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DIÁRIO DA Assembleia da República

Quarta-feira, 6 de Julho do 1983

III LEGISLATURA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENARIA DE 5 DE JULHO DE 1983

Presidente: Ex.º Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel Sousa Fadigas

Reinaldo Alberto Ramos Comas
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Azevedo de Almeida o Vasconcelos

Sumário- Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.

Antes do ordem do dia. - Em declaração política, o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira (PS) deu conta da situação preocupante de algumas empresas e de acontecimentos ocorridos na LISNAVE, tendo ficado inscritos alguns Srs. Deputados para pedirem esclarecimentos.

Ordem do dia. - Depois de o Sr. Presidente ter posto à apreciação o recurso da ASDI sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 3/III- autoriza o Governo a legislar sobre o Regulamento Disciplinar da Policia de Segurança Pública -, o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos) anunciou que a mesma era retirada pelo Governo, congratulando-se o Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI) com tal decisão.
A ASDI desistiu do recurso que interpusera da admissibilidade da proposta de lei n.º 9/III - autoriza o Governo a legislar sobre a revisão do imposto de turismo - intervindo, além do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI) e Veiga de Oliveira (PCP).
Foi discutido e aprovado o projecto de resolução n.º 2/III, da ASDI, relativo às comemorações do 1.º Centenário do Nascimento de António Sérgio, usando da palavra, a diverso título (incluindo declaração de voto), os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Helena Cidade Moura (MDP/CDE). Bento Elísio Azevedo (PS), César de Oliveira (UEDS), José Manuel Mendes (PCP), Gomes de Pinho (CDS), Bento Gonçalves (PSD) e Carlos Lage (PS).
A Assembleia aprovou também uma proposta de deputados de vários partidos relativa à constituição de uma comissão eventual para o preparação da referida comemoração.
Foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de 2 deputados do CDS.
Não foi aprovado o requerimento do PCP para votação nominal da proposta de lei n.º 2/III - autoriza o Governo a alterar alguns dispositivos do lei de delimitação dos sectores público e privado (Lei n.º 46/77, de 8 de Julho)-, emitindo declaração de voto dos Srs. Deputados Lopes Cardoso (UEDS). Lucas Pires (CDS), Veiga de Oliveira (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e José Luís Nunes (PS).

Na discussão da proposta de lei, que também foi aprovada na generalidade e na especialidade, participaram os Srs. Deputados João Lencastre (CDS), César Oliveira e Hasse Ferreira (UEDS), Ilda Figueiredo e Carlos Carvalhas (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Gomes de Pinho (CDS), Carlos Lage (PS), Furtado Fernandes (ASDI), Lopes Cardoso (UEDS), Pinheiro Henriques (MDP/CDE), Octávio Teixeira e Veiga de Oliveira (PCP), António Rebelo de Sousa (PS), Carlos Brito (PCP), Raul de Castro (MDP/CDE), Almerindo Marques (PS), Zita Seabra (PCP), João Salgueiro e Oliveira e Costa (PSD), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Ilda Figueiredo, Manuel Lopes e Gaspar Martins (PCP). Morais Leitão (CDS) e José Luís Nunes (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 55 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
Armando António Martins Vara.

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Avelino F. Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto R. Santana Maia.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Luís Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá M. Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto F. Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Ermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo C. Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Gatanho de Menezes.
Joaquim Manuel Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Alberto Santos Correia.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Maria Roque Lino.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Narciso Rodrigues Miranda.
José dos Reis Borges.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Joaquim Rodrigues Masseno.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Sousa Ramos.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso Sousa Freire Moura Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Mulato Correia.
João Maurício Fernandes Salgueiro.
João M. Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Raul Gomes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Ferreira.

Partido Comunista Português (PCPN):

Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.

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Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Odete de Jesus Filipe.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Raul Jesus Ferreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho. António ).
Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima R. de Oliveira.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Henrique Paulo das Neves Soudo.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. C. de Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José Luís Nogueira de Brito.
José Meireles de Barros.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Tomaz Cortez Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
José Carlos Pinheiro Henriques.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
José António Furtado Fernandes.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o 25 de Abril de 1974 foi possível ao povo português, em geral, e aos trabalhadores, em particular, restabelecerem a normalidade democrática que hoje a Constituição da República consagra e da qual decorrem princípios de direitos, liberdades e garantias que importa consolidar e desenvolver em ordem a serem satisfeitas as necessidades básicas do povo português nos domínios social, cultural e económico.
É, pois, no escrupuloso respeito pelos princípios fundamentais que as virtualidades da democracia se consubstanciam, tal como é no seu correcto exercício que devem ser encontradas as soluções que a presente conjuntura sócio-económica reclamam e não, ao invés, no desrespeito pelos direitos e liberdades de cidadãos trabalhadores ou na afronta à autoridade democrática do Estado que nada solucionam, antes, tudo pioram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se mesmo perante uma situação de calamidade social e económica a nossa intervenção política se nortear pelo respeito das normas constitucionais, é possível a alternância democrática, é possível uma nova política e é o próprio regime que se reforça.
Mas se a norma de conduta política privilegiada é a de oposição pela obstrução, a da negação pela violência de direitos fundamentais da nossa Constituição, a recusa ao diálogo e à negociação, a do ataque e da calúnia ignóbil, então podemos dizer que estamos perante um comportamento político atentatório das regras da democracia e, no caso concreto português, do próprio regime.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem !

O Orador: - A intervenção que hoje aqui produzimos tem por finalidade darmos conta de algumas situações cujos sintomas que as enfermam são já bem preocupantes para poderem passar em claro.
E um alerta que, estamos certos, não deixará de merecer profunda reflexão por todos os democratas, independentemente do quadrante político em que se situem, pois diz concretamente respeito à violação de direitos e liberdades fundamentais dos trabalhadores portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na passada sexta-feira foi com perplexidade que tomamos conhecimento de actos de violência na empresa LISNAVE, os quais culminaram com a invasão e destruição de instalações sindicais, agressões físicas a delegados e activistas sindicais da UGT, tendo inclusivamente um dos elementos recolhido ao Hospital Distrital de Almada para receber a devida assistência.
Sabemos perfeitamente qual a conotação política e sindical dos elementos que na LISNAVE praticaram estes actos de violência, tal como conhecemos sobejamente estes e outros actos de violência que estes e outros elementos praticaram e vêm praticando.

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Sabemos que pertencem ao partido político que aqui mesmo nesta Assembleia vem acusando, sem fundamento, a actual maioria parlamentar de colocar a Assembleia da República no serviço do actual Governo, partido que se reclama de exclusivo defensor das classes trabalhadoras, que reclama a necessidade de se respeitar a Constituição e consequentemente de se ver respeitado como minoria, que promete as mais amplas liberdades democráticas. No entanto, como se constata, este partido político, quando conjunturalmente é maioria, manda às malvas a Constituição e a Convenção n.º 87 da OIT, e o respeito que as minorias lhe merecem traduzem-se numas cariciosas sevícias aos que se lhe ousam opor numa demonstração muito clara das regras da sua «democracia».

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os graves acontecimentos da passada sexta-feira nas instalações da LISNAVE representam a nosso ver uma violação dos direitos, liberdades e garantias que a nossa Constituição da República consagra e dos princípios de liberdade sindical que decorrem da Convenção n.º 87 da OIT violação que não pode passar em claro sem a nossa firme denúncia e veemente protesto.
É inconcebível que tais acontecimentos e comportamentos não mereçam a repulsa unânime desta Assembleia da República, repulsa que deve representar também um aviso sério e desencorajador de futuras e semelhantes violências.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos em 1983, não estamos em 1975. Vivemos em regime de liberdade de organização sindical, não vivemos em regime de unicidade sindical.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Onde quer que seja, em qualquer região do País, bem como, em qualquer sector de actividade económica, os trabalhadores portugueses são, pois, livres de se sindicalizarem, livres de constituírem as suas organizações sindicais e isto pressupõe também o direito ao livre exercício de actividade sindical.
É inacreditável que às perseguições de que são alvo nas empresas por parte do patronato mais retrógrado, que às políticas económicas e sociais lesivas dos seus interesses e levadas à prática por sucessivos Governos, haja trabalhadores que tenham de suportar ainda os desmandos e a violência dos sectarismos desmesurados que, organizada e comandadamente, sobre eles se abatem por estruturas sindicais adversárias.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

E é, pelo menos, inédito, na história do movimento sindical internacional, o ataque às instalações de uma central sindical perpetrado por elementos de outra confederação sindical.
Não é certamente com actos de violência como os que aqui denunciei que os trabalhadores da LISNAVE, o movimento sindical e a própria empresa, se prestigiam e muito menos vêem satisfeitas as suas legítimas reivindicações quanto aos salários em atraso ou acalmadas as suas apreensões quanto ao futuro da empresa.
Também só a curto prazo estes métodos podem garantir a manutenção de uma certa representatividade, mas estamos certos não ser possível mantê-la ou desenvolvê-la se não se produzir uma profunda inflexão nas práticas e se acima de tudo essas práticas não forem inteiramente colocadas na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.
Os problemas da LISNAVE, da SETENAVE. da QUIMIGAL, da Siderurgia e de tantas outras empresas em situação de crise económica não se resolvem perseguindo e agredindo trabalhadores, pretendendo desta forma transformá-los em bodes expiatórios de situações que também os vitimam.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É lícito e é salutar a existência de divergências de opinião quando assumidas num contexto de seriedade e de responsabilidade na procura de soluções para os problemas que afectem os trabalhadores.
É a partir dessa diversidade de opiniões que a unidade na acção pode e deve ser construída. Não há unidade-padrão, não há exclusivos da unidade e quem assim entende ou procede nega a própria possibilidade de haver unidade.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há unitários nem divisionistas, como não há trabalhadores de primeira e trabalhadores de segunda. Mas há, isso sim, responsáveis que incitam e acicatam, que lançam trabalhadores contra trabalhadores porque apostam no «quanto pior melhor» para satisfazerem desígnios que nada têm a ver com a democracia, com a liberdade, com o progresso e com a justiça social.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com profunda preocupação que registamos os gravíssimos incidentes ocorridos na passada sexta-feira nas instalações da LISNAVE.
Temos sobre nós, acrescidas às responsabilidades da difícil conjuntura sócio-económica como deputados dos órgãos de soberania que é a Assembleia da República, a gravidade das tensões em crescendo que embora legítimas é bem visível a sua fomentação. Temo sinceramente pela possibilidade da multiplicação de actos idênticos ou mesmo mais graves se a passividade for a característica do comportamento de quem tem poderes para repor a legalidade democrática, pelo que tão somente devemos exigir a quem de direito condições de garantia para que todos os trabalhadores e todas as estruturas sindicais sem excepção possam exercer livremente os direitos e as liberdades que a Constituição da República consagra.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Vejam como a central do patronato recebe os aplausos do CDS!...

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado que acaba de intervir, ficam inscritos, para o próximo período de antes da ordem do dia, os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, João Amaral, António Mota, Fernando Figueiredo, Manuel Martins, Veiga de Oliveira, Manuel António dos Santos, Gomes de Pinho, César Oliveira, João Fernandes e José Manuel Ambrósio,

Entretanto, havia tomado assento na bancada do Governo o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs.. Deputados, entrando na matéria da primeira parte da ordem do dia, vamos agora proceder à apreciação e votação do recurso, apresentado pela ASDI, sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 3/111, que autoriza o Governo a legislar sobre o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública.
Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente a esta impugnação, depois de ter falado com o Sr. Ministro da Administração Interna e de ele me informar que o decreto-lei que viria a ser autorizado pela lei correspondente a este pedido de autorização legislativa podia eventualmente conter matérias incluídas na reserva de competência absoluta desta Assembleia, e não querendo ele nem valendo a pena estar a fraccionar o diploma no sentido de excluir dele estas matérias para o diploma em separado, vou dirigir dentro de alguns minutos à Mesa um requerimento a retirar essa proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que nestes termos fica sem efeito o recurso que tínhamos apresentado visto que ele seria inútil, mas ao fazer esta comunicação à Mesa não queria deixar de me congratular pela decisão que acaba de ser tomada por parte do Governo. Creio que ela representa um espírito que me apraz salientar em que o cumprimento da Constituição e o cumprimento das regras pelas quais nos movemos são uma preocupação de todos nós.
Assinalá-lo e podermos congratular-nos por isso, julgo que não será inútil que seja sublinhado.

Vozes da ASDI: - Muito bem !

O Sr. Presidente: -Assim sendo, podemos passar à apreciação e votação do recurso, também interposto pela ASDI, da admissão da proposta de lei n.º 9/111, que autoriza o Governo a legislar sobre o imposto de turismo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de iniciar a apresentação

destas alegações de recurso com uma breve consideração sobre o significado das leis de autorização legislativa.
Após a revisão constitucional, a Assembleia da República assumiu o seu papel como órgão permanente embora com afloraçõe's do princípio da descontinuidade do Parlamento. E este o significado de a Assembleia agora reunir quando desejar e pelo tempo que quiser.
E creio que este facto introduz um sentido novo ao princípio das autorizações legislativas. As autorizações legislativas não são agora ideias de legislar que o Governo guarda em carteira sabendo que a Assembleia tem os seus trabalhos interrompidos por longo tempo.
Temos, pois, que ser mais exigentes em relação às autorizações legislativas na medida em que a Assembleia da República está em funcionamento e pode reunir quando ela própria o entende. Portanto, não há nenhuma razão que justifique isso, exceptuando as razões de grande premência, de grande ,urgência que justificam que as suas funções sejam assumidas por outro órgão.
Creio também que não será inútil situar rapidamente o significado das leis de autorização. Estas, estamos todos de acordo quanto a isto, não são uma transferência temporária de poderes, não são um mandato (porque o Governo não age por conta e no interesse do Parlamento), também não são uma forma de delegação administrativa que pressuporia a mesma organização, e também não são a representação, porque não se transferem de esfera efeitos jurídicos.
Todos os constitucionalistas estão de acordo quanto a estes requisitos e, portanto, poderemos caracterizar por consenso as autorizações legislativas como condições de substituição no exercício de um poder, como autorização em que o Executivo age em nome próprio, mas com uma relação que é uma relação de confiança com a Assembleia da República, isto é, é um Parlamento que atribui a um Governo uma determinada autorização.
Posto isto, representa-se com evidência a necessidade de que o objectivo e o sentido da autorização legislativa sejam fixados com rigor.
Ora na proposta de lei n.º 9/lII o Governo é autorizado a legislar sobre o imposto de turismo, dizendo-se apenas que o sentido das alterações introduzidas será o de aumentar as receitas do Estado, mas acontece que o n.º 2 do artigo 106 º da Constituição fixa com rigor quais são as características que são essenciais à caracterização do imposto. Trata-se, portanto, de uma modificação em matéria de impostos e, para que esta Assembleia esteja em condições de apreciar o sentido das alterações que se pretendem introduzir, é necessário que o Governo nos diga se vai alterar a base e a incidência do imposto, se vai alterar a respectiva taxa, numa palavra, o que é que vai realmente modificar. Sem isso não são conhecidos nem exactamente o objecto nem exactamente o sentido das alterações introduzidas.
Aliás a afirmação que estou fazendo sobre a inconstitucionalidade de uma proposta desta natureza tem o seu assento num parecer da própria Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, que assim mesmo entendeu: «Considerando que a Constituição não se limita a referir que a criação dos impostos e o

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sistema fiscal constituem matéria de exclusiva competência da Assembleia mas um claro intuito de definir a extensão dessa competência e, simultaneamente, garantir os cidadãos, vai mais longe e especifica os pontos que têm obrigatoriamente de ser regulados por lei da Assembleia.
Se a Constituição consigna que a criação de impostos e o sistema fiscal são matéria da competência legislativa reservada da Assembleia e se refira no n:' 2
do artigo 106 º que os impostos são criados por lei, explicita-se em seguida o que esta há-de determinar: a incidência, a taxa, etc.»
Foi este o parecer que votámos por unanimidade nesta Assembleia da República. Por isso entendemos que a proposta de lei, tal como está apresentada, não corresponde exactamente à Constituição, por isso impugnámos a sua admissibilidade.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.

O Sr. Ministro de (Estado e dos Assuntos Parlamentares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a impugnação parte de um pressuposto que normalmente se verificará mas que não acontece neste caso.
Quem pede autorização para alterar impostos normalmente quer alterar um destes item: ou a incidência, ou a taxa, ou os benefícios fiscais, ou as garantias dos contribuintes. É o normal.
Acontece que neste caso o sentido da alteração é só o que está aqui. )É só este. É só o de proporcionar maiores receitas aos órgãos regionais e locais de turismo. Portanto, é apenas uma alteração sobre o destino do produto do imposto.
O regime anterior ao Decreto n.º 134/83, de 19 de Março, portanto bastante recente, era o seguinte: as Câmaras cobravam o imposto de turismo e 50 % era afectado às comissões regionais de turismo. Era uma medida descentralizadora da aplicação do imposto. Recentemente e por esse decreto o sistema veio a ser alterado desta maneira: desses 50 %, metade, ou seja, 25 % do total era para a Direcção-Geral do Turismo que os administrava centralizando e embora afectando, por regra mas nem sempre, o produto desse imposto ao desenvolvimento turístico da área em que o imposto era cobrado.
O que se pretende agora é uma medida de descentralização no sentido de repor o sistema anterior, isto é, que o produto vá em 50 % para as Comissões Regionais de Turismo. Portanto, trata-se apenas de alterar o destino do imposto. Ir isso que se diz no texto da proposta de lei. Não podíamos dizer mais do que isto. O sentido é o de proporcionar maiores receitas aos órgãos regionais e locais de turismo.
Podia-se ter sido mais explícito, podia-se ter dito aquilo que estou a dizer agora e provavelmente nesse caso a ASDI não teria impugnado a admissibilidade.
Assim sendo penso que o diploma não é inconstitucional. Mas se se entende que é necessária uma explicitação, e ela só é necessária na lei que veio a ser aprovada por esta lei, não necessariamente na proposta, onde, a meu ver, embora um pouco laconicamente, se continha o essencial, que se diga qualquer coisa deste género: canalizando para eles, para os órgãos regionais de turismo, 50 % do resultado da cobrança do imposto.
Se se quiser explicitar, nós não seremos contra isso, como até nem seríamos contra a explicitação «sem alteração da incidência, taxa, benefícios fiscais ou garantias dos contribuintes».
Parece-me, pois, que não há aqui lugar a qualquer penitência por parte do Governo, salvo talvez a de um certo laconismo que poderia ter evitado, reconheço isso, este recurso.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mote (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que após as explicações dadas e se, em particular, estas precisões forem introduzidas na proposta de lei não há nenhuma razão para que prossiga este debate, visto que a proposta será em nosso entendimento constitucional e retiraremos portanto o recurso que interpusemos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga ele Oliveira (PCP): - Sr. Ministro Almeida Santos, eu gostaria de lhe colocar uma questão que tem a ver com o seguinte: o imposto de turismo já sofreu várias alterações e recordo até que o seu produto, a certa altura, se destinava apenas aos municípios. Depois, por um sistema cuja legalidade não cheguei a averiguar, passou a ser distribuído assim: 50 % para os municípios e 50 % para as comissões regionais de turismo.
Ora, o que eu gostaria de saber realmente era se o que o Governo pretende fazer é mesmo repor a situação imediatamente anterior, isto é, distribuir 50 % do produto do imposto pelos municípios e os outros 50 % pelas comissões locais e regionais de turismo.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - É exactamente isso, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente - Retirado que foi o recurso sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 9/III, passamos ao ponto seguinte da ordem do dia que consta da apreciação do projecto de resolução n.º 2/III (ASDI), relativo à comemoração do centenário de António Sérgio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mote (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sinto hoje de modo especial a responsabilidade de subir a esta tribuna e creio que a primeira coisa que gostaria de deixar dita neste Plenário é que, como tivemos ocasião de uma vez salientar, porque julgamos que o pensamento de António Sérgio é património comum da democracia e da comunidade nacional, estamos aqui penas a apresentar um projecto: estamos aqui a apresentá-lo no seu lugar próprio, nesta Assembleia da República. É a todos e a cada um de nós que competirá, deputados que somos, assumir este projecto e esta resolução.

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E porque, na verdade, o que aqui venho e tenho obrigação de fazer não é de modo algum o elogio de António Sérgio, menos ainda de fazer um elogio laudatório ou fúnebre que a sua exigência crítica rejeitaria. Lembramo-nos todos certamente de que António Sérgio nos disse «no dia da morte do vosso amigo, se quiserdes honrá-lo condignamente, não publiqueis lamentos, nem elogios, mas uma crítica».
Creio também que muitos que aqui estão muito melhor do que eu falariam da pessoa de António Sérgio. Posso orgulhar-me de o ter conhecido, mas é certo que o conheci muito mal e pouco, e era um adolescente quando o conheci! ...
Creio que aquilo que me cumpre e aquilo que me cabe é explicar a razão por que, no nosso entender, é aqui, nesta Assembleia da República, que nos teremos de preocupar em primeiro lugar com o modo de recordá-lo e recordá-lo com dignidade, na altura do seu centenário.
Permitir-me-ei dizer, antes de mais, e faço-o de algum modo provocatoriamente, que penso que, se em relação a alguém é importante pensarmos sempre a actualidade e o futuro da sua vida e do seu exemplo, o caso de Sérgio é para nós, Deputados, paradigmático.
António Sérgio é o homem que se torna sensível, se me é permitida a expressão, ao apelo crítico que lhe fez Raúl Proença: «Se tudo fossem rosas - escrevia-lhe Proença- o seu lugar poderia ser no Brasil, como quase tudo são espinhos o seu lugar é aqui».
Creio que para muitos de nós, para a nossa vida política agitada, para o tempo de crise em que vivemos, esta é uma primeira forma de reflexão. A salvação da Pátria não se faz nunca de nenhum Brasil; é aqui, é agora, é com os pés assentes no chão e enfrentando a dureza do quotidiano que nós podemos afirmar o nosso patriotismo.

Vozes da ASDI e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, eu diria ainda que Sérgio teve o desafio, e assumiu-o, de realizar uma pedagogia dispersa - dispersa em jornais, dispersa em opúsculos, dispersa em livros -, mas no fundo não teve o círculo estreito dos testamenteiros e dos discípulos.
A sua lição é uma lição de todos: é a democratização da vida portuguesa na sua totalidade, a prioridade das tarefas educativas, o interrogar-se sem cessar para equacionar e resolver os problemas, o creio que também isto nos diz directamente respeito, a nós deputados.
Permitir-me-ia ainda acrescentar que antes de mais talvez valha a pena meditarmos no projecto educativo de António Sérgio, porque a tarefa educativa é para Sérgio o assumir a dignidade humana. Todos os homens devem ter as condições, materiais, culturais, morais, que lhe possibilitem o encontro com essa dignidade.
O encontro do homem consigo mesmo faz-se pela democracia efectiva e por isso, para António Sérgio, o cooperativismo é um meio de afastar alienações. Creio que também aqui teremos algo a reflectir e a pensar.
E depois é a cultura como problemática, como confrontação, como exame; a recusa do passadismo, porque «quem vê com miragem o seu passado constrói com miragens o seu futuro» como ele escreveu nos Ensaios ou como, na advertência da 2 º edição da «Educação cívica», acrescentava: «Só terá vida nova, construção positiva, se de todos os seus espectros se libertar este povo; se lhe enviarem os processos de se governar ele próprio - nas livres cooperativas, nos livres sindicatos, nos municípios livres!»
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que ao longo desta intervenção muitas vezes usei citações de António Sérgio de cuja actualidade todos nos pudemos certificar. Acrescentarei mais a ideia dos Ensaios. «Inspira-te o desejo de soltares amarras, de fugir do porto, de te aventurares. Se pertencentes à espécie dos que vieram ao mundo para singrar no oceano da procura livre entre as rajadas de opiniões, com o horizonte limpo a todos os rumos e aberto à audácia da investigação.»
Aqui está todo um programa para quem, de espírito aberto, atento ao futuro e disposto a singrar esse futuro, queira comemorar condignamente António Sérgio.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se me é permitido terminar esta intervenção com outra citação fá-lo-ei usando as palavras de outro homem de cultura que no nosso tempo e nossos dias - há pouco mais de 2 anos -, a meu ver sintetizou todo o desafio que a actualidade das comemorações de António Sérgio nos levanta. Refiro-me ao Padre Manuel Antunes, que escreveu, em Repensar Portugal: «Atrevo-me a dizer provocatoriamente que o Portugal de hoje tem necessidade não de saciados mas de famintos em espírito; não de repetidores de gestos próprios ou alheios mas de pesquisadores; não de mandarins mas de profetas; não de reformados da vida mas de comprometidos até ao fundo com a mesma vida; não de ideólogos mas de contemplativos - de contemplativos na acção, entenda-se!; não de representantes do particular, do campanário da própria aldeia, partido, seita, grémio, clube, mas do vasto mundo, literalmente do universal.»
E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, se me é permitido propor-vos alguma coisa de muito particular nesta sessão da Assembleia da República, o que peço é que, deixando eu esta tribuna, ficando connosco apenas o sentido de uma homenagem a António Sérgio, todos de pé, lhe exprimamos ,pelas nossas saudações, o sentido da sua presença actual.

Aplausos gerais de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Srª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Magalhães Mota, em primeiro lugar, desejo, em nome do meu grupo parlamentar, felicitar os deputados da ASDI pela iniciativa que tomaram. Em segundo lugar, e antes de iniciar este acto de colaboração, gostaria de chamar a sua atenção para uma questão que me parece ser bastante importante.
E que, de facto, realizou-se em Viseu uma «Semana Sergiana» organizada pelo Centro de Estudos Cooperativos daquela cidade. Durante essa semana intervieram pessoas como Henrique de Barros, Jacinto Baptista, Natália Correia, António Reis e Ferreira da Costa e verifiquei que, encontrando-se presente a televisão, apesar disso, nos nossos écrans, nenhuma notícia acerca do que se passava foi transmitida.

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Ora, uma vez que esta Assembleia desenvolveu durante a vigência do anterior Governo grandes esforços para comemorar o IV Centenário' de Camões, eu gostaria de ver garantido da parte da ASDI, que se empenhou mais directamente neste assunto e que de qualquer maneira se senta na bancada de um grupo que apoio naturalmente o Governo, o vosso empenhamento em levar a cabo a acção que nos propõem. E que ou realmente fazemos as coisas com o mínimo de seriedade nacional, ou então não vale a pena que os deputados fiquem aqui fingindo que representam o povo e lutando afinal contra ele.
Era só isto que eu previa dizer agora.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, eu só posso agradecer-lhe o que disse e com V. Ex.ª lamentar que a televisão portuguesa fique sistematicamente ausente de tudo aquilo quanto são as manifestações mais vivas e importantes da comunidade nacional.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bento Elísio de Azevedo.

O Sr. Bento Elísio de Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Recordar António Sérgio e a sua obra é imperativo de todos aqueles que se afirmam, sem sofismas, defensores da cultura, defensores da liberdade de pensamento, defensores dos direitos individuais e colectivos, defensores da autonomia do direito cooperativo, defensores do consumidor, enfim, defensores do povo».
Estas palavras foram por mim proferidas neste hemiciclo, em janeiro de 1980, na IV Sessão Legislativa da I Legislatura, ao evocar a data do falecimento de Sérgio.
Nesta mesma altura, em nome do meu Grupo Parlamentar e do Partido Socialista, congratulei-me pela então recente recuperação do valioso espólio de Sérgio, constituído por cerca de 10 000 volumes, e afirmei que era obrigação moral e cívica do Governo proceder à declaração de expropriação por utilidade pública da casa onde viveu Sérgio, a qual se encontrava em deplorável estado, por ter sido abrigo de retornados das ex-colónias e ter sido atingida deploravelmente por um incêndio.
Efectuada a expropriação, como se impunha, a verdade é que se continua tristemente a assistir à contínua degradação do edifício, apesar de já se ter destinada uma verba de alguns milhares de contos para obras imediatas.
Por isso, ao apoiarmos o projecto de resolução agora em apreciação nesta Assembleia, não podemos deixar de aproveitar a oportunidade para desde já sugerir ao actual Governo que faça aplicar sem delongas as verbas que foram destinadas para o restauro da casa onde Sérgio viveu, faça transferir para aí a valiosa biblioteca que se encontra actualmente no INSCOOP e instale o almejado Centro de Actividades Culturais e de Estudos Cooperativos nesse local.
Pensamos que desta forma estaremos em melhores condições de prestar a justa homenagem ao grande pedagogo, ao filósofo, ao historiador e ao político, que tanto pugnou pela libertação dos portugueses, apesar das condições adversas, das perseguições e do exílio.
A comemoração do 1 º Centenário do Nascimento de Sérgio terá de ser, para além do mais, um acto de justiça, preservando o seu legado.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apoiamos inteiramente e com algum júbilo a proposta de resolução apresentada pela ASDI, porque julgamos que pensar Portugal foi uma das tarefas a que se entregou António Sérgio. De facto, foi uma tarefa fundamental numa altura em que houve - digamos - uma aceleração do tempo histórico e em que, na realidade, pouca ocasião tivemos para, colectivamente, pensar Portugal.
Penso que Sérgio resumiria toda a sua obra dizendo - e parafraseando um poeta espanhol - «que não há salvação se não for a salvação com todos, e que não há salvação individual ou individualista do ponto de vista em que os fura bolos e os oportunistas de todos os matizes acabam por ensombrar a oportunidade de construirmos uma salvação no sentido do progresso e do caminho do futuro, colectivamente».
Creio que Sérgio concretizou na sua vida e na sua obra uma concepção fundamental que resumirei do seguinte modo: não à história mestra da vida ou à história mestra de salvações providenciais, mas sim a uma história fundada na compreensão e na interpretação do passado para que se perceba o presente e assim se prepare o futuro.

A celebração do 1.º Centenário do Nascimento de António Sérgio seria uma oportunidade fundamental para todos nós para, colectivamente, aproveitarmos tal celebração com o fim de pensarmos o presente, prepararmos o futuro à luz de uma experiência histórica acumulada de 8 séculos e procurarmos, na interpretação e na compreensão dessa experiência histórica acumulada, os valores e as linhas mestras que irão e que hão-de permitir que percebamos bem, com correcção e profundidade, o presente, e assim possamos todos, colectivamente, preparar um futuro melhor.
Creio que a grande homenagem que podemos prestar a António Sérgio não é a de repetirmos ideias fáceis e simples acerca da sua obra, construirmos uma redoma de vidro onde o endeusamos, mas sim propormo-nos a nós próprios um desafio fundamental que é o de interpretarmos e compreendermos o nosso passado para percebermos concretamente o nosso presente e aí buscarmos as forças colectivas que hão-de preparar os caminhos do futuro, futuro esse onde as mãos do homem tenham exactamente as mãos do homem e onde a salvação não seja individualista, mas sim uma salvação com todos os portugueses.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD, da ASDI e do Sr. Deputado do CDS Gomes de Pinho.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

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A Sr.ª helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Antes de iniciar a exposição daquilo que pensamos que será a homenagem a António Sérgio, gostaríamos de lembrar um dos subscritores da primeira versão desta proposta de resolução, ausente deste Plenário, Henrique Barrilaro Ruas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É motivo de grande alegria ser possível nesta Assembleia, não só evocar, mas constituir uma comissão destinada a desencadear acções comemorativas do centenário do nascimento de António Sérgio.
Factos como este marcam a presença viva e actuante da revolução de Abril.
Infelizmente para aqueles que mais de perto conviveram com António Sérgio e que mais profundamente o amaram, este momento é difícil de ser vivido, sem alguma ambivalência.
Por um lado, é a exultante alegria de ver o seu nome, a sua personalidade e a sua obra homenageados num órgão de soberania de representação popular, por outro lodo é a frustração, a raiva, a dificuldade em esquecer a sua longa morte e o espectáculo terrível do seu enterro!
O dilema será entre esquecer para viver este momento, e a impossibilidade de o fazer por amor à verdade total!
Por muita grande que seja a generosidade daqueles que calam o sofrimento antigo, é nosso dever manter viva a memória do passado para manter viva a justiça do presente.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Sérgio viveu 5 longos anos encerrado no seu quarto, deitado na sua cama. Viveu com coragem e frustração imensa da sua vida; ele era os destroços de um imenso apostolado social que o mar dos dias, dos anos depositou ali, num país de obscurantismo e de prepotência fascista da classe dominante.

Convencido da inutilidade da sua obra e da sua vida, remetendo para a lembrança de sua mulher - Luísa Sérgio- a quem neste momento o MDP igualmente homenagea - tudo o que de bom ambos tinham feito. O que interessa é ser bom - pensava António Sérgio -, como ela foi, a política separa cada um do povo e alimenta-se da traição.
Foi nesta solidão imensa que ele esperou com dignidade a morte.
Mesmo depois de tantos anos afastado da vida pública, a polícia, apesar de tudo, não confiou ! Ao seu funeral foi-lhe conferido honras de combatente pela liberdade, e o seu enterro contou com largo aparato policial, armado até aos dentes, e com cães-policias, naquele estilo megalómano que é próprio do medo.
Foi durante o seu enterro que a poetisa Natália Correia, também ela afastada desta Assembleia, gritou no momento em que o caixão baixava à terra: < é uma vergonha que este homem seja enterrado serra um morra ao fascismo.» Mais um acto cultural que ficamos devendo à sua bela coragem de mulher !
É num contexto de empenhamento colectivo e de vivência até à exaustão, que se ergue a obra de António Sérgio.
Num país como o nosso, é dura a missão daqueles que não concebem a política sem uma pedagogia cívica e militante. E os estudos de Sérgio por mais diversificados, os seus ensaios por mais heterogéneos têm sempre uma característica comum, um obsessivo sentido didáctico.

Poderemos dizer que a sua vida foi uma caminhada sem pausas, a favor do esclarecimento, do espírito critico, da clareza das ideias e da honestidade das acções.

Foi um apóstolo social permanente. Acreditava na educação, nos novos métodos pedagógicos e no valor social da bondade dos homens.
A certeza da tarefa que lhe competia levou-o, em 1910, n deixar o seu lugar de oficial da marinha para, em liberdade, poder actuar socialmente. Foi no conhecimento concreto de como era difícil a um povo, sobretudo às suas elites, assumir a liberdade e viver a democracia, que iniciou o seu esforço reflexivo de pedagogia sócio-cultural e que se dedicou n uma crítica construtiva para corrigir mentalidades.
Os seus estudos sobre história, sobre autores portugueses, como Camões, por exemplo, objectivam-se na clareza, na critica metódica, no desejo de vivência racional dos factos e das obras. António Sérgio entendia que a forma como se vive e se entende o passado se perspectiva n(> modo de encarar o presente.
Nesta convicção escreveu para as crianças e felizes aquelas que quando pequenas leram a sua História Trágico-Marítima e os seus Lusíadas Contado às Crianças. Não há escola por muito má, e por muitas orações que mande dividir, que arruine a visão global do Poema que Sérgio comunicou, e não há estúpida exaltação patrioteira que faça esquecer o sofrimento e a angústia do nosso povo durante os descobrimentos.
António Sérgio multiplicou-se em livros simples acessíveis à compreensão e à bolsa de cada um, sempre no objectivo de difundir ideias de generalizar conhecimento sobretudo entre os jovens, os estudantes e o povo.
António Sérgio era o professor que todos desejavam. E a multiplicidade e a heterogeneidade de homens e mulheres que se reconhecem hoje como seus discípulos, provam as grandes linhas do seu pensamento e da sua acção: o amor, a liberdade, a reflexão racional, a criatividade e a honestidade intelectual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Sérgio disse: «O principio essencial da democracia pode dizer-se, é o respeito da dignidade humana ... O maior crime para o democrata é o de considerar os outros como meios e não como fins.»
Também nós consideramos, parafraseando António Sérgio, as comemorações do centenário do seu nascimento como um fim, e não como um meio.
Neste sentido, o MDP/CDE propõe à Comissão Parlamentar formada com tal objectivo 3 acções que considera dignas da figura e do trabalho desenvolvido por António Sérgio:

Reedição para generalização entre os professores do seu livro Educação Cívica e estudo da inclusão no currículo escolar de uma disciplina que seja a expressão actualizada da educação social preconizada por Sérgio.
Realização de uma campanha de alfabetização, que tomasse o seu nome.
Reconstrução da sua casa, sendo aberta uma subscrição pública a nível nacional, para que todos os portugueses possam cooperar nessa obra.
Utilização pública da sua Biblioteca.

Todas estas acções deveriam ser enformadas pelo espírito livre, criativo e democrático, tal como António Sérgio o concebia.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Sérgio passou pelo governo em 1923 foi ministro da Instrução durante 2 meses, empenhou-se na criação de uma Junta Orientadora dos Estudos que enviaria os estudantes mais dotados para o estrangeiro a especializar-se em vários campos do saber e quando regressassem teriam escolas-modelo onde eles ensinariam as ciências e as técnicas que tinham aprendido. Isto para uma renovação que lhe parecia indispensável para abrir um caminho. Infelizmente, senhores deputados, o Parlamento votou contra essa verba. António Sérgio demitiu-se.
Só 6 anos depois, em 1929, a ditadura retomou o projecto de António Sérgio, entregando ao Ministro da Instrução Cordeiro Ramos a junta de Educação Nacional que se desdobrou depois no Instituto de Alta Cultura.
O conteúdo desaparecia, os objectivos não eram os mesmos, já estava afastado o propósito de democratizar, de generalizar os nossos métodos pedagógicos de fazer investigação para melhorar sobretudo o nível do nosso ensino primário e secundário.
O dinheiro apareceu tarde e na hora errada.
Poucos anos depois fecham as escolas do magistério primário, começa a consolidação do analfabetismo e a selectividade do ensino. A barreira, contra a qual António Sérgio e tantos outros lutaram, começava a crescer.
Apesar de mais esta tentativa frustrada ainda ficamos a dever a António Sérgio o diploma de criação do Instituto de Oncologia. Imaginou-o ele como um órgão de coordenação que pudesse fazer face a um flagelo social que se avizinhava. Meio século está passado!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recriar o clima pedagógico e cultural da acção política de António Sérgio é também a proposta do MDP/CDE. Por isso nos congratulamos e apoiamos a resolução posta à consideração desta Assembleia, pelos deputados da ASDI, e, como prova da nossa imediata adesão, o MDP/CDE entrega hoje nesta Assembleia uma proposta de activação do Conselho para a Liberdade de Ensino. Ninguém melhor que Sérgio entendeu o significado das duas palavras: Ensino e Liberdade.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PSD, do PCP, da UEDS, da ASDI e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A simples circunstância de hoje estarmos nesta Câmara a evocar António Sérgio é um sinal de Abril; Sérgio, que foi marginalizado, perseguido pela ditadura fascista e hoje aqui se sagra como um elos portugueses mais lúcidos e batalhadores pela liberdade no passado de trevas de que emergimos em 25 de Abril.

Não é de estranhar, pois, que o PCP, tal como já fez em 1982 aquando da primeira apresentação, pela ASDI, da proposta de constituição de uma comissão eventual para a comemoração do primeiro centenário de António Sérgio, vote favoravelmente, dê o seu apoio e proceda à designação dos membros que lhe cabem para integrar esse corpo de pessoas que deve levar tão longe quanto possível as homenagens ao grande patriota.
Muito poderia e deveria ser dito acerca dessa notável figura d,, democrata e de intelectual para além de quanto já ficou para os anais desta Casa através da palavra de alguns dos que me antecederam.
Protagonista qualificado da oposição ao fascismo na unidade democrática; pensador arguto, preocupado com a realidade portuguesa numa época de mediocridade assalariada e instalada, capaz de lançar, por toda a parte, as sementes da dúvida metódica, do saber não livresco mas apreendido a partir do esforço, da análise e do estudo; autor de importantíssimos trabalhos em diversos domínios, sejam eles os da literatura infanto-juvenil, os da pedagogia ou os do ensaísmo mais brilhante - e faça-se um parêntesis para afirmar que terá sido um dos raros verdadeiros ensaístas de toda a nossa história literária António Sérgio foi o propugnador de ideias novas, que recolhiam a tradição de um pensamento progressista em Portugal e visavam pôr em causa tudo aquilo que era o estabelecido bolorento, tudo o que era o oficial discurso da ditadura fascista, que, como é sabido, não tinha, não tem nem nunca terá capacidade para criar e para inovar; bem pelo contrário, apenas poderia naquele tempo, como pode hoje onde ela exista - e estou a recordar-me, por exemplo, do Chile, em que uma grande batalha popular se trava -, levar a todos os cantos a opressão, o fanatismo e o atropelo dos mais lídimos direitos da humanidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sérgio foi, todavia, um pensador polémico - e ainda bem. Nunca se acomodou nas confortáveis certezas - e ainda bem. Foi um pensador que quis, antes de mais nada, transmitir o testemunho a quantos depois dele vieram, o prolongamento e questionaram. Por isso, não será de espantar ninguém minimamente inteligente e culto que esta bancada leia Sérgio através daqueles que, de alguma maneira, lhe opuseram uma certa outra grelha de pensamento, proceda hoje ao levantamento do pensamento do Sérgio à luz dos ensinamentos de um Vasco Magalhães-Vilhena ou de um Victor de Sá, entre vários outros. Não será de causar estranheza e ninguém que a minha bancada acentue que ela não é a crítica, irresponsavelmente seguidista em relação às ideias de Sérgio em todas as latitudes. Há áreas em que nos confrontamos, outras em que divergimos. Naturalmente que dele recolhemos as lições, a lucidez, essa importantíssima tendência para colocar o porquê diante das coisas. Mas é do mesmo modo lídimo que saibamos hoje ver Sérgio à luz de outros pensamentos, de outras correntes políticas, ideológicas, democráticas, que coexistiam com ele e se desenvolvem para além dele.
Mais do que sinalizar qualquer desses aspectos que se nos afiguram frustes, não consequentes, na obra preciosa de António Sérgio, hoje, aqui, aquilo que pretendemos é aplaudir o homem, o seu firme itinerário contra as sombras. E muitos dos que se sentam nesta Câmara não estão habilitados a compreender o que foi essa luta pela luz resgatadora de um Abril que tardou, mas veio, e que muitos hoje procuram, por todos os processos, derruir.
A verdade é simples e transparente, do nosso lado: faça-se o trais que for possível nas comemorações

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de António Sérgio e, a partir dessas comemorações, validem-se os elementos da criatividade, da inteligência, da liberdade, da fecundida da reflexão, do rigor do discurso, tão arredios do panorama político-cultural português e tão arredios também desta Câmara em que temos assento.

Nozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao finalizar, apenas, e para não entrar num campo de excessiva pormenorização de enunciados programáticos, uma ideia: como é que é possível pensar em preservar o pensamento do Sérgio, no sentido eminentemente crítico que ele próprio difundiu, como é que é possível, hoje, hastear o exemplo de sua vida e da sua obra, se, paralelamente, não tomarmos, entre outras, iniciativas tendentes a fazer com que os seus livros sejam conhecidos do maior número de portugueses? Esta é uma questão verdadeiramente urgente e aqui se deixa como repto indispensável ao Ministério da Cultura, ao Governo e às instâncias que tem em mãos os meios para levar a cabo uma tarefa tão categoricamente ingente.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e de alguns deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS).- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS associa-se à proposta de constituição de uma comissão para promover a comemoração do centenário do nascimento de António Sérgio. Talvez porque do seu pensamento não somos directamente tributários, estamos em condições de testemunhar a sua importância no quadro da cultura portuguesa, em cuja história das ideias filosóficas e políticas ocupa um lugar significativo.
Ao evocá-lo, a Assembleia da República e o Pais não estão, pois, apenas a rememorar o passado. O pensamento de António Sérgio, a sua atitude cívica e pedagógica, o seu método científico de análise, fazem dele ainda hoje um dos intelectuais da primeira metade do século, cuja obra se pode considerar actual e influente e cujo estudo crítico importa não apenas aos seus discípulos mas à cultura portuguesa em geral. Nessa obra perpassam muitos dos aspectos essenciais da crise do pensamento e da própria sociedade portuguesa da época e o que porventura mais a enriquece é a recusa do seu autor em relação a formulações simplistas muito em moda na altura, e a adopção, pelo contrário, de uma atitude metodológica exigente e séria.
Por isso mesmo para aqueles que discordam em aspectos essenciais do seu pensamento, é importante discuti-lo, aprofundá-lo no quadro amplo de um debate sobre as ideias políticas. Debate que constitui, aliás, um aspecto essencial da própria vida democrática.
h com este sentido que juntamos a nossa voz à dos restantes grupos parlamentares na esperança de que a resolução que vamos votar não seja uma mera manifestação de boas intenções, mas se venha a traduzir, de facto, num acto cultural e cívico de significado nacional, cuja primeira manifestação seja a recuperação da sua casa - e com isso se termine o que conside, ramos uma indignidade nacional, que é a degradação em que se encontra a casa onde viveu e trabalhou António Sérgio - e a instalação nela de um centro de estudos cooperativos que funcione como verdadeiro espaço de reflexão e debate sobre o movimento cooperativo, com espírito de liberdade e modernidade que constituíram uma das características fundamentais da sua vida e da sua obra.

Aplausos do CDS, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e de alguns deputados do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bento Gonçalves.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar dos Sociais-Democratas apoiará a proposta de resolução agendada no sentido de ser criada uma comissão parlamentar para preparar a comemoração do primeiro centenário do nascimento de António Sérgio de forma a homenagear o intelectual, o democrata convicto, o pedagogo, o filósofo, o cooperativista, o homem.
A sua obra não pode ficar confinada à discussão somente entre os intelectuais, terá de ser levada ao conhecimento do povo. Que esta comemoração contribua para ser atingido esse objectivo.
Que as comemorações do primeiro centenário do nascimento de António Sérgio sirva também para algo de concreto e não apenas um conjunto de discursos mais ou menos solenes.
António Sérgio dizia muitas vezes no seio dos cooperativistas - pois é nessa área que o conheço melhor- de que se deveriam aproveitar todas as realizações cooperativas para se discutirem as acções práticas, sem descurar como é óbvio, a reflexão histórica do sector e da vida.
Recordo que o Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo tem já programado todo um conjunto de actos para comemorar o centenário do nascimento do seu patrono. Sugiro, assim, que a comissão possa coordenar, se for possível, as suas acções com as da INSCOUP e do Governo - aliás, penso que aquele Instituto já em tempos se dirigiu a esta Assembleia nesse sentido.
Aproveito para recordar o plano de acção que António Sérgio propôs aos cooperativistas - reunidos numa reunião geral em 1955 e que foi aprovado por todas as cooperativas- que era necessário que o Estado incentivasse ou ajudasse a criação de:

Uma direcção-geral ou repartição, onde se tratassem todas as relações entre o Estado e as cooperativas;
Que se criasse uma comissão de fomento cooperativo;
Que se criasse um organismo de crédito cooperativo e de seguro cooperativo;
Que se criassem aulas sobre cooperação nas escolas de todos os graus de ensino;
Que se promulgasse um código do cooperativismo;
Que se concedessem ajudas para a construção de sedes para as cooperativas.

Nesta época, quer os governantes quer muitos portugueses - que não os trabalhadores nem os militantes cooperativistas - sorriram dizendo: «Cá estão mais uma vez os sergianos a tentar semear mais uma ilusão com um plano perfeitamente utópico.» Mas o que é

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certo é que 20 anos depois, com o advento do 25 de Abril, com a aprovação da Constituição da República em que 7 dos seus artigos tornaram realidade tudo isto e que na vigência dos VI, VII e VIII Governos todo este programa foi realizado com a excepção da introdução do ensino nas nossas escolas. Poderemos hoje dizer que este plano de acção no campo cooperativista foi inteiramente realizado.
Também quero aqui recordar que a casa onde viveu António Sérgio, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, já foi adquirida na vigência do VII Governo e na altura o OGE já foi dotado com a verba necessária para a sua recuperação a fim de nela ser reinstalada a sua biblioteca hoje dispersa por alguns locais, embora o núcleo central esteja no INSCOOP, e para lá funcionar também o Núcleo de Altos Estudos Cooperativos.
Penso que uma parte importante do plano que António Sérgio idealizou para o movimento cooperativo já foi realizado. Pelo menos, foram criadas as condições para que ele seja implementado, Agora falta que, em espírito de liberdade e de autonomia, os cooperadores e as cooperativas realizem na prática esse projecto.

Aproveito esta possibilidade de falar no Parlamento sobre António Sérgio na sua faceta de pensador cooperativo de craveira internacional para recordar que nesta semana se comemora - visto ainda sobre o mesmo nada se tenha dito neste Parlamento- o 61 º Dia Mundial da Cooperação. Será por certo de interesse citar algumas passagens da mensagem das cooperativas de todo o mundo aos povos e governos de todos os países, efectuada através da sua organização mundial, a Aliança Cooperativa Internacional (ACI): «Os 364 milhões de cooperadores de todos os países lembram, através da sua organização mundial a Aliança Cooperativa Internacional que: o principal objectivo é a criação e a expansão de organizações cooperativas independentes baseadas na democracia e economicamente viáveis, nas quais homens e mulheres possam participar em pé de igualdade.

