenamento jurídico base dessas regulamentações está fixado. Nele manifestou-se desacordo entre o PS e o CDS.
Os resultados a que se chegaram serão equívocos ou contraditórios.
O Deputado Sr. Freitas do Amaral falou, na televisão, numa viagem conjunta até Coimbra. Só que à partida havia dois comboios diferentes, um para o Sul e outro para o Norte. E, se a lógica política, se a coerência até há pouco pretendidamente manifestada conduziria a que o comboio conjunto não saísse de Santa Apolónia, a prática poderá demonstrar o contrário.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Descarrilou!

O Orador: - Só que um dos partidos mudou! Ou talvez os dons! O futuro dirá.

Risos do PS.

Insistimos. Não se trata de patrioticamente respeitar as leis, mas de fazer delas a pedra angular de uma nova política governamental.
Como pode o CDS ir promover uma política em que não acreditava, e que até se lhe opunha?
Incoerência em 1977 ou cadência ao PS em 1978 com o fim de partilhar do poder, o CDS que escolha a opção que entender. Para nós ela é rigorosamente indiferente. Só que, se torna evidente para o povo português que certas palavras e actos políticos vão perdendo valor.
Porque reflectem falta de coerência. Porque se diz hoje uma coisa e amanhã outra opõe ta. «Mudam-se os tempo;, mudam-se as vontades » E a confiança dos Portugueses, confiança que o Programa do Governo reconhece e bem carecer de profunda aliteração a curto prazo, como forma de viabilizar a política que lhes é proposta, essa não é naturalmente ganha desta maneira.
Estamos, pois, confrontados com a grande probabilidade de a política do II Governo Constítucional ser o prolongamento da do I Governo. A base socialista mantém-se. Muitos dos nomes são os mesmos. O próprio Programa o diz várias vezes.
Tal influência é, aliás, manifesta na medida em que ainda e mantém um carácter demasiado centralista e administrativo na direcção da economia.
São claras e positivas as referências ao funcionamento e dinamização do mercado, todavia, tal intenção é muitas vezes contrariada na prática.
O Governo fixa as margens de lucro, de comercialização, os preços, o crédito, as taxas de juro, os recursos a aplicar na agricultura, nas pequenas e médias empresas, na indústria, no «cabaz de compras», etc., e em vez de nos surgir uma perspectiva de desconcentração, regionalização e simplificação, surgem-nos mais funções, criam-se mais órgãos, mais institutos, mais comissões.
Em muitos cacos estão-se a criar postos para vencimentos e não postos de produção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Para que se vai criar, por exemplo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Económico?
Se é para a concessão de subsídios do Orçamento Geral do Estado, o Ministério das Finanças já o faz. Se é para facultar e angariar recursos financeiros, para que serve então a banca nacionalizada. Se for para conceder créditos em condições diferentes dos atribuídos ao sector privado está-se a distorcer ainda mais o funcionamento da economia. Vai-se criar mais um órgão para avaliação de projectos económicos. Com o devido respeito, fazê-lo é passar uni atestado de incompetência, quer aos serviços dos vários Ministérios quer aos departamentos de crédito e de escudo dos estabelecimentos do sistema bancário. O mesmo se pode dizer do novo fundo destinado a adquirir obrigações participantes de empresas privadas a gerir pelo sistema bancário. Não é essa a nossa concepção. Preferimos deixar as empresas ou seus agrupamentos

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actuarem directamente no mercado de capitais, o qual, esse sim. deve ser dinamizado. Todo este elenco que referimos apenas comprova a desconfiança de que este Governo ainda manifesta no mercado.
Tal atitude não é a melhor para quem pretende clarificar o sistema económico e conseguir tal orientação perante o próximo Governo.
Mas, que nos oferece de concreto o II Governo Constitucional?
Em 1978 austeridade e restrições.
Queremos deixar bem claro que nunca nos opusemos a um programa que conduzisse à austeridade.
Dizemos que ela nunca era um fim, mas um meio de permitir o saneamento dos desequilíbrios económico;, fundamentais. É um conceito a posteriori que decorre de um programa que se pode tornar necessário.
Parte das medidas que o Governo nos propõe terá de ser realizado.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Só que a sua dureza e o custo humano e social que implicam são proporcionais à incúria, à inépcia e à incapacidade das gestões governamentais anteriores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS e do CDS.

Contudo, não são para nós claros o rigor e a amplitude da austeridade e das restrições.
Só o seriam se os objectivos propostos e os instrumentos para os atingir fossem claros e tivessem uma completa tradução quantitativa.
Curiosamente, e a propósito de objectivos a curto prazo, o Programa do Governo não se refere na página 67 à contenção da inflação, fazendo-o posteriormente (p. 84).
Poderá ser um esquecimento, ou apenas o facto cie diferentes pessoas terem elaborado partes diferentes do Programa. Não prestaremos demasiada atenção a esse facto.
Preocupamo-nos. sim, com o previsível não cumprimento de um objectivo que o Governo nos propõe: o aumento de cerca de 20 % nos preços para 1978.
Com um aumento salarial anual próximo de 20 %, com uma desvalorização do escudo (mesmo que deslizante), com uma possível elevação das taxas de juro e consequentes aumentos dos encargos financeiros das empresas e dos preços de venda, com as previstas revisões - entenda-se subidas- dos preços de bens e serviços de empresas públicas, com a revisão dos subsídios às mesmas fruto de uma política orçamental restritiva, com o aumento do preço dos produtos do «cabaz de compras», com o aumento dos impostos indirectos, com as inevitáveis antecipações na procura de certos bens, é legítimo não acreditar na meta que- o Governo se propõe atingir.
O Governo não vai ser capaz de cumprir o que nos diz.
A não ser que se manifestasse um inusitado aumento de produtividade, que todavia, não nos parece possível face ao pouco ênfase e mesmo à escassez de instrumentos que o Programa de Governo lhe consagra.
Com os ingredientes que o Governo nos apresenta temos uma certeza relativa: os preços subirão em 1978 bastante mais que 20 %.
Não encontramos, aliás, neste Programa uma sugestão, várias vezes levantada no passado por dirigentes do CDS, no sentido de se definir e executar uma política de «convivência com a inflação» (p. 1884, 23 cie Dezembro de 1976, da intervenção do Sr. Deputado Freitas do Amaral).
Ou o PS a não acolheu ou o CDS a não referiu.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que foi a primeira hipótese que vingou. Não só neste domínio como em quase toda a totalidade do Programa. O CDS é realmente adjuvante e não cooperante.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aceitem corripletamente a£ propósitos, os objectivos e a prática que o PS quis. À partida este Governo não é, pois, de coligação e se o for é porque viola o Programa.
Quanto ao terceiro objectivo, ou seja a criação de postos de trabalho, não vemos como poderá ser prosseguida com políticas monetária e orçamental restritivas.
Trata-se, pois, de um objectivo que o Governo não vai cumprir.
A partir de 1979 o Programa do Governo apresenta uma perspectiva bem diferente da anterior.
Nela se retoma a resolução .de todos os problemas.
Os objectivos a atingir são todos os que se podem desejar: crescimento económico, redução do desequilíbrio externo, controlo da inflação, melhoria da situação de emprego e das necessidades sociais, redução de desigualdades, correcção dos desequilíbrios regionais e adesão à CEE.
Gostaríamos bastante de partilhar o optimismo de médio prazo que o Governo aparentemente transmite. Só que não acreditamos em milagres. Sem hierarquizar os objectivos, sem se marcarem prazos, sem se definirem prioridades, sem se dizer o que é possível e não o que é desejável, estamos longe de um Programa para a governação de um país em crise e mais próximos de um sonho ou de um catálogo.
Aliás e curiosamente o engenheiro Sousa Gomes, quando era Ministro do Plano e Coordenação Económica, afirmou, na altura da votação da moção de confiança ao I Governo Constitucional, que havia um plano quantificado por parte do Partido Socialista até 1984. Igualmente e nas mesmas circunstâncias o Deputado Sr. Amaro da Costa do CDS referiu a esta Câmara elementos do plano a médio prazo do seu partido.
Quando o Governo do PS estava em vésperas de queda, e o CDS ainda não estava no Governo, ambos tinham planos quantificados a médio prazo.
Quando estes dois partidos se juntam no Governo tais elementos desaparecem como por encanto

Risos do PSD.

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A Assembleia da República desconhece em concreto - e o concreto é quantificável - o que pretende e pode o Governo fazer até 1980.
Se tal se deve a omissão fica esta Câmara fortemente restringida na sua capacidade de análise e discussão do Programa do Governo.
Se tal se deve a incompatibilidade entre os dois planos acima mencionados, então será a capacidade e a acção do Governo a ficarem fortemente restringidas.
Talvez por isso muitos aspectos do Programa do Governo não são esclarecedores e alguns mesmo contraditórios.
Neste último âmbito consagra-se, por exemplo, «uma política de investimentos que desencoraja projectos que apresentam um elevado conteúdo de importações e ou capital intensivas», paira lago no capítulo da indústria e emergi se indicarem como realizações prováveis empreendimentos que concernem elevada dose de capital por trabalhador empregado ou que contêm elevada percentagem de equipamento importado.
Contradições, mias sobretudo, bastantes indefinições, omissões e lacunas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, excesso das palavras habituais do léxico político governamental: criar, reestruturar, promover, articular, dinamizar, «organizar...
Não somos contra tais instrumentos. Simplesmente, desconhecendo-se o conteúdo preciso dessas termos, o que significam, o que valem, o que implicam, e como vão ser aplicados, naturalmente que no; escapa completamente a possibilidade de análise e discussão dos mesmos.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se pois de um Programa de prolongamento da indefinição. Portugal continua a ser adiado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por exemplo, em que se traduz a reorganização do sector automóvel anunciada no Programa do Governo?
Montagem de mais veículos, diminuição de linhais de montagem? Especialização no fabrico de componentes? Como?
Quando se fala em consolidar e reorganizar o sector público empresarial estar-se-á porventura a conceber processos de actuação análogos aos que conduziram à política de fusões nos sectores cervejeiro e adubeiro?
Vamos caminhar paira uma política de socialização dos prejuízos? Se assam for, o Governo não contará com o nosso apoio. Se a política for diferente, o Governo que a diga para então o PSD poder manifestar a sua opinião. A priori cheques em branco é que não damos a ninguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma das razões que mais fortemente tem contribuído para uma certa indefinição do sistema económico reside na distorção de algumas regras de funcionamento da economia.
Maiores facilidades para as empresas públicas nos domínios do crédito, avales, subsídios, aquisição de matérias-primas e outras não têm permitido uma danificação suficiente e um funcionamento eficaz da economia.
Quando o Sr. Primeiro-Ministro definiu o modelo de «coexistência concorrencial entre o sector púbico e privado vislumbrámos nessa afirmação um profundo sentido poética.
O tempo se tem encarregado de demonstrar esta suposição.
A maioria das empresas públicas - mesmo aquelas que deveriam sor rendíveis continua a acumular prejuízos vultosos.
Não tem havido concorrência por parte das empresas públicas ao sector privado, peia simples razão de que raramente tem alguém com quem competir.
O modelo que o Sr. Primeiro-Ministro definiu traduz-se apenas num quase monopólio ou monopólio das empresas públicas, numa concorrência dentro do sector privado e numa não competição entre os sectores público e privado.
Pensamos que é altura de se clarificar o sistema.
Não se pode pensar em exportar sem competir no exterior.
Mas não se pode competir lá fora, sem o fazer cá dentro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É utópico e irrealista pedir-se um esforço adicionai de exportações, o mesmo é dizer competitividade, sem previamente se criarem no nosso país as condições para esse exercício.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Defendemos a concorrência leal e sadia excepto nos segmentos de forte conteúdo social decorrente da prestação de um serviço público. As restantes empresas devem submeter-se à mesma regra, sejam elas públicas ou privadas. A prática nos últimos tempos não tom respeitado este princípio.
Consideramos, pois, urgente a elaboração de uma lei regulamentadora da concorrência, traduzido o disposto do artigo 81.º alínea j) da Constituição.
No âmbito do funcionamento do sector público empresarial, aborda, ainda o Programa do Governo a coordenação das participações do Estado, defendendo-se a criação de «entidades de coordenação intermédia» de âmbito sectorial.
Uma empresa pública dependerá então do seu próprio concelho de gestão, do órgão de coordenação intermédio ou por vezes de uma holding coordenadora - caso exista e como já foi proposto em alguns casos - do Ministério de tutela e, se bem que mais mitigadamente, do próprio IPE.
Não consideramos esta forma a mãos requerida para (cito o Programa do Governo) «a revisão dos mecanismos de tutela dias empresas públicas, garantindo-se a necessária autonomia ide gestão e desburocratizando processos». Pelo contrário. Quanto mais se simplificar a coordenação das empresas púbicas e mais

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se responsabilizarem os seus gestores melhor será o funcionamento da ecomomia.
Não se resolvam problemas de direcção multiplicando os circuitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só é possível acreditar-se numa governação desde que da seja sólida, estável, e que diga com clareza os instrumentos que vai utilizar para atingir os fins a que se propõe.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): — É o caso.

O Orador: — Este Programa passa em claro demasiados aspectos.
O primeiro respeita a uma «análise correcta e completa da situação», tal como referia o Sr. Deputado Freitas do Amaral há algum tempo nesta Câmara.
Ela não é suficientemente descrita, clara e explícita. Não é apontada a extensão e profundidade da crise.
É difícil pedir-se um julgamento sobre a terapêutica a aplicar quando o diagnóstico da doença não é devidamente apresentado. Mais não só.
O Programa do Governo define para o médio prazo aquilo que não vamos ser. Mas não define suficientemente aquilo que devemos ser.
Refere-se a um novo sector de exportação que urge pensar e criar. Mas não diz qual deva ser.
Pretende uma política industrial inovadora. Mas não aponta caminhos. Não identifica sectores motores de expansão.
Fala e bem da necessidade de exportação, mas sem uma palavra à reconversão da actividade exportadora das indústrias militares. Aliás, muito estranhamos tal ausência já que a ela se tinha aferido o Deputado Sr. Freitas do Amaral na sua crítica ao Plano e Orçamento para 1977, e afinal este Programa do Governo passa em claro tão longa referência.
O CDS é solidário com este Governo. Não pode nem deve dizer e propor uma coisa na oposição, e dizer ou propor outra no Governo.

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Orador: — Mas as ausências continuam a primar neste Programa.
Nem uma referência à urgente e carecida, restruturação do sistema segurador, ao instituto do resseguro e o da prevenção.
Nada se diz sobes quais os sectores que mais irão sofrer com a política de austeridade e não se elenca um conjunto de actuações de curto prazo tendentes a minorar tais efeitos.
Diz-se que «a viabilidade económica das pequenas e médias empresas está fortemente comprometida den-tro de uma política de adesão a espaços económicos mais vastos», mas não se propõem antídotos suficien-tes, mormente políticas de difusão e expansão da produtividade e de fórmulas de subcontratação. No âmbito da política monetária e financeira, propõe-se uma política de restrições de crédito e elevação das taxas de juro, sem se indicarem os montantes previsíveis de concessão e variação.
Prevê-se e bem o estabelecimento de critérios de incentivo ,pela via do crédito bonificado, sem se defi-nirem os sectores e áreas a contemplar.
Referem-se sectores prioritários para o investimento estrangeiro, sem qualquer indicação dos mesmos.
A política de transportes e comunicações é de uma pobreza confrangedora.
Não integra aspectos fundamentais dos sectores que a constituem, não perspectiva objectivos claros e precisos, não indica meios e instrumentos, quase passa em claro a política aérea e ferroviária.
Não é como se diz no Programa do Governo a continuação da política do I Governo Constitucional, mas antes o seu plano inclinado.
Não iremos multiplicar os exemplos. Não teríamos tempo para isso.
O Programa do Governo prevê para 1978 uma «terapêutica de choque» que não pretende prolongar para o futuro, mas não nos dá uma perspectiva de saída da crise.
Mete-nos num túnel onde não vemos a saída.
É mais um plano de cobertura política da recessão e inflação económica do que de melhorias reais para os Portugueses.
Não nos dá a esperança num futuro melhor.
Equívoco ou conflitual, contraditório ou omisso, o o Programa não nos permite encarar os anos que vêm com o mínimo de optimismo.
O CDS abriu mão dá sua política de economia social de mercado.
O PS abriu mão do seu programa socialista.
O resultado é difuso nas medidas a empreender, repleto de indefinições e omissões, e confuso na prática a introduzir.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que este Governo tinha pés para andar. É verdade. O Sr. Primeiro-Ministro tem razão: o Governo tem pés. Só que são de barro.

Risos.

Vozes do PS: — Olhe que não...

O Orador: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitos portugueses duvidam legitimamente da estabilidade e da eficácia do presente Governo.
Já não é altura de lhe podermos dar o benefício da dúvida. Portugal precisa de certezas e de esperança. E a única certeza e esperança que este Programa nos dá é a austeridade. É pouco. É mau.
O tempo falará por si, por ele. por nós e pelo País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo, para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): — Sr. Deputado Ângelo Correia, meu bom amigo, não vou referir-me à condição de Deputado, em sua e nossa economia de tempo, vou fazer-lhe perguntas muito simples, enquadradas numa situação e enquadradas em três condições: a de político brilhante do Sr. Deputado Ângelo Correia, a de técnico de planeamento altamente qualificado e a de gestor de longa experiência.
Vou-me aproveitar destas três circunstâncias, e, como político, pergunto-lhe se efectivamente o seu entendimento de acordos políticos é de contradição ou de equívoco. Devo dizer-lhe que vi sempre o seu par-

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tido a fazer acordos, e mesmo nesta Câmara vi muitos acordos de última hora com cariz de «salva-vidas».

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: - Gostaria de lhe perguntar se estes acordos estabelecidos efectivamente foram equívocos ou si foram contradições.
Como técnico de planeamento altamente qualificado, que conheço de longa data, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Ângelo Correia se já confunde um programa de governo com um piano anual, com um plano a medito prazo, com um plano a longo prazo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Que diabo de confusão é essa e que diabo de entendimento é esse?

Risos do PS e do CDS.

Eu gostaria, na verdade, que me referisse e me definisse, se possível, esses seus novos conceitos. Porque, como sabe, gosto sempre de aprender muito consigo.
Sobre o aspecto concorrencial de sectores públicos e provados - e é uma referência que achei muito interessante das empresas públicas como prestadoras de serviços públicos -, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Ângelo Correia qual foi o sentido do voto do Partido Social-Democrata aquando da votação da lei de delimitação do sector público e do sector privado nesta Câmara e qual foi o sentido do voto do PSD aquando da votação da lei das indemnizações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Lino Lima, também para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Lino Lima (PCP): - O Sr. Deputado Ângelo Correia, no inicio da sua intervenção, e a propósito da tão falada viagem de comboio até Coimbra, começou por pôr o problema se afinal não existiriam na cotação diais comboios.

Uma voz do PS: - Até há mais...

O Orador: - Depois, admitiu ainda se haveria um terceiro, para o qual ambos os ocupantes se temiam mudado.
Eu pergunto ao Sr. Deputado se com essas imagens estava a querer sugerir a possibilidade de vir a verificar-se um grande desaire ferroviário...

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Moreira.

O Sr. Costa Moreira (PS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, ouvi com muita atenção a nua intervenção, e porque o considero um técnico abalizado para falar em matérias como a da sua intervenção, da qual fiquei com a convicção que, de facto, de tudo quanto disse, no fundo, não acreditava em nada daqui!» que estava a dizer, queda perguntar-lhe só duas coisas.
Em primeiro lugar, por que é que afirma e em que é que se baseia para dizer que este Programa do Governo é uma certidão de óbito a» programa do Partido Socialista? É uma pergunta muito simples, que gostaria que o Sr. Deputado e meu querido amigo Ângelo Corrêa me respondesse.
Em segundo lugar, gostaria também que me dissesse em que é que se baseia também para dizer que os preços em 1978 - e nós estamos a 10 de Fevereiro de 1978 - subiram muito mãos do que 20 %.
São somente estas duas questões, às quais gostaria que me respondesse muito claramente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodolfo Crespo.

O Sr. Rodolfo Crespo (PS): - O Sr. Deputado Ângelo Correia, que é um neófito em política...

Risos e protestos do PSD.

Sim, Sr. Deputado. Eu não o vi muitas vezes antes do 25 de Abril.

Risos do PSD.

O Sr. Deputado fez algumas confusões entre programa de governo e programa de partido. Eu gostaria de lhe perguntar se não sabe que um programa de partido diz respeito a um projecto de sociedade e que um programa de governo, lenido em conta a relação de forçais exigente nessa sociedade e os acordos políticos possíveis, diz respeito ao primeiro passo no sentido da realização desde projecto de sociedade. Ou esta confusão quo o Sr. Deputado faz quer muito simplesmente dizer que o seu partido não tem projecto de sociedade?
Uma outra pergunta, quo advém, aliás da confusão, ou melhor, do facto de o Sr. Deputado ter acusado ente Governo de ser incoerente, é a seguinte: se o Sr. Deputado considera que a maioria ou uma grande parte dos governos da Europa Ocidental em que partidos socialistas com programas semelhantes ao do nosso partido e partidos democratas-cristãos com programas semelhantes ao do CDS se encontram associados são incoerentes. E na medida em que num momento ou outro da história das democracias europeias os partidos socialistas e os partidos cristãos-democratas se encontraram associados no Governo, se essas democracias são incoerentes e se isso quer dizer que o Sr. Deputado ou o seu partido - que preconizava a integração de Portugal na Europa do Mercado Comum e no estado das democracias europeias - mudou de posição nessa matéria e já não pensa que Portugal deve ser uma democracia europeia integrada ou a integrar nesse Mercado Comum e nessa Europa que nós consideramos democrática e livre.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Dieter Dellinger.

O Sr. Dieter Dellinger (PS): - Eu quero perguntar ao Sr. Deputado se achaque, a propósito dos prejuízos das empresas publicais, qualquer empresa privada, como, por exemplo, a Siderurgia Nacional, vendendo ao mesmo preço o feiro e pagando os mesmos salários, certa lucro só por ser privada.

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Gostaria também de saber se acha que as empresas privadas, nomeadamente as industrias, dão todas lucro.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: -- Queira V. Ex.ª responder. Se desejar alguns momentos para reflectir ou tomar os seus apontamentos, faz favor.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Obrigado, Sr. Presidente, mas a direcção do meai partido é que só me dá um minuto e meão para responder. Bom, mau vou responder telegraficamente.

Vozes do PS: - Ah!...

O Sr. Presidente: - Desculpa, mas não percebi quem é que lhe deu um minuto e meio.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Fui eu, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Ah! Isso é lá com os senhores! 1Risos

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - l.º Contradições no Programa do Partido Socialista-Programa do Governo. A contradição não é de agora; VV. Ex.ªs tem feito isso aceleradamente. Se querem alguma referência, cito partes do programa do Partido Socialista pontos 2.2.8., 2.3.2.2., 2.3.4., 31.2.5., 2.2.3., 2.2.6. Confrontam comi o vosso programa. Está lá escrito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Herculano Pires (PS): - É o número do meu telefone...

Risos.

O Orador: - É só uma amostra.
Em relação às democracias ocidentais: se nós somos contra essa ideia? É evidente que não. Pensamos, aliás, que o programa quo melhor consubstancia uma prática política coerente, eficaz e salvadora é justamente o programa do PSD, ou seja, o que mais as aproxima de uma prática real existente na Europa.
2.º Lei de delimitação do sector público e do sector privado: qual o sentido da nossa votação? Precisamente o de que, através da sua regulamentação, fossem encaradas condições mínimas de exercício de concorrência em vários domínios: transporte marítimo, industrial, bancário, segurador, etc.
Pergunta sobre o eventual acidente ferroviário: sim, sim, descarrilamento no Entroncamento.

Risos.

Pergunta do Sr. Deputado Costa Moreira: eu estou de acordo, acredito.
Pergunta do Sr. Deputado Dieter Dellinger sobre o facto de as empresas serem privadas: não Podem ser públicas, desde que sejam geridas com eficiência, seriedade e competência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Referiu o Sr. Deputado Rodolfo Crespo o problema do neófito É capaz de ser verdade. Mas mais vale ser neófito que oportunista e arrivista.

Aplausos do PSD.

Uma voz do PS: - É um vaidoso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodolfo Crespo.

O Sr Rodolfo Crespo (PS): - É para um outro protesto, Sr. Presidente.
Considero as declarações do Sr. Deputado Ângelo Veloso uma calúnia...

Risos.

Ângelo Correia, aliás.
Acho que não é motivo para rir quando um Deputado do PSD utiliza termos de calúnia, o que é uma provocação baixa. É a única coisa que passo dizer.

Vozes do PS: - Muito bem!
Aplausos do PS.

Uma voz do PSD: - O orador é que começou.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Dizer quis é neófito em política nato é ofender?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Galvão de Melo.

O Sr. Galvão de Melo (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Quando, em Agosto de 1976 subi a esta tribuna para saudar o I Governo Constitucional, eu vinha afirmado de forte e saudável esperança. Por isso eu usei palavras de fé, palavras amigas e cheias de veemência, capazes de exortarem os socialistas para a luta queriam encetar.
Não sendo eu socialista e muito menos marxista, as palavras que então proferi puderam ser por vós escutadas e interpretadas no seu valor autêntico. O que então disse, disse-o convicto de bem servir Portugal.
Assim, quando o presidente do Centro Democrático Social, com o propósito, bem compreensível, de esclarecer e justificar a atitude do seu partido ao decidir colaborar no actual Governo, afirmou que nele mais pode temeras nacional que o interesse partidário, eu bem compreendi as suas palavras com todo o seu significado e alcance. Ouvi, entendi e concordo. Porquanto essa mesma atitude nacional foi a que assumi ao declarar a minha boa vontade para com o I Governo. Também comigo mais pôde o interesse da Nação que quaisquer preconceitos ideológicos porventura existentes, não de parado, que nunca tive, mas pessoais. Ano e meio volvido, a minha atitude permanece inalterável: o importante é servir a Pátria no seu todo.
Porém, ano e meio volvido, as razões nas quais havia fundado a esperança que pus no Partido Socialista perderam força. O tempo que entretanto passou e os factos que entretanto aconteceram - ou não aconteceram - as foram sucessivamente enfraquecendo. À esperança sucedeu certa desilusão.

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Durante ano e meio, vós, os socialistas, quase sempre rejeitastes a colaboração activa e a simples crítica. O vosso governo viveu e procedeu sozinho. Isolando-se com relação aos partidos representados nesta Assembleia, o Governo acabou por se afastar da própria Nação, acabou por não compreender, nem se fazer compreender e estimar do Povo, cujo viver em pouco melhorou e em muito tem piorado.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sozinhos no Governo, sozinhos tendes de acoitar a responsabilidade.

Socialistas! De fraqueza em fraqueza, foi o vosso governo caindo, até que de todo caiu. E caído, forçoso vos foi aceitar ajuda, que melhor teria sido colaboração voluntariamente procurada.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - De momento é maior o mérito do CDS: porque livremente decidiu fazer o que fácil era não fazer e muitos desejariam não fizesse; porque livremente acertou riscos que poderia evitar.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, a aliança é uma realidade inegável, como inegável é o novo Governo Constitucional apresentar-se com promessa de suporte maioritário mesta Câmara. Do facto, o binário PS-CDS é garantia de permanente, ou, pelo menos, oportuna maioria. Bastando que todos os parlamentares de ambos os grupos o queiram no futuro, como de momento parecem querer.

No entanto, é bom ter presente, um governo PS--CDS, isto é, um governo composto de socialistas e personalistas, actuando seguindo critérios de dirigismo e de liberdade, defendendo a estatização generalizada e defendendo a iniciativa privada, marxista e cristã, ou seja, ateu e religioso, não vai ser fácil!
Não vai ser nada fácil!

E por não ser fácil, e por ser composto de tantas e agudas can/tradições, eu desde já desejo cumprimentar e louvar socialistas e democratas-cristãos pelo esforço a que cada um de vós se obrigou, recalcando naturais e particulares sensibilidades para, agora, aqui estarem, lado a lado, empenhados em 'tarefa comum, aqueles mesmos que ainda há pouco com tenacidade se opunham. Admiro e cumprimento ambos por esta primeira e necessária prova de coragem, que vai permitir sobrepor o "grande objectivo nacional" aos pequenos e parcelares objectivos de grupo. Um partido de esquerda e um partido de direita reunidos no cumprimento de missão comum não é virtude corrente das democracias, mesmo das mais experimentadas e tolerantes! Não é virtude corrente, e no entanto, pelo menos de mm ponto de vista teórico, a ligação parece acertada. Um PS capaz de refrear os egoísmos excessivos de alguns sectores direitistas; um CDS empenhado em evitar que os socialistas caiam em utópico e planeado uniformismo, o qual, matando o estímulo que faz andar os homens, mata o gosto de viver, mata a vida.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador. - PS-CDS? Podo ser.

Mas quem há aí, em todo o Portugal, disposto a acreditar que a resolução dos graves problemas que tanto nos afligem depende da simples substituição de um governo? Seria demasiado fácil e pouco para justificar a grandeza das nossas preocupações!

Não, não é bastante procurar e encontrar novas fórmulas de governo. Os males dos Portugueses são mais profundos e permanecerão insensíveis à actuação de qualquer governo, enquanto apenas governo que veio substituir outro. É indispensável que certos condicionamentos dentro dós quais o novo Governo vai movimentar-se alguma coisa mudem. Alguma coisa que é essencial.

Num Estado dito democrático, como será possível a coexistência de órgãos de Soberania eleitos por sufrágio e órgãos de Soberania que o não foram? Na prática, é certo que os segundos logo hão-de prevalecer sobre os primeiros, dando lugar à ditadura.

Num Estado dito democrático, como será possível pautar a conduta dos órgãos de Soberania, conciliando os interesses da Nação com as imposições die uma Constituição que foi produzida sob pressão de forças não democráticas?

Num Estado dito democrático, como será possível aceitar a coexistência de partidos que respeitam as regras do diálogo e se submetem à autoridade da maioria com partidos que procedem como se não tivessem de prestar contas? Como será possível acertar o objectivo nacional quando nem todos os partidos são de obediência interna?

Estes são males cujo remédio compete aos portugueses todos e não pode ser delegado num governo, seja este qual for. Mas são matos que, enquanto durarem, sempre hão-de impedir governação eficiente e justa.

