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22 DE SETEMBRO DE 1983

Nunca até hoje um governo se apresentara perante a Assembleia a propor isto: a imposição avulsa de umas tantas espécies fiscais, adicionais, aumentos de taxas e alargamentos de incidências fora do quadro da lei orçamental, isto é, fora da consideração complexiva, recíproca e articulada das receitas e desposas públicas. Agravamentos fiscais - todos sabemos, tivemo-los em série, aberrações tributárias não faltaram também, mas foi preciso chegarmos ao 1X Governo para, em 2 meses, assistirmos, primeiro, ao pedido de plenos poderes para retalhar o orçamento das despesas e, agora, a pedido de receitas sem orçamento.
É inconstitucional! Toda a gente sabe que é inconstitucional e nunca ninguém se atreveu a sustentar e praticar o contrário. E há para isso boas razões, enquanto para o contrário, que é péssimo, só pode haver rima razão - e é a pior de todas.
A proposta viola, como sustentamos nas nossas alegações de impugnação, o artigo 108.º da Constituição. Os agravamentos fiscais implicam uma revisão orçamental expressa e fundamentada. E bem se compreende a razão desta imposição constitucional.
Primeiro, porque mexer nas receitas é mexer no Orçamento e o Orçamento exprime e sintetiza as opções fundamentais de toda uma política e tem conexões com quase todas