Estas organizações devem ser capazes de servir os seus membros de forma eficaz e contribuírem para o crescimento económico e para a promoção de uma maior justiça social nas suas comunidades e ou nos seus países respectivos.

Reforçar o fortalecimento da colaboração entre os diferentes modelos de organizações cooperativas de vários países e, assim, promover a solidariedade internacional que é a base de uma paz construtiva.

Esforçarmo-nos por agir sobre a opinião pública, autoridades nacionais e organizações internacionais com a finalidade de suscitar um clima favorável à cooperação, de estimular a promulgação de uma legislação cooperativa apropriada e de assegurar o apoio dos governos e das organizações internacionais ao desenvolvimento dos movimentos cooperativos.

Enumera também os domínios de acção na alimentação, na nutrição, no emprego, na indústria, na poupança, no crédito, nos seguros e outros tipos de cooperativas incluindo as associações de fins múltiplos. (fim de citação).

Que esta mensagem seja também ouvida por quem neste momento detém o Governo é que estas acções em Portugal possam ser executadas.
O que a Aliança recomenda nesta mensagem aos países de todo o mundo, está já em Portugal praticamente realizada em termos objectivos faltando como se disse atrás, os cooperadores levá-los à prática.
Também quero aqui citar que em Portugal a estatística que o VII e VIII Governos elaboraram, revelam a existência de 3500 cooperativas; 2,5 milhões de cooperadores filiados; produziram, em 1980, 150 milhões de contos de produção e serviços e dão trabalho a 100 000 portugueses. Que estes números possam ficar aqui citados para que todos nós reflictamos sobre eles.
Recordemos António Sérgio em toda a sua dimensão, nomeadamente naquela faceta crítica e por isso construtiva que imprimiu ao seu pensamento, visando sempre transformar todos os homens em participantes activos nas acções da Nação. Em suma, serem «pedras vivas» do edifício que se chama Portugal.

Aplausos do PSD, do PS, da ASDI e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, vamos votar o projecto de Resolução n.º 2/111, apresentada pela ASDI, relativo à Comemoração do centenário de António Sérgio.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, no seguimento da aprovação do projecto de resolução, vamos votar uma proposta, subscrita por vários Srs. Deputados, relativa à constituição de uma Comissão Eventual para a Preparação da Comemoração do 1 º Centenário do Nascimento de António Sérgio, bem como a sua composição.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, peço à Mesa que, antes de votarmos, seja lida a proposta que acabou de anunciar.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

Foi lida. E' a seguinte:

Os Deputados abaixo assinados, nos termos do artigo 181 º, n." 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 48 º, n.º 1, do Regimento da Assembleia da República, vem requerer a constituição de uma Comissão Eventual para a Preparação da Comemoração do 1 º Centenário do Nascimento de António Sérgio, com a seguinte composição:

PS, 7 representantes; PSD, 4 representantes;
PCP, 3 representantes; CDS, 2 represen
tantes; MDP/CDE, 1 representante; ASDI,
1 representante; UEDS, 1 representante.

O Sr. Presidente: - Vamos então votar a proposta que acabou de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

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O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma rápida declaração de voto com duas notas.
A primeira relativa ao facto de o Partido Socialista não ter produzido discursos de homenagem a António Sérgio porque hoje, apenas queríamos uma comissão para preparar a sua homenagem nacional; a segunda nota respeita ao seguinte: não nos parece legítimo invocar a alta figura intelectual de António Sérgio para apoiar qualquer obra governativa já realizada ou a iniciar. Isso parece ser de uma inaceitável presunção)

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Antes de passarmos ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Lemos Damião, para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 5 de Julho de 1983, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

Nuno Kruz Abecasis (círculo eleitoral de Lisboa) por Abel Augusto de Sousa Gomes de Almeida (esta substituição é pedida ao abrigo da Lei n.º 1/82, de 14 de janeiro, a partir do dia 5 de Julho corrente, inclusive).
João Lopes Porto (círculo eleitoral do Porto) por Henrique António da Conceição Madureira (esta substituição é pedida para os dias 5 a 8 de julho corrente inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções considerando a ardem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

U presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) Bento Elísio de Azevedo (PS)- Carlos Cardoso Lage (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Raúl Fernando Sousela da Costa Brito (PS) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Horácio Marçal (CDS) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - Raul de Castro (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASD1).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como ninguém deseja usar da palavra acerca do relatório e parecer que acabou de ser lido, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado do Tesouro (António de Almeida).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora na segunda parte do período da ordem do dia com a discussão da proposta de lei n.º 2/111, que autoriza o Governo a alterar alguns dispositivos da Lei de Delimitação dos Sectores Público e Privado (Lei n º 46/77, de 8 de Julho).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.

O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: - Ao ouvir os Srs. Deputados que têm até agora dissertado sobre a Lei de Delimitação de Sectores e ao ler o que eles próprios, e outros, afirmaram em 1977 e 1980, perguntei a mim próprio se seria de alguma utilidade ajuntar ao que tem sido dito.
O que me leva a pedir a palavra é o julgar que o que o Governo agora apresenta é insuficiente, arrisca-se a ser inoperante e parece ser falho de convicção.
Não se enganam os Srs. Deputados do Partido Comunista quando dizem que o que está em causa é o projecto político de construção de uma sociedade.
Com efeito o que está em causa é saber se queremos uma sociedade livre, com liberdade de escolhe, com liberdade de empreender, ou uma sociedade colectivista, estatizada, dominada pelo todo poderoso Estado-patrão e pela sua «nomenclatura», numa primeira fase ainda tecnocrática e depois tão-somente político-policial.
Devo dizer que ao ouvir os Srs. Deputados da bancada da maioria e alguns membros do Governo fico com algumas dúvidas a respeito da opção.
Provavelmente por razões históricas alguns membros dos partidos da maioria parecem atribuir ao Partido Comunista o papel de consciência da esquerda, de pureza ideológica. E tem-se a impressão que quando o Governo propõe a Lei de Delimitação o faz um pouco contra essa consciência, e por razões paralelas, algo incoerentes e não muito nobres de real politik, de pragmatismo.
No fundo muitos deles aceitam o falso dilema que o Partido Comunista com a sua habitual perseverança, matraca constantemente: ou o 11 de Março ou o 24 de Abril. .
A própria terminologia usada pelas bancadas da maioria, o «capitalismo selvagem», o sistema liberal obsoleto, s recuperação capitalista - revelam bem a timidez com que se dispõem a dar passos na modernização do nosso sistema económico. Com efeito, de. pais de 40 anos de feudalismo económico, o que temos

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vivido nos últimos 9 anos, foi o que se poderia chamar uma monarquia económica, um capitalismo de Estado. Libertámo-nos dos «barões» para sermos subjugados pele «rei - Estado». O resultado está à vista: todos o sentimos e o Programa do Governo envidencia-o com clareza - um défice externo ameaçado, um défice orçamental gigantesco, um sector empresarial do Estado em falência técnica, um inflação galopante, um desemprego ainda semiescondido mas assustador, as necessidades básicas da população, quase ainda não afloradas- a habitação, a educação, as comunicações.

Dir-se-á que o meu partido é em parte responsável por este estado de coisas já que pertencia ü AD que durante alguns anos governou. Embora eu não tenha mandato para defendera AD sempre direi que, para lá dos seus problemas internos, não teve ela a colaboração não só de outros órgãos de poder como de muitos que agora se sentam na bancada da maioria, para promover as reformas de fundo de que o sistema económico português tanto necessita. A «Delimitação dos Sectores» é disto um exemplo.
Lamento que se tenham perdido pelo menos 3 anos, senão 6.
Para haver liberalização é preciso que o Governo aja com determinação. Que, por exemplo, dentro de pouco tempo seja possível abrir outros sectores da economia: na verdade que sentido faz manter vedados à iniciativa privada sectores como as cervejas, ou a celulose ou a distribuição do petróleo?
Os principais argumentos contra a liberalização da economia, poder-se-iam resumir assim: trata-se da destruição do sector público, é pois contrário aos interesses nacionais e mesmo à democracia. Voltamos ao 24 de Abril, ao controle de meia dúzia de famílias (alguns dizem uma centena de famílias em tradução do francês do Front Populaire).
Não tenhamos medo de fantasmas do passado. Acabemos com os mitos.
Enganam-se, ou querem-nos enganar, os que julgam que os antigos grupos económicos têm qualquer possibilidade de reconstruir os seus pequenos impérios, que dominariam o Estado. Como é possível fazer isso em democracia? Em que países foi feito?
Duvido aliás que muitos dos antigos capitalistas tenham os recursos ou a vontade de voltar a investir fortemente em Portugal. Mas aqueles que o quiserem, podem fazê-lo, como os outros empresários, dentro das regras democráticas do Portugal democrático.
Essas regras devem ser antimonopolistas, isto é, não devem aceitar monopólios, seja do Estado seja dos empresários privados.
A concorrência desenvolverá empresas dinâmicas, criará postos de trabalho úteis, para onde possam ser deslocados tantos trabalhadores que vivem angustiadamente na certeza da inutilidade dos seus actuais postos de trabalho.
A concorrência fará parte de uma economia de mercado que substituirá a nossa actual economia semiadministrativa, paraíso de pequenos senhores burocráticos, fonte de todas as corrupções.
Especificamente no sector bancário, afirma-se que o investidor privado concorrerá com o sector público com meios financeiros que, por serem de todos - isto é, dos depositantes- não devem produzir lucros apenas para alguns. Chega-se a dizer que a abertura da banca levará à refeudalização do emprego, da informação e por fim do voto, o que me dispenso de comentar. Pergunta-se também se haverá aumentos no investimento produtivo, se haverá mais recursos, se o crédito será mais bem distribuído. A resposta é que o sector bancário, com a abertura ao sector privado, pode evidentemente melhorar. O País tem alguns bons gestores bancários mas há falta de banqueiros. Por isso o sistema não funciona bem. Que o digam os utilizadores. Não se trata apenas das restrições ao crédito e dos juros que continuarão a existir para todos os bancos enquanto não se resolver o problema da inflação.

Mas e preciso espírito empresarial, por exemplo na construção de pacotes financeiros mais benéficos para as empresas sobretudo para os exportadores; é preciso um olhar mais vasto sobre o mundo financeiro; é necessário ser rápido na decisão. É preciso criar um mercado de capitais onde as poupanças possam ser aplicadas utilmente, por exemplo, nas empresas a constituir.
O dinheiro dos depositantes poderá servir aos próprios depositantes para se tornarem accionistas dos bancos e partilharem assim dos lucros.
Em resumo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não sejamos tímidos nem complexados. O País quer trabalhar, está farto de mandriice angustiada, de chavões teológicos, de funcionários, de controles, de corrupção.
Por isso, com coragem, abramos a economia, aproximemo-nos com passos decididos das economias de modelo ocidental.
E não se diga que Portugal é um País pobre e portanto não pode ter um modelo liberal. Isto é parecido com o que se dizia, como se lembram, antes do 25 de Abril: Portugal não poderia viver em democracia porque era pobre e inculto.
O povo português tem demonstrado o contrário, com uma paciência louvável. Vamos dar os necessários passos para não o desiludir.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com atenção a intervenção do Sr. Deputado João Lencastre. Presto-lhe a minha homenagem porque não foi tímido nem complexado, disse exactamente aquilo que pensava visto que abriu claramente o jogo do CDS.
V. Ex.ª começa por dizer que é preciso acabar com a ideologia, ou com os complexos ideológicos, ou com os chavões ideológicos, no entanto, as suas palavras incorrem na mesma pecha fazendo, logo no início da sua intervenção, ideologia a propósito do colectivismo,
da abertura, do liberalismo, etc, etc, etc Isso, Sr. Deputado, é ideologia.
Queria colocar-lhe algumas questões.
Primeira, pareceu-me perceber pela sua intervenção que a culpa da inflação, do desemprego, do défice, etc., etc., etc., é essa pecha fulcral e central da economia portuguesa do pós-25 de Abril, que é o sector público e a correspondente não abertura de certos sectores à iniciativa privada. E assim ou não?
Segunda questão, julgo que V. Ex.ª confunde monopólio, no sentido pombalino do termo, isto é, a atribuição de uma determinada prorrogativa de mono-

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pólio por decisão do poder, com capital monopolista que é algo, e muito substancialmente, diferente.
Terceira e última questão, Sr. Deputado, Há aqui uma coisa que eu ainda não percebi, nem nas intervenções do Governo nem na intervenção, salvo erro, do Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, nem agora na sua intervenção, e que é o seguinte: o Governo entende fazer uma política de austeridade, de contenção, de retracção, fala-se até de crescimento zero; por outro lado, diz-se que a abertura da banca, dos seguros, dos adubos, etc., ao sector privado vai permitir desbloquear a situação, criar investimento, novos postos de trabalho, etc., etc., e Julgo que das duas uma: ou optamos, de facto, por uma política de contenção, de austeridade, sendo contraproducente criar condições para o investimento ou optamos por uma política diferente. Gostaria que V. Ex.ª tratasse deste problema visto que foi o cerne da sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado João Lencastre se pretende responder agora ou no fim dos restantes pedidos de esclarecimento.

O Sr. João Lencastre (CDS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, para pedir esclarecimentos, O Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado João Lencastre, depois de agradecer a clareza da sua exposição e até um certo radicalismo posto na apresentação de concepções tão claramente liberais, que faz algum tempo não víamos expostas - pelo menos desde a campanha eleitoral que o Dr. Lucas Pires liderou queria fazer-lhe algumas perguntas. Referiu que uma boa parte do sector público está em falência técnica. Pergunto-lhe: é ou não verdade que o principal sector que se procura abrir ao sector privado, a banca, não está, de forma nenhuma, em falência técnica? E ou não verdade que a banca nacionalizada deu, segundo os balanços recentemente divulgados, lucros neste último ano?
A segunda pergunta é a seguinte: estranhou V. Ex.ª que das bancadas que apoiam o Governo, e até de Membros do próprio Governo, venham reservas, ataques e demarcações face ao capitalismo selvagem. Por mim não estranho que um Governo, que se afirma de coligação entre socialistas e sociais-democratas, se demarque do capitalismo selvagem, o que eu estranho - e fico na dúvida -, é saber se existem aqui deputados que defendem o retorno a práticas de capitalismo selvagem. Era essa, para mim, a estranheza.
Ficou-me das suas palavras a seguinte dúvida. O Sr. Deputado João Lencastre preconizou a desnacionalização de diversos sectores, referiu-se concretamente às cervejas, à celulose, etc. Pergunto-lhe: até onde, Sr. Deputado? Será que preconiza a extinção do sector público? Será que defende apenas a concepção supletiva do sector público ao bom estilo, já que referimos a França, do ancien régime?
Disse, ainda, o Sr. Deputado que não há risco de constituição do poder das famílias. Deixe-me acrescentar que não é necessário traduzir as 100, ou 200, famílias do Leon Blume, visto que elas existiram em Portugal, chamavam-se Espírito Santo, Melo, Champalimaud, e estão novamente a investir. E ou não verdade - e isto não é uma tradução - que nós sentimos o peso dessas famílias (eu não porque tenho 38 anos) que, durante 48 anos, exerceram o seu poder associado ao poder político antidemocrático que existiu e que tinha o nome de Estado Novo e ao qual eu prefiro chamar fascismo?

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Não é uma tradução, Sr. Deputado. Para muitos de nós não é uma tradução; é, de facto, uma compreensão do que se passou, o que não sei é' se o Sr. Deputado compreende, na medida em que -suponho- não partilha este ponto de vista.
Uma outra pergunta muito concreta é a seguinte: não é verdade que boa parte das acções das empresas vendidas pelo Estado foram-no, não a novos grupos, mas a membros, não dos 100, mas das 7 famílias?
Disse ainda o Sr. Deputado que está farto de funcionários, no entanto, será que se recorda que temos, comparativamente a outros países da Europa desenvolvida, da Europa da CEE, muito menos funcionários, tendo em conta a população activa total?
Visará V. Ex.º com a frase «o País está farto de funcionários» a destruição da própria Administração Pública e depois do Estado?
última pergunta para não exceder o meu tempo e para não maçar a Assembleia. O Sr. Deputado expôs, com uma clareza que é de louvar, as suas concepções liberais, pergunto-lhe: tem presente que a população portuguesa no dia 25 de Abril de 1983, mais uma vez, rejeitou as concepções liberais anti-sociais-democráticas, ou seja, deu exactamente 12 % de votos à campanha liderada pelo Dr. Lucas Pires? Está consciente disso?

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr. Deputada lida Figueiredo.

A Sr .8 ilida Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado João Lencastre não é, de facto, uma perseguição aos fantasmas do passado; é a afirmação de que quer o retorno ao poder político e económico que um pequeno grupo de famílias usufruiu antes do 25 de Abril. E isso que o Sr. Deputado João Lencastre pretende, é isso que o CDS pretendei

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A sua intervenção aponta claramente para a destruição do sector público e para a passagem da maioria dos sectores rentáveis, que o sector público tem, para as mãos dessas famílias.
Quando o Sr. Deputado diz que hoje não há banqueiros em Portugal, que hoje não há capitalistas interessados na constituição desses grupos, quero lembrar-lhe e perguntar-lhe se não conhece o que se tem passado, por exemplo, nestes últimos anos, com os escândalos que foram realizados por governantes deste país durante a coligação que o CDS fez parte - através da venda de empresas, que estavam quase integralmente nacionalizadas, como é b caso, por exemplo, da ALCO que tinha 99,75 % do seu capital nacionalizado, a pessoas ligadas a um dos antigos grupos dessas 6 ou 7 famílias - dos Meios -, e que o senhor tão bem conhece.

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Quero lembrar-lhe, ainda, se não conhece, os escândalos relacionados com Afonso Pinto de Magalhães e Jorge de Brito. A esse propósito, o meu grupo parlamentar apresentou aqui recentemente pedidos de inquérito acerca desses escândalos que são ainda pouco claros, nomeadamente o de Jorge de Brito que envolve milhões de contos passados de mão beijada para um banqueiro que, além do mais, cometeu todas as fraudes possíveis de que existe registo e que, inclusivamente, chegou a ser condenado por isso.

Mas, Sr. Deputado, o que os senhores agora pretendem é não só a continuação desses escândalos que já foram iniciados pelos anteriores governos da AD, mas ir mais longe, ou seja, passar para as mãos dessas famílias e de outras que lhes estão associadas - que têm aqui os seus representantes, não só na sua bancada mas em especial na sua bancada - os 17 milhões de contos que a banca nacionalizada deu de lucro em 1982. É isso que está em causa com a abertura do sector bancário ao sector privado, é o controle deste grande poder, desta possibilidade de criação de riqueza, deste motor de desenvolvimento económico e social do País. É tudo isso que os senhores pretendem passar para a mão de um pequeno grupo de famílias que apoiam e que aqui são representantes.

O Sr. Deputado foi ainda mais longe: não lhe chega - tornou isto claro na sua intervenção- a proposta de lei que o Governo apresentou, quer mais ... quer tudo. Oh, Sr. Deputado, o povo português fez o 25 de Abril e certamente continuará a lutar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O povo português vai continuar a lutar para que o passado, que os senhores querem reviver neste país, não volte e não regresse, para que o grupo das 6 ou 7 famílias não domine de novo o nosso País através do desemprego, da miséria e do encerramento em série de empresas. Isso, Sr. Deputado, não acontecerá!

Nozes do PCP: - Muito bem!

Aplausos do Sr. Deputado Jorge de Lemos (PCP).

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. ]Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Gomes ale Pinho (CDS): - Sr. Presidente, para formular um protesto em relação Á intervenção da Sn a Deputada lida Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou-lhe a palavra para formular um protesto, em nome da sua bancada, em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, no fim dos pedidos de esclarecimento que estão a ser feitos ao Sr. Deputado João Lencastre'

Tem agora a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Sr. Deputado João Lencastre falou em traduções e referiu-se à «liberdade de escolher»,

que curiosamente é uma tradução de Milton Friedman, dos Boys de Chicago, cuja experiência no Chile é conhecida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria de lhe dizer que aqueles que descobriram, ou redescobriram, a democracia em 26 de Abril podem estar certos de que vão contar com o combate do povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à falência técnica do sector empresarial do Estado, curiosamente, também se ouve isto da boca de um deputado do CDS. Que espanto! Pergunto: Quando o presidente do I PE diz o que diz, pensa o que pensa, age como age, quando os gestores do sector público e empresarial do Estado são o que são, que dúvidas é que poderia haver?
Sr. Deputado, para que fique claro de uma vez para sempre, lembro-lhe que o saldo do crédito de cobrança duvidosa atingiu, em 1982, o valor de 1b3,1 milhões de contos e que o aumento em dívida proveniente do sector privado situava-se, em 1982, em 133 milhões de contos, ou seja, 81,5 % do total (esta percentagem é superior à participação do sector privado no total do crédito). São números que, penso, servem, ou talvez não, para o esclarecer!
Bom, em relação à banca privada, que fundamentalmente é o que está em causa, pergunto: porquê banca privada?
O Sr. Deputado Mário Adegas já aqui referiu que, com a banca privada não vai haver mais crédito, que não vai haver crédito mais barato e que é duvidoso que ele seja mais racionalizado. É evidente que não! A experiência do passado mostrou que esse crédito iria, se a banca fosse aberta ao sector privado, para as grandes famílias, para os grupos e para as empresas do grupo.
Mas, então, porquê a banca privada?
Em primeiro lugar, porque dá lucros, como já foi aqui referido pela minha camarada Ilda Figueiredo, e grandes lucros! Depois, porque dá poder político! Porque permite a possibilidade de baldear mais uns milhões de contos para o estrangeiro e porque permite o financiamento de certos partidos políticos. Aliás, o CDS, a seguir ao 25 de Abril - Isso consta de um relatório dos trabalhadores da banca - foi financiado pelo «Espírito Santo».

Vozes do PCP: - Não estão lembrados!

O Orador: - Mas não só partidos políticos como também a acções subversivas - mais uma vez a referência a Milton Friedman é sintomática.
Por último, Sr. Deputado, não sei se reparou que o Partido Socialista não lhe fez perguntas, não lhe colocou questões, não fez protestos ... É sintomático na verdade.
A pergunta que lhe queria fazer é a seguinte: o CDS já está directa, ou indirectamente, ligado ao bloco central dos grandes interesses?

Aplausos do PCP.

O Sr. !Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

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O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Lencastre durante a sua intervenção referiu-se à necessidade de abrir outros sectores à iniciativa privada e salientou os exemplos, entre outros, das cervejas e das celuloses. Pergunto ao Sr. Deputado, muito concretamente, o seguinte: em que Legislação se baseou para fazer este
tipo de intervenção, visto que a Lei n." 76/77 - já lá vão quase 6 anos - abriu à iniciativa privada precisamente 2 dos sectores que o Sr. Deputado quer
abertos?
Segundo: são este tipo de álibis que pretende invocar para a iniciativa dos empresários portugueses, iniciativa que nunca se verificou ao longo da nessa história económica? É com o alibi da existência de leis inexistentes que se pretende dinamizar uma iniciativa?

Vozes da ASDI e da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Certos Lage (PS): - Para protestar, quando chegar a minha oportunidade, em relação ao pedido de esclarecimento que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas solicitou ao Sr. Deputado João Lencastre e onde fez alusões ao PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, oportunamente dar-lhe-ei a palavra.
Tem agora a palavra, para responder aos pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado João Lencastre.

O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei responder à maior parte das perguntas que me foram feitas - se não a todas,
não sei se tive oportunidade de tomar nota de todas -, começando pelo Sr. Deputado César de Oliveira.
Queria esclarecer que o facto de estar contra chavões ideológicos não significa que esteja necessariamente contra as ideologias.
Perguntou-me se a inflação e o desemprego são culpado sector público. Penso que há várias razões para a inflação e para o desemprego. Seria estultícia considerar ser apenas a má administração e o peso excessivo do sector público na economia que conduzem à inflação e ao desemprego; há, por exemplo, factores internacionais e muitos outros.
Quanto à definição de monopólio, confesso que não distingui muito bem as alternativas que colocou. Para mim, de facto, um monopólio é quando existe uma
concentração numa só entidade, num só patrão, do capital de uma empresa ou de um sector.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira falou-me no sector público e contestou que esse sector, nomeadamente, o bancário, estivesse em falência técnica. Creio que é
verdade, pelo menos a maior parte dos bancos não estarão em situação de falência técnica - digo bem, a maior parte -, mas temos de ver como é que são fixadas as margens que os bancos usufruem, isto é, são margens artificiais que resultam do facto de não haver uma verdadeira concorrência. Se houver uma verdadeira concorrência, talvez seja possível que o sector bancário possa ter custos menos elevados do que tem actualmente. É isso, como sabe, que a concorrência proporciona.
Quanto a saber se o capitalismo selvagem é ou não defensável - parece-me que foi uma das perguntas que colocou -, creio que a minha contestação, ao falar-se do capitalismo selvagem, é quando se confunde o capitalismo selvagem com a economia de mercado, como alguns pensadores socialistas tendem a fazer. E evidente que todos estamos de acordo em condenar o capitalismo especulativo, o capitalismo fora da lei.
Colocou ainda o problema das famílias. Não estou aqui a defender o retorno - julgo que isso ficou bem claro no meu discurso, ao 24 de Abril. (r) que eu contesto - como disse - é o falso dilema entre 0 24 de Abril e o 11 de Março. O regime que existia em Portugal era, de facto, feudal, e eu sou contra esse regime, defendo o regime liberal contra o regime que existia antes do 24 de Abril.
Esta resposta serve para esclarecer alguns Srs. Deputados do Partido Comunista que estabeleceram uma confusão que realmente não existe no meu espirito, nem na minha bancada.
Quanto à rejeição da concepção liberal, que o Sr. Deputado Hasse Ferreira pensa que houve no 25 de Abril devido à percentagem de 12 % que o CDS teve no último acto eleitoral, devo dizer que é uma análise um pouco simplista porque outros partidos aqui representados apareceram com essas concepções, algumas algo liberais, ao eleitorado e foram mais votados do que o CDS. E uma grande mistura e ambiguidade dentro desses partidos; no entanto, penso que s corrente liberal excede os 12 % do nosso eleitorado.
Os deputados do Partido Comunista, Ilda Figueiredo e Carlos Carvalhas, colocaram-me várias questões: em relação às famílias já respondi com clareza. Julgo que eles não pensarão que eu estou aqui a defender o retorno a ura regime feudalista visto que sou a favor de um regime liberal. Salientei que não havia os perigos desse retorno visto que nunca assisti num regime democrático voltar-se, por via económica, a uma ditadura, tal como os Srs. Deputados do Partido Comunista parecem temer. Gostaria que me dessem um exemplo.

Vozes do PCP: - Olhe o Chile!

O Orador: - Quanto aos escândalos que invocaram ... Jorge de Brito, Pinto Magalhães e outros, julgo que não nos compete, neste momento, discutir esse assunto. Os Srs. Deputados do Partido Comunista têm toda a liberdade para seguir as vias competentes para o fazer.

Vozes do PCP: - Já o fizemos!

O Orador: - Longe de mim defender qualquer escândalo. Não é essa a nossa intenção.

Pausa.

Estava a ver se tinha sido levantado mais algum ponto ... ah, em relação às perguntas do Sr. Deputado Magalhães Mota. Há aqui, de facto, uma certa confusão: é que eu sou a favor da abertura da economia em todos os sectores, ou em quase todos os sectores, e se as cervejas e as celuloses já estão abertas A

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iniciativa privada muito me congratulo com isso; ainda bem.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - É da lei!

O Orador: - Sr. Presidente, de momento nada mais tenho a acrescentar.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, em relação à intervenção da Sr .º Deputada Ilda Figueiredo, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar formula um veemente protesto contra a intervenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Partido Comunista tem todo o direito de criticar as teorias e as teses que o CDS defende. Seria, aliás, para nós, preocupante que o não fizesse, o que não tem o direito é de, sem argumentos válidos para criticar essas teses, nos atribuir intenções, objectivos e acções que não estão, nem no nosso Programa nem nas nossas declarações nem na nossa prática política.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O CDS é um partido democrático, respeita as regras democráticas e só aceita lições de moral democrática de partidos que igualmente as respeitem. Lamento ter aqui de lembrar o seguinte: se muitas vezes divergimos do Partido Comunista é porque nos encontramos do lado de cá da barreira das forças democráticas, ao lado das forças democráticas, na luta contra atitudes pouco ou nada democráticas.
É de lamentar a atitude da Sr. Deputada ao fazer, em relação ao CDS e a uma intervenção de um membro do nosso grupo parlamentar, processos de intenção dessa ordem, para além de não a considerarmos correcta.
Os deputados do CDS, Sr.ª Deputada, representam aqui exclusivamente os eleitores que votaram no nosso partido. Talvez essa concepção, infelizmente, não exista noutros partidos aqui representados e particularmente no seu.

Vozes do CIDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se a Sr. a Deputada Ilda Figueiredo deseja responder, tem a palavra.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer um breve protesto.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

A Sr.ª Ilda !Figueiredo (PCP): - A intervenção do Sr. Deputado Gomes de Pinho veio apenas reafirmar o que o seu colega de bancada já tinha feito, ou seja, que os senhores persistem em pôr em causa a Constituição da República, que o CDS está disposto á ir por diante na sua luta pela destruição dos direitos e das conquistas do 25 de Abril, nomeadamente das nacionalizações. É que, como todos sabemos, incluindo o Sr. Deputado, o que se pretende fazer é claramente inconstitucional: a Constituição, mesmo depois da revisão da parte económica, mantém no essencial tudo aquilo que tinha sido aí consagrado e, portanto, também a defesa integral do sector nacionalizado.
Todos, sabemos que o que se está a fazer é um ataque muito sério e muito grave à Constituição da República e a uma das conquistas fundamentais - aquela que exactamente mais atingiu o poder económico no nosso País e que, de facto, defende o poder político contra o poder dos monopólios, dos grupos económicos que dominaram este País. Foi contra isso que me insurgi na minha intervenção; foi isso que os senhores defenderam. Está claro que são duas posições completamente diferentes: nós defendemos as conquistas de Abril, nós defendemos a Constituição da República, nós defendemos os direitos de Abril, nós defendemos os direitos dos trabalhadores, nós defendemos um poder político que não seja controlado pelo económico; os senhores defendem o desemprego, defendem que o poder económico, e se possível também o poder político, sejam controlados por meia dúzia de famílias. Os exemplos do que isto dá não faltam o Chile é claro a esse respeito. Nós lutamos contra isso; daí o meu protesto em relação à sua intervenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - É para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas estranhou que nós não tivéssemos usado da palavra após a intervenção do Sr. Deputado João Lencastre.
Em primeiro lugar, também nós estranhamos essa atenção obsessiva com que o PCP segue os nossos actos e os nossos silêncios. Mas é fácil interpretar a nossa atitude: nós não dissemos nada em relação à intervenção do Sr. Deputado João Lencastre porque não damos nenhuma importância a essa intervenção. E com o andar do tempo o mesmo estamos a fazer relativamente a certas intervenções, protestos ou pedidos de esclarecimento do PCP. Porque se destinam sobretudo a alargar o debate, a torná-lo confuso e incompreensível, também podemos, com o andar do tempo, deixar de dar importância aos protestos, às alusões ou às insinuações do Partido Comunista.

Aplausos do PS, da ASDI e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP):- Eu diria que há silêncios e há lacunas que são vergonhosos ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Carlos Lage, gostaria que se recordasse do seguinte: O que está

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em causa no sector bancário e na sua abertura ao sector privado é que, a partir da criação de um banco com algumas centenas de milhar de contos, pode controlar-se a movimentação de muitos milhões de contos; o que está em causa é um problema de poder e não um problema de respeito, de regras.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

E agora muito mal!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador:- Estava a citar o Partido Socialista e as vozes de muito bem do Sr. Deputado Carlos Lage, salpicadas aqui no Diário da Assembleia da República. Que pena é ver hoje o Sr. Deputado Carlos Lage a tomar o direito de defesa em nome do CDS. Pela mão do PS, vai-se reconstruir os privilégios, vai-se reconstruir as fortunas, vai-se ter a novos casos de Rumasas e Ambrosianos. Vejo, aliás, Sr. Deputado Carlos Lage, quanto zeloso está na defesa desses interesses. Parafraseando um deputado que se sentava ali à minha extrema direita e que hoje se encontra ali ao lado do Deputado Manuel Alegre, direi que o Sr. Primeiro-Ministro foi muito ingrato porque o Sr. Deputado pelo seu zelo merecia, pelo menos, uma Secretaria de Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Risos do PS e do PSD.

O Sr. Cal Brandão (PS): - O senhor é um provocador!

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - É para protestar em relação à resposta que me deu o Sr. Deputado João Lencastre.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Bem, não é um breve protesto, nem um ligeiro protesto, como é uso dizer--se nesta Casa, é um protesto.

Sr. Deputado, começaria por perguntar se lhe queima a língua chamar o regime do 24 de Abril de fascista ou ditadura. E que, Sr. Deputado, estão ali tantos vintistas, setembristas e cartistas, que andaram a lutar demoradamente contra o feudalismo, que certamente, se aqui estivessem as suas ossadas (e não estão), já se tinham levantado da tumba e estavam aí furiosíssimos contra a sua intervenção.

É que a sua concepção de feudalismo é curiosa. Eu até julgava que o Champallimaud tinha exército privado, cunhava moeda, administrava a justiça. Mas, pelos vistos, não cunhava moeda, não administrava justiça, etc. Portanto, não havia qualquer regime feudal. As suas concepções de feudalismo e de monopolismo vão levá-lo a pensar que o dono da tabacaria

ali da esquina, que é o único proprietário da tabacaria, é um monopolista terrível!

Sr. Deputado, reveja as suas concepções de feudalismo, reveja as suas concepções de monopolismo porque V. Ex º, por esse caminho, acaba por não perceber nada dos sistemas económicos e políticos da actualidade! Fica completamente baralhado em relação ao actual panorama político-económico do mundo! O Sr. Deputado tem de rever essas concepções sobre o feudalismo porque, de facto, os nossos maiores liberais, que andaram a lutar contra o vínculo, contra os foros, contra o morgadio, etc., etc., devem estar neste momento, não direi corados de vergonha porque já não têm cara para corar, mas os ossos devem estar vermelhinhos de raiva, com certeza absoluta!

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Era para um breve protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Hasse ]Ferreira (UEDS): - Agradeço os esclarecimentos do Sr. Deputado João Lencastre, que penso clarificarem ainda melhor as concepções aqui expostas, e queria dar o meu acordo à constatação por ele feita de que existirão infiltrações liberais noutros partidos, pensando eu que o Sr. Deputado se referia à bancada do PPD/PSD.

Uso ainda, no entanto, a figura regimental do protesto para lhe lembrar que, quanto às instituições de crédito, sejam do sector público ou privado, as margens e as diferenças entre as taxas de juro das diferentes operações de crédito irão certamente ser sujeitas a controle, quer por via legal quer por parte do Banco Central, fazendo fé na resposta que o próprio Sr. Primeiro-Ministro me deu sobre este assunto aquando da discussão do Programa deste governo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Lencastre deseja responder aos protestos?

O Sr. João Lencastre (CDS): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Domes de Pinho (CDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Domes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente é para protestar relativamente a uma intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Nós não podemos deixar passar em claro essa intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage pela seguinte razão fundamental: está implícita nessa intervenção um certo ar de desprezo com que classificou a intervenção de um deputado da minha bancada, porventura uma atitude que

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nós não podemos admitir relativamente à oposição nesta Câmara. Se é assim (e espero que o Sr. Deputado esclareça esse pormenor), nós teríamos de fazer um protesto muito claro porque consideramos que, pelo facto de existir uma significativa maioria de apoio ao Governo, isso não dá, de forma alguma, direito a essa maioria de encarar as intervenções da oposição sob a forma como o Sr. Deputado o fez.
Finalmente, gostaria de lhe dizer que a importância das intervenções da minha bancada, felizmente, ainda não é avaliada pelo Partido Socialista. Há outros critérios de avaliação democrática dessa importância e nós desejamos que esses critérios se mantenham nesta Câmara, e não os critérios que o Partido Socialista porventura possa ter.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - No meu contraprotesto envolveria quer o Sr. Deputado Gomes de Pinho, quer o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
Quanto à ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe mas não percebi. Deseja tomar a palavra para ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para usar a figura do direito de defesa, na medida em que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas no seu contraprotesto tentou ofender-me pessoalmente. Aproveitava também para dar uma explicação ao Sr. Deputado Gomes de Pinho.
Portanto, peço a palavra para, sob a figura regimental do direito de defesa, dar explicações.

O Sr. Presidente: - Então agradecia que fosse sucinto na sua intervenção, tal como estabelece o Regimento.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado Gomes de Pinho, naturalmente, eu não avaliei a bancada do CDS. Não se tratou disso. A sua ilação foi a de tomar a parte pelo todo e, de facto, o Sr. Deputado Gomes de Pinho é que incorreu num raciocínio que poderá ter efeitos pejorativos, mas que eu, de forma alguma, quis extrair da minha curta intervenção. Avaliei a intervenção do Sr. Deputado João Lencastre naquilo que considero 0 seu valor intrínseco, não tendo tão-pouco avaliado
Sr. Deputado João Lencastre como homem, como deputado, como parlamentar, o qual respeito e sobre quem não tenho razões -de queixa. Foi a sua intervenção, o pensamento expresso nessa intervenção que referi que para nós não tinha nenhum valor e que era nula.
Quanto ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, o contraprotesto que fez evidencia a incapacidade do Sr. Deputado em responder ou replicar àquilo que foi afirmado. Perante as minhas afirmações, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas fez desvios, proeurou atacar-me pessoalmente, o que demonstra, para além da falta de um fio condutor no seu raciocínio e no seu pensamento, que, quando não tem razão, se refugia no irracional e nos ataques pessoais. Mais uma vez se comprova aquilo que já temos afirmado algumas vezes.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP) : - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Para exercer o direito de defesa e dar explicações.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lage, não o queria ofender pessoalmente e lamento que o tenha entendido assim. A não ser que pense (e então talvez comece a pensar bem) que pertencer a este Governo seja uma ofensa!

Aplausos do PCP.

O Sr. Raúl Rego (PS): - Seu idiota!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Pouco ofensivo, pouco ofensivo!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes.

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao tomarmos a palavra neste debate, gostaríamos em primeiro lugar de tornar bem claro que iremos analisar a proposta de lei em apreço à luz fundamentalmente de 2 critérios:

Necessidade de subordinação do poder económico ao poder político democrático;
Avaliação dos efeitos, em termos de desenvolvimento económico e social do País, que uma eventual alteração à Lei dos Sectores poderá porventura acarretar.

Estes, pois, os 2 parâmetros fundamentais que sempre perspectivarão a nossa posição sobre o assunto em análise, dado não nos colocarmos na situação daqueles que consideram o sector público como anjo bom, com todas as qualidades e nenhum defeito, ou, pelo contrário, o sector privado como fonte de todas as virtudes.
A posição da ASD1 é, pois, a de encarar este problema num prisma não dogmático, não escamoteando contudo revestir-se o assunto, pelo menos, para alguns sectores, de uma forte carga ideológica.
Efectivamente está ainda presente, embora num contexto político completamente diferente, qual era a situação vigente antes do 25 de Abril. A nossa economia caracteriza-se então por um índice de concentração bastante grande para o seu nível de desenvolvimento económico. Basta a este propósito recordar que 0,4 % das 40 051 sociedades que em 1971 exerciam a sua actividade no continente e ilhas adjacentes, detinham, segundo se pode lar numa publicação da engenheira Belmira Martins, 53 % do capital social do total das sociedades.

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Era o tempo, como aliás se reconhece na exposição de motivos da proposta de lei, em que os grupos financeiros tinham o seu banco, a sua seguradora, o seu jornal e por vezes até o seu ministério. Tudo isto num país onde 1 concentração do poder económico se adicionava um poder político monolítico. Em que os cidadãos, as organizações sociais e a opinião pública estavam amordaçadas pelos constrangimentos que caracterizavam todas as ditaduras.

Com a Revolução do 25 de Abril a situação modificou-se, como sabemos, profundamente.

A restauração das liberdades públicas foi acompanhada, na área económica, pela constituição de um significativo sector nacionalizado. Com efeito, entre 14 de Março de 1975 e 29 de Julho de 1976, nacionalizaram-se 244 empresas, tendo o processo começado com os bancos e terminado com as empresas proprietárias de alguns jornais.

Mas não foi só a nacionalização que na altura corporizou a intervenção directa do Estado na economia. As empresas intervencionadas chegaram a representar cerca de 300.

Em todo este contexto houve quem sustentasse que se deveria caminhar para o colectivismo. Estou-me a referir designadamente ao Partido Comunista Português que na sua Conferência Económica, realizada em Junho de 1977, defendia que os trabalhadores das empresas intervencionadas deveriam impedir que estas fossem entregues às entidades privadas.
Obviamente que esta não pode ser a perspectiva da Social-Democracia e do Socialismo Democrático sobre as nacionalizações.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Ao invés, estas ter-se-ão que entender, como já afirmámos, como instrumento para a subordinação do poder económico ao poder político democrático, que é justamente um dos fundamentos da nossa organização económica e social, segundo o preceituado no artigo 80 º, alínea a), da Constituição. É esta pois a justificação da propriedade estadual.

A propriedade privada é por nós encarada como incentivo à criatividade e à formação da riqueza e como
forma de defender a liberdade de cada um contra um eventual poder totalitário do Estado.

A propriedade, em qualquer das suas formas, deverá garantir ao conjunto dos homens a segurança económica de cada um e da sua família, o direito ao trabalho, a iniciativa e a responsabilidade, e, bem assim, um aumento de rendimento em função da utilidade comum e condições de paz social.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Por isso a propriedade privada não é um privilégio nem um direito absoluto.

Tal como a separação de poderes na organização política também uma economia pluralista, com distinção de funções, é uma garantia imprescindível de liberdade.
E tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é não só compatível com os ideais de Social-Democracia e Socialismo Democrático, como é núcleo fundamental desses conceitos, desde que sejam assegurados os valores da liberdade, da justiça e da solidariedade, proclamados designadamente valores fundamentais do pensamento socialista no Congresso do Partido Social-Democrata alemão, de Godesberg.

E, pois, inserida em todo este contexto que a ASDI se posiciona. De facto, para o nosso partido socialização nunca foi sinal de estatização. A sociedade livre e solidária que pretendemos para todos, implica que nenhum grupo esteja investido no exercício exclusivo de direitos políticos ou económicos. Como também já reiteradamente temos afirmado a nacionalização, só por si, não é sinónimo da socialização, conseguindo-se apenas tal desiderato se os trabalhadores das empresas participarem na sua gestão.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador- Há, pois, incontestavelmente, em tudo o que se deixa dito, o sublinhar de uma nova dimensão, que cada vez assume mais relevância nas sociedades modernas. Trata-se da problemática de participação, que tende a sobrepor-se às conhecidas querelas relativas à propriedade dos meios de produção cujo papel não pretendemos naturalmente minimizar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já afirmámos anteriormente e pensamos ter largamente exposto, a revisão da Lei dos Sectores não é para nós uma atitude herética que, por si só, comprometa o travejamento fundamental do nosso ordenamento económico. Colocamos a questão da abertura dos sectores bancário, segurador, adubeiro e cimenteiro, numa perspectiva essencialmente pragmática, daí que formulemos as seguintes questões: Cria esta proposta de lei aumento do investimento? Que tipo de aumento de investimento? Consegue esta proposta de lei melhor distribuição do crédito? Que concorrência se irá estabelecer entre a banca nacionalizada e a banca privada? Na captação de poupança? Na abertura de novos balcões? Como irá o Estado exercer, com eficácia, o indispensável controle sobre as diversas operações bancárias? Como poderá o Estado definir e fazer cumprir as linhas de crédito mais correctas para os interesses do País? Entende o Governo que a banca privada estará disposta a abrir pequenas agências para servir as populações mais afastadas dos grandes centros? Pensa o Governo que a abertura à iniciativa privada do sector segurador irá facilitar a adopção por parte das empresas de esquemas complementares da segurança social oficial? Como prevê o Governo dar cumprimento ao disposto no artigo 3 º da proposta de lei? Em que bases serão avaliados os projectos eventualmente apresentados pela iniciativa privada nos sectores que o Executivo se propõe abrir-lhe? Como irá o Governo acautelar neste contexto o interesse nacional?

Estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas das muitas interrogações que este tema suscita e cujo esclarecimento reputamos fundamental.

De facto, e contrariamente a outras organizações políticas, não descortinamos, quer do ponto de vista do texto constitucional, como ficou sobejamente demonstrado na intervenção de Vilhena de Carvalho, quer do ponto de vista dos valores que pautam o nosso posicionamento político, obstáculos que nos impeçam de dar a nossa aprovação h proposta de lei do Governo.

Como já dissemos e agora acentuamos, a Social-Democracia que defendemos para Portugal cuida fundamentalmente da realização progressiva dos valores da liberdade, justiça e solidariedade, ajuizando os meios

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de política económica e social pela sua maior ou menor eficiência para a obtenção dos citados fins.
Como sustentou Bernstein, o movimento representa tudo, nada significando as chamadas sociedades socialistas terminais onde o socialismo surge confundido com a colectivização.

Assim sendo para nós, ASDI, este debate em torno da proposta de lei do Governo valerá sobretudo pela forma como conseguir clarificar, no plano pragmático, os resultados que são de esperar da eventual aprovação da iniciativa do Governo.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Considera designadamente a ASDI que será útil que o Executivo esclareça as orientações fundamentais do decreto-lei que ficará autorizado a produzir no caso de aprovação desta proposta de lei. Efectivamente, e dada a importância da matéria em apreço, afigura-se-nos bastante escassa a informação não só do articulado da proposta de lei, mas também da sua própria exposição de motivos.

A Assembleia da República tem de ser dignificada e se-lo-á tanto mais quanto mais informada estiver sobre as intenções do Governo em matéria tão sensível.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por tudo o que foi dito fazemos votos para que o debate seja« clarificador e que, na sua sequência, esta Assembleia forme a sua vontade política no sentido de encontrar a solução que melhor se coadune com a promoção da justiça e do bem estar para o povo português.

Aplausos da ASDI, do PS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Furtado Fernandes.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Furtado Fernandes começou por colocar as questões, em meu entender, fundamentais ligadas a esta proposta de lei - o problema da subordinação do poder económico ao poder político e os efeitos da eventual aprovação no que diz respeito ao desenvolvimento económico do País.

Só que julgo que não deu resposta nem a uma nem a outra das questões. Nada disse, em meu entender, sobre aquilo que o Sr. Deputado e o seu partido pensam quanto aos efeitos da abertura destes sectores à iniciativa privada no que se refere à subordinação do poder económico ao poder político. E aqui queria, a propósito, chamar-lhe a atenção para uma passagem da sua intervenção que talvez seja esclarecedora de um certo posicionamento: o Sr. Deputado diz que antes do 25 de Abril havia um poder económico concentrado a que se adicionava um poder político monolítico. Não havia um poder económico concentrado a que se adicionava um poder político monolítico; não se tratava de duas situações distintas, mas antes um e outro se sustentavam.

O poder político monolítico decorria da estrutura económica existente e da concentração do poder económico e era um instrumento de acção política desse poder económico concentrado. Não eram coisas distintas que meramente se justapusessem ou adicionassem no tempo e no espaço. E aqui creio que vamos tocar no cerne da questão. Bastará que a Constituição consagre a independência do poder político, em relação ao poder económico para que tudo esteja resolvido e tenhamos assegurada essa independência? Penso que nem o Sr. Deputado, nem qualquer outro deputado aqui presente acredita nisso, pois seria demasiada ingenuidade. Seria uma forma demasiado simples de resolvermos todos os problemas com que nos defrontamos se a simples consagração na Constituição ou na lei fossem a resposta bastante e suficiente.
Também em relação às questões que levantou sobre os efeitos concretos e às questões que pôs, nomeadamente ao Governo, penso que seria interessante, para além de conhecer o ponto de vista do Governo, conhecer também o ponto de vista do seu partido sobre esses efeitos e as respostas a todas as questões que pôs ao Governo. E porque seria interessante conhecer a posição do seu partido, permito-me devolver-lhe aquelas questões que acabou de colocar ao Governo.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por saudar o Sr. Deputado Furtado Fernandes pela clareza da sua intervenção (com as ressalvas que o meu camarada Lopes Cardoso já formulou), inclusivamente numa coisa que vai sendo rara nesta Assembleia: a parte conceptual em relação às concepções sociais-democratas que V. Ex.ª acabou de enunciar. Fala-se aqui muito de social-democracia mas o discurso que se faz nada tem a ver com a social-democracia. V. Ex.ª acabou por fazer uma intervenção conceptualmente social-democrata, num discurso que tem a ver com a social-democracia, razão pela qual folgo, congratulo-me e lhe dou os meus aplausos.