Do mesmo modo o não cumprimento da lei será causa de governo que não há-de conseguir os seus fins.

Entre os Portugueses é com frequência aceite a ideia de que o governo democrático resulta incoerente se usar de força para se fazer obedecer. "A forca, a coacção é para as ditaduras", dizem. Esta convicção não afecta somente a nação menos culta, ela impõe-se e tem sido causa de inibição por parte dos próprios governantes! Ela esteve, com frequência, na base de indefinições, de indecisões, de inactuações do I Governo Constitucional, o qual raras vezes usou da força de que dispunha para exercer a necessária autoridade quando, de outro modo, esta lhe foi recusada.

Ora, sob este aspecto, a única diferença está em que o Poder, na ditadura, é apropriação de uns tantos, enquanto, na democracia, é delegação de parte suficientemente representativa da Nação.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, mais grave que desobedecer à lei-ditadura é desobedecer à lei-democracia. No primeiro caso apenas se desrespeita um homem ou um grupo, no segundo, porém, desrespeita-se toda a Nação.

A autoridade tem de exercer-se -a todo o custo e sempre- ou perde-se definitivamente. Coagir a benefício da lei não é violência. Violência é não cumprir a lei. Violência é não governar.

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Sr. Presidente, Srs, Deputados Socialistas e Democratas-cristãos: Eu subi a esta tribuna para saudar o II Governo Constitucional. E vou fazê-lo. A despeito da desilusão, que vai continuar até provas em contrário, eu repito hoje para o II Governo o que já disse para o I: que o ânimo vos não falte na tarefa que ora começais.

E acrescento: muito estimaria que a vossa competência e amor da Pátria fossem capazes de vencer. Nada de melhor vos posso desejar por enquanto. Mas este pouco, em verdade o desejo.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS.

O Sr. Agostinho do Vale (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Agostinho do Vale tem a palavra.

O Sr. Agostinho do Vale (PS): - Sr. Deputado Galvão de Melo, ouvi com atenção o seu discurso, e queria em primeiro lugar, esclarecê-lo sobre uma dúvida que talvez ocorra no seu espírito. Ouvi o Sr. Deputado Galvão de Melo afirmar que havia um acordo entre um partido cristão e um partido marxista, logo ateu. Eu, que sou cristão e falo como trabalhador do Grupo Parlamentar Socialista, quero manifestar a minha convicção e a certeza de que no PS tenho encontrado a vivência dessas duas ideias.

Só digo isto como contributo necessário para que todos as portugueses entendam de uma vez para sempre que dentro do Partido Socialista não se faz ditadura sobre a religião. Dentro do Partido Socialista há muitos católicos e eu sou um deles.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Galvão de Melo, para responder.

Uma voz do PSD: - E os marxistas?

O Sr. Agostinho do Vale (PS): - Não seja provocador, Sr. Deputado do PSD. Vocês nem são católicos, nem ateus!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Galvão de Mello, eu estou a descontar o tempo por causa desta "guerra religiosa"...

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Guerra santa... Risos.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª um minuto para responder, Sr. Deputado.

O Sr. Galvão de Melo (Indep.): - Sr. Deputado do Partido Socialista, agradeço a sua intervenção, mas devo dizer-lhe que o seu esclarecimento não era necessário, já que, em contrapartida, é capaz de encontrar alguns ateus no CDS...

Risos.

Vozes do CDS: - Muito bem!
Aplausos de alguns Deputados do PS.

O Orador: - Eu quando fiz a comparação entre ateu e religioso, referia-me a ideologias base e de modo nenhum a quem quer que fosse dentro do seu partido ou de qualquer outro.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Abrantes, para uma intervenção.

O Sr. Domingos Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A coligação PS-CDS e a composição e o Programa do novo Governo causaram entre os trabalhadores a mais viva inquietação e justificadas apreensões.

Não era preciso que o Sr. Primeiro-Ministro viesse aqui explicar que punha o socialismo entre parêntesis, não era preciso que o presidente do CDS viesse aqui garantir que o novo Governo não faria uma política mais à esquerda,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -E à direita?

O Orador: - ... para re saber que a manutenção à frente do sector do trabalho da mesma equipa ministerial e a entrada no Governo do CDS, partido que representa o grande capital, só podiam significar que a política social do novo Governo irá ser a continuação da política já seguida, que se promete o agravamento da política antioperária do Governo caído em 8 de Dezembro.

É oportuno lembrar que das palavras aqui ditas em Agosto de 1976, aquando da formação do I Governo, pelo Sr. Primeiro-Ministro Mário Soares até às duras realidades agravadas pela prática do Ministério do Trabalho e do I Governo vai uma enorme distância e um longo rol de promessas não cumpridas.

Os salários reais degradaram-se e o poder de compra baixou, enquanto os preços subiam em flecha e a contratação colectiva era sujeita ao boicote do patronato e ao ferrete do famigerado Decreto-Lei n.º 49-A/76.

A repartição funcional do rendimento piorou. Hoje os trabalhadores vivem pior que na altura da formação do I Governo, mas os grandes capitalistas, esses, puderam acumular lucros.

Os interesses dos trabalhadores não foram defendidos. Que o digam as dezenas de milhares de trabalhadores despedidos, que o digam as centenas de dirigentes e delegados sindicais e membros das comissões de trabalhadores despedidos arbitrariamente por exercerem direitos e liberdades consagrados na Constituição. Que o digam os 29 trabalhadores despedidos da J. Pimenta, os 13 da Azevedo e Silva, os 23 da Lourenço & Borges, os 19 da Joaquim Francisco dos Santos, os 18 da Stelber, os 15 da Dardo, os 7 da EFACEC, os 11 da Intento, os 14 da Cuetara, os 19 da Alumínia, os 15 da Copam, os da Morgan, da Cerâmica Rosa, da Sicor e tantos outros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Numerosas em presas que haviam sido defendidas com o sacrifício e o trabalho criador dos trabalhadores foram devolvidas ao patronato sabotador. A política de recuperação capitalista levou a que nessas empresas se tenha instalado o revanchismo e de novo a repressão, a feroz exploração, o poder

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omnipotente do patronato. Que o digam os trabalhadores da Santimar, da Joaquim Francisco dos Santix, da Copam, da Auto-Reconstrutora do Barreiro, da Santix, da Luís Pedro Mendonça, da Têxtil Manuel Gonçalves e de várias outras.

A política antioperária do Governo PS, aliado de facto à direita, mereceu o mais vivo repúdio e oposição de centenas de milhares de trabalhadores, que em numerosas pequenas e grandes lutas, e sobretudo nas grandiosa manifestações do l.º de Maio, 22 de Julho e 19 de Novembro, reclamaram e exigiram a sua alteração radical e uma nova política que se conformasse com a Constituição da República, que defendesse os seus legítimos direitos e interesses.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política social contida no Programa do Governo PS/CDS, se por um lado deixa sem resposta as mais instantes reivindicações dos trabalhadores e das massas populares, por outro lado visa e procura concretizar o agravamento brutal das suas condições de vida e a progressiva liquidação das suas mais importantes conquistas.

Para o novo Governo, os objectivos da política social hão-de estar inteiramente subordinados aos objectivos da política económica, que é o mesmo que dizer, aos objectivos da política de restauração dos monopólios e latifúndios. E é o próprio Governo que o confessa ao afirmar que uma política social terá de ser "determinada pela estratégia definida para a política económica".

Não deixa, aliás, de ser curioso assinalar que um Programa onde tantas vezes se fala na concretização das indemnizações aos grandes monopolistas e latifundiários, um Programa onde se usam vinte e três páginas a falar da reforma administrativa, limite a oito páginas e meia toda a matéria de trabalho, emprego e formação profissional.

Onde não é explícito nas suas intenções, o Programa vale, assim, pelas suas omissões, e em especial as respeitantes às matérias que mais preocupam e afectam os trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É o que se pasta com toda a parte relativa aos despedimentos: O Governo não ignora certamente os resultados a que conduziu a política de recuperação capitalista. Não ignora os milhares e milhares de despedimentos que um pouco por toda a parte um patronato cada vez mais arrogante vem praticando. Não ignora a oposição que a legislação de despedimentos tem merecido do movimento sindical, dos trabalhadores portugueses. A omissão de qualquer referência a esta matéria só pode significar que não se pretende qualquer flexão na política de despedimentos. Bem ao contrário.

Acentuando por mais de uma vez a necessidade de "regulamentação de formas de trabalho temporário", o que o Governo promete é uma maior generalização dos contratos a prazo e de outras formas intensivas de exploração dos trabalhadores, é uma ainda maior insegurança no emprego. Compreendem-se assim as hesitações e contradições contidas no Programa no que toca ao problema do combate ao desemprego. Aceitando moderar a taxa de crescimento do produto nacional em 1978, nada prevendo quanto a medidas que conduzam ao aumento da produção, aceitando a indexação das taxas de juro, o novo Governo deixa sem solução o problema do desemprego, em particular dos milhares e milhares de jovens que procuram emprego pela primeira vez.

Mas não ficam por aqui as omissões.

O clima de repressão instalado em muitas empresas, as sucessivas violações de direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, os grosseiros atropelos à lei da greve, as perseguições de dirigentes e delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores, nada disso merece a mais pequena referência no Programa, nenhumas medidas se prevêem, nada disso preocupa o Governo. E no entanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que aqui se encontra em jogo é precisamente a defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, duramente conquistados em anos e anos de luta e hoje consagrados na Constituição da República.

Aplausos do PCP.

O Programa omite ainda - e é curioso compará-lo com o Programa do I Governo e com as inúmeras promessas aí feitas- qualquer referência à necessidade de publicação de legislação protectora de sectores do mundo do trabalho particularmente desfavorecidos ou com condições de trabalho especialmente duras. Nenhuma referência significativa, assim e por exemplo, à lei do contrato de trabalho rural, aos pescadores, às empregadas domésticas, aos mineiros.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas onde o Programa é particularmente claro - no que diz e no que omite-é na matéria de salários e preços.

Fala claramente no estabelecimento de um limite de 20% para o crescimento da massa salarial, mas já considera a meta de 20%, como limitada taxa de inflação, uma "meta ambiciosa".

E em vez de fixar medidas que tornem possível ou viável atingir tal meta, promete já o aumento dos produtos do "cabaz die compras", mantém um sistema de contrôle de preços - contrôle a posteriori- que conduziu a uma especulação desenfreada, entrega o Ministério do Comércio a um representante do capital, anuncia novas desvalorizações do escudo, promete o aumento dos impostos, anunciam-se e põem-se em prática novos aumentos dos preços nas empresas públicas e novos agravamentos nas condições do crédito.

Os resultados desta política estão à vista; e é o próprio Dr. Mário Soares que em Dezembro de 1977 reconhece publicamente que a degradação dos salários reais, resultado da política de contenção dos salários e da subida dos preços, se cifra em 15%. E a política que agora se anuncia - o Governo sabe-o bem - só pode conduzir ao agravamento da situação.

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Se a mela dos 20% para a inflação é, pela falta de medidas adequadas, tão ambiciosa que se tornará inatingível, também o tecto dos 20% para o crescimento da massa salarial aparece no Programa como um objectivo muito longínquo, como um tecto para não ser atingido...

Na verdade, o Programa omite qualquer referência à situação da contratação colectiva, à oposição e boicote do patronato, aos longos períodos de impasse motivados pela acção sabotadora do patronato da CIP, omite qualquer intenção de dar solução às situações criadas em numerosos sectores e de que são vítimas afinal, só e sempre os trabalhadores.

Habituado à impunidade, representado no Governo, mais arrogante, preocupado em recuperar posições e aumentar os lucros, o patronato encontra no Programa do novo Governo uma completa complacência para a sua acção sabotadora, encontra a luz verde para a continuar a aprofundar.

É precisamente por tudo isto, que afirmámos que o Programa do Governo é bem claro e se resume afinal iam poucas palavras: apertar o cinto aos trabalhadores e às mais largas camadas da população para o alargar aos grandes capitalistas!

Importaria talvez perguntar ao Governo quando pensa tomar algumas das medidas que anuncia, como a elevação do salário mínimo, e qual o seu quantitativo. Mais temos como certo que, reja qual for o momento e o montante, importará mais saber qual a verdadeira e real taxa de inflação que o Governo prevê e que medidas vai tomar para a efectiva aplicação desse salário mínimo.

Não deixa de ser de realçar a preocupação manifestada no Programa com o Conselho Nacional de Rendimentos e Preços.

Não se trata de preocupações com o seu funcionamento. Na verdade, quando os representantes sindicais mostraram que existia uma grande distância entre aquilo que o Governo anterior afirmava e a sua prática diária e puseram em evidência a diminuição vertiginosa do nível de vida dos trabalhadores, os representantes do Governo deixaram de aparecer e o Conselho praticamente deixou de funcionar.

O que o Governo quer do Conselho não é que ele exerça as suas competências. O que se pretende é que "no seu âmbito se estabeleça o espírito de concertação necessário à realização de um acordo ou contrato social", isto é, o Governo alimenta a ilusão de que os trabalhadores se disponham a aceitar a degradação do seu nível de vida só porque ela é imposta por um orgão onde estão em franca minoria e onde se encontram representados os grandes senhores da CAP e da CIP.

Esta é afinal a ideia que o Governo tem do diálogo com as organizações de trabalhadores, esta é a manifestação mais evidente- do que o Governo pensa da "concertação" tantas vezes referida no Programa.

Outro ponto particularmente claro do Programa é o que se refere às empresas intervencionadas, firmando-se expressamente a intenção de prosseguir a sua devolução ao patronato sabotador.

Ainda se não apagaram da memória as desintervenções escandalosas da Facar, da Mundet, da Pardal Monteiro, e de tantas outras empresas e já novos escândalos se preparam, novas insistências se anunciam numa política profundamente lesiva dos interesses dos trabalhadores e da economia nacional É certo que houve o cuidado de repetir que os trabalhadores seriam ouvidos.

Só que a vida já demonstrou o que se entende, numa política de recuperação capitalista, por ouvir os trabalhadores. Seja qual for a sua opinião, sejam ouvidos ou não, o Programa de desintervenções prossegue e o patronato regressa, apoiado em forças repressivas, para de seguida, e seguro da sua impunidade, encarregar mercenários de instalar um clima de violência e desestabilização dentros das empresas.

Combatendo frontalmente a participação criadora dos trabalhadores nas empresas intervencionadas, o Programa do Governo abre aqui a ponta do véu que explica a ausência de referência ao contrôle de gestão e à situação das empresas em autogestão.

Trata-se, no fundo, aqui como nos despedimentos, na matéria de salários e preços e no que toca em geral à defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, de acolher o essencial das teses do CDS, que é dizer das reivindicações do grande patronato.

Para quem ouviu o CDS falar, nesta Assembleia, do contrôle de gestão, dos despedimentos e das empresas em autogestão, para quem conhece os sentimentos de ódio e revanchismo que animam o patronato, para quem tem sentido na carne os efeitos da política de recuperação capitalista, o significado das medidas que se anunciam aparece claro e não pode deixar de causar as mais profundas preocupações.

O texto do acordo interpartidário PS/CDS, prometendo a revisão conjunta da legislação sindical e da lei sobre contrato individual de trabalho, vem ainda agravar essas preocupações.

Alguém de boa fé poderá pensar que o alto patronato e o seu partido vão dar o seu contributo e apoio a uma lei sindical que reforce a organização dos trabalhadores e a sua unidade?

Alguém de boa fé poderá acreditar que o patronato e o seu partido quererá rever a lei do contrato individual de trabalho para a melhorar e para defender os interesses dos trabalhadores?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Calando as mais instantes reivindicações dos trabalhadores, visando a progressiva limitação e liquidação das suas mais importantes conquistas, ignorando a defesa dos seus interesses, preparando o agravamento brutal das condições da sua vida, o Programa do Governo não poderá deixar de merecer a mais viva oposição e firme repúdio dos trabalhadoras portugueses!

Aplausos do PCP.

O Governo fala da "estabilização das relações de trabalho", mas nenhuma medida promete para defender os direitos e interesses dos trabalhadores, para dar saída à contratação colectiva, para pôr um travão aos despedimentos e ao desemprego.

Fala die "dialogo" e "concertação", mas o que pretende é a capitulação do movimento operário, é associá-lo à política da recuperação capitalista e de liquidação dos seus direitos duramente conquistados.

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Fala do "empenhamento responsável cios trabalhadores", mas o que promete é a contenção da produção, o desemprego, a degradação dos salários dos trabalhadores.

À boa maneira do estatuto fascista do trabalho nacional, onde se referia a "confiança entre o capital e o trabalho", o Governo vem falar no "restabelecimento da confiança recíproca entre trabalhadores e empresários", mas afinca o que promete são piores condições de vida para os trabalhadores e maiores lucros e recuperação de posições para 0s capitalistas.

Um Sr. Deputado do CDS quis, no primeiro dita de debate, em pedido de esclarecimento dirigido ao meu camarada Octávio Pato, saber onde estava, no Programa, a expressão "comunidade de interesses".

Está na página 76, na alínea d), Sr. Deputado.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Este sabe ler!

O Orador: - Mas se eventualmente tal expressão não estivesse no Programa, sempre se poderia afirmar que essa ideia estava bem presente em quem redigiu essa parte do Programa. E mais! Que o que está realmente ausente, quer da letra do Programa quer do seu espírito, é o cumprimento do artigo 2.º da Constituição, onde se fala designadamente da "criação de condições para o exercício democrático do Poder pelas classes trabalhadora".

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pode o Governo, ao mesmo tempo que fala de "diálogo" e "concertação", preparar-se para atribuir os seus inevitáveis fracassos aos trabalhadores e às forças que se oponham à sua política e justificar assim o consequente recurso às medidas administrativas e repressivas e à "regulamentação" das liberdades e direitos dos cidadãos visando a sua real restrição. Mas o Governo sabe que prosseguindo a política de restauração dos monopólios e latifúndios, atentando contra os interesses e direitos dos trabalhadores, ignorando os objectivos políticos, económicos, sociais e culturais inscritos na Constituição, não poderá ganhar a confiança dos trabalhadores.

A vida tem-se encarregado de desfazer os sonhos dos reaccionários ou dos sociais-democratas de conseguir que os trabalhadores aceitem alegremente a sua condição de explorados. Os trabalhadores demonstraram já a firme disposição de defender as conquistas da revolução e o Governo não ignora que essa disposição se manterá.

A imprensa de direita vem nos últimos dias agitando o espantalho das greves, numa forma clássica de preparação do terreno para a repressão ao movimento operário, Os responsáveis pelos graves conflitos sociais são o patronato ao recusar a satisfação de legítimas reivindicações, ao atentar contra direitos e liberdades dos trabalhadores (às vezes mesmo com o intuito deliberado de provocar conflitos sociais, como é o caso recente da Sorefame, por exemplo), e o Governo que dá cobertura a tudo isto.

São os trabalhadores quem mais do que ninguém estão interessados na defesa da democracia. Com o seu alto sentido de responsabilidade, não farão greve pela greve, mas é evidente que não deixarão de recorrer a esse legítimo direito quando os seus interesses forem gravemente atingidos. Terá o Governo isto em conta?

Aplausos do PCP.

Dialogar com trabalhadores pressupõe o respeito pelas suas organizações e mão a ingerência nas suas organizações, a justa consideração pelas suas opiniões e não a sua marginalização, a satisfação das mais sentadas e mais justas reivindicações e implica, acima do tudo, o respeito paios direitos, liberdade e garantidas conquistados na dureza da luta.

O Sr. Cunha Simões (CDS): -Vejam lá!

O Orador: - Que confiança podem ter os trabalhadores no diálogo com um homem, o Sr. Ministro do Trabalho, cuja atitude política tem sido caracterizada pela ingerência ilegítima nas organizações dos trabalhadores, pela animosidade em relação à Central Sindical, que não recebeu uma única vez, pelo estímulo à divisão dos trabalhadores e pelos ataques às suas conquistas?

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E que confiança podiam ter na coligação PS-CDS, partidos que celebraram um acordo com vista à revisão da lei sindical, da lei do contrato de trabalho e de outra legislação laboral? Como podem, de facto, viajar até Coimbra nesta carruagem partidos que são (ou deviam ser) a contradição um do outro?

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Não tem imaginação nenhuma!

O Orador: - E como se atreve um Governo, melhor, como se atreve um partido que se reclama dos trabalhadores, a apelar, mestas condições, ao empenhamento do movimento operário nas tarefas de recuperação capitalista?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Portugal de Abril, sem o empenhamento esforçado e criador dos trabalhadores não haverá recuperação económica. Só uma política patriótica, virada paira a defesa das conquistas da revolução e do progresso social, seira capaz de ganhar os trabalhadores para o grande esforço nacional necessário para sair da crise.

A questão que subsiste é a de saber a favor de quem e na perspectiva de que futuro se pedem sacrifícios aos trabalhadores portugueses.

No passado dia 4, do plenário da CGTP-IN, o maior plenário sindical até hoje realizado em Portugal (240 organizações sindicais presentes) e cuja representatividade ninguém certamente se atreverá a contestar, os dirigentes sindicais revelaram um alto sentido de responsabilidade nas reivindicações apresentadas, demonstraram que os interesses profundos dos trabalhadores se identificam com a defesa e consolidação da democracia e que a melhoria das suas condições de vida não contraria, é antes um factor determinante da recuperação económica.

Aplausos do PCP.

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A resposta do movimento sindical merece aqui ser citada:

A aceitação ou não, por parte dos trabalhadores, de uma política de austeridade com os consequentes sacrifícios está, como sempre se disse, condicionada à resposta a esta questão base: a de saber se se pedem sacrifícios para um futuro de progresso e bem-estar da maioria da população ou para a recuperação de posições e privilégios daqueles que dominavam a economia portuguesa antes do 25 de Abril!

A resposta do Governa de coligação PS-CDS a essa questão central é a promessa de dias negros para os trabalhadores portugueses, o anúncio do agravamento das condições da sua vida, o ataque às conquistas da revolução.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Eram vermelhos de sangue!

O Orador: - O movimento operário, o movimento unitário dos trabalhadores reforçado por numerosas vitórias em eleições sindicais e comissões de trabalhadores saberá hoje, como o tem feio no passado, fazer frente aos que aspiram e manobram para restaurar o poder político dos monopólios.

Hoje, como sempre, são os trabalhadores, unidos e organizados através da sua luta serena, consciente, decidida e determinada, que formarão a melhor barreira contra o regresso a um passado de exploração, contra as tentativas de liquidação das liberdades e da democracia.

Nesta luta, os comunistas não se pouparão a esforços e, ombro a ombro com todos os trabalhadores, designadamente socialistas, saberão defender os direitos duramente conquistados, saberão lutar pelo projecto socialista inscrito na Constituição da República, nos anseios e aspirações da gloriosa madrugada de Abril.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Marcelo Curto, Narana Coissoró, Ângelo Vieira e Ludovico Costa. Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado Domingos Abrantes, uma pergunta muito directa e simples que advém dag suas considerações acerca da política de concertação e de diálogo que vem preconizada no Programa do Governo que foi abusivamente - para não utilizar outro termo- assimilada pelo Sr. Deputado à política do corporativismo, à política de antes do 25 de Abril.

Eu desejava perguntar ao Sr. Deputado qual é a posição do Partido Comunista em relação à alternativa a essa política de concertação. Será uma política de exacerbação da luta de classes? Será uma política de exacerbação dos conflitos nas empresas?

É esta a pergunta a que desejava que o Sr. Deputado respondesse.

O Sr. Presidente:- O Sr. Deputado aguarda para responder no fim?

O Sr. Domingos Abrantes (PCP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, tenha a bondade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Domingos Abrantes: Se eu quisesse repetir aqui a grosseria que ouvimos ontem, diria apenas que a bancada do CDS ouviu com a mesma indiferença com que ouvia a Radio Liberdade, durante o gonçalvismo, a peroração de V. Ex.ª.

Risos do PCP.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Vocês são contra o homem livre.

O Orador: - Diz V. Ex.ª repetindo a cassette vulgar, que o CDS representa os interesses dos monopolistas, latifundistas, imperialistas, do grande patronato, do patronato sabotador, etc.

Uma voz do PCP: - Apoiado!

O Orador: -E pretende V. Ex.ª falar em nome dos trabalhadores.

Ora, eu queria esclarecer de uma vez para sempre o seguinte: dado o número de votos do CDS face ao Partido Comunista, se o Sr. Deputado Domingos Abrantes quer dizer que neste Pais todos aqueles castas" -os monopolistas, latifundistas, imperialistas, etc. -são mais, e muito mais, do que os trabalhadores que o Partido Comunista representa naquela bancada?

Em segundo lugar, queria perguntar se ao dirigir-nos as perguntas e ao dizer que o CDS representa os interesses do grande patronato monopolista, latifundista, etc., é V. Ex.ª capaz de indicar um único texto, uma única declaração dos responsáveis políticos do meu partido em que V. Ex.ª se possa alicerçar para lançar semelhante calúnia.

Risos do PCP.

O riso não é resposta, Srs. Deputados.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Mas e comentário!

O Sr. Cunha Simões (CDS): - É um riso alvar.

O Orador: - Se pode reproduzir aqui no prazo que V. Ex.ª entender, uma única afirmação dos responsáveis do meu Partido, escrita ou oral, em que se afirme semelhante coisa.

Em terceiro lugar, quanto à resposta sobre a comunidade de interesses que se refere na página 76, foi aqui dito ontem por mim que a expressão não pode ser tirada do texto e do contexto, e quero perguntar se acha que a expressão "comunidade de interesses" está ali empregue no mesmo sentido em que era empregue nos textos anteriores ao 25 de Abril. Quero ainda perguntar se também nas chamadas democracias do Leste esta expressão nunca foi utilizada para não ter que repetir páginas e autores em que esta

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expressão - totalidade de interesses, unidade de interessas ou comunidade de interesses -aparece tão frequentemente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Viçara, tem a palavra.

O Sr. Ângelo Vieira (CDS): - Sr. Deputado Domingos Abrantes, queria fazer-lhe apenas duas perguntas.

Trouxe V. Ex.ª a esta Câmara uma estatística de despedimentos efectuados durante o I Governo Constitucional. Gostaria de saber se, por acaso, tem em seu poder, também, o número dos despedidos e dos que interpuseram recurso durante o tempo em que o Partido Comunista Português esteve à frente dos destinos do Ministério do Trabalho?

Em segundo lugar, ouvi falar muito, durante a sua intervenção, na elevação do salário mínimo e não me apercebi, uma única vez que fosse, que tivesse sido feita qualquer menção à redução da taxa de desemprego. Daí, o fazer-lhe a seguinte pergunta: para o Sr. Deputado é mais importante o aumento do salário mínimo ou a redução da taxa de desemprego neste país?

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Vê-se bem a diferença!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ludovico Costa, também para pedidos, de esclarecimento.

O Sr. Ludovico Costa (PS): - O Sr. Deputado Domingos Abrantes disse que neste Programa do Governo se vislumbrava o agravamento das condições de vida, o que quererá dizer o agravamento de uma política social. Se isto é verdade, pergunto ao Sr. Deputado se leu no Programa do Governo o capítulo da Segurança Social? E, se leu, em que capítulo do Programa fundamenta a sua afirmação?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Abrantes paira responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Domingos Abrantes (PCP): - Começando por responder ao Sr. Deputado Marcelo Curto, tenho a dizer que o que se critica na minha intervenção não é, naturalmente, a busca de um diálogo entre o Governo e os trabalhadores. O que se critica é o tipo de diálogo e a prática que o Governo tem seguido em relação aos trabalhadores.

Em primeiro lugar, é sabido que o Governo anterior - e nós baseamo-nos muito no Governo anterior- sempre que proeurou dialogar com os trabalhadores foi no sentido de adiar soluções e, no caso do movimento sindical, o que aconteceu, como já disse, foi não se receber a Intersindical uma única vez no Ministério do Trabalho mas, pior do que isso, é que, lendo o Programa do Governo, verifica-se que toda a sua filosofia é no sentido da concertação, de querer amarrar os trabalhadores a um projecto que é profundamente gravoso para os seus interesses.

E não se trata da exaltação da luta de classes. Certamente que o Sr. Deputado não me vai dizer que somos nós que inventamos a luta de classes e os conflitos sociais.

Há, neste momento, seios problemas a resolver pelos trabalhadores. Ó Sr. Deputado sabe que há conflitos sociais que estão em curso e outros à beira de estalar. O problema que se põe -e é isso que pergunto ao Governo - é se o Governo quer ou não tomar em conta as justas reivindicações dos trabalhadores ou se quer tomar em conta as reivindicações do patronato. Até porque elas são, de facto, incompatíveis.

Por exemplo, o Sr. Deputado sabe que o movimento sindical reivindica a revisão do decreto dos 15%. No entanto, dias antes do dia 31 de Dezembro de 1977, a CIP enviou ao Governo uma carta onde reivindicava a reposição do decreto dos 15%, e o que aconteceu foi que o Governo atendeu as exigências que aconteceu foi que o Governo atendeu a exigências do movimento sindical. Esta é uma questão de fundo: isto é, a favor de quem e com quem vai o Governo dialogar? A pergunto tem razão de ser porque, na realidade, os interesses do patronato - e sobretudo do grande patronato - são incompatíveis com os interesses dos trabalhadores.

Quanto ao Sr. Deputado Narana Coissoró, é evidente, Sr. Deputado, que o CDS pode ter no seu seio trabalhadores, que trabalhadores votaram no CDS...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah, bom!

O Orador: - ... mas isso não muita nem uma vírgula que o CDS, como partido, representa os interesses do grande patronato.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Aí esta a cassette.

O Orador: - Antes de mais, não é por acaso que o secretário-geral do CDS, actualmente no Governo, era até há pouco tempo o secretário-geral da CIP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que é que isso tem?

O Orador: - Em seguindo lugar e quanto aos textos, bastava ouvir, no dia-a-dia, o CDS nesta Câmara e ver qual foi a sua posição...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E não estão no Partido Comunista muitos dos antigos patrões e sabotadores?

O Orador:- Não se enerve, Sr. Deputado, não se enerve.

É evidente que os trabalhadores da ITT terão sobre a ITT uma posição muito diferente da que tem o Sr. Deputado,

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Por lapso estão na situação desgraçada em que se encontram.