Simplesmente há duas questões que lhe gostaria de colocar, embora reconheça que são questões teóricas ou ideológicas, como queira, que nada têm a ver com o fundo do debate. No entanto, acho que lhas devo colocar porque isso envolve um rigor de conceitos e uma precisão de concepções, que V. Ex.ª manteve na sua intervenção e que era bom que tornasse extensivo a elas.

Em primeiro lugar, a questão do colectivismo. O Sr. Deputado não admite que haja duas espécies de colectivismo, um de cariz burocrático, totalitário e outro que resulta do próprio exemplo que V. Ex.ª deu da participação dos trabalhadores na questão das empresas, e a que eu chamo o colectivismo democrático, não burocrático nem totalitário. Então por que é que se adjectiva o colectivismo burocrático e totalitário e, por outro lado, não se adjectiva um outro tipo de colectivismo, de que são um exemplo as cooperativas, que também são formas colectivas? Ao fim e ao cabo, se calhar não há ninguém que rejeite determinadas formas de colectivismo. Isso é importante para que não andemos a misturar chavões na discussão, os quais

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adulteram as nossas posições, baralham os espíritos e normalmente são utilizados como alibis políticos, enganadores das próprias situações.
A segunda questão refere-se ao Bernstein. V. Ex." citou - e bem - o Bernstein. Mas faço-lhe a seguinte pergunta: não lhe parece que na própria concepção bernsteiniana o controle estratégico, ou melhor, a subordinação do poder económico ao poder político estava implícita na frase que citou - célebre, aliás - de Bernstein? Então, se é assim, que mecanismos é que o Sr. Deputado adianta para assegurar, na actual situação, esse controle estratégico, essa subordinação, que é a questão fundamental que aqui se está a discutir?
Devo congratular-me com a sua intervenção por ela ser ideológica e felizmente que a ideologia não morreu, apesar de algumas pessoas pretenderem fazer tábua rasa dos pressupostos ideológicos e das discussões ideológicas, enveredando por um pragmatismo tecnocratizante, incolor, que nomeadamente serve e dá para tudo e para mais alguma coisa.
Quero também congratular-me pelo nível que V. Ex.ª veio emprestar a esta discussão, o qual gostaria que fosse mantido neste debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. (lasse Ferreira (UEDS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Na sua exposição, o Sr. Deputado defendeu uma convivência entre o sector público e o sector privado. Penso ter sido este o cerne da questão que levantou, portanto da análise que fez relativamente a esta questão. Gostava que definisse um pouco mais, visto que, pelo menos, para mim, passou despercebido, não ficou claro, qual C: o papel que, em seu entender, cabe a cada em desses sectores.
O Sr. Deputado apenas se referiu à necessidade de abertura ao sector privado de 4 sectores da economia, sem se referir aos restantes. A pergunta concreta que coloco é a de saber se essa sã convivência, tal como interpretei, se deveria alargar em relação a todos os sectores da economia, ou se deveria ser restringida apenas a alguns. Por outro lado, deveria também clarificar qual seria, nestas circunstâncias o papel especifico que competiria às empresas públicas na prossecução da sua actividade.
Outra pergunta consiste em saber se, nas condições actuais - portanto, previamente, a uma reestruturação que se torna necessária, particularmente no sector público financeiro português -, considera que estão criadas as condições para essa, como designei, sã convivência entre os 2 sectores, ou se essa abertura ao sector privado não virá afinal a provocar uma atrofia, um estrangulamento do sector público, particularmente do sector público financeiro e, portanto, a criação das condições para o regresso aos monopólios e à subordinação do poder político ao poder económico que o Sr. Deputado também contrariou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos na hora regimental para suspendermos os nossos trabalhos e ainda há 2 Srs. Deputados inscritos, além do Sr. Deputado Furtado Fernandes que certamente quererá responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.
Julgo que poderíamos interromper agora a sessão e continuar às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Furtado Fernandes, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixaeira (PCP): - Sr. Deputado Furtado Fernandes, queria fazer-lhes 2 pedidos de esclarecimento muito rápidos. Aliás a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso referiu, no essencial, aquilo que eu pretendia questionar sobre o problema do controle do poder político.
Na sua intervenção o Sr. Deputado Furtado Fernandes subestima, quase que esquece, ao fim e ao cabo, a questão da subordinação do poder económico ao poder político. Nomeadamente na parte final da sua intervenção o Sr. Deputado põe a questão em termos não de abertura ou não de determinados sectores ao sector privado, mas sim em que condições técnicas e outras vão ser abertos.
Gostaria de lhe recordar que em 1981 0 seu colega de bancada, o Sr. Deputado Magalhães Mota, dizia «O que está em causa é saber se devemos prosseguir uma linha para transformar esse domínio de sectores num domínio de todos - através da socialização ou se, pelo contrário, devemos voltar ao clube privado antes existente. É essa a grande questão.
Segunda questão: o grande problema que se coloca não é controle do Estado apenas em relação ao poder tecnocrático, mas em relação aos contrapoderes que dentro do próprio Estado se situam.
Assim, parece-me que o Sr. Deputado Furtado Fernandes tem uma opinião diferente do Sr. Deputado Magalhães Mota. É um problema do Sr. Deputado ou é um problema da ASDI7 Qual é, de facto, a posição oficial da ASDI sobre o problema?
O Sr. Deputado referiu, também, que a propriedade privada não é um privilégio. Eu diria que há privilégios e privilégios. Pergunto-lhe: não é um privilégio permitir a criação de bancos privados, quando um banco significa o privilégio de criar a moeda? O Sr. Deputado não sabe que a circulação monetária, digamos, a moeda corrente, neste país, neste momento, é apenas 9,6 % da moeda total do País? Não é isto um privilégio?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Furtado Fernandes, há um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - No fim, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado Furtado Fernandes desenvolveu várias teorias a respeito da matéria que me dispensarei de comentar e invocou várias vezes o pragmatismo. Perante este, acho que todos ou, pelo menos, do meu lado, sinto a obrigação de ter sempre uma sã desconfiança. Entrou depois em alguns aspectos precisos. É destes que irei falar e mais concretamente de um ou dois.
O Sr. Deputado ponderou o direito à propriedade privada versus abertura da banca à iniciativa privada e, naturalmente, que incluía na propriedade privada a propriedade dos meios de produção - e bem se percebe que o tenha feito. Não é isso que tenciono questionar e não vou discutir isso aqui e neste momento, pois não é a questão que nos prende.
A questão é outra e é a de saber se a banca enquanto tal, enquanto essencialidade de operação bancária, é uma questão de propriedade privada. O Sr. Deputado sabe que o que há de essencial na banca não tem nada a ver com o que há de essencial na empresa privada em geral. O que há de essencial na banca é o direito de emitir meios de pagamento. Ou seja, é como se concedesse um foro ou uma portagem a uma entidade pública ou privada - não está agora ainda aqui em causa essa questão que se estenderiam a todo o espaço económico nacional e que, desde logo, constituiriam um privilégio, nó sentido de interferir com a propriedade privada de todos os outros cidadãos e de reter uma parte dos lucros criados algures, mas não pela própria entidade que tem esse título de foro ou de portagem, como eu tentei imageticamente dar a ideia.
Quer dizer, a questão da essencialidade da banca não tem a ver com a titularidade de uma empresa, mas sim com a detenção de um privilégio que por acréscimo - o Sr. Deputado certamente o reconhecerá- é uma parte importantíssima do poder do Estado, porque é a parcela daquele poder que significa possibilidade de criar moeda, sob as mais diversas formas.

Se assim é, Sr. Deputado, a questão que se põe não é uma questão da propriedade privada. Gostaria, pois, que na sua resposta o Sr. Deputado comentasse isto.
Por outro lado, o Sr. Deputado falou também em outras situações em países em que a iniciativa de estabelecimento de banca é livre. O Sr. Deputado sabe que a história desses países se pode caracterizar por vários aspectos, mas os que vou referir são extremamente importantes.
Por um lado, a iniciativa da constituição de um banco só é livre em teoria. Já foi livre, mas há muito que não o é, quer pelas restrições legais que estão impostas por limitações, quer sobretudo pelo poder dos bancos do grande capital estabelecido. Se ò Sr. Deputado quiser ir abrir um banco nos Estados Unidos da América descobrirá rapidamente que não é capaz de o fazer, mesmo que disponha de um vultuoso capital; se quiser ir abrir um banco em França descobrirá exactamente a mesma limitação.
Portanto, u questão da liberdade tomada em absoluto também não é um caso que tenha a ver com a abertura da banca ao sector privado.
Finalmente, Sr. Deputado, a lógica do exercício do privilégio - que não é o da propriedade privada, mas sim o de emitir moeda - é a lógica da acumulação e da centralização de capitais. É a lógica da constituição de grandes grupos económicos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- É a lógica da propensão para controlar o poder político. E o Sr. Deputado sabe que isto é tão verdadeiro, quanto o é justamente nos países em que existem os grandes bancos privados. O Sr. Deputado sabe muito bem o que é o complexo financeiro-militar nos Estados Unidos da América; o Sr. Deputado sabe muito bem o que é que manda a banca na Inglaterra, na França, na Alemanha, etc.; o Sr. Deputado sabe muito bem qual é a limitação imposta aos políticos desses países para escolherem o que quer que seja.
Era também isso que gostava que o Sr. Deputado comentasse.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Furtado Fernandes tem a palavra, para responder aos vários pedidos de esclarecimento, se assim o desejar.

O Sr. Furtado (Fernandes (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei responder às questões que me foram formuladas o mais rapidamente possível.
Começarei pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
A primeira questão que me coloca é esta: eu formulei várias interrogações na minha intervenção e o Sr. Deputado quer saber do ponto de vista da ASDI quais são as respostas. É evidente que se eu conhecesse as respostas a estas interrogações não teria formulado as perguntas que fiz ao Governo. Dir-se-á: bem, num debate destes a ASDI deveria já ter respostas para estas perguntas. O que pretendo significar é que esta proposta não é de inciativa da ASDI, é da iniciativa cio Governo. Naturalmente que compete ao Governo, em primeiro lugar, dar os respectivos esclarecimentos, que irão ser importantes para pautar a posição da ASDI. Esta é uma questão que sublinho.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado, queria só fazer-lhe um pedido que espero que não o incomode muito e que possa ser atendido.
Tenho de me retirar para uma reunião dos grupos parlamentares. Ora, se o Sr. Deputado pudesse, depois de responder ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, passar para a minha resposta agradecia-lhe, pois não queria fazer-lhe a descortesia de não estar presente.

O Orador: - Certamente, Sr. Deputado.
Continuarei, pois, a responder ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Formulou-me, seguidamente, uma questão no sentido de saber se a concentração do poder económico antes do ?5 de Abril seria independente do tal poder político monolítico. A resposta é claramente não, e na minha intervenção colhe-se essa resposta, que aliás é constante da própria exposição de motivos da pro-

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posta de lei do Governo ao dizer-se que «os grupos financeiros tinham o seu banco ou a sua seguradora, o seu jornal e, por vezes até, o seu Ministério». Havia, evidentemente, uma ligação entre o poder económico e o poder político, como saliente na minha intervenção.
Pergunta-me depois se bastará que a Constituição consagre a prevalência do poder político sobre o poder económico. E evidente que não. Desde logo a própria legislação ordinária terá, naturalmente, de concretizar esse desígnio constitucional. Mas a própria Constituição no seu artigo 80 º, nos princípios fundamentais da organização económica, apresenta um conjunto de outros princípios que também são importantes para a tal prevalência do poder político sobre o económico. Refiro-me à planificação democrática da economia, ao desenvolvimento da propriedade social, à intervenção democrática dos trabalhadores.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): Sr. Deputado acha que a abertura da banca, dos seguros, das cimenteiras e dos adubos ao sector privado, vai no sentido da progressiva socialização dos meios de produção de que fala a Constituição? Estamos a caminhar para essa independência ou, pelo contrário, estamos a retrogradar em relação aquilo para que já tínhamos avançado?

O Orador: - Sr. Deputado, não vou dar nas respostas às perguntas formuladas a posição da ASDI, pela simples circunstância de que essa posição vai depender dos esclarecimentos do Governo. E sobre isto não irei adiantar mais nada. Não porque pretenda fugir à questão, mas pela circunstância de pretendermos obter do Governo um conjunto de esclarecimentos.
Relativamente a algumas questões formuladas pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, elas partem do princípio, tal como aconteceu com os pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Octávio Teixeira, que a ASDI é favorável à abertura da banca à iniciativa privada. E evidente que não tomamos ainda sobre isto posição.
No entanto, o Sr. Deputado diz que a questão da banca é mais do que a problemática da sua abertura à iniciativa privada, é mais do que o problema da propriedade privada e tem a ver com o tal privilégio da emissão da moeda. E daí retira a ilação de que se a banca for aberta à iniciativa privada está desenvolvida uma lógica de concentração a nível do capital e cita, designadamente, o exemplo dos Estados Unidos da América. Para nós, ASDI, os Estados Unidos da América não são obviamente um bom exemplo. Lembro ao Sr. Deputado que existem países da Europa, designadamente a Áustria onde há banca privada, mas onde a banca nacionalizada desempenha um papel extraordinariamente importante. Aí existe uma rede de bancos provinciais e de instituições de crédito especializados que pertencem ao sector nacionalizado, que assegura efectivamente o tal desiderato do controle do poder económico pelo poder político. Isto não impede que exista também banca privada, mas a tal prevalência está assegurada pelo sector nacionalizado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Posso interrompê-lo, de novo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado, quer dizer que nessa hipótese benigna o que nós iríamos fazer era conceder não uma portagem estendida ao espaço nacional, não um privilégio englobante de um foro de todo o espaço nacional, mas algumas coutadas garantidas no todo nacional pelo Estado.

O Orador: - O Sr. Deputado esquece uma circunstância extremamente importante: é que nós temos banca nacionalizada em Portugal, temos vários bancos que fazem parte do sector nacionalizado. Devo dizer-lhe que acredito que a banca nacionalizada, em qualquer eventualidade, possa continuar a desempenhar o seu papel.
Portanto, não tenho em relação à banca nacionalizada, pelos vistos, o mesmo sentimento de desconfiança que o Sr. Deputado. Acredito que as empresas públicas que existem em Portugal, e que formam um vasto sector nacionalizado, possam desempenhar um tal papel, designadamente de controle do poder económico pelo poder político.
Passaria agora para as perguntas do Sr. Deputado César de Oliveira.
Diria, em primeiro lugar, que nós não somos contra a propriedade colectiva. Isto é extraordinariamente importante de se dizer e penso que resulta da minha intervenção. Nós aceitamos e votamos em conformidade aquilo que na Constituição se dispõe acerca dessa matéria. Isto é, existem vários sectores de propriedade dos meios de produção, que se contêm no artigo 89 º, todos são importantes e devem coexistir. É evidente que somos favoráveis às cooperativas que citou, a formas de propriedade estadual. Não é isso o que está em causa.
Perguntar-se-á: então o que é que está em causa? E o colectivismo. O que se pretende dizer quando se fala de colectivismo? )É de um sistema que aponte para a generalização da propriedade colectiva. Não são formas particulares de propriedade colectiva que estão em causa, mas outrossim o sistema globalmente considerado.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Ou seja, noutra formulação possível, Sr. Deputado, poderíamos dizer que quando o colectivismo significa uniformização, significa a padronização de um dado modelo e, mais do que isso, de um dado estilo de vida a ASDI é contra e eu também sou contra. Está de acordo comigo?

O Orador: - Vamos lá ver, pois o Sr. Deputado terá sobre isto a sua concepção e a do seu partido. Aquilo que eu disse, pela minha parte, é que somos contra o colectivismo como sistema, que impõe uma generalização. Aliás, eu disse na minha intervenção que a coexistência dos 2 sectores era condição de liberdade, porque repare o Sr. Deputado que não

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acredito que num Estado onde a propriedade apenas seja colectiva, onde não exista designadamente e como é evidente propriedade dos meios de produção, pois não estamos a falar dos meios de consumo, a sociedade e os indivíduos possam ser inteiramente livres. Isso tem a ver com aquela polémica de saber se é possível a garantia das liberdades públicas numa sociedade inteiramente colectiva em termos de meios de produção. Na concepção que perfilho de social-democracia - evidentemente que sei que no campo do socialismo democrático há outras concepções que defendem essa tese - entendo que isso não será possível. Somos favoráveis ao modelo constitucional, da tal coexistência destes vários sectores de propriedade dos meios de produção.

Referiu depois o Sr. Deputado a questão de Bernstein, se este não seria favorável ao controle estratégico da economia. Efectivamente que sim. No entanto, continuo a dizer que o modelo constitucional, designadamente o que se contém no artigo 80 º, com aqueles vários meios de intervenção do Estado e dos grupos sociais, é idóneo para alcançar esse objectivo.

O Sr. Deputado do MDP/CDE, Pinheiro Henriques, formulou-me várias questões, perguntando-me, em primeiro lugar, qual o papel de cada um dos sectores. É evidente que, desde logo, também lhe respondo com a Constituição, que a iniciativa económica privada tem um papel. Mas o direito de propriedade privada, como eu disse na minha intervenção, não é também um direito absoluto. A Constituição diz no seu artigo 61 º, n.º 1, que « A iniciativa económica privada pode exercer-se livremente enquanto instrumento do progresso colectivo, nos quadros definidos pela Constituição e pela lei». É justamente nestes limites e com esta interpretação que nós, ASDI, defendemos a iniciativa privada. Pergunta bem: «mas o senhor entende que a abertura à iniciativa privada se deve alargar a todos os sectores?» A resposta é claramente negativa. Entendemos que não e que isso não é, em primeiro lugar, desejável. De facto o artigo 85 º, n.º 3, diz «A lei definirá os sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza».

Portanto, é claramente inconstitucional abrir à iniciativa todos os sectores básicos da economia. Não defendemos essa posição, o que aliás ficou bem claro com a intervenção que o meu camarada de bancada Vilhena de Carvalho fez em sede do debate sobre a constitucionalidade da proposta de lei do Governo.
Pergunta ainda se se deve abrir antes ou depois da reestruturação. É evidente que a eventualidade da abertura coloca-nos algumas interrogações, que formulei na intervenção que tive oportunidade de produzir e que corporizei nas várias perguntas que a propósito também pude estabelecer. Há para nós uma questão de essencial importância: Como é que o Governo vai acautelar no contexto da proposta o interesse nacional? Isso está referenciado na exposição de motivos da proposta de lei. Para nós esta questão é crucial, porque naturalmente queremos ver assegurado o funcionamento da banca nacionalizada e também queremos ver acautelado o direito ao trabalho dos trabalhadores das empresas nacionalizadas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Tesouro: Em Março de 1980 um camarada meu afirmava nesta Assembleia que a proposta de lei n.º 288/1, que autorizava o Governo Sá Carneiro a alterar a lei de delimitação de sectores, iniciava «aquilo a que poderia chamar a segunda contra-revolução legislativa, a segunda fase, corrigida e aumentada, do processo de restauração de domínio capitalista do sistema económico português».
3 anos passados, aquela afirmação redobra de actualidade, face à proposta de lei n.º 2/111, que hoje debatemos.
Actualidade redobrada porque a segunda contra-revolução legislativa, como a primeira, assenta nos votos favoráveis do PS e do PSD (eventualmente com nova «abstenção benévola» do CDS), e tem origem num governo liderado por Mário Soares e integrando Mota Pinto, tal qual como em 1977.
Segunda fase aumentada por que o Governo PS/PSD integra a alteração da lei de delimitação de sectores num enorme pacote de autorizações legislativas perigosas para o regime democrático, preparando-se designadamente para debilitar o poder local, desmantelar o sector público da economia e atacar fortemente o essencial da legislação laboral, restringindo os direitos dos trabalhadores e aumentando a sua exploração, em benefício exclusivo da instauração do grande capital.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Lei n .O 46/77 abria já o caminho A recuperação capitalista das nacionalizações e do sector público: excluindo dos sectores vedados às empresas privadas sectores básicos' 'que haviam sido total ou predominantemente nacionalizados, como os transportes marítimos, a indústria naval, a celulose e o vidro plano; falando a proibição da banca privada através da admissão de sociedades de investimento e de desenvolvimento regional; subvertendo a garantia da irreversibilidade das nacionalizações através da admissão de entrega da gestão das empresas nacionalizadas a entidades privadas.

A proposta de lei n.º 2/111, inconstitucionalmente, escancara as portas à recuperação do capital monopolista, abrindo-lhe de par em par as portas dos sectores fundamentais da acumulação financeira privada. A oligarquia financeira é insaciável.

Antes quiseram as sociedades de investimento. Agora exigem a banca plena. Amanhã exigiriam a desnacionalização dos bancos e de todas as outras empresas nacionalizadas, a proibição da greve e a possibilidade do lock-out pressionariam o desmantelamento da democracia.

Mas se o objectivo da proposta de lei é mau a forma utilizada, o pedido de autorização legislativa com processo de urgência não é melhor. Porquê, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tanta pressa? Compromissos com a oligarquia financeira que urge satisfazer? Mas certamente para reduzir o período de debate público de uma lei fundamental do regime económico-constitucional, para tentar fugir ao movimento generalizado dos trabalhadores portugueses que, independentemente das suas posições políticas e ideológicas, desde sempre se vêm manifestando contra a abertura dos sectores

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básicos e estratégicos ao grande capital. Ainda esta manhã os Srs. Deputados tiveram oportunidade de tomar conhecimento da posição dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tal como em 1980 e 1981, quer o Governo, quer os deputados seus apoiantes, avançam com argumentos de natureza económica, tentando justificar a sua lei e camuflar a natureza e significado eminentemente políticos dos seus desígnios. Mas, hoje como ontem, são argumentos «inconsistentes, rotundamente falsos ou pedestremente farisaicos».
O primeiro relaciona-se com a imposição decorrente do Tratado de Roma, na perspectiva de uma eventual adesão à CEE. Para além do significado político de tal argumento, arrastando pela lama de interesses externos os interesses e independência nacionais, ele é substancialmente falso. O que está em causa no Tratado de Roma é a não discriminação após a adesão, e com referência ao statu quo no momento dessa adesão e não a liberdade de estabelecimento em si. A leitura minimamente atenta dos artigos 52.º, 53.º e 222.º do Tratado claramente o mostra. E se alguma dúvida sobrasse bastaria ler o Acórdão do Tribunal das Comunidades de 15 de Julho de 1964 (caso nº 6-64), o n.º 44 do Parecer da Comissão ao Conselho (19 de Março de 1978) referente ao pedido de adesão de
Portugal, ou ainda o 6.º Relatório da Comissão sobre Política de Concorrência (1977 - cap. III, n.º 273),segundo o qual «os Estados membros continuam completamente livres para determinar a extensão, composição e organização interna do sector público, e para introduzir todas as reformas que entendam necessárias na sua legislação relativa à propriedade».
Aliás, o vasto conjunto de nacionalizações levado a cabo pelo Governo Socialista Francês em 1981 deveria, só por si, fazer pensar os deputados socialistas 2 vezes antes de utilizarem o argumento da CEE.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tão rasteiro é tal argumento que não resiste à sua própria argumentação. Porque carga de farisaísmo tal argumento se aplicaria à banca, aos seguros, aos cimentos e adubos, e não se aplicaria aos restantes sectores nacionalizados? A resposta é simples: como em 1980, a hipotética adesão à CEE continua a ser «utilizada como um pretexto útil para iludir os incautos».
Lima segunda linha de argumentos relaciona-se com o relançamento do investimento e a necessidade de actuar rapidamente contra a crise. Mas é na banca, nos seguros, nos adubos ou nos cimentos, que se faz sentir a necessidade de investimento? Não é por falta de cimento que se não constróem habitações! E mesmo que o Governo admita que a capacidade instalada será insuficiente a médio prazo, porque se mantém congelado, desde 1980, um projecto da CIMPOR para a produção de mais 750 000 toneladas/ano? Para não sobrecarregar o OGE? Mas como, Srs. Deputados, se todos os investimentos da empresa (11 milhões de contos entre 1977 e 1981) têm sido cobertos com autofinanciamento, e mesmo assim o OGE ainda lá foi buscar 610 000 contos em remuneração de capitais.

Aplausos do PCP.

Como ninguém, com um mínimo de pudor, defenderá que é por carência de produção de adubos que a nossa agricultura definha. É sim pelos ataques constantes à Reforma Agrária e pela depauperação crescente dos pequenos e médios agricultores. É devido ao agravamento permanente dos custos dos factores de produção e ao encarecimento do crédito, que a agricultura portuguesa cada vez consome menos adubos, mas não por insuficiência de produção. Que razões obscuras levam o Governo a propor a desnacionalização do sector adubeiro, no preciso momento em que a QUIMIGAL ultima a instalação das unidades produtivas que compõem o Projecto Azotados, em que já foram investidos mais de 16 milhões de contos?
Porquê abrir o sector de seguros ao sector privado? Não certamente por se considerar diminuto o número excessivo de empresas existentes no País. Mas para que seja concluído o projecto de destruição das empresas públicas iniciado com a legislação sobre os mediadores de seguros que, muitas vezes com a conivência de gestores públicos, se têm assenhoreado de boa parte da carteira das empresas públicas. Para que seja o grande capital a apropriar-se das centenas de milhares de contos de lucros anuais dessas empresas e, fundamentalmente para utilizar de acordo com os interesses dos grupos económicos os mais de 60 milhões de contos que a actividade seguradora movimenta. Tal como faziam antes de 1974. Procurando escamotear as enormes responsabilidades das seguradoras privadas na onda especulativa, mobiliária e imobiliária, que no início dos anos 70 inundou o País e conduzia inevitavelmente a um estoiro da economia portuguesa, que só o 25 de Abril evitou.
Assim como não há quaisquer razões sérias que façam admitir que a banca privada traria novos projectos de investimento. Antes pelo contrário. Tal argumento foi já utilizado em 1977 pelo PS e PSD para justificarem a criação das Sociedades de Investimento! E os resultados estão à vista: nada de novo em termos de acréscimo do investimento produtivo. Na verdade, como afirmava um reputado economista e gestor bancário do PS a banca privada não traria «um escudo de poupança adicional a mobilizar, nem mais um projecto de investimento adicional para implementar, nem mais uma melhoria na distribuição óptima dos recursos financeiros». Mas traria, isso sim, acrescentamos nós, novos e velhos grupos financeiros privados, apropriando-se da mais-valia gerada nos sectores produtivos, controlando sectores-chave da economia em benefício de interesses particulares opostos ao interesse nacional, dominando crescentemente o poder político.
Defende-se o Governo afirmando que em democracia não há o risco do domínio do poder político pelo poder económico. Nada mais falso. Foi para tentar reduzir a sangria de divisas exportadas ilegalmente que o México nacionalizou 57 bancos, em Setembro de 19821 Como foi para retirar o poder político ao grande capital, que o Governo Francês procedeu a um vasto conjunto de nacionalizações em 1981!

A banca privada integra-se sempre, como sua peça fundamental, em grupos monopolistas cujo poder económico, como a teoria o demonstra e a experiência o confirma, implica sempre o poder político. Continua a ser verdade a afirmação de que «onde está a propriedade, está o poder».
Como afirmava um deputado do PS, Vítor Constâncio, em 1980: «é ingenuidade procurar confundir acatamento de directivas gerais das autoridades mone-

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tárias com o problema do poder [...] o que está em causa é a vasta influência social e política [...] que se pode obter através do uso do crédito».
Ou como há dias escrevia um conhecido militante do PSD: «a razão política essencial que [...] justifica a existência de banca privada [...] é, diga-se com toda a clareza, a defesa de formação de grupos económicos».
E isto que realmente está em causa, é isto que o governo do PS viabiliza com a abertura inconstitucional de sectores nacionalizados ao grande capital: a reconstituição dos grupos monopolistas derrotados em 25 de Abril de 1974. Pretende-se agora, pela mão do PS fazer o que a AD não conseguiu. E não será por acaso que os sectores escolhidos pelo Governo são a banca, os seguros, os cimentos e os adubos. Sem dúvida porque são dos sectores mais lucrativos e dos de maior influência na política económica global. Mas também, quiçá, porque o ex-grupo CUF se desenvolveu do núcleo adubeiro; porque foi a partir dos cimentos que se gerou o grupo Champallimaud; porque todos os grupos monopolistas que sustentaram o fascismo se centravam em bancos e companhias de seguros, sectores privilegiados da acumulação financeira capitalista.

Vozes do PCIP: - Muito bem!

O Orador: - Quem vai beneficiar com esta inconstitucional solução? Como justificar esta reentrega de alavancas económicas aos que deixaram atrás de si um cortejo de opressão, corrupção e escândalo? Estão pendentes nesta Assembleia 2 pedidos de inquérito parlamentar à escandalosa entrega de milhões de contos aos ex-banqueiros Jorge de Brito e Pinto de Magalhães. Ignora-se a posição das bancadas governamentais. Mas o Sr. Secretário de Estado conhece bem os meandros do escândalo Afonso Pinto de Magalhães que ameaça o prestígio do Estado democrácrito e o futuro da União de Bancos Portugueses. E a estes capitalistas vindos do passado, que não aprenderam nada, mas nada esqueceram, que o Governo se prepara para reabrir as portas dos sectores mais rentáveis da economia?

Aplausos do PCP.

Eis como, poucos dias após a sua tomada de posse, o governo PS/PSD clarificou já o que entende pela sua apregoada «austeridade selectiva»: para o povo, salários inferiores à inflação, aumentos brutais nos preços dos bens essenciais, ameaça de restrição dos direitos laborais; para o grande capital a banca, os seguros, as cimenteiras e as adubeiras, a restauração dos feudos financeiros.
Sr. Presidente, Srs, Deputados: A nacionalização dos sectores básicos da economia, operando profunda transformação das estruturas económicas, resultou da prolongada e difícil luta dos trabalhadores contra a sabotagem económica e a conspiração golpista e revanchista das forças do passado; foi o desfecho da acesa luta que opôs a revolução portuguesa aos grupos monopolistas: impôs-se para assegurar a defesa das liberdades e da democracia, para permitir o progresso económico e social do povo e do País.
Nós, os comunistas e muitos outros democratas, mantemo-nos fiéis a esses princípios. Por isso nos mantemos e manteremos na primeira linha, ao lado dos trabalhadores e de outras camadas laboriosas, na luta pela defesa e aprofundamento da democracia, pela democratização das nacionalizações, pelo desenvolvimento económico e social. Continuaremos a pugnar pela participação crescente dos trabalhadores na vida das empresas, pela canalização do crédito para o investimento produtivo e para a viabilização das empresas em dificuldades, pelo controle efectivo dos movimentos especulativos. Com os trabalhadores, hoje como ontem, lutaremos contra a corrupção, contra a repressão, contra as manobras do grande capital, contra a legalização de moedeiros falsos privados, contra a reconstituição dos grupos monopolistas que, durante. dezenas de anos, sugaram o suor dos trabalhadores e transformaram Portugal num pais de miséria.

Vozes do 1PCP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje como ontem manter-nos-emos do lado das forças do progresso contra as forças do retrocesso. Por isso o nosso voto será claro e coerentemente contra a proposta de lei n.º 2/111.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira, para uma intervenção.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Representante do Governo: Discute-se hoje nesta Assembleia a polémica questão da abertura da banca, dos seguros e de outros sectores (cimentos e adubos) ao sector privado. Já em reuniões anteriores desta Câmara se analisou uma impugnação da nova delimitação proposta e se deliberou sobre o respectivo pedido de prioridade e urgência formulado pelo Governo.
Teríamos, pois, entrado hoje, no âmago da questão se, dado os diversos aspectos não serem completamente separáveis, o tema não tivesse começado já a ser realmente abordado em anteriores sessões.
Quando do debate do Programa de Governo eu próprio referi a nossa discordância face à abertura da banca ao sector privado, discordância reafirmada designadamente no que à banca e aos seguros concerne pelo meu camarada António Vitorino, no debate das impugnações já efectuado.
Não se trata, do nosso ponto de vista e da nossa perspectiva, de nos mantermos amarrados a um qualquer estéril passadismo ou a um eventual e arrevesado dogmatismo.
Nada disso, Sr. Presidente, Srs. Deputados.
Trata-se tão-só de, para além de argumentações jurídico-constitucionais aqui já referidas, considerar que não existem razões de carácter político-económico que justifiquem a abertura dos sectores bancário e segurador ao sector privado, considerando nós, deputados da UEDS, que tal abertura mais não fará do que provocar desequilíbrios desnecessários senão perigosos no próprio sistema económico.
Foram a banca e os seguros nacionalizados no nosso País no âmbito de um processo revolucionário em que para além de uma marcha no sentido de uma certa apropriação colectiva dos meios de produção fundamentais se visou a destruição (ou, pelo menos, a substancial limitação) do poder de determinados

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grupos económicos que, estreitamente ligados ao poder político durante décadas, colaboraram e foram genericamente co-responsáveis da situação de falta de liberdade vivida pelo nosso pais, durante perto de 5 décadas.

Dizem-nos hoje que a reabertura da banca e dos seguros ao sector privado, por um lado, não vem pôr em causa a situação das empresas desses sectores actualmente nacionalizados, e por outro, não apresentará em si, perigos de reconstituição dos antigos grupos económicos. Argumentação falaciosa, em qualquer dos casos, em meu entender.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não foram os diversos governos, provisórios e constitucionais, que se sucederam no poder desde esse mês de Março de 1975, capazes senão de empreenderem, pelo menos, de levarem a cabo uma reforma estrutural dos sectores bancários e segurador que se mantêm assim, salvo algumas fusões que não mexeram significativamente com a estrutura dos sectores, sensivelmente como foram recebidos do sector privado. Não houve praticamente especializações de bancos, não se pensou ou, pelo menos, não se trabalhou no sentido de criação de instituições de crédito com outra dimensão, à escala europeia, isto independentemente das modificações empreendidas em certos bancos e seguradoras normalmente por iniciativa das respectivas administrações.

Temos pois um sector bancário e segurador onde não se verificou uma reconversão global, que permitisse enfrentar com relativa tranquilidade o desafio que nos é posto pelo processo de integração europeia em marcha, o desafio que é colocado a Portugal pela Europa das Comunidades.

A perspectiva de integração europeia a curto prazo, a adesão em 1984 conforme o Sr. Primeiro-Ministro referiu há dias nesta Assembleia, deveria, então, em meu entender, não fazer-nos correr apressadamente no sentido de abrirmos a banca ao sector privado, mas sim apressar-nos no sentido de a reorganizarmos, de lhe darmos outra eficácia e outra rentabilidade, de por um lado lhe darmos nível europeu e por outro, integra-la mais perfeitamente na satisfação dos objectivos sócio-políticos e económicos que deveriam ser os seus. Isso não foi feito, isso não se vai fazer, vai-se sim com a abertura da banca e dos seguros ao sector privado, sem a correspondente reestruturação do sector nacionalizado, permitir a criação de unidades modernas porventura melhor dimensionadas que poderão até vir a pôr em causa a defesa do emprego dos trabalhadores da banca e dos seguros do sector público.
E porque poderiam essas novas unidades, a serem criadas, vir a pôr em causa a segurança de emprego dos actuais trabalhadores desses sectores? Pela simples razão de que, não herdando vícios estruturais de tempos idos, não arrastando consigo o peso das situações difíceis de numerosas empresas, poderão, com um mais adequado dimensionamento, enfrentar de forma mais decidida o desafio europeu. Dir-se-á então que tal facto será um bem para as empresas existentes, que as forçará a reorganizações, para defenderem a sua própria posição concorrencial. Só que o peso dessas reorganizações, feitas apressada e não atempadamente, poderá vir a ser pago por muitos dos que trabalham nessas instituições seguradoras e de crédito. Por isso, muitos deles se preocupam, bem como as estruturas sindicais que os representam e nós compreendemos e partilhamos essa legítima preocupação.
Srs. Presidente, Srs. Deputados: Afirmam-nos ainda com segurança, e esperemos que com convicção, não haver perigo de restauração dos antigos grupos económicos e muito menos perigo de subordinação do poder político ao económico, já que a Constituição prescreve exactamente o contrário. Nós diríamos que não significando necessariamente esta abertura, de per si, a reconstituição de tais grupos, não há dúvida de que abre caminho para ela. Já presentes em várias áreas da actividade económica a meia dúzia de famílias que dominaram o essencial da actividade financeira e de certa forma industrial, durante décadas, a abertura do sector bancário e segurador à iniciativa privada, certamente não será para o comum dos cidadãos que se faz, mas para um grupo ou vários grupos restritos, já poderosos economicamente.

Depois, serão as próprias leis da economia de mercado, provavelmente muito pouco social, e cumplicidades que sempre se vão conseguindo aqui e além, inclusive na própria banca nacionalizada, que se poderão encarregar da reconstituição do poder das «sete-famílias». Aberto estará então o caminho para a reformulação, em bases novas, do bloco social que foi suporte do regime fascista no nossos país, eventualmente liderado por uma nova versão actualizada desse «baronato de negocistas e politiqueiros» que oprimiram o povo, na expressão feliz de Mário Soares, numa campanha eleitoral da Oposição Democrática.
E não é pelo facto de estar consignada na Constituição a subordinação do poder económico ao poder político democrático que nós ficaremos necessariamente mais tranquilos. É efectivamente frequente, numa formação social determinada, a existência de uma adequação entre a respectiva organização económica e os mecanismos constitucionais estabelecidos; quando não exista, estão criadas as condições para uma ruptura e será no confronto entre interesses sociais, económicos e políticos conflituais, porventura opostos, que se gerará um novo equilíbrio, uma nova adequação entre a economia e o texto, entre o sistema que funciona e a codificação jurídica que o rege. Em meu entender, a abertura da banca e dos seguros ao sector privado, pelo tipo de desequilíbrios que virá a gerar, abre, na prática, o caminho a uma futura revisão constitucional que, a manter-se esta marcha, não será provavelmente feita num sentido que consideramos progressista.

Ponderemos a questão sobre outro ângulo e pensemos se, de um ponto de vista estritamente económico, a abertura da banca ao sector privado virá trazer alguns benefícios para a economia nacional. Não o descortinamos, a proposta do Governo é frágil na sua justificação e o argumento da entrada na CEE é obviamente irrelevante.
No que se refere ao ponto de vista estritamente económico, será que se pretende aumentar a capacidade global do sistema de crédito e, coerentemente com possíveis medidas de emergência aventadas, restringir a própria concessão de crédito?

Quanto ao argumento da igualdade dos cidadãos, perante a liberdade de se poder abrir um banco, nós seremos daqueles que diz «Não, obrigado!» a essa ampla liberdade que pretendem conceder-nos.
E quanto á entrada na Europa das Comunidades, não tendo sido feita a Portugal nenhuma exigência que seja

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do conhecimento público no sentido da abertura da banca ao sector privado, será que o Governo pretende ser mais papista que o Papa, ou antes mais liberal que os «eurocratas» ainda mais «europeu» do que a Europa?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa que fazemos da manutenção da banca e dos seguros no âmbito do sector público não se prende com um qualquer passadismo, como já disse ou com algum esclerosado dogmatismo que os deputados da UEDS rejeitam. É sim uma defesa de uma determinada delimitação de sectores numa formação social dada, num país concreto, no Portugal de Abril. Não estamos a falar da Suécia, onde os antecessores de Olof Palme e o seu próprio executivo, em 44 anos de governo ininterrupto estabeleceram mecanismos de controle do sector privado e de organização económica significativamente diferentes dos nossos, de um país com um rendimento per capita que se avizinha do quíntuplo do nosso, com um empresariado moderno e culturalmente integrado no sistema democrático, com um movimento operário, sindicai e cooperativo, unido e organizado, disciplinado e fortíssimo. Não estamos a falar da França onde os socialistas optaram há 2 anos, pela nacionalização da banca e de 7 grandes grupos industriais. E onde a discussão, no âmbito do PS francês terá versado essencialmente a extensão, em termos de grupos industriais a nacionalizar e a eventual desnecessidade de o Estado adquirir 100 % das acções, bastando segundo Rocard e alguns dos seus adeptos, apenas o controle de certas empresas, com 51 % das suas acções nas mãos do Estado francês, não se pondo em causa a necessidade de o Estado controlar a banca.
Rocard que aparece nesta Assembleia citado a partir da bancada social-democrata. Para mim, que não ponho fronteiras ao socialismo democrático no limite dos partidos parlamentares que dele se reclamam, é bem gratificante ouvir, de um lado, dos sociais-democratas do PPD, a invocação de Olof Palme e de Michel Rocard e do outro, da bancada comunista, a citação permanente de anteriores afirmações de deputados do PS português.
O socialismo democrático, a cuja família política a UEDS pertence vai inspirando assim correntes políticas que em princípio lhe são exteriores, mas que não deixam de ser por ele influenciadas.
E é ainda no quadro do socialismo democrático e de um certo pluralismo que lhe é inerente, que nós, socialistas da UEDS, nos pronunciamos pela não abertura da banca e dos seguros ao sector privado, considerando que esta alteração da delimitação dos sectores não é a que melhor serve a economia nacional, não é a que melhor se integra no projecto político-social que a Constituição de 1976, revista (com o nosso voto favorável) em 1982, representa.
Estamos de acordo, no nosso país, com a existência de vários sectores da economia, aquilo com que não estamos de acordo é com a paulatina entrega ao sector privado de alavancas de comando do poder económico. Se tal se for fazendo, este virá a dominar o poder político e a inverter na prática o que se encontra consagrado constitucionalmente. E a tal não podemos dar o nosso acordo. Daí o nosso voto desfavorável à alteração da delimitação de sectores que nos é proposta.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. (Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, para que não subsistam dúvidas e porque a dúvida surgiu aqui na bancada do Partido Comunista - parece que a acústica não estava boa - o meu camarada Hasse Ferreira disse que nós votaríamos desfavoravelmente a Lei de Delimitação dos Sectores apresentada pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, para uma intervenção.

O Sr. António Rebelo de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer análise crítica que se pretende desenvolver no que toca à proposta de lei a.º 2/111 - Referente à concessão de uma autorização legislativa ao Governo tendo em vista a introdução de alterações à Lei de Delimitação dos Sectores - deverá abranger os seguintes 3 planos de apreciação:

O da conformidade da abertura de certos sectores da actividade económica à iniciativa privada com os princípios norteadores de uma opção social-democrata ou socialista democrática (plano da Doutrina);

O da constitucionalidade de uma iniciativa legislativa que vise a consagração dessa mesma abertura, indo-se ao encontro do desejo de conciliação do texto fundamental que é a Constituição da República Portuguesa com a realidade económica nacional (plano da constitucionalidade);

O da articulação da matriz caracterizadora principal do sistema económico com a obtenção de uma maior eficácia das políticas económicas quer numa perspectiva conjuntural, quer numa perspectiva estrutural (plano da estratégia).

Comecemos, agora, por tecer algumas considerações sobre a concepção de socialismo democrático que perfilhamos, levando, obviamente, em linha de conta os contributos da experiência de luta pelo aprofundamento da democracia nos países europeus industrializados para a própria evolução da produção teórica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não somos nem dos que têm uma concepção de funcionamento do sistema económico de tipo tecnocrático-liberal, de acordo com a qual todos os problemas se solucionam através do automatismo dos mecanismos reequilibradores do mercado, considerando-se sempre e em toda a circunstância negativa a intervenção do Estado na economia, nem tão-pouco dos que perfilham um modelo de capitalismo-burocrático de Estado, de acordo com o qual se procura privilegial o princípio da colectivização dos meios de produção (considerada mais em termos de uma transferência de propriedade do que em termos de uma efectiva alteração qualitativa nas relações de produção, com o que tal implicaria no capítulo da democratização dos canais de acesso aos centros de decisão), apontando-se, preferencialmente, para um cenário de ruptura correspondentemente a uma tomada irreversível do

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poder por um sector da sociedade contra tudo o que nele não estiver contido.
Se por um lado, os tecnocrato-liberais não conseguiram superar o tropismo para um certo restauracionismo das crises cíclicas (o que, aliás, se manifestou e manifesta numa total incapacidade para solucionarem o problema do desemprego), também por outro lado, à perspectiva colectivista estará sempre subjacente a não aceitação, até às últimas consequências, do princípio da alternância democrática, já que só faz sentido entender as próprias nacionalizações como instrumento privilegiado senão mesmo único da construção de uma nova sociedade quando se pressupõe que a gestão das empresas controladas pelo Estado será sempre exercida de molde a se satisfazer os interesses de um Executivo de sinal progressista. Ora, ao admitir-se o princípio da alternância democrática e, por conseguinte, a possibilidade de os conservadores - como os socialistas assumirem o poder está-se, implicitamente, a aceitar a possibilidade de, à frente da banca nacionalizada como das empresas públicas, em geral, estarem ou virem a estar gestores conservadores que até poderão agir em conformidade com interesses de grupos económicos e financeiros privados e não com o interesse do País.

Daí que seja pura hipocrisia considerar-se que o essencial de um projecto socialista está nas nacionalizações sistemáticas ou na existência de sectores vedados à iniciativa privada. Aqueles que consideravam que o mais relevante do processo político português estaria na irreversibilidade das nacionalizações sabem, muito bem, que estas se revestiram, sobretudo, de um carácter instrumental, tendo em vista a conquista do poder político. A não ser que pensem que uma banca com gestores profundamente conservadores, pelo facto de ser nacionalizada, é uma conquista das classes trabalhadoras e, de uma maneira mais geral, dos sectores mais fracos e desprotegidos da sociedade.

Logo, uma concepção colectivista de socialismo só poderá estar associada a uma concepção leninista de tomada e de exercício do poder, com rejeição da alternância democrática, verdadeira essência da própria democracia.

Conquistas irreversíveis são, muito mais, as transformações culturais e mentais operadas numa comunidade como a Sueca, a socialização do sistema de ensino e do sistema de saúde, garantindo-se a satisfação das necessidades sociais básicas da população, e o aprofundamento das estruturas de participação democrática, a nível local como nas próprias unidades empresariais.

Que nos digam os «amantes» da «ruptura» qual o governo conservador que põe em causa, na Suécia como na Noruega, essas verdadeiras conquistas?

A nossa concepção moderna de socialismo democrático tem, por conseguinte, muito mais que ver com um modelo de socialismo de distribuição e de participação ao nível da gestão do que com um modelo de «socialismo de apropriação» do tipo «movecentista».

E esta concepção resulta da evolução, entretanto, operada na economia mundial e dos ensinamentos decorrentes da luta desenvolvida pelos partidos socialistas e sociais-democratas no sentido da consecução do verdadeiro objectivo que anima a sua acção interventora: a construção de sociedades em que se tenda a verificar uma efectiva igualdade de oportunidades.

Em boa verdade, enquanto que o século XIX e a primeira metade do século xx se caracterizaram por um forte desenvolvimento industrial numa grande parte do hemisfério norte, com agravamento das desigualdades entre os países do centro desenvolvido e os da periferia subdesenvolvida e mesmo entre as diversas classes dentro de cada comunidade nacional - correspondendo a esta era industrial, na esfera da produção teórica, o nascimento, a evolução e a decadência do marxismo, o insucesso do liberalismo clássico e a ascensão do Keyhesianismo (o qual, todavia, só viria a atingir o seu auge na década de 60 do corrente século) e, na esfera político-militar, as flutuações cíclicas entre a confrontação/radicalismo bipolarizante e a pacificação democrática, já na viragem dos anos 50 para os anos 60 se começa a constatar o reforço dos movimentos íntegracionistas e a tendência para a emergência de grandes espaços económicos (com simultânea supranacionalização dos centros de decisão político-económico-sociais) e para a substituição das teses da ruptura com o sistema pelas teses gradualistas.
Deram-se, por assim dizer, nas últimas décadas, as seguintes grandes transformações no pensamento socialista:

Recusa das teses vanguardistas, o que, afinal, se traduz na afirmação lapidar de Maurice Duverger, segundo o qual «crer que o 'proletariado', a 'classe trabalhadora', os 'explorados', os 'condenados da terra' poderiam eles próprios conduzir um processo transformador é ignorar os mecanismos das sociedades humanas»;
Recusa dos dogmas, abrindo-se a doutrina socialista democrática aos contributos de várias correntes do pensamento;
Abandono da opção revolucionária à margem da sociedade democrática e adopção de um modelo reformista que privilegie a participação na gestão, o desenvolvimento cultural, a satisfação das necessidades sociais básicas, a redistribuição da riqueza e do rendimento e a conciliação da vontade transformadora com o pragmatismo que, a todo o momento, implica a procura de objectivos de eficácia.

Daí que, para nós socialistas do nosso tempo, a liberdade e a democracia impliquem sempre o respeito pela liberdade dos outros, sendo certo que o socialismo deve ser concebido como um prolongamento da democracia e da liberdade à esfera económica e social e não como um mero instrumento de luta política e de tomada do poder.

Como afirmou Jean François Revel e como já tive a oportunidade de sublinhar, nesta Assembleia, em Abril de 1977, pode ir-se da liberdade para o socialismo, mas não do socialismo para a liberdade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas, se é verdade que a proposta agora apresentada pelo Governo não nos oferece dúvidas no plano da doutrina, perguntar-se-á até que ponto se mostrará ou não importante a sua aprovação e, mais tarde, a aplicação de um nova diploma sobre a delimitação dos sectores para a execução de uma política económica desenvolvimentista que vá ao encontro da imperiosidade de se construir um Portugal mais próspero, em vias de integração numa Comunidade Económica Europeia virada para o futuro,

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É com o à-vontade de quem, em Abril de 1977 - e depois de ter subscrito um projecto de lei em que já se previa a concessão temporária da gestão de empresas públicas existentes em sectores básicos e estratégicos da economia a entidades privadas, projecto esse que, mais tarde, retiraria, em virtude de se ter chegado a um acordo entre o PS e o PSD - defendeu a lei de delimitação vigente, em obediência aos princípios do socialismo democrático e da social-democracia, que me proponho defender a tese da indispensabilidade da sua revisão.

Em primeiro lugar, porque se em 1977 - pouco depois de se sair de uma época conturbada - havia o risco de uma bipolarização radicalizante, geradora de intolerância e de um certo revanchismo por parte de alguma iniciativa privada, já não se verifica, hoje em dia esse perigo, na justa medida em que, pela primeira vez depois do 25 de Abril, estamos perante um Governo largamente maioritário e apostado na procura de soluções consensuais.

Em segundo lugar, porque depois de o PCP ter prevenido contra o perigo de contra-revolução, pretensamente representado pelas sociedades de investimento privadas que, no dizer daquele Partido, iriam destruir a banca nacionalizada, está, hoje em dia, mais do que provado que tal previsão catastrófica não se concretizou.

Em terceiro lugar, porque a abertura de sectores como os da banca e o dos seguros não significa, necessariamente, que o poder político, democraticamente constituído, não disponha dos meios necessários ao controle do poder económico, tanto mais que o mesmo pode ser sempre assegurado através do papel de coordenação da política monetária e financeira exercido pelo Banco de Portugal, para além de os mecanismos de controle do poder económico não se reconduzirem, pura e simplesmente, à nacionalização.

Em quarto lugar, porque se apresenta, hoje em dia, ridículo afirmar-se que, por exemplo, a abertura da banca à iniciativa privada poderá pôr em causa o papel dominante desempenhado pela banca nacionalizada, tanto mais que a grande parte do volume de depósitos susceptíveis de virem a ser captados continuarão a ser orientados para os bancos comerciais já existentes. Não se torna fácil conceber que venham a surgir bancos privados com um número de balcões tão elevado e tão disseminado pelo País como aqueles que a banca comercial nacionalizada já detém, até porque tal implicaria um investimento patrimonial insusceptível de ser efectivado nos tempos que correm.

Em quinto lugar, porque o sector público, tendo como tem um papel essencial a desempenhar, só ganhará com uma salutar concorrência que contribua para incrementar a rentabilidade dos investimentos e, por conseguinte, para assegurar uma maior racionalidade nas decisões.
E não é correcto afirmar-se que uma política orientada para um maior incentivo ao investimento privado se apresenta, necessariamente, inconciliável com uma política conjuntural de rigor económico-financeiro, uma vez que se afigura indispensável distinguir o curto prazo, médio e longo prazos, tornando-se possível atenuar os desequilíbrios conjunturais e criar, simultaneamente, as condições para a prossecução de uma estratégia de crescimento coerente, a prazo, se se privilegiar as aplicações em sectores de ponta, capital intensivos e em infra-estruturas básicas com implementação de medidas paralelas tendentes à expansão da poupança interna.
Em sexto e último lugar, porque sendo certo que a nossa adesão à CEE não implica, necessariamente, a revisão da Leis dos Sectores, não deixa de ser verdade que se apresenta preferível partir de nós, portugueses, a realização de um esforço de adaptação das nossas estruturas às existentes no Mercado Comum do que uma situação em que, pela força das circunstâncias, nos limitaríamos a ir a «reboque» de uma política de «facto consumado» decorrente da nossa integração no espaço económico europeu.
Eis, por conseguinte, Sr. Presidente, Srs. Deputados, as razões que nos levam a defender a alteração da Lei de Delimitação dos Sectores, sendo, ainda, certo que convirá, no futuro, esclarecer alguns equívocos.
O primeiro tem que ver com o facto de se confundir, por vezes, a bertura deste ou daquele sector à iniciativa privada com a construção de monopólios, o que só revela uma evidente ignorância em matéria de ciência económica, pois a situação de quase-monopólio verifica-se, isso sim, nos sectores, presentemente, vedados à iniciativa privada.

O Sr. (Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O segundo tem que ver com um confusão deliberada entre a abertura à iniciativa privada e a entrega de sectores à iniciativa privada, apenas se falando, simultaneamente, no grande capital «monopolista, latifundista e imperialista» e esquecendo-se que o pequeno e médio capital (bem como muitos empresários recentemente emergentes de uma situação pantanosa que se têm mostrado dinâmicos e virados para o progresso), também, não se encontram plenamente satisfeitos com a presente situação, havendo bancos nacionalizados com processos de análise de projectos deveras demorados e que, para além do mais, têm do crédito uma perspectiva próxima da casa de penhores, preocupando-se mais com as garantias reais do alue com a rentabilidade económica do investimento em causa.

O Sr. »sé Luís Nunes (PS): - Muito bem!

O Orador: - O terceiro resulta do facto de até se apresentar, por vezes, bem mais simples - de acordo com uma visão negocista da vida - o reforço do poderio dos grandes grupos que recorrem ao crédito de uma banca por cuja administração não têm que responder do que aqueles que preferem realizar investimento em capital próprio numa nova instituição de crédito controlada pelo Banco Central e em relação à qual poderão ser, a qualquer momento, responsabilizados pelas operações financeiras, entretanto, aprovadas e executadas.
O quarto tem que ver com a contradição insanável de se considerar que aquilo que é progressista, por exemplo, para uma França (em que não existem sectores vedados à iniciativa privada) é, altamente, reaccionário para um País como o nosso, conhecendo-se, para mais, a acutilância das multinacionais e do empresariado, em geral, daquele país por comparação com a ordem de prioridades que se estabelece para as economias da periferia.
Sintetizando, no plano da estratégia, interessa conciliar os contributos de um certo intervencionismo eco-

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nómico (atendendo-se a aspectos da análise Keynesíana, sem, todavia, se deixar de atender a alguns contributos positivos - embora parcelares - das teses da supply sitie economics, na justa medida em que alertam para a necessidade de se ter em conta o comportamento dos factores produtivos) com uma perspectiva de desenvolvimento harmonioso, em liberdade e em concorrência - ainda que em obediência a uma estratégia coerente e global de crescimento e de transformação estrutural da sociedade, a médio e longo prazos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não faz sentido argumentar-se pela inconstitucionalidade de uma nova legislação que vise a caminhada para uma economia mista em desenvolvimento.
Não existe inconstitucionalidade material porque continuarão, nos termos previstos na Constituição a existir sectores vedados à iniciativa privada, não se pondo em causa as nacionalizações ocorridas e antes se possibilitando o aparecimento de novas sociedades que concorram com as primeiras.
Não existe inconstitucionalidade substancial porque não se pretende abrir à iniciativa privada (por forma a pôr em causa o controle do poder económico pelo poder político) sectores básicos, entendidos como correspondentes à satisfação das necessidades fundamentais da comunidade, mas antes sectores-chave ou de grande importância estratégica e instrumental para a consecução dos objectivos consagrados na Constituição.
Daí que só faça sentido argumentar-se pela inconstitucionalidade decorrente da abertura atrás mencionada se não houver o cuidado de, através de uma adequada regulamentação, se continuar a assegurar o controle do poder económico pelo poder político, democraticamente constituído.
Que os que têm do socialismo uma visão ultrapassada - confundindo-o com algo de fixo e de imutável no tempo- não compreendam que o progresso não se alcança contra o empresariado europeista e moderno mas antes pela procura dos necessários consensos decorrentes de uma visão inter-classista de um projecto de futuro para a sociedade portuguesa, é algo que não nos surpreende.
Na certeza de que, pelo que, nos diz respeito, continuaremos a saber sobrepor aos interesses de grupo e às várias ortodoxias de hoje que serão as heterodoxias de amanhã o interesse nacional, que não se compadece com a rigidez dos que se prendem a essa nova forma de conservadorismo que é não aceitar a permanente busca da adequação da teoria à realidade, complexa e articulada, que nos envolve.
Esta é a nossa opção. Esta é, também, a nossa razão de ser.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a UEDS, uma vez que se encontram os 3 Srs. Deputados inscritos para pedir esclarecimentos, que, nos termos regimentais -- alínea b) do artigo 246 º e n.º 2 do artigo 21 º -, dispõe, neste momento, apenas de 6 minutos para este debate.
Peço-lhes que consultem o Regimento.
Tem, entretanto, a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira, para pedir esclarecimentos.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, muito rapidamente, visto que há que repartir 6 minutos por todos, quero colocar-lhe algumas questões. Obviamente a sua intervenção mereceria uma longa discussão. No entanto, só quero colocar-lhe duas ou três questões muito rápida e telegraficamente, portanto sem qualquer fundamentação.

Mesmo entrando em polémica, V. Ex º e o Partido Socialista compreenderão certamente que a discussão é muitas vezes polémica e é daí que decorre a própria vivacidade e a sumptuosidade do debate.

Primeira questão: alternância democrática versus nacionalizações. Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, se esse é o argumento, então porque é que não se abrem outros sectores, tais como o dos petróleos ou a siderurgia, em função da alternância democrática? Porque é que só se abrem 4 sectores e não todos? Suponha que amanhã os conservadores tomam o poder por via eleitoral. V. Ex.ª tem aí um argumento forte para não abrir só 4 mas, sim, todos os sectores.

Aliás - e esta é a questão fundamental -, não será obrigação, mesmo defendendo a alternância democrática como nós fazemos e V. Ex.º também, governar e agir de modo a que não haja derrotas eleitorais e sejamos sempre poder? - Esta é a primeira questão.

A segunda está relacionada com essa tese do vanguardismo equiparado aos trabalhadores. E que eu julgava que vanguardismo era o facto de um partido se apropriar de consciência de uma classe e impor essa consciência organizadamente a essa mesma classe. Isso é que é vanguardismo, e não agir em nome das classes trabalhadoras e do operariado, como V. Ex.ª acabou de dizer.

Ou seja, uma política em favor do operariado ou das classes trabalhadoras não é igual a um partido que tem da sua acção política a consciência de encarar, ele próprio e por si só, os interesses históricos e os objectivos de toda uma classe, que age em nome dela sem muitas vezes ter qualquer ligação com essa classe.

Por outro lado, quero colocar-lhe uma outra questão, que é a seguinte: eu acho alguma graça quando só se fala de um socialismo novecentista para advogar a abertura da banca à iniciativa privada. Por que é que
então não vamos ser modernos até às últimas consequências e encarar, por exemplo, a luta ecológica
- eu sei lá, estou apenas a citar alguns exemplos, não é que partilhe dessas concepções - e outras coisas que alguns socialistas europeus encaram muito apropriadamente, como a libertação dos homossexuais, etc.?

Porque é que só somos modernos quando advogamos a abertura da banca à iniciativa privada? E esse o único e exclusivo critério de modernidade no seu discurso?

Vozes de protesto do Sr. Deputado do PSD Leonel Santa Rita.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Eu a si não lhe respondo porque para si tenho outra modernidade!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, também para pedir esclarecimentos.

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O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, a Mesa pode informar-me de quanto tempo é que ainda dispomos?

O Sr. Presidente: - De 3 minutos, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS):- Nesse caso prescindo da palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - O Sr. Deputado António Rebelo de Sousa disse que não existia revanchismo por parte do empresariado português. Perguntaria se não considera que certas afirmações produzidas recentemente pelo presidente da CIP não representam claramente o revanchismo de sectores retrógrados do empresariado português, se não representam até um desafio à própria política governamental.

Segunda questão: disse o Sr. Deputado que na banca nacionalizada existia uma filosofia de < casa de penhores» através da exigência de garantias reais e não através da capacidade de analisar projectos rentáveis. Perguntaria o que leva o Sr. Deputado a supor que na banca privada surgirá essa magnífica capacidade de análise de projectos que a banca nacionalizada não tem. Donde virão os técnicos com essa capacidade? Dos gabinetes de estudo e dos serviços dos bancos nacionalizados?

O Sr. ?residente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, já noutra ocasião, faz uns anos, discutimos também aqui a Lei da Delimitação dos Sectores. Nessa altura, porém, tratava-se de uma proposta de lei material, o que nos permitiu um debate muito mais aprofundado. O Sr. Deputado sentava-se então numa outra bancada, e foi com uma certa surpresa que o ouvi agora doutrinar acerca do socialismo democrático, estabelecer mesmo quais são os seus parâmetros mais modernos e rejeitar muita coisa que foi afirmada no passado pelos mais destacados dirigentes do partido que o Sr. Deputado agora faz parte. Isso leva-me a fazer-lhe algumas perguntas.
Antes de mais, gostaria que comentasse a frase que lhe vou citar: «às grandes reformas que transformaram as instituições económicas deste País e que nós queremos que venham a transformar a vida económica deste País, essas reformas são as nacionalizações, a reforma agrária, a nova legislação do trabalho, o controle operário, reformas e conquistas que o Governo considera irreversíveis». São palavras do Dr. Mário Soares, secretário-geral do seu partido, que foram produzidas no debate sobre o Programa do 1 Governo Constitucional. Gostaria que o Sr. Deputado fizesse um comentário a estas afirmações e que dissesse se as considera ou não incluídas no património do socialismo democrático.

Em segundo lugar, uma outra questão a que lhe pediria que respondesse com sinceridade, para que pudéssemos até fazer uma certa reflexão sobre isso. Falou das sociedades de investimento e das sociedades de desenvolvimento e disse que nós, o PCP, tínhamos afirmado que elas se poderiam transformar em bancos privados, o que não aconteceu. Será porque isso não aconteceu que o Sr. Deputado defende agora os bancos privados? Então o seu objectivo era mesmo os bancos privados e, como não conseguiu isso por via das sociedades de investimento e das de desenvolvimento, vem agora abrir a banca privada ao grande capital? E essa a razão?
Ainda uma outra pergunta que merece uma melhor reflexão. O que é que o Sr. Deputado pensa acerca do pouco relevo que as sociedades de investimento e de desenvolvimento tiveram no nosso País? Pensa que foi um problema legislativo? Foi a lei que as tolheu, foram depois os decretos regulamentares que não ajudaram, ou há qualquer outro problema de natureza mais objectiva a assinalar?

O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, gostaria de começar por recordar uma frase que disse, pois ela parece-me importante. Foi mais ou menos o seguinte: «a questão das nacionalizações só tem fundamento se houver a sua socialização, o que pressupõe a existência de um governo progressista». Isto é, o Sr. Deputado vem dizer que agora não há possibilidade de socializar porque não temos um governo progressista. Registo!
A segunda questão: em 30 de Abril de 1977 o Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, na altura deputado do PPD, dizia nesta Câmara que aquilo que viria a ser a Lei n.º 46/77 permitia uma certa recuperação capitalista, mas não a recuperação do capitalismo monopolista, pois isso era «coisa dos comunistas». Concretamente, dizia: «Não é possível uma recuperação capitalista monopolista se for vedado à iniciativa privada e aos grandes grupos económicos a acumulação capitalista em sectores estratégicos ou fundamentais da economia, como advogamos». Isto dizia o Sr. Deputado. Agora pergunto-lhe: mantém esta afirmação que fez em 1977 ou considera que a banca e os seguros, designadamente, não fazem parte dos sectores estratégicos da acumulação capitalista? Por conseguinte, ou não é ainda possível o capitalismo monopolista -não é possível recuperá-lo- ou então o senhor revela um desconhecimento da ciência económica da em 1977 ou em 1983!
Uma outra questão: o Sr. Deputado diz que não há possibilidade de a banca privada se desenvolver por aí além, porque, nomeadamente, não poderá fazer investimentos em agências por esse país fora, porque ele já está todo coberto, etc. O problema é exactamente o contrário, é que a banca privada só vai buscar a «carne», o «osso» não! Aquilo que traz encargos, que não é rentável financeiramente, mas que o é económica e socialmente, isso é suportado pelas empresas nacionalizadas.
A banca privada para aí não vai, ela vem buscar apenas a «carne» e posso-lhe dar alguns exemplos de onde a vai buscar: a SPI está a crescer bem e vai buscar a sua «carne», por exemplo, a depósitos da banca nacionalizada. Pode comparar o último balancete trimestral e ver que a SPI tem depositados 150 000 contos da banca nacionalizada e que tem apenas 1000 contos depositados nos restantes bancos.

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Mas mais do que isso, vai buscar dinheiro ao mercado monetário interbancário, no qual a taxa de juro é muito inferior a média das taxas de juro pagas pelos depósitos. E só a «carne» para a banca privada! Essa é que é uma questão fundamental .. .
Em relação ainda à questão de «não desperdiçar recursos» na constituição das agências, não seria melhor levar às últimas consequências essa sua afirmação e ser muito mais claro, tal como foi, por exemplo, o Sr. Deputado João Salgueiro, que, há pouco tempo, muito clara e concretamente, defendeu publicamente que, para haver desnacionalização da banca, então, o melhor seria desnacionalizar alguns bancos, pelo que não haveria desperdício de recursos financeiros que são escassos no mercado português? Como é?

Nozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado António Rebelo de Sousa disse que «a sua concepção do socialismo democrático tinha mais que ver com a distribuição do que com a apropriação».
A propósito desta afirmação, queria solicitar-lhe dois esclarecimentos. Primeiro: pensa que se favorece a distribuição canalizando para o bolso de alguns grandes capitalistas uma parte dos lucros dos 4 sectores estatizados que agora se projecta abrir à iniciativa privada? Segundo: o Sr. Deputado, na concepção que aqui defendeu, acata e observa as disposições da Constituição. Como pode ignorar que do seu artigo 80 º, alínea c), « princípios fundamentais da organização económica», faz parte a apropriação colectiva dos principais meios de produção? Agradecia que me fossem dados estes esclarecimentos. Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Rebelo de Sousa tem a palavra para responder, se desejar.

O Sr. António (Rebelo de Sousa (PS): - Quero sim, Sr. Presidente, mas solicitava que me informasse de quanto tempo disponho.

O Sr. Presidente: - São 5 pedidos de esclarecimento, Sr. Deputado, portanto, dispõe de 15 minutos.

O Sr. António Rebelo de Sousa (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Não vou com certeza precisar de tanto tempo para esclarecer as dúvidas que me foram colocadas.
Relativamente às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado César de Oliveira, dir-lhe-ei que a questão da alternância democrática, no fundo, tem que ver com um aspecto que é essencial, por isso recuso a tese de acordo com a qual pode haver urra colectivismo democrático e um colectivismo totalitário.
Tenho a tese - e aí divirjo da UEDS muito claramente - de que a defesa do colectivismo leva necessariamente, e em última análise, à defesa das teses leninistas, porque realmente se defendemos que um dos instrumentos fundamentais, senão mesmo o único - como acabei de referir na minha intervenção- da transformação da sociedade é a nacionalização, estamos pressupondo que à frente das empresas que vão ser nacionalizadas vão estar gestores que actuam em conformidade com o pensamento que esteve subjacente a essa reforma que foi a nacionalização.
Ora bem, se se admite a alternância democrática no poder está-se a admitir que venham a estar no Governo, e também à frente dos conselhos de gestão dessas empresas nacionalizadas, pessoas que não estão de acordo com essas mesmas reformas profundas, uma vez que até pertencem a partidos políticos que são de orientação diversa. Logo, as verdadeiras transformações irreversíveis são muito mais as que têm a ver com a distribuição daí a minha opção pelo socialismo de distribuição - do que com a apropriação dos meios de produção.
Esta é uma opção de fundo que fiz há bastante tempo. Necessariamente que haverá pessoas que pensam diferentemente, inclusive e porventura até dentro do meu partido, mas esta é a minha maneira de pensar e não deixei de a exprimir. Aliás, ela sempre foi a mesma no que toca a esta matéria, mesmo quando era - e com muito orgulho o digo hoje em dia - deputado do então PPD, mais tarde Partido Social-Democrata. Não tenho nenhuma vergonha em ter sido aquilo que fui e assumo essa condição com perfeita consciência de que nessa altura era tão social-democrata como o sou hoje, só que agora no Partido Socialista.
Em segundo lugar, e quanto à questão do vanguardismo, há um aspecto importante que deve ser devidamente esclarecido. Quando falei no vanguardismo não significava com isso apenas pretender criticar aqueles partidos - como é o caso, evidentemente, do Partido Comunista- que se dizem únicos defensores dos interesses da classe operária. E óbvio que não queria ficar por aí. Queria dizer com isso que a minha concepção do socialismo tem que ver com uma concepção interclassista da sociedade, em que não se deve excluir certos sectores da sociedade do exercício do poder político, só porque não são trabalhadores por conta de outrem. Portanto, é esta a crítica que fazia e que, no fundo, reconduz também à primeira análise que tinha feito relativamente ao colectivismo.
Terceira questão: o socialismo novecentísta. E evidente que não falo do socialismo novecentista, pura e simplesmente, para criticar uma situação que, por um lado, decorre das críticas que foram formuladas pelo Partido Comunista e, por outro, da necessidade de introduzir alterações à Lei de Delimitação dos Sectores. Não é só nessa perspectiva que critico o novecentismo, também critiquei, na mesma intervenção - se o Sr. Deputado estivesse estado com atenção teria ouvido -, as teses clássicas tradicionalistas que datam, como sabe, em grande parte do mesmo século. Portanto, aí trata-se mais de uma questão de atenção da parte de V. Ex.ª.
Quanto à crítica que fiz em relação à banca nacionalizada, que muitas vezes adopta um postura que tem mais a ver com a de uma casa de penhores do que, propriamente, com o interesse em conseguir analisar os projectos de acordo com a sua rentabilidade e isso não quer dizer que possa generalizar essa crítica a todas as instituições de crédito nacionalizado, longe de mim tal ideia -, é verdade que em muitos casos têm sido concedidos empréstimos, não de acordo com critérios de racionalidade económica ou de taxa interna de rentabilidade, para ser mais claro, mas sim com critérios de maiores ou menores garantias reais

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que são concedidas pelos próprios .empresários, e penso que isso é indiscutível.
Por outro lado, estou de acordo, que existe uma certa iniciativa privada - falou-se aqui na CIP - que tem, por vezes, tomado posições excessivamente conservadoras e que se colocam porventura à margem do próprio respeito pela Constituição. Mas, não podemos confundir a CIP com o empresariado considerado na sua globalidade. Existem empresários que têm uma perspectiva dinâmica do próprio crescimento económico, que não têm a postura conservadora em relação à problemática da economia nacional que tem hoje em dia o sector dominante na CIP. Isto na minha opinião.
Quanto aos pedidos de esclarecimento que foram feitos pelo Sr. Deputado Carlos Brito, que começou por manifestar a sua surpresa pelo facto de eu ter exposto alguma doutrina respeitante ao pensamento socialista democrático, queria dizer que lamento muito que isto tenha causado alguma surpresa ao Sr. Deputado. Se V. Ex.ª teve o cuidado de, alguma vez, estar presente durante intervenções que fiz aqui nesta Assembleia da República, embora integrado num partido diferente do Partido Socialista, o que é verdade é que, por várias vezes, falei de socialismo democrático e, por várias vezes também, expliquei, na minha modesta opinião, que identificava o ideário da social-democracia com o pensamento socialista democrático nas suas grandes linhas gerais. Expliquei isso, por várias vezes e teci considerações a esse respeito desde 1976 e, portanto, não deixa de ser com surpresa que vejo hoje o Sr. Deputado Carlos Brito interrogar-se sobre esta questão. Penso nunca ter oferecido dúvidas ao Sr. Deputado Carlos Brito, quanto ao facto de ser um social-democrata e de ser também nessa condição que hoje em dia sou deputado do Partido Socialista.
Quanto à questão da nacionalização e do Dr.. Mário Soares ter afirmado que as nacionalizações eram irreversíveis e uma grande conquista revolucionária, chamo-lhe a atenção que não disse o contrário em toda a minha intervenção. Se o Sr. Deputado esteve atento, saberá que defendi a abertura de certos sectores à iniciativa privada, não defendi a reversibilidade das nacionalizações, não disse que as empresas nacionalizadas deviam ser desnacionalizadas. Portanto, acho que foi uma questão perfeitamente descabida aquela que me foi colocada pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
Quanto à terceira pergunta sobre as sociedades de investimento, se defendo agora o aparecimento da banca privada para destruir a banca nacionalizada, devo dizer que não se trata disso, Sr. Deputado. Trata-se, pura e simplesmente, de chamar a atenção dos Srs. Deputados aqui presentes para o facto de, em Abril de 1977, os Srs. Deputados do PCP terem afirmado reiteradamente que a banca nacionalizada ia ser destruída num ápice porque tinha sido permitida a criação de sociedades de investimento e de desenvolvimento privadas e isso, como está hoje mais do que visto e revisto, não se verificou. Portanto, com a mesma lógica poderemos hoje em dia afirmar que as previsões catastróficas do PCP são um mero instrumento de contestação política, mas que normalmente não se constatam na prática ...

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e foi isso que pretendi significar no meu discurso. Relativamente à questão do pouco

brilho e relevo das sociedades de investimento e de desenvolvimento, devo-lhe dizer que acho que existiram várias razões para explicar a ausência de capacidade interventora das sociedades de investimento na economia portuguesa. Há uma primeira razão, que tem que ver com uma certa incapacidade, que vem de trás, de uma boa parte do empresariado português para dinamizar projectos de investimento. Isto é verdade, nós, socialistas e sociais-democratas, sempre o dissemos muito claramente.
Uma outra dificuldade tem a ver com o facto de, em matéria de enquadramento da própria Lei de Delimitação dos Sectores e de regulamentação dessa lei no caso específico das sociedades de investimento, não se terem dado, em meu entender, os passos considerados indispensáveis para que essas sociedades pudessem, entretanto, singrar. Mas esse é outro aspecto que poderemos debater mais alongadamente no futuro.
Respondendo agora às questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, que começou por dizer que eu tinha afirmado que as nacionalizações pressupunham um governo progressista, queria dizer-lhe que o Sr. Deputado deve ter estado desatento ao meu discurso - coisa que acontece com frequência em relação a vários Srs. Deputados. Não lamento especialmente que isso tenha acontecido, porque não afirmei exactamente isso. O que afirmei - e que tive ocasião de o repetir anteriormente - é que pensar que as nacionalizações são o instrumento privilegiado da acção transformadora, é partir do pressuposto de que as pessoas que vão estar à frente das empresas devem estar imbuídas do mesmo espírito que se considerou, a si próprio, reformador ou revolucionário.
Ora bem, para quem, como o Partido Comunista, não acredita na alternância democrática - mas se estiver enganado agradecia que me corrigissem, se o Partido Comunista desejar aqui fazer uma declaração de fidelidade ao princípio da alternância democrática afirmando abertamente, como já o fez o Partido Comunista Italiano, que aceita a alternância democrática até às últimas consequências, aceitando que um governo conservador, legitimado pelo voto popular, exerça o seu poder efectivo -, então, nesse caso é hipócrita partir do pressuposto que essas empresas nacionalizadas, podendo ser geridas por pessoas da confiança de um governo conservador, vão ser empresas postas ao serviço das classes trabalhadoras.

A Sr.º Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Isto é de tal maneira evidente que não merece grandes dúvidas! Quanto à sua segunda questão, que tem que ver com o chamado capitalismo monopolista, o Sr. Deputado Octávio Teixeira também parece que não esteve atento ou não compreendeu bem aquilo que afirmei na altura.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - A Sr.º Deputada Zita Seabra, no fim pode fazer um protesto a que responderei com todo o prazer.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Apenas para lhe dizer ...

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O Orador: - Oh Sr.ª Deputada, na sua altura poderá intervir, mas não me interrompa agora, pois tira-me um certa lógica de raciocínio que está subjacente a toda a minha intervenção.
Ora bem, o que é que acontece no que diz respeito ao chamado capitalismo monopolista? Como os Srs. Deputados devem saber, porque devem ter lido Karl Marx - parte-se desse princípio, pelos menos alguns dos Srs. Deputados, os que estão nas primeiras filas -, ..

Risos do PSD e do CDS.

Protestos do PCP.

O Orador: - ... quando se fala em capitalismo monopolista quer-se com isto dizer os grupos económicos e financeiros que obedecem a uma mesma lógica de grupo, o que não quer dizer, isso é verdade, que exista ao nível desse mesmo grupo económico uma única empresa para cada sector a oferecer bens ou serviços. Isso é verdade!
Ora, o que acontece é que essa lógica de capitalismo monopolista pode ou não existir, independentemente de haver ou não nacionalizações dos sectores chave da economia. O problema está na regulamentação e na política concreta que vier a ser implementada. Como eu disse, com obediência a uma política e a uma regulamentação apropriadas pode-se impedir a acumulação em sectores estratégicos. É evidente que não haverá capitalismo monopolista, mas também se pode dizer que haverá, independentemente da nacionalização de sectores estratégicos, se se verificar que, por exemplo, a banca nacionalizada ou que os seguros nacionalizados são postos, por via indirecta, ao serviço destes mesmos grupos económicos e que o efeito multiplicador de crédito que se verifica existir é posto, também por via indirecta, ao serviço desses mesmos grupos que têm uma lógica de interesses comuns. Isto é muito importante e tem que ver com o plano da doutrina.
Quanto à questão das poupanças e das agências devo dizer, como é do conhecimento geral, também em França existe banca privada e noutros países, mas não é possível estabelecer redes de balcões que possam, neste momento, competir com grupos económico-financeiros que venham a surgir de novo. Como tal, será sempre muito difícil, e julgo que o PCP terá uma certa ideia disso, a existência de bancos privados que venham competir com a banca nacionalizada comercial, hoje em dia existente.
Até digo mais, o Sr. Deputado Octávio Teixeira se estiver consciente de alguns problemas que existem na banca nacionalizada será o primeiro a aceitar também a tese de que essa tal competividade e concorrência irá evitar que certas situações de partidarização excessiva das instituições de crédito, de acordo com as quais as pessoas podem ou não ser nomeadas ou até deslocadas de um departamento para outro segundo critérios partidários ou de concorrência, não se venham a repetir no futuro.
Relativamente às críticas feitas pelo Sr. Deputado Raúl de Castro, queria começar por dizer que, realmente, sou defensor das teses do socialismo de distribuição e não de apropriação e estou convencido que, através da abertura de certos sectores-chave da economia à iniciativa privada, desde que a regulamentação inviabilize certas situações de concentração excessiva do poder económico - daí a legislação que o Governo visa pôr em prática no sentido de evitar as situações de abuso do poder económico e garantir a defesa da concorrência- se houver essa legislação, a abertura de sectores-chave da economia à iniciativa privada é compatível com o desiderato de desenvolvimento económico e também com o desiderato de uma maior justiça. Trata-se, pois, de corrigir as desigualdades através de uma tributação adequada e de permitir os acessos aos centros de decisão através do prolongamento ou do aprofundamento da democracia a todos os níveis.
Quanto à questão da apropriação colectiva dos meios de produção, o Sr. Deputado Raúl de Castro colocou-me o problema do artigo 80 º, alínea c), da Constituição que diz que a colectivização dos principais meios de produção é um pressuposto do nosso texto constitucional. Não digo que não, é evidente. S6 que eu também não disse, em toda a minha intervenção, nada que fosse contrário aquilo que vem estabelecido no texto constitucional. Porque a apropriação dos principais meios de produção significa, em primeiro lugar, que se tratam de meios de produção, e, em segundo lugar, se se admitir que a banca e os seguros são sectores produtivos - coisa que, como sabe, alguns economistas, designadamente economistas soviéticos, põem em causa, pois consideram que o sector de serviços, nomeadamente a banca e os seguros não são sectores produtivos propriamente ditos, não sei se o Sr. Deputado tem conhecimento disso mas é uma das posições que alguns economistas tomam -, como eu ia dizendo, mesmo pressupondo que a banca é um sector produtivo, eminentemente produtivo e pressupondo, portanto, que se trata aqui de pôr em prática um princípio de assegurar essa mesma colectivização, recordo, Sr. Deputado, que falei de sectores vedados à iniciativa privada.
Portanto, se os principais bancos, se a banca nacionalizada continuar a ter um papel dominante no sector bancário, se as principais empresas continuarem a ter um papel dominante no sector de actividades dos seguros, toda a sua crítica é descabida porque aquilo que é no sentido de «os principais meios de produção» serem colectivizados. Não se fala, nesse artigo em particular de sectores vedados à iniciativa privada.

Aplausos do PS e alguns do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu desejava dar um esclarecimento ao Grupo Parlamentar da UEDS. É o seguinte: a Mesa tinha interpretado como sendo o regime deste debate a norma constante da alínea b) do artigo 246.º e do n.º 2 do artigo 21.º, ou seja, uma hora para os grupos parlamentares e meia hora para os agrupamentos, pedidos de esclarecimento e protestos incluídos. Acontece que chegou à Mesa outra interpretação, segundo a qual os pedidos de esclarecimento e os protestos não deverão ser incluídos, Logo, no tempo da UEDS teremos que descontar o tempo gasto com aquelas duas figuras.
Também segundo informação chegada à Mesa - pois eu não estive na reunião dos líderes nem tenho aqui as conclusões a que chegaram -, os tempos considerados para esta discussão são os mesmos da discussão sobre o Conselho da Comunicação Social, ou seja, 45 minutos para os grandes partidos e 25 mi-

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nutos para os partidos mais pequenos. Isto em termos não rígidos, e claro.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, na altura em que V. Ex.ª invocou o Regimento, eu não tinha presente a disposição que citou; vi-a depois. Contudo, penso que a interpretação correcta é aquela que o Sr. Presidente apresentou em segundo lugar, isto é, os tempos que estão fixados no artigo 246 " referem-se s-5 às intervenções e não às outras figuras possíveis.
Segunda questão: não ficou acordado na reunião de líderes qualquer limitação de tempo, uma vez que houve um grupo parlamentar que disse não a aceitar. Não foi possível, portanto, estabelecer um consenso. Houve, sim, a afirmação por parte de outros grupos parlamentares - e não falo por eles, falo apenas por mim- de que procuraríamos, na medida do possível, não ultrapassar os tempos que tinham sido fixados para o anterior debate, sem que isso significasse qualquer espécie de compromisso da nossa parte, pois se esses tempos fossem ultrapassados, essa situação não poderia ser aqui invocada. E devo informar desde já a Mesa de que ultrapassaremos com certeza esses 25 minutos que nos tinham sido atribuídos no debate anterior.

O Sr. Presidente: - Vamos então continuar, tendo em conta o que o Sr. Deputado Lopes Cardoso acaba de dizer. Os partidos que entenderem ultrapassar aquela norma, até ao máximo de meia hora para os agrupamentos parlamentares e de uma hora para os grupos parlamentares, e quando se trate de intervenções, poderão fazê-lo.
Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carpos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora sob a forma de protesto, vou apenas fazer um comentário muito breve, em 3 alíneas, às alegações do Sr. Deputado António Rebelo de Sousa.
Em primeiro lugar, e relativamente à referência que fez a leitura, essas observações não são dignas de si e por isso não lhe respondo.
Quanto às questões da alternância, quero dizer-lhe que nós não só a defendemos, como a praticamos!

Risos do PS.

Estivemos no governo, saímos do governo; voltámos a entrar no governo e em 1976 voltámos a sair; recentemente declarámos a nossa disposição de assumir as responsabilidades de governo e nessa disposição nos encontramos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Ora aí é que está!

O Orador: - Naturalmente que entendemos escolher os parceiros, pois não são quaisquer uns que nos servem ...

Em terceiro lugar, gostaria que soubesse que, enquanto o Sr. Deputado falava se comentava na nossa bancada -c, olhe que isso é quase uma homenagem o seguinte: «enquanto há quem mude de ideias e se mantenha nu mesmo partido, este Sr. Deputado muda de partido mantendo as mesmas ideias!»

Aplausos do PCP.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. (Lopes Cardoso (UEDS): - Para pedir esclarecimentos, ao Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, há pouco eu fui impedido - passe a expressão, pois não há nada de pejorativo nela - de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, pois houve um qui pro quo e pensou-se que eu não disporia de tempo. Uma vez que isso está esclarecido, vou fazer agora aquilo que pretendia fazer há bocado.
É uma pergunta muito rápida, pois se bem que muitas outras houvesse para fazer, seria um pouco desfazado alongar-me.
O Sr. Deputado António Rebelo de Sousa, para além de ter dito muitas coisas que já aqui haviam sido ditas antes - o que até é normal, pois este debate vem de há muito tempo -, trouxe um argumento novo: é o risco de amanhã, ou já mesmo hoje - e não é um risco é uma realidade - estarem à frente da banca nacionalizada gestores que não se identificam com a banca nacionalizada como instrumento do projecto de transformação da sociedade portuguesa consignado na Constituição. Bom, não sei até que ponto é que - e como há gestores conservadores na banca nacionalizada -, criando nós a banca privada, não passará a haver lá gestores imbuídos do espírito da Constituição de 1976 e que vão trabalhar no sentido das transformações socialistas no nosso país! ...
Mas a questão não é só essa. O Sr. Deputado António Rebelo de Sousa disse que não há processo de impedir que determinados gestores, uma vez nomeados por um governo conservador, ponham a banca ao serviço de interesses económicos particularizados e não do interesse colectivo. Mas, então, Sr. Deputado, se nem na banca nacionalizada é possível criar um sistema que a impeça de estar ao serviço de grupos económicos, como é que o Sr. Deputado pensa ser possível copiar esse sistema para uma banca privada que irá ser criada?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Rebelo de Sousa.

O Sr. António Rebelo de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há aqui uma lamentável confusão feita pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Eu não disse que não é possível controlar o poder exercido por gestores conservadores; o que eu disse foi que esse é um problema independente e perfeitamente dissociável da outra questão, que é a naciona-

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lização. Ele tem a ver com a regulamentação do exercício do poder dos conselhos de gestão e, portanto, com o tipo de controle do poder económico por parte do poder político, que se vai assegurar através da intervenção do banco central.
E há vários instrumentos que o permitem e que têm que ver não só com o estabelecimento de um certo tipo de política de selectividade de crédito ou de determinada ratio entre capital próprio e capital alheio, como também com outras exigências. Mas eu não entrei propriamente nessa matéria.
Em segundo lugar, o que eu pretendi fundamentalmente dizer na minha intervenção é que é diferente: enquanto que em muitos casos acontece os gestores públicos não serem responsabilizados directamente pelo tipo de decisão tomada nas empresas públicas - responsabilização que tem que ver também com os seus bens pessoais, como acontece, a nível da iniciativa privada, com a figura do aval pessoal -, já no que respeita aos gestores privados o Sr. Deputado tem razão, pois pode haver gestores privados conservadores que até nem estejam de acordo com o espírito transformador do 25 de Abril. Contudo, é diferente, porque o grau de responsabilização pessoal deles também é distinto, numa perspectiva jurídica, pois deles se vão exibir outras garantias, inclusive a nível pessoal, que por regra se não exigem no que respeita às operações aprovadas das empresas públicas ou gestores públicos.
Era esta a grande distinção qualitativa que eu queria fazer, e não obviamente aquela que o Sr. Deputado pretendeu imputar-me.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção. terso a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs, Membros do Governo:
É sobejamente conhecida a posição que o MDP/CDE desde sempre defendeu em matéria de delimitação dos sectores público e privado.
Com efeito, já no programa do nosso IV Congresso se afirma textualmente que «a política económica deve continuar a ter como pressuposto a vedação à iniciativa privada da banca e dos seguros, bem como dos sectores básicos para o desenvolvimento industrial e agrícola, e ainda das actividades fundamentais de transportes e comunicação e daqueles que, por natureza, devem ser considerados como `monopólio' fiscal» do Estado.
A primeira razão por que nos opomos à alteração proposta, é que ela contraria frontalmente a caminhada para a sociedade socialista que, a par de ser um preceito constitucional, é também objectivo que, não só o MDP/CDE visa, como também os programas dos partidos da maioria que apoia o Governo contemplam.
Mas existe uma outra ordem de razões para esta nossa oposição, de conteúdo programático bem menos vincado e que, só por si, deveria ser suficiente (se bem entendida) para evitar que o Governo avançasse esta proposta de lei. É que no sector empresarial do Estado assenta a única via democrática para a saída da crise.
De facto, se a crise económica se traduz, em última análise, pela estagnação ou decréscimo da produção, para a superar há que, à partida, encontrar formas de promover o aumento da produção, o que prossupõe, nomeadamente:

1.º A criação prévia de condições que permitam o aumento da capacidade produtiva, designadamente através da realização dos investimentos adequados;

2.º A conquista dos mercados susceptíveis de irem absorvendo o acréscimo de produção, ã medida que ele se vai verificando.

A primeira condição implica, relativamente aos empreendimentos mais significativos, uma acumulação inicial elevada que possa fazer face aos vultosos investimentos de arranque, bem como uma capacidade de geração de excedentes assinalável, para prover aos investimentos de manutenção e renovação indispensáveis para manter e melhorar o nível tecnológico da produção, em condições humanas mais eficazes e mais justas.

A segunda condição, entre outras coisas, obriga a grande competitividade face a outros fornecedores dos mesmos produtos ou seus sucedâneos, quer se trate de mercados nacionais onde tenham acesso os seus concorrentes (nacionais ou estrangeiros), quer de mercados estrangeiros que há que conquistar. Passando esta competitividade, obrigatoriamente, por um apuro tecnológico, constantemente conseguido, não só se reforça a necessidade de investimento, como se exige um dimensionamento das unidades produtores compatível com o máximo proveito a extrair das economias de escala.

Nestas condições, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas se vislumbram duas vias para, criadas as condições propícias, se tornar viável um cenário que permita inverter a situação de estagnação ou recessão da produção:

A primeira aponta para a utilização do sector empresarial 3o Estado como factor de dinamização da economia. Assim, será possível aproveitar a enorme poupança por ele gerada ou controlada, particularmente no seu sector financeiro-banca e seguros. Por outro lado, fazendo funcionar o sector empresarial do Estado como instrumento de política económica, aproveitar-se-á a possibilidade, que só existe relativamente às unidades empresariais do Estado, de enquadrar a sua actividade num plano, para elas vinculativo, e que para as unidades privadas nunca poderá ser mais do que indicativo. Só através da execução de um tal plano será possível prover à organização de uma utilização dos recursos nacionais, coordenada e harmónica, e a uma correcta prioridade na definição dos sectores a desenvolver.

A outra via que resta, assenta na criação de condições que permitam a concentração do capital privado necessário para a implementação dos grandes empreendimentos, :) que só é possível, obviamente, com a reconstituição dos monopólios.

O MDP/CDE defende, evidentemente, a primeira via e não se encontra isolado nesta sua opção. Na verdade, até o Sr. Ministro Carlos Melancia, por exemplo, defendeu posição semelhante na 1 Conferência da Associação Portuguesa de Economistas, a qual apresentou uma comunicação intitulada «O Papel do Estado e da Iniciativa Privada no Desenvolvimento»,

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aliás já aqui citada pelo presidente do meu partido, e onde se pode ler:

Qualquer que seja a filosofia de organização sócio-económica prosseguida pelo Governo do País, o desenvolvimento económico integral passa hoje pela utilização e fomento do sector público (ou pelo menos de parte importante do sector público), como a ferramenta mais «dócil» e eficaz de que o Poder Político dispõe para concertar com êxito a integração europeia. Não é possível - por abundante que seja a qualidade da iniciativa dita privada- conjugar coerente e acertadamente os esforços que têm de ser feitos por todos os portugueses, se o Governo não dispuser de uma ferramenta de intervenção para as mutações que são indispensáveis na estrutura económica do País. As questões de princípio, em abstracto, devem ceder o passo à utilização dessa realidade, tão importantes se nos afiguram - em termos de correcta sobrevivência europeia- a judiciosa utilização dos meios que o Governo tem, ainda, ao seu alcance.

Dirão algumas vozes (entre as quais certamente se contará a do Governo) que exageramos, que haverá meio termo, uma situação intermédia. Mas o que, para já, não poderá ser negado é que, com a abertura de sectores fundamentais da economia à iniciativa privada, se está a inviabilizar a primeira via que enunciámos ao: desperdiçar uma parte (e bem significativa) das potencialidades do sector empresarial do Estado como instrumento de política económica.
Argumentarão alguns que a situação actual da nossa economia atesta a incapacidade do sector público para ser rentável, negando assim a possibilidade de na sua dinamização assentar a recuperação da economia. A esses diremos que, no seu conjunto, as empresas que compõem o sector empresarial do Estado (mesmo se só considerarmos as do sector público produtivo) têm conseguido, especialmente até 1979, níveis de funcionamento muito superiores aos da média nacional, particularmente no que se refere a produtividade média, nível de valor acrescentado per capita, grau de acumulação de activos fixos, etc.; isto apesar das condições adversas em que têm operado, de entre as quais destacaremos: por um lado, a sua utilização pelo Governo, designadamente após 1979, nomeadamente para

Conter a inflação à custa da deterioração da da sua situação económico-financeira, através do impedimento de as empresas fazerem repercutir, nos seus preços de venda, os agravamentos dos seus custos, muitas vezes derivados do aumento do preço dos bens importados em consequência da desvalorização do escudo;

2 º Financiar a balança de pagamentos fazendo-a suportar todos os custos de tal política dispensando o sector privado da economia de uma participação proporcional que resultaria se, também ele, tivesse de recorrer (directa ou indirectamente) aos mercados financeiros internacionais. Assim se foram obtendo divisas de que o País foi necessitando, sem agravamento da dívida pública directa, mas à custa da degradação das empresas públicas que viram crescer os seus

encargos financeiros, pois o crédito externo é bem mais caro do que o interno, dada n desvalorização do escudo. Só assim se compreende que a dívida externa do sector empresarial do Estado fosse em 1981, bem superior ao dobro da dívida pública directa. tendo os montantes da dívida externa de algumas empresas públicas atingido valores astronómicos, como é o caso da TAP/AIR Portugal, que já ultrapassa largamente cus 30 milhões de contos.

Por outra lado, é preciso não esquecer que à frente de uma grande parte das empresas públicas têm estado
«gestores políticos», cujo comportamento tem contribuído para o agravamento da crise (como publicamente reconheceu a Associação Industrial Portuense), não se tendo orientado para a defesa empenhada das empresas onde são colocados, antes funcionando na dependência de interesses, nem sempre perfeitamente transparentes.

E não é obrigatório que os gestores .públicos nomeados pelo Governo - obviamente terá que ser assim - se mantenham nessa dependência ad aeternum. Não é obrigatório e isso verifica-se nos países da CEE, por exemplo, como é o caso particular da França, onde não foi pelo facto de ter mudado 0 governo que houve alterações nos gestores das empresas nacionalizadas.

C por isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados que o MDP/CDE considera particularmente grave que se abram sectores fundamentais da economia à iniciativa privada sem sequer se proceder previamente à recuperação do sector empresarial do Estado que assim se verá confrontado com competidores em desigualdade de circunstâncias, o que, inclusivamente, porá em risco a viabilidade das próprias EP's. A sua situação agravar-se-á em virtude do acréscimo nas dificuldades na obtenção de crédito, porque a banca privada que se vier a instalar, necessariamente, irá apropriar-se de. uma parte do actual mercado da banca pública e privilegiará as necessidades de crédito do grupo a que pertencer.

E por estas razões que a abertura da banca e dos seguros à iniciativa privada se pretende realizar tão apressadamente. Na verdade, só aproveitando estas circunstâncias mais favoráveis, as novas unidades empresariais conseguirão um lugar importante no mercado, à custa da inviabilização de, pelo menos, algumas das já existentes. Dado que é o sector público financeiro que em Portugal tem a mais significativa capacidade de formação de excedentes financeiros e resultados líquidos positivos, sendo nele que se forma a maior parte da poupança interna do sector empresarial do Estado, com esta abertura se enfraquece, pelo menos, a possibilidade de constituir o factor decisivo para F saída da crise.