O Orador: - Quanto aos textos, creio que bastaria ler tudo o que o CDS tem dito nesta Assembleia sobre as questões dos trabalhadores: sobre a lei dois despedimentos, sobre a Reforma Agrara, sobre as empresas em autogestão, etc. É sempre e sempre no sentido de

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agravar a sua situação. E se muitas vezes não aprovou aquilo que era mau é porque para o CDS ainda era pouco.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Baboseiras!

O Orador: - Quanto ao outro Sr. Deputado do CDS - desculpe-me, mas não fixei o seu nome - e quanto à questão do salário mínimo e da taxa de desemprego, elas não são, de facto, incompatíveis.
Mas, quanto à questão da diminuição do desemprego - e foi focada na minha intervenção- é necessária a reivindicação de dar combate ao desemprego.
Quanto ao Sr. Deputado do PS também não fixei o seu nome, desculpe-me- e à questão de saber em que capítulo li esse problema, Sr. Deputado, quando se põe a questão do aumento dos preços do cabaz de compras, quando se tem sérias dúvidas - no que ninguém acredita - quanto à taxa de inflação para 20 %, quando se promete o aumento dos impostos indirectos, quando se anunciam medidas de crédito que levarão ao desemprego, acha o senhor que as condições sociais dos trabalhadores vão ser melhoradas nestas condições e que não há razão para haver sérias apreensões?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Brás Pinto para uma intervenção.
O Sr. Brás Pinto {Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Acabámos de ouvir, na passada quinta-feira, o Secretário-Geral do Partido Socialista afirmar que a solução para os problemas económicos do nosso país estará no abandono, senão definitivo, pelo menos temporário do caminho para o socialismo. A terapêutica certa seria a coligação governamental com o partido que nesta Casa, à falta die um geometricamente mais à direita, representa os interesses dos capitalistas, dos antigos latifundiários, dos saudosos do fascismo e talvez mesmo, dos neofascistas.
Verdadeira profissão de descrédito na ideologia política tantas vezes defendida, em empolgados discursos, orais e escritos, que arrastaram às umas os votos dia maioria do povo português.
Felizmente que ouvimos também a afirmação de que os líderes do Partido Socialista não escreviam só discursos e tinham responsabilidades que não alijavam. É tranquilizador saber que as responsabilidades históricas desta aliança espúria que nos está a ser proposta não será lançada sobre aqueles que, pela palavra e pelo pana, sempre lutaram contra ela e será aceite de bom grado pelos seus autores. A menos que esta afirmação também venha a ser desta no futuro.
Não nos admiramos agora das soluções propostas pelo PS quando já em 20 de Julho deste ano na intervenção que fizemos contra a Lei da Reforma Agrária dizíamos:
Cedências aos partidos de direita que, como o CDS, se apressaram no início desta legislatura a propor a suspensão da aplicação das leis da Reforma Agrada, só conduzem a mais cadências e à recuperação de uma política que só a direita sabe habilmente praticar.
Tínhamos consciência do que afirmávamos. Assumamos a responsabilidade do discurso que fazíamos por saber que o futuro nos haveria de demonstrar até onde nos conduziria uma política suicida.
Temos hoje consciência que o que está acontecendo desde 75 no nosso país não é controlado para o intentar, mas faz parte de um jogo em que determinados políticos portugueses são verdadeiras marionetes ao serviço dos interesses e da defesa do mundo capitalista.
Após uma campanha eleitoral centrada na "Europa está connosco" e no defender Portugal do socialismo de miséria começaram as soluções injectadas pelos países que, segundo a última intervenção do Primeiro-Ministro, ainda hoje continuam apostados na democracia portuguesa, concedendo-nos empréstimos.
É evidente que apesar de tudo os empréstimos tiveram de ultrapassar a Europa, atingindo o FMI, que, apesar de interessado em ajudar a nossa democracia, vai impondo a sua política de tal forma que o Primeiro-Ministro considera o acordo com o FMI como uma espada de Dâmocles, isto apesar da simpatia das democracias cristãs e das sociais-democracias pelo II Governo Provisório e pelo seu ministério dos Negócios Estrangeiros desta feita depositado fielmente nas mãos da direita para facilitar toda a estratégia seguida.
As consequências de tão simpáticas ajudas estão à vista, apesar da homenagem feito pelo Primeiro-Ministro ao CDS peio facto de ter vencido dificuldades, cremos que transitórias, para salvar a democracia e a Constituição, dificuldades que avaliar pelo discurso também são do PS, que vai dar cumprimento às proféticas palavras do Sr. Deputado Amaro da Costa e enfiasse, finalmente, na bancada do CDS.
Estas dificuldades derivam da conciliação tentada, mas creio que impossível, entre uma marcha, ainda que de cágado, a caminho do socialismo e a recuperação de uma economia que uns quererão feita por punhos socialistas e outros com setas bem viradas para o capitalismo.
Razão terá portanto o Primeiro-Ministro ao advertir que de um lado estão os salários e do outro o desemprego. Se sobem os salários, sobe o desemprego.
É que a nossa burguesia, que continua incipiente e subalterna da grande burguesia internacional, sempre conseguiu a acumulação dos seus capitais à custa dos salários de miséria. Se estes subirem, o recurso será o desemprego maciço, pois fecharão as suas empresas, enquanto este Governo, displicentemente, fechará os olhos para não ver a proibição constitucional ao lock out.
Cremos que os trabalhadoras irão saber lutar contra este tipo de recuperação da economia capitalista. Os meamos trabalhadores que, outrora liderados pelo PS, lutaram pelo reconhecimento das comissões de trabalhadores e pela unidade sindical, os meamos trabalhadores, outrora PS, que na noite de 11 de Março vieram para a rua ao lado dos camaradas que, apesar de professarem algumas ideologias diferentes, como eles defenderam o País de um golpe contra>-revolucionário movido pelas forças que, ontem como hoje, são representadas nesta Casa petos Deputados do CDS.
Já sabemos que cada vez os riscos são maiores e é o próprio Primeiro-Ministro que vem mitigar o direito à greve e a manifestação pública, ao advertir que a

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agitação social e a contestação poderão degenerar na contestação do sintoma de democracia moralmente formal que nos querem impor.
É evidente que isto poderá não servir os desígnios políticos da política capitalista internacional, razão por que a advertência nos vem para não fazermos cócegas ao leão adormecido, que é a extrema-direita deste País, e que eu, acrescentarei que é o capitalismo internacional, representado em Portugal pela extrema-direita e nesta Casa do CDS. Os perigos da agitação social que o Sr. Primeiro-Ministro teme e com razão, porque no fundo do seu subconsciente a acha justa, são tão evidentes que até adverte que em tal clima o recurso a eleições seria prova de irresponsabilidade, não podendo ninguém garantir que tais eleições viessem a realizar-se.
Sr. Presidente e Srs. Decotados: Boa política foi desenvolvida pelo recém-promovido embaixador americano em Portugal, ao conseguir que no nosso país, com a passividade de alguns que se afirmam socialistas, esteja a ser destruída a própria via para o socialismo. Que diferente na forma mas quão igual no fundo foi esta luta, em Portugal, contra o avanço do socialismo no mundo e a praticada no Chile.
Justa recompensa foi o seguindo lugar ma pirâmide da CIA dado ao homem que, sem sangue e com sorrisos palacianos, soube tornar-se sua aliada a burguesia nacional, para meter à canga os trabalhadores portugueses.
Não teremos um 11 de Setembro, Srs. Deputados, mas as portas do nosso palácio de la Moneda já estão demolidas e lá dentro já se passeiam os que votaram contra a nossa «utópica» Constituição, que define a República Portuguesa como um Estado democrático, onde a organização política assegure a transição para o socialismo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O tempo escasseia. Gostava de abordar as questões agrícolas, por serem aquelas que, .por deformação profissional, sempre me tocaram mais.
Faço-o à laia de breves considerações, com perguntas implícitas que regimentalmente não pude fazer quando foi caso asso.
O Programa reconhece, enfim, e ao contrário de alguns jornais autoproclamados socialistas, que não foram os trabalhadores da Reforma Agrária os culpados de todo o atraso da agricultura portuguesa. Denuncia mesmo que a agricultura antes de 73 se caracterizava por «baixos» níveis die produtividade, actuando sob fortes condicionamentos fundiários e empresariais e com acentuado desguarnecimento de capital e tecnologia». Pergunto: como não seria de prever que neste quadro as estruturas nascidas da Reforma Agrária necessitariam de forte contingente de crédito?
Em vez de criticarmos o crédito agrícola concedido, deveríamos elogiar o esforço que conseguiu, num eficaz ano agrícola, capitalizar e repor algumas das verbas emuladas.
O Programa reconhece que os conflitos na zona da Reforma Agrária «decorrentes de um aproveitamento anti-social dos recursos conduziram rapidamente a fortes modificações nas relações de propriedade e da própria estrutura fundiária», sem contudo conseguir introduzir grandes melhorias tecnológicas e culturais. Reconhece também que existe uma «permanente incapacidade de resposta do sector à procura interina de produtos agro-alimentares; «não relacionando, contudo, este facto com o aumento de consumo interno que a melhoria da dieta das classes trabalhadoras, consequência da melhoria salarial permitiu, nem fazendo referência ao facto da população consumidora ter pós-25 de Abril em cerca de 10%
consequência do retomo militar das guerras coloniais e dos desalojados provenientes dos países descolonizados.

ergunto: como aceitar depois destes pressupostos que, calmamente, se pense em regulamentar e continuar a aplicar uma lei de Reforma Agrária que, lentamente, irá repor uma estrutura fundiária deficiente, que permitira a continuação de uma exploração tradicional com recurso sistemático à monocultura e cultura extensiva com baixíssima taxa de intensificação cultural?
Como aceitar que, ainda calmamente, se enuncie que se vai regulamentar e fazer aplicar uma lei do arrendamento rural que deixa o rendeiro numa situação de intranquilidade, que em nada propicia o investimento necessário aos guarnecimentos de tecnologia e capital, anteriormente citados.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Fique-nos ao menos, a esperança de que, no tocante à lei das bases gerais da Reforma Agrária, continuem as expropriações do tanto que ainda falta expropriar.
O Programa reconhece que o bloqueamento do progresso agrícola é a principal responsabilidade do sistema de crédito agrícola em que «os critérios para a concessão e garantias requeridas eram orientados preferencialmente para o proprietário e para os tipos de garantia que melhor pudessem assegurar a reposição de empréstimos em termos financeiros».
Pergunto: como se pode afirmar que se vai «orientar a concessão de crédito para o fomento da produção em empresas agrícolas e agro-industriais com viabilidade económica e que explorem os recursos naturais:» sem se temer que, com tal critério, se vá cair nos mesmos erros do passado, criticados anteriormente, favorecendo precisamente as empresas de cariz capitalista em que as necessidades financeiras são menores e as garantias maus sólidas?
Sem querer atacar o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas, mas criticando-lhe as suas palavras de ontem - que faziam prever um tratamento igualitário entre a agricultura do sector privado e do sector cooperativo -, direi que pelo menos, tal facto é inconstitucional se conjugarmos os artigos 61.º, 84.º e 100.º da nossa Constituição.
Apraz-nos registar que no ponto e) da rubrica 2.2.3.4. - «Apoios financeiros e técnicos às pescas» - se- diga que ele será feito às pequenas e médias empresas do sector, em especial nos campos do cooperativismo, associativismo e pesca artesanal. Talvez tal se deva ao facto die o Ministro ser mais erudito neste sector.
Relacionando com este ponto e depois da o Programa reconhecer que, «segundo o último recenseamento do IN (1968), 48 % dos empresários agrícolas eram analfabetos, 55 % só saibam ler e escrever, apenas l % possuía curso superior ou secundário e 45 % tinham mais de 55 anos», pergunto: como é admissível que se

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diga «ir privilegiar a concessão de crédito às empresas que detenham projectos az exploração capazes de assegurar o desenvolvimento correcto da respectiva actividade»? É evidente que só empresas do sector privado, de cariz capitalista, onde a cultura foi privilégio dos endinheirados de antes de 25 de Abril, podem apresentar tais projectos.
Porque o enunciado não será igual ao que lhe equivale no sector das pescas e que diz: «Fomento da pesca artesanal, estabelecendo um esquema de incentivos, designadamente: fornecimento de projectos e facilitação de crédito»?
Estão bem os pescadores. A hora é da reforma pesqueira.
No sector do ensino e relacionado com a agricultura, depois de todos os pressupostos anteriores, é inadmissível que nenhuma referência se faça à introdução das organizações nascidas da Reforma Agrária (cooperativas e UCP's) no apoio a fazer «para fins de educação de adultos e de desenvolvimento cultural», desconhecendo-se até algumas tentativas extraordinárias que têm sido desenvolvidas, sem qualquer apoio estatal, neste sentido.
O mesmo se pode referir quando se fala ma formação profissional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai faltando o tempo... Queria ainda referir que acho incorrecto e inadmissível o tratamento dado ao sector da propriedade social, designadamente o cooperativo, onde só são avançadas recomendações e propósitos, com desprezo absoluto por qualquer análise e mais profunda.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD)-- Muito bem!

O Orador: - É sintomática a diferença de tratamento que sofreu, no capítulo imediatamente anterior, o sector privado, numa rubrica designada por «Estímulo ao sector privado».
Não poderei gastar mais tempo, mas termino dizendo que é evidente que o II Governo Constitucional pretende adiar sine die a marcha para o socialismo.
Nestas condições e apesar de poder ser incluído peio Sr. Primeiro-Ministro no número dos utópicos que continuam a pensar que apesar da correlação de forças e conjuntura internacional poderíamos e deveríamos avançar para o socialismo democrático, parafraseando um camarada meu, direi: rejeito o Programa do Governo, apresentado pelo secretário-geral do Partido Socialista, porque continuo a ser socialista.
Tenho dito.

O Sr. Herculano Pires (PS): -E disse mal!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros para uma intervenção.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP)- - Sr Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Umas curtas palavras, porque o tempo não me permite mais, para me referir à importante questão dos direitos, liberdades- e garantias dos cidadãos. Esta é uma das matérias mais ricas e mais profundas da nossa Constituição, que dá satisfação a algumas das mais prementes aspirações do nosso povo.
No entanto, da leitura do Programa do Governo resulta um conjunto de intenções alarmantes:

1 - A criação de um serviço de pesquisa de informações (SIR).
2 - A constituição de um órgão coordenador da actividade de prevenção criminal.
3 - A elaboração de ficheiros informáticos sobre cada cidadão.
4 - Incrementação da constituição de empresas privadas de segurança.

Analisemos rapidamente cada um destes pontos, para que os trabalhadores fiquem esclarecidos das reais ameaças que eles encerram.
A criação do Serviço de Informação da República tem sido motivo de alarme e protesto por parte de muitos democratas, nomeadamente pela Associação de Ex-Presos Políticos Antifascistas e pelo Tribunal Cívico Humberto Delgado. Que serviço de informação é esse? É sabido que em vários países da Europa as polícias políticas começaram de uma forma muito idêntica. Primeiramente, como simples serviços de informações, sujeitos aos mais variados controles. Pouco a pouco vieram a adquirir um tal poder, que acabaram por se tornar um Estado dentro do Estado. Tais máquinas, uma vez em movimento, tornaram-se imparáveis e, logicamente, estiveram comprometidas com a própria ascensão do fascismo na Europa.
A profunda preocupação dos democratas pelo surgimento de serviços de informação é logicamente agravada pela presença do CDS no Governo Quem faz parte desses serviços? E quais os critérios que vão ser utilizados? Como vão ser montados e qual a sua estrutura? Em que domínios irá actuar?
As respostas a tais perguntas impõem-se, tanto mais que o Ministro Almeida Santos, cada vez que se refere ao assunto, diz que tal serviço não tem nenhuma das funções que os democratas receiam, acabando por não dizer, afinal, quais são as suas reais funções. É que se não tem funções nenhumas, então não é preciso criá-lo.

Risos do PSD.

E se tem, então o Governo ao nomeá-lo no Programa do Governo devia dizer quais são elas e como é que tal serviço pode defender a democracia.
O silêncio do Governo em matéria desta gravidade, a triste experiência dos povos de diversos países em tal assunto, só pode levar-mos a alertar os democratas, a alertar os trabalhadores, que se impõe dobrar a vigilância e levantar um amplo movimento de repúdio, de forma a impedir que um dia não acordemos em Portugal com uma nova polícia política montada que esmague as liberdades e que prenda os antifascistas
Ainda o SIR não está montado, nem se sabe muito bem o que é, e já se prevê a sua inclusão num órgão coordenador da actividade de prevenção criminal, orgão esse de composição muito semelhante ao do tristemente célebre Conselho Superior de Segurança Pública, do tempo de Marcelo Caetano.
Mas os motivos de profunda preocupação e alarme ainda se adensam ma s se tivermos em conta que se prevê a elaboração de uns denominados ficheiros informáticos sobre cada cidadão. Se cada cidadão vai f car com um ficheiro pessoal que acompanhará a sua vida, desde que nasce até que morre, qual a dife-

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rencia entre isso e o número nacional único que é expressamente proibido pela Constituição no n.º 3 do artigo 35? Ou não será isso o retomar, com novas vestes, do projecto marcelista do número nacional único, que na altura não conseguiu ir para a frente porque foi paralisado pela repulsa que então suscitou entre os democratas.
É claro que não nos descansa nada a demagogia de que tais ficheiros sejam necessários devido à projectada criação do imposto nacional único.
E já agora convém recordar que os ficheiros dos antifascistas feitos pela PIDE ainda não foram destruídos, conforme tem sido exigido pelo povo e por todos os democratas.
Finalmente, não pode passar sem o nosso veemente protesto o facto de o Programa prever a criação de milícias privadas. Aqueles que sempre historicamente protestaram contra as afirmações de alguns oficiais democratas, quando afirmaram que armariam o povo para defender a democracia, preparam-se agora para dar aos capitalistas a possibilidade de criarem as suas próprias quadrilhas de jagunços...

Risos.

... para reprimirem nas suas fábricas e nas suas herdades.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Principalmente alarmista esquerdistas ...

O Orador: - Entes aspectos que, aqui focamos vêm demonstrar que a UDP não tem sido alarmista quando varas vezes tem alertado os trabalhadores para os ataques que se preparam as conquistas do 25 de Abril.
Estamos convencidos de que os democratas não deixarão de se bater contra todas essas tentativas reaccionárias. Pela nossa parte, tudo faremos para que a ofensiva da direita encontre pela frente a resistência decidida daqueles que trabalham, que lutam, que sofrem e que barrarão o caminho à política reaccionária deste Governo, mantendo bem alto as bandeiras de Abril.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Acácio Barreiros fez uma alusão ao registo mecanográfico dos cidadãos, permitindo-se fazer uma dissertação em relação ao número nacional único, que é proibido na Constituição. Queria, antes de mais, saber se o Sr. Deputado tem conhecimentos de cultura geral sobre o assunto, porque se não tiver não vale a pena fazer-lhe a pergunta. Mas, partindo do princípio que tem, Sr. Deputado, o que pensa da actualização da informática? Acha que a utilização da informática, para este tipo de trabalho como para outro qualquer, tem sempre de ser conotada com filosofias marcelistas? Caso contrário não podemos perceber como é que quase todos os países do Mundo - pelo menos os razoavelmente desenvolvidos- se acham na necessidade de utilizar esses serviços e é de perguntar que quantidade de pessoal é que o Sr. Deputado prevê para lazer a manipulação de todos esses dados?
Queria ainda perguntar ao Sr. Deputado, por outro lado, se não acha que .podem existir esses mesmos registos e, por outro lado, ser criado aquilo que já na Assembleia Constituinte foi aflorado e que deverá vir a ser criado, ou seja, um serviço que assegure aos cidadãos o contrôle de tudo o que a seu respeito conste em registos mecanográficos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Almeida Santos.

O Sr. Ministro Almeida Santos: - Sr. Presidente, queria fazer um protesto, sem querer interromper o clima de grande tolerância que normalmente rodeia as intervenções do Sr. Deputado Acácio Barreiros.

Risos.

Queria dizer que o Sr. Deputado esteve a dar novidades a si próprio, que o Programa do Governo lhe não dá, em matéria de direitos, liberdades e garantias e que não vale a pena recear que o Governo venha a fazer o que só esta Assembleia deve e pode fazer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros para responder.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer à Sr.» Deputada que se o seu partido tivesse dado à UDP tanto tempo como o que' ele dispõe para este debate -deu-nos uma hora e trinta minutos e o seu partido tem quatro horas-, ter a imenso gosto em lhe dar uma ideia dos meus conhecimentos sobre o assunto.
Mas, muito rapidamente, quero dizer-lhe que o que penso sobre a informática é precisamente o que está no artigo 35.º da Constituição, que diz no seu n.º 2 que «A informática não pode ser usada para tratamento de dados referentes a convicções políticas, fé religiosa ou vida privada, salvo quando se trate do processamento de dados não identificáveis para fins estatísticos».
Fiz perguntas que não estão respondidas no Programa do Governo, onde se diz que será respeitado o espírito dos artigos 33.º e 35.º da Constituição. A Sr.ª Deputada, se me dá licença, não levará a mal que da minha parte haja muitas desconfianças pelo facto de vir agora falar-se da informática, com o CDS no Governo, dizendo-se contudo que vão respeitar-se estes artigos...

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Peço desculpa, mas tenho apenas trinta minutos até ao fim do debate...

O Sr. Malhó da Fonseca (CDS): - E já é demais, para dizer tanta asneira ...

O Orador: -.. E o seu partido tem quase duas horas.
Com o CDS no Governo tenho muitas e sérias dúvidas que isto venha a ser respeitado.

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Quanto ao Sr. Ministro Almeida Santos, penso que fez apenas um protesto. Espero que o Sr. Ministro Almeida Santos, numa próxima intervenção, esclareça de uma vez o que pensa, concretamente, sobre o que devem ser as funções do Serviço de Informação da República.
E parece-nos que não se deveria sentir indignado ou ofendido pelo facto de os democratas, que durante tantos e tantos anos sofreram a perseguição de uma polícia política, saberem - como o Sr. Ministro também sabe - que noutros países da Europa se criaram serviços de informação que depois evoluíram para polícias políticas.
Penso que o Governo já devia ter tido a atenção de responder, concretamente, quanto às suas reais intenções neste campo e quais as funções desse Serviço de Informação da República.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Peço a palavra Sr. Presidente, para um breve protesto em relação às palavras do Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS). - O Sr. Deputado diz que com o CDS agora no Governo, tem muito mais medo da informática.
Eu só quero protestar, porque não me consta que o CDS tenha o monopólio dos melhores técnicos de informática.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Mas tem alguns que nos preocupam muito!

Risos.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Como estamos próximo do intervalo, o Sr. Deputado gostaria de começar já a sua intervenção ou ficaria para depois do intervalo?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, se os Srs. Deputados aguentassem um pouco o seu café, e se o Sr. Deputado Acácio Barreiros não levar isto à conta de demasiado exercício de computador, eu preferia falar agora.

O Sr. Presidente: - Então, faz favor.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo não exagerar se disser que o CDS faz falta na oposição.
Com todo o respeito que tenho pelos meus ilustres colegas, sinto concluir que o presente debate sobre o Programa do Governo está longe de ter a frescura, a vivacidade e a acutilância que caracterizaram as nossas discussões quando aqui se apresentou, para investidura, o I Governo Constitucional.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Vai mal!

O Orador: - A riqueza dos debates parlamentares depende muito dos partidos da oposição. São eles que tem obrigação de lançar as críticas, de propor pistas novas e de elaborar alternativas. São eles que devem procurar pôr o Governo em dificuldades, estimulá-lo, obrigá-lo a um esforço de resposta e de compromisso.
Assim não tem acontecido.
Ora, em termos partidários, o que distingue a situação actual da verificada em Agosto de 1976 é o facto do CDS ter deixado as bancadas da oposição para se comprometer no apoio ao II Governo.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD):- E bastante comprometido ficou ...

O Orador: - É, pois, lógico adquirir que a diferença está, quanto à qualidade do debate por parte da oposição, na ausência do CDS.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Interessa, no plano político, aprofundar este problema, respondendo, ainda que brevemente, a duas importantes questões:
Porque é que o PCP e o PSD adoptaram um estilo «baço» neste debate?

O Sr. Fernando Pinto ((PSD): - Olhe que não, Sr. Deputado!

O Orador: - Como é que o CDS se comportaria se estivesse na oposição?
Penso que a razão pela qual os partidos da oposição não têm sido capazes, até agora, de assumir uma linha política sólida, resulta do facto de estarem desnorteados.

Risos.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Quando Diogo Freitas do Amaral declarou aqui que a oposição minoritária se devia assumir como tal, houve quem não compreendesse. Tem fácil explicação esta dificuldade. Por um motivo ou por outro, o PCP e o PSD estão mais interessados em demonstrar a pretensa fragilidade, incoerência ou caducidade da actual fórmula governativa do que em apresentar um estrio específico de oposição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Amândio de Azevedo {PSD): - Estamos na oposição para salvar o País.

O Orador: - Ao PCP e ao PSD, aparentemente, apenas interessa que este Governo dure tão pouco tempo quanto possível O seu desejo seria derrubá-lo já.

Uma voz do PSD: - É evidente: amanhã!

O Orador - O PCP, pelo seu lado, não consegue engolir a profunda derrota que, em grande parte por culpa sua, acabou por sofrer na sua táctica.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Votou contra o I Governo e contribuiu para a sua queda. Negociou com o PS e não conseguiu estabelecer com ele uma plataforma.

O Sr. Jorge Leite (PCP): -Onde é que eu já ouvi isso!

O Orador:- Isolou-se assim do PS, duas vezes, talvez pensando que contribuiria desse modo para a realização de eleições gerais antecipadas - e falhou. Isto é: os objectivos definidos pelo seu Comité Central em Julho passado foram clamorosamente frustrados.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - O PCP tentou toda a sorte de malabarismo para o evitar. Recomendou aos seus militantes o dialogo com amigos e inimigos e aceitou negociar com o PS, sabendo que o PS negociava, à sua direita, um acordo de Governo, do qual ele, PCP, não participaria. Nas páginas de o diário, registavam-se, num dia, declarações de um Deputado do CDS para, pouco depois, as suas colunas arquivarem farisaicos protestos contra o facto de a mesma personalidade ser agora o Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ontem o CDS era, com o PSD, a direita reaccionária. Hoje, para o PCP, o PSD não é englobado em nenhuma categoria e o CDS passou a ser a «extrema-direita legal».

Risos do CDS e PS.

Temos de concordar que é manifesta a volubilidade táctica do PCP. Depois dela não é possível ao partido outra solução que não seja a de agredir o II Governo com toda a carga de vozearia demagógica possível e imaginária. Sem rumo, sem direcção e, afinal, sem alvo efectivo. O PCP falhou na política de alianças e falhou na identificação do inimigo principal. Para um partido leninista não é pequeno o erro!

O Sr. Severiano Falcão (PCP): - Ah! Ah! ...

O Orador: - Mais simples são os motivos que explicam a táctica pouco consequente do PSD neste debate. Seria deselegante da minha parte aprofundá-los todos, aqui, dada a natureza subjectiva de alguns deles.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - É mais fácil por interposta pessoa.

O Orador: - Lembrar-me-ei, por asso, a dizer que o PSD está apostado em demonstrar que o Governo cairá inevitavelmente, porque o PSD dele não participa.

Uma voz do PSD: - Bruxo! Risos.

O Orador: - Com o PSD o Governo seria maioritário, estável e coerente; sem o PSD, o Governo nem é maioritário, nem será estável, nem oferece coerência. É esta uma alquimia política de difícil prova, mas reproduzo-a tal como a vejo e os factos a apresentam.
O CDS sempre defendeu - e muito antes do PSD - um governo de base maioritária coincidente com a dos partidos que apoiaram a candidatura presidencial.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - E com que convicção!

O Orador:- Foi a nossa tese desde Maio/Junho de 1976. Nessa altura, porém, o PSD comportava-se nesta Câmara e fora dela como um partido situacionista, exterior ao Governo, mas sentindo-se próximo dele, vendo-o com esperança, desejando-lhe muitos sucessos e recusando qualquer intenção de apressadamente o derrubar.

Risos do PSD.

Ainda em Outubro de 1977 o pressuposto dessa linha - um Governo PS/PSD - encontrava eco, pela voz de alguns dirigentes do PSD, designadamente do seu presidente de então.
O erro de cálculo e a ausência de suficiente linearidade táctica do PSD fizeram com que as coisas seguissem outro rumo. E aqui estamos, neste debate, com um PCP à busca de uma linha e com o PSD à procura de um estilo.

Risos do CDS e PS.

Se o CDS fosse oposição a um governo maioritário como se comportaria? - esta é a segunda pergunta a que importe responder.
Não pretendo, naturalmente, dar lições ou, muito menos, facilitar a vida aos meus colegas das bancadas oposicionistas. Gostaria, no entanto, de expor com franqueza a linha que o CDS provavelmente seguiria se não fosse, como é, partido de apoio ao Governo.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Vai ser agora a sociedade sem classe!

O Orador: - O CDS admitiria, decerto, que um Governo dia base interpartidária, formado sem a sua participação, poderia não durar até às próximas eleições legislativas ordinárias. Era uma hipótese a considerar. Dá-la, porém, como assente, à partida, seria um erro em que o CDS não cairia. Primeiro, porque o povo português não aceitaria como responsável uma tal atitude. Segundo, porque em política é melhor contar com as próprias forças do que com a eventual debilidade do adversário.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Terceiro, porque após uma crise governamental complexa de dois meses, seria mau para o País admitir como certa a possibilidade de uma nova e imediata crise.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador. - Julgo por isso que me é permitido, entre parêntesis, dizer que todos aqueles que, com responsabilidades públicas, insistem no «desencanto»

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com que, segundo eles, teria sido recebida pelo País a actual solução governamental, cometem um acto leviano que a maioria dos portugueses certamente não compreende.
O CDS assentaria, pois, a sua táctica de ataque a um governo de base maioritária no pressuposto de que o II Governo duraria até 1980...

Uma voz do PSD: - Não dura, não!