É precisamente esta capacidade de mobilização de fundos, próprios e alheios canalizáveis para investimento, que o torna tão cobiçado por aqueles que sonham com o regresso dos monopólios. É que, sendo escassos os recursos financeiros mobilizáveis para investimento e grandes os volumes de capital necessário para o arranque e viabilização da generalidade dos empreendimentos efectivamente rentáveis, necessária se torna a aplicação de capital alheio, sobretudo

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se se quiser controlar não um, mas um conjunto de empreendimentos tão grande quanto possível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É preciso ter consciência de que os monopólios só poderão voltar a ser viáveis em Portugal, a partir do momento em que os empresários possam utilizar a seu bel-prazer as poupanças alheias, assegurando o recurso ao crédito do seu banco sempre que os seus empreendimentos disso necessitem. Para além disso, passarão também a ser possíveis manobras que contribuam para a concentração de empresas em grupos, como a que um deputado da maioria assim descreveu num semanário «Se a um empresário que possui uma empresa localizada em sector conveniente se oferece um crédito de 1000 quando, em rigor, o montante necessário seria de 700 e o tecnicamente possível de 200, é faltai que, por força dos contenciosos comerciais resultantes do não cumprimento das obrigações creditícias, esse empresário deixará rapidamente de o ser e a sua empresa passará para o universo de capital financeiro do empresário banqueiro».
Assim, as dificuldades da generalidade dos pequenos e mesmo médios empresários oscilarão entre a escassez de crédito e o perigo de absorção.
Dai que só uma banca pública forte, bem estruturada e correctamente gerida possa promover a igualdade de acesso ao crédito bancário.
Pelo contrário, o Governo envereda precipitadamente por uma solução errada, a nosso ver, e desenquadrada de um qualquer plano que permita avaliar devida e claramente as suas consequências.
Em consequência disto, o MDP/CDE sente-se na obrigação de, mais uma vez, alertar o Governo para as consequências que entende serem preocupantemente graves para a democracia portuguesa e prejudiciais para a resolução dos graves problemas nacionais.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições na Mesa, embora disponhamos ainda de tempo para mais uma intervenção antes do intervalo. Se nenhum Sr. Deputado deseja inscrever-se para intervir neste momento, faremos o intervalo agora.

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Sr. Presidente, dá-me licença? E para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, V. Ex º vai desculpar-me, mas se não há inscrições, devemos passar já à votação.

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, caso não haja inscrições, passaremos já à votação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ocupamo-nos hoje, pela terceira vez no curto espaço de uma semana, da proposta de lei n.º 2/III, através da qual o Governo quer autorização para legislar a favor da abertura ao grande capital dos sectores bancário, segurador, cimenteiro e adubeiro.

Chegámos aqui apesar de ter ficado produzida larga demonstração sobre a inconstitucionalidade da proposta e de se ter evidenciado que, se mesmo assim, o Governo e a coligação governamental queriam impor a sua discussão à Assembleia, o razoável seria fazê-lo não através de um processo de urgência, mas por forma a permitir uma melhor ponderação de todas as suas implicações e consequências.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta fase do processo legislativo prossegue e quase de certeza será formalmente consumada pelo voto; mas o diploma que daqui sairá vai marcado pelo ferrete da inconstitucionalidade.

Com efeito, a tese da insconstítucionalidade que tem atrás de si o trabalho aturado de constitucionalistas dos mais eminentes e anos a fio de tomadas de
posição de juristas e políticos que se identificam com o 25 de Abril, e onde os deputados e os dirigentes do PS não foram dos mais apagados, não sai diminuída desta refrega.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pelo contrário, o julgamento futuro da constitucionalidade da proposta terá de pesar em todo o seu alcance o reconhecimento do representante do Governo neste debate, quando confessou em certo momento das suas alegações: < Não quero com isto dizer que os semelhantes não têm toda a legitimidade e até uma argumentação séria, no sentido da defesa da tese da inconstitucionalidade. Não quer dizer, também, que eu não tivesse razão e que ainda hoje a tenha, quando digo que mantenho os meus argumentos.» Os seus argumentos a favor da inconstitucionalidade, acrescentamos nós!

Esta espantosa posição daquele que, simultaneamente, é um dos principais responsáveis da proposta como Ministro de Estado do Governo que a apresenta e que foi um dos adversários parlamentares mais acérrimos das orientações que comporta quando apresentadas por outros Governos, leva-nos a um dos aspectos centrais desta discussão: como é possível que esta proposta seja aqui trazida por um governo da maioria PS?

Dá a impressão de que estamos caídos num tremendo equivoco.

Que estamos diante de uma terrível falsificação de documentos em que as propostas do governo do Primeiro-Ministro Sá Carneiro são passadas para a Assembleia com a chancela do governo do Primeiro-Ministro Mário Soares.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que estamos perante uma diabólica montagem sonora em que o Sr. Deputado Condesso fala pela boca do Sr. Ministro de Estado Almeida Santos, o , Sr. Deputado Silva Marques se ouve pela

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voz do Sr. Deputado Roque Lino e só o Sr. Deputado António Rebelo de Sousa fala pela boca e com a voz do Sr. Deputado António Rebelo de Sousal!

Aplausos do PCP.

Não basta para justificar uma tão monumental cambalhota que o Sr. Ministro Almeida Santos comente singelamente: «pode mudar-se de opinião».
Mas pode-se mesmo? Assim como o Governo quer fazer por via de uma autorização legislativa, à sucapa, tratando-se de uma questão fundamental de regime?
Não basta, também, que o Sr. Ministro de Estado proclame para sossegar os inquietos: «Não confundamos este problema com uma questão de regime.»
A verdade é que se confundem. Trata-se de um problema tão essencial de regime que se transforma numa questão de regime.
Se se duvida repara-se nesta apreciação: «A expressão iniciativa privada esconde o propósito de reconstituição dos antigos grupos monopolistas dominantes e levará a atingir o princípio constitucional da subordinação necessária do poder económico ao poder político.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - De quem é esta apreciação? E de Mário Soares; e não é de 1975, foi proferida em 1980, durante o debate do Programa do VI Governo.
Podem os Srs. Deputados socialistas passar ligeiramente sobre uma tão grave advertência?
O que aplaudiram ontem com tão entranhada convicção é hoje tão pouco importante que podem aplaudir exactamente o contrário?
O argumento a que deitou mão um Sr. Deputado da bancada do PS de que « só burros não mudam de opinião», pode ser usada com legitimidade nestas coisas tão sérias?
Aliás, toda a gente sabe que os burros mudam de opinião. É uma questão de raça.

Vozes do PCP- - Muito bem!

O Orador - É até por isso que o povo diz que «todo o burro come palha é preciso é saber dar-lha». É então uma questão de ração.

Aplausos do PCP.

As razões um pouco mais sérias usadas pelos defensores da proposta foram feitas em cacos ao longo do debate, muitas vezes apenas com invocação de argumentos já aqui usados ou usados noutros lugares por deputados do PS.
É o caso da alegada «perspectiva da nossa entrada na CEE», tão bem denunciada e demonstrada, em 5 de Março de 1980, pelo Dr. Vítor Constâncio - aliás, com os aplausos da sua bancada. Disse ele, em primeiro lugar: «O Governo» - o Governo da AD «apressou-se já a comprometer a posição portuguesa sobre esta questão em Bruxelas»; para contar a seguir: «ouvimos recentemente o vice-presidente da Comissão, Natali, dizer em conferência de imprensa que a constituição e a existência de sectores nacionalizados não eram contraditórios com a adesão nem lhe causavam nenhuma dificuldade».

Há dias um outro deputado do PS designava a decantada «perspectiva da entrada na CEE» de «falacioso argumento», fundamentando detalhadamente porquê.
Porque é que então o PS se deixa atar de pés e mãos aos compromissos assumidos pela AD, quando a sua falta de patriotismo está à vista e é o tempo ainda de os denunciar?
Não nos dá isto plena razão quando dizemos que o processo de integração na CEE é fundamentalmente uma operação política ao serviço das ambições revanchistas do grande capital com completo desprezo pelos interesses da nossa economia e as condições de vida do nosso povo?
Podem os deputados do PS acreditar sinceramente que a abertura ao grande capital da banca, dos seguros, dos cimentos e dos adubos possa de alguma maneira contribuir para a superação da crise económica e financeira?
A nossa experiência e a experiência alheia são muito claras a este respeito. Reentrando nos sectores mais básicos da nossa economia, o grande capital não vai investir para desenvolver o País; vai, pelo contrário, operar friamente contra os interesses da economia e do povo trabalhador por forma a reconstituir os monopólios e os grupos monopolistas com todos os seus privilégios.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Justamente a assembleia das comissões de trabalhadores bancários chama a atenção em documento que hoje nos foi distribuído, para o «papel essencial da figura do banqueiro privado, que não era possuir bancos para investir os seus próprios capitais, mas sim desviar, em proveito próprio os capitais alheios».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Basta ouvir as exigências de alguns porta-vozes do grande capital na imprensa que lhes é afecta - e até aqui na Assembleia da República como hoje aconteceu - para se perceber que não são os projectos de desenvolvimento que os animam; aquilo que os preocupa é arrebanhar o mais rapidamente possível tudo o que perderam com a gloriosa revolução de 25 de Abril e restaurarem o seu pleno poder sem contestação.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O poder dos monopólios em Portugal conduziu-nos, como sabemos muito bem, ao último lugar da escada europeia em todos os indicadores económicos e sociais fundamentais. O poder dos monopólios representou a miséria, o atraso, a opressão, a ditadura fascista. Foi uma experiência de quase meio século que não precisamos nada de repetir; temos que impedi-la. Mas é bom recordá-la, e sobretudo a partir daqui da Assembleia da República.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As nacionalizações são inseparáveis da existência da democracia. As nacionalizações tornaram-se necessárias para quebrar a resistência dos grupos financeiros ao regime saído do 25 de Abril.

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Quem não se recorda da conspiração da maioria silenciosa e do 11 de Março e do papel que nelas desempenharam os monopólios e em especial a grande banca monopolista? Quem não se recorda da sabotagem levada a cabo pela oligarquia financeira contra o regime democrático e exercida sobretudo através da banca, através da sonegação de lucros, através de contas provisórias, de previsões, de amortizações, de sacos azuis? Transferência fraudulenta de divisas para o estrangeiro? Retenção de divisas em bancos estrangeiros? Concessão de grandes montantes a grupos associados e a partidos políticos reaccionários e operações políticas desestabilizadoras do regime democrático.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E um poder económico assim que se quer reconstruir. E a entrega a esse poder económico da possibilidade de chantagear toda a nossa vida política que se quer estabelecer?
Os Srs. Deputados do PS acarretam com a grande margem de risco para o regime democrático, as liberdades e os interesses do nosso povo que esta proposta comporta? Aceitam fazê-lo, como o automobilista que fecha os olhos numa manobra perigosa, através de uma autorização legislativa?
O Sr. Ministro Almeida Santos disse que esta grande viragem do PS à direita, esta manobra perigosa, estava legitimada pelas eleições. Mas será assim: uma vaga referência nas 100 medidas, uma referência mais explícita no programa eleitoral, logo desfeita por candidatos e activistas locais que referiam que erá só a abertura dos cimentos; tudo isto e só isto será bastante para alegar, como fez o Sr. Ministro de Estado, que houve um voto favorável à abertura de sectores básicos ao grande capital? É evidente que não! E maneira de argumentar que configura um conhecido processo de violentar a vontade do povo e da Constituição.
As nacionalizações, e antes de tudo, a nacionalização dos sectores básicos, são uma grande conquista da luta dos trabalhadores, das massas populares, de todas as forças democráticas, em que nos incluímos, e da acção patriótica dos Capitães de Abril. O PS teve sem dúvida um papel de relevo na consagração das nacionalizações na Constituição de 1976. O que agora se vos pede, Srs. Deputados do PS, é que esse papel não seja renegado e que por vossas próprias mãos não elimineis esse contributo notável de que tanto vos tendes orgulhado ao longo dos anos!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Pela nossa parte, confessamos, nunca dissemos tanto bem do que o PS fez no passado, para evitar que o PS faça tanto mal no presente!
O PCP votará contra a autorização legislativa que representa a abertura da via da reconstituição dos monopólios, dos grupos monopolistas e por conseguinte a ameaça de restauração do poder económico e político do grande capital associado ao imperialismo que em Portugal já assumiu a forma de ditadura fascista.
Ao fazê-lo estamos confiantes na luta popular e será esta que em última análise decidirá se vai haver empresas privadas na banca, nos seguros, nos cimentos e nos adubos.
Outros com muito poder tentaram-no no passado e não o conseguiram.

Tudo faremos para que este Governo e esta coligação não o consigam também, pois é esse o interesse do nosso povo e do nosso País.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer agora o intervalo. Retomaremos os trabalhos às 18 horas e 5 minutos. .
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Após o intervalo reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Moais.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria que a minha intervenção justificasse, de certo modo, algumas questões que me interessariam que fossem justificadas. Concretamente, penso que neste debate - e até ao momento em que foi desenvolvido - não se verificaram objecções que pudéssemos considerar serem de fundo á orientação que o Governo pretende dar à abertura do sector bancário, do sector segurador, cimentos e adubos à iniciativa privada.
Julgo que se tinha ganho no debate se, de facto, fizéssemos, com rigor, uma análise do que representa o sector bancário como paradigma, quer no contexto global da economia quer mesmo no seu relacionamento com o poder político. E ter-se-ia também ganho se tivéssemos feito uma discussão à luz de argumentos e contra-argumentos, com a lucidez devida e exigida por um problema e por uma questão desta natureza, mas a realidade é que o debate tem fugido, algumas vezes, desta área. Concretamente, e em jeito de síntese deste debate, diríamos que, primeiro e esta é uma das suas conclusões-, só foram avançados argumentos, mais de natureza ideológica, muitas vezes ligados a uma estrutura económica e a um sector bancário, que não são deste tempo e que se escaparam completamente da situação concreta da economia e da sociedade portuguesas, no presente momento.
Ilustrando um pouco, e de forma breve, o que pretendo dizer, direi que nos países da Europa - a que pretendemos associar-nos, em espaço económico e político - a actividade bancária, na sua função essencial de intermediação financeira, é uma actividade que tem um peso, não muito significativo, no conjunto do produto interno, isto é, no conjunto da economia desses países. Concretamente, vai entre 3,3 % na República Federal Alemã, até 4,1 % na Itália. Em Portugal, concretamente, este indicador anda à volta de 2,3
em 1979, para 2,4 % em 1982. Em termos de valor acrescentado, relativamente ao produto interno, o sector bancário em Portugal em 1981, representava 5,9 %.
Conclui-se, pois, que por experiência dos outros países, e por experiência e tendência em Portugal, o

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sector bancário não é mais uma máquina geradora de fundos, de excedentes e de lucros, e não pode ser - e ainda bem que assim é -, de novo, uma forma de conquista de poder económico e depois de conquista de poder político. É mesmo, em função dos dados acabados de referir, uma actividade que tem fraca rentabilidade e, por isso mesmo, tem uma redução dos coeficientes dos fundos próprios que leva a generalidade dos bancos, nestes países, a recorrer a empréstimos por obrigação.

Quanto ao poder político, naturalmente que quem acredita na democracia política - e nós Partido Socialista acreditamos - sabe que não é, a partir da situação actual em Portugal, muito fácil criar poder económico, neste sector, que permita adquirir poder político que ponha em causa o regime que preconizamos e defendemos. Partimos obviamente, do princípio - e isto que fique bem claro - que o sector público e estou a servir-me do sector bancário como paradigma, será não só mantido como robustecido. Queria mesmo dizer que, na nossa óptica, a abertura do sector bancário ao sector privado é um elemento - se bem feita tal abertura - de robustecimento e de defesa do sector público.

O que tem vindo a ser aqui avançado é um conjunto de argumentos que tem em si mesmo a explicação muitas vezes histórica, algumas vezes ideológica, Procurarei ser breve enunciando esses argumentos, ou contra-argumentos, e fazendo sobre cada um deles a nossa valoração. Assim, quando se diz que isto permitirá a entrada do grande capital, basta só reter que pode entrar o grande capital mas a dimensão dessa entrada depende, primeiro, do próprio projecto de abertura e do próprio projecto do banco que a abriu, isto é, da dimensão dessa empresa, e segundo, abrir ou não abrir ao grande capital, depende da regulamentação que vier a ser feita.

Não devemos ter preconceitos ideológicos e devemos concluir que desta apertura ao capital, que só seria grande se fossem grandes os projectos concretos, poderiam resultar vantagens de investimento, quiçá, em substituição de novos empréstimos, e ainda, possivelmente, condições de dinamização do mercado de capitais.

Um outro argumento, muitas vezes avançado, tem a ver com a afirmação de que, por aqui, poder-se-á verificar a reconstrução de monopólios. Bom, não é lógico argumentar desta maneira. Primeiro, porque o que se está a fazer é a abertura de um sector, que é hoje largamente público, à entrada de novas empresas e não há, obviamente e por isto mesmo, razão para falar de reconstrução de monopólios.

Outra afirmação, é a reconstrução do capital financeiro. Isto é, na terminologia corrente, para algumas ideologias, a associação do capital bancário e o capital industrial. Pelo que já foi dito há pouco e ainda porque não é viável que seja através da actividade bancária que se consigam reunir capitais próprios para investir em actividades industriais e constituir capital industrial, tal significará - se se reconstituírem grupos financeiros- que só é possível que isso venha a concretizar-se com novos investimentos nas novas indústrias. Reverte, pois, este argumento ou este contra-argumento, à afirmação anterior.

Se há reconstrução financeira é, só e só, com novos investimentos na actividade bancária e na actividade

industrial. Não receamos, de modo nenhum, esta chamada reconstrução do capital financeiro porque assumimos sem complexos que o País precisa de investimentos e, na nossa concepção do controle do poder económico pelo poder político, não vemos dificuldade - atendendo ao ponto de partida, isto é, à efectiva existência de um largo sector público na actividade bancária- 'em regulamentar a actividade desses grupos financeiros.

Um argumento também avançado tem sido o de que esta abertura dificultará, no futuro, a execução das políticas económicas, estritamente monetárias, dos governos, É argumento que se contradiz pela prática de outros países democráticos e, mais, estamos mesmo convictos de que esta actividade - que não estamos a vislumbrar de largo peso no sector bancário- poderá facilitar o cumprimento das orientações de política económica em vez de as vir a dificultar.

Quanto às dificuldades que tal medida pode acarretar para o actual sector nacionalizado - seja pela redução do mercado, seja pela selecção de partes do mercado, sejam estas partes clientes determinados, operações determinadas ou mesmo determinados riscos - entendemos que existe algo de verdade nos dois primeiros aspectos mas é nosso entendimento também que ela é favorável no terceiro aspecto.
A abertura do sector bancário à iniciativa privada pode, em termos sociais e económicos, criar condições para comparar, em termos favoráveis à banca nacionalizada, a análise e os critérios de risco que de outra maneira poderão, por enviesamento e pressões políticas, vir a sacrificar o sector bancário em benefício de iniciativas de concessão de crédito, de investimentos, que em si mesmo se não justificariam.
Convenhamos, pois, que no que diz respeito a eventuais selecções de mercado, quanto a clientes e a determinado tipo de operações, é óbvio que existe esse risco mas ele desencadeará, por si mesmo, se os bancos forem bem geridos, mecanismos e respostas de concorrência, das quais só pode ganhar o sector público bancário, quer em termos de eficácia de gestão, quer mesmo em termos de qualidade da prestação dos serviços e, porque não dizer, mesmo pela natureza óbvia da concorrência.

Não falarei de argumentos que morrem por si mesmos, tais como a possibilidade de criar maiores irregularidades. Acho que isso também não procede. Devemos é fiscalizar uma e outra actividade, fiscalizar ambas, seja ela desenvolvida pelos bancos públicos ou privados. O que importa é que o Governo faça uma abertura - como, aliás, nos promete nas intervenções já feitas e no próprio programa- que tenha em conta o cuidado e, sobretudo, a necessidade de contemplar as actuais condições de funcionamento do sector público, isto é, dos bancos e algumas empresas de seguros, nomeadamente em questões de revisão da legislação bancária, revisão da concessão, selecção e controle do destino do crédito, na gestão eficaz e responsável das empresas, nomeadamente tendo em conta a nomeação de gestores obedecendo a critérios e só a critérios de isenção, competência e seriedade.

É necessário que a abertura dos sectores seja feita a um ritmo adequado às possibilidades de correcção e racionalização do actual sector público. Cumpra o Governo, como nos promete, e não existirão dificuldades no sector público. Defendemos o sector público, defendemos as empresas públicas, pela sua eficácia,

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pela efectiva prestação dos serviços em condições de competitividade e de eficácia social e não por decretos, por slogans ou por qualquer outra via que não seja esta de avaliação diária pela população portuguesa.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado acredita, sinceramente, que os índices que avançou, quanto à participação do sector bancário no produto nacional e no valor acrescentado, traduzem realmente a importância estratégia que este sector tem e que ultrapassa, de longe, o significado directo destes índices? ,
O Sr. Deputado pés uma outra questão. Disse que os efeitos resultantes da abertura do sector bancário estarão, em grande parte, ligados à forma como essa abertura se fizer e, nomeadamente, à forma como a entrada de capitais se der nesse sector, referindo - penso eu e se bem entendi- à própria dimensão das empresas que vierem a ser criadas. O que é que o Sr. Deputado propõe? Que se criem plafonds tão baixos que o acesso à constituição da banca seja de certo modo liberal - e não direi que todos os portugueses possam constituir uma banca mas que um número substancial de portugueses possam constituir bancos que por si só não terão grande poder económico, deixando de lado o facto de que os grandes grupos poderão sempre, nesse caso, constituir grandes bancos porque o plafond baixo não impedirá maiores empresas ou, mesmo que impeça, não proibirá de as multiplicar - ou, ao contrário, entende que os plafonds devem ser fixados suficientemente altos para restringir a entrada no mercado o que, de imediato e claramente, limitaria o acesso ao sector, apesar de liberalizado, apenas aos grandes grupos económicos?
E, para terminar, o Sr. Deputado perdoar-me-á que lhe diga que vi na sua intervenção a preocupação de justificar inócuidade da abertura da banca ao sector privado mas vi muito pouco no sentido de justificar quais as vantagens reais dessa abertura, aliás, um pouco, no sentido do que se diz no próprio preâmbulo, ou seja, que a abertura da banca irá demonstrar que se não faz bem, também não faz mal. Quer dizer, parece que a abertura da banca é uma espécie de placebo que se dá para contentar, para tratar certas doenças de carácter ideológico, de certos sectores que se julgarão curados pelo placebo que se lhes vai dar a tomar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almerindo Marques deseja responder já ou no fim?

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente; tenho um problema que tenho que compatibilizar. Não sei se há mais pedidos de esclarecimento, mas eu é que não tenho tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há vários pedidos de esclarecimento se quiser responder já faça favor.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem então a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Deputado Almerindo Marques, apreciei o esforço que fez ao longo da sua intervenção para ser tranquilo. Anotei também que evitou alguns pontos mais difíceis da polémica; por exemplo, o Sr. Deputado não retomou a decantada perspectiva da entrada na CEE como um argumento fundamental - aliás, esse consta do preâmbulo da proposta de lei e acho que fez muito bem em não entrar por esse caminho que está mais que refutado por muitos dos seus camaradas de bancada.
Queria colocar-lhe várias questões. O Sr. Deputado, apesar de tudo, deixou transparecer as preocupações que tem sido as preocupações do seu partido e que são as de todos nós, que nos temos oposto - e continuamos a opor-nos- à abertura dos sectores básicos ao grande capital. Mas, por isso mesmo, porque apesar de tudo revela essas preocupações, queria perguntar-lhe: porquê legislar nesta matéria através da autorização legislativa? Não lhe parece que - apesar do esforço que fez para ser tranquilo -, sendo um terreno perigoso, o melhor seria ser a Assembleia a legislar nesta matéria, podendo todos os Srs. Deputados do Partido Socialista dar a sua contribuição? A anterior lei de delimitação dos sectores foi feita aqui na Assembleia da República!
Os Srs. Deputados poderão dizer: bem, mas isso retardava a Assembleia, que tem de fechar em 15 de julho! Até lhe digo, mas podíamos discutir isto em Setembro! Já fizemos aqui leis em Setembro e com grande celeridade. Estou a lembrar-me que a actual Lei Eleitoral para a Assembleia da República foi feita em Setembro, juntamente com uma correcção à Lei do Recenseamento, e fizemo-lo em 15, 20 dias! Portanto, era perfeitamente possível fazer isso em Setembro e ser a Assembleia a intervir, ser a Assembleia a acautelar aquelas questões que, a todos nós, parecem ser de acautelar.
O Sr. Deputado quando falou da importância estratégica da banca na nossa economia não terá provado de mais? Por aquilo que o Sr. Deputado diz até parece que não haveria perigo em abrir tudo, entregar toda a banca ao grande capital, reconstituir os velhos grupos, vindo de novo o Sr. Champalimaud, o Sr. Mello, o Sr. Espírito Santo, etc. Dá a ideia que não haveria perigo nenhum nisso? Porque é tão pouco importante, pesa tão pouco, a sua estratégia é tão irrelevante. Então, por que não?! ...
O Sr. Deputado não terá provado de mais, na ânsia de mostrar que não há perigos? E essa maneira de mistificar o problema que aqui nos traz e as preocupações que temos adiantado?! ...
Repare, essas preocupações não foi esta bancada que as inventou aqui à pressa! ... São preocupações que têm sido manifestadas ao longo de anos por figuras muito destacadas, muito experimentadas, até mesmo por técnicos reconhecidos do seu partido e também por dirigentes, desde o Secretário-Geral do seu partido ao actual Ministro de Estado, e tantos outros. Não se pode, com uma pedrada, fazer esquecer esses perigos.
Diz o Sr. Deputado que os perigos não são esses ... Digo-lhe mais, Sr. Deputado: são e grandes! Mais, não sei se cus senhores daqui por 1 ano não estarão

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a pedir mais! Da parte da bancada do CDS já hoje reclamaram mais, reclamaram a abertura de tudo!
A anterior Lei de Delimitação dos Sectores só previa sociedades de investimento, sociedades de desenvolvimento, agora é a abertura da banca ao grande capital. O que é que não vão pedir mais?! ...
E, rematando, Sr. Deputado, se não faz nem mal nem bem, então, por que é que se vai abrir - segundo a vossa proposta, veremos o que vai acontecer na vida - a banca, os seguros, os cimentos, os adubos, à iniciativa privada? Qual é a vantagem para a economia nacional, uma vez que o Sr. Deputado não a demonstrou?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sn a Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado, ouvi com atenção a sua intervenção e o Sr. Deputado terminou-a considerando que era um benefício para a banca nacionalizada a sua abertura ao sector privado. Era uma forma de defender o próprio sector nacionalizado. Pergunto-lhe, Sr. Deputado: por que é que, então, o CDS, que é tão adverso às nacionalizações, está do seu lado? Por que é que, então, o CDS, que sem dúvida nenhuma representa os sectores mais interessados, defende claramente aqui os interesses do capital e que é tão contra as nacionalizações, está do seu lado? E por que é que o Partido Socialista quando defendia, clara e inequivocamente, as nacionalizações não usou essa forma, que, afinal, acaba de descobrir, para defender o sector nacionalizado, isto ê, abrir o sector público ao sector privado?
Disse o Sr. Deputado, a certa altura da sua intervenção, que a banca não é um sector muito rentável, foi esta exactamente a sua frase e tomei nota dela. Mas Sr. Deputado, a banca privada é mais rentável? Será, no seu entendimento, mais rentável a banca privada do que a nacionalizada? Creio que responsabilizou por isso - e isso deduz-se da sua intervenção a forma como tem sido gerida a banca nacionalizada, isto é, a culpa tem sido dos gestores que não têm sabido gerir a banca nacionalizada.
Os gestores da banca nacionalizada não são piores nem melhores do que aqueles que vão fazer a sua banca privada.
Mas há uma questão que gostaria de lhe colocar, Sr. Deputado: os lucros da banca nacionalizada, os tais poucos lucros que no seu entendimento existem, revertem para toda a sociedade portuguesa. E os lucros da banca privada para quem é que vão reverter? Vão servir para quê? Vão servir para melhorar o nível de vida, para resolver problemas como o desemprego, para resolver a situação dos reformados? .
Sr. Deputado, em Portugal temos 1 600 000 reformados que neste momento vivem abaixo das condições mínimas de subsistência.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Mas temos também, por exemplo no distrito de Aveiro - ainda ontem vi isso -, quem gaste por dia, em jogo. no Casino de Espinho, 11 000 contos.

E isto que vai ser alterado com os lucros da banca privada ou, pelo contrário, estas distorções vão ser agravadas pelo desvio de dinheiro, que hoje reverte para toda a sociedade, para os bolsos de uns quantos, uns antigos ou uns outros que entretanto surgirem?
O Sr. Deputado referiu várias vezes que a banca nacionalizada melhoraria com a concorrência da banca privada. Mas se a questão é só de gestores por que é que, então, o seu partido não coloca esses tais bons gestores que existiram no nosso país a gerir a banca nacionalizada, que, afinal, serve todos os portugueses? São tão antipatriotas que só querem ter a sua banca, ou é tudo uma questão de lucros e dos fins que esses lucros terão, no caso de serem para proveito próprio, no caso da banca nacionalizada, para proveito do País?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Almerindo Marques, não ouvi toda a sua intervenção, no entanto numa parte que ouvi houve algumas considerações que merecem pedidos de esclarecimento.
Começaria pelo fim da sua intervenção. Contrariamente ao que o Sr. Deputado havia dito antes, ou seja, de que com este diploma não havia perigo nenhum para a banca nacionalizada, pôs uma série de reticências em termos da abertura. Manifestou grandes preocupações no sentido de que não sejam postos era causa os postos de trabalho para que, antes da abertura, se faça a estruturação do sector nacionalizado, para que se garanta a defesa desse sector, etc.
Dar um salto destes não será um golpe de rins demasiado apertado, que pode partir a espinha?
Uma segunda questão: diz o Sr. Deputado que não é viável que seja através da banca que se consigam capitais próprios para se cobrir interesses industriais e assim criar o capital financeiro. Oh, Sr. Deputado, os privados querem a banca precisamente para não terem de utilizar capitais próprios, para poderem utilizar capitais alheios! Se se tratasse de um problema de capital próprio, se isso servisse para se arranjarem capitais próprios, não precisavam da banca, entravam com esses capitais!
Os privados querem, pois, a banca não para entrarem com capitais próprios mas sim para utilizarem capitais alheios. Essa é que é a grande questão, que o Sr. Deputado conhece muito bem. E já aqui foi referido, por mais de uma vez, o problema do multiplicador de crédito, que convém não esquecer,
O Sr. Deputado colocou também a questão de se será possível controlar o crédito que eventualmente venha a ser concedido para opções que não se justificam e que não se justificam no interesse do País, etc.
Mas, Sr. Deputado, ainda há dias ouvimos aqui o Sr. Ministro das Finanças e do Plano dizer que neste momento não há controle na própria banca nacionalizada, que é difícil o controle do seu crédito, tendo até dado o exemplo real de que os bancos preferem pagar multas porque ultrapassam as orientações do Banco de Portugal e, em determinada medida, as do próprio Governo.
Ora, se isto se passa com abanca nacionalizada, onde o Governo pode ter um controle muito maior,

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até pelos gestores que põe à frente desses bancos, como é que se pode fazer esse controle na banca privada?

Sr. Deputado, isto é um assunto sério, é uma lei séria, fundamental para o nosso pais, e não podemos tentar escamotear algumas coisas, embora isso possa, em determinadas alturas, ser ditado pela necessidade de se arranjar uma justificação qualquer para podermos apresentar um determinado voto, a fim de fazermos uma determinada votação que eventual e internamente nos possa custar muito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O Sr. Deputado Almerindo Marques falou aqui em problemas técnicos e quis também centrar um pouco da discussão num problema técnico.

A questão que lhe coloco é, pais, esta: mais bancos para quê? O PSD já aqui disse que mais bancos dados ao grande capital não vão embaratecer o crédito, não vão dar mais crédito e nem sequer o vão racionalizar.

Então para quê mais bancos? Diz o Sr. Deputado: «é porque vai haver mais investimento». Que investimento? Parasitário? Especulativo? E quem é que reivindica mais bancos? São os pequenos empresários? São os trabalhadores? Não é o grande capital? Quem é que aqui, na Assembleia da República, reivindicou sempre, a abertura da banca à iniciativa privada? Não foi o CDS e o PSD?

O Sr. Deputado diz: «bom, mas não há problemas de poder económico, não há possibilidade de se reconstituírem os grandes grupos económicos, nada disso está demonstrado». Eu pergunto: então como é que comenta a intervenção do secretário-geral do Partido Socialista de que abrir o sector bancário à iniciativa privada era furar a Lei das Nacionalizações e pôr em causa as próprias nacionalizações?
E como é que comenta a intervenção do Partido Socialista em 1980, 1981 e 1982 que afirma o seguinte: « o que está em causa no sector bancário, na sua abertura ao sector privado, é que a partir da criação de um banco com algumas centenas de milhões de contos se pode controlar a movimentação de muitos milhões de contos. O que está em causa é um problema de poder e não um problema de respeito de regras; o que está em causa é a vasta influência social e política como seja, por exemplo, no controle. dos meios de informação, o que se pode obter através do uso do crédito que nunca poderá nem deverá ser controlado em detalhe casuístico» ?
Era isto o que o Partido Socialista afirmava. Que grande cambalhota, Sr. Deputado, para trás, para a frente e para todos os lados!
Ainda uma outra questão técnica: um actual deputado da sua bancada disse que a abertura da banca à iniciativa privada só vai facilitar a baldeação de capitais para o estrangeiro.
Talvez não saiba - o Sr. Deputado lê as coisas apressadamente- que neste momento há, em depósitos, cerca de 57 milhões de contos da banca nacionalizada no estrangeiro.
Com a banca privada quanto é que lá não ficaria? Isto é, dos depósitos, quanto é que não ficaria no estrangeiro? Sendo a sub e a sobrefacturação um dos problemas postos pelo Dr. Mário Soares durante a campanha eleitoral, quanto é que lá não ficaria?
Depois, o resultado é este, Sr. Deputado: o total dos resultados líquidos da banca nacionalizada atingem 20,6 milhões de contos. Da distribuição desses resultados coube ao Estado o montante de cerca de 15 milhões de contos. E com a banca privada quanto é que lhe caberia?
Estamos elucidados, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para evitar o incómodo ao Sr. Deputado Almerindo Marques de não ter tempo para me responder ou de não o querer fazer, prescindo do uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques, para responder, se o desejar.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - O Sr. Presidente fazia o favor de me informar de que tempo disponho?

O Sr. Presidente: - Posso informá-lo do tempo que o Partido Socialista já utilizou, ou seja, 51 minutos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, queria recordar à Mesa que, neste debate, o Sr. Deputado Almerindo Marques tem a liberdade de, em resposta a pedidos de esclarecimento gastar o tempo que entender.
Sempre poderá argumentar com razões de autocontenção, mas essas razões não são da Câmara, são só do Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Segundo o Regimento, o Sr. Deputado Almerindo Marques dispõe de 15 minutos para responder, dado terem-lhe sido formulados 5 pedidos de esclarecimento.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Penso que devo responder, embora isso me traga algumas inconveniências, até porque este é o terceiro debate que se desenvolve nesta Câmara sobre este assunto.
Começava por dizer ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira que lhe agradeço ter prescindido das perguntas mas também por me ter dado a oportunidade de informar que responderei porque, como é óbvio, nunca deixaria de o fazer por outras razões senão por problemas de tempo.
Diria de seguida que o meu esforço de tranquilidade não existe. Sou tranquilo! Isto é para o Sr. Deputado Carlos Brito.

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Não foquei, naturalmente, argumentos que já estavam focados, independentemente da sua valia. Foi só por isso que não me referi concretamente ao problema da CEE.
Voltando um pouco atrás, às primeiras perguntas que me foram formuladas pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, diria que, como é óbvio, não se pode analisar a importância do sector bancário apenas pelou índices que refen. Tal evidência resulta também do facto de eu ter referido que, quanto ao peso político, que não via - a partir da situação actual, da existência de um largo sector público nacionalizado na actividade bancária- possibilidade de reconstrução de centros de poder e de decisão contrários aos conceitos que defendo, isto é, aos princípios da democracia política e aos do socialismo democrático.
Quanto à segunda questão que me colocou, direi que é óbvio que depende da dimensão da empresa o falar-se ou não de volumes da capital. Mas existem experiências noutros países, dos mais variados quadrantes geográficos, e poder-lhe-ia dizer que se tem de encontrar um meio termo de modo a não se equiparar a abertura de bancos à abertura de lojas de barbearia - peço desculpa, não é ofensa aos barbeiros nem ao interpelante- mas também não se podem arranjar critérios tão fechados que ou tornassem impossível ou não realizável o objectivo de abertura do sector ou, se o permitissem, o fizessem em número muito restrito. É in medium virtum est que se terá de encontrar solução.
Dir-lhe-ei que ainda não há aqui problemas de inocuidade. É óbvio que isto é um problema sério e com seriedade deve ser abordado.
Esta seriedade é, aliás, no meu entendimento, uma das boas razões por que o Partido Socialista tem trabalhado bem este assunto.
Voltando ao Sr. Deputado Carlos Brito, que tive muito gosto em ouvir - aliás, a primeira vez, na minha qualidade de deputado - sobretudo pela gentil forma como se me referiu, dir-lhe-ia que, além de ser naturalmente tranquilo, como já referi, também não defendo princípios - como irá ter oportunidade de ver mais vezes nesta Câmara - que não tenham no meu íntimo nenhum eco. Princípios que não tenham eco não serão por mim defendidos!

A Sr.º Zita Seabra (PCP): - Nunca diga desta água não beberei!

O Orador:- Isto dar-me-á força para a resposta que lhe vou dar a seguir.
Quanto á autorização legislativa, de verdade não responderei mais; o meu partido já respondeu no momento próprio.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mal!

O Orador: - E a sua opinião, Sr. Deputado!

Em relação a «defender com calor a mais e se esqueço a importância estratégica» devo dizer-lhe que não defendi com calor, foi com a tranquilidade própria de quem acredita no que está a dizer.
Naturalmente que aquilo que foi referido, como cautelas parece que dúvidas, não é mais nem menos do que, citando o Programa do Governo e as intervenções de alguns dos seus membros, ter em conta as cautelas que se devem ter no tratamento deste tema:

O Sr. Deputado referiu que haverá sectores económicos, sociais e políticos que terão a teoria de cada vez pedir mais. E bem provável, mas, nessa altura, quando pedirem mais do que o Partido Socialista entende dar, é óbvio que, como é prática em democracia política, não estaremos em desacordo.

A Sr.ª Deputada Zita Seabra focou várias questões, embora só tenha formulado duas. Dir-lhe-ei que o benefício para a banca nacionalizada é, no meu entender, o que já foi referido na minha intervenção.
Se o CDS também preconiza a abertura da banca privada, das duas uma: ou a preconiza nos precisos termos em que o Partido Socialista a preconiza - e não vejo razão para rejeitar essa concordância - ou a preconiza em termos diferentes, e nessas circunstâncias o CDS explicá-lo-á.
Quanto ao aspecto da rentabilidade do sistema bancário - aliás, foram depois avançados números por um camarada seu de bancada - penso que é preciso meditar na rentabilidade apurada desses números e sobretudo ter em conta que a actividade bancária - e ainda bem que assim é - está condicionada, nas suas contas de exploração, por critérios de natureza político-económica, pelo que não poderemos fazer um juízo absoluto dessa rentabilidade apurada anualmente nos balanços.
Perguntou-me a Sr.ª Deputada se a banca nacionalizada está mal gerida. Dir-lhe-ei, com a mesma sinceridade que ponho nas minhas intervenções, como disse ao Sr. Deputado Carlos Brito, que seria para mim muito cómodo dizer que não sei. Mas avanço mais e digo-lhe que, como é normal, só está satisfeito com aquilo que faz quem não é capaz de fazer melhor. Ora, penso que se pode fazer melhor!
E natural e é óbvio que, em face disto, a gestão do sistema nacionalizado não é só um problema de gestores, mas é o também.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu que eu disse que não havia perigo e que depois fiz como que uma espécie de golpe de rins.

Por acaso até sofro dos rins, não fiz grande golpe e. fui, pode crer - a menos que o defeito só exista na exposição -, bastante coerente. Fui dizendo que - e fui sempre referindo a partir de uma determinada situação já existente no sector público -, abrindo-se com as cautelas que o Governo enuncia, não vejo que existam dificuldades. Terminei dizendo que até vejo vantagens para o sector nacionalizado.
Quanto ao capital financeiro, o que quis dizer é que não é a partir dos bancos que se realizam excedentes para se fazerem investimentos industriais. Disse que é através dos capitais alheios que angariam, isto é, dos seus passivos.
Saiam as regulamentações como devem sair e é óbvio que se controlarão as concessões de crédito, e mais: as concessões de crédito, a um só cliente; e mais ainda: as concessões de crédito a um cliente e mais clientes pertencentes a grupos. Isto é feito em qualquer país da Europa!
Referiu uma citação do Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Penalizo-me porque não a registei. Parto do pressuposto de que foi feita.
Disse também o Sr. Deputado que não há controle. Bom, eu preferia dizer que há deficiências de controle. Mas digo-lhe, Sr. Deputado - não sei se com escândalo para si -, que se existirem bancos privados

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existirão melhores condições para que sejam cumpridas as orientações do banco central.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Porquê?

O Orador: - Porque se houver um poder político responsável pela função social desta actividade é óbvio que se penalizará de tal modo que em relação ao sector bancário privado, a quem dói a fazenda, haverá muito mais aproximação ao cumprimento do que aos gestores públicos, que podem ter a tendência de «em casa do nosso compadre dou a fatia ao afilhado» ...

A Sr.ª [Ida )Figueiredo (PCP): - Então, quer dizer que até agora não tem havido um poder político responsável?! ...

O Orador: - Tire as suas conclusões, Sn a Deputada!
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas, como vai ter oportunidade de constatar nesta Assembleia, poderá dizer que talvez não saiba que eu dirijo; mas dizer que eu não sei ou desconheço determinados factos é um juízo apriorístico, tire ele a conclusão que entender.
Dir-me-á: mais bancos para quê? Procurei explicar, aliás dentro da filosofia da proposta do Governo, que se não vejo perigos, acautelados os mecanismos de abertura, posso admitir vantagens, algumas das quais já aqui refen. Então, mais bancos para quê? Precisamente para isto!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para dar um quarteirão a cada um!

O Orador: - Não, Sr. Deputado!
Depois, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas fez mais uma citação do passado, citando uma frase ao que suponho do secretário-geral do meu partido. Dir-lhe-ei que tenho os olhos na testa, olho para a frente e não olho para trás. Proeuro assumir com coerência os meus actos e naturalmente que afirmações e atitudes em momentos diferentes têm também fundamentações diferentes.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Há princípios!

O Orador: - Sr. Deputado, há princípios e um deles é precisamente o de analisar com clareza os momentos concretos, a situação e o momento político determinado em relação às questões que se querem analisar e decidir.
Já agora, devo dizer - talvez seja um recado com vista às minhas futuras intervenções nesta bancada que procurei, com sinceridade, convergir ou divergir, sem complexos, quer com os Srs, Deputados do Partido Comunista, quer com os Srs. Deputados de qualquer grupo parlamentar.
Direi ainda que dificilmente procurarei fazer juízos éticos. Farei com certeza juízos políticos.
Fui mais longe do que pretendia mas queria, respondendo às interpelações que me foram feitas, realçar mais uma vez que a tranquilidade resulta de 2 factos: primeiro, a consciência dos prós e dos contras devidamente ponderados da abertura dos sectores à iniciativa privada; segundo, da certeza que tenho, quer pelas

intervenções dos seus membros, quer pelo próprio Programa, de que o Governo actuará com a prudência que a matéria aconselha.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.

O Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Tive oportunidade, há escassos dias, de expressar aqui a minha solidariedade com o novo Governo na altura em que o respectivo Programa foi discutido. E tive oportunidade de expressar que isso se baseava, antes de mais, numa atitude pessoal de solidariedade por quem assume responsabilidades numa época em que a crise continua, e vai ser necessário continuar a adoptar medidas de rigor que nem sempre produzem fruto a tempo de se verem os resultados durante a vigência da mesma acção governativa.

Penso que é até um dever de solidariedade para com o povo português em épocas de crise apoiar o Governo e não enfraquecê-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto porque todos os países nestas épocas precisam de governos eficazes e fortes e não de uma guerrilha constante com maiores dificuldades para o nosso povo num futuro imediato.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Mas tive também oportunidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de dizer que não era basicamente nessas razões pessoais mas em argumentos objectivos que eu apoiava a minha atitude. Porque o Governo tinha posto, de uma forma clara, a necessidade de acções, simultaneamente, de curto, médio e longo prazo e não se propunha meramente gerir nova crise - o que seria meritório mas insuficiente- mas propunha-se também preparar e dar corpo à necessária prioridade do desenvolvimento e levar a cabo as profundas alterações de estrutura que são indispensáveis e urgentes.

Estamos exactamente neste momento a discutir um dos casos em que a autorização legislativa que o Governo nos pede é necessária para a alteração de estruturas, e para preparar os caminhos de um desenvolvimento diferente.

E isso seria suficiente porque mal estaria que tivéssemos aprovado o Programa do Governo há tão pouco tempo e estivéssemos agora a inviabilizá-lo na prática.

Estamos num momento em que 3 das principais forças políticas apoiam esta alteração que o Governo pede. A oposição tem sido principalmente manifestada pelo Partido Comunista Português e não se estranhará que me refira por vezes a alguns dos argumentos que essa banca avançou.

Tendo esperança que se trate de um debate ainda em termos de esclarecimento mútuo e não de mera repetição de slogans que muitas vezes já nos parecem gastos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Permitam-se que lembre em primeiro lugar e porque algumas das intervenções o têm referido, que não foi da coligação governamental do PS com o PSD que nasceu a mudança da atitude do Partido Socialista.

Isso seria legítimo porque um governo de coligação tem uma lógica diferente da lógica de cada partido coligado. No entanto, o processo foi muito mais claro em termos democráticos.

Não precisa o Partido Socialista da minha opinião nesta matéria, mas foi transparente para o País e para todo o povo português, que o programa eleitoral do Partido Socialista não deixou dúvidas sobre a intenção de rever a lei de delimitação dos sectores. Ora esse programa foi ratificado por uma percentagem muito substancial do nosso povo.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Não deixa também lugar a dúvidas a intervenção corajosa e clara do Sr. Deputado João Lencastre, no sentido de que o Centro Democrático Social gostaria de ir mais longe mas de que não tem reservas em avançar agora neste caminho que é indispensável fazer.

Não é, evidentemente, necessário relembrar que a posição do PSD é de longa data e assenta em razões muito fundas. Para nós a social-democracia no domínio político não é destrincável de uma economia de mercado e do fomento da criatividade das empresas ao nível do aparelho económico.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Restauracionismo. Saudades dos velhos tempos!

O Orador: - Sr. Presidente,. Srs. Deputados: Se bem percebi há um grande argumento que o Partido Comunista usa, com várias subalíneas, que é o de que a não abertura destes sectores à iniciativa privada resulta da defesa dos interesses dos trabalhadores e da necessidade de impedir que a abertura ao capital monopolista, como dizem, vá pôr em causa o controle do poder económico pelo poder político.
Há ainda um segundo argumento, para miro de natureza conjuntural e que até enfraquece a lógica da argumentação - e digo de natureza conjuntural porque teria no tempo um horizonte limitado a épocas de restrições no crédito -, que assenta na dúvida sobre a vantagem da existência de banca privada uma vez que o volume de crédito a distribuir seria o mesmo e em condições idênticas.
Penso que a Assembleia tem presente essa argumentação e por isso passo agora, de uma forma breve, às razões em contrário que me parece ser necessário alinhar.
Antes de mais deve ser dito que não é, por parte dos partidos que apoiam o Governo e por parte do Governo, um qualquer princípio de filosofia política contra as empresas públicas o que leva a abrir estes sectores à iniciativa privada.
O Partido Comunista Português sabe isso mas pela repetição em que insistentemente cai quer-nos convencer que ainda o não percebeu.
Talvez isto resulte, lembrando uma intervenção feita pela bancada do Partido Comunista, hoje de manhã a propósito de outro tema, do esquecimento de que a ditadura política nunca favorece a inovação e a criatividade. O mesmo acontece na economia.
Em liberdade, quer económica quer política, não é necessariamente uma visão simplista dos acontecimentos que permite resolver melhor os problemas da população portuguesa.

Foi aqui relembrado - e isso merecia uma maior coerência entre a primeira e a segunda parte da sessão de hoje- que António Sérgio sempre nos alertou contra o excesso de simplismo político e o dever de encarar, com a complexidade que têm, os problemas que se nos põem.

Não está em causa um problema de boas e más soluções apriorísticas. Trata-se de um problema de compreensão da realidade. Nós, pela nossa parte, pensamos que a maneira como a vemos é a mais correcta e a que melhor responde aos interesses do povo português. E se não, vejamos.

Em primeiro lugar, não há incompatibilidade entre o primado do interesse político e a salvaguarda da liberdade de iniciativa económica.

Não conheço nenhuma democracia avançada que tenha conseguido conciliar o pluralismo político com uma economia centralizada e que reserve para o Estado o monopólio de sectores tão vastos como em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em todos os países em que a liberdade do povo na escolha dos seus representantes e o controle da acção do executivo no dia-a-dia assegura um primado do político, há também liberdade de iniciativa e de clara concorrência entre empresas de Estado e empresas privadas, muitas vezes com importantes posições dos dois tipos de iniciativa.
É, portanto, um falso argumento dizer que o controle do poder económico pelo poder político implicaria que se mantivessem sectores reservados desta natureza.

Em segundo lugar, ninguém também pensa que o interesse dos trabalhadores seria melhor salvaguardado por uma posição obscurantista que quisesse fazer parar a História e assegurar a salvaguarda das empresas que temos hoje pela impossibilidade de entrada nesses sectores de novas empresas.
Isto cheira a argumentos de outro tempo, em que se procurava impedir o dinamismo empresarial através do condicionamento industrial.

Nozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Muitas das frases que aqui ouvimos hoje assentam exactamente no mesmo tipo de argumentação. Pergunta-se: «Para quê mais empresas no sector A, B ou C se já temos tantas empresas?»
- Do que se trata exactamente, Srs. Deputados, é de não impedir que apareçam novas empresas se forem mais eficazes, já que se não o forem elas não aparecerão, nem terão lugar ao sol.
Nessa argumentação do Partido Comunista Português perpassa uma desconfiança quer mais do que implícita, e uma desconfiança clara da capacidade de resposta do sector empresarial do Estado, desconfiança de que eu não compartilho.

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Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Como é possível que empresas que tiveram o exclusivo durante mais de meia dúzia de anos, que têm uma rede de implantação de agências e de balcões em todo o país, que têm uma relação tradicional com uma clientela tão vasta, sejam desalojados rapidamente por novas empresas que surjam de um momento para o outro?
Isso é um voto de desconfiança na capacidade de quem trabalha nessas empresas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, Srs. Deputados, do que se trata é de assegurar no futuro a capacidade de proporcionar empregos estáveis e bem remunerados a quem trabalha nesses sectores.
É também curioso e deve ser lembrado que neste momento, em todos estes sectores já há concorrência de empresas não estatais. Qual a lógica de limitar a autorização às empresas que pré-existiam e não autorizar o aparecimento de novas empresas? Até por esse aspecto seria ilógico.
De qualquer modo, não se assegura uma eficácia e uma competitividade no futuro ao reservar esta concorrência para as empresas que por circunstâncias históricas existiam no ano de 1975, a maior parte delas com fortíssimos interesses estrangeiros.
Não há outra forma de assegurar a permanente dinamização dos sectores que não seja a de abrir a quem tiver mais capacidade de iniciativa e de inovação a implantação nesses sectores de novos empreendimentos.
Essa é também a garantia de que quem trabalha hoje e vier a trabalhar nessa actividade terá as melhores condições.
Vejamos, entretanto, um dos últimos argumentos, isto é, o de que seria possível, apesar dos enormes custos, por esse caminho, impedir a concorrência no futuro. A verdade é que não seria porque já neste momento novos elementos de concorrência bancária actuam cada vez mais no nosso mercado.
Como seria possível para uma economia pequena e aberta como a nossa, que tem milhões de emigrantes no estrangeiro, os quais enviam anualmente milhares de milhões de dólares para Portugal, que recebe centenas de milhar de dólares por ano de remessas turísticas e que tem por mês dezenas de milhar de operações comerciais de importação e exportação, como. seria possível, repito, eliminar os circuitos financeiros internacionais?
Sabemos que isso foi tentado em 1974 e 1975 e vimos os resultados que deu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Houve uma fuga a que nunca se tinha assistido em Portugal dos mercados financeiros nacionais e uma fuga até dos simples depósitos bancários.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso foi provocado!

O Orador: - As restrições neste domínio têm sempre efeitos preversos e dão um resultado contrário àquele que se quer, já que há necessariamente um elemento de confiança nas relações entre a banca e os seus utilizadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, poderíamos ter essa ilusão mas, veja-se, que basta ter-se um telex em Portugal, em qualquer empresa, para se fazerem negócios, efectuarem-se depósitos ou obter créditos directamente no estrangeiro.
Não é o facto de não autorizar novas implantações financeiras em Portugal que levaria a qualquer resultado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vou referir-me ainda ao problema da CEE, embora numa óptica mais geral.
E evidente que não é do interesse dos países estrangeiros que Portugal reforce o seu papel de praça financeira com capacidade de concorrência internacional.

Nunca fez parte das regras de jogo de qualquer campeonato forçar as equipas a treinarem e a prepararem-se para os desafios. É até do interesse dos adversários que não nos preparemos e que não sejamos capazes. Mas não é do nosso interesse.

Não esperaria ver da bancada do Partido Comunista o apoio a posições que fazem com que seja o sistema bancário português a ficar, ele próprio menos capaz de concorrer com o sistema bancário internacional.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Têm de ir à liguilla!

O Orador: - Os Srs. Deputados sabem, portanto, que a internacionalização da nossa economia - que foi retardada até ao 25 de Abril e que foi prejudicada durante alguns anos de crise política extrema mas que está no horizonte dos interesses do povo português e é subscrita pela grande maioria das forças que representam o nosso povo nesta Assembleia impõe que nos preparemos para ela.

Não é pelo adiamento de opções difíceis que essa preparação se faz. Há, também aqui, ressaibos do passado.

Não foi o adiar uma descolonização que salvaguardou o interesse nacional. Não é o adiar uma adaptação da nossa economia que salvaguarda o interesse nacional.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: sem querer alongar-me e sem querer entrar em tecnicismos, gostaria de me referir ainda a um outro argumento que, como referi, assume natureza circunstancial.

A bancada do Partido Comunista Português dispõe de elementos com conhecimentos técnicos suficientes para saber que a metodologia de programação monetária e financeira que é usada em Portugal não é independente dos resultados que se conseguirem na captação de depósitos no País e da captação de divisas no estrangeiro.

Se houver progressos, quer numa frente quer na outra, o volume de crédito oferecido à nossa economia

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será maior. Em qualquer caso, esse argumento seria de horizonte limitado.

Aproximo-me do fim porque penso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não é altura de nos alongarmos em detalhes.
Permito-me ainda dirigir ao Sr. Secretário de Estado três sugestões breves. Uma é a de que aproveitássemos esta ocasião - e a abertura de sectores tão importantes como estes é uma alteração substancial da nossa economia que vai permitir reduzir discriminações e, portanto, contribuir para que haja um maior elemento de confiança no nosso país - para uma maior abertura de horizontes e que, portanto, simultaneamente com essa abertura, se clarificasse perfeitamente o papel que também podem ter as instituições bancárias do sector cooperativo.

Em segundo lugar, sugeria que se tentasse que, em relação às posições do capital, se definissem regras que estimulem maior difusão desse capital - o que não é inovador, já que se tem feito em muitos países - e, ao mesmo tempo, se defina um sistema de incompatibilidade de participações, que é uma das garantias da independência dos negócios bancários na maioria dos países que têm um sistema bancário mais avançado.
A terceira sugestão era no sentido de que a revisão que está em curso de ultimação no que respeita às regras da política monetária e financeira e às atribuições do Banco de Portugal fossem aprontadas ao mesmo tempo e dentro das novas exigências.
Também aqui eu compartilho muito do que foi dito pelo Sr. Deputado Almerindo Marques. É mais fácil um controle do sistema financeiro pelo Estado quando este está mais distante e em posição mais objectiva em relação aos seus participantes - e isso será uma consequência de esses sectores passarem a ser mais concorrenciais -, do que quando há confusão da tutela de sector com a tutela de empresa.

Aproveitemos esta ocasião para que a definição de novas regras de jogo seja também feita em termos mais avançados.
Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, expressando o que penso ser uma obrigação - e isso não pode pôr em causa que haja oposições mais ou menos críticas, como também pode haver apoios mais ou menos críticos.
Neste momento penso que é do interesse nacional que expuséssemos com clareza o apoio que votamos ao Governo.
Em primeiro lugar, trata-se de uma atitude de coerência em relação à aprovação recente do Programa do Governo.
Em segundo lugar, trata-se de proporcionar ao Governo todos os instrumentos necessários. Sei por experiência própria que este instrumento é útil e necessário para reestabelecer a confiança.
Em terceiro lugar, e mais profundamente, trata-se de contribuir para que o País e a nossa economia se adaptem aos desafios que temos que defrontar inevitavelmente na ordem internacional, que são os desafios do futuro e não os do passado.

Aplausos do PSD, do PS, da ASD1 e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: Nesta problemática da abertura da banca à iniciativa privada existem duas ordens de questões. Uma delas é a própria abertura em si - aqui cada um terá as suas ideias sobre dever ou não abrir-se à iniciativa privada tal sector -; a outra ordem, e é só sobre esta que me irei pronunciar agora, diz respeito à oportunidade de uma tal abertura.
O Sr. Deputado João Salgueiro falou das condições da banca actual e de uma inexistência (pelo menos foi o que entendi) de perigos face à sua abertura neste momento.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se considera que as empresas públicas do sector financeiro estão em condições de aguentar a abertura neste momento sem perda da viabilidade de pelo menos algumas dessas unidades ou se, por outro lado, pensa que se devem criar algumas condições e, portanto, estabelecer um prazo durante o que seriam adoptadas algumas medidas de reconversão relativamente ao sector nacionalizado da banca, para esta poder aguentar o impacte dessa abertura ao sector privado.
Neste último caso, perguntar-lhe-ia que condições veria como necessário assegurar para manter tal viabilidade ou que precauções se deveriam contemplar para não inviabilizar tais unidades.
Formulava agora uma questão respeitante à gestão desses sectores. Considera o Sr. Deputado João Salgueiro que os gestores das unidades empresariais do Estado, não só da banca mas de todo o sector nacionalizado, deverão ser da confiança política do Governo ou, pelo contrário, deverão ser apenas pessoas idóneas, competentes e empenhadas na defesa das empresas?
Uma outra questão relacionada também com o que o Sr. Deputado Almerindo Marques aqui referiu, respeita ao controle da banca nacionalizada. Existe ou não, presentemente, um controle minimamente eficaz em relação à banca nacionalizada?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado João Salgueiro alinhou aqui uma série de argumentos, pretendendo serem alguns de carácter geral e outros de pormenor técnico.
Não vou discutir a qualidade dos argumentos. Começaria pelo fim, isto é, pelo seu resumo, já que o Sr. Deputado falou em 3 conclusões.
A primeira era a questão da coerência, o que nada significa para a substância uma vez que isso quer dizer tão só que se o Sr. Deputado João Salgueiro votou mal quando votou favoravelmente o Programa do Governo e vota agora novamente mal, em coerência.

A segunda grande razão era a de que seriam obrigados a dar instrumentos a este Governo justamente porque votaram o seu Programa. Devo dizer, Sr. Deputado, que mais uma vez essa obrigação decorre do mesmo vício, isto é, errou quando votou o Programa deste Governo e vai agora errar novamente.
Finalmente o Sr. Deputado João Salgueiro falou numa questão que, essa sim, tem alguma substância: a das obrigações decorrentes da ordem internacional.
O que aí disse foi, em resumo, que era fatal, necessário, importante, indispensável e inelutável a integração de Portugal na CEE.

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Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, para pedir esclarecimentos.

Vozes do PSD: - Ah! ...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Acalmem-se, Srs. Deputados. Eu julgo que o Sr. Deputado João Salgueiro clarificou muito bem porque é que nós fazemos tantas perguntas e pomos tantas questões. Ao fim e ao cabo ele disse que, no fundamental - e não me quero meter com a UEDS ou com o MDP/CDE mas foram as' palavras do Sr. Deputado -, quem está contra este projecto é o PCP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E natural que nós tentemos dialogar e mostrar quais são os malefícios desse projecto.
Sr. Deputado João Salgueiro, já aqui foi referido mais de uma vez pelo meu grupo parlamentar que d questão fundamental que está em discussão não é, digamos, o problema da concorrência entre empresas privadas e empresas públicas, e designadamente do sector bancário, mas um problema político de fundo, o problema do modelo económico-constitucional.
Mas, mesmo em termos de concorrência, gostaria de pôr 2 ou 3 questões.
Primeira questão: há concorrência desleal se for criada banca privada? Onde? Há concorrência desleal para a generalidade dos empresários portugueses porque na banca privada, sendo esta sempre de um grupo económico - e sê-lo-á obrigatoriamente- a rentabilidade será vista na perspectiva do grupo. Isto é, para facilitar - e o Sr. Deputado compreenderá a taxa de juro pelos capitais alheios recolhidos pelo grupo fica mais barata para o grupo do que para uma empresa privada qualquer que não esteja incluída nesse grupo.
Mas há mais em relação à concorrência desleal, designadamente no que diz respeito à própria banca nacionalizada em termos de rentabilidade. O Sr. Deputado sabe que a estrutura de custos da banca nacionalízada - e não é desconfiança em relação à banca nacionalizada - não pode concorrer, em termos de rentabilidade financeira, com um banco que se crie agora. E lógico, é evidente e há razões que conhece tão bem como eu para que isso seja assim. Não vamos com certeza pretender, e ninguém aqui o advogará, que se ponham no desemprego os milhares de bancários retornados que foram incluídos nos bancos na altura, digamos, sem necessidade desses próprios bancos.
Outra questão que gostaria de colocar é a da situação conjuntural. O Sr. Deputado João Salgueiro referiu-se ao problema das restrições de crédito, de haver crédito a mais, excedentes de liquidez, etc. Por acaso teve azar porque hoje o meu grupo parlamentar não se referiu a esse aspecto.
Agora, a questão de fundo é esta: mesmo quando não houver excesso de liquidez nos bancos, a capacidade de conceder crédito, de criar crédito, de criar moeda, está dependente dos depósitos e das poupanças que se consigam obter. A captação das poupanças que se consigam obter, quer em termos internos quem em termos externos, está neste momento suficientemente salvaguardada com a dimensão da banca nacionalizada. Não 6 pois necessário criar novos bancos.

Se o Sr. Deputado pretendesse criar novos instrumentos, novos mecanismos do mercado financeiro, etc., ainda poderia haver discussão. Agora, quanto a esta assunto é que não. Deveria era utilizar-se, criar-se, ou melhor, aumentar os instrumentos que já existem e são suficientes na perspectiva de captação de poupança, quer interna, quer externa.
E concretamente em relação à captação de poupança externa, o Sr. Deputado sabe tão bem ou melhor do que eu da necessidade que o país terá, em anos muito longos, de se fazer um rigoroso controle de captação da poupança externa. Terá de ter um controle muito rigoroso sobre o aumento da dívida externa. Ora, com certeza que será mais fácil o Governo controlar a dívida externa se tiver um sistema bancário nacionalizado do que se tiver um sistema bancário nacionalizado e outro privado.
Finalmente, gostaria de lhe referir o seguinte: fiquei muito admirado quando o Sr. Deputado veio, inteligentemente, dizer que o problema da CEE não é aquele problema que tem sido posto aqui porque, de facto, não é, porque esse problema que aqui tem sido colocado não existe. Simplesmente, o problema que o Sr. Deputado põe também não me parece que seja - e desculpará a expressão - muito sério. Porque dizer que o problema da CEE, ao fim e ao cabo, é querer transformar Portugal (julgo que estará a pensar em Lisboa) numa praça financeira ao nível da CEE que concorra com a praça financeira de Paris ou de Londres, ... oh Sr. Deputado, ... não vamos tão longe ... não brinquemos tanto!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Oliveira e Costa inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Oliveira e Costa (PSD): - É para um protesto contra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, mas julgo que, regimentalmente, ele terá lugar depois dos esclarecimentos que o Sr. Deputado João Salgueiro queira prestar.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O jeitoso a fazer o frete!

O Sr. Presidente: - Fica então inscrito, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, estamos a 5 minutos do termo desta fase dos nossos trabalhos.
Há ainda vários Srs. Deputados inscritos, pelo que sugeria que o Sr. Deputado João Salgueiro respondesse aos pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos e que se fizesse uma interrupção para recomeçarmos os nossos trabalhos depois do jantar.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, que me recorde, ninguém acordou que se prolongasse a sessão.
Não quer dizer que ela não se prolongue, mas os Srs. Deputados da maioria vão fazer o favor de enviar o requerimento para a Mesa, solicitando que se pro-

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longue a sessão até quando entenderem e depois votaremos. Agora, não nos peçam para estar de acordo com o desacordo!

O Sr. Presidente: - Como tinha sido decidido, ou pelo menos aceite, na reunião dos grupos parlamentares que assim seria ...

Vozes do PCP: - Não foi aceite!

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, certamente que um deputado de um dos grupos parlamentares fará chegar o referido requerimento à Mesa atempadamente.
Tem V. Ex.º a palavra, Sr. Deputado João Salgueiro.

O Sr. poào Salgueiro (PSD): - O Sr. Deputado Pinheiro Henriques, do MDP/CDE, colocou questões mais de natureza técnica, com algum interesse para o sector, suscitando apenas o problema - foi o que quis suscitar, não quer dizer que não tenha outras dúvidas - da oportunidade da abertura e perguntou se as empresas públicas financeiras estarão em condições de aguentar a concorrência.
É evidente que, em minha opinião, estão em condições de aguentar senão não defendia este ponto de vista. Só que, como o Sr. Deputado porventura sabe, a negociação que se fez com a CEE -que de negociação se tratou e mais adiante voltarei a esta questão a propósito de uma pergunta da bancada do Partido Comunista - prevê que a plena concorrência de empresas estrangeiras só se deva fazer no início da década de 90 e que os ajustamentos serão graduais.
Este período transitório não pode ser, tanto quanto penso, utilizado para adiar as necessidades de ajustamentos, deve sim ser aproveitado desde o início nesse sentido. A experiência de países com uma econoraia e um sistema financeiro até mais fortes que o nosso, como é o caso da vizinha Espanha ou da Grécia, mostram que o cuidado dos seus governos foi no sentido de antecipar as mudanças que a internacionalização da economia desses países impõe, escalonando-a no tempo.
Não tem nada de novo. Basta que tenhamos capacidade de ver o que se passou com os outros, que evitemos o que não quisermos que se repita cá e adoptemos aquilo que entendermos que se pode repetir.
Quanto à natureza dos gestores das empresas públicas, a minha resposta é perfeitamente clara - como sempre foi e muito antes de estar no Governo - no sentido de que não devem utilizar-se critérios de confiança política mas critérios de competência, porque penso, como já aqui foi dito, que a alternância impõe que não se tenha das empresas públicas uma concepção de correias de transmissão das opções políticas. E disso se tratou quer com a proposta de alteração do Estatuto dos Gestores Públicos e do Estatuto das Empresas Públicas, quer com a criação do Instituto de Gestão Financeira das Empresas Públicas.
Quanto às intervenções ' da bancada do Partido Comunista, que foram numerosas, o que talvez deva agradecer, vejo que, pela minha parte, houve. alguma «verdura» em pensar que podíamos discutir argumentos e não slogans. Porque, como diz o Sr. Depu-

tado Veiga de Oliveira, a sensação que tenho - porque já ouvi os mesmos argumentos tantas vezes e tão fora do contexto português e do momento presente no mundo- é a de que não vejo uma preocupação de coerência da parte da bancada do Partido Comunista, senão para repetir coisas que não têm fundamento.

O Sr. (Lacerda de Queiroz (PSD): -Muito bem!

O Orador: -Não quiseram ver que eu adiantei argumentos porque os esqueceram, mas esse problema não é meu.

Não conheço nenhum país, como disse, onde se tenha feito a conciliação de um sistema democrático e pluralista com um sistema de restrição do sector empresarial do Estado nestes sectores. Não me citaram nenhum. Trata-se de um modelo original, é uma opção, mas devíamos talvez informar o País de que é de facto um modelo original e dos custos que tem.

Como o Sr. Deputado Veiga de Oliveira referiu, e quanto a mim bem, o problema nasce no 14 de Março, porque o debate económico que se tinha feito no País na vigência do Governo do brigadeiro Vasco Gonçalves, não levava a estas conclusões, como o Sr. Deputado certamente sabe. O plano que estava apresentado, e que foi amplamente discutido em termos políticos e económicos, não levava a estas conclusões.
Se quiserem um debate sobre esta matéria ele deve ser feito, mas citar uma cambalhota no 14 de Março em relação a um programa que o Governo anteriormente tinha estabelecido não me parece um bom exemplo.
Eu não referi só a inevitabilidade da CEE, como dizem, o que referi foi a inevitabilidade geral da internacionalização da economia portuguesa. E se alguém tem dúvidas sobre a necessidade e inevitabilidade da internacionalização da economia portuguesa é bom que as explicite, porque a menos que queiramos circunscrever-nos neste espaço apertado, temos de nos internacionalizar. Se é na CEE, ou na EFTA, ou directamente nas corrente do comércio internacional, foi matéria que agora não discuti. O que não se pode é escamotear essa necessidade.
Também ainda o Sr. Deputado Veiga de Oliveira referiu-se ao tipo de instrumentos que podem ser usados e a minha resposta quanto a este aspecto é a mesma. Pois basta analisar a experiência desses países onde a implantação da concorrência na banca existe e é compatível com a democracia política para se saber que tipo de instrumentos é que devem ser usados. Talvez possam mandar estudar o assunto, para perceber como funciona.

. Risos de alguns deputados do PSD.

Mas não há nada de grandemente inédito.
Inédito, sim, seria compatibilizar um sistema de democracia pluralista com um sistema de restrições à iniciativa privada em sectores tão importantes como estes. Isso é que seria inédito!
O Sr. Deputado Carlos Brito diz, e muito bem, que eu não tenho sentimentos de agressividade nem em relação ao PS nem em relação ao CDS e nem os tenho, aliás, em relação ao PCP -como sabe nunca me

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Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira, para pedir esclarecimentos.

Vozes do PSD: - Ah! ...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Acalmem-se, Srs. Deputados. Eu julgo que o Sr. Deputado João Salgueiro clarificou muito bem porque é que nós fazemos tantas perguntas e pomos tantas questões. Ao fim e ao cabo ele disse que, no fundamental - e não me quero meter com a UEDS ou com o MDP/CDE mas foram as palavras do Sr. Deputado -. quem está contra este projecto é o PCP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É natural que nós tentemos dialogar e mostrar quais são os malefícios desse projecto.
Sr. Deputado João Salgueiro, já aqui foi referido mais de uma vez pelo meu grupo parlamentar que a questão fundamental que está em discussão não é, digamos, o problema da concorrência entre empresas privadas e empresas públicas, e designadamente do sector bancário, mas um problema político de fundo, o problema do modelo económico-constítucional.
Mas, mesmo em termos de concorrência, gostaria de pôr 2 ou 3 questões.
Primeira questão: há concorrência desleal se for criada banca privada? Onde? Há concorrência desleal para a generalidade dos empresários portugueses porque na banca privada, sendo esta sempre de um grupo económico - e sê-lo-á obrigatoriamente - a rentabilidade será vista na perspectiva do grupo. Isto é, para facilitar - e o Sr. Deputado compreenderá - a taxa de juro pelos capitais alheios recolhidos pelo grupo fica mais barata para o grupo do que para uma empresa privada qualquer que não esteja incluída nesse grupo.
Mas há mais em relação à concorrência desleal, designadamente no que diz respeito à própria banca nacionalizada em termos de rentabilidade. O Sr. Deputado sabe que a estrutura de custos da banca nacionalizada - e não é desconfiança em relação à banca nacionalizada - não pode concorrer, em termos de rentabilidade financeira, com um banco que se crie agora. É lógico, é evidente e há razões que conhece tão bem como eu para que isso seja assim. Não vamos com certeza pretender, e ninguém aqui o advogará, que se ponham no desemprego os milhares de bancários retornados que foram incluídos nos bancos na altura, digamos, sem necessidade desses próprios bancos.
Outra questão que gostaria de colocar é a da situação conjuntural. O Sr. Deputado João Salgueiro referiu-se ao problema das restrições de crédito, de haver crédito a mais, excedentes de liquidez, etc. Por acaso teve azar porque hoje o meu grupo parlamentar não se referiu a esse aspecto.
Agora, a questão de fundo é esta: mesmo quando não houver excesso de liquidez nos bancos, a capacidade de conceder crédito, de criar crédito, de criar moeda, está dependente dos depósitos e das poupanças que se consigam obter. A captação das poupanças que se consigam obter, quer em termos internos quem em termos externos, está neste momento suficientemente salvaguardada com a dimensão da banca nacionalizada. Não e pois necessário criar novos bancos.
Se o Sr. Deputado pretendesse criar novos instrumentos, novos mecanismos do mercado financeiro, etc., ainda poderia haver discussão. Agora, quanto a este assunto é que não. Deveria era utilizar-se, criar-se, ou melhor, aumentar os instrumentos que já existem e são suficientes na perspectiva de captação de poupança, quer interna, quer externa.
E concretamente em relação à captação de poupança externa, o Sr. Deputado sabe tão bem ou melhor do que eu da necessidade que o país terá, em anos muito longos, de se fazer um rigoroso controle de captação da poupança externa. Terá de ter um controle muito rigoroso sobre o aumento da dívida externa. Ora, com certeza que será mais fácil o Governo controlar a dívida externa se tiver um sistema bancário nacionalizado do que se tiver um sistema bancário nacionalizado e outro privado.
Finalmente, gostaria de lhe referir o seguinte: fiquei muito admirado quando o Sr. Deputado veio, inteligentemente, dizer que o problema da CEE não é aquele problema que tem sido posto aqui porque, de facto, não é, porque esse problema que aqui tem sido colocado não existe. Simplesmente, o problema que o Sr. Deputado põe também não me parece que seja - e desculpará a expressão - muito sério. Porque dizer que o problema da CEE, ao fim e ao cabo, é querer transformar Portugal (julgo que estará a pensar em Lisboa) numa praça financeira ao nível da CEE que concorra com a praça financeira de Paris ou de Londres,... Oh Sr. Deputado,... não vamos tão longe ... não brinquemos tanto!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Oliveira e Costa inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Oliveira e Costa (PSD): - É para um protesto contra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, mas julgo que, regimentalmente, ele terá lugar depois dos esclarecimentos que o Sr. Deputado João Salgueiro queira prestar.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):- O jeitoso a fazer o frete!

O Sr. Presidente: - Fica então inscrito, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, estamos a 5 minutos do termo desta fase dos nossos trabalhos.
Há ainda vários Srs. Deputados inscritos, pelo que sugeria que o Sr. Deputado João Salgueiro respondesse aos pedidos de esclarecimento que lhe foram feitos e que se fizesse uma interrupção para recomeçarmos os nossos trabalhos depois do jantar.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, que me recorde, ninguém acordou que se prolongasse a sessão.
Não quer dizer que ela não se prolongue, mas os Srs. Deputados da maioria vão fazer o favor de enviar o requerimento para a Mesa, solicitando que se pró-

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562 I SÉRIE -NUMERO 15

longue a sessão até quando entenderem e depois votaremos. Agora, não nos peçam para estar de acordo com o desacordo!

O Sr. Presidente: - Como tinha sido decidido, ou pelo menos aceite, na reunião dos grupos parlamentares que assim seria ...

Vozes do PCP: - Não foi aceite!

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, certamente que um deputado de um dos grupos parlamentares fará chegar o referido requerimento à Mesa atempadamente.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado João Salgueiro.

O Sr. Joio Salgueiro (PSD): -O Sr. Deputado Pinheiro Henriques, do MDP/CDE, colocou questões mais de natureza técnica, com algum interesse para o sector, suscitando apenas o problema - foi o que quis suscitar, não quer dizer que não tenha outras dúvidas - da oportunidade da abertura e perguntou se as empresas públicas financeiras estarão em condições de aguentar a concorrência.
É evidente que, em minha opinião, estão em condições de aguentar senão não defendia este ponto de vista. Só que, como o Sr. Deputado porventura sabe, a negociação que se fez com a CEE - que de negociação se tratou e mais adiante voltarei a esta questão a propósito de uma pergunta da bancada do Partido Comunista - prevê que a plena concorrência de empresas estrangeiras só se deva fazer no início da década de 90 e que os ajustamentos serão graduais.
Este período transitório não pode ser, tanto quanto penso, utilizado para adiar as necessidades de ajustamentos, deve sim ser aproveitado desde o início nesse sentido. A experiência de países com uma economia e um sistema financeiro até mais fortes que o nosso, como é o case da vizinha Espanha ou da Grécia, mostram que o cuidado dos seus governos foi no sentido de antecipar as mudanças que a internacionalização da economia desses países impõe, escalonando-a no tempo.
Não tem nada de novo. Basta que tenhamos capacidade de ver o que se passou com os outros, que evitemos o que não quisermos que se repita cá e adoptemos aquilo que entendermos que se pode repetir.
Quanto à natureza dos gestores das empresas públicas, a minha resposta é perfeitamente clara - como sempre foi e muito antes de estar no Governo - no sentido de que não devem utilizar-se critérios de confiança política mas critérios de competência, porque penso, como já aqui foi dito, que a alternância impõe que não se tenha das empresas públicas uma concepção de correias de transmissão das opções políticas. E disso se tratou quer com a proposta de alteração do Estatuto dos Gestores Públicos e do Estatuto das Empresas Públicas, quer com a criação do Instituto de Gestão Financeira das Empresas Públicas.
Quanto às intervenções da bancada do Partido Comunista, que foram numerosas, o que talvez deva agradecer, vejo que, pela minha parte, houve alguma «verdura» em pensar que podíamos discutir argumentos e não slogans. Porque, como diz o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a sensação que tenho - porque já ouvi os mesmos argumentos tantas vezes e tão fora do contexto português e do momento presente no mundo- é a de que não vejo uma preocupação de coerência da parte da bancada do Partido Comunista, senão para repetir coisas que não têm fundamento.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não quiseram ver que eu adiantei argumentos porque os esqueceram, mas esse problema não é meu.
Não conheço nenhum país, como disse, onde se tenha feito a conciliação de um sistema democrático e pluralista com um sistema de restrição do sector empresarial do Estado nestes sectores. Não me citaram nenhum. Trata-se de um modelo original, é uma opção, mas devíamos talvez informar o País de que é de facto um modelo original e dos custos que tem.
Como o Sr. Deputado Veiga de Oliveira referiu, e quanto a mim bem, o problema nasce no 14 de Março, porque o debate económico que se tinha feito no País na vigência do Governo do brigadeiro Vasco Gonçalves, não levava a estas conclusões, como o Sr. Deputado certamente sabe. O plano que estava apresentado, e que foi amplamente discutido em termos políticos e económicos, não levava a estas conclusões.
Se quiserem um debate sobre esta matéria ele deve ser feito, mas citar uma cambalhota no 14 de Março em relação a um programa que o Governo anteriormente tinha estabelecido não me parece um bom exemplo.
Eu não referi só a inevitabilidade da CEE, como dizem, o que referi foi a inevitabilidade geral da internacionalização da economia portuguesa. E se alguém tem dúvidas sobre a necessidade e inevitabilidade da internacionalização da economia portuguesa é bom que as explicite, porque a menos que queiramos circunscrever-nos neste espaço apertado, temos de nos internacionalizar. Se é na CEE, ou na EFTA, ou directamente nas corrente do comércio internacional, foi matéria que agora não discuti. O que não se pode é escamotear essa necessidade.
Também ainda o Sr. Deputado Veiga de Oliveira referiu-se ao tipo de instrumentos que podem ser usados e a minha resposta quanto a este aspecto é a mesma. Pois basta analisar a experiência desses países onde a implantação da concorrência na banca existe e é compatível com a democracia política para se saber que tipo de instrumentos é que devem ser usados. Talvez possam mandar estudar o assunto, para perceber como funciona.

Risos de alguns deputados do PSD.

Mas não há nada de grandemente inédito.

Inédito, sim, seria compatibilizar um sistema de democracia pluralista com um sistema de restrições à iniciativa privada em sectores tão importantes como estes. Isso é que seria inédito!
O Sr. Deputado Carlos Brito diz, e muito bem, que eu não tenho sentimentos de agressividade nem em relação ao PS nem em relação ao CDS e nem os tenho, aliás, em relação ao PCP - como sabe nunca me

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conheceu qualquer afirmação de anticomunismo já antes do 25 de Abril. Para mim não são jogos de palavras. Penso que há aqui uma grande ofensa à Câmara, bem como na intervenção da Sr." Deputada Ilda Figueiredo mais adiante, quando imagina que são mera mente questões tácticas que podem levar o PS a apresentar ao eleitorado um programa diferente.
Um partido que é internamente democrático, seja ele qual for, não faz mudanças destas se elas não corresponderem a uma convicção de que há um interesse nacional e uma oportunidade nacional nessas matérias.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Não é, portanto, como eu disse, qualquer compromisso com a CEE que nos levaria a assumir esta posição. Sabe o Sr. Deputado que, pela parte do PSD, esta posição é muito anterior e foram razões fundadas que nos levaram à sua defesa. E eu estou seguro que, pela parte do PS, também se trata de razões profundas que o levaram a apresentar este projecto ao eleitorado.
S6 quem não respeita o jogo democrático da soberania do eleitor é que pode ter reservas no bem fundado das decisões tomadas a partir de uma consulta ao eleitorado.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Pergunta me depois o Sr. Deputado se há iniciativas em curso da parte dos empresários. Eu desconheço se há, mas devo dizer lhe que não é essa concepção
paternalista que me orienta. Não é pelo facto de haver ou não haver iniciativas que venham a acontecer nos próximos meses ou nos próximos anos que temos a obrigação de manter a discriminação contra empresários portugueses. E é disso que se trata. E nem seria eficaz, Sr. Deputado, porque isso levaria apenas
a que se os empresários portugueses quisessem trabalhar em Portugal tivessem de se instalar nos países estrangeiros e, depois, abrissem filiais em Portugal.
Como, aliás, neste momento acontece em França: quem quiser trabalhar no sector bancário em França, basta que se instale no Luxemburgo ou na Suíça para continuar a ter actividades de banca privada!

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Então não é tão original!

O Orador: - Quanto ao argumento de natureza política que o Sr. Deputado usou, nacionalização e descolonização, não foi isso que eu disse. O que disse é que argumentos passadistas para adiar a necessidade de uma adaptação do País, seja ela à descolonização ou à internacionalização da economia, cheiram ao mesmo tipo de atitude, que não tenho objecção em aceitar, mas teria esperança que, para bem do nosso povo, desse lugar a outros tipos de atitudes mais abertas ao futuro.

Vozes do PSD:- Muito bem!

0 Orador: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas pergunta-me ... suponho que, talvez, nem lhe devesse responder porque a maneira como põe a pergunta é «se eu considero que o único interesse da abertura destes sectores à iniciativa privada é o salvar as empresas públicas». Expliquei várias vezes antes de estar no governo, no governo e aqui, que não é disso que se trata' 0 Sr. Deputado ouviu me várias vezes, e até pessoalmente. Sabe que não é isso.
Quanto ao problema do «peixe grande a comer o peixe miúdo» isso lembra me outras histórias, mas não é disso que agora se trata, Sr. Deputado. Do que se trata é de dar a oportunidade a todos os portugueses de terem no seu País o mesmo direito que têm no estrangeiro.
O Sr.º Deputado pode não compreender isso ...

0 Sr.º Carlos Carvalhos (PCP): - Dá me licença, Sr' Deputado?

O Orador: -N o fim, se quiser, Sr. Deputado.
Como eu ia dizendo, o Sr. Deputado pode não compreender isso mas trata se de dar a todos os portugueses a mesma oportunidade. E mais, cita me o exemplo da França, quando sabe que há grandes diferenças em relação à forma como foram feitas as nacionalizações em França e em Portugal e quando me cita o caso do México, cita me um exemplo muito infeliz por todas as razões que conhece.

Risos do PSD.

Quanto à França, o Sr. Deputado sabe que as nacionalizações foram verdadeiras nacionalizações com compensação e com títulos que correspondem ao valor de mercado; sabe que não foi uma nacionalização do sector, mas apenas das principais empresas; sabe que o sector de empresas públicas francesas está aberta ao accionariado privado, designadamente dos trabalha dores; sabe que a experiência da banca francesa nacionalizada - e já é antiga tem sido sempre exercida em termos de concorrência de mercado e não de intervenção do poder político.
Relativamente, às intervenções da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, e quanto ao estilo de argumentos que usou, penso que o estilo dos argumentos que usamos nunca desqualificam a quem se dirigem mas quem os usa.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

A Sr.ª Deputada sabe, até porque já me ouviu algumas vezes, que é da liberdade económica que se trata, não é de uma liberdade sem regras - nem haveria lugar a qualquer dúvida quanto a isso -, tem regras claras, iguais para todos e baseadas no interesse nacional e não no obscurantismo ideológico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - 0 pragmatismo impõe que saibamos tomar as lições dos outros e não tomemos como bons só os argumentos que nós próprios conseguimos congeminar, que trabalhemos à base de realidade e de factos e não à base de especulações, Sr.º Deputada!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Devolvo-lhe o argumento!

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564 I SÉRIE - NÚMERO 15

O Orador: - Quando me pergunta a liberdade para quem, respondo-lhe liberdade para quem quiser ter participações. Sabe que em Portugal não foi um critério de riqueza que levou às nacionalizações. Quem tinha grandes depósitos bancários não foi afectado, quem tinha meia dúzia de acções foi profunda mente afectado' Não foi de um critério de justiça que se tratou, ...

Aplausos do PSD e do PS.

... foi de um critério de intervenção política. E também quanto à reforma agrária, a Sr.ª Deputada sabe que o critério que se usou não foi um critério de privilegiar quem tinha trabalhado para o progresso da agricultura, porque a pontuação era, não em função das aptidões, mas em função da capacidade daquele momento. Quem investiu foi penalizado, quem não investiu foi pior tratado.

Aplausos do PSD.

Há outro argumento que a Sr.ª Deputada usa sobre a venda de empresas. Sr.ª Deputada, a venda de em presas foi apresentada ao País no programa eleitoral da AD, foi ratificada pelo povo português, não ponha sempre em causa a vontade do nosso povo, baseada em argumentos que penso que terão o mérito que têm, mas não substituem uma escolha clara. Quanto ao caso do acordo com o Sr. Jorge de Brito. Como foi feito um pedido de esclarecimento à Assembleia, teremos oportunidade de voltar a ele, mas a Sr.ª Deputada sabe, tão bem como eu, que foi uma negociação longa em que entervieram várias entidades que não tenho nenhuma razão para considerar sujeitas a qualquer interesse menos límpido - designadamente a administração da FINANGESTE e do Banco de Portugal e sabe que mesmo em relação aos advogados do Sr. Jorge de Brito, não tenho nenhuma razão para suspeitar da sua limpidez de interesses. São pessoas em relação às quais não tenho nenhuma razão para as pôr em causa. A Sr.ª Deputada porá, se entender, pela minha parte, até prova em contrário, não porei.
0 Sr. Deputado Octávio Teixeira alonga se em grandes argumentações sobre a concorrência desleal. E se a sua preocupação fundamental fosse a de assegurar uma concorrência leal, acho que valeria a pena gastarmos aqui tempo.
Se quiser, discuti-lo-emos noutra altura.

Tenho a agradecer-lhe, o que não fiz ainda porque não queria que fosse tomado como impertinência, o ter recordado que eu tenha tido intervenções que vão mais além do que aquela que tive hoje aqui. Faço o por uma procuração de verdade, as ideias que tenho defendido neste momento não são diferentes, são mais moderadas do que as que defendi há uns anos atrás, quando era mais difícil. Não é por uma questão de oportunismo que agora estou a defender estes ponto de vista. Parto do princípio que o seu ataque à concorrência terá um tecnicismo que, neste momento, não valerá a pena desenvolvei.
Quanto à captação de poupanças, o Sr. Deputado, sabe que eu tenho razão. Esses argumentos de autoridade, de proibir os cidadãos portugueses de colocarem as suas poupanças onde querem e de tentar, pela via burocrática, levá-los a salvaguardar o interesse nacional, nunca resultou em país nenhum. Foi por isso que o México teve de nacionalizar a banca e não pelo contrário!

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Ah! Ah! Ah!

O Orador: - Sabe também, Sr. Deputado, que quando se experimentou isso em Portugal mesmo em relação aos depósitos, como já referi, houve uma maior sangria em todo o sistema bancário como nunca mais houve. E sabe muito bem que, ou nós estabelecemos uma relação de confiança com os nossos agentes económicos que têm relações com o exterior, ou não caminharemos nesse sentido.
Não é, portanto, mais fácil através de uma via meramente burocratizante controlar os movimentos de capitais externos. Ninguém acredita nisso, quando tem algum sentimento de experiência de como é que funciona os mecanismos económicos e financeiros.

Não disse que era grande objectivo, e com isto termino Sr. Deputado, transformar Portugal numa praça financeira. Não foi isso que eu disse - mais uma vez há aqui uma distorção! - o que disse é que não vamos pedir aos estrangeiros que defendem o que é do nosso interesse e que não vamos pedir aos estrangeiros que definam quais são as regras eficazes para progredirmos nesse' domínio.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI

O Sr. Presidente: - Srs.º Deputados, está na Mesa um requerimento, que vou pôr à votação, do seguinte teor:
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer o prolongamento da sessão até à conclusão da discussão e votação da proposta de autorização legislativa n.º 2/111.

Vamos passar à votação deste requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a lavor do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI e com as abstenções do PCP e do deputado independente António Gonzalez.

0 Sr.º Presidente: - Creio, Srs. Deputados, que seria melhor fazermos agora uma interrupção, para recomeçarmos os nossos trabalhos às 22 horas e 15 minutos.
Está suspensa a sessão.

- Eram 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs.º Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos-

- O Sr- Presidente: - Para protestar relativamente a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Carvalhas ao Sr. Deputado João Salgueiro, tem a palavra o Sr Deputado Oliveira e Costa.

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O Sr. Oliveira e Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu compreendo a dificuldade técnica e política que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas tem ao formular perguntas ao Sr. Deputado João Salgueiro.

Protestos do PCP.

Compreendo-a, e julgo que toda a Câmara a compreende. Contudo, tal não possibilita que o Sr. Deputado Carlos Carvalhas, na discussão deste pedido de autorização legislativa, e de uma forma a que posso chamar de incompreensível, atente contra a dignidade e a memória de alguém que, infelizmente, se não en. contra já no mundo dos vivos, como é o caso do Dr. Francisco Sá Carneiro.

Aplausos do PSD.

0 Dr. Francisco Sá Carneiro, como homem público, como político e como estadista desta Nação teve os seus apoiantes, entre os quais logicamente se encontra a minha bancada, e os seus oposicionistas, entre os quais se conta obviamente a bancada do Partido Comunista. Agora aquilo a que o Dr. Francisco Sá Carneiro tem direito como estadista e como ex-Primeiro Ministro de Portugal - e isto tanto o Centro Democrático Social que foi governo com Francisco Sá Carneiro, como o Partido Socialista que lhe fez uma oposição leal e patriótica devem reconhecer - é ao respeito do Sr. Deputado! É que, apesar das suas insuficiências técnicas ou políticas, o Sr. Deputado não se deveria permitir falar de algo como a dívida, ou pretensa dívida, ...

Risos do PCP

... de Francisco Sá Carneiro, já que tanto o Sr. Deputado como o seu partido falam e invocam insistentemente nesta Câmara as questão do Estatuto da Oposição e a questão do respeito pelas instituições democráticas. 0 Sr' Deputado Carlos Carvalhas devia disfarçar por vezes a sua incompetência com outras actuações que não esta.
E, Sr. Deputado, face à sua inqualificável atitude, eu terminarei não com um protesto, mas com um desejo: que possa o Sr. Deputado logo à noite dormir tão bem como eu!

Aplausos do PSD, do Sr. Deputado da ASDI Furtado Fernandes, e protestos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

0 Sr. Carlos Carvalhas (PCP): -0 Sr. Deputado Oliveira e Costa, no que toca à segunda parte da sua intervenção e à agressividade que nela colocou - dizendo que eu não me deveria permitir faltar ao respeito, etc. -, fez me lembrar o Ferraz da Costa da CIP. Certamente não será só coincidência ...

Uma voz do PSD: - Provocador!

O Orador: - Mas o que eu queria dizer lhe, Sr. Deputado, é que os acórdãos dos tribunais são conhecidos! E é preciso respeitar os órgãos de soberania que são os tribunais.

0 que teria sido importante no seu protesto, Sr. Deputado, já que é dirigente da UGT, é que nos tivesse dito qual a posição da UGT sobre a abertura da banca, dos seguros e dos cimentos ao sector privado. Isso é que teria sido importante e talvez tivéssemos ficado mais esclarecidos.

0 Sr. Luís Beiroco (CDS): - Se houvesse uma Câmara Corporativa é que nós ouvíamos a posição da UGT, Sr. Deputado! Agora não!

0 Orador: - Quanto ao dormir descansado, claro que o senhor dorme sempre descansado! ...

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, peço a palavra para protestar, já que o meu Partido foi mencionado.

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr. ' Helena Cidade Moura (MDP/CDE): O Sr. Deputado João Salgueiro, quando se referiu à oposição nesta Câmara, não mencionou o MDP/CDE. Nós tomarmos isso como falha de uma pessoa que está habituada a ver a realidade de um ponto de vista globalizante e pouco concreto. Posteriormente, esse facto foi referido neste Plenário e dai a razão do nosso protesto.
O Sr. Deputado João Salgueiro referiu se à maioria de apoio parlamentar ao Governo e ao apoio que to dos '.)s portugueses devem a um governo em tempo de crise, tudo isto em termos apologéticos que nós consideramos fora das coordenadas normais da nossa actuação democrática.
Nós somos partido da oposição, não porque façamos gala disso, mas por imperativos programáticos e políticos. Para além disso, consideramos que em democracia a oposição pode ser - e neste caso concreto é mais útil ao povo português do que o seguidismo sem limites da política do poder, mesmo em tempo de crise. E mais ainda em tempo de crise!

Uma voz do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.

0 Sr. João Salgueiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que a manifestação da bancada do MDP/CDE é talvez dificilmente justificável nesta altura, porque a Sr.ª Deputada disse que tinha sido mencionada e não a mencionei. Eu compreendo a preocupação de marcar distinções em relação à bancada do Partido Comunista Português, mas era preciso que isso se traduzisse mais em factos, o que até agora não tem acontecido.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Penso que tem razão quando diz que o direito de oposição - e de uma oposição esclarecida - é útil ao País. Porém, é difícil justificar que perante problemas que devem ter uma resposta concreta e para que não

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há alternativa concreta neste momento, nos mantenhamos apenas em jogo de palavras.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr." Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado João Salgueiro, afinal tínhamos tomado o seu lapso mal. 0 Sr. Deputado quis realmente, na sua omissão, ser ofensivo, quer dizer, entende que não somos partido a mencionar como oposição. Agradeço-lhe esse esclarecimento, para saber até que ponto a sua capacidade democrática é capaz de funcionar nesta Assembleia.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.

0 Sr. João Salgueiro (PSD): - Não vou responder à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura porque penso que isso seria despiciendo não vejo que o empolar um artificialismo de divergências tenha algum fundamento, neste momento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A atitude que o Sr. Deputado João Salgueiro há pouco aqui tomou, antes do jantar, essa atitude altaneira, arrogante (Risos do PSD), completamente fora do quadro constitucional ...

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, um pouco mais de calma! Mesmo agora, depois do jantar, faz mal as pessoas incomodarem-se, enervarem-se, dificulta a digestão!

Protestos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não podemos continuar os trabalhos assim. E completamente impossível e não me parece que seja forma de proceder numa Assembleia como esta.

0 Sr. Carlos Brito (PCP): - Pois não, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Peço-vos o favor de estarem atentos.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Como ia a dizer, a atitude arrogante, altaneira, que o Sr. Deputado João Salgueiro há pouco aqui assumiu não espanta ninguém, não espanta ninguém que conheça as suas posições de colocação fora do quadro constitucional como mais uma vez aqui fez e que vêm de longa data. Todos sabemos que o Sr. Deputado sempre esteve ao serviço de interesses, a que chamou de interesses nacionais, que fez coincidir interesses de grupos económicos a quem sempre serviu ...

Protestos do PSD e do CDS.

... com interesses nacionais. E aquilo a que assistimos há bocado foi, mais uma vez, a uma reafirmação desses princípios.
Há aqui, pelo menos, uma linha de coerência da sua parte, o que não acontece da parte de outros Srs. Deputados nesta Assembleia. Da sua parte, faça-se lhe justiça, essa coerência existe. Mas também não espanta ninguém que o Sr. Deputado se coloque fora do quadro constitucional, ...