O Orador: - ... congratulando-se, no entanto, peio facto de o País dispor finalmente de um Governo maioritário. E viria a esta Assembleia debater o Programa de Governo dizendo que era sua intenção lutar, desse momento até lá, pela correcção dos defeitos que tivesse detectado no Programa, e contra as insuficiências reveladas pela equipa governamental. Apresentaria as linhas gerais da sua alternativa e estaria em condições particularmente felizes de o fazer a partir, designadamente, das suas próprias propostas de grandes opções de planeamento a médio prazo. Referiria os temas a que atribuiria prioridade e focaria, claramente, os aspectos nos quais iria insistir com mais frequência.
Era isso que o CDS faria. É isso que o PCP e o PSD, muito embora em graus diversos, não são capazes de fazer.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ou, a partir de agora, talvez ainda o venham a fazer, beneficiando a sugestão que aqui lhes deixamos.

Risos.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Que vaidoso!

O Orador: - Se assim acontecesse, credo que haveria motivo de júbilo para todos os que estamos interessados no maior prestígio das instituições democráticas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o CDS não está naturalmente na oposição ao II Governo Constitucional e confia no seu sucesso. São, porém, numerosos - mas menos do que julgam ou pretendam fazer crer- aqueles que lhe auguram um destino trágico a curto prazo.
Podem agrupar-se em três conjuntos, os motivos invocados por esses profetas de mau augúrio, à direita e à esquerda do Governo. A sua argumentação radica, na verdade, em razões ideológicas, em razões sociais e em razões políticas.
Comecemos pelas primeiras. Dizem uns que este Governo só é possível porque o PS abdicou do socialismo, e dizem outros, em quadrante oposto, que o Governo é fruto das cedências do CDS no seu projecto democrata cristão.

Uma voz do PSD: - Aí está o «crime do padre Amaro»...

O Orador: - Projectos alternativos - afirmam ambos - não podem acasalar-se: vai contra a natureza das coisas, é contranatura que assim aconteça.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Já o dizia o Deputado Carlos Candal!

O Orador: - Mas haverá possibilidade de em democracia representativa se formarem governos maioritários se nenhum partido tem a maioria, por si só, que não seja à custa da conjugação temporária de projectos alternativos? Ou será que há quem pense que o PCP ou o PSD não são partidos de doutrinas igualmente alternativas das restantes? Um Governo de base PS/PSD seda contranatura? Um Governo PSD/CDS seria contranatura?

Vozes do PSD: - Ai, era. era!

Vozes do CDS: - Aí, é?

O Orador: - O nosso sistema político baseia-se na democracia. O Estado português é um Estado de Direito democrático. Se o povo português quisesse que o Governo veiculasse, exclusivamente, um projecto de socialismo democrático teria atribuído ao PS mais de 50% de votos. Se o povo português desejasse que o Governo levasse a cabo uma política basicamente democrata-cristã, teria dado ao CDS o mandato maioritário para tanto. Se o povo português pretendesse que a democracia evoluísse para a ditadura do proletariado, teria confiado ao PCP ou à UDP os votos necessários.
Assim não aconteceu, As alianças de Governo são pois imprescindíveis. E nenhum partido da oposição pode criticar, por si só, o que se verifica agora porque sempre ou quase sempre criticaram a circunstância de o I Governo ser minoritário.

Vozes do PSD: - É evidente!

O Orador: - Argumentam alguns, no entanto, que a Constituição aponta ao socialismo. Vale a pena olhar também este ângulo do problema.
Imaginemos que o CDS, em Abril de 1976, tinha-se classificado como primeiro partido nacional, com mais de metade dos votos expressos. Poderia ou não formar Governo? Esse Governo seria socialista ou pró-socialista? Naturalmente que não. E, no entanto, a Constituição obrigaria, designadamente, a que se aceitasse um Governo monocolor CDS. A menos que se fizessem leituras antidemocráticas dó texto constitucional e prevalecesse o entendimento de que o socialismo é um sistema político em si mesmo e que a democracia é dele um apêndice, a usar conforme as conveniências.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a Constituição não define em nenhum dos seus antigos os limites do socialismo, a natureza ideológica do mesmo ou o ritmo da sua construção.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O PSD, que se diz adepto do socialismo humanista e personalista, não terá certamente a mesma filosofia socialista de que se reclama a UDP. E ambos votaram o projecto final da Constituição. O termo «socialismo» é seguramente um dos mais equívocos da nossa lei fundamental. A leitura que o PS faz do socialismo está longe de coincidir com a

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do PCP. E dentro do PSD parece haver ainda os entendimentos urbano e rural, ou social-liberal e socializante, ou Helmut Schmidt e Willy Brandt.

Risos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -Seria rigoroso e correcto, perante este quadro, esgrimir como argumento a questão do «rumo» ao socialismo»?
Enfim, caberia também referir que os socialistas democratas e os democratas-cristãos tem importantes valores em comum.
Pelo nosso lado, temos nós, personalizas de inspiração cristã, uma visão dinâmica da história, uma visão de progresso e de construção. Não porque acreditemos em visões mecanicistas ou materialistas sobre o devir histórico. Mas porque temos a certeza sobre o triunfo final dia justiça; porque nos apodamos na crença de que a sociedade humana pode ser aperfeiçoada pela obra do homem; porque, enfim, não temos dúvidas sobre a superioridade moral da democracia e da liberdade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos convencidos de que o progresso da liberdade e da democracia pode ser, empenhadamente, construído por nossas mãos; a luta contra a exploração e a opressão do homem pelo homem ou do homem pelo Estado é possível e necessária e será vitoriosa: a solidariedade internacional em favor da paz, do desenvolvimento, da justiça e dos direitos humanos está ao nosso alcance.
Será que nestes valores não se reconhecem, total ou parcialmente, os socialistas democráticos?
Divergimos, naturalmente, quanto a outros aspectos doutrinários e não partilhamos os mesmos instrumentos de análise teórica. As nossas concepções sobre o modo de construir uma sociedade mais justa, mais humana e mais solidária não são naturalmente as mesmas. Os nossos projectos autónomos de Governo são efectivamente distintos.
Mas estamos, uns e outros, convencidos dt que Portugal precisa de se consolidar na democracia e de se integrar na Europa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Que melhor serviço poderiam os socialistas e democratas-cristãos prestar ao nosso país do que darem-se mãos, ainda que temporariamente, para, no plano interno, reerguer o Estado, cimentar o progresso, alargar a justiça, aumentar a democracia e, no plano externo, reduzir ao máximo os escolhos da nossa caminhada europeia, potenciar as solidariedades, abrir largamente as portas à nossa participação plena nessa aventura grandiosa que é a unidade da Europa?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Unidade da Europa que é hoje - estou em crê-lo- uma verdadeira componente paraideológica de todas as famílias democráticas do velho continente, de tal forma socialistas e democratas-cristãos se disputam o primado das iniciativas e dias acções tendentes à sua própria construção.
Enfim, nesta breve contra-argumentação sobre matéria ideológica ou com ela relacionada, vale a pena incluir uma palavra sobre algumas declarações despropositadas do PCP. Para a sempre surpreendida direcção deste partido, o CDS alcunha-se ou é alcunhado agora de «democrata-cristão». Por isso, dentro e fora desta Assembleia, o PCP vem-se desdobrando, sobretudo através do Sr. Deputado Octávio Pato, em mensagens aos democratas e aos cristãos. E de tal forma que o semanário oficial do PCP parece tender a consumir mais espaço nas alocuções do Sr. Deputado do que nas do próprio secretário-geral do partido.
É curioso verificar, a este propósito, que o CDS, sendo democrata-cristão, nunca dirigiu qualquer apelo específico aos cristãos portugueses e que o PCP, sendo adepto, pelo menos teórico, da militância aceísta, surja agora muito empenhado em levar a sua «boa--nova» aos cristãos!

Risos.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Já não é de agora, Sr. Deputado...

O Orador: - Ora a verdade é que o CDS requereu a sua admissão na União Europeia das Democracias Cristãs - dois meses depois da sua fundação, em Outubro de 1974, ou seja, na mesma altura em que o então PPD requereu a sua filiação na Internacional Socialista.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Está enganado, Sr. Deputado!

O Orador: - Em Junho de 1975, a Comissão Política da UEDS integrava o CDS como membro do pleno direito, embora desde o mês de Novembro anterior o partido beneficiasse de um estatuto de cooperação com aquele organismo internacional.
Não é, pois, de agora a afirmação externa e interna do CDS como partido democrata-cristão. E se não adoptámos, na sigla partidária, esta denominação, tal ficou a dever-se, entre outras razões, ao facto de não desejarmos ir pela via da facilidade na atracção do voto popular e à circunstância de reconhecermos que os católicos não têm qualquer obrigação de se filiarem num único partido.

Vozes do CDS e PS: - Muito bem!

O Orador: - Este nosso ponto de vista encontrou resposta concordante em diligência que, por meio de amigo que hoje mulita noutro partido, entendemos efectuar junto da Hierarquia Católica em Maio/Junho de 1974.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - O Partido Conservador Britânico, por exemplo.

O Orador: - Mas se é verdade que muitos cristãos militam, em Portugal e legitimamente, noutros partidos políticos, isso não impede de nos reconhecermos culturalmente integrados na família política, que por todo o mundo, reivindica a visão cristã da História e da Sociedade como pressuposto doutrinário da cons-

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trução democrática e do enpenhamento social. Daí que dos estatutos do CDS conste a vinculação expressa do partido ao humanismo personalista de raiz cristão. Em abono da informação, aqui fica o esclarecimento, em particular para V. Ex.ª, Sr. Deputado, Octávio Pato.

Risos

Outros adversários do Governo criticam, entretanto, a presente fórmula, com base em razões sociais.
Alegam eles que o II Governo contará, porventura, com uma base parlamentar aritmeticamente maioritária, mas que a sua base social de apoio é restrita e insuficiente.
A este tipo de argumento já respondeu, com a sue especial autoridade, o Sr. Presidente da República, ao denunciar «partidos e forças políticas que pretendem estabelecer uma diferença entre apoio social e apoio parlamentar, arrogando-se uma representatividade que excede a sua expressão na Assembleia da República».
Num Estado democrático só há um critério para julgar da base de apoio ao Governo: a massa dos eleitores que votaram nos partidos que sustentem, no Parlamento, esse Governo.
Decerto, o esforço que se exige ao Pais, neste momento, é de tal forma intenso e prolongado que resulta de toda a conveniência e utilidade associar intimamente o Governo e as forças sociais no empenhamento nacional.
Mas o que se espera das forças sociais não é o juízo apriotístico sobre a bondade ou maldade da fórmula e composição do Governo. Numa sociedade livre, o Governo é sempre gestor de interesses conflituais. Deve, por isso, esperar-se das forcas sociais que julguem a política que o Governo se propõe executar ou que vá executando, mas não que sobre ele adoptem posições que aos partidos políticos compete, por definição, assumir.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Decerto, não se ignora que há partidos com maior número de militantes comprometidos na activação do movimento sindical do que outros.
Poderão, nalguns casos, esse militantes ser estimulados à criação de um clima generalizado de instabilidade social, por razões vincadamente político-partidárias. Quando, por exemplo, em momento de maior fogosidade, um editorialista do Avante deixou escapar um apelo aos democratas e aos trabalhadores para que impedissem o «tenebroso» passo que seria a constituição de um «Governo PS/CDS», estava-se na fronteira do convite insurreccional. Essa linha foi, depois, corrigida em declarações do secretário-geral do PCP à televisão. Não obstante este «golpe de rins» - mais um, aliás, dos muitos que a direcção do PCP deu nos últimos tempos-, o certo é que a tentação «esquerdista» transpira volte mera volta do aparelho do partido.
Os trabalhadores sabem, no entanto, quais seriam as consequências prováveis de um clima generalizado de instabilidade social no nosso país.
A instabilidade social generalizada significa: aumento de desemprego; redução do investimento e da produção; maior alta do custo de vida; rarefacção dos
circuitos de distribuição; rupturas no sistema de abastecimentos; promoção da especulação e do açambarcamento; florescimento do mercado negro. Em resumo, significaria miséria, insegurança e grave deterioração do tecido social.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos todos quais poderiam ser os custos políticos de um tal estado de coisas. Ele só poderia ser favorável ao projecto de longo prazo do PCP se as forças armadas estivessem permeabilizadas ao enquadramento partidário. Não é essa, porém, a situação actual.
Por isso, e a menos que se verifique a vitória de uma linha suicida no interior da direcção do PCP, esse caminho não parece fácil de prosseguir.
E mesmo que a direcção do PCP por ele optasse, mesmo que muitos aparelhos sindicais a ele aderissem, seriam os próprios trabalhadores que compreenderiam a loucura de um tal caminho.
Claro que toda esta reflexão aponta a um problema de fundo que o PCP continua sem resolver: é que enquanto condenar a democracia a que chama «burguesa», só lhe ficam duas vias claras de trabalho político - ou o estímulo da instabilidade extra parlamentar ou a automarginalização.
De tudo isto resulta que a atitude de abertura dos trabalhadores portugueses em relação ao Governo será mais ditada pela eficácia, pela capacidade de resolução dos problemas de que ele der mostras, do que por qualquer outro motivo.
Também nós pensamos que, tal como afirmou o general Ramalho Eanes, «numa economia incapaz de gerar o seu próprio crescimento não é realista pensar que poderão alargar-se os benefícios e regalias sociais. Só a construção de uma economia mais sólida garantirá melhores condições de vida, sem risco de ampliar o desemprego. E os trabalhadores aceitarão mesmo renunciar a expectativas legítimas em favor dos pensionistas e reformados, dos trabalhadores agrícolas e de outros sectores esquecidos da população. Têm, porém, o direito de exigir que o esforço financeiro do País nos sectores da educação, da saúde, dia habitação, dos transportes, das prestações sociais da Previdência seja bem administrado e funcione a tempo e horas. Nem sequer se trata de querer mais - tratar-se de querer melhor».

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Entretanto, outras categorias e forças sociais existem no nosso país.
As classes médias, em geral, e os quadros técnicos, em particular, não podem ser menosprezadas. Julgo que tanto aquelas como estes têm motivos para ter esperança neste Governo. As classes médias tradicionais continuam à espera de que até elas chegue o bafo generoso da melhoria de qualidade de vida. Quando leio notícias que indicam despesas de pessoal da ordem dos 240 contos por ano por trabalhador, numa grande empresa industrial que acaba de realizar uma curta greve, não posso deixar de recordar o princípio inscrito no Programa do Governo da melhoria da repartição funcional e pessoal de rendimento.

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O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

Vozes do CDS: - Muito bem.

O Orador: - As associações empresariais, entretanto, tanto quanto as associações sindicais, sabem que encontrarão no Governo uma grande disponibilidade para o diálogo e para a concertação.
O facto de o Programa do Governo insistir, em tantas passagens, na adopção de uma via contratualista com as empresas é um sinal dio empenhamento do Executivo na viabilização da economia portuguesa, em termos claros, transparentes e merecedores de confiança. E é bom sublinhar que este sistema contratualista, aplicado ao desenvolvimento, se encontra ensaiado noutros países, nomeadamente e com grande sucesso no Japão, representando uma forma segura de se alcançarem os objectivos prioritários incluídos no Plano.
Neste quadro, não penso que o II Governo vá encontrar, no piano social, as dificuldades que, artificialmente, os seus adversários insinuam. Os trabalhadores portugueses são patriotas e democratas e querem salvar a Pátria e a democracia.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Resta, por fim, analisar algumas razões especificamente políticas invocadas por alguns paira profetizar a caducidade de Governo.
Curiosamente foram poucos os críticos que até agora surgiram, quer no Parlamento quer fora dele, em relação ao texto do acordo político firmado entre o PS e o CDS e aos seus dois anexos de carácter económico.
Condensa-se nesses documentos, o essencial das linhas gerais de orientação do Governo. O facto de terem merecido tão pouca análise ou crítica, apenas poderá significar que, por aí, não houve motivos para assacar ao Governo uma base incoerente ou lhe profetizar o fim imediato.
Na verdade, que há nesses textos que contradiga princípios essenciais do PS ou do CDS? Que há nesses textos de contraditório ou ambíguo?
E nem se diga que eles nada têm a ver com o Programa do Governo. Este é, designadamente nos domínios essenciais da economia, das finanças e do plano, um desenvolvimento rigoroso, pormenorizado e de grande qualidade das linhas mestras acordadas entre os dois partidos para a superação da crise financeira e para a revitalização da economia num quadro de horizonte temporal que importa sublinhar que é o de 1984.
Não podendo ou não tendo querido basear os seus motivos de queixa em documentos programáticos, os adversários do Governo foram à procura de questões laterais, irrelevantes ou formais para fundamentar o seu zelo oposicionista.
A «fulanização» do Governo e a caracterização ou descaracterização apriorística das pessoas que o compõem ou dos dirigentes dos partidos signatários do acordo PS/CDS têm sido, deste modo, um dos motivos políticos invocados.
Em Portugal, sempre foi assim: quando não há razões de fundo ou incapacidade para os descobrir, vai-se para os ataques pessoais. As hostilidades contra o II Governo começaram, justamente, nesta Casa, pela voz do Deputado Veiga de Oliveira com uma intervenção feita a propósito die uma pretensa questão em torno da Presidência da Assembleia da República.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito obrigado!

O Orador: - O CDS sempre recusou este método.

Vozes do PSD: - Viu-se, viu-se!

O Sr. Olívio França (PSD): - Arranje outro caminho, Sr. Deputado!

O Orador: - Srs. Deputados, podem estar um pouco mais serenos. A vossa capacidade oposicionista não se deve traduzir em tanto nervosismo.

Pausa.

Bom. Já estão calmos?

Vozes do PSD: - Estamos nervosíssimos ...

O Sr. Marques Mendes (PSD): - O CDS é que talvez não esteja!

Risos.

O Sr. Olívio França (PSD): - Beba água, beba água...

O Orador: - E porque agora vou-me dedicar aos Srs. Deputados e a voz tem de sair clara para que não haja dúvidas de compreensão.
Diogo Freitas do Amaral, no debate sobre a moção de confiança, teve ocasião de salientar que o juízo do CDS sobre o I Governo Constitucional não era um juízo sobre pessoas nem sobre a sua competência como governantes, mas um juízo sobre a fórmula governamental e sobre aspectos importantes da política desenvolvida.
Vale a pena, aliás, a este propósito, voltar a referir o Sr. Presidente da República. Disse, recentemente, o general Ramalho Eanes acerca da solução governamental agora encontrada: «Importa ainda referir quanto a solução política adoptada representa na aproximação entre os Portugueses e uma solidariedade que os deve animar para superação dos problemas nacionais. Aproximação e solidariedade que afastaram da nossa vida política as irredutibilidades baseadas em preconceitos e atendem prioritariamente ao comportamento democrático».
Outra ordem de razões tem a ver com o ordenamento jurídico aprovado na anterior sessão legislativa da Assembleia da República. Pergunta um Sr. Deputado do PSD: «Como pode desenvolver-se uma política aceitável para o CDS que à partida viola frontalmente as suas próprias convicções & promessas eleitorais?»
Quem formula a questão terá, decerto, concepções originais sobre o que é o Governo em democracia. Porque a conclusão que se tira é só esta: um partido só pode participar do Governo quando tiver a possibilidade de revogar ou emendar integralmente todas as leis previamente aprovadas e das quais discordou no momento da sua votação.

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O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Que exagero!

O Orador: - Em rigor, e por absurdo, o CDS jamais poderia participar de um Governo em Portugal, porque votou, justamente, contra o projecto da lei constitucional.
Deverei concluir que no entendimento do Sr. Deputado e dos que pensam como ele o CDS só poderia ter destino de oposição em Portugal.

Vozes do PSD: - É claro.

O Orador: - Não se compreende a lógica deste raciocínio, se tivermos em conta que o PSD vem defendendo ultimamente um Governo com o PS, o PSD e o CDS. Quererá isto dizer que o CDS só é incoerente e infiel ao seu eleitorado quando realiza um acordo com o PS, mas que deixaria de o ser se dispuser das bênçãos purificadoras do PSD? Ou quererá dizer que o PSD, ao reivindicar o Governo com o PS e com o CDS, pretende que este último cometa o pecado da incoerência? Se assim for, são muito feios os propósitos do PSD...

Risos do CDS. Protestos do PSD.

O Orador: - Entendam o-nos: o CDS, pelas razões concretas que na altura expôs, votou contra os projectes finais das Leis de Bases da Reforma Agrária e das Indemnizações.
Votou a favor do projecto final da Lei sobre Comissões de Trabalhadores e absteve-se no referente às Leis da Greve e da Delimitação dos Sectores Público e Privado. Só para quem tenha má memória - ou ignorância, já que má fé não acredito que tenha - poderá dizer que «o CDS manifestou há meses forte oposição à maioria dessas leis».

O Sr. Meneres Pimentel (PSD): - Avinda falta muito?

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São, pois, incoerentes, irrelevantes e infundadas as razões ideológicas, sociais e políticas invocadas por aqueles que auguram curta vida à presente solução governamental.
Entretanto, escandaliza-se o Sr. Deputado Magalhães Mota porque julga ver «o CDS a ser mais Governo do que o Governo, e o Governo a ser mais CDS do que o CDS». Dizendo que vê assim, o Sr. Deputado diz implicitamente que vê mal.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Está-se a ver!

O Orador. - É fácil de compreender que o CDS apoie a novidade que é um Governo maioritário, justamente quando esse Governo resulta de um acordo entre o PS e o CDS.
É natural que o Primeiro-Ministro sublinhe a novidade de que a fórmula governativa é portadora, justamente pela presença de elementos do CDS na sua equipa e pela natureza e signatários do acordo que lhe é subjacente.
Estes factos novos seria diferentemente tratados, no caso de o Governo resultar de um entendimento entre o PS e o PSD?
Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª tem razão. Este Governo tem pernas para andar.

Aplausos do CDS, do PS e do Deputado independente Galvão de Melo.

Entretanto assumira a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano e o Sr. Secretário Alberto Andrade fora substituído pelo Sr. Deputado Alfredo Pinto da Silva.

O Sr. Presidente: - Vou indicar os nomes dos Srs. Deputados que pediram para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Amaro da Costa, para ver se há alguma omissão. São os seguintes Srs. Deputados: Cunha Leal, Marques Mendes, Magalhães Mota, Acácio Barreiros, Jorge Leite e Carlos Brito.
Vamos fazer agora um intervalo de 30 minutos, e os Srs. Deputados inscritos ficam com a palavra reservada para depois do intervalo.

Eram 18 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados inscritos para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Amaro da Costa, informo a Assembleia de que em reunião dos grupos parlamentares agora realizada foi decidido que a sessão de hoje se prolongará até às 21 horas, com tolerância de alguns minutos se porventura forem necessários para a terminação de alguma intervenção que esteja em curso. Ficou também assente que amanhã a sessão começará às 9 horas e 30 minutos.

O Sr. Marque Mendes (PSD):- Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD):- Sr. Presidente, é para referir um dos aspectos que também ficou decidido nesta conferência dos representantes dos grupos parlamentares, ou seja, que, no caso de a Assembleia concordar, se fará a redução para 30 minutos daquela hora que o Regimento refere de intervalo entre o fim do debate e a votação do Programa do Governo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, receio é que, se vamos discutir esse problema, se gaste demasiado tempo.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Mas não será necessário discutido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então vou pôr o problema à consideração da Câmara.
Algum grupo parlamentar tem alguma coisa a opor ao que o Sr. Deputado Marques Mendes referiu?

Pausa.

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Como não há oposição, está aprovada a proposta da redução do intervalo regimental que amanhã precederá a votação do Programa do Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Leal para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Cunha Leal (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém ignora que o Sr. Deputado Amaro da Costa é um dos grandes inspiradores da política do seu partido e também ninguém lhe recusa n aspiração, nele transparente, de procurar, outrossim, inspirar os outros partidos.
Assim é que, por exemplo, ouvimos da sua boca, ainda há bem pouco tempo, dizer que nós lhe deveríamos seguir as sugestões - nós, os do meu partido. E é com os olhos postos no que acabo de dizer, que é a reprodução fiel daquilo que acabei há bem pouco de lhe ouvir proferir, que lhe pergunto o seguinte: quando ainda não há muito tempo, há bem pouco tempo até, o Sr. Deputado Amaro da Costa, na presença dos, mais altos representantes do seu e do meu partido, nos sugeriu a ideia de formarmos um Governo minoritário - ideia que nós, do meu partido, de imediato, recusámos-, éramos nós que então estávamos em erro...

Risos do PCP.

...ºu quem estava em erro ao propor-nos isso era o Sr. Deputado Amaro da Costa?

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Amaro da Costa prefere responder já no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Manques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: ouvimos aqui ontem -e eu creio, se a memória me não falha ao longo desta maratona, que foi pela voz do Sr. Ministro Almeida Santos- que estávamos aqui a discutir o Programa do Governo, e não a sua composição.
Essa crítica era então dirigida à Oposição, mas afinal ela tem criticado o Programa do Governo e temos visto que só os Partidos do Governo se têm referido à sua fórmula e à sua composição. E, acabando de ouvir o Sr. Deputado Amaro da Costa, que pelos vistos tanto falou a respeito desse Programa do Governo, queria perguntar-lhe apenas isto: que datas é que o Sr. Deputado aventa para se tomarem as medidas que propôs para a execução desse programa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que irei fazer não será bem um pedido de esclarecimento, mas algo que, à falta de melhor enquadramento regimental, será um breve comentário, que eu situaria sob a forma regimental de dar esclarecimentos.
Eu ouvi o Sr. Deputado Amaro da Costa, recordando-me um «novo-rico», e vi-o tão orgulhoso que de facto me sinto na tentação de lhe dizer que entre os recursos minerais apontados pelo presidente do seu partido para este país não encontramos volfrâmio, nem este Governo, nem este Programa, e que, digamos, em espírito «volframista», não se exibem três Ministros como três canetas na algibeira.

Risos do PSD.

Eu gostaria, no entanto, de lhe dizer algo mais importante. É que, efectivamente, a única novidade, e o Sr. Deputado o disse, é a presença do CDS no Governo. E eu, completando o pensamento do meu colega Marques Mendes, diria que o Sr. Deputado não falou no Programa do Governo, antes explicou o Governo como o melhor que se pôde conseguir. A Câmara aceitará ou não essas desculpas, mas creio que o Sr. Ministro Almeida Santos não terá de acrescentar mais páginas às suas anotações de psicanálise com esta autocrítica e com aquilo que acaba de ser feito pelo Sr. Deputado Amaro da Costa.
Por último e muito brevemente, queria fazer um tão simples como sentido protesto, não em relação às declarações do Sr. Deputado Amaro da Costa, mas em relação a declarações que vieram sob a forma de aparte extremamente infeliz da sua bancada. Foi dito que nós, PSD, já estávamos na mesma «família», na mesma linha que o Partido Comunista Português

O Sr. Amândio Azevedo (PSD): - Essa já é velha ...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu próprio, os democratas portugueses, durante muito tempo, demasiado tempo, ouvimos confundir oposição com o Partido Comunista Português...

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: -... , e eu lamento que um Deputado da bancada do CDS tenha feito recurso a esse argumento, tenha caído nessa tentação, porque não lhe farei a ofensa de pensar que recaiu num hábito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Fim de citação!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barrares também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, também eu não pedi a palavra para pedir esclarecimentos, porque já estou esclarecido ...

Risos.

... mas, sim, para dar um esclarecimento sob a forma de protesto.

É o seguinte: o Sr. Deputado Amaro da Costa, assim... muito ao de leve, mas claramente, afirmou que se o CDS ganhasse as eleições com certeza que não ia construir o socialismo e, portanto, respeitar o primeiro princípio da Constituição. E disse mais: que o CDS está neste Governo precisamente por este Governo não ir fazer isso.

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Ora, recordando, o artigo 185.º, n.º 2, da Constituição, temos que «o Governo define e executa a sua política com respeito pela Constituição, por forma a corresponder aos objectivos da democracia e da construção do socialismo». Este é o primeiro artigo da Constituição referente ao Governo.
Ficámos assim a saber que o CDS concorreu às eleições dizendo que respeitava a Constituição para ao fim não a respeitar, tal como ficámos a saber que o CDS, conforme a UDP já disse, está neste Governo porque este Governo não quer respeitar a Constituição, nomeadamente o artigo que citei.
Tal questão, para quem aprovou a Constituição, para o povo português, é muito esclarecedora e não pode deixar de merecer da nossa parte o mais veemente protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Leite (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ora eu vou pedir um esclarecimento, pois, embora esteja quase tudo esclarecido, alguma coisa há que o não está.
Sr. Deputado Amaro da Costa, sempre ouvi dizer que há quem, com a pressa, se deixe estatelar nas teias das suas próprias habilidades, que, enfim, sempre há quem se deixe cegar pela luz do seu brilho.
Ontem ouvimos dizer aqui, sem ofensa para os outros Ministros, que o CDS não estava no Governo. O CDS tinha personalidades despartidarizadas (imagine-se!...) no Governo, e hoje, da intervenção do Sr. Deputado Amaro da Costa, resultou que o CDS não é oposição, e nós ficamos sem saber -e era isso que eu gostava de saber- se o CDS (sublinho isto) é ou não um partido do Governo, se o CDS é um partido da Oposição ou se o CDS não é peixe nem é carne, isto é, se nisto tudo o CDS é ura equívoco.

Aplausos do PCP.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa linha a que já nos habituou o Sr. Deputado Amaro da Costa -a de uma certa concepção romanesca da política - quis o Sr. Deputado dar uma imagem do PCP como um partido derrotado. Compreendemos que, do seu lado, isso seja importante para sossegar as classes sociais que representa, mas dizemos-lhe que não se preocupe com isso nem tão-pouco com as explicações que os dirigentes do PCP têm de dar aos militantes comunistas.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP}: - Muito bem!

O Orador: - Todavia, de tudo o que o Sr Deputado disse e do próprio tom que utilizou -não é o tom mártir da alternativa 76... -, presume-se que o CDS ganhou nos favores do PS. Não é disso que quero falar, mas sim colocar-lhe algumas questões objectivas.
Em termos programáticos, o que ganhou o CDS?
Pode o Sr. Deputado quantificar neste Programa do Governo o que é contribuição, o que é enriquecimento originário do CDS?
E, em termos de composição governamental, tinha o CDS estabelecido metas? Tinha considerado que o óptimo era ter cinco, seis Ministros, ou está satisfeito com os três e mais os cinco Secretários de Estado?