0 Sr. Manuel Moreira (PSD): - Outra vez?!

A Oradora: - .. que sempre tenha estado contra a nacionalização dos sectores básicos da economia, nomeadamente da banca e dos seguros. 0 Sr. Deputado há pouco tornou isso muito claro na resposta que nos deu e também mais uma vez deu razão a todas as críticas que fizemos quando o Sr. Deputado foi ministro deste País durante alguns anos, quando foi responsável máximo da gestão do próprio sector nacionalizado e, naturalmente, através dessa gestão desastrosa, contribuiu bastante para o agravamento da crise económica que o nosso país atravessa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Não espanta ninguém que o Sr. Deputado não compreenda o significado da nacionalização da banca para o país, para o povo português, para os trabalhadores. E já agora aproveitava para o esclarecer que na nacionalização da banca não esteve em causa uni critério de riqueza, ...

Uma voz do PSD: - De pobreza! ...

A Oradora: - ... esteve em causa algo muito mais importante que é o critério do controle do poder económico pelo poder político. Por acaso, Sr. Deputado, o poder económico estava não mão dos ricos. Mas, Sr. Deputado, a sua posição, nas respostas que nos deu, demonstrou também que estamos no caminho certo na luta contra as desnacionalizações, na luta pela defesa da banca nacionalizada, dos seguros, das cimenteiras e dos adubos.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

0 Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr' Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, não sei se a Mesa registou ...

(Coittiiit,'am os protestos do PSD')

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O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Tenham calma!

O Orador: - Espero que o jantar não tenha produzido nenhum desgaste nervoso nos Srs. Deputados!

Risos do PCP.

Sr. Presidente, pedi um esclarecimento ao Sr. Deputado João Salgueiro e inscrevi me para um protesto depois da sua resposta. Não sei se a Mesa registou, mas o certo é que o fiz.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito agora, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - 0 Sr. Deputado João Salgueiro colocou se aqui como se fosse notário da democracia ...
Disse o que é que era democrático, o que é que não era democrático, o que é que correspondia à democracia, segundo a sua base económica, base económica que dava origem ao pluralismo, não pluralismo ...
Bom, não temos nada a reparar sobre isto. Mas o Sr. Deputado tem de convir que não é das pessoas, mesmo dentro da sua bancada, que se encontra melhor colocada para ser o notário da democracia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não lhe reconhecemos nenhum direito nesse sentido, aliás, quer pelo presente quer e, pelo passado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação aos aspectos económicos, não basta afirmar, é preciso demonstrar e o Sr. Deputado não demonstrou nada. Disse que a banca privada era importante para o desenvolvimento económico, que poderia, inclusivamente, ser importante para a defesa da banca nacionalizada e depois discorreu sobre um princípio filosófico velho, que fez seu e proeurou transferir para Portugal e que é mais ou menos este: o que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos, portanto, para Portugal. 0 que é bom para a banca privada é bom para a nacionalizada é a banca privada. 0 que. é bom para as cimenteiras privadas é bom para a democracia. Mas, Sr. Deputado, conhecemos isso há 48 anos e a teoria económica vê-se pela prática, e a prática o que demonstra é que o senhor é um dos grandes responsáveis pelas défices externas, pela dívida externa e por que hoje se encontrem cerca de cem mil trabalhadores sem pagamento de salários!

Aplausos do PCP.

Por último, Sr. Deputado, é importante que tenha aqui dito - embora de uma maneira indirecta - que este Governo segue a política da AD, que segue também a sua política. Isto é importante- e é aquilo que nós afirmámos. Mas também esta Câmara não deixou passar um outro aspecto, não menos relevante e importante que foi a sua afirmação - e o estender a mão ao Partido Socialista - de que no seu programa, no seu manifesto e nas 100 medidas, o PS teria já afirmado que iria abrir a banca, os seguros e as cimenteiras à iniciativa privada, isto é, ao grande ca pita]. É falso! 0 PS falou que iria tocar na lei da delimitação de sectores, mas os seus propagandistas afirmaram que era só para as cimenteiras, mais nada! Portanto, isso é falso, Sr. Deputado! É que o problema é outro! 0 problema é que o Partido Socialista, que já há muito meteu o socialismo na gaveta, agora o que quer fazer é meter o socialismo nos cofres fortes da banca privada! ...

Aplausos do PCP

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado João Salgueiro falou de um debate antes do 14 de Abril. Eu também lhe poderia falar desse debate ...

Vozes do PSD:- Março, Março.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso é que foi uma jantarada, hem!

Risos do PSD e do CDS.

O Orador: - De facto, por lapsus linguae, falei em Abril em vez de falar em Março. Simplesmente, é escusado fazer se tanta barulheira para rectificar o mês.

Risos.

O Sr. Deputado falou do debate económico antes da nacionalização da banca - para evitar dizer o mês- e ambos poderíamos falar desse debate. Mas não é isso que está em causa, Sr. Deputado] Aliás, não é tão verdade como parece a sua falta de que não estava encarada a nacionalização da banca. E o Sr. Deputado sabe o muito bem!
Mas a razão que me leva a fazer este protesto é outra. 0 Sr. Deputado falou de indemnizações ao valor de mercado e isto suscita-me uma grande preocupação: é que, neste momento, já vai na rua a reclamação da CIP de que a abertura da banca ao sector privado é importante, é razoável, é um bom gesto da parte deste Governo, mas que não basta - é preciso que se paguem as devidas indemnizações.
E a sua fala introduz uma grande preocupação, que é a de saber se, no rasto da abertura da banca ao sector privado, vêm também novas indemnizações àqueles que expropriaram o povo português durante 48 anos e que não tinham direito a indemnização porque tudo o que tinham haviam tirado a todos os outros portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.

O Sr. João Salgueiro (PSD): - Eu tinha esperança que debatêssemos ideias ou factos. A bancada do Par tido Comunista, já pela segunda vez, discute intenções, e fá-lo, quanto posso perceber, porque lhe é

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difícil entrar no domínio dos factos ou no domínio das políticas'
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo chega a atribuir-me a defesa de interesses privados. Sr.º Deputada, nunca trabalhei para nenhum banco privado, sempre fui funcionário público e mesmo na banca não optei pelo sector bancário e continuei funcionário público.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas foi ministro de vários governos!

O Orador: - Não fui, não, Sr.ª Deputada.

Vozes do PCP: - Foi secretário de estado!

0 Orador: - Há várias outras pessoas que têm tido responsabilidades mais graves, e V. EX.ª nunca levantou esse problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E mais: nunca defendi em épocas passadas o que não defendo hoje. Não tenho feito tantas mudanças como outras pessoas que V. Ex.ª poderia referir se quisesse.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Também registei isso!

O Orador: - Mas não entrarei no domínio das intenções. V. Ex.ª entrou porque entendeu que era a melhor maneira de argumentar, mas penso ser uma má maneira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, vou tentar ver se há alguns factos na intervenção que produziu ...

Risos do PSD.

A Sr.ª Deputada falou em nacionalizações e do seu significado para os trabalhadores, mas não é ao nível dos slogans que o problema se pode pôr. A questão que eu levantei, e à qual VV. Ex.ªs ainda não responderam, é a de saber em que país é que a defesa dos interesses dos trabalhadores em democracia se faz por nacionalizações de sectores integrais.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Em todos!

O Orador: - Uma nutra questão é a de saber em que país é que o controle do poder económico pelo poder político se faz através das nacionalizações-

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado Carlos Car valhas, também ao nível das intenções, diz que não me reconhece o direito de não sei o quê ... 0 Sr. Deputado dirá quando entender.
Mas lembro-lhe que não é o Partido Comunista que elege os deputados do PSD, é o povo português.

Vozes do PS(r): - Muito bem!

O Orador: - Além disso, Sr. Deputado, quando fala do desemprego V- Ex.ª diz que nós somos responsáveis- Os números produzidos pelas entidades oficiais não mostram o agravamento do desemprego de 79 até agora, como sabe. Pode ser que isso lhe doa, mas o que mostram é uma redução do desemprego.
Pode argumentar que isso é fruto de uma redução da população activa, mas se vir os resultados com cuidado - e naturalmente tem tempo de o fazer - verá que o que se reduz não são os assalariados na população activa, são os patrões e pessoas de família. Tem, portanto, V. Ex º uma interpretação clara, se o quiser fazer, se não quiser usar slogans.
0 Sr. Deputado Veiga de Oliveira diz que eu sei que no início de 1975 se discutiu o problema da nacionalização da banca. Sei e não fez parte do programa' A única nacionalização que foi incluída no programa, como o Sr. Deputado sabe, era a do Cré dito Predial Português. Tudo o mais são especulações.
A única entidade bancária a nacionalizar incluída no programa do Governo era, então efectivamente, a do Crédito Predial Português, por razões que são claras' Tudo o mais é especulação.

O Sr- Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Vejo que os Srs. Deputados se esqueceram de muita coisa, mas agora estou eu a falar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, não fui eu que falei de indemnizações ao valor de mercado. Apenas respondi a uma pergunta apressada que um seu colega de bancada me fez, no sentido de saber do exemplo das ' nacionalização francesas. Ora, eu referi que em França houve várias diferenças e que uma foi essa; não referi o caso português.
Se VV. Ex.ªs pensam que isso é errado, talvez possam mandar averiguar por que é que em França fizeram isso.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E uma crítica aos camaradas franceses!

O Orador:- Mais argumentação em matéria de factos não vi, Srs. Deputados'

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS e do CDS.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Martins

O Sr- Gaspar Martins (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desde a nacionalização da banca, dos seguros e de outros sectores básicos, os trabalhadores têm manifestado, sistemática e frequentemente, a sua posição de defesa intransigente das nacionalizações.
De forma directa ou através das suas estruturas representativas, os trabalhadores vêm reafirmando sempre o seu apoio aos sectores nacionalizados. As confissões sindicais, as comissões de trabalhadores, os conselhos gerais, os congressos, em todo o País, manifestam inequivocamente essa vontade.

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Tudo isto o Governo procura escamotear e, em particular, silenciar o facto de que esta posição é partilhada, de forma inequívoca, pelas tendências sindicais ligadas aos partidos do Governo.
Só os detentores do grande capital apoiam e reclamam a abertura que é inconstitucional e injustificada do ponto de vista económico e financeiro.
Isto comprova-se facilmente se forem tidas em conta as tomadas de posição que chegaram a esta Assembleia a que o meu grupo parlamentar não quis deixar de
trazer ao Plenário, sobretudo tendo em conta que um ex-superministro disse que era uma desconfiança nossa em relação aos trabalhadores.
Vejamos então o que é que os trabalhadores têm a dizer a este respeito!
0 Conselho Geral do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas pronunciou-se, em 1 de Junho último, contra os projectos governamentais - passo a citar:

Considerando as posições que sucessivamente foram tomadas pelos bancários, contra tal medida, nomeadamente as do II Congresso deste Sindicato
em Março deste ano; considerando que nova banca privada não viria resolver nenhum dos problemas económicos de Portugal, porquanto não
insuflaria grandes capitais estrangeiros na economia, os quais têm chegado e poderão continuar no actual sistema nacionalizado, mas agravá-los ia
pois desviariam os empréstimos para multinacionais e para a reconstrução dos monopólios do 24 de Abril, seleccionando os negócios rentáveis e
deixando à banca nacionalizada os custos sociais da política monetária, como se vê hoje já na banca estrangeira existente; considerando os recentes
ataques à banca levados a cabo pelo Governo, consubstanciados nas orientações sobre a obrigatoriedade de aceitação de títulos de indemnização a juros ruinosos, no imputar aos bancos nacionalizados parte dos juros bonificados, na redução recente do diferencial dos juros, na entrega do património dos bancos aos ex-grupos monopolistas e considerando a falta de reestruturação da
banca, o alastramento da corrupção, a falta de tomada de posse dos gestores eleitos pelos trabalhadores, a falta de audição das estruturas dos
trabalhadores sobre os grandes problemas do sector.
Todas estas são razões a que a Assembleia da República deveria dar o devido relevo, tal como deveria dar resposta frontal a estas perguntas formuladas
pelas quatro tendências sindicais do Sindicato dos Bancários do Centro.
Primeira pergunta: «como iria o Estado exercer, com eficácia, o indispensável controle sobre as diversas operações bancárias?».
Segunda pergunta: «como poderia o Estado definir e fazer cumprir as linhas de crédito mais correctas para os interesses do País?».
Entretanto, o Sr. Secretário de Estado parece não estar interessado em ouvir ".

0 Sr. Secretário de Estado do Tesouro (António de Almeida): - Estou, estou!

0 Orador: - E que isto que estou a citar são os trabalhadores bancários que o dizem. É, pois, importante darmos atenção ao que diz um sector importante de trabalhadores deste país.

Risos do PSD.

Os Srs. Deputados estão nervosos! Fazem me lembrar um bife de alcatra cheio de nervos ...

Risos.

Aplausos do PCP.

Terceira pergunta: «a banca privada não iria ser posta apenas ao serviço da restauração dos grandes grupos económicos, esquecendo os interesses das empresas que deles não fizessem parte, bem como os da generalidade dos portugueses?».

Quarta pergunta: «a banca privada não viria desiludir todos aqueles que ainda acreditam, honestamente, que o seu regresso permitiria a obtenção de crédito mais facilmente e a juros mais baixos?».
Quinta pergunta: ua banca privada não iria tornar se uma força de pressão poderosa junto do aparelho de Estado?».
Sexta pergunta: «os lucros da banca privada iriam reverter para o OGE, como acontece com os da banca nacionalizada, possibilitando a sua aplicação em empreendimentos que sirvam para melhorar as condições de vida de todos os portugueses (educação, habitação, hospitais, escolas, etc.), ou seriam destinados a encher ,sacos azuis, a abrir contas na Suíça ou a outros fins tão nobres como estes?».

Uma voz do PCP: - Boa pergunta!

O Orador: - Também o Sindicato dos Bancários do Norte acaba de comunicar a esta Assembleia que:

E com profunda preocupação que os trabalhadores do sector vêm tomando conhecimento das intenções do Governo de alterar a lei de delimitação dos sectores, abrindo a banca à iniciativa privada, contrariando as disposições constitucionais, desrespeitando a vontade expressa dos trabalhadores do sector, colocando os interesses do capital internacional acima dos interesses da população e da economia nacional.
E lembram: Os cerca de 60 000 trabalhadores bancários e as suas famílias deles dependentes constituem um importante estrato da população portuguesa.
A medida enunciada porá inevitavelmente em risco os postos de trabalho, entregando ao grande capital um sector que - apesar de não terem sido tomadas as convenientes medidas de reestruturação e de ter vindo a ser gerida pelos seus próprios adversários - tem demonstrado capacidade e potencialidades para cumprir o seu papel no contexto - da economia nacional.
Será conveniente relembrar que a banca nacionalizada contribuiu só em 1981, com mais de 7 milhões de contos para o OGE e em 1982 com valor muito superior, o que demonstra à evidência, não só a sua capacidade económica como a incor

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recção de entregar tão importante sector ao capital privado, propiciando a este o meio fundamental à reconstrução dos monopólios e consequente subversão do regime democrático.

Quanto aos trabalhadores dos seguros, os respectivos sindicatos e outras organizações representativas têm alertado para as consequências da sua abertura à iniciativa privada.

Em comunicado de 21 de junho de 1983, a Comissão Coordenadora Nacional das comissões de trabalhadores do sector dos seguros alerta para estes quatro factos de inegável gravidade: a simples constituição de novos bancos, que inevitavelmente se interdependeriam com as seguradoras privadas, faria com que muitos seguros (novos e continuados) fossem canalizados para as novas seguradoras; as carteiras detidas pelos grandes mediadores seriam transferidas para as novas seguradoras; muitos dos prémios em dívida, depois das transferências dos seguros, seriam irrecuperáveis; os grandes grupos económicos, que se constituiriam a partir da banca e dos seguros privados, arrastariam o sector empresarial do Estado rentável e, consequentemente, os seguros deste seriam transferidos para as novas seguradoras.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Temos lutado, aqui, nesta Assembleia, contra a autorização legislativa que pretende viabilizar tudo isto. Mas contra essa proposta está a esmagadora maio ria, Sr. Deputado João Salgueiro, dos trabalhadores portugueses, dos mais diversos quadrantes. É contra eles que se coloca o PS ao procurar fazer o que a AD não conseguiu.

Nada melhor para concluir do que trazer aqui uma das conclusões fundamentais aprovadas por trabalhadores do sector financeiro reunidos recentemente a nível nacional, no Encontro Nacional dos Sindicatos da UGT do sector nacionalizado e participado de 83.
Cito:

0 sector financeiro nacionalizado tem demonstrado rentabilidade e capacidade de contribuir para o desenvolvimento do País, não obstante todos os atropelos de que tem sido vítima e tem conseguido assegurar os cerca de 75 000 postos de trabalho (57 000 trabalhadores bancários e 18 000 trabalhadores de seguros).
As instituições bancárias e seguradoras nacionalizadas são as únicas que podem permitir a prossecução de uma política correcta e coerente com a economia e os interesses do País e dos trabalhadores. São ainda as únicas e capazes de garantir a manutenção dos postos de trabalho. 0 poder político, que tem nas suas mãos o poder económico, deve orientar o desenvolvimento harmónico dos diversos sectores económicos beneficiando os de maior interesse para o País.

Termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, reafirmando, com a mesma solenidade que usei em Março de 1980 nesta mesma Câmara:

0 Partido Comunista Português apoiará todas as lutas desenvolvidas pelos meios constitucional mente consagrados na defesa das nacionalizações
do regime democrático e da Constituição da República e esforçar-nos-emos para que sejam nacionalizados todos os bancos privados abertos à sombra desta investida do Governo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Então, Manuel António, não dizes nada?

Risos do PSD e do CDS-

0 Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que já sinto uma certa veterania a discutir este tema nesta Assembleia. Aliás, sinto também uma certa pena de tanto tempo que se perdeu com esta discussão.
Desde há 6 anos - em 1977, em 1980, em 1981 que tem havido grandes oportunidades de se ter a coragem e o realismo que hoje parecem invadir a maioria desta Assembleia.
Não é dispiciendo sentir pena pelo tempo perdido, já que esta lei não é técnica, nem se restringe a delimitar sectores.
Trata-se de uma lei que tem um significado histórico preciso, que seria bem maior se tal medida tivesse sido tomada em tempo oportuno. É uma lei que poderia ter produzido já há mais tempo os resultados concretos que deveria ter produzido e que agora esperamos venham a concretizar-se.
Não se tratava nem trata de uma lei circunscrita apenas a abrir mais alguns sectores à iniciativa privada e a retirar o exclusivo desses sectores aos burocratas do Estado.
É uma lei que tem um significado histórico preciso, que é o da vitória política de todos quantos defendem o modelo europeu liberal de sociedade sobre todos quantos organizaram o 11 de Março de 1975 e dirigiram à economia portuguesa o ataque comunista mais violento de que foi alvo alguma economia ocidental nas últimas décadas.

Protestos do PCP.

Não se trata de uma vitória política, mas de uma vitória das soluções institucionais verdadeiramente capazes de assegurarem um clima generalizado de confiança e de competitividade, garantindo assim o progresso a sectores fundamentais da nossa economia e a ela própria no seu todo.
Por isso, embora lamentemos uma certa ambiguidade desta proposta de lei, que advém do respectivo preâmbulo, o CDS entende que, como diz o nosso povo, mais vale tarde do que nunca e por isso vamos dar à proposta do Governo o nosso voto favorável, como representantes do mesmo CDS que desde 1977 reivindica tais medidas.
No entanto, hoje, nestes meados do ano de 1983 em que estamos e no meio da crise económica e financeira que avassala o nosso país, não basta ficar por aqui, nem basta congratularmo-nos todos com o realismo e com o sentido de interesse nacional que finalmente surgiu no meio do Partido Socialista quanto à matéria em discussão'
É que hoje os Portugueses conhecer melhor o sector público com que a avalancha das nacionalizações revolucionárias os presenteou.

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Hoje os Portugueses sabem que as indemnizações devidas por tais nacionalizações ainda não foram pagas sequer em metade do seu valor e já custaram ao OGE uma dívida acrescida de cerca de 120 milhões de contos.
Sabem também que entre 1976 e 1980 o mesmo sector empresarial do Estado recebeu 76 milhões de contos como dotações de capital e 68 milhões de contos de subsídios reembolsáveis, num total de 144 milhões de contos em 6 anos.
Sabem que as empresas públicas, só elas, são devedoras de quase 50 % do total da dívida externa da República Portuguesa.
Sabem que os aumentos de preços que estão suportando tão duramente, como aconteceu nos últimos dias e em todos os últimos anos, não são suficientes e nunca serão suficientes, sem graves custos sociais, para equilibrar as contas de exploração do sector público.
Sabem, finalmente, os Portugueses, como sabemos todos nós dirigentes políticos, que é catastrófica a situação das nossas finanças públicas, que é insustentável o défice actual do OGE e que é impossível recuperar financeiramente o País sem uma rigorosa contenção das despesas públicas, quer das correntes quer das de capital.
Ora neste quadro negro em que se exprime a situação do sector público empresarial e a condição financeira do próprio Estado, uma verdade muito clara surge em todos os relatórios técnicos, oriundos de todos os quadrantes políticos internos e internacionais: O sector empresarial do Estado encontra-se, na quase totalidade dos seus componentes, numa situação gravemente deteriorada em matéria de autonomia financeira.
O que é que isto significa? Significa que o financiamento das empresas públicas não financeiras é assegurado em mais de 78 % por recurso ao crédito bancário, nacional e internacional.
Significa que o total das mesmas empresas públicas devia em final de 1981, ao sistema bancário, cerca de 420 milhões de contos.
Significa que o peso dos encargos financeiros, em relação ao valor acrescentado bruto daquelas empresas, passou de 28,6 % em 1977 para 47 % em 1981.
Significa que o resultado líquido da exploração passou de um prejuízo global de 4,3 milhões de contos em 1977 para 31,8 milhões de contos em 1981.
Significa, em suma, que o sector empresarial do Estado, incluindo os bancos e os seguros, está gravemente descapitalizado, isto é, sofre de uma manifesta insuficiência de capitais próprios.
Temos assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o seguinte ciclo vicioso fundamental, que os dirigentes políticos não podem deixar de vencer, para além e na linha do debate que hoje nos ocupo:

1) O sector empresarial do Estado precisa de ver aumentados fortemente os capitais próprios das empresas que o compõem;
2) O Estado, pela condição negativa das finanças públicas, não pode nem previsivelmente poderá, a médio prazo, realizar as dotações de capital que as empresas carecem;
3) No entanto, insiste-se em tornar impossível o reforço dos capitais próprios das empresas que verdadeiramente merecem manter-se como públicas, em nome de uma revisão constitucional que manteve o princípio da irreversabilidade das nacionalizações e manteve a consequente impossibilidade dê até os trabalhadores participarem no capital das empresas que servem.

Continuamos a querer fechar os olhos à realidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Continuamos a querer manter todas as sequelas do 11 de Março e a não distinguir o trigo do joio, isto é, a não distinguir entre as empresas que pela sua natureza de serviços colectivos devem continuar a pertencer ao Estado e as empresas que o Estado deve controlar e dirigir, mas que nada deve impedir que abram o seu capital à aplicação produtiva da poupança dos seus trabalhadores ou dos portugueses em geral.
Por tudo isto, não basta hoje, embora continue a ser necessário, abrir à iniciativa privada os sectores que até hoje lhes estavam encerrados. É preciso adaptar o sector público existente às possibilidades reais das finanças públicas de que dependem.
Para isso o CDS esperará pelo próximo OGE para ver como é que o Governo se propõe resolver o problema da grave descapitalização do sector público.
Desde já alerta, porém, os portugueses de que não é aceitável pretender financiar tudo à custa de uma generalizada e abrupta alta geral de preços, como a que se vem praticando nos últimos dias.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, o meu protesto é em relação à desonestidade de algumas das afirmações aqui feitas pelo Sr. Deputado Morais Leitão.
É desonestidade vir falar na dívida externa das empresas públicas quando se escamoteia a questão essencial. A dívida das empresas públicas é um facto e representa mais de 50 % da dívida externa do País. Mas porquê? Para financiamento dessas empresas ou para financiamento do défice da balança de transacções correntes? Quem é que obrigou as empresas públicas a recorrerem ao crédito externo?
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que muitas empresas públicas, mesmo durante o seu ministério (e em todos os ministérios), têm sido obrigadas a recorrer ao crédito externo porque lhes é recusado o crédito interno e porque são obrigadas, pelo Governo, a obter no estrangeiro recursos para tapar o buraco da balança de transacções correntes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os maiores importadores deste país são as empresas privadas. As empresas públicas estão a pagar essas importações e os efeitos da desvalorização do escudo.

Aponto um exemplo muito concreto: entre 31 de Dezembro de 1982 e 23 de Junho de 1983, as em-

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presas públicas viram aumentada, apenas por efeito da desvalorização, a sua dívida externa em 190 milhões de contos. E isto acontece porque não há cobertura de risco cambial por parte do Governo para as empresas públicas. No entanto, essa cobertura de riscos existe, por exemplo, para a Sociedade Portuguesa de Investimentos. Aí há, sim senhor.
Tenho aqui o decreto, as resoluções, para lhe mostrar, Sr. Deputado, que há, de facto, cobertura do risco cambial para as empresas privadas. Não há é para o sector público!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há mais do que isso, Sr. Deputado. Como é que se conseguem explicar os défices de algumas empresas nacionalizadas metendo neles aquilo que são aumentos de capital, que são a cobertura de investimentos?
Isso não é défice, isso é a entrada da entidade proprietária, no caso concreto o Estado Português, para cobrir parte do investimento. É, portanto, uma desonestidade fazer isso.
É também desonestidade escamotear que o Fundo de Abastecimentos deve 120 milhões de contos a empresas públicas e que não paga. Ora é face a isso, por exemplo, que as empresas publicas têm que obter recursos externos e internos, o que lhes custa só em juros várias dezenas de milhões de contos por ano.
Quero referir-me também à descapitalização do sector público. Sr. Deputado, é um facto que a generalidade das empresas públicas estão descapitalizadas. O Sr. Deputado afirmou-o mas não explicou porquê. Dou-lhe o exemplo da PETROGAL, que em 1981 apresentou 1800 000 contos de prejuízo. Porquê? Porquê o Estado, o Governo, não permitiu que a QUIMIGAL incluísse nos seus custos os custos do financiamento externo necessário para importar ramas de petróleo - que não são consumidas pela PETROGAL mas sim pelo País. Só aí foram 15 milhões de contos.
Há também a dívida do Fundo de Abastecimentos à PETROGAL. Os juros dessa dívida, num ano, representam 5 milhões de contos, que a PETROGAL não recebeu e que teve de pagar. Isto é, se aos 20 milhões de contos se tirar l 800 000 contos de prejuízo, verifica-se que, afinal, houve um lucro de 18200000 contos.

Uma voz do CDS: - Que é isso?

O Orador: - A descapitalização das empresas públicas é, de facto, uma realidade. No entanto, pergunto quem descapitalizou as empresas públicas? Que política fez com que elas se tornassem fortemente descapitalizadas?
Foram as políticas dos governos, nomeadamente a política daquele em que o senhor deputado foi Ministro das Finanças. Foi a política do governo de que foi Ministro das Finanças o Sr. Deputado João Salgueiro e a política de muitos e muitos outros governos - Cavaco e Silva, etc., etc.
Ao fim e ao cabo, as empresas públicas estão descapitalizadas por culpa dos governos, em benefício, apenas, do grande capital privado nacional.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, perguntaria rapidamente ao Sr. Deputado Morais Leitão se, em primeiro lugar, não acha que o quadro negro que descreveu para o sector empresarial do Estado se deve significativamente à incapacidade de governos recentes que o CDS integrou.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só o CDS?

O Orador: - Não ouvi o que disse o Sr. Deputado Narana, mas lá iremos.
Pergunto em segundo lugar se o Sr. Deputado não sabe que numerosos empréstimos contraídos por empresas públicas o foram por decisão das tutelas, em muitos casos extremamente discutíveis, decisões essas fundadas, em qualquer caso, em razões de política financeira.
Terceira e última pergunta, para não maçar a Câmara, dado o adiantado da hora: não acha o Sr. Deputado que o quadro negro que traçou da economia portuguesa justificou bem a chamada por parte do eleitorado daquele que era o principal partido da oposição, o Partido Socialista, para liderar o novo Governo?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, muito rapidamente, até porque muitas das questões que gostaria de levantar já foram colocadas, começarei por prestar uma homenagem ao Sr. Deputado Morais Leitão, dizendo-lhe que colocou as coisas com uma clareza que eu ainda não tinha visto aqui.
E estou de acordo, Sr. Deputado: esta lei não é de facto uma mera lei técnica, é uma lei histórica na medida em que marca o início de uma viragem clara no processo político-económico português.
Quiseram ao longo destes debates convencer-nos do contrário: que se trata de uma lei inócua, sem importância nenhuma.
O Sr. Deputado, porém, sabia do que falava, tem perfeita consciência da conquista que para si e para a sua bancada esta lei representa, e teve, em meu entender, a clareza suficiente para classificá-la como ela devia ser classificada. Por isso mesmo não estranho e compreendo perfeitamente que o Sr. Deputado e a sua bancada lamentem que só agora ela tenha chegado. Com certeza que para vós vem tarde, mas apesar disso mais vale tarde que nunca, como V. Ex.ª mesmo disse.

Vozes do CDS: - E muito bem! Vozes do PSD: - E é verdade!

O Orador: - O Sr. Deputado apontou um quadro negro em relação às empresas do sector público e não explicou porquê. Perguntas já lhe foram feitas nesse sentido, mas sempre faço mais uma: será porque há uma pecha ligada à natureza do sector público?

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Depois caiu numa certa demagogia, que não enformava o conjunto do seu discurso, procurando confundir sector público com colectivismo. Mas, Sr. Deputado, como confundir essas duas coisas? Como é que V. Ex.ª explica que a Itália, governada há bastante mais de 30 anos por um partido de cuja irmandade o seu partido se reclama, tenha um sector público que é, ainda hoje, muito mais vasto que o sector público português, apesar das nacionalizações feitas em 1975, que é ainda mais vasto do que o sector público francês depois das nacionalizações feitas em França pelo último governo socialista?

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Sr. António Vitorino (UEDS): - É que há democratas-cristãos e democratas-cristãos! ...

O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Deputado Morais Leitão, eu diria: que coragem, que realismo!, aliás, tal como o senhor disse. Mas que realismo?
É que de facto, ao falar aqui com tanta clareza das pretensões políticas desta lei, o que o Sr. Deputado naturalmente não disse, ignorou ou pretendeu que a Câmara ignorasse, foi nada acerca da realidade que isso representa para os trabalhadores dessas empresas, eu diria até fundamentalmente para os trabalhadores e para este país. Que consequências é que resultarão desta lei, nomeadamente ao nível dos despedimentos?
E o Sr. Deputado não poderá negar que neste momento em sectores como a banca e os seguros aparecem já os contactos de empresas ou de pseudo-empresas privadas no sentido de cativar quadros para as suas empresas - e não são por acidente quaisquer quadros, pois normalmente aliciam logo os melhores.
Que realismo o de V. Ex.ª ao pretender defender uma teoria que, no fundo, vai no sentido da destruição do sector público, vai no sentido de um retrocesso ao passado! ...
O Sr. Deputado tem razão porque não se trata de um problema económico nem técnico-económico como muitas vezes aqui tem sido dito. Trata-se de uma questão profundamente política, de, no fundo, trazer a esta Câmara uma nova lei, uma lei de reforma agrária agora noutros termos para o sector nacionalizado.
As consequências do que foi a Lei Barreto o País conhece-as bem - a destruição da reforma agrária; as consequências que esta lei trará para o País não tardarão muito a evidenciar-se se ela for aqui aprovada. É porque ela será a destruição daquilo que foi realmente uma das principais conquistas de Abril, de uma das principais conquistas dos trabalhadores, daquilo que estes, no fundo, pensavam para ajudar este país a transformar-se e isso o senhor pretendeu ignorá-lo. Mas não só V. Ex.ª Também há pouco o Sr. Deputado João Salgueiro o ignorou, e têm-no ignorado sistematicamente os deputados do PS. No entanto, é importante dizê-lo.
Um segundo aspecto: o senhor disse que o sector público não é rentável, mas lembro-lhe que só entre 1977 e 1979 os salários nos sectores públicos passaram de 60,9 % para 40,1 %, enquanto os encargos financeiros - e isso foi resultado da política dos governos - passaram de 16,5 % para 33,9 %. Isso, não aconteceu por acidente de percurso, foi uma situação deliberada que se criou neste país para pôr em causa as nacionalizações. E aquilo que VV. Ex.ªs neste momento pretendem é completar a vossa obra; é pôr em causa as transformações sociais conquistadas com o 25 de Abril; é pôr em causa o futuro dos trabalhadores que trabalham nestes sectores; é afinal, pôr em causa a própria Constituição. É isso que na verdade está em causa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Argumentos económicos podem os senhores apresentar os que quiserem, mas, na verdade, o que há é um problema profundamente político. Mas eu vou mais longe, Sr. Deputado, e faço-lhe esta pergunta: há poucos dias, o Sr. Ferraz da Costa dizia na televisão que não bastava a abertura dos sectores à iniciativa privada, que era preciso ir mas longe, que era preciso fazer retornar os antigos monopolistas ou então indemnizar as empresas hoje nacionalizadas.
O Sr. Deputado, com a intervenção que fez, quis foi dizer à Câmara que esta era a primeira medida que o CDS pretendia no sentido de fazer retornar a este país os antigos monopolistas, àqueles homens que durante 48 anos dominaram este país. É por isso que o senhor tem de responder, Sr. Deputado, aliás, como todos aqueles que hoje aqui votarem pela abertura do sector público ao sector privado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É isso que o Sr. Deputado pretende e é por isso que terá de responder perante o País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE):-Sr. Deputado Morais Leitão, V. Ex.ª veio aqui trazer, no essencial, a posição do CDS. É uma posição que não é nova, que em relação a esta matéria avança com uma perspectiva que é clara em relação a uma das opções fundamentais a que há pouco me referi, ou seja, a da abertura total de todos os sectores à iniciativa privada. Isso ficou aqui claro e constitui uma opção que é coerente com a política defendida pelo seu partido.
Mas durante a sua intervenção referiu as dificuldades graves que o sector público enfrenta - pelo menos isso depreendi das suas palavras-, que esse sector público não é para terminar, e aqui reside o primeiro pedido de clarificação que gostaria de obter da sua parte: qual o papel que entende dever competir ao sector público, particularmente ao sector público financeiro?
Por outro lado, falou também na situação gravemente deteriorada do ponto de vista financeiro, da descapitalização do sector público em geral. Em conjunção com esta afirmação da necessidade de prover ao saneamento financeiro das empresas do sector público, falou também na necessidade de indemnizar ou de aumentar a indemnização em relação aos anti-

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gos detentores desse capital. Em complemento ainda - e este é um terceiro aspecto- referiu as insuficiências do OGE. Mantendo-se numa situação de expectativa, disse nomeadamente - e embora não vá fazer uma citação textual, era este o sentido das suas palavras: estou aqui para ver qual vai ser o Orçamento futuro. Ora eu propunha-lhe uma antecipação, Sr. Deputado, no sentido de nos informar sobre a sua perspectiva. Quer dizer: se neste momento V. Ex.ª fosse Ministro das Finanças, qual era a perspectiva que defenderia em relação a esta triologia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar as respostas, queria pedir ao Sr. Deputado Hasse Ferreira, no uso do meu tempo, que repetisse a sua segunda pergunta, que não a consegui ouvir.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Com muito gosto, Sr. Deputado.

É relacionada com os empréstimos das empresas públicas. Aponta o Sr. Deputado como um dos factores característicos do quadro negro em que se encontra o sector empresarial do Estado o de que uma parte significativa da dívida externa pertencia às empresas públicas. O que eu lhe perguntei é se não está consciente - estou convencido que está - de que uma boa parte desses empréstimos foram contraídos, não propriamente por decisão e por necessidade absoluta dessas empresas públicas recorrerem ao crédito externo, mas por uma decisão global em termos da política financeira tomada pelas tutelas que as orientaram de modo a recorrerem preferencialmente ao crédito externo. É um facto que, de certa forma, penso, daria um enfoque diferente de análise.
Fui talvez um bocado sintético, mas era neste sentido que gostava de ouvir um comentário seu.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Octávio Teixeira fez uma intervenção em forma de protesto. Dado que deu à forma de protesto a imputação de desonestidade e como eu considero que é tempo nesta Assembleia de quanto a presunção e água benta cada um tomar a que quer, não vou contraprotestar, nem responder aos adjectivos com que acrescentou a sua intervenção.
Agradeço ao Sr. Deputado Lopes Cardoso a saudação, a título democrático, pela vitória política que imputa ao meu partido.
Poder-lhe-ei retorquir um dia quando uma mesma vitória couber à sua bancada.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Lá chegará o dia!

O Orador: - Não que se trate de uma vitória tempestiva, mas é uma vitória doutrinária, é uma vitória de quem acredita que a competitividade, a produtividade, a abertura de mercados, a abertura de empresas, são em benefício do País e em benefício dos trabalhadores, ao contrário do que os «campeões verbais dos trabalhadores» aqui querem dizer.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Os trabalhadores bancários e seguradores já nos ouviram em 1981, quando aqui discutimos a lei, e sentem bem o que é um sector sem saída, em que o mérito não é premiado, em que as carreiras não são estimuladas. O próprio encerramento do sector público, que assim tem sido mantido por razões dogmáticas, tem obrigado - as pessoas sérias do nosso país reconhecem isso- a uma falta de estímulo, a uma perda de tecnologia, a uma perda de carreira na própria profissão dessas instituições bancárias.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode passar, em nenhuma profissão, uma vida de trabalho condenado à mesma secção, à mesma hierarquia, ao mesmo imobilismo. É a competição de empresas, é a competição de mercado, que em todo o mundo, não nos países que não a têm, mas na Europa Ocidental, que é nosso modelo, têm criado e permitido que pessoas que nasceram do nada e começaram do seu trabalho vençam na vida, se realizem profissionalmente e sejam estimuladas pela empresa.
Para nós, CDS, a empresa não é o lugar de tuna luta de classes, é o lugar de uma colaboração efectiva, e é por isso que eu disse no meu discurso - lamento que ninguém o tenha notado, ou sequer estimulado - que a actual situação das empresas públicas impede até a participação dos trabalhadores no próprio capital das empresas que servem.
É evidente que isto é «oiro sobre azul», que é negativo para o Partido Comunista, mas não é das ideias do Partido Comunista que, depois desta lei, vamos viver no nosso país, mas sim das ideias de uma sociedade e de uma economia controlada pelo Estado, com supremacia do poder político sobre o poder económico e aberta a todos os sectores, sejam financeiros, de indústrias ou de serviços. Isso reverte, digo-o claramente e é minha convicção, em benefício e não em prejuízo dos trabalhadores do nosso país!

Aplausos do CDS.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza, mas agora é no seu tempo.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não há limitação de tempo, mas, obviamente, se houvesse era no meu. Assim, e no tempo de nós todos e com a paciência dos deputados que nos queiram escutar.
O Sr. Deputado invocou um argumento que me deixou um pouco perplexo, para além de ter sido a primeira vez que o ouvi dizer aqui acerca da situação dos trabalhadores na banca, nos seguros ...

O Orador: - Já ouviu em 1981, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sou capaz de ter ouvido, esqueci-me, peco-lhe desculpa, Sr. Deputado.

Ouvi-o falar, portanto, acerca da situação dos trabalhadores da banca e dos seguros, que estão condenados a uma apagada e vil tristeza por falta de concorrência,

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facto que provoca a falta de estímulo. Se não ouvi mal, o Sr. Deputado não contestou que seja reservado ao sector público um certo tipo de actividades empresariais com objectivos sociais marcados, o que quer dizer que o Sr. Deputado aceita, dentro da sua lógica, que os trabalhadores da CP, por exemplo, sejam condenados a essa apagada e vil tristeza que condena os trabalhadores da banca e dos seguros pertencentes ao sector público.
Oh, Sr. Deputado, penso que todas essas questões que levantou e que podem ser pertinentes, ou pelo menos em parte pertinentes, têm a ver com outra coisa: têm a ver com o modo como as empresas públicas têm sido geridas e isso é da responsabilidade dos gestores que, por sua vez, são da responsabilidade dos governos que os nomearam, e nos quais de há 3 anos a esta parte o seu partido participava!

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, o que lhe posso dizer e que o CUS espera vir a apresentar um projecto de lei relativo à participação dos trabalhadores no capital das empresas ...

Risos.

Vozes do PCP: - Boa finta!

0 Orador: - ... e nessa altura teremos oportunidade de discutir o assunto em profundidade. Repito: não é com verbos e verbalismos que se protegem os verdadeiros trabalhadores do nosso país!

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Há 20 anos que ouço isso! Já o Dr. Silva Pinto dizia isso!

O Orador: - 3 deputados fizeram-me a mesma pergunta no sentido de que se deve à incapacidade do Governo a descapitalização das empresas públicas. Creio poder deduzir destas perguntas que seria correcto o Governo, em vez de deixar as empresas públicas endividar a República, em vez de deixar as em presas públicas, por falta de meios, te r a deficiência de capital que têm, aumentar o défice orçamental do Estado. Pergunto: onde é que se vai buscar o dinheiro? Ou é, no actual sistema, ao OGE, ou então divide-se, como se tem estado a fazer, o mal pelas aldeias!

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP)- - Pelas aldeias nacionalizadas ...

0 Sr. Manuel Lopes (PCP): - Gostava desse rigor solução em relação às outras empresas!

0 Orador: - Calma, Sr. Deputado. Tive a coragem, a sinceridade, de indicar aqui números que se verificam após uma gestão em relação á qual, eu próprio, também fui responsável. Não o fiz para arranjar bodes expiatórios, nem o fiz para
desejar mau sucesso ao novo governo, não é isso que temos estado a fazer, mas sim para alertar para problemas reais que têm de ser resolvidos.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP). - Quais problemas reais?

0 Orador: - Se assim não acontecer, tenho a convicção que daqui a 3 anos estou a dizer que o Partido Socialista foi incapaz, foi isto e foi aquilo. Passamos os anos e, entretanto, o País vai-se afundando!

Vozes do CDS: - Muito bem!

0 Orador: - Ouvi hoje o Sr. Deputado Almerindo Marques, do Partido Socialista, salientar, e bem - tive pena de não ouvir toda a intervenção -, a descapitalização relativa do sector bancário, apesar de todo o esforço. Criámos o dogma de que a empresa pública - respondo ao Sr. Deputado que referia os casos francês e italiano- é igual a pessoa colectiva de direito público, é igual a 100 % de capital do Estado, colocámos isso na Constituição e impedimos que, tal como acontece noutros países, o Estado tenha o controle sobre empresas públicas, que nalguns casos é de 30 % a 40 % do capital, tenha o controle da gestão - e hoje em dia é isso que interessa - e use as poupanças normais, não para as aplicar em depósitos a prazo como nós estamos todos, infelizmente, condenados a fazer, mas para as aplicar em capital produtivo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

0 Orador: - E toda a criação de um sistema financeiro - em relação ao qual a maioria do Partido Socialista está de acordo com o que eu estou a dizer que esta Assembleia, por razões dogmáticas inerentes a soluções políticas de interesse do Partido Comunista, não tem realizado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não devemos culpar aqui o governo A, B ou C, porque daqui a uns anos seremos todos culpados e o País foi ao fundo. Não é em nome da Constituição, não é em nome de. frases dogmáticas que se pode continuar assim, porque o País pode ir ao fundo, a inflação pode aumentar, as classes mais desfavorecidas podem ser prejudicadas.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- Mas serve aos capitalistas!

Vozes do PCP: - 0 melhor é o Sr. Deputado vestir um escafandro e ir lá salva-los! Já se experimentou e foi o que se viu!

O Orador: - Não se preocupem que não é a vossa

Protestos do PCP.

Por isso, Sr' Deputado Hasse Ferreira, quando V. Ex.º me pergunta se não foi face à incapacidade do anterior governo que o Partido Socialista não mereceu ser chamado a governar, eu afirmo que não discuto o voto democrático, reconheço-o, aceito-o e respeito-o. Fui o primeiro a defender, quando a AD era maioria, que em democracia há que respeitar a maioria, há que pedir-lhe que exerça as suas opções e não impedir que isso aconteça.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Seremos nós os primeiros a respeitar, com crítica, as c>pções que exerçam. 0 que desejo é por um problema meramente dogmático, não ter de afirmar: que grande incapacidade do governo do PS!

Vozes do CDS: - Muito bem!

0 Orador: - A situação do sector público empresarial é uma linha e vai continuar assim enquanto não olharmos de frente o problema da irreversibilidade das nacionalizações.

0 Sr. Deputado Manuel Lopes, segundo percebi, qualificou esta lei como a «Lei Barreto do sector financeiro». Se esta lei exercer no sector financeiro a influência que a Lei Barreto teve, com muitos aspectos positivos, na Reforma Agrária, bem vinda seja esta lei.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Ora aí está!

O Orador:- Fica mais uma vez clara a minha posição-

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador- - Creia que não é da Lei Barreto ou de leis deste tipo que vai resultar a descida dos salários dos trabalhadores.
Os senhores continuam a confundir números. O Sr. Deputado diz que nos últimos anos os salários diminuíram no total de receitas do sector público de «não sei quê» para «não sei quê» ...

Vozes do PCP: - Não sei quê?

O Orador: - Eu sei, é verdade, e diminuiram porque aumentaram os encargos financeiros. Mas pergunto-lhe: porque é que aumentaram os encargos financeiros? Principalmente, pelas causas que eu aqui apontei, por falta de capital próprio.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Dá me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Se me permite, não vou deixar que me interrompa, e vou dizer lhe, mais uma vez, para acabar, que não é de leis que abrem a competição, que estimulam o mercado, que garantem um controle e uma disciplina eficiente pelo Estado, que não é de leis desse tipo, digo, que advirá o mal dos trabalhadores. O mal dos trabalhadores advém dos casulos - a que chamam empresas públicas- que os senhores controlam política mas não economicamente. Não é essa a nossa opção A nossa opção é completamente diferente e, por isso, estamos satisfeitos com esta votação mas acreditamos que não estejam satisfeitos!

Aplausos do CDS.

O Sr. (Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para protestar, dado que é a única forma que tenho para pedir um esclarecimento complementar ao Sr' Deputado Morais Leitão.

O Sr- Presidente: - Mas o Sr. Deputado não deixará de enunciar o seu protesto, não é verdade?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Deputado Morais Leitão referiu-se a um deputado que tinha levantado o problema do sector público em França e em Itália. Fui eu mesmo. E na sequência desse reparo deixou-me um pouco per plexo: é que o Sr. Deputado chamou a atenção, e com razão, para o facto de que uma grande parte do controle económico, nomeadamente em Itália, se fazer através de uma participação maioritária do Estado e não de uma participação total. Pareceu-me, portanto, que tinha aderido às teses «rocardianas»o que é importante é nacionalizar 51 % e não 100 %E desde que o controle económico por parte do Estado não resulte de uma totalidade do capital da empresa, tudo bem. Não constituiria problema para o Sr. Deputado se o controle das empresas por parte do Estado fosse simplesmente maioritário.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Rocard é comigo!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Rocard só há um: o Silva Marques e mais nenhum!

O Sr. Manuel Lopes (PCP)- - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes?

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É para um protesto, única forma de que disponho para intervir agora, Sr. Presidente-

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - 0 protesto que quero fazer é natural e evidente. O Sr. Deputado Morais Leitão confirmou aqui uma situação que pus: no fundo, o que se pretende - com esta alteração da lei de delimitação dos sectores é, tal como com a Lei Barreto, alterar situação existente no País' E é por isso que protesto, Sr. Presidente.

O resultado da Lei Barreto são os mais de 20 000 trabalhadores desempregados na zona da Reforma Agrária, consequência das alterações introduzidas por essa lei no número de herdades entregues aos antigos latifundiários e que hoje se encontram efectivamente improdutivas- E também o caso de muitos trabalhadores que poderiam ter, noutras circunstâncias, em prego. E é esta a perspectiva que o Sr. Deputado Morais Leitão vem colocar ao País. Trata-se na verdade, de uma situação de fundo, Sr. Deputado: não é uma situação meramente para criar desemprego

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directo e uma instabilidade de emprego aos trabalha dores destes sectores; não é meramente uma situação de digamos, desnacionalizar - e este é o objectivo mais fundo, apesar de não ter tido coragem de responder à minha pergunta. E, sim, uma situação de alterar e subverter aquilo que foi uma nova ordem económica que o 25 de Abril trouxe a este país, em que a existência de um sector público e do sector nacionalizado foi considerada fundamental para o desenvolvi mento desta terra.
É tudo isto que os senhores pretendem pôr em causa. O que os senhores pretendem é fazer uma contra-revolução àquilo que há pouco tempo aqui aprovaram, à Constituição que aqui reviram. É isto que quer a bancada do CDS - que, diga se a verdade, sempre defendeu isso -, é isto que quer a bancada do PSD, e é isto que quer agora a bancada do PS. E é em relação à bancada do PS que isto é de estranhar, pelo que aqui o recordo aos deputados do PS porque eles têm responsabilidades, porque foram eleitos por muitos trabalhadores, porque há muitos que estão na bancada do PS que não se atrevem a estar aqui esta noite. É que efectivamente ao votarem e ao aceitarem as alterações da lei de delimitação dos sectores vão introduzir um novo perigo para o 25 de Abril, para o Portugal de Abril, para aquilo que foram as conquistas dos trabalhadores. Em suma, vão juntar maiores dificuldades às dificuldades reais com que o novo já vive e que está a atravessar, fruto da política da AD. da política que foi tomada por muitos governos, pós-25 de Abril.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Força, força companheiro Vasco!