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Vocês nem para a intriga têm jeito!

O Orador: - Portanto, poderia também nesse aspecto quantificar a vitória?
Por último, o Sr. Deputado advogou aqui o sacrifício dos trabalhadores?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Eu não advoguei isso, Sr. Deputado.

O Orador: - Advogou sim. Mostrou que se deviam fazer sacrifícios, que eles eram no interesse dos trabalhadores. De resto, poderemos ler a sua intervenção, o Sr. Deputado esclarecerá, mas, no meu entender, o Sr. Deputado advogou o sacrifício dos trabalhadores, disse que ele era preciso e que até era bom para eles.
O Sr. Deputado falou também em termos em que parecia recusar aos trabalhadores o direito de pura e simplesmente dizerem, através das suas organizações representativas -pois em democracia não há outra forma de expressão -, que rejeitam este Governo, que ele não serve, que o que propõe não lhes faz falta, que, pelo contrário, contraria absolutamente os seus interesses. Será assim? O Sr. Deputado rejeita que, mesmo à partida, antes mesmo de saber como era a composição do Governo e qual era o seu Programa, os trabalhadores tenham o direito de dizer: esta coligação não presta, isto vem contra nós? Enfim, ainda que do seu ponto de vista eles estejam absolutamente equivocados, terão ou não esse direito?
Mas, falando dos sacrifícios necessários da parte dos trabalhadores e da defesa que o Sr. Deputado aqui fez deles, eu pergunto-lhe uma coisa, mas antes disso faço-lhe uma outra consideração para facilitar a sua resposta. O Sr. Deputado reconheceu que há partidos que têm mais trabalhadores e até mais militantes como dirigentes sindicais. Ora, o Sr. Deputado aceitará com certeza que também há partidos que têm mais patrões...

Risos do PCP.

...e mais quadros como dirigentes das organizações patronais. Na verdade, não o vi defender sacrifícios para os patrões...

Risos.

... não o vi dizer nada como isto: «vamos seguir uma política fiscal mais dura para os altos rendimentos, para os grandes patrões, vamos limitar severamente esses lucros e vamos todos contribuir para as finanças públicas. Haja essa patriótica compreensão.» Não lhe ouvi esse rasgo. Quererá o Sr. Deputado esclare-

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cer porquê? E propõe o Sr. Deputado algumas medidas nessa direcção?
Por último, Sr. Deputado, se nos quer sugerir, se nos quer inculcar uma ideia, a partir das suas próprias especulações, quanto ao nosso comportamento em democracia, desengane-se. O nosso comportamento está definido.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É sempre uma estrada ...

O Orador: - Não especule o Sr. Deputado sobre qual a nossa posição em relação e em face da democracia burguesa. Não é isso que está em causa. O PCP definiu de uma vez para sempre o seu completo apoio à democracia que está definida na Constituição da República.

Aplausos do PCP.

E não somos nós que falamos dos artigos emblemáticos da Constituição, não somos nós que o dizemos. Aceitamos toda a Constituição, em todas as perspectivas que rasga e, naturalmente, em todos os deveres que impõe.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Como creio que não há mais nenhum Sr. Deputado que se tenha inscrito para pedir esclarecimentos, dou a palavra ao Sr. Deputado Amaro da Costa para responder, se assim o entender, às perguntas que lhe foram formuladas.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Cunha Leal: Devo confessar-lhe muito francamente e com muita honestidade que não me recordo daquilo que me imputa.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Não se recorda?

Uma voz do PCP: - Óleo de fígado de bacalhau!...

Risos.

O Orador: - Há sempre mestas matérias mecanismos de projecção psicanalítica para continuar a combater e que consistem em atribuir aos outros os desejos que uma pessoa tem. O Sr. Deputado do PCP, por exemplo, faria bem em tomar Óleo de fígado de bacalhau.

Risos.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador. - Digo com toda a franqueza que não me recordo de em qualquer ocasião ter defendido uma tal tese. Se estou enganado, o Sr. Deputado Cunha Leal recordar-me-á, e eu terei todo o gosto em rectificar, se for esse o caso. Que numa determinada ocasião perguntei a um dirigente do PSD algo com isto relacionado, na sequência de uma sugestão que várias vezes foi feita pelo Primeiro-Ministro do I Governo Constitucional, é verdade. É verdade que o Primeiro-Ministro do I Governo Constitucional -que está aqui presente- em muitas circunstâncias desafiou o PSD e o CDS para, em conjunto, formarem um Governo minoritário e é verdade que sempre lhe foi respondido -e está aqui presente o próprio - que do nosso lado isso jamais poderia acontecer.
Eu próprio tive, em determinada ocasião, que não foi numa reunião -lembro-me perfeitamente do local e da hora-, oportunidade de fazer uma pergunta análoga a um dirigente do PSD, que disse, e concedo que por brincadeira, o seguinte: «Seria uma boa partida que lhes pregávamos.»

Risos.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - O Sr. Deputado quer que eu. esclareça, para lhe avivar a memória?

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cunha Leal (PSD): -Sr. Deputado, a reunião foi em minha casa e a ela estavam presentes o Sr. Engenheiro, o Sr. Prof. Freitas do Amaral, os Srs. Drs. Basílio Horta, Sá Carneiro, Magalhães Mota, eu, doma da casa, e ainda, salvo erro, o Prof. Sousa Franco.

O Orador: - Bom ... Contínuo na mesma.

Risos.

Mantenho o que disse e não me lembro de nessa reunião ter feito uma proposta nesse sentido.

Protestos do PSD.

O Orador: - Não sei porque é que estão tão perturbados com isso...
O Sr. Deputado Marques Mendes interrogou-me sobre datas para a execução do Programa do Governo. Eu devo dizer-lhe que seria estultícia da minha parte estar a indicar datas para um Programa ao Governo do qual eu mão participo.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Parada, Sr. Deputado.

O Orador: - Se parecia, é porque o Sr. Deputado tem ou deficiências de visão, ou de compreensão, ou de entendimento, ou então está mal localizado. Mas, enfim, o problema é seu.
Eu só quero dizer que não participo do Governo e é este que responsavelmente deverá fixar o seu próprio calendário de trabalho. O Governo é solidariamente responsável pelo seu trabalho e desempenha-o cotigialmente. Por isso, a pergunta que me dirigiu deverá endereçá-la ao Governo.
Quanto ao Sr. Dr. Magalhães Mota, não entendi nada do que ede disse...

Risos.

..., o que é com certeza culpa minha ...

Uma voz do PSD: - Sem dúvida.

O Orador - E neste acto de humildade vá, espero eu, o desmentido melhor de que não sou «novo-rico» - os novos-ricos não são humildes...

Risos.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

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Uma voz do PCP: - É velho rico ...

O Orador: - Não disse, na minha intervenção, que a única novidade deste Governo era o facto de ter Ministros do CDS, mas sim que isso eira uma novidade, o que é indesmentível.
Não falei no Programa do Governo como o Sr. Deputado quereria, mas se os Srs. Deputados também têm falado de outras coisas que não constituem o Programa do Governo - e muito particularmente o Sr. Deputado Magalhães Mota mão falou nada do Programa do Governo - por que é que eu devia de falar?

Risos.

Ou aqui somos obrigados a falar daquilo que os ou outros querem?

Risos.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Então por que é que me quererá obrigar a sim?

O Orador: - O Sr. Deputado aproveitou a sua intervenção a propósito de pedidos de esclarecimento à minha pessoa paira fazer um protesto, segundo disse, a um aparte de um meu colega de bancada, que teria dito que o PSD estaria já na mesma Unha do PCP. É evidente que o PSD está mesmo na mesma lanha do PCP. São ambos partido da Oposição.

Risos.

Isto não quer dizer que o PSD e o PCP se confundam. São claramente oposições distintas, diferenciadas, autónomas, e porventura, o PCP até vai apresentar uma moção de rejeição autónoma para não ter de votar a vossa.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- È capaz...

Risos.

Aplausos do CDS e PS.

Se não o fizer, é uma coisa que diz respeito ao PCP, mas tiraremos daí as necessárias consequências.
Quanto ao Sr. Deputado Acácio Barreiros, devo dizer que fiz um grande esforço para esclarecer este problema da Constituição e do socialismo e fiz um esforço honesto. O Sr. Deputado parece que não entendeu assam esse meu esforço e eu lamento.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): -Entendi, entendi, Sr. Deputado.

O Orador: - Então, se entendeu, ainda melhor. Quer dizer então que entendeu e mas não quis aproveitar.

Risos.

Está no seu direito, mas nós continuamos a respeitar a Constituição tal como ela é.
O Sr. Deputado Jorge Leite fez-me uma pergunta que não me parece nada própria de um partido que se reclama de marxista-leninista. Uma preocupação formalista, quase idealista, do tipo de saber se o CDS a si próprio se qualifica como partido da Oposição do Governo ou se não é carne nem peixe, se é um equivoco.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Responda, Sr. Deputado.

O Orador: - Eu respondo. O CDS é um partido de apoio ao Governo. Isto é uma coisa mais clara que a água.
O Sr. Deputado diz-me que tem dúvidas, mas eu quero dizer-lhe que está em congeminações metafísicas que não são próprias de um espírito materialista.
O Sr. Deputado Carlos Brito, enfileirando na galeria dos epítetos com que fui mimoseado nos pedidos de esclarecimento - recordo: «novo-rico», «capacidade de se estatelar com a pressa», «cegueira pela luz do seu próprio brilho» - , atribuiu-me uma quarta nota distintiva do meu carácter e temperamento. O que o desvanece é a concepção romanesca da política que eu tenho. Isto é uma posição correcta, talvez. É preferível fazer romance da política do que fazer romance da vida. Mas eu não quereria entrar por esse caminho.
Justamente por esta concepção romanesca disse que eu tinha a ideia de que o PCP era um partido derrotado. Pois o PCP é um partido derrotado.

Risos do PCP.

É evidente: tinha uma estratégia e ela falhou. Portanto, está derrotado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Olhe que não ...

O Orador: - Se fôssemos nós que tivéssemos sido derrotados, diríamos que tínhamos sido derrotados. Mas, evidentemente, cada um tem as suas opiniões.
Naturalmente que nós não temos nisto nade de jactância nem de querermos ser vitoriosos, nem de nos apresentarmos como vitoriosos. Mas, se pergunta se somos vitoriosos ou não somos, responderemos que claro que somos vitoriosos.

Risos do CDS.

Portanto, o Sr. Deputado pertence a um partido derrotado e nós a um partido vitorioso. É simples.

Risos.

Pergunta o Sr. Deputado se tudo isto se fez à custa do empobrecimento ou do enriquecimento das perspectivas do CDS e das perspectivas do PS. O que é que o CDS ganhou em termos programáticos, o que é que perdeu? Aí, em distinção flagrante com as teses do Sr. Deputado Jorge Leite, o Sr. Deputado revela um pendor matemático assinalável e pergunta-me - e nisso é muito mais realista ou materialista - quais são as percentagens quantificadas de avanços programáticos que o CDS conseguiu incluir ou deixou de incluir no Programa do Governo. Aí, o Sr. Deputado não vai querer que eu lhe diga quantas páginas do Programa foram escritas por Ministros do CDS ou tiveram leituras e correcção de Ministros do CDS, porque mesmo que me pedisse para lhe dizer eu não saberia responder-lhe, visto que o

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Governo é colegialmente solidário nas suas responsabilidades. Não posso, portanto, dizer-lhe o que é que, em número de páginas, é da autoria de elementos do CDS e não tenho qualquer outro critério para saber quais são os contributos programáticos em termos percentuais que se encontram no Programa do Governo.
O que lhe digo é que, do meu ponto de vista, o Programa do Governo não significa nem empobrecimento nem enriquecimento especial graças ao CDS ou graças ao PS. Significa, isso sim, o resultado de um acordo leal e democrático feito entre os dois partidos e esse programa é o desenvolvimento desse acordo. Se o Sr. Deputado se quiser dar ao trabalho de analisar o texto do acordo político entre o PS e o CDS aperceber-se-á de quais são as palavras e as ideias que são típicas do vocabulário do PS e quais são as ideias que são típicas do vocabulário do CDS. Refiro-me ao vocabulário político necessário, não a qualquer Visão moralista da política - porque nessa o PC é muito mais perito do que eu...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito pede-me para interromper. Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Deputado, depois de o ouvir e de observar o realismo e o distanciamento com que trata destas coisas propunha à minha capacidade de objectividade a seguinte questão: acha correcta a designação de programa comum?

O Orador: - Acho incorrecta a designação de programa comum dada a circunstância de o Programa não resultar do entendimento prévio entre dois partidos. O Programa não é resultante de uma elaboração conjunta entre o PS e o CDS. Por isso, ele é, tão-só, da responsabilidade de um Governo de base PS com personalidades e apoio parlamentar maioritário. Esta é a fórmula política na qual assenta o Programa, que é da responsabilidade do Governo. Assim, o Programa não é da responsabilidade do PS nem é da responsabilidade do CDS. Logo, não pode ser um programa comum do PS e do CDS. Isto parece elementar...

Risos,

O Sr. Lino Lima (PCP): - Elementar e romanesco ...

O Sr. Magalhães Mota (PSD): -É filho de pai incógnito!...

O Sr. Octávio Pato (PCP): - Será da responsabilidade do MRPP?

O Sr. Presidente: - Peço a atenção dos Srs. Deputados.

O Orador:- Se os Srs. Deputados têm dificuldade em entender, eu explico outra vez e mais devagar.

Risos.

Quanto às metas em termos de composição governamental, o Sr. Deputado não vai querer obviamente que eu adopte aqui qualquer política que pareça menos consentânea com a natureza reservada das conversas que foram tidas entre as delegações do PS e do CDS, mas terei todo o gosto em lho dizer quando o Sr. Deputado Carlos Brito revelar a esta Câmara e revelar a todos nós qual foi o conteúdo dos conversas que o PS e o PCP mantiveram durante o período de negociação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nem pense nisso.

O Orador: - Quanto aos sacrifícios dos trabalhadores - e devo dizer que não disse nada no meu discurso relativamente a isso, mais é curioso verificar que as únicas passagens do meu discurso que têm a ver com a impossibilidade cãs finanças públicas poderem acorrer a um programa mais amplo e mais vasto de regalias sociais e que as únicas passagens em que eu me refiro a isso são transcrições «literais» do Sr. Presidente da República- não são teses minhas, Sr. Deputado. Em nenhum momento do meu discurso falai dos sacrifícios dos trabalhadores ou da política de austeridade. E no único momento em que falei disso fiei editando o Presidente da República. É evidente que o Sr. Deputado tem todo o direito de estar em desacordo com ele, até porque apoiou o nosso colega de bancada, Sr. Deputado Octávio Pato, mas é evidente que, ao fazê-lo, devo dizer-lhe muito honestamente que não pretendia teorizar sobre esta matéria, não era o propósito do meu discurso, mas tão-só evocar algo de que eu participo, que apodo e é a afirmação que desta matéria foi feita pelo Sr. Presidente da República no discurso de tomada de posse deste Governo.
Portanto, como não falei eu de sacrifícios dos trabalhadores, não tinha de falar eu de sacrifícios dos patrões, até porque nesse discurso não se fala disso. Mas dir-lhe-ei o que penso de tudo, Sr. Deputado, e podemos ficar aqui a noite inteira a falar nisto. Eu penso que o que está no Programa do Governo em matéria de justiça fiscal e matéria, sobretudo, de politica fiscal me parece realista e adequada às necessidades do momento, sobretudo no duplo objectivo que a política fiscal deve preencher e que é, por um lado, o de contribuir para a redistribuição de um rendimento e, por outro lado, estimular a criação de riqueza e do investimento. Nessa medida, sabe o Sr. Deputado tão bem como eu que numa economia que consinta as leis do mercado e que viva das leis do mercado a política fiscal não é independente do próprio funcionamento da economia e tem de estar com ele intimamente relacionado.
Tudo o que se contém nesta matéria no Programa do Governo tem o meu apoio. O Sr. Deputado lerá, e poupar-me-á o trabalho de estar aqui a repetir e à Câmara o enfado de me ouvir mais.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Nesta matéria, Sr. Deputado, foi tão discreto ...

O Orador: - Quanto aos direitos das associações sindicais, devo dizer que o Sr. Deputado também leu mal, porque eu não falo na passagem em que me refiro às forças sociais que acumulem posições acerca do Governo, concretamente e explicitamente de sindicatos. Até por sinal a única organização de tipo social portuguesa que produziu considerações acerca da composição do Governo nem foi uma associação sindical,

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foi uma associação empresarial. Por isto, se a alguém se dirigia claramente o comentário, não era a uma associação sindical. Claro que não rejeito que qualquer organização social ou cultural faça os comentários que entender acerca da política do Governo e da forma como ela se desenvolve. O que não posso é aceitar que, em Portugal, exista uma «confusão de narizes» entre as instituições e penso que o que é próprio das organizações representativas de interesses sociais é julgarem os Governos pelas políticas que propõem, pelas políticas que executam e pela forma como as executam. Porque se quaisquer organizações se começam a pronunciar, por seu alvedrio, sobre a fórmula ou composição do Governo que resulta de maiorias parlamentares, então, nessa altura, ou são afirmações inconsequentes sem qualquer objectivo, ou, se o tiverem, vêm colidir obviamente com o papel de responsabilidade dos partidos políticos.
É importante, no entanto, esclarecer mais uma nota acerca desta matéria: o Sr. Deputado quando fala da democracia burguesa diz que não é isso que está em causa, e nós pensamos que é isso a que o Sr. Deputado chama de democracia burguesa...

O Sr. Carlos Brito (PCP): -A que o Sr. Deputado chamou...

O Orador: - A que os Srs. Deputados do PC costumam chamar de democracia burguesa ...

O Sr. Jorge Leite (PCP): -- O Sr. Deputado é que chamou ...

O Orador: -... é isso que está em causa porque resulta da aceitação ou não aceitação do papel prioritário que tem o Parlamento e as outras instituições políticas democraticamente eleitas na vida pública, de que resulta, porventura, o cerne das diferenças de que se fala entre o PC e os outros partidos desta Câmara. E quando as organizações de trabalhadores falam em representação dos seus filiados, falam, obviamente, para defender os fins pelos quais esses filiados se associaram. Ora, a diferença está em que os trabalhadores portugueses não votaram neste ou naquele sindicato para que dele saísse um determinado governo, votaram neste ou naquele partido para que dele saísse determinado governo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É a representatividade política dos partidos que legitima democraticamente os governos. Por isso, Os pontos de vista estritamente políticos, formalmente políticos, sobre a fórmula e composição do Governo que possam ser emitidos por organizações de tipo social ou cultural, sejam elas de trabalhadores, consumidores ou empresários, devem ser tidas como manifestação de um estado de espírito. Não podem ser consideradas como uma representação do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores, dos consumidores ou dos empresários, porque não foi para isso que eles se associaram nessas organizações. Se não aceitamos isto, é se não aceitam isto os Srs. Deputados do PCP, é porque, no fundo, têm uma profunda dúvida sobre este mecanismo da democracia a que chamam burguesa e que tem como centro de gravidade os partidos políticos, a representatividade parlamentar e a eleição por sufrágio universal do Presidente da República.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre para uma intervenção.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: «Nem todos os democratas são socialistas, mas os socialistas são sempre democratas.» A frase é de François Miterrand e exprime, com clareza, uma atitude de princípio.
Para nós, socialistas, não há contradição entre a democracia e socialismo. A democracia não é só um meio, é meio e fim. Não é a vida, é a vida e o modelo.
Não encaramos a democracia como um regime de transição para um outro tipo de regime que seja o seu contrário. Nem entendíamos o socialismo como a superação ou supressão da democracia, mas como o resultado do seu desenvolvimento e aprofundamento. O socialismo por que nos batemos tem uma dimensão ética: a realização dá justiça e a abolição de exploração do homem pelo homem. E tem uma forma institucional: a democracia representativa.
Daí que, para nós, tudo o que reforça a democracia favorece a perspectiva histórica do socialismo democrático. Tudo o que desprestigia ou enfraquece toma essa perspectiva mais longínqua. O nosso combate tem ais suas raízes nas tradições democráticas do movimento operário e socialista português (c) europeu, que sempre preconizou uma via democrática para um modelo do socialismo democrático e sempre lutou pela realização do socialismo na democracia e pela democracia. Não se estranhe, pois que os socialistas portugueses considerem como objectivo prioritário da revolução de Abril e como condição do seu próprio projecto político a institucionalização definitiva da democracia. Queremos uma democracia de tipo europeu. É verdade! Queremos que essa democracia tenha um conteúdo económico e social, uma dinâmica e uma tensão que aponte para a emancipação progressiva das classes trabalhadoras, ou seja: para o socialismo democrático. Essa é a via e é esse o modelo que estão consagrados na Constituição. Por essa via e por esse modelo nos batemos. Se há hoje uma Constituição democrática e progressista neste país e se nessa Constituição está consagrada uma perspectiva de socialismo democrático, isso deve-se fundamentalmente aos socialistas, que nunca consideraram a Constituinte uma excrescência burguesa e que sempre lutaram para que ela chegasse ao fim.

Aplausos do PS.

Não há aqui ninguém com autoridade político-moral para nos dar lições nesta matéria.
Mas a via e o modelo por que nos batemos não foram ainda fratoricamente realizados. Não temos modelo histórico em que nos inspirar. Nem temos, ao contrário de outros, uma tenra prometida que mos guie e nos sirva de modelo. Como já aqui assinalou o meu camarada Salgado Zenha, até hoje, e ao contrário do que Marx previra, nunca se fez uma experiência socialista num país avançado e com tradições democráticas.

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As revoluções socialistas foram tentadas em países económica e culturalmente atrasados, sem tradições sem hábitos democráticos.

O Sr. Aboim Inglês (PCP):- A Checoslováquia...

O Orador - Daí que tenham dado lugar a formas institucionais que nem podem servir de modelo aos socialistas nem são aplicáveis aos países europeus, como o reconheceram, aliás, os Partidos Comunistas de Espanha e da Itália. Há, pois, um novo caminho e uma nova via. Em países como os da Europa do Sul, a alternativa do socialismo democrático deixou de ser uma meta distam te e é uma possibilidade histórica concreta, que está na ordem do dia.
Esse projecto é possível, tem uma dimensão europeia e tem já uma parte do caminho andado em Portugal. Com efeito, numa democracia é uma democracia avançada, quer no plano institucional e político quer no plano do seu ordenamento económico e social. Como todas as suas dificuldades, contradições e afrontamentos, a revolução de Abril operou profundas transformações em Portugal e fez-nos ir mais longe do que iria, por exemplo, a esquerda francesa, se acaso fosse junta às eleições, ganhasse as eleições e realizasse o programa comum.
O problema não está em pôr em causa essas transformações, nem em fechar as perspectivas que continuam abertas no nosso país.
O problema está em saber preservar essas transformações, como defender, consolidar e aprofundar a democracia, como resolver a crise sem pôr em causa o que foi adquirido e sem comprometer a via que foi aberta.

Uma voz do PCP: - Com o CDS!

O Orador: - Essa é a questão de fundo. E essa questão não se resolve nem com soluções ideológicas quimicamente puras, que são boas para a salvação da alma mas que nunca fizeram nem fazem história, nem com demagogia nem com saltos para o abismo.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Essa questão resolve-se com realismo e com coragem para assumir e realizar os compromissos que as circunstâncias impõem para a construção ria democracia e para a salvação do País. Como disse também François Miterrand, «não se espere que os socialistas fabriquem um automóvel de cinco rodas, mas espere-se das socialistas que saibam conduzir melhor o automóvel de quatro rodas».
Por outras palavras: não se espera dos socialistas a realização da utopia, mas espere-se dos socialistas que saibam ousar o possível.
E o que é, neste momento, em Portugal, ousar o possível?
Em nosso entender, ousar o possível é precisamente ousar a democracia, A democracia é o automóvel de quatro rodas que nos, socialistas, estamos interessados em demonstrar que é possível conduzir em Portugal Trata-se de provar que a democracia é viável e de que é nela e por ela que poderão ser resolvidos os grandes problemas nacionais. Afirmar a força e a eficácia da democracia, fazer do regime democrático um regime definitivo que não possa constantemente ser posto constantemente em causa à mais pequena crise é, para nós, uma tarefa prioritária e um imperativo patriótico. Por isso, sobrepusemos o primado do político ao primado ideológico, e o primado do interesse nacional ao primado do interesse partidário,

O Sr. Pedro Coelho (PS):- Muito bem!

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, demonstrámos a suficiente maleabilidade e fizémos os esforços necessários paca encontrar uma solução que fosse, antes de tudo, uma solução democrática, uma solução no quadro das actuais instituições e dos partidos políticos representados nesta Assembleia.
Nada teria sido mais e perigoso e mais grave para o prestígio dia democracia do que dar razão àqueles que tudo fizeram e fazem para denegrir os partidos e para demonstrar a inviabilidade do regime democrático em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador - Quisemos provar o contrário, quisemos provar, e estamos a prová-lo, que os partidos são a força e a essência da democracia e que não há solução nacional fora do regime dos partidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só o CDS nos quis acompanhar.
Honra lhe seja, porque, ao assumir o compromisso que assumiu, prestou um serviço relevante à causa da democrática portuguesa, que se confunde, neste momento, com o interesse nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não se conseguiu a unanimidade. Mas também isso é próprio da democracia, que é o contrário de unanimidade. Conseguiu-se uma solução maioritária. Temos agora uma maioria e uma minoria, o que é normal e lógico em regime democrático.
E devemos até congratular-nos com a desdramatização, senão mesmo cordialidade, de relações entre os dois partidos da minoria parlamentar, o PSD e o PCP.
É um facto positivo e importaste para a normalização psicológica e política da vida democrática.
Que o PCP tenha decidido, à última hora, fazer uma reviravolta, recusando-se a assinar um acordo com o PS e preferindo, a esse acordo com os socialistas uma espécie de pacto de oposição com o PSD, e que o PSD, que punha como condição, nas negociações, a exclusão do PCP, parecia, agora, pelo menos tacitamente, recuperá-lo, são atitudes sobre as quais não emitimos um juízo moral e que só vêm confirmar afinal que, em democracia, não há posições rígidas e definitivas e que mesmo os mais rígidos e dogmáticos são capazes de uma surpreendente flexibilidade táctica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, continuamos, como sempre, abertos aio diálogo e interessados em procurar,

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quer com o PCP quer com o PSD, acordos e entendimentos que fortaleçam e prestigiem a democracia e que sirvam o povo português.
O acordo que viabilizou a formação do II Governo Constitucional é um acordo patriótico, que serve, nas condições concretas portuguesas, a causa da democracia e que permitirá aos socialistas aprofundar uma reflexão criadora e acumular forças para prosseguir o seu combate pela transformação democrática e socialista da sociedade portuguesa.
Apoio, pois, o II Governo Constitucional e o seu Programa e, em nome do Grupo Parlamentar do meu Partido, manifesto toda a confiança ao Primeiro-Ministro, Mário Soares, e a todos os membros do Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estado não é neutro. Uma tal concepção é fascista ou bonapartista. O estado, qualquer cotado, é sempre um instrumento de determinadas forças políticas e sociais. Não é possível construir a democracia sem um estado democrático.
O Estado Português não pode ser neutro em relação à democracia, tem de ser um instrumento de defesa e construção da democracia. Nem é tolerável a existência de poderes paralelos dentro do Estado. Ora, por um conjunto de circunstâncias que estão directamente relacionadas com as características e contradições da nossa revolução não foi ainda possível fazer em todos sectores a reforma democrática do Estado. Como dizia o inglês Edmund Burke, dirigindo-se aos revolucionários francesas de 1789: «Fizestes uma revolução, não fizestes uma reforma.»
Também nós fizemos uma revolução sem termos feito totalmente a reforma política e democrática do Estado. Completar e realizar a reforma democrática do Estado Português é uma questão fundamental para a democracia. É urgente e imperioso fazer essa reforma. É urgente e imperioso afirmar a força legal e institucional da democracia. É uma questão de pedagogia, mas é também um problema de defesa, porque toda a democracia tem o direito e o dever de se defender.
E é preciso que aqueles que tem tendência - e há-os - para considerar a democracia como um fenómeno passageiro ou como uma transição para a ditadura se convençam de uma vez por todas que o regime democrático está definitivamente implantado em Portugal.

Aplausos do PS e do CDS.

E isso só será possível se o Estado for realmente, em todos os seus sectores, um instrumento ao serviço dos objectivos democráticos.
Manifesto a minha confiança em que o II Governo Constitucional saberá meter mãos à obra e dotar o País de um estado democrático, moderno e eficiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A descolonização é um facto histórico irreversível. Os socialistas sempre se opuseram à guerra colonial e disso se orgulham, os socialistas sempre consideraram que essa guerra era uma guerra injusta, profundamente contrária aos interesses do povo português e à vocação universalista de Portugal. E sempre se bateram por uma solução negociada, com base no reconhecimento do direito dos povos coloniais à independência. Ao fazê-lo, fomos fiéis à vocação mais profunda de uma história que é uma vocação de liberdade que sempre contribuiu para aproximar os povos e os continentes. Assumimos orgulhosamente o nosso papel na luta anticolonialista, inseparável da luta antifascista. E igualmente nos orgulhamos do papel desempenhado pelo Partido Socialista, e em especial por Mário Soares, no processo de descolonização. É importante dizê-lo aqui e agora, quando de novo se ouvem as sereias do colonialismo e os saudosistas de Alcácer Quibir.

Aplausos do PS.