O Sr. Presidente: - em a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro, para protestar'

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): -O Sr. Deputado Morais Leitão afirmou que o ataque à abertura à iniciativa privada dos sectores estatizados era uma posição do Partido Comunista.
Quero protestar contra esta afirmação porque a própria evolução do debate parlamentar aqui hoje realizado evidenciou que não se trata apenas de uma posição do Partido Comunista. E mais do que isso: a própria evolução do debate parlamentar demonstrou a toda a Câmara, e obteve como resposta o silêncio dela, que até as duas centrais sindicais são contrárias a esta proposta que V. Ex.ª aqui defendeu. Se V. Ex.ª tivesse dito que o partido que representa é o único partido que não aprovou a Constituição de 1976, aí V. Ex.ª faria uma afirmação exacta. Mas nesta matéria não é só o Partido Comunista que se opõe à proposta governamental: são várias outras forças políticas representadas na Assembleia da República.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, era para um protesto.

O Sr. Presidente: - Um protesto contra quem?

Risos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, já lhe vou dizer,, até porque sou uma pessoa que cumpro as regras e sei como é difícil a missão de V. Ex", que, aliás exerce com brilho, equilíbrio e competência' Eu nunca na minha vida poderia usar da chicana para usar da palavra!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Manuel Lopes ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado desculpará. mas primeiro o Sr. Deputado Morais Leitão vai responder aos protestos que lhe foram dirigidos e depois dar-lhe-ei a Palavra para o protesto que deseja fazer.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente, e peço-lhe imensa desculpa.

Risos.

O Sr. Presidente: - Está desculpado, Sr. Deputado.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas uma breve resposta porque a intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso não foi um protesto, razão pela qual não posso fazer um contraprotesto. No entanto, aproveito para recordar que não foi só Michel Rocard que inventou as empresas mistas como solução para nalguns sectores controlar o poder económico. E se sou defensor de que em muitos sectores não valia a pena ter ido ao ponto de deter 100 % do capital de empresas que são públicas, então nesse aspecto igualo-me - e sem com plexo- ao vosso camarada Michel Rocard.
Quanto ao Sr. Deputado Manuel Lopes, já merece um contraprotesto, porque, mais uma vez, o Sr. Deputado veio atirar para a minha bancada afirmações ofensivas, imputações de vontade de criar desemprego. Tenho trabalhado em empresas que criaram emprego. tenho ajudado a criá-las e, portanto, sei, Sr. Deputado, que não é com as vossas mezinhas, não é com as vossas soluções burocráticas que se cria e fomenta o emprego no nosso país.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Com as suas também não!

0 Orador: - E, sim, com competição, com a res ponsabilidade dos agentes e com mérito. 0 povo por tuguês já está farto desse palavreado; quer resolver o desemprego por outra via, que é a nossa e não a vossa.
Peço desculpa ao Sr. Deputado Raul de Castro por ter deixado o MDP/CDE no contexto em que o insen. Entendo efectivamente que, no plano em que pus os problemas, só soluções colectivistas levaram à situa ção a que nós chegámos, pelo que temos de as aban donar. Porque o Partido Socialista abandonou o colecti vismo, porque defende uma economia em que o poder

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político se sobrepõe ao poder econ6mico, mas em que o socialismo não consiste em traduzir o Estado num patrão, num gestor, numa ama seca, num dono de mercearias e de boutiques, tudo isso me leva ao convencimento de que será possível nos próximos anos fazer aquilo que a AD não pôde fazer porque a oposição de então não foi construtiva como nós vamos ser.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - E isso mesmo!

Vozes do PCP: - Assim é que é!

O Sr' Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós temos escutado de forma paciente, sofredora até (risos), os discursos do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português. E temos escutado porque o nosso objectivo é ganhar
tempo.
No entanto, há uma confissão que vou fazer a esta Câmara e que é esta: é que nós desejamos eliminar para sempre o espírito da social-democracia dentro do Partido Socialista, e por isso vamos votar esta lei. Só que quando falo em social-democracia não estou a pensar no Partido Social-Democrata alemão, não estou a pensar no Partido Socialista francês, no Partido Social Democrata sueco. Estou a pensar na social-democracia checoslovaca, húngara, romena, polaca, búlgara, etc., que, a seguir à guerra, por um complexo de missão ideológica, se integrou nas garras dos mecanismos totalitários da Europa de Leste.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

Risos do PCP.

Ao tomarmos esta atitude, têm toda a razão os Srs. Deputados do PCP em nos dizer que a sua ortodoxia não tem nada a ver com a nossa ideologia. Como dizia alguém, há uma diferença fundamental entre religião e dogmatismo: a religião levou Cristo a crucificar-se no Calvário; o dogmatismo leva a que as pessoas crucifiquem os seus inimigos em nome das sua próprias ideias.

Uma voz do PSD: - Os inimigos e os amigos!

O Orador: - Nós compreendemos uma ideia religiosa, recusamos uma ideia dogmática.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito a esta lei, obviamente que ela significa uma ruptura. Os Srs. Deputados do PCP ouviram o brilhante discurso do Dr. Almeida Santos no outro dia. Perante a sua bonomia, perante a sua capacidade de diálogo talvez não tenham descortinado três ou quatro ideias, mas o fundamental dessas ideias é o seguinte: é que nós, ao assumirmos esta posição que vamos assumir, temos perfeita consciência do que vamos fazer. Sabemos que é necessário introduzir dentro do esquema colectivo um esquema de mercado; sabemos que é necessário introduzir dentro do esquema econ6mico nacional da banca e dos seguros uma forma exacta de iniciativa privada.
São tudo coisas que os Srs. Deputados podem considerar erradas, condenáveis, criticáveis. Mas só há uma forma de as considerarem erradas, condenáveis e criticáveis que é em nome dos vossos pr6prios princípios. E é fundamental que se diga que existe, hoje como no passado, ao nível das liberdades individuais, ao nível das liberdades económicas, ao nível da concepção de vida uma ruptura extremamente funda entre o sistema socialista autoritário e o sistema do socialismo democrático.
Nós pensamos que em relação a estas matérias é necessário ter uma ideia e uma perspectiva extremamente claras nada temos a ver com a sociedade colectivista, recusamos a ditadura do proletariado, consideramos que as sociedades de Leste são puros campos de concentração e exigimos que em nome destes princípios não nos voltem ...

Protestos do PCP.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): ...os capitalistas aos bancos!

O Orador: - Os Srs. Deputados pensam que as sociedades de Leste não são puros campos de concentração. Eu registo.

Protestos do PCP-

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estamos a falar da banca em Portugal!

O Orador: - Nós consideramos que as sociedades de Leste são puros campos de concentração' E a nossa solidariedade em relação aos princípios da defesa dos direitos do homem está com todos aqueles que sofrem essa opressão, opressão essa que foi simbolizada recentemente em dois nomes: o de Lech Walesa na Polónia e o do Papa João Paulo 1I na visita que fez à sua pátria natal.
São estes os princípios que nós defendemos. E temos o direito de exigir que não nos voltem a incomodar com uma ortodoxia que não nos diz respeito!

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDE.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Lopes tinha-se inscrito quando o Sr. Deputado José Luís Nunes tinha começado a intervir ...

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, eu usarei da palavra depois do Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Presidente: - A Mesa não se tinha apercebido, mas para que efeito é, Sr- Deputado Carlos Brito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer um protesto, em nome da minha bancada, relativamente ao protesto que acaba de ser feito pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, ou, se o Sr. Presidente entender que devo pedir a palavra ao abrigo da

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figura regimental do contraprotesto, usarei então essa figura para poder comentar a intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Presidente: - Creio que será a figura do con traprotesto que o Sr. Deputado deverá usar, para o que lhe dou a palavra.

O Sr. Carlos deito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado José Luís Nunes: Na verdade, lamento que
seu verniz sofredor só tenha durado até à meia noite menos cinco .

Risos do PCP.

Há um certo sortilégio com as 24 horas. Vejo que o Sr. Deputado José Luís Nunes também é presa desse sortilégio!

Risos.

Vozes do PS: - Essa é boa!

O Orador: - É. E a verdade é que o Sr. Deputado José Luís Nunes até invocou as bruxas ...

Risos.

já estamos habituados a- isso e por essa razão Mo nos surpreendemos inteiramente.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Em todo o caso, foi boa toda esta clareza explosiva, pois esclareceu muita coisa; é excelente para o nosso povo e vai dar-mos a oportunidade de esclarecer muita gente.

Vozes do IAS: - Ah!

O Orador: - Nós, aos deputados do Partido Socialista e ao Sr. Deputado José Luís Nunes, só o que temos pedido é coerência ou explicações. Porquê esta súbita cambalhota, que não tem assento nas decisões dos vossos congressos? Ficamos surpreendidos, interrogamo-nos e dizemos: isto vai ser muito mau para a democracia portuguesa. E temos o direito de o dizer, temos o direito de protestar, temos o direito de lhes dizer: Srs. Deputados do Partido Socialista estais a assumir uma gravíssima responsabilidade!

Protestos do PS.

É convosco, é verdade. Sois pessoas há nestas, sois pessoas honradas, é convosco! Mas nós também temos o direito de dizer isto.

Aplausos do PCP e protestos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Lopes tinha-se inscrito para que efeito?

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, inscrevi-me duas vezes: quando o Sr. Deputado Morais Leitão estava a intervir e quando do protesto do

Sr. Deputado José Luís Nunes. E é a essas duas intervenções que não poderei deixar de me referir.
Penso que a Mesa naturalmente terá tomado nota dos pedidos de palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas V. Ex.ª deseja protestar contra qualquer afirmação do Sr. Deputado Morais Leitão?

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Não, Sr. Presidente. Pretendo utilizar o direito de defesa quanto ao protesto do Sr. Deputado Morais Leitão, e ainda, naturalmente, contraprotestar em relação ao protesto do Sr. Deputado José Luís Nunes.

Protestos do PS.

P Sr. Presidente: - Mas em relação ao segundo orador de que fala foi o Sr. Deputado Carlos Brito que, em nome da sua bancada, fez um contraprotesto ...

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente que o Sr. Deputado Carlos Brito - e por isso fiz a concessão por que ele tinha feito a sua inscrição atempadamente- fez um protesto em nome da nossa bancada.

O Sr. Presidente: - Foi assim que interpretei, de maneira que o Sr. Deputado Manuel Lopes terá a palavra para intervir, sob a figura do direito de defesa, relativamente às palavras do Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - E naturalmente também em relação a afirmações produzidas pelo Sr Deputado José Luís Nunes.

Protestos do PS e do PSD-

O Sr. António Macedo (PS): - Isto não pode ser. Isto é o descrédito desta Casal

O Sr. Presidente: - Eu peço a atenção da Câmara porque assim não podemos trabalhar. -

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É muito simples, Sr. Presidente.
Se a Câmara tiver um pouco de calma e se souber aguardar não vou empatá-la muito tempo.

Protestos do PS.

Em relação às afirmações do Sr. Deputado Morais Leitão, elas são conhecidas devido à sua passagem por vários ministérios durante os governos da AD. Quando V. Ex.ª diz «os senhores são os causadores desses males terríficos desta terra» a verdade é que a política que os senhores conduziram durante 3 anos de poder aumentou não só a grave situação de vida em que os portugueses viviam -e os números não são meus, são do seu próprio Governo -, mas, mais do que isso, agravou substancialmente a situação de desemprego neste país.
Mas foram mais longe do que isso: os senhores deixaram o país com cerca de 100 000 trabalhadores com salários em atraso, em parte de empresas em

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laboração E é, no fundo, em nome dessa política, que o senhor, as pessoas da sua bancada e muitos outros que agora vêm em socorro das suas próprias afirmações pretendem imputar culpas a quem não teve nenhuma responsabilidade - a não ser dizer «temos fome, os senhores estão a levar o País para a miséria, os senhores estão a conduzir o País para a situação do passado» - e vêm agora tentar voltar as coisas.

E é contra isso que invoco aqui o direito de defesa. Não reconheço nem ao Sr. Deputado nem a nenhum deputado da sua bancada o direito de nos acusar Se alguém tem de os acusar são os cidadãos portugueses, são os trabalhadores desta terra que vêem não só os seus salários diminuídos e o desemprego a aumentar, como, inclusivamente, no conjunto enorme de empresas, os salários a ficarem em atraso, tudo fruto da vossa política, fruto da situação que os senhores criaram ao País.

O Sr- Narana Coissoró (CDS): - Façam mais greves políticas!

O Orador: - A lei para os senhores só existe quando é lei para os capitalistas. No fundo, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que ao defenderera uma determinada situação aqui hoje, nesta Câmara, e todos aqueles que em apoio dela vêm, o que pretendem é criar a situação do laisser/gire laisser passer e, mais do que isso, fazer voltar o País à situação do antigamente.

Quando intencionalmente, digamos, mas de forma clara, eu disse que há muitos trabalhadores deste país que votaram no Partido Socialista e muitos trabalhadores que neste momento recusam efectivamente a posição que aqui está a ser assumida, o Sr. Deputado José Luís Nunes não encontrou mais nada para dizer a esta Câmara, não encontrou mais nenhuma explicação senão a de ir buscar os países socialistas, ir buscar isto e aquilo. Ignorou naturalmente situa ções, que também devia conhecer, como as do Chile, a Nicarágua, El Salvador, a Turquia.

Vozes do PS: - A Polónia, a Bulgária!

O Orador: - Deveríamos falar disso, Srs. Deputados.
Mas o importante hoje, nesta Câmara, não é falar do Chile, nem de El Salvador, nem da Nicarágua. nem da Turquia ...

Vozes do PS: - E da Checoslováquia!

O Orador: -..., nem de qualquer outro caso, mas sim daquilo que é real neste país.
E a verdade é que todos somos conhecedores dos efeitos de 48 anos de monopólios e de latifúndios nesta terra, e que mesmo 10 ou 9 anos depois do 25 de Abril não o devíamos ignorar nesta hora.
Pretende-se iludir as questões, pretende se desviá-las, pretende-se aqui esconder os efeitos desta lei com a mesma veemência que deputados daquela bancada patentearam aquando da Lei Barreto, dizendo que não havia perigos nenhuns, que tudo estava bem. E também agora se põe o mesmo calor na questão da delimitação dos sectores.

De resto, nós sabemos que, apesar da resistência heróica dos trabalhadores, a direita, os senhores do CDS e os senhores do PSD, não deixaram de tentar vibrar grandes machadadas ...

O Sr. Presidente: - Eu agradecia que terminasse, uma vez que acabou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
A situação não é igual, é parecida, mas é bom que nesta noite os Srs. Deputados que, em nome do povo. pretendem efectivamente assumir-se aqui votando favoravelmente esta alteração à lei de delimitação dos sectores, tenham consciência da sua atitude porque estão perante o povo português e de nada lhes valerá invocar situações estranhas ao nosso país porque estamos aqui nesta terra e é aqui que têm de responder.

Protestos do PS e do PSD-

E, Srs. Deputados, é essa responsabilidade que os trabalhadores e o povo, efectivamente, irão pedir a este país'

O Sr. Cal Brandão (PS): - O tempo já terminou, Sr. Presidente!

O Orador: - Aquilo que os senhores estão a fazer é a dar seguimento às ...

Protestos do PS e do PSD.

O Sr- Presidente: -Sr. Deputado Manuel Lopes, pedia-lhe o favor de terminar.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Desculpará se demorei mais um tempo, mas é normal nesta Câmara haver Srs. Deputados - e permita-me que faça este reparo- que muitas vezes utilizam os direitos regimentais com 1, 2 e 3 minutos a mais do tempo de que dispõem, para intervir.

Uma voz do PS: - Utilizam, mas não abusam!

O Orador: - Normalmente peço poucas vezes a palavra e por isso peço a compreensão do Sr. Presidente e que entenda as minhas razões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão para responder.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Deputado Manuel Lopes, a minha resposta é a seguinte: não é nada disso que o senhor disse.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O que o senhor disse faz me lembrar a história que se conta daquele trabalhador alentejano que foi a um vosso comício e que, quando os senhores falavam em abolir a propriedade privada, disse para a mulher «Ó mulher, vamos embora que eles querem-nos roubar as galinhas».

Risos do CDS e do PSD.

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Porque os senhores, que estão sempre a defender os trabalhadores como se fossem os monopolistas dos trabalhadores, esquecendo que 80 % dos portugueses não votaram nos senhores, que criaram neste país um ambiente de instabilidade e transformaram as empresas num ambiente de ódio. Os senhores, que as destruíram ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o CDS?

O Orador: - ..., é que vêm defender o emprego? Os senhores aumentam é o desemprego!

Protestos do PCP.

Se os senhores fossem governo neste país aumentava o desemprego!

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes e agradecia que se ativesse à matéria em discussão.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Assim farei, Sr. Presidente.

Os Srs. Deputados Carlos Brito e Manuel Lopes disseram que nós demos uma súbita cambalhota, que seremos responsabilizados perante não sei quem, e era bom que ficasse claro o que é que a expressão «seremos responsabilizados» contém de intimidação e de ameaça...

Risos do PCP.

...perante não sei quem, pelo voto que dermos. Os Srs. Deputados devem saber 3 coisas, e a primeira é que, até ao momento, nunca tive medo. Não sei se não terei no futuro, mas até ao momento nunca tive medo.
Falaram de súbita cambalhota e sobre decisões do Governo. Mas súbita cambalhota, porquê? Com que direito é que se diz ao Partido Socialista, hoje e aqui, que nós demos uma súbita cambalhota, depois de no Avante, depois de em O Diário se cobrir o nosso partido das maiores calúnias durante a campanha eleitoral ...

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com que direito é que se diz que nós demos uma súbita cambalhota? Com que direito? Quem é que mandatou os Srs. Deputados Comunistas para serem os nossos juizes, já que não creio que queiram ser os nossos algozes?!

Protestos do PCP.

O segundo aspecto que é fundamental frisar é este: os Srs. Deputados dizem que falei nos países socialistas, que nós detestamos - ponto um -, e que não falei no Chile, na Nicarágua e em £1 Salvador. Mas os Srs. Deputados não falaram, curiosamente num único, como era o caso da Argentina, em relação ao qual a União Soviética, em relação ao qual O Diário, em relação no qual o Avante, deram todo o apoio aquando do conflito das ilhas Falkland!!

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da ASDI e da UEDS.

Isto significa que para os senhores, em matéria de direitos do homem, não há princípios, o que há é razões de ordem geopolítica. O General Leolpoldo Gualtieri é péssimo quando assassina milhares de comunistas na Argentina -o que nós condenamos-, mas é óptimo quando pretende instalar uma base soviética no Atlântico Sul!

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI. Protestos do PCP.

Nós entendemos que em relação a estas matérias não há nada de dramático. Entendemos que, em relação a elas, os Srs. Deputados não podem interferir na democracia interna dos partidos políticos que compõem esta Assembleia. Os Srs. Deputados não têm nenhuma capacidade, nem competência para falarem em nome dos trabalhadores portugueses ...

Protestos do PCP.

De tal modo que quando se fala em competência, o analfabetismo chega a um ponto tal, que competência não significa capacidade e inteligência, significa só possibilidade de fazer.

Vozes do PS, do PSD e do CDS: - Muito bem! Protestos do PCP.

O Orador: - O Sr. Deputado Morais Leitão, por exemplo, tem o direito de falar em nome dos trabalhadores que votam no CDS.

Aplausos do CDS.

Os Srs Deputados do PSD têm o direito de falar em nome dos trabalhadores que votam no PSD, e eu tenho o direito de falar, quando mandatado para isso, em nome dos trabalhadores que votam no Partido Socialista e os senhores em nome dos trabalhadores que votam no PCP. Agora o que não têm direito de falar é em nome dos trabalhadores portugueses, que não lhes passaram procuração ...

Vozes do PS, do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ... e que cada vez mais têm em relação ao Partido Comunista Português um sentimento de desfasamento, de separação e de ataque. Mais nada!

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI. Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Deram entrada na Mesa 3 requerimentos, que irão ser votados. Entretanto, o Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, suponho que o Sr. Deputado José Luís Nunes usou da palavra invocando a figura regimental do direito de defesa, pois não tinha outra.

O Sr. Presidente: - Foi, com efeito, em resposta ao Sr. Deputado Manuel Lopes, que tinha invocado o direito de defesa, que o Sr. Deputado José Luís Nunes respondeu nos mesmos termos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não, Sr. Presidente não foi assim!

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Foi assim que interpretei e penso que foi assim que se realizou. Com efeito, o Sr. Deputado Carlos Brito fez o seu protesto, o Sr. Deputado Manuel Lopes invocou o direito de defesa em relação ao Sr. Deputado Morais Leitão e em relação ao Sr. Deputado José Luís Nunes. Assim o afirmou, e foi assim que lhe foi concedida a palavra. O Sr. Deputado José Luís Nunes tinha o direito de responder à intervenção do Sr. Deputado Manuel Lopes.
Não vejo que norma regimental me permita dar-lhe a palavra agora Sr. Deputado ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Agora é só triste figura ...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ó Narana, tenha calma! ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, lembrava que o meu camarada Manuel Lopes, como consta seguramente do registo magnético, invocou em relação à intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, que fizera um protesto, a figura do contraprotesto.

Vozes do PSD: - Não! Não!

O Orador: - Consta, consta do registo!

Protestos do PS e do PSD.

Invocou ainda o direito de defesa em relação ao Sr. Deputado Morais Leitão e tendo invocado contraprotesto em relação ao Sr. Deputado José Luís Nunes, este só pode ter usado da palavra ao abrigo do direito de defesa.
Ora, se o Sr. Presidente me conceder a palavra para dar explicações ao Sr. Deputado José Luís Nunes, que é a figura regimental adequada se ele usou a figura do direito de defesa, uso essa figura. Se o Sr. Presidente não me permite usar dessa figura regimental, usarei a figura do direito de defesa pessoal, uma vez que fui citado na intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes. Serei, aliás, muito breve.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou consultar a Mesa antes de lhe dar a palavra.

Pausa.

O Sr. Deputado Carlos Brito, como foi mencionado pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, usará o direito de defesa «e entender que foi atingido na sua honorabilidade e de acordo com as normas regimentais.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, começaria por lhe explicar que jamais me passaria pela cabeça intimidá-lo de qualquer maneira. Conheço a sua proverbial coragem e ela é, aliás, conhecida de toda a Câmara. É uma questão que está completamente arredada.
Creio que o Sr. Deputado só pôde pensar isso daquilo que eu tinha dito - e que foi coisa muito diferente - devido ao adiantado da hora. Sr. Deputado, parece-me que ...

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito obrigado. O antigo ministro da Justiça, Dr. Menéres Pimentel, publicou um novo Código Penal que consagra a figura do crime impossível - crime, entre aspas, no sentido de crime, contravenção, violação de regulamento, e não estou a pensar em nenhuma coisa de especial.
Evidentemente que intimidar-me será uma forma de crime impossível...

Risos

... Sr. Deputado, dizia-lhe então que ...

Risos

... quando falava das responsabilidades, não era perante nenhum juiz, como me pareceu agora decorrente do que acaba de dizer. Era quanto às chamadas responsabilidades históricas! ...

Vozes do PS:- Ah!

O Orador: - Quanto ao resto, Sr. Deputado, se compreendo que possa ter ouvido mal o que aqui se passou agora, já depois da meia-noite, compreendo pior que o Sr. Deputado não tenha ouvido o que estivemos aqui a discutir durante todo o dia de hoje. Não estivemos a discutir a política externa, estivemos a discutir a proposta de autorização legislativa pára alteração à lei de delimitação dos sectores de produção. Foi isso que estivemos a discutir, Sr. Deputado, e se nos tivesse ouvido teria percebido a questão da cambalhota!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar 3 requerimentos que chegaram à Mesa.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, o facto de ir pôr à votação 3 requerimentos como anunciou, faz-me pensar que não há mais inscrições...

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6 DE JULHO DE 1983 581

O Sr. Presidente: - E exacto, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dar-se-á o caso de não falar nenhum membro do Governo?!

0 Sr. Presidente: -Sr. Deputado, o caso é que não há mais inscrições!

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI

O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, através desta figura queria manifestar a minha estranheza por, em face de uma lei que foi considerada histórica e uma alteração profunda, não ver nenhuma intervenção de um membro do Governo.

O Sr- Presidente:- Eu tomo nota, Sr. Deputado.

Risos do PS, do PSD e do CDS

O Sr. Presidente: - Vamos passar à leitura dos requerimentos.

O primeiro é do seguinte teor:
Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 109.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP requerem a votação nominal para a proposta de lei nº 2/111'

Tem as assinaturas regimentais.

Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP e do MDP/CDE, e as abstenções do CDS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Os outros 2 requerimentos são semelhantes, um apresentado por deputados do Partido Socialista, o outro por Deputados do Partido Social Democrata.

O requerimento do PS é o seguinte:
Os deputados abaixo assinados do Grupo Par lamentar do Partido Socialista pedem a V. Ex., nos termos do artigo 148.1 do Regimento, que o debate seja encerrado de imediato, passando se à votação.

O requerimento do PSD tem o seguinte texto:
Ao abrigo do artigo 148.0 do Regimento, os deputados abaixo assinados requerem a V. Ex.ª que se passe imediatamente à votação da proposta de lei nº 2/111.

Penso que os dois requerimentos são iguais, pelo que vamos passar à sua votação conjunta.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS, do PSD e da UEDS, votos contra do PCP e do deputado do CDS Basílio Horta, e as abstenções do CDS, do MDP/CDE e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso para uma declaração de voto.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei a minha declaração de voto em 30 segundos.
Nós votamos a favor do requerimento pela simples razão de que a Mesa nos tinha dado a informação de que não havia mais ninguém inscrito, pelo que não faria sentido prosseguir o debate. Caso estivesse alguém inscrito, evidentemente que teríamos votado contra, pois entendemos que se não deveria coarctar o debate.
Para terminar, lamentamos apenas que o Governo, autor da proposta de lei que aqui discutimos, se tenha mantido silencioso, sem ter dado sequer os esclarecimentos que alguns deputados presentes lhe solicitaram. Penso que é lamentável e espero que não repita idêntico comportamento em debates futuros.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lascas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de explicar o nosso voto de abstenção. Nós estivemos neste debate, por uma lado, com a tristeza de quem repete um debate já realizado 4 vezes - vai na quarta edição -, e, por outro, com a alegria de assistir a uma espécie de conversão que consideramos fundamental para o futuro da democracia portuguesa. E isto tem muito a ver com o sentido do nosso voto de abstenção neste momento.
Considerarmos estranho que um debate que é histórico e extremamente importante para a democracia portuguesa tenha sido assumido pelo Governo numa espécie de clandestinidade, nomeadamente notória com a ausência de qualquer Ministro na bancada do Governo, quando é certo que até agora o Governo tem primado - justiça lhe seja feita- pelo facto de ter sempre um Ministro presente na Assembleia da República.
Consideramos, inclusive, que esse facto faz talvez prever a ideia de que a banca privada será para o Partido Socialista apenas uma forma de administração indirecta. Porque o facto de ter aqui 2 Srs. Secretários de Estado a quem, aliás, presto a minha homenagem pela atitude sofredora, pedindo desculpa do plágio ao deputado José Luís Nunes, que manifestaram por assistirem a este debate penosamente durante tanto tempo- revela que o Governo lançou uma criança à Roda, como se ela não tivesse pai, com o sentido da vergonha que não é eficaz quando se querem resolver os problemas nacionais
Porque o que nós perguntamos - e já o fizemos aqui uma vez- é se, sem coerência, sem autoridade moral, sem assumir frontalmente as questões, se podem resolver os problemas em Portugal. Quando que remos abrir caminho - e estivemos a abrir caminho desde a primeira hora neste terreno- temos autoridade moral para dizer isto nesta circunstância.
E lamentemos que o Partido Socialista não tenha assumido, através da direcção do Governo, este debate como um debate fundamental, e sim apenas como um incidente do seu próprio percurso político e do próprio percurso político da democracia portuguesa. Porque nós, que há 8 anos nos batemos pela abertura

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dos sectores, não podemos neste momento resignar nos a considerar que este é apenas um ponto mais na trajectória da democracia portuguesa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Este é um ponto fundamental, e temos que o sublinhar. Não é um momento de clandestinidade, nem um momento de enjeitados. Para nós, a liberdade - a liberdade económica em primeiro lugar- não é uma liberdade para enjeitados!, é uma liberdade constitutiva da democracia e do pluralismo português.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós votamos obviamente contra requerimentos de abafarete. É um instrumento que tem sido usado muito poucas vezes nesta Casa - e ainda bem! - e que esperamos não venha a constituir precedente.
É que, embora desta vez ele fosse desnecessário, já que não havia mais inscrições na Mesa, havia contudo um Governo que tinha apresentado uma pro posta de lei a este Parlamento e que, tendo estado calado durante todo o debate, se manteve calado, en costado nas suas cadeiras. Tanto mais que tinha sido solicitado a dar esclarecimentos, o que não fez, e que devia a esta Câmara uma palavra, já que se vangloria de não ter medo da Assembleia da Repúblico

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, Srs. Deputados, os vossos requerimentos foram abafaretes.
Mais ainda: eu gostaria de saber - gostarei de saber um dia - porque é que os requerimentos foram dois e não um só. Porque é que os deputados do PSD não assinaram conjuntamente o requerimento com os deputados do PS? Não é facto despiciendo, Srs. Deputados. É que isso faz pensar que nem todos aqui têm a mesma consciência daquilo que se vai votar nem todos aqui estão por igual conformados com o resultado desta votação.
Que esta votação é importante, Srs. Deputados, reconheço. Contudo, nós, na nossa bancada, esperamos - e temos boas razões para isso - que ela não seja a votação histórica que alguns Srs' Deputados querem fazer crer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr. Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE considera que o Governo fugiu às regras democráticas que nós esperávamos que observasse. E esperemos que essa fuga represente, na verdade, a consciência de uma responsabilidade que o Partido Socialista não quererá tomar ao mais alto nível, pretendendo colocá-la apenas ao nível dos seus deputados.

Por outro lado, temos a convicção de que se tratará de uma sessão histórica, embora só transitoriamente histórica, - pois a História irá continuar, e outra proposta de lei irá em breve derrubar esta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa célebre frase que eu gostaria de recomendar à apreciação do Sr. Deputado Lucas Pires, o Papa Júlio III dizia assim: «Este mundo é um vale de lágrimas, mas ai como é bom chorar! »

Risos.

Dá-me ideia que a declaração do Sr. Deputado Lucas Pires se integra dentro do melhor espírito desta afirmação do Papa Júlio III.
E são esses os lamentos que o Sr. Deputado Lucas Pires faz em declaração de voto, menos no que respeita ao requerimento aprovado, e mais no que respeita ao debate traçado.
Não há nenhuma clandestinidade. 0 Governo, que é o governo do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata encontra-se representado por quem de direito: 2 Secretários de Estado.
Em segundo lugar, no debate que aqui foi travado sobre a constitucionalidade desta proposta, já o Sr. Ministro de Estado, Dr. Almeida Santos, teve, ocasião de explicar a razão por que o Governo tinha apresentado esta proposta de lei.
Em terceiro lugar, e no que respeita à Roda e à existência de filhos espúrios, gostava de lembrar ao Sr. Deputado Lucas Pires que a Roda foi uma estrutura criminosa que existiu em Portugal para libertar as chamadas «famílias honradas» daquilo que era designado pela sua desonra e que era um filho ilegítimo. Nós, que somos uma família honrada - sem aspas! -, não temos de recorrer à Roda. Nós e o PSD assumimos conscientemente. a paternidade, desta lei e nem sequer invocamos para tal - calcule o Sr. Deputado! - a possível apresentação a esta Assembleia da lei do aborto.

Risos do PS e do PSD.

No que diz respeito ao problema aqui referido pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, obviamente que não se trata de uma lei de abafarete. E não se trata de uma lei de abafarete, porque como o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

Vozes do PCP: - Requerimento não é lei 1

0 Orador: - Peço imensa desculpa, mas o decorrer do tempo levou-me a confundir - oh, que grande crime! - uma lei com um requerimento! Mas foi só confusão de linguagem Trata-se de um lapsus linguae ou de um lapsus calami, conforme o caso, distinção que o Sr- Deputado é suficientemente abalizado para fazer, se assim entender.

Risos.

Como dizia, não se trata de um requerimento de abafarete, pois não havia mais ninguém inscrito. De qualquer forma, nós votámos a favor - desse requeri

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mento porque ele tinha sido apresentado e se encontrava na Mesa, embora tivéssemos tido a plena consciência de que esse requerimento não tinha tido qualquer espécie de objecto.

Risos do PCP.

Enfim, Srs. Deputados, eu gostaria de sublinhar o seguinte: pretende o Sr. Deputado Veiga de Oliveira saber a razão por que não assinamos conjuntamente - nós e o PSD- esse requerimento. Pois trata-se, pura e simplesmente, de uma questão de filosofia parlamentar que me ultrapassa ...

Risos do PSD e da UEDS.

... mas penso tratar se de uma ironia do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, a que responderei com outra ironia: se quer saber, proponha a constituição de uma comissão eventual de inquérito!

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Risos.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, desejava requerer a contagem.

O Sr. Presidente: - A contagem dos deputados presentes, não é, Sr. Deputado?

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - A discriminação numérica dos votos, Sr. Presidente.

Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei nº, 2/III - autoriza o Governo a alterar alguns dispositivos da lei de delimitação dos sectores público e privado. (Lei n.º 46/77, de 8 de Julho).
Submetida à votação, foi aprovada, com 149 votos a favor, do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, e com 44 votos contra, do PCP, do MDPICDE, da UEDS e
do Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação na especialidade.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, fiquei com a ideia de que tinha sido requerida a contagem por partidos! Não sei se esse requerimento foi
feito ou se foi retirado!

Pausa-

Dizem-me aqui que não foi assim. Tinha sido equívoco meu, estou esclarecido, Sr. Presidente.

Risos.

Vozes da UEDS: - Nós também nos enganamos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o artigo 1.º da proposta de lei.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 1"

É o Governo autorizado a legislar com o objecto da alteração parcial da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, e com o sentido de abrir à actividade de empresas privadas, e a outras entidades da mesma natureza, novos sectores de propriedade dos meios de produção.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, e os votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 2.º

Foi lido. E o seguinte:

ARTIGO 2.

Os sectores de propriedade dos meios de produção referidos no artigo anterior são o sector bancário, segurador, cimenteiro e adubeiro.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vamos votar.

Submetido d votação, foi aprovado, com votos a lavor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, e votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 3.º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 3"

A abertura em concreto será legalmente condicionada por garantias objectivas de solidez do empreendimento, de não discriminação das em presas portuguesas em face das estrangeiras, e de defesa do interesse nacional.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Submetido à votação, foi aprovado, cora os votos a lavor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e os votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez.

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O Sr. Presidente: - Vamos votar agora uma proposta de aditamento a este artigo, que vai ser lida.

Foi lida- E a seguinte:

Proposta de aditamento

ARTIGO 3"

[ ] nomeadamente assegurando quanto ao sector bancário:

a) Exigência de capital mínimo adequado ao funcionamento das instituições, bem como demonstração de indicadores de solvabilidade e liquidez que garantam a sua estabilidade financeira;
b) Fixação de critérios orientadores em igualdade para os bancos nacionalizados e privados quer na distribuição de crédito quer na angariação de depósitos e nas demais actividades e serviços bancários;
c) Fiscalização adequada sobre as diversas operações bancárias, nomeadamente sobre o acesso ao crédito por parte dos accionistas, bem como, sobre o conjunto da actividade bancária desenvolvida.

Os Deputados da ASDI: Magalhães Mota - Vilhena de Carvalho - Furtado Fernandes.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, votos contra do PCP, do MDP/CDE e do Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção da UEDS.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 4.º

Foi lido- E o seguinte:

ARTIGO 4º

A autorização legislativa caducará se não for utilizada durante o prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.

O Sr- Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos u favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos contra do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 5.0

- Foi lido- É o seguinte:

ARTIGO 5.º

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos u favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI, com votos contra do PCP, do MDPJCDE e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção da UEDS

0 Sr- Presidente: - Vamos proceder à votação final global da proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a lavor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos contra do PCP, do MDPJCDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. - Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos.
Na sessão de amanhã, que começa às 10 horas, não haverá período de antes da ordem do dia, e do período da ordem do dia consta a discussão e votação das propostas de lei n.º 8/III concede ao Governo autorização para legislar sobre o regime legal da utilidade turística; 9/III - concede ao Governo autorização para legislar sobre o imposto de turismo no sentido de proporcionar maiores receitas aos órgãos regionais e locais de turismo; 12/III - concede ao Governo autorização para legislar em matéria de definição de crimes de tráfico ilícito de diamantes em bruto ou não lapidados; 14/III - concede ao Governo autorização para, no quadro da revisão do Código da Propriedade Industrial, alargar o âmbito da aplicação das infracções e penas correspondentes; 13/III - concede ao Governo autorização para prever o regime jurídico de duração do trabalho; e 15/III - concede ao Governo autorização para alterar o regime jurídico das contra-ordenações, seu processo e sanções pelo exercício irregular de actividades económicas'
Esta última proposta de lei, se não chegar a ser discutida na sessão de amanhã, passará para uma outra ordem de trabalhos, a definir por acordo entre os grupos parlamentares.
Está encerrada a sessão.

Eram 0 horas e 55 minutos do dia 6

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel Frias Barreiros.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge D. Rebelo de Sousa.
Jorge Manuel A.F. Miranda.
José Manuel Torres Couto.

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Maria Margarida Ferreira Marques.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Manuel Correia Lopes.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Sousa Gomes Almeida.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique António da Conceição Madureira.
Hernâni Torres Moutinho.
João António de Morais Silva Leitão.
José Augusto Gama.
José Vieira de Carvalho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Manuel C. Ferreira Vitorino.

Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados:

Partido Socialista (PS):

Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Francisco Manuel Marcelo C. Curto.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Martins Pires.
Manuel Filipe Pessoa S. Loureiro.
Manuel Laranjeira Vaz.
Nelson Pereira Ramos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata, (PPD/PSD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Fernando José da Costa.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mário Martins Adegas.

Partido Comunista Português (PCP):

Joaquim António Miranda da Silva.
Raimundo do Céu Cabral.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
José António de Morais Sarmento Moniz.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Tomás Rebelo Espírito Santo.

As redactoras de 2.º classe: Isabel Barral - Maria Amélia Martins. - O Redactor Principal, Manuel Adolfo de Vasconcelos.

Declaração de voto da ASDI relativa à votação
de proposta de lei n: 2/111

1 - A lei de revisão constitucional não alterou o disposto na Lei Fundamental, nos principais normativos em que assenta a matéria ora debatida.
O nº 3 do artigo 85.º reproduz exactamente o que constituía o n.º 2 do mesmo artigo, tal como a reserva de competência legislativa da alínea j) do artigo 168.º reproduz o dispositivo da alínea p) do artigo 167.º do texto constitucional anterior à revisão.
Para os deputados da Acção Social-Democrata lndependente não há razões que imponham ou justifiquem diferente interpretação do artigo 85.º da Constituição do que a feita pela Comissão Constitucional no parecer n.º 8/80 de que foi relator o Prof. Dr. Jorge Miranda.
Entendemos assim que o preceito constitucional citado impõe a existência de sectores básicos da economia em que seja vedada a actividade às empresas privadas, determinando o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 139.º da Constituição da República a impossibilidade de todos os sectores serem conside dados básicos, porque tal faria terminar com o sector privado nesse domínio, verificando-se a inversa se nenhum sector fosse considerado básico.
O disposto no artigo 85.º da Constituição da República Portuguesa não é, aliás, caso único no direito constitucional comparado. Disposições análogas constituem o artigo 27.º da Constituição Mexicana, o artigo 156.º da Constituição de Weimar, o artigo 44.º da Constituição Espanhola de 1931, o artigo 43.º da Constituição Italiana, o artigo 15.º da Constituição da RFA, o n.º 2 do artigo 128.º da actual Constituição Espanhola (1978) ou constam do preâmbulo da Constituição Francesa de 1946 em vigor por força da Constituição de 1958.
A posição dos deputados da ASDI foi, aliás, explicitada quando do debate sobre a admissibilidade da proposta em intervenção do deputado Vilhena de Carvalho.
Claro ficou, por conseguinte, entendermos a proposta de lei 11-º 2/111 como constitucional.
2 - De igual modo, no debate se evidenciou não colocarmos o debate num ponto de vista maniqueista de quem entende o sector público como anjo bom, com todas as qualidades e nenhum defeito ou, inversamente, que o sector privado é fonte de todas as virtudes, nenhum defeito lhe assiste, nenhuma mácula o prejudica.

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Disse-o o deputado Furtado Fernandes como o havia dito o deputado Magalhães Mota (v. Diário da Assembleia da Republica , n.º 68, de 22 de Maio de 1981, p- 2649).
Pôde ainda tonar-se claro como, sociais-democratas que somos, não consideramos nacionalizações sinónimo de socialismo,- mas tão-somente como um instrumento, entre- outros, para assegurar a subordinação do poder económico, ao poder político democrático, esse sim característica essencial do modelo de sociedade que temos por desejável.
De igual modo, evidenciámos como a propriedade privada é por nós encarada como incentivo à criatividade, à formação de riqueza e como forma de defender a liberdade de cada um contra um eventual poder totalitário do Estado
A sociedade livre e solidária que pretendemos para todos implica que nenhum grupo esteja investido no exercício exclusivo de direitos, sejam eles políticos ou económicos.
Por assim entendermos, a revisão da lei dos sectores não por nós colocada na perspectiva de quem a entendesse. questão de princípios ou alicerce essencial do nosso ordenamento económico constitucional.
Entendemos antes, como no parecer n.º 13/80 da Comissão Constitucional se escreveu, que «A Constituição quis [ ... ] que dentro dos ditames gerais de carácter sócio-económico que consagra, a ordenação económico-social e, nomeadamente, a forma e o grau, de socialização dos meios de produção. e de riqueza ficassem na dependência das circunstâncias de cada momento - única forma de garantir a sua adequação às características do presente período Histórico [artigo 9.º , alínea d], da Constituição da República]».
3 - A posição essencialmente pragmática dos deputados da Acção Social-democrática Independente tem, como já se referiu, conteúdo próprio e ideologicamente coerente.
3.1- Não pode aliás deixai de referir-se como, por exemplo, em França historicamente as nacionalizações começam por ser atacadas e acusadas de «revisionismo», precisamente por se tratar de intervenções selectivas; diferenciadas por, assim ser da generalizada apropriação dos meios de produção.
É Henri de Man quem as propõe e Guedes e Thorez, que se lhe opõem (v, Jean Michel Six Nationalisation et environnement capitaliste, tese de doutoramento
em Paris X- Nanterre).
A verdade é que a polémica tradicional sobre a possibilidade de chegar ao socialismo pela simples reforma da distribuição das riquezas ou da necessidade de mudar a natureza do seu modo de criação se alargou e enriqueceu recentemente.
É antes do mais o contributo indispensável- da sociologia, evidenciando as razões profundas do comportamento diferente dos partidos socialistas e sociais-democratas na sua actuação política.
A importância decisiva do papel do Estado na promoção do desenvolvimento é uma constante da Europa do Sul; em que o sector privado nunca foi suficientemente dinâmico e empreendedor para desempenhar papel motor e em que, por assim dizer o atraso dos respectivos países na sua integração na revolução industrial é notório
Depois, porque onde não houve uma classe operária forte e uma tradição sindical poderosa, «onde a burguesia era mais fraca» para usar palavras de Alain Touraine, in L'après-socialisme «è mais -decidida- a
manter os seus privilégios que a modernizar a indústria, e onde o Estado desempenha um papel de protecção dos interesses adquiridos e das tradições culturais, a social-democracia cede lugar ao socialismo
propriamente dito, o qual dá prioridade à acção política para a conquista do Estado e a substituição da propriedade privada pela propriedade pública».
O mesmo Touraine conclui (como, aliás, Atain Bergounioux, Bernard Manin, in La social-democratie ou le compromis, PU, 1979)- que «quanto mais um país é activamente industrializado pela sua burguesia, menos é marcado pelo apelo às nacionalizações » Por isso, «os sindicatos são então o agente principal da classe operária e os próprios dirigentes políticos são frequentemente de origem operária».
3'2 - Mas não é só a análise sociológica e histórica cuja validade universal poderia e pode contestar-se.
É também a decisiva argumentação nos termos da qual, porquanto se não pode redistribuir , e menos ainda satisfatoriamente, um rendimento inexistente, condiciona o chamado «socialismo de redistribuição» «possibilidade da existência, manutenção e crescimento de funções do «estado de bem-estar» que, com evidência mais crua que qualquer teoria, a actual crise se encarregou de demonstrar.
A tensão crescente entre as exigências, cada dia acrescidas, de nível de vida e qualidade dos serviços públicos e a resistência face ao imposto e a cotização
social (o trabalho a mais considerado como «não valendo a pena», o recurso à economia paralela, etc, etc) já, aliás, antes da «crise», constituam sintomas
claros e inegáveis
A crítica ao «socialismo de distribuição» vai, porém, em termos europeus, a par e passo com a análise crítica aprofundada das nacionalizações.
Aponta-se que estas têm pleno significado na economia autárquica do século XIX, menos nas economias abertas do nosso tempo e aponta-se como o facto de as i nais recentes nacionalizações (as de França) terem poupado, designadamente à banca estrangeira, não é mais que o constatar desta realidade.
Os mais recentes doutrinadores do socialismo e da social-democracia e renunciam a uma e outra destas ideias, que, como fulcro, se revelam obsoletas.
O que importa e está em causa como projecto de sociedade é um novo modelo de desenvolvimento, conciliando o quantitativo e o qualitativo, mais respeitador do homem dos seus tempos e equilíbrios naturais e uma política económica agindo tanto sobre a oferta como sobre a procura, incluindo nos instrumentos de
acção sobre a oferta desde as acções indirectas (incentivos, política de compras, investigação) até às nacionalizações.
Trata-se, não de refazer a sociedade segundo um esquema abstracto, mas de liberta-la de um poder que, por ser monopolizado pelas potências económicas, se opõe ao desenvolvimento da diversidade de aspirações sociais e, em primeiro lugar, abafa e violenta os interesses das classes trabalhadoras.
4 - Por tudo isto, podem os sociais-democratas independentes afirmar que as soluções concretas hão de ser as mais adequadas a cada país e momento, no respeito pela vontade- popular exercida no quadro da democracia política representativa.

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Assim nos convencemos, embora os argumentos invocados a propósito da adesão europeia, nem o pseudo-argumento de que assim se evitam álibis - que, muito provavelmente, apenas e antes se traduzirá na geração de novos álibis e novas exigências - mas não merecendo este Governo, ao contrário dos governos AD, a nossa desconfiança, não tínhamos razões que nos impedissem de votar favoravelmente a proposta que nos apresentou.
E certo que ficaram sem resposta por parte do Governo as interrogações formuladas na intervenção do deputados Furtado Fernandes, como em 1981 haviam ficado sem resposta as interrogações do deputado Magalhães Mota agora reproduzidas.
Mas a proposta de aditamento que formulámos e a Assembleia aprovou permite orientar e condicionar a autorização legislativa dada ao Governo obrigando-o a criar mecanismos que acautelem a possibilidade de, através de capitais reduzidos, se movimentarem fundos assinaláveis, previnam a hipótese de se desequilibrar a concorrência e assegurem controles adequados e eficazes.
Assim, pudemos considerar suprida a lamentável ausência de participação no debate por parte do Governo.
Acreditamos que maior serenidade e aprofundamento no debate, que não deverá encerrar-se, melhor permitirão ajuizar da bondade das soluções ora adoptadas.
Votámos com coerência, ponderação, seriedade e espírito aberto
O futuro dirá se a Assembleia da República soube encontrar a solução mais adequada a um futuro mais justo, digno e livre do povo português.
Os Deputados da ASDI: Magalhães Mota - Vilhena de Carvalho - Furtado Fernandes.

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PREÇO DESTE NÚMERO 168$00

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