A descolonização é um facto histórico que honra Portugal e tornou possível o reencontro de Portugal consigo mesmo e com a comunidade internacional. A descolonização criou condições para o estabelecimento de relações de um novo tipo, baseadas na igualdade e no respeito mútuo com os países africanos de expressão portuguesa.
O desenvolvimento de relações da amizade e cooperação com esses países é um dos pilares da política externa portuguesa e um imperativo nacional, consagrado, aliás, na Constituição. Tal política em nada contraria, antes completa e fortalece, a nossa política de integração europeia. Não há contradição entre a vocação atlântica e a vocação europeia de Portugal. Tal como no passado, podemos e devemos voltar a ser, hoje, em condições diferentes, uma nação piloto, que seja uma ponte e um elo de ligação entre a Europa e a África.
Foi com regozijo que verifiquei que uma tal opção está consagrada no Programa do II Governo, na parte relativa à política externa e, em especial, à cooperação com os novos estados africanos. Igualmente me congratulo com o facto de o Programa prever a criação no Ministério dos Negócios Estrangeiros de uma direcção-geral encarregada dos assuntos de cooperaçâo com os referidos países. Eu próprio me tinha referido à necessidade de se criarem instrumentos adequados ao desenvolvimento da cooperação e à resolução dos complexos problemas que por vezes se levantam e a dificultam. A criação de uma nova direcção-geral para a cooperação é um passo importante, que aplaudo e estou certo contribuirá para a incrementar e acelerar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui foi feita uma cotação de Fernando Pessoa. Que me seja permitido citá-la mais uma vez:

A Europa jaz, posta nos cotovelos ... o rosto com que fita é Portugal.

Esta é a vocação de Portugal. Somos Europa e a ela regressamos. E temos o rosto voltado para o futuro e para os novos mundos.
Já não há índias para descobrir. Mas há Portugal para achar e para reconstruir. Esta é a hora de Portugal!
Hora de fazer Portugal em Portugal, na democracia e pela democracia.
Hora de sermos grandes, não pelo tamanho de um império, mas pelo exemplo da nossa política de paz e cooperação com outros povos e pela força moral das nossas instituições democráticas.

Aplausos do PS e do CDS.

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O Sr. Presidente: - Há pedidos de esclarecimento?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É para um muito breve esclarecimento à Câmara.
O Sr. Deputado Manuel Alegue afirmou na sua intervenção que o PCP, à última hora, teria dado uma reviravolta. Bem, eu devo esclarecer a Câmara que, a partir de certa altura, as nossas negociações com o PS visavam, e por proposta do PS, tão-somente alcançar um texto de acordo entre as dois pautados, isto é, um texto de acordo interpartidário, e devo acrescentar que todas as nossas propostas valsando esse texto haviam sido feitas, haviam sido consideradas demoradamente, ao longo das negociações e haviam sido feitas no dia 21 de Novembro de 1977 - não eram, assim, propostas de última hora.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Pedia ainda a palavra, Sr. Presidente, para apresentar uma moção à Câmara.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Requeri, Sr. Presidente, autorização para que me seja permitido apresentar à Câmara o texto de uma moção de rejeição do Programa do Governo...

Risos. ... que é a seguinte:

MOÇÃO DE REJEIÇÃO

Considerando a apresentação à Assembleia da República do Programa do Governo, cuja fórmula governativa é a de uma coligação PS-CDS;
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP), nos termos dos artigos 195.º da Constituição e 198.º do Regimento da Assembleia da República, propõe a rejeição do Programa do Governo, porque tal Programa não se conforma com o projecto constitucional nem serve a resolução dos grandes problemas nacionais, designadamente a recuperação económica e financeira do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, peço-lhe o favor de fazer chegar à Mesa o texto da moção.
Tem agora a palavra o Sr. Ministro Vítor Constâncio para uma intervenção.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Vítor Constâncio): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Não constitui hoje segredo para ninguém que vivemos no nosso país uma profunda e grave crise nacional.
Crise que se traduz nas dificuldades económicas e financeiras que experimentamos, mas que assenta também nos inevitáveis traumatismos de uma transformação social e política muito rápida. Crise que é, assim, não apenas objectiva e fundada nos factos, mas que apresenta igualmente uma componente subjectiva e sociológica. Crise de valores numa sociedade perturbada nos seus equilíbrios tradicionais, em face de problemas que desconhecia, de comportamentos, tensões e conflitos artificialmente contados pelos mecanicismos da opressão e que hoje se manifestam à luz do dia, como é normal em democracia. A aparente ausência de tensões ou conflitos só pode existir em situações de dominação totalitária, não podendo constituir, por isso, um ideal social, para todos quantos respeitam a liberdade, e a dignidade dos homens. A questão é que saibamos institucionalizar a solução dos conflitos de acordo com as regras civilizadas da democracia e que esses conflitos não nos impeçam de dar à sociedade no seu conjunto o contributo do nosso trabalho e da nossa capacidade.
Há muitos portugueses que ainda não se adaptaram às novas relações sociais criadas pelas instituições democráticas que implicam o respeito pelos directos do adversário, e que supõem a tolerância e o compromisso na resolução dos problemas. Há uma inadaptação psicológica à nova estrutura de valores, que resulta de hábitos antigos e de não ser fácil de compreender que há um preço a pagar pela nossa própria liberdade.
Outros vivem na angústia do futuro que antecipam sem esperança, esmagados pelas dificuldades do presente, descrentes da capacidade do País para sair da situação depressiva em que se encontra. Daí o aparecimento da tentação do viver de expedientes especulativos, da corrupção, da fraude à lei, num salve-se quem puder fortemente lesivo do interesse nacional e que é significativo sintoma da crise que atravessamos.
Os Portugueses precisam de acreditar no seu futuro colectivo como país independente, próspero e justo.
Para tanto é necessário que compreendam a exacta natureza da crise actual, as condições da sua superação e o projecto de futuro que dá sentido aos sacrifícios acrescidos que terão que suportar no imediato.
Porque é necessário dizê-lo frontalmente: a crise económica está aí, existe. Porém, tal não transpareceu ainda inteiramente no quotidiano do português médio. Não há observador que nos visite que não se espante com a ausência de sinais manifestos de crise no nosso estilo e quadrante de vida. Continuamos, de facto, a consumir acima das nossas possibilidades. Por isso, reafirmamos que o reequilíbrio financeiro do País irá exigir que suportemos durante algum tempo uma vida mais austera. Só assim se evitarão condições mais gravosas no futuro.
É sobre tudo isto que são necessárias ideias claras e decisões firmes.
Há, decerto, muita coisa para fazer, mas como não se pode nunca fazer tudo, teremos de assentar, sem equívocos, em quais são, neste momento, as grandes prioridades nacionais e tomar, sem hesitações, as decisões estratégicas que a situação requer.
É evidente que o problema económico e financeiro não é isolável dos demais. A questão de uma economia é também um acto político, embora seja igualmente um problema de técnica. Neste plano, as condições gerais de que depende a resolução do nosso problema económico parecem-me ser as seguintes:

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a aplicação de uma política económica tecnicamente correcta e constantemente executada; a existência de um quadro institucional claro; o respeito pelos mecanismos e incentivos económicos adequados ao sistema institucional vigente.
Creio que o Programa do II Governo Constitucional, na sua parte económica, apresenta um diagnóstico ajustado, uma definição clara das prioridades a curto e médio prazo e uma descrição adequada das políticas necessárias.
A primeira prioridade no imediato vai, como não podia deixar de ser, para a balança de pagamentos. Dos três problemas globais que nos afectam - o desequilíbrio externo, o desemprego e a inflação - é, sem dúvida, o primeiro, o mais premente.
Sublinhe-se, a propósito, para esclarecer desde já os detractores que atribuem ao regime democrático a responsabilidade dos deficits existentes, que as suas principais causas residem em factores internacionais não controláveis pelo nosso país. Sem entrar na discussão de um diagnóstico há muito feito, convém sublinhar que o factor predominante do desequilíbrio externo desde 1974 reside na deterioração dos termos de troca, ou seja, no crescimento dos preços de importação, internacionalmente determinados, muito superiores aos preços das nossas exportações. Com efeito, se desde 1973 os preços das importações tivessem evoluído ao mesmo ritmo dos preços das exportações e mantendo todos os demais elementos da balança de pagamentos idênticos aos que se verificaram na realidade, podemos concluir que o saldo externo global acumulado de 1974 a 1977, em vez de ser negativo, como foi, em cerca de 110 milhões de contos, teria sido positivo em cerca de 9 milhões de contos. Facto bastante impressivo do que representou para Portugal o aumento, não controlado por nós, dos preços do petróleo e das matérias-primas que não pudemos compensar com aumento dos preços das nossas exportações ou com incremento do seu volume, em virtude da depressão económica nos mercados onde vendemos.
Os novos dados da crise económica internacional foram deste modo a principal causa dos deficits acumulados por pequenos países como Portugal e a persistência daquela crise continua a afectar fortemente as nossas possibilidades de recuperação.
A deterioração dos termos de troca de quase 30 % desde 1974 representa um imposto cobrado pelo exterior sobre o conjunto da economia e implica, portanto, um empobrecimento real do País. Empobrecimento que não foi suportado pela população, porque se utilizaram as reservas anteriormente acumuladas para aumentar até o nível do consumo privado e público. Recusou-se, assim, em certa medida justificadamente e à semelhança do que fizeram muitos outros países afectados pelo mesmo problema, deflacionar imediatamente o nível da actividade económica interina como a forma de evitar o deficit externo que resultava de razões extrínsecas a essa mesma actividade. Mas o ajustamento indispensável do nosso nível de despesa interna não pode continuar indefinidamente adiado.
Vejamos, porém, mais em detalhe as razões fundamentais que tornam imperativa a atribuição da primeira prioridade à redução do desequilíbrio externo.
Em primeiro lugar, alguns indicadores comprovativos dos riscos enormes que corremos com o nível de deficits já atingido e sobretudo com o ritmo de endividamento externo que os mesmos implicam.
Deficits da balança de transacções correntes que representam, de facto, mais de 7 % do produto nacional significam um crescimento acelerado da dívida externa do País.
A dívida externa total é actualmente de cerca de 4,5 biliões de dólares, ou seja, cerca de 180 milhões de contos, o que representa 27,7 % do produto nacional
Este nível não nos coloca ainda numa situação de insolvência, porque o quociente entre a dívida total e as reservas totais é de cerca de 1 e há países em situações bem mais graves: no final de 1976 aquele quociente era, por exemplo, no México, de 13; no Peru, de 7; no Brasil, de 3,5.
Simplesmente, se a dívida externa continuasse a crescer ao mesmo ritmo, rapidamente alcançaríamos uma situação em que os limites referidos seriam ultrapassados, altura em que a falta de credito externo nos obrigaria então a medidas muito mais drásticas das que são actualmente necessárias para reduzir o deficit externo.
Em segundo lugar, mesmo que pretendêssemos continuar com o mesmo nível de deficits, não conseguiríamos encontrar o montante de divisas indispensáveis ao seu financiamento.
É certo que possuímos ainda montante apreciável de reservas livres de ouro que, todavia, não dariam para muito tempo, mesmo deixando de lado os difíceis problemas da sua utilização a curto prazo. Durariam certamente menos de um ano, sendo a previsão, contudo, difícil de fazer, pois tudo dependeria do ritmo da exigência de pagamento imediato da dívida externa, sem renovações, que o conhecimento internacional da situação não deixaria de desencadear.
O facto é que desde 1974 acumulámos um deficit de cerca de 110 milhões de contos e já se afectaram cerca de metade das reservas de ouro do País. Desde 1975 que se obtiveram empréstimos a curto prazo com garantia ouro e haverá que pagá-las no futuro, para o que se terá necessariamente de utilizar o ouro dado como garantia.
As reservas livres de ouro são a base patrimonial indispensável para obtermos créditos externos sem estarmos inteiramente à mercê das condições que nos quiserem impor. São uma condição de independência nacional. Por isso a política do Governo, exigida pelo interesse nacional, é a de apontar para níveis de deficit externo que seja possível financiar, recorrendo aos meios normais disponíveis internacionalmente, sem continuar a utilizar as reservas livres existentes.
Finalmente, a terceira razão por que devemos procurar reduzir, agora e não mais tarde, o nosso deficit externo reside em que se continuássemos a mesma política ou se agravássemos a situação, adoptando um expansionismo inconsiderado, a breve trecho, esgotadas as reservas, teríamos de adoptar medidas de travagem da actividade económica ainda mais profundas, com perturbação imprevisível do aparelho produtivo nacional
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Aceite a prioridade a conceder no imediato ao problema da balança de pagamentos e a necessidade da redução do respectivo deficit, a lógica política económica a curto prazo daí decorre como iniludível

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consequência. Tenho há muito, porém, a frustrante sensação de que muitos portugueses não compreenderam ainda a verdadeira natureza e dimensão do problema externo que defrontamos.
A existência de um deficit externo corrente com o externar significa três coisas: a primeira é que o nível da despesa interna em consumo e investimento é superior ao produto interino, isto é, o País gasta mais do que produz; a segunda é que há agentes económicos nacionais que têm despesas superiores às suas receitas, o que só é possível pela via do crédito interno concedido; a terceira é que o nível de poupança interna é insuficiente para financiar a actividade de investimento, isto é, que existe um nível de consumo excessivo.
Ora, isto implica, como contrapartida, que para reduzir a curto prazo um deficit de transacções correntes seja indispensável: primeiramente, que o nível de despesa interna, e portanto o rendimento, e o incentivo a gastar dos agentes económicos se ajustem melhor às possibilidades da produção, visto que estas últimas a curto prazo não podem aumentar sem que isso implique aumento de importações; em segundo lugar, que os agentes económicos nacionais têm de alcançar situações financeiras mais equilibradas, o que exige um maior contrôle da situação de liquidez da economia e, consequentemente, do crédito; depois, que o aumento do consumo e o seu peso no total da despesa nacional tem de ser contados para que a poupança interna aumente.
Quer tudo isto dizer que uma economia que gera deficits externos que não pode financiar de forma continuada tem estruturas produtivas de rendimentos ou de despesas que não são viáveis. Como a curto prazo não é nunca possível transformar significativamente a estrutura produtiva, porque isso exige tempo e investimentos de maturação demorada, o que tem de se ajustar são as estruturas de rendimentos e de despesas, em particular as de consumo, visto que não é desejável prejudicar o investimento para não comprometer mais o futuro. Em suma, é uma verdade indiscutível que a redução no curto prazo do deficit da balança de transacções correntes com o exterior, quaisquer que sejam os métodos e as políticas utilizadas para o conseguir, implica sempre sacrifícios na qualidade de vida da população. Ao contrário do que parece pretender a Oposição, não há uma cura sem dor para quem vive acima das suas posses. Não há absolutamente nenhuma experiência histórica em nenhuma economia, qualquer que seja o regime político e a orientação do Governo que a gere, em que se tenha reduzido o deficit externo de um ano para o outro, conseguindo-se ao mesmo tempo o crescimento acelerado da economia, o aumento substancial do emprego, a significativa melhoria do nível de vida. A Oposição sabe, de resto, que é assim e o povo, com o seu bom senso, também. Se a Oposição persiste, no entanto, em afirmar que é possível o contrário, constitui-se na obrigação de demonstrar aqui, com raciocínios e argumentos lógicos e fundamentados, que conseguia um de dois milagres:

1.º Expandir a economia em crescimento acelerado e dar prioridade ao emprego, admitindo, como logicamente admitem alguns, que isso Empeçaria a manutenção ou
aumento do deficit externo. Onde iria, muito concretamente, a Oposição arranjar nesse caso mais de 1 bilião de dólares por ano para financiar os deficits que resultariam daquela política nos próximos anos;

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador:

2.º Reduzir o deficit externo, o que outros aceitam como necessário, mas conseguindo ao mesmo tempo, para além de evitar qualquer sacrifício às classes laboriosas, aumentar significativamente o emprego, a produção, os salários reais, os benefícios sociais e diminuir ainda, para cúmulo de tudo, a carga fiscal.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - É manifesto que a Oposição não demonstra possuir tais qualidades demiúrgicas e se limita apenas a afirmar academicamente, com a distância das responsabilidades que a sua situação de oposição lhe permite, que era isso que o Governo devia fazer. Ou pior ainda, que era isso que o Governo podia fazer e só não faz porque o não quer. E não o quer, provavelmente, porque, qual masoquista, em vez da popularidade das benesses fáceis, procura deliberadamente a impopularidade.
Explicam-me os peritos, com ar grave e entendido, que tais afirmações obedecem a «evidentes» razões da política...
Mas desejo, a esse propósito, fazer uma prevenção: a criação de ilusões na população de que há uma saída fácil para o esmagador problema financeiro que defrontamos pode facilmente degenerar em perigosa frustração que se virara contra o próprio regime democrático quando se verificar que afinal as ilusões não podem tornar-se realidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que o País não tem outra solução que não seja assumir frontalmente as dificuldades. Com este Governo ou com outro, em regime democrático ou fora dele, agora ou mais tarde, na certeza de que quanto mais tardiamente o fizer mais trágicas serão as consequências. Quantas democracias e regimes progressistas soçobraram já, exclusivamente por razões do estrangulamento das suas balanças de pagamentos deficitárias: do Brasil de 1964, à Indonésia de 1965, ao Chile de 1973.
Cuidado, pois, com o agitar das ilusões, com o desencadear de lutas que não podem ter sucesso material. Se não actuássemos agora com determinação e chegássemos no limite, extremo e absurdo, a uma situação em que, esgotadas as reservas livres de ouro, e sem credito internacional, tivéssemos de ajustar subitamente o nível das nossas importações ao montante das nossas receitas correntes, eliminando um deficit que em 1977 foi já de 47 milhões de contos, pode ter-se uma ideia do que isso representaria de descida catastrófica do nível de vida, de desorganização total da produção, de desemprego generalizado. Pois não é verdade que 47 milhões de contos repre-

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sentam muito mais do que o valor de todos os produtos alimentares que importamos, o dobro do valor de todos os produtos de consumo final ou de todos os bens de equipamento que compramos ao exterior?
A verdade é que a Oposição não pode aqui demonstrar que conseguiria realizar qualquer dos dois milagres referidos, porque tal não é demonstrável, como resulta da argumentação que é avançada no Programa do Governo. Gostaria, porém, de levar ainda mais longe a minha própria demonstração, aproveitando ao mesmo tempo para explicar a lógica de fundo da política de curto prazo que o Governo pensa seguir e responder a algumas das críticas que ao longo deste debate aqui têm sido produzidas.
Ponderemos serenamente a questão: quais são as soluções que em teoria um país pode adoptar perante um deficit da sua balança de pagamentos correntes? São de cinco tipos: financiar o deficit, alterar as estruturas produtivas, desvalorizar a moeda, adoptar restrições às importações e, finalmente, conter a expansão da despesa interna. A primeira, a de financiar o deficit, utilizando as suas reservas, promovendo a entrada autónoma de capitais, angariando os empréstimos que se revelarem indispensáveis. Já vimos os limites que esta solução encontra neste momento no nosso caso.
Teremos de continuar a obter capitais para nos financiarmos, mas não é possível continuar com os mesmos níveis de deficit. Não basta, portanto, esta solução.
A segunda seria alterar as estruturas produtivas através, designadamente, de uma adequada política de investimentos e de incentivos, de modo a aumentar a capacidade de exportação e a substituir importações. É certo que a médio e a longo prazo só assim resolveremos em bases sólidas a questão estrutural do nosso deficit externo. É precisamente neste sentido que o Governo procurai orientar a sua política de desenvolvimento.
O Governo, na parte do investimento que o sector público controla directamente, actuará também no sentido indicado. Simplesmente, os investimentos levam tempo a realizar, as novas produções não se originam de um dia para o outro e, entretanto, é no curto prazo que nós temos que reduzir o deficit externo.
A solução é, pois, necessária; será adoptada, mas não é suficiente. Além do mais, porque não é também possível aumentar a curto prazo e de forma significativa as exportações, mesmo que fosse a partir da produção dentro da capacidade produtiva já instalada, sem exigir, portanto, novos investimentos. Com efeito pana além dos problemas internos, existe uma crise internacional que limita o crescimento dos mercados e do comércio mundial. Na zona da OCDE, onde fazemos cerca de 80% do nosso comércio, prevê-se para 1978 que as trocas comerciais aumentem apenas 5 % em volume e as exportações dos pequenos países da zona apenas 2%. Em 1977 os nossos resultados foram já melhores que os dos restantes países de pequena dimensão, visto que as nossas exportações aumentaram 6,2 % em volume. Com tais perspectivas gerais não há medidas que possam fazer com que milagrosamente as nossas exportações comecem a crescer em volume a taxas superiores a 10% ou a 20%, como pretendiam alguns. Mesmo com todo o êxito na diversificação de mercados que se procura alcançar, as limitações da capacidade produtiva interna existente não permitiram nunca que atingíssemos tais valores.
Uma terceira solução será depreciar a moeda, por forma a encarecer as importações e a tornar mais rendíveis e competitivas as exportações. A desvalorização altera os preços relativos entre os bens que são objecto de comércio internacional e os puramente internos e com isso estimula o desvio da produção na direcção dos primeiros e desencoraja a procura de bens importados. A solução tem sido adoptada entre nós e vem longamente explicada no Programa, pelo que não irei repetir por que é que o Governo procurará manter a actual política de depreciação gradual do escudo, tendo em conta as diferenças de taxas de inflação em Portugal e nos nossos principais parceiros comerciais, bem como a evolução no tempo da situação das reservas de ouro e divisas.
Dada a inflação interna e, portanto, a evolução dos custos ser muito superior à subida de preços internacionais, tal política é indispensável para garantir a rendibilidade da actividade exportadora, que de outro modo ficaria estrangulada economicamente. O efeito a curto prazo no aumento das exportações poderá não ser muito significativo, e por isso esta medida também não é suficiente, embora seja garantia indispensável para que, numa óptica de médio prazo, continue a ser atractivo investir no aumento de capacidade do sector exportador.
A quarta solução seria a de aplicar restrições directas às importações (sobretaxas, depósitos prévios, contingentes).
Com esta solução entramos já no domínio dos métodos de carácter restritivo. Há muito quem tenha este método por excelente e defenda que ele se devia generalizar muito para além do que tem sido a sua aplicação entre nós. Convém porém, desfazer alguns equívocos ou ilusões que parece terem os seus defensores.
Em primeiro lugar, a solução não evita os aumentos de preços dos bens importados, que também provoca uma desvalorização. Quanto às sobretaxas e aos depósitos prévios, será mesmo pelo acto de aumentarem directamente os preços que podem ter algum efeito. Os contingentes, provocando a escassez, conduzem ao mercado negro ou às práticas lucrativas dos beneficiários das insuficientes licenças de importação, em ambos os casos aumentando também os preços.
Em segundo lugar, no nosso caso, para ser significativa a poupança de divisas, as restrições teriam de recair em bens essenciais para o consumo ou para a produção, assim se afectando também o nível de vida e o ritmo de crescimento da actividade económica. Os chamados bens de luxo não representam de facto senão uma ínfima parte das nossas importações totais.
Em tempos, o PCP falou em eliminar de uma vez cerca de 11 milhões de contos de importações. Como isto foi afirmado em 1977 devia referir-se às importações de 1976. Se dividirmos, porém, as importações em bens de equipamento, bens intermédios para a produção e bens de consumo final, podemos ver que estes últimos representaram cerca de 18 milhões de contos e que, destes, cerca de 6 milhões foram de bens de consumo duradouro, electrodomésticos, etc.
Quer dizer: se não cortarmos nos bens de equipamento, necessários ao investimento, ou nos bens intermédios, sem os quais a produção nacional teria de

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cair, era necessário eliminar todos os bens de consumo duradouro e mais cinco milhões de outros bens de consumo. Já se mediu o que isso representaria em descida do nível de vida e, acima de tudo, o que isso implicaria em termos de imediata falência de um vasto sector distribuidor, com agravamento imediato do desemprego e descida do produto nacional?
Que diferença haveria então em relação às acusações que se faz à política de estabilização indicada no Programa do Governo? Apenas se seria mais selectivo na escolha dos sectores e actividades afectados e teria necessariamente de ser possível criar novos empregos noutros sectores para que o nível de emprego total não fosse afectado.
Em terceiro lugar, o método em causa ataca apenas as consequências e não as causas do problema do deficit externo, uma vez que mantém o desequilíbrio entre o rendimento distribuído internamente e as possibilidades da produção nacional, aumentando a pressão da procura sobre bens não sujeitos directamente a restrições.
Para além destes aspectos, esta solução das restrições directas não pode ser generalizada por três outras razões de fundo: a primeira, é a de que isso contraria os nossos compromissos internacionais no GATT, na EFTA, na CEE, a segunda, é a de que isso provocaria retaliações dos nosso parceiros comerciais; a terceira, é o risco que isso traria de estimular a produção para um pequeno mercado de bens que substituíssem os que eram objecto de restrições, podendo eventualmente conduzir a actividades economicamente ineficientes, com altos custos. Não é essa a melhor forma de maximizar o crescimento económico, a produtiva dade e, portanto, o bem-estar da população. A substituição de importações tem evidentemente de fazer-se, na medida do tecnicamente razoável, de acordo com critérios que se especificam no Programa, a p. 113.
Chegamos assim ao quinto método ou quinta solução de corrigir um deficit da balança de pagamentos correntes, que é o da contenção da despesa interna através da aplicação de uma política económica restritiva nos domínios das políticas orçamental, fiscal, monetária e de rendimentos. Trata-se de conter o crescimento da procura interna, a fim de, tal como no método anterior indicado, procurar uma redução das importações à custa da moderação da taxa de crescimento da economia. É uma política designada de estabilização, aplicada geralmente em situações de forte inflação ou de deficit da balança de pagamentos.
Já indiquei que o Governo não dispensa nenhum dos restantes métodos descritos para combater o desequilíbrio externo, mas, dadas as limitações apontadas a cada um deles, não se poderá também dispensar este último. A política de estabilização ou de austeridade é necessária por razões estritas do interesse nacional se quisermos reduzir a nossa dependência do exterior e não representa, por isso, uma mera cedência às exigências do Fundo Monetário Internacional, como caluniosamente aqui se tem procurado fazer crer.
A sua justificação profunda encontra-se na soma de argumentos que aqui procurei produzir. A alternativa que se abre ao País é esta: ou estabilização agora, ou mais tarde, em piores condições e com maiores custos sociais. A estabilização do desequilíbrio financeiro externo é também a condição de um crescimento económico futuro mais sólido porque menos sujeito às perturbações periódicas de crises financeiras da balança de pagamentos.
A única circunstância que nos permitiria prosseguir uma estratégia ainda mais gradual de reequilíbrio da balança de pagamentos que possibilitasse um crescimento económico mais elevado no imediato residiria, como se escreve no Programa do Governo, na «existência de garantias internacionais negociadas de financiamento extraordinário que nos assegurasse, no médio prazo, o montante de divisas indispensável a uma tal estratégia. Talvez que essa possibilidade tenha algumas hipóteses de surgir no contexto do processo de adesão às Comunidades Europeias. Na sua ausência, no entanto, seria seguramente irresponsável adoptar uma tal política, que rapidamente nos conduziria a uma situação de ruptura após o esgotamento das reservas livres que nos restam».
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Quais são os elementos principais da política macroeconómica de curto prazo que integrarão, juntamente com outros elementos apontados, a política de estabilização para 1978?
Em primeiro lugar, uma política orçamental mais restritiva que estabilize o consumo público em termos reais e, pela via fiscal, contribua também para a contenção do rendimento disponível e, portanto, do consumo privado. Isto implica um ligeiro aumento da carga fiscal, uma redução de subsídios e transferências e um esforço geral de contrôle das despesas correntes. Em princípio, o esforço de investimento do sector público administrativo não será sacrificado.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, uma política monetária e de crédito mais restritiva que em 1977, pois, como expliquei atrás, o controlo da liquidez na economia é indispensável para reduzir o deficit externo. Conforme se especifica largamente no Programa, terá que reforçar-se o carácter selectivo da política de crédito ao mesmo tempo que a diminuição das necessidades de crédito para o Orçamento permitirá reservar maior fatia para o crédito ao sector produtivo da economia.
Em terceiro lugar, uma política de moderação do crescimento dos rendimentos salariais e não salariais disponíveis para consumo, procurando-se, de resto, que, através da dinamização do mercado financeiro, a poupança possa aumentar voluntariamente, reforçando-se, desse modo, o esforço de estabilização financeira.
Eis, em síntese, o essencial, dispensando-me de repetir o desenvolvimento detalhado destas políticas, visto que isso pode ser encontrado ao longo de muitas páginas do Programa do Governo.
Em que consistirá então a austeridade?
Fundamentalmente no seguinte: primeiro, no ligeiro aumento da carga fiscal; segundo, no aumento de alguns preços, em resultado da diminuição, em termos reais, dos subsídios, indispensável ao reequilíbrio orçamental, ou por virtude da necessidade de diminuir o deficit das empresas públicas. Falarei adiante sobre o problema da inflação, mas o que agora assinalei pode implicar uma redução temporária do poder de compra para alguns estratos da população que

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não virem os seus rendimentos imediatamente aumentados por não ser a altura de beneficiarem de novo contrato colectivo ou do ajustamento automático de que se fala no Programa; consistirá também na contenção da crescimento de certos benefícios sociais que não poderão continuar, por algum tempo, a progredir ao ritmo a que se tem vindo a verificar. Isto resulta também da necessidade de conter o deficit orçamental. A situação financeira da previdência é, como se sabe, preocupante e basta pensar que qual, quer esforço adicional, por exemplo, no domínio das reformas implica encargos elevadíssimos, visto que, havendo cerca de 1 milhão de reformados, cada aumento individual de 100$ por mês significa, para treze meses, uma despesa de 1 milhão e 300 mil contos. Como se poderiam financiar os generosos aumentos de quase todos os benefícios sociais que a Oposição promete quando ela própria se insurge ao mesmo tempo contra o aumento da carga fiscal? Consistirá, finalmente, em quarto lugar, nas dificuldades acrescidas que algumas empresas sentirão, em resultado da política de crédito mais restritiva, podendo eventualmente algumas correr o risco de falirem e gerarem, pontualmente, algum desemprego. Risco que, conforme sublinhei, também existia, e mais certo, se nos encaminhássemos para o corte directo de importações ao nível dos muitos milhões de contos.
O emprego, de resto, não se defende solidamente com a manutenção artificial de empresas inviáveis pela via de crédito, mas sim reservando este para a criação e normal funcionamento de empresas bem estruturadas e eficientes.
Dado, porém, que o programa de estabilização prevê que o nível do investimento produtivo aumentará, em termos reais, de tal forma que se possa atingir uma taxa de crescimento da economia que, apesar de inferior à de 1977, será positiva e superior à da generalidade dos pequenos países da zona da OCDE, decorre daí que o emprego aumentará também nalguns outros sectores e empresas, pelo que se pode afirmar que, pelo menos, não haverá agravamento do actual volume de desemprego.
Assinale-se, aliás, que para 1978 o crescimento do produto nacional no conjunto dos pequenos países da OCDE se estima apenas entre 1 % e 3-4 % e que para alguns países com problemas de desequilíbrio externo se prevêem taxas como as de 0% para a Finlândia e a Suécia, 0,5 % para a Espanha, 1 % para a Dinamarca, 1,5% para a Áustria e a Itália. Tudo países com menores dificuldades do que nós que, em percentagem do produto nacional, temos o maior deficit de toda a zona da OCDE. Que meditem nisto os furiosos do crescimento acelerado e se informem, se necessário, junto dos partidos homólogos nesses países que, em geral, no governo ou na oposição, têm sabido assumir a atitude responsável e patriótica que a difícil situação de todos requer.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao terminar este ponto, quero ainda acentuar que a estabilização e a austeridade não consistirão, como alguns temem, na falta de géneros essenciais ou no racionamento; não será também a degradação acentuada do nível de vida, mas uma pausa temporária na legítima impaciência de todos nós em querer ver melhorada a sorte do nosso povo. Não pode ser também um factor depressivo de desespero perante o futuro colectivo, antes o necessário remédio que revigora. Não pode ser o acentuar do cepticismo, antes a certeza que saberemos vencer a adversidade e que, ultrapassada a crise, poderemos encarar o futuro com outra esperança.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: O Governo conhece os riscos e os custos sociais potenciais do programa económico para este ano. Como já acentuei, porém, prolongar por mais tempo o clima de artificial facilidade em que se tem vivido, angustiadamente à espera de uma austeridade que afinal não chega, é preparar um futuro próximo ainda mais negro. A austeridade, apesar de tudo moderada, que agora se anuncia é condição imprescindível para salvar a democracia e o País da bancarrota com o cortejo de misérias que, então sim, não poderíamos evitar.
Por isso, aos nefelibatas da política que não sabem fazer uma conta e aos utopistas da fuga para a frente também quero aqui dizer: em Portugal, aqui e agora, o realismo e o rigor é que são progressistas.

Aplausos do PS e do CDS

O Governo tudo fará para minimizar os efeitos negativos da política de estabilização financeira, no plano social e no domínio do processo de desenvolvimento a médio prazo. Todo um capítulo do Programa é dedicado a este tema. Nele se indica uma série de aspectos que respeitam à promoção das expor tacões, à orientação selectiva do investimento, à inversão das expectativas dos agentes económicos, à dinamização da produção de bens alimentares, etc. Nele se apontam também algumas tarefas em que toda a população deve colaborar e que dizem respeito à mobilização de recursos latentes, de capacidades produtivas não aproveitadas, ao evitar de desperdícios de recursos que são importados, à preferência sistemática a dar aos produtos nacionais. Quanto mais sentido cívico tivermos acerca das reais dificuldades do País, quanto mais colaborarmos no esforço de evitar o aumento das importações, mais rapidamente poderemos ver ultrapassada a crise que defrontamos.
O capítulo que referi constitui, assim, uma parte importante do Programa do Governo, pois revela que, ao pensar a política de curto prazo, não se esqueceram as necessidades do médio prazo e se acentua que a política económica global não dispensa o ataque desde já aos problemas e debilidades estruturais da nossa economia.
Antes, porém, de entrar nas questões do médio prazo, gostaria ainda de abordar algumas das mais repetidas críticas que são feitas ao Governo e ao seu Programa: a primeira diz respeito à questão da independência nacional e das negociações com o Fundo Monetário Internacional.
Acusam-nos de capitularmos sem resistência perante as exigências do Fundo Monetário Internacional, pondo em risco a independência nacional ao aceitarmos que a nossa política seja ditada pelo estrangeiro. A acusação é falsa e caluniosa. A ver-

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dade é que se hoje estamos mais dependentes do que nunca do exterior é porque não soubemos travar a tempo a desastrosa situação das nossos finanças externas. É porque é necessário reduzir o deficit externo para que possamos ser menos dependentes, que a política de estabilização que preconizamos decorre directamente do interesse nacional e não das exigências de qualquer entidade internacional. Para essa política ainda não vimos feita a demonstração de uma alternativa viável como procurei ilustrar na minha intervenção. A defesa que fazemos dela é a forma, correcta e realista, de lutarmos pela independência nacional.
Também eu quero, como todos os portugueses, que «sobre os destinos de Portugal sejam os Portugueses a decidir».

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pelas funções que tenho desempenhado e que são conhecidas, tenho talvez uma mais aguda consciência das dificuldades que se abatem sobre um pais. pequeno e pobre quando depende da solidariedade internacional para equilibrar as suas contas. Por isso mesmo aumenta a minha determinação em que, com o nosso esforço e o nosso sacrifício, reduzamos o desequilíbrio das nossas finanças externas. Porque ninguém se iluda: não o conseguiremos sem esforço e sem sacrifício como creio ter já demonstrado. A luta pela maior independência nacional, dentro dos limites que esta pode ter no mundo moderno, passa hoje. essencialmente, pela nossa determinação colectiva em reduzirmos o deficit da balança de pagamentos.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Entretanto precisamos de empréstimos para financiar o desequilíbrio volumoso que ainda manteremos. Nenhum partido contesta isto, creio. Como também acabaram por reconhecer que era inevitável - porque isso nos e imposto como condição e garantia pelos países que estão dispostos a conceder-nos esses empréstimos - que negociássemos com o Fundo Monetário Internacional um programa de estabilização no âmbito da obtenção de uma segunda tranche de crédito junto dessa organização financeira internacional.
Terei ocasião de informar o País mais detidamente sobre o que isto implica quando, concluído o acordo, tornar conhecidos os respectivos termos. Por agora queria apenas sublinhar que se não discutimos a necessidade de um programa de estabilização, não estamos necessariamente de acordo com o grau de utilização de alguns dos instrumentos que o Fundo, na primeira fase das negociações, defendia ser indispensável para que se alcançasse o nível do deficit tomado como objectivo. Não sabemos ainda como irão decorrer as negociações na segunda fase. Procuraremos defender com firmeza os nossos pontos de vista, tal como foi feito na primeira fase das negociações, escudados no melhor conhecimento que necessariamente temos dos mecanismos de funcionamento da economia portuguesa. Por outro lado, não esquecemos, conforme se escreve no Programa do Governo, que a maior parte dos nossos problemas têm uma
origem estrutural, pelo que «um programa excessivamente deflacionista poderia eventualmente conduzir-nos a um círculo vicioso de estagnação que não permitiria sequer resolver, em última análise, o problema do desequilíbrio externo em bases sólidas, para além dos graves problemas sociais que poderia provocar no plano do emprego. O programa de estabilização tem assim de inserir-se numa óptica de recuperação económica, reconhecendo-se que só nesse enquadramento de uma política activa de médio prazo será possível resolver eficazmente os nossos problemas. Esta é uma perspectiva em que o Governo insistirá nas negociações com o Fundo Monetário Internacional».
A segunda acusação que nos movem é a de que pretendemos resolver a crise apenas, e exclusivamente, à custa do agravamento da inflação, do sacrifício do poder de compra dos trabalhadores e da protecção aos ricos.
Não tenho, infelizmente, tempo para abordar cabalmente, como desejaria, todas estas questões que são importantes e que merecem que não as iludamos. Para trás ficaram já algumas notas que creio conterem diversos elementos de resposta. Limito-me, por isso, a algumas remissões e esclarecimentos adicionais.
Quanto ao problema da inflação, vejo-me forçado a remeter para o respectivo capítulo do Programa que julgo expõe com clareza o que o Governo pensa sobre o assunto e as medidas que conta tomar para que a taxa de subida dos preços se estabilize em níveis próximos de 20%.
No que se refere à questão de saber quem mais vai pagar a crise, penso ser importante sublinhar resumidamente os seguintes aspectos: dada a dimensão do problema em causa, tal como a descrevi, não é possível resolvê-lo sem atingir a grande maioria dos portugueses e, consequentemente, as classes laboriosas que constituem essa maioria. Creio sinceramente que é inteiramente ilusório pensar-se que só pedindo sacrifícios aos mais ricos era possível atingir um maior equilíbrio orçamental, conter a expansão do consumo total e aumentar a poupança na economia.
Não é, por outro lado, correcto dizer-se que apenas os rendimentos dos trabalhadores serão afectados. No Programa fala-se em aperfeiçoamento da tributação dos rendimentos não salariais, aumentando a carga fiscal sobre os mais altos rendimentos, colmatando algumas lacunas da nossa legislação fiscal, e menciona-se o necessário contrôle das margens de lucros das empresas através da adopção de um verdadeiro código de preços.
De resto, sem ser pela via da expropriação pura e simples, não se vê como era viável, independentemente do combate à evasão e fraude fiscais e dos aperfeiçoamentos agora referidos, agravar mais a progressividade das taxas dos impostos directos.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Muito bem!

O Orador: - As taxas respectivas são já muito elevadas e em qualquer sistema económico há sempre um equilíbrio difícil de estabelecer entre equidade e eficiência.
Ora, o facto é que ninguém parece propor a continuação da colectivização da economia e, sendo assim, o problema dos incentivos materiais ao trabalho individual e ao investimento têm de ser encarados com realismo, visto que, havendo um sector pri-

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vado com necessária liberdade de decisão há que ponderar se taxas tão elevadas de tributação não são um estímulo à evasão e fraude fiscais, à greve do investimento, ao desincentivo ao trabalho por parte dos quadros.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Estes são problemas muito concretos que existem e condicionam a eficiência de funcionamento do sistema, o que acaba por nos prejudicar a todos. Manter o statu quo institucional quanto aos diferentes sectores da economia, como é garantido no Programa do Governo, implica necessariamente que respeitemos a lógica própria de funcionamento de cada um deles e lhes demos condições para que possam contribuir com eficiência para a recuperação da economia.
Diz-se também, por outro lado, que o Governo vai distribuir milhões de contos aos capitalistas indemnizando-os pelas nacionalizações. Não sei se com isso se pretende defender que não devia haver qualquer indemnização o que seria contra a lei que esta Assembleia aprovou e o Governo tem que cumprir, e tenho para mim que era indispensável indemnizar o capital nacionalizado como condição de consolidação das nacionalizações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque se tal não fosse feito se perpetuaria um confisco dificilmente aceitável e porque, politicamente, indemnizar é a única forma de pôr termo a um contencioso que, a manter-se, constituiria ameaça permanente ao próprio princípio das nacionalizações.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Der resto, não se vão distribuir milhões de contos em dinheiro, mas em títulos do Tesouro, em condições que, de resto, parecem também não satisfazer inteiramente os indemnizados mas que eram as possíveis dentro das limitações financeiras existentes, permitindo-se apenas a mobilização imediata dos títulos em algumas situações limitadas e bem definidas, porque também não era viável admitir que por essa via se fosse tornar subitamente líquido uma significativa parcela do capital nacional, injectando na economia uma liquidez que destruiria política monetária que tem de ser prosseguida. Mesmo assim, a mobilização dos títulos para fins de investimento, em certas condições, definidas na lei, pode dar ocasião ao aparecimento de investimentos que, se admitidos apenas, como irão ser, nos sectores onde possam contribuir mais para o emprego e a balança de pagamentos, podem ter um efeito positivo na situação económica. Por isso no Programa do Governo se fala na rápida regulamentação da lei que esta Assembleia aprovou sobre o assunto.
Gostaria de sublinhar ainda que a preocupação de defender o poder de compra dos trabalhadores aparece no Programa quando se anuncia a intenção do Governo de instaurar um sistema de ajustamento automático dos salários a meio da vigência dos contratos colectivos quando a taxa de subida dos preços tiver ultrapassado, de forma significativa o aumento inicialmente atribuído.
Finalmente, o Programa do Governo aponta também medidas concretas de revisão do salário mínimo, de algumas reformas, etc., que visam proteger os mais desfavorecidos numa preocupação de serem esses os menos afectados pela crise. Mas é preciso reconhecer que, em qualquer sociedade, a indisciplina financeira como aquela em que temos vivido acaba sempre por afectar os mais pobres, visto que é sempre difícil atender a todas as situações e compensar todas as distorções de rendimentos que a inflação automaticamente provoca. É por isso também que a resolução da nossa crise financeira se torna indispensável e terá de ser conseguida.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A superação da grave situação financeira do País, que exigirá de todos nós alguns sacrifícios durante o ano de 1978, criará as condições de lançamento de um programa de desenvolvimento a médio prazo, cujas grandes opções o Governo conta apresentar a esta Assembleia. Nele espero que se possam abrir aos Portugueses perspectivas mais optimistas quanto à melhoria do seu bem-estar e à satisfação das necessidades sociais. Num horizonte mais largo será possível vermos mais claramente a saída da crise que presentemente nos atinge.
Não quero adiantar-me ao que de mais concreto se virá a apresentar naquela altura. No Programa do Governo se enunciam alguns princípios orientadores da estratégia a adoptar para o médio prazo. A visão do desenvolvimento que decorre desses princípios é o de que o crescimento tem de respeitar os equilíbrios económicos, encontrar o seu sentido último na satisfação das necessidades e na melhoria do nível de vida da população, e pretende a modernização da sociedade portuguesa no quadro da abertura à Europa na qual nos pretendemos integrar.
Passando agora a outro ponto, lembro que afirmei de início que as condições de resolução do nosso problema económico eram, para além da aplicação de uma política económica tecnicamente correcta e consistentemente executada, a existência de uni quadro institucional claro e o respeito pelos mecanismos e incentivos económicos adequados ao sistema institucional vigente. Queria agora falar das duas últimas, não tendo infelizmente muito tempo para o fazer. Limito-me a três ou quatro apontamentos muito breves.
O Governo pensa que existe hoje um quadro institucional definido pela Constituição e por um conjunto de leis fundamentais, que configura um determinado equilíbrio que não deve agora ser posto em causa, visto que isso seria comprometer o esforço de estabilização e normalização da economia. Procurar alterar os dados fundamentais da organização e funcionamento da economia portuguesa seria um incentivo à confrontação social que impediria a desejável recuperação.
Há que regulamentar rapidamente algumas dessas leis, mas tal não poderá conduzir, como é evidente, à desvirtuação do que nelas se estabelece. O Programa do Governo dá a este respeito as indispensáveis garantias.
A manutenção dos sectores institucionais da economia e a necessidade de conseguir a recuperação

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desta última exigem que se procure dar a todos, sector público, privado ou cooperativo, as condições imprescindíveis para que possam operar com eficiência em benefício do conjunto da economia.
A dinamização do sector público produtivo passa, deste modo, por medidas que possibilitem o seu maior equilíbrio económico e financeiro e criem condições para a formação de excedentes económicos e novos investimentos produtivos. No Programa do Governo se expõem desenvolvidamente essas medidas.
Quanto ao sector privado, o seu peso maioritário na economia implica o reconhecimento do seu papel fundamental e decisivo para a recuperação económica. Implica também que se lhe criem as condições de funcionamento e de estímulo ao seu desenvolvimento que permitam ultrapassar estrangulamentos e desconfianças que afectam a criação de novos empregos e o aumento da produção. Também no Programa do Governo se explicitam as medidas que se tomarão a este respeito.
Com tudo isto se pretende reafirmar que se completará o quadro jurídico que clarifique a economia portuguesa como uma economia mista, de coexistência concorrencial entre diferentes sectores institucionais como modo de regulação assegurado por uma síntese entre os mecanismos de mercado e de planeamento, adequada à nossa futura inserção na CEE. Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Vai longa já esta minha intervenção e urge, portanto, que a termine. Tracei nela o que honestamente e comi verdade me parecem ser os dados essenciais da natureza e dimensão da profunda crise que atravessamos e da terapêutica para a debelar.
A experiência que colhi da participação em vários Governos desde o 25 de Abril deu-me a consciência das limitações de qualquer acção governativa. Para que uma política tenha condições de aplicação positiva não basta que esteja bem concebida ou que seja executada com decisão. É necessário que tenha acolhimento no País e receba deste um compreensivo apoio.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É necessário que exista um consenso nacional mobilizador que nos permita enfrentar as reais dificuldades do País e vencê-las. Sem fins comuns não pode haver esforço comum. Se nos dividirmos ainda mais, se não compreendermos que o momento não é para que cada grupo pense apenas no seu próprio interesse, num maximalismo estéril porque autodestrutivo. Se não aceitarmos que a situação exige o diálogo e o compromisso e não a força, a luta permanente ou o «revanchismo» saudoso do passado, caminharemos talvez para um beco histórico de dramáticas consequências.
É também indispensável, creio, que todos nós. Governo e oposição, sejamos capazes de dar provas de que as instituições democráticas funcionam e podem resolver os problemas do País com eficácia. Que não as reduzamos à impotência pela ausência de diálogo ou pela intolerância, que não as aviltemos pela demagogia, que não as corroamos pelo oportunismo ou pela corrupção. A democracia é também um código moral, um tipo de comportamento feito de honorabilidade, de sentido cívico e de respeito pelo adversário.

Vozes do PS e do CDS: - Minuto bem!

O Orador: - Na actual situação do País é talvez necessário lembrar isto para que possamos corresponder às dificuldades da crise nacional. Escreveu Jean Monnet que os homens só actuam decisivamente na necessidade e só reconhecem a necessidade nos momentos de crise. Estamos num desses momentos. Agir com lucidez e decisão é o que os Portugueses têm o direito de exigir ao Governo, mas é também o que o Governo espera dos Portugueses.

Aplausos do PS, CDS e dos membros do Governo.

O Sr. Presidente: - Nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer pedidos de esclarecimento?

Pausa.

Vozes do PS: - Ah! está tudo esclarecido!...

O Sr. Presidente: - Como não há pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia para uma intervenção.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quase desde o início das diligências para a formação do II Governo vinha o PSD explicando ao País que a posição dó PS era apenas a de desejar estabelecer uma plataforma de incidência governamental com um único partido. E mais afirmava o PSD que tal solução só se concretizaria se o CDS a viesse a aceitar, dado que os sociais-democratas não transigiriam sobre o objectivo patriótico de uma plataforma tripartida de salvação nacional. Os factos se encarregaram de confirmar a justeza da nossa análise e a solidez da nossa determinação.
Há, no entanto, ouvidos desatentos ou desorientados em Portugal e as trombetas da propaganda da semicoligação principiaram a insinuar que a não formação de um governo tripartido se deveria à recusa de participação do PSD.
A questão foi, porém, esclarecida em artigo publicado em 25 de Janeiro num semanário lisboeta. Aí veio o Sr. Deputado Jaime Gama, cioso da sua co-paternidade, com irreprimível e baboso orgulho, rever-se na fórmula governativa que ora submete ao julgamento desta Câmara o seu primeiro e sintomático fruto. Graças a esse escrito, ficaram os incautos e os cépticos a saber que a fórmula da semicoligação corresponde ao objectivo estratégico da desagregação do PSD.
Prestimosamente explica aquele Sr. Deputado que a semicoligação obedece ao propósito de estabelecer em Portugal um esquema partidário polarizado em três forças dominantes: a demo-cristã conservadora (representada pelo CDS), a social-democrata-socialista (conquistada pelo PS) e a comunista.
A estratégia parece de vistas curtas. É que ao longo dos seus quase quatro anos de existência, o meu partido demonstrou uma fidelidade exigente e nunca desmentida ao seu programa social-democrata. Era social-democrata quando o PS recusava a própria viabilidade da social-democracia em Portugal.

Aplausos do PSD.

Foi-o quando o PS emendou o seu programa pela primeira vez e foi-o também quando o PS colocou o seu programa na gaveta em que o espírito arrumado

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do Dr. Almeida Santos não pretende juntá-lo ao socialismo... que já tem reservado outro sistema de arquivo talvez no Largo do Caldas.

Aplausos do PSD.

O meu partido é social-democrata, enquanto o PS e Jaime Gama procuram sê-lo, pensando que a social-democracia é o fruto de um acordo entre PS e CDS. E escuso de acrescentar que somos sociais-democratas enquanto o CDS continua à procura de novo programa para substituir aquele que em congresso considerou ultrapassado pela revolução.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Somos e seremos fiéis à social-democracia.
Por intransigência frontal tomam a nossa fidelidade aqueles para quem um programa não passa de um papel com tinta. Por isso se perdem nos meandros das suas incoerências, ao passo que o Partido Social-Democrata continua a seguir em frente.
Julgam os que conceberam a semicoligação como mecanismo de esmagamento do PSD, que muitos militantes do nosso partido nele sobretudo teriam buscado um arrimo contra perigos revolucionários ou para realização de vaidades e ambições pessoais. Esquecem esses nefelibatas que a adesão ao PSD representou para a grande maioria dos seus membros um risco considerável no momento agitado em que teve lugar e que a força que a todos nos levou a arrostar o perigo foi a vontade de salvar Portugal e de participar num projecto sério de transformação da nossa sociedade.

Aplausos do PSD.

Por isso o nosso quadrado continua firme, enquanto as colunas adversárias conhecem sucessivas defecções.
Como desculpa para o confessado desejo de nos destruírem, acusam-nos de haver pretendido uma posição dominante no novo Governo, mesmo que à custa da marginalização dos partidos e do Parlamento. Mas no fundo não ignoram que pretendemos sim um governo dos três partidos democráticos, assente numa plataforma programática maioritária, estável e coerente de salvação nacional. Responderão perante a história por terem protelado ou comprometido as soluções que permitiriam se arrancasse finalmente, com segurança e fôlego, para as grandes metas da nova sociedade portuguesa.

Aplausos do PSD.

Obcecados pela partilha imediata do Poder, faltou-lhes uma larga e corajosa visão do futuro inspiradora de paciência e contenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso se precipitaram para um beco sem saída, enquanto cada dia que passa nos traz a nós, sociais-democratas, maior virtude de mobilizar o querer do povo e mais ampla capacidade de mover os recursos indispensáveis à transformação estrutural da nossa sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

a Orador: - Pretendem destruir-nos, a nós que sempre respeitámos nos outros partidos democráticos os pilares do edifício democrático nesta fase de consolidação. Mas o único resultado que conseguiram foi o de levar ao reforço da nossa coesão e ao incremento do nosso apoio popular. Por isso crescemos, ao passo que se desagregam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Procuram agora refugiar-se sob numerosas e despropositadas citações do Sr. Presidente da República, como antes procuraram cortar-lhe na prática o exercício da função mediadora prevista na Constituição.

Vozes do PSD: - Muito bom!

Nós opomo-nos intransigentemente à partidarização do titular apartidário do mais alto cargo da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Face a um PS e a um CDS que já habituaram a opinião pública a um discurso de permanente vacilação e de cíclicas contradições, a palavra e a prática dos sociais-democratas, nesta Câmara como no País em geral, tem sido sempre a mesma. Ao longo dos anos não tem variado a nossa posição perante cada uma das matérias de relevo para a vida nacional. É que nós guiamo-nos, sem desfalecimento, pelo nosso programa de partido de Novembro de 1974. Nesse programa encontra o povo português um sólido e coerente projecto de futuro: o único projecto democrático coerente e viável para o Portugal de amanhã.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O nosso discurso tem-se mantido fiel a si próprio e, compulsando o registo do que aqui dissemos sobre a política de segurança social e saúde aquando do debate do Programa do I Governo, verificamos que nada temos a modificar ou a retirar. O mesmo se não poderá dizer do CDS. E quanto aos Governos, a persistência em muitos dos erros então apontados ao I demonstra que o II Governo Constitucional, se vier a receber desta Câmara a investidura que o PSD lhe recusa, não se afastará da senda de incapacidade, indecisão e falta de imaginação reveladas pelo seu antecessor no âmbito da política social, como no resto.
Deveria o CDS explicar no decurso deste debate por que razão aceita agora o que em Agosto de 1976 rejeitava ou criticava.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Lamentava então o CDS que a segurança social continuasse a ser tratada como um fundo autónomo, em vez de se integrar o seu financiamento no Orçamento Geral do Estado, fazendo suportar pela comunidade, através da carga fiscal, os encargos de garantia da subsistência.
Agora, o CDS aceita a manutenção de um sistema retrógrado e que se afasta das exigências constitucionais, visto se não poder falar de segurança social sem

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que o esforço de solidariedade incida sobre todos através da carga fiscal.
Criticava então o CDS que se não previssem fórmulas concretas de integração na segurança social ou no serviço nacional de saúde de instituições como a ADSE, a ADME, a ADMA, a Caixa Geral de Aposentações, o Montepio dos Servidores do Estado, a acção de cobertura dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais pelas seguradoras nacionalizadas, ou o Instituto Português de Oncologia.
Agora o CDS conforma-se de boa mente com a permanência de tal indeterminação.
Só num ponto não mudou a posição do CDS: é no que toca ao silêncio sobre omissões, tremendas para um Governo que propõe responder às necessidades básicas da população e promover a qualidade da vida. Sobre tais omissões dissemos em Agosto de 1976 que elas mostravam que a política preconizada peio Governo em matéria de segurança social não era dinâmica nem evolutiva, que era sim uma política conservadora de gestão, aceitando no essencial as estruturas existentes.
O CDS não nos acompanhou então nessa crítica ao Governo Socialista. Mas adjuva agora a dominante socialista no novo Governo, co-responsabilizando-se com ela, quiçá por a poder influenciar em termos de reforço do seu conservadorismo congénito em matéria de política social.
Como é possível que se restrinja uma política de família quase só a mexidas não quantificadas nos subsídios por morte e pensões de sobrevivência e à escolha dos mínimos vitais familiares apenas para objecto de um estudo, em vez de para base imediata de prestações?
Como é possível ignorar que a política familiar deve ser um conjunto articulado de medidas dirigidas à mulher trabalhadora, à infância, à juventude e aos agregados familiares numerosos?
Como se podem desprezar as famílias numerosas, em vez de para elas preparar, desde já, suplementos de abonos, equipamento ou serviços de apoio doméstico, providências concretas de apoio à habitação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É do conhecimento geral que a mendicidade aumentou extra extraordinariamente no País. Que programas tem o Governo para dar resposta a este problema, dado que são idosos e crianças e mulheres com filhos pequenos os que mais se vêem implorando a esmola alheia?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta é apenas uma questão entre muitas outras. As políticas dirigidas à família, à infância, à juventude, à 3.ª idade, aos deficientes, aos inadaptados devem ser concretizadas, quantificadas, programadas no tempo, localizadas no espaço, articuladas nos planos da segurança social e da saúde. De nada disso se mostra capaz a semicoligação.
Quando da discussão do Programa do I Governo, Freitas do Amaral fez na Assembleia o seguinte comentário: «...todos os membros desta Câmara teriam decerto recebido melhor mm Programa conciso para os próximos dezoito meses, a completar depois com as orientações relativas ao resto dos quatro anos, de receberem um vasto Programa para os quatro anos, porém omisso quanto às medidas de emergência para vencer a crise na sua face mais aguda.»
Era uma posição acertada, defendida também pelo PSD. No seu documento de resposta ao «memorando aos partidos e aos parceiros sociais», apresentado nesta Assembleia pelo Dr. Mário Soares, o meu partido veio precisamente enunciar os parâmetros de acções políticas prioritárias no domínio da família e da infância, da 3.ª idade e de outros estratos populacionais mais vulneráveis: os que sofrem de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, os desempregados, os pequenos e médios agricultores que têm de suportar os riscos de colheita.
O novo Programa de Governo mantém-se, porém, fiel ao estilo de tudo prometer sem quantificar, sem calendarizar, sem estabelecer prioridades e políticas de emergência para apoio social aos mais atingidos pela crise.

Uma voz do PSD: - Está muito mal!

O Orador: - Assente no postulado conservador da imposição pela crise é o congelamento da modificação estrutural da face caduca da nossa sociedade, a semi-coligação renuncia à ofensiva no plano da política social. Vê-la-emos por certo gerindo ronceiramente as estruturas empoladas e semiarcaicas que herda do governo socialista. As energias governamentais esgotar-se-ão mais uma vez a tapar buracos e apagar fogos dispersas pelo casuísmo e pelas solicitações de pormenor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O arranque para o amanhã, ainda que realista e delimitado pelas nossas agudas carências, esse corri amuará a aguardar. Aqueces que,, tantas vezes submissos e silenciosos, sofrem mais agudamente no seu corpo e na sua dignidade os efeitos da crise nacional, esses continuarão desprezados e abandonados à sua sorte.
Porque cala o Governo social-conservador a pendência de 60 000 pedidos de atribuição de pensão social?

Risos do PS.

Por que fica mudo quanto aos critérios de actualização das pensões?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por que remete mais uma vez para estudo a revisão dos abonos de família?
Por que nada diz às 100 000 famílias de desalojados que carecem de habitação de urgência?
Por que se não pronuncia quanto às medidas que permitirão a conclusão dos 7000 fogos para desalojados previstos para 1977, dos quais apenas, 3301 foram construídos e estão ainda assim inacabados?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Tenciona este Governo utilizar finalmente o auxílio internacional para o efeito já recebido; começando a beneficiar famílias desalojadas

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no âmbito de um programa de crédito à habitação própria?
Dir-se-á finalmente ao delegado do alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, que se encontra em Lisboa desde Novembro e ameaça ir-se embora por lhe não serem prestadas as necessárias informações, quantos são, quais são e onde estão os refugiados de que deveria ocupar-se?

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Face aos problemas do quotidiano concreto dos Portugueses, que lhe cumpria equacionar e resolver, refugia-se o Governo social-conservador nas grandes palavras ocas de sediço sabor tecnocrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo fala em harmonizar gradualmente sob uma perspectiva unificada os diferentes regimes de segurança social, designadamente os dos trabalhadores da função pública e prioritariamente os trabalhadores rural
Não são estas as palavras que o povo português quer ouvir.
O povo quer sim saber quando e em que termos tenciona o Governo resolver de uma vez por todas o problema de intercomunicação de direitos para obtenção de uma única reforma com contagem de todo o tempo de trabalho para aqueles que alternadamente descontaram para a Previdência e para a Caixa Geral de Aposentações.
O povo deseja ser esclarecido quanto às percentagens de aumento das pensões rurais para os anos de 78, 79 e 80.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fala o Governo em descentralizar os mecanismos da segurança social unificada. Mas o povo não acredita em descentralização constituída em mera transferência de poderes do Ministro e dos directores-gerais para directores distritais de segurança social.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este novo tipo dos funcionário está a ser considerado como um governador civil dos assuntos sociais. Em vez de técnicos competentes e dedicados à causa pública, escolhem-se apaniguados políticos. E para que não haja dúvida quanto ao espírito que enforma os cargos, eles até são reservados, como em Aveiro, à mulher do governador civil do Partido Socialista!

Risos do PSD.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Orador: - A esta descentralização, o povo diz não!

Vozes do PS: - Isso é muito baixo!

O Orador: - É muito baixo, mas é verdade. É baixo para quem o faz!
O povo quer sim que às autarquias locais sejam dados poderes e recursos financeiros para organizarem a prestação de benefícios não automáticos à família, à infância, à juventude, à 3.ª idade, aos que carecem de reabilitação e integração social.
Ninguém melhor do que os eleitos locais para definir aquilo de que têm necessidade as comunidades que representam.
Fala o Governo social-conservador em um novo diploma sobre as instituições de solidariedade social, designadamente as Misericórdias.
O que o povo quer saber é que a autonomia destas instituições não será restringida.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que o povo deseja conhecer são os tipos de apoio que o Governo se compromete a prestar-lhes.
Fala o Governo social-conservador em definir as bases do serviço nacional de saúde e na aprovação de um plano director dos serviços de saúde. Mas o que nós, representantes do povo, temos de explicar aos nossos constituintes são as posições do Governo quanto à cobertura homogénea de todo o território nacional por pessoal especializado, quanto à resolução do problema de esperas de longos meses, quanto aos exames médicos-relâmpago, quanto aos desperdícios em meios auxiliares de diagnóstico e em baixas injustificadas, quanto aos montantes das taxas moderadoras que se pretende instaurar ou alargar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E por que motivo, em vez de cobrar estas taxas em serviços burocratizados e de baixa qualidade, se não alargam progressivamente sistemas de recursos subsidiado aos médicos escolhidos pelos cidadãos? Não nos consta, antes pelo contrário, que os sistemas do género geridos pela ADSE ou por certos sindicatos desagradem aos seus beneficiários, quando comparados com os serviços médico-sociais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós, sociais-democratas, a socialização da medicina não é antitética da liberdade da pessoa humana e um aspecto essencial dessa liberdade é o direito de escolha do médico pelo doente sempre que possível, graças ao subsídio da segurança social.
Como escreveu o meu colega de bancada José Ferreira Júnior, se qualquer ideologia democrática reconhece como direito essencial do cidadão a liberdade de eleger escolhendo quem deve em certas circunstâncias defender os seus interesses e cuidar de certo modo do seu bem-estar, seja a nível do local de trabalho, da profissão, da autarquia local ou do País, por essa razão ou por maior razão não pode deixar-se de reconhecer ao mesmo cidadão o direito à liberdade de escolher a pessoa que há-de, de forma directa e imediata, cuidar daquilo que constitui a base

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fundamental da sua felicidade e do seu bem-estar: a sua saúde ou a dos seus familiares.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também gostaríamos que o Governo dissesse - e não disse - o que pensava fazer para evitar que, tal como em 1977, 70 000 contos sejam gastos quase inutilmente pelas estruturas de combate à drogas enquanto a nossa juventude continua a ser flagelada por essa perversão, contra a qual só a Polícia Judiciária parece manter alguma eficácia, que deveria ser, aqui sim, a adjuvante e não a dominante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A carência de tempo obriga a que detenha por aqui um exame crítico que poderia prolongar por horas, tanto os vícios e as insuficiências deste rol de intenções e de palavras, tecnocráticas que de programa só tem o none.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nas suas páginas sobre segurança social e saúde, como em muitas outras, reflecte-se o vício fundamental da incoerência do programa social-conservador. Um compromisso mútuo de não agressão e de partilha de Poder irá porventura presidir por algum tempo aos nossos destinos. A solução dos grandes problemas que afligem o povo ficou de fora. Não foi ela a chama inspiradora desta iniciativa. Não são, pois, de luta confiante e determinada contra as dificuldades os tempos próximos.
Mas isso não significa que os Portugueses devam descrer das virtualidades da sua Pátria e dos benefícios da democracia.
Diz-nos a nossa História que foi por vezes necessário atingir um ponto de situação aflitivo para que as consciências fossem iluminadas, as vontades fortalecidas e o povo reunisse energias até então dispersas para uma arrancada salvadora.
Nesta emergência sombria, a voz dos sociais-democratas será sempre um brado de confiança nas qualidades imensas do povo português e na existência de caminhos de redenção e de construção do futuro.
Esses caminhos terão de passar por uma democracia vivificada à luz da participação, da tolerância, da análise lúcida, do trabalho honesto.
Esses carrinhos terão de ser norteados por um projecto de futuro consistente, claro, viável e mobilizador. Esse projecto só nós, sociais-democratas, o possuímos no campo democrático: é o nosso programa de Novembro de 1974.
A ele nos manteremos firmemente fiéis.
Ele será, disso estamos certos, a base do Portugal de amanhã.
Daqui clamamos a todos os portugueses inquietos quanto aos destinos da Pátria que queremos livre, justa, e próspera, com um lugar digno no concerto das nações e um povo laborioso, realizado e feliz. É a hora de cerrar fileiras, de nos organizarmos, de marcar a nossa presença e a nossa influência benéfica em todos os recantos da vida portuguesa. É a hora de estudarmos com afinco o papel de cada um e o papel de todos na via social-democrata. É a hora de entrar na vigília que preparará a avançada irresistível dos sociais-democratas portugueses, da grande maioria dos portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha para pedidos de esclarecimentos.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se bem compreendi a intervenção do Sr. Deputado Sérvulo Correia no seu início, o Sr. Deputado acusou haver da parte do PS e do CDS, ao celebrarem o pacto que esteve na origem deste Governo, a intenção de destruir o PSD.
Pergunto se o Sr. Deputado Sérvulo Correia entende ou não que o pacto entre estes dois partidos democráticos é rigorosamente de harmonia com as práticas democráticas do nosso regime constitucional; e o Sr. Deputado entende ou não que este Governo foi investido legitimamente pelo Sr. Presidente da República e que a sua prática actual, apresentando-se a esta Assembleia, é ou não é rigorosamente jurídica e democrática.
Não posso compreender como é que dois partidos, celebrando entre si acordos que se destinam a viabilizar a prática democrática e até o próprio regime constitucional, podem ter a intenção de destruir um outro partido. A não ser que o Sr. Deputado entenda que pelo facto de o PSD se achar possivelmente numa posição oposicionista até às próprias eleições, se porventura isso vier a acontecer, isso significa a sua destruição. De qualquer maneira, eram estas as perguntas que desejava fazer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Laje para pedidos de esclarecimentos ao Sr. Deputado Sérvulo Correia, que responderá no fim de todos eles, se assim desejar.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos à intervenção do Sr. Deputado Sérvulo Correia com um certo espanto. A forma como ele presume ser o seu partido o mais capaz, o melhor, o mais coerente, leva-nos a fazer-lhe a seguinte pergunta: um novo estilo do PSD será o de rivalizar com o glorioso MRPP numa autoglorificação permanente?

Risos.

Também através das afirmações do Sr. Deputado Sérvulo Correia parece concluir-se que o seu partido é aquele que tem a solução para todos os problemas - essa solução só o PPD/PSD a vê e ninguém mais a vê. É uma solução recôndita! Está no fundo da alma do PPD/PSD! Será que o PPD é um partido messiânico? Se é um partido messiânico, pergunto-lhe: é de messianismo rural ou de messianismo urbano?

Risos.

O Sr. Theodoro da Silva (PSD): - É da fraternidade operária...

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O Orador: - Também o Sr. Deputado Sérvulo Correia falou nesta Assembleia num estilo e com palavras que não esperávamos encontrar em si, pois que sempre nos habituou a uma cortesia e elegância de maneiras.

Risos do PSD.

Mas é natural que a necessidade de ir às bases explicar a política do PSD lhe faça trazer para esta Assembleia o mesmo estilo que aí tem, naturalmente, de usar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Queríamos também perguntar-lhe, já que o PSD é um partido tão coerente como acabou de afirmar o Sr. Deputado Sérvulo Correia, num estilo de autoglorificação e de presunção que não esperávamos encontrar nesse partido, de que aliás, a Sr.ª Deputada Helena Roseta dizia ontem num aparte: «Nós somos o único partido democrático desta Câmara, Srs. Deputados»...

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Eu não disse isso. O Sr. Deputado ouviu mal!

O Orador: -..., o que também já lhe começa a dar a categoria não só de messiânico é de ser o melhor, mas de partido único, como é o que o PPD - que para toda a gente neste país é um partido que se tem caracterizado pelas oscilações, pelas incoerências, pelas mudanças de rota, pelas mudanças de líderes - pode, com sensatez, evidência e transparência reclamar-se de uma coerência? Basta perguntar ao Sr. Deputado Sérvulo Correia como explica, por exemplo, que o vosso ex-presidente..

Uma voz do PSD: - Outra vez?!

O Orador:- ...- mas era o vosso presidente! - ..., afirmasse numa determinada fase que a Constituição era social-democrata, magnífica, depois de ter dito que era uma Constituição marxista, e, repentinamente, passar a entender que a Constituição era um entrave, que era preciso revê-la, que era necessário mudar o quadro institucional deste país, que era necessário mudar o próprio sistema institucional.

Vozes do PSD: - É falso! É falso!

O Orador: - Como explica essa monumental incoerência, que é a maior de todas, pois é face à própria Constituição da República Portuguesa?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo para pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Sr. Deputado, o silêncio que se seguiu à intervenção do Sr. Ministro Vítor Constâncio teve. no momento, para mim, um determinado significado, nomeadamente o silêncio do PSD.
Dada agora a sua intervenção, queria fazer-lhe uma pergunta muito curta para poder ficar com um significado rigoroso desse silêncio: o Sr. Deputado ouviu com atenção e percebeu o discurso do Sr. Ministro Vítor Constâncio?

Vozes do PSD: - Parece que quem não percebeu foi a Sr.ª Deputada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Vieira.

Pausa.

O Sr. Deputado Ângelo Vieira não está?

O Sr. Ângelo Vieira (CDS): - Estou sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Queira desculpar, Sr. Deputado, procurava-o na bancada do Partido Socialista.

Risos.

O Sr. Ângelo Vieira (CDS): - Ainda não, Sr. Presidente.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Que falta de imparcialidade, Sr. Presidente...

Risos.

O Sr. Ângelo Vieira (CDS): - Sr. Deputado Sérvulo, ouvi com surpresa as suas preocupações acerca dos resultados, com surpresa. E daí a pergunta que lhe ia fazer: porque se mostra neste momento o PSD tão interessado nessa massacrada massa humana, quando durante dois amos ou perto disso - tantos quanto comandou a cúpula dos organismos encarregues da sua orientação -, nada fez por eles.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Será que o Sr. Deputado já está em campanha eleitoral?
É só um esclarecimento, Sr. Deputado: quem faz esta pergunto sentiu, na carne os efeitos negativos dos comandeis do então PPD na direcção do chamado IARN, com todo o cortejo de fraudes, burlas e compadrios.

Aplausos, do PS e CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre para pedidos de esclarecimento.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - O Sr. Deputado Sérvulo Correia afirmou, a dado passo do seu discurso, que o meu camarada Jaime Gama estava convencido de que através de uma coligação com o CDS se poderia fazer uma política social-democrata.
Queria perguntar ao Sr. Deputado Sérvulo Correia, que tanto salientou a coerência social-democrata do seu partido, o seguinte: quando o seu partido se empenhou na convergência com o CDS era para fazer o que?

Risos do PS.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer um breve, protesto, ou melhor, vou dar um breve esclarecimento à Câmara, ou se quiserem, fazer uma breve nota - é indiferente a qualificação. Depois farei uma série de perguntas.
O Sr. Deputado Sérvulo Correia referiu-se ao Governo como social-conservador. Quero dizer-lhe que essa afirmação é inútil, prejudicial e grotesca. É inútil porque para um partido que tem uma base social conservadora dizer que este Governo é social-conservador significa que o Sr. Deputado pretende aumentar a base de apoio a este Governo. Estamos-lhe gratos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar é prejudicial, porque demonstra que a oposição, mais uma vez, se deixa tentar pela miragem de ser governo, como dizia o Sr. Ministro Almeida Santos na subjacente à sua afirmação, aquilo a que ele chamava ontem, com muita ironia, uma pitada de Freud. Mas é grotesca também porque, conhecendo como nós conhecemos o PSD, ouvir da boca de um seu dirigente qualificado falar em Governo social-conservador não pode deixar de fazer todos os que se sentam nesta bancada ou que estão lá fora ai escutar este debate rir à gargalhada.
As perguntas concretas são as seguintes: primeiro, quem tentou partidarizar a figura do Presidente da República? Quem? Que pessoas ou que partidos?

Vozes do PSD: - O PS!

O Orador: - Segundo, se pensa que em algum momento o Presidente da República se deixou partidarizar. Terceiro, pensando que o Presidente da República não se deixou, partidarizar, como se pode qualificar a sua afirmação, senão como uma insinuação sem sentido e irresponsável:?
Sobre a matéria social, tenho ainda as seguintes perguntas a fazer: o Sr. Deputado Sérvulo Correia vai explicar-me, se entender que o deve fazer, se em algum momento ou em algum documento do I Governo Constitucional apareceu algum projecto de financiamento da assistência social, dos serviços sociais, pelo Orçamento Geral do Estado; segundo, se nas propostas que fez aquando das negociações para a formação deste Governo fez algumas propostas ou acrescentou alguns pontos de vista semelhantes àqueles que definiu hoje ou se se limitou a um enunciar de formulações pura e simplesmente copiadas do Programa o I Governo Constitucional.

Risos do PSD.

Em terceiro lugar, e no seguimento da pergunta que lhe fez a minha colega Maria Emília de Melo, muito simplesmente o seguinte: se, depois de ter ouvido a explicação do Sr. Ministro Vítor Constâncio, fazia o discurso que fez, e que já tinha escrito, ou se se limitava, pura e simplesmente, a fazer um discurso novo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Sr. Presidente, eu não queria propriamente fazer perguntas ao Sr. Deputado Sérvulo Correia - não careço de esclarecimentos -, mas queria dar-lhe esclarecimentos.
Em primeiro lugar, quero esclarecer o Sr. Deputado Sérvulo Correia que ao escutar a intervenção feita por Diogo Freitas do Amaral a propósito do Programa do I Governo Constitucional, não foi porventura feliz no contexto em que incluiu esta citação. As medidas de emergência que Diogo Freitas do Amaral claramente referiu quando fez aqui o discurso a que aludiu eram de carácter económico, e uma das principais críticas que moveu ao Programa do I Governo Constitucional foi justamente esta: de não se contemplar um programa de ataque imediato à crise económica e financeira do País e, por consequência, um programa da actuação conjuntural. É evidente que o Programa do II Governo Constitucional neste aspecto é radicalmente sucinto e inclui expressamente um programa para 1978, que foi, aliás, objecto de divulgação prévia nas suas linhas gerais, mas que constava do acordo entre o PS e o CDS. Donde a referência feita por Diogo Freitas do Amaral acerca de medidas de emergência ter sido correspondida, e totalmente, no Programa do II Governo Constitucional.
Queria também esclarecer o Sr. Deputado de que mantemos, naturalmente, os pontos de vista que expressámos em matéria de segurança social aquando do debate do I Governo Constitucional. Não alteramos uma vírgula. É evidente que o Programa é da responsabilidade do Governo, mas, mais do que isso, a situação financeira do País degradou-se em função da forma como, durante - um período assinalável entre 1974 e 1976, foi gerida a política económica e financeira do Estado Português. Curiosamente, o seu partido teve responsabilidades nesse Governo e, por consequência, se não é possível hoje ser-se mais ousado em matéria de segurança social - nomeadamente quanto à necessária articulação dos orçamentos de segurança social e todo o sistema de financiamento da segurança social com o sistema geral das finanças públicas -, isso deve-se fundamentalmente à circunstância de nos encontrarmos em situação extremamente difícil.
E, finalmente, o Sr. Deputado ao insistir tanto na designação social-conservador que na sua boca - sei-o bem - tem uma intenção pejorativa, se não insultuosa, dado o tom com que a referiu...

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - É um facto, Sr. Deputado.

O Orador: - ..., fez-me lembrar que o seu partido é de facto um pautado apologista da combinação da palavra «social» com outros adjectivos.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Começou por ser popular democrático, mas passou para social-democrata e depois fixou-se no social, passando a chamar social-marxista ao PS e hoje é social-liberal numa ala, social-urbana na outra...

Risos.

..., e eu perguntarei se aqui não estamos a assistir ao nascimento da oposição social-comunista.

Risos.

Aplausos do CDS e PS.

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1388 I SÉRIE-NÚMERO 38

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A extrema carência de tempo de que o meu grupo parlamentar dispõe para este debate obriga-me a responder em estio telegráfico.
Começarei pelo Sr. Deputado Amaro da Costa e pelos seus esclarecimentos.
Fico de facto esclarecido quanto ao sentido da frase que referi aqui do Prof. Diogo Freitas do Amaral. Na minha ingenuidade, eu pensava que um ataque à crise sob uma perspectiva conjuntural não podia ser concebido em termo puramente economicistas e que sempre havia que simultaneamente pensar em medidas sociais compensadoras para os mais desprotegidos.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, desenvolvi aqui esse tema no debate sobre o «pacote» das medidas económicas, sim um grande efeito prático, digamos. Bom, vamos continuar a não ter esse efeito prático... Se os socialistas não ligarem a isso, os centristas ou conservadores nem sequer isso percebam, e estamos entendidos.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à responsabilidade do meu partido pela gestão económica dos Governos Provisórios: é evidente que tem a responsabilidade que lhe resulta de ser membro desses Governos, mas não tinha pastas económicas.

Vozes do CDS: - Tinha a segurança social!

O Orador: - No vosso caso já não é assim, e portanto daqui a mais uns meses conversaremos.
Quanto à qualificação de social-conservador, não há nada de pejorativo, a menos que o Sr. Deputado tenha complexos a esse respeito. Porque efectivamente o seu partido é um partido conservador e está coligado com o Partido Socialista portanto temos um Governo social-conservador. Aliás, os senhores têm excelentes relações com o Partido Conservador Britânico, e na Assembleia do Conselho da Europa os senhores colocaram um dos vossos Deputados no grupo democrata-cristão... e outro no grupo chamado «independente», mas que toda a gente sabe que é o grupo dos conservadores. Portanto, limite-se a referir uma situação de facto.

Vozes do CDS: - Isso é falso!

O Orador: - Bem, eu creio que o Sr. Deputado Lucas Pires esteve no grupo dos independentes.
Quanto ao Sr. Deputado José Luís Nunes, digo-lhe que quem quer coligar-se com um partido conservador tem de se sujeitar à expressão.
Quanto à natureza das bases, temos muito que conversar a esse respeito, Sr. Deputado. Dir-lhe-ei pela experiência que tenho no meu círculo e pelo conhecimento, digamos, da estrutura sociológica dos partidos - que a grande burguesa das cidades e das vilas de província, a grande burguesia letrada e possidente, de um modo geral, ou está no CDS ou está no Partido Socialista. Muito raramente estão no Partido Social-Democrata.

Risos do PS e do CDS.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Respondendo ao Sr. Deputado Salgado Zenha, dir-lhe-ei que é inteiramente lícita, do ponto de vista constitucional politicamente acho errada, mas é isto, evidentemente - a formação da um Governo de semicoligacão entre o Partido Socialista, dominante, e o Partido do Centro Democrático Social adjuvante, com personalidades despartidarizadas.
Quanto às intenções que presidiram a essa política, limitei-me a reproduzir aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama, muito explicitamente, escreveu num artigo publicado no semanário O Tempo, de 25 de Janeiro. Quem quiser que leia e extraia daí as conclusões que entender.
Quanto à coerência do meu partido, Sr. Deputado Carlos Lage, desafio o Sr. Deputado a que, compulsando os volumosíssimos números do Diário da Assembleia da República, desde que esta Assembleia começou a funcionar, e se quiser vá também ao Diário da Assembleia Constituinte, que aponta lá uma única das centenas de porções sobre problemas concretos tomadas pelo meu partido que não esteja de acordo com o nosso programa de partido, de Novembro de 1974.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Faço-lhe este desafio, Sr. Deputado. A isto eu chamo coerência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada Emília de Melo, ouvi com o maior interesse o Sr. Ministro Vítor Constâncio, por quem tenho admiração e considero, aliás, um dos poucos elementos verdadeiramente capazes e competentes do novo elenco governativo.

Risos do PS.

Mas aquilo que de disse, a meu ver, em nada desmente ou contraria as minhas afirmações. Penso que é próprio da política dos partidos sociais-democratas, que esperaria ver também assumida pelo seu partido - recomendo-lhe, por exemplo, a leitura de Oloff Palme e a experiência da Suécia na crise económica antes da 2.ª Guerra Mundial -, precisamente conjugar uma política económica de restrição e de austeridade para lutar contra a crise com medidas de emergência que tornem suportável a vida dos mais desprotegidos. Se os senhores se queiram esquecer disso, o Partido Social-Democrata, que já aqui o tem defendido por varas vezes, não se esquecerá e continuará a defendê-lo.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Ângelo Vieira, remeto-o para o meu colega de bancada Amândio de Azevedo, que apenas desempenhou as responsabilidades que o

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senhor refere por seis meses e foi quem ordenou a realização do primeiro inquérito ao IARN. E quanto à defesa dos problemas dos desalojados, se o Sr. Deputado quiser dar-se ao incomodo de ter as minhas intervenções aqui nos debates sobre matéria política social, sempre aí encontrará referências não meramente diterâmbicas ou vagas, mas sugestões de medidas concretas.
Quanto ao Sr. Deputado Manuel Alegre, que, evidentemente, tal como sabe escrever, e bem, poesia, também certamente sabe ler, lamento que ainda não tenha compreendido o que foi a convergência, democrática, ou que, pelos vistos, se tenha deixado iludir pela propaganda do seu partido e também, de certa maneira, por uma propaganda discreta que nessa altura foi lançada pelo CDS...

Risos do PS e do CDS.

...ambas tendentes a fazer crer à população - é claro que aí os motivos eram diferentes, mas os objectivos eram os mesmos - que através de um acordo de consultas mútuas parlamentares entre o meu partido e o CDS se tinha formado um bloco político de direita. Nós sempre dissemos, e desafio-o a ler os documentos oficiais do meu partido, vários comunicados, conclusões dos vários conselhos nacionais, que, na nossa terminologia, a convergência democrática seria um acordo político entre os três partidos democráticos, isto é, PS, PSD e CDS, para a elaboração de uma plataforma programática de um Governo democrático maioritário, estável e coerente.
O Sr. Deputado ignorava-o, mas espero que, ao menos a partir de agora, não se esqueça mais daquilo que lhe acabo de dizer.
Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado Amândio de Azevedo?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido deu-me a possibilidade de usar da palavra porque as palavras do Sr. Deputado do CDS podem ser consideradas, muito justamente, ofensivas para a minha dignidade.
Quero dizer-lhe que não pactuei com irregularidades ou fraudes do IARN e que enquanto estive seis meses na Secretaria de Estado dos Retornados foi ordenado inquérito pelo Governo, a pedido da Secretaria de Estado do Ministério dos Assuntos Sociais, que ficou a cargo do Ministério da Justiça, e a Secretaria de Estado e o Ministério dos Assuntos Sociais deram todas as facilidades para que esse inquérito fosse levado até ao fim.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A Secretaria de Estado dos Retornados, com o Ministério dos Assuntos Sociais, nomeou uma comissão constituída por doze retornados para verem realmente o que se passava no IARN e poderem fornecer elementos necessários para o combate às fraudes que se dizia aí existirem.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Muito bem.!

O Orador: - Mais: proferi um despacho sobre o Hotel Botânico que, tendo capacidade para duzentas pessoas, tinha contratos com o IARN que atingiam duas mil pessoas, dizendo que dava alimentação e alojamento a dois mil e só dava a duzentas. Isto constituía uma autêntica fraude, devendo o IARN apenas pagar alojamento e alimentação para duzentos retornados e em relação aos outros pagar apenas a renda das casas que eles ocupavam nas moradias existentes na zona de Cascais, em virtude das fugas que se verificavam então no nosso país. Infelizmente, esse despacho não foi cumprido.

Aplausos do PSD.

V. Ex.ª tem agora grandes possibilidades de acompanhar a gestão governamental e pode fazer o favor de se dirigir à Secretaria de Estado dos Retornados, actual Comissariado dos Desalojados, e ver se o que digo é ou não verdade.
De resto, ordenei um inquérito, exactamente antes de sair do Governo, quanto ao mesmo assunto na região do Algarve, donde tive informações de que se passavam casos generalizados de fraude da mesma natureza. Só passados muitos messe é que vi referência a esse problema na televisão e até hoje ainda não vi que tivessem sido tiradas as necessárias consequências da fraude praticada pelos hoteleiros com a cumplicidade dos próprios retornados.
Quero ainda dizer-lhe, Sr. Deputado, que se tiver interesse em saber e fazer algum juízo sobre a minha actividade nessa Secretaria de Estado durante os seis meses em que aí estive, talvez possa ler o discurso inaugural das Jornadas de Estudo sobre a integração Social e Económica dos Desalojados e as palavras do actual Alto-Comissário para os desalojados no ponto 6 desse discurso. Tenho pena de não ter mais tempo, pois era capaz de elucidá-lo ponto por ponto sobre o que foi a minha acção nesse Ministério, sobretudo, pois é isso que me interessa, no combate à fraude, a que não dei tréguas.
E para terminar, queria salientar que até em período de eleições arrisquei vários problemas quando suspendi toda a possibilidade de o retornado ser alimentado em restaurantes, no caso de terem casas onde pudessem fazer a alimentação. A esse propósito houve manifestações violentas, concentrações aqui à porta de S. Bento, e entretanto não houve qualquer cedência - e isto deu para o Estado a economia simples de 250 mil contos por mês.
Há aqui pessoas que estiveram no II Governo Provisório e que serão capazes de confirmar aquilo que acabo de dizer.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - O protesto, porque é assim que regimentalmente se designa este tipo de afirmações, é para lembrar ao Sr. Deputado Sérvulo Correia que fiz duas perguntas a que não respondeu, uma das quais é essencial: quem partidariza a figura do Sr. Presidente da República e se alguma vez a sua figura se deixou partidarizar por alguém. Isto é por causa de se saber se dentro do PPD se mantém...

Vozes do PSD: -PSD!

O Orador: - A andem dos factores é arbitrária, Srs. Deputados.

Risos.

Como dizia, se dentro do PPD se mantém o conteúdo ou as afirmações que a este respeito foram feitas no jornal «O Tempo» de ontem e se o Presidente da República se deixou partidarizar ou não.
Isso é que é importante que o Sr. Deputado diga, ou então que retire tudo o que disse naquela tribuna a esse respeito.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.

O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Deputado, é óbvio. Basta consultar o texto, já que têm má memória ou pouco ouvido. Nunca disse que o Sr. Presidente da República se tinha deixado partidarizar; o que disse foi que neste debate havia tentativas de partidarizar o Sr. Presidente da República com o sucessivo recurso a citações de palavras suas, pretendendo inculcar-se que o mesmo era o pai, digamos assim, desse esquema político, deste Governo. Contra isso protestamos, pois não disse que o Sr. Presidente da República estava de acordo com isso, e até presumo que não estará, mas esse problema já não é meu.
Relativamente ao que está no jornal «O Tempo», em primeiro lugar não é nenhum orgão do meu partido e em segundo lugar não há nenhuma tentativa de partidarizar, mas, pelo contrário, até se pode encontrar, digamos, o reconhecimento de certas divergências pessoais de alguém em relação ao Sr. Presidente da República, o que não significa partidarizá-lo. Em terceiro lugar, Sr. Deputado, aqueles que defendem que o Sr. Presidente da República deve assumir o papel que nos termos da Constituição lhe cumpre não estão a partidarizá-lo. Aqueles que elaboram determinados esquemas políticos e depois procuram defender-se perante o País, pondo como anteparo a figura do Sr. Presidente da República, é que pretendem partidarizá-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Amanhã reunimo-nos às 9 horas e 30 minutos.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 30 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo Fernando de Carvalho.
António Chaves Medeiros.
António Fernandes da Fonseca.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto
António Riço Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Benjamim Nunes Leitão de Carvalho.
Caídos Alberto Andrade Neves.
Canas Manuel da Costa Moreira.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Dieter Dellinger.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Abel Simões.
Florival da Silva Nobre.
Francisco de Almeida Salgado Zenha
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Francisco do Patrocínio Martins.
Herculano Rodrigues Pires.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo da Silva Pereira.
João da Silva.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Medeiros Ferreira.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José Maximiano Albuquerque de Almeida Leilão.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe do Nascimento Madeira.
Luís José Godinho Cid.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel da Maia de Cáceres.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria Emília de Meto Moreira da Silva.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Vasco da Gama Lopes Fernanda.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro Barroso Marques de Figueiredo.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
Antídio das Neves Costa.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Manuel Barata Portugal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José da Costa
Gabriel Ribeiro da Frada.

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João Lúcio Caceia Leitão.
João Manuel Ferreira.
Jorge de Figueiredo Dias.
José Alberto Ribeiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Menores Sampaio Pimenta.
José Rui Sousa Fernandes.
Luís Fernando Cardoso Nandim ide Carvalho.
Manuel Costa Andrade.
Maria Élia Brito Câmara.
Marta Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Ruben José de Almeida Martins Raposo.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Victor Hugo Mondes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Abel Fernando Coelho Santiago.
Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
António João Pistacchini Gomes Moita.
Caetano Maria Dias da Cunha Reis.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vilela.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Henrique José Cardoso Menezes Pereira de Morais.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Luis Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Macedo Peneira.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Walter Francisco Burmester Cudell

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Paiva Jara.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Victor Henrique Louro de Sá.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Independentes

António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Galvão de Melo.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.

Partido Social-Democrata (PSD)

António José dos Santos Moreira da Silva.
Eduardo José Vieira Porto.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.

Centro Democrático Social (CDS)

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Domingos da Silva Pereira.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Rui Garcia de Oliveira.

O CHEFE DA DIVISÃO DE REDACÇÃO, José Pinto.

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PREÇO DESTE NÚMERO 36$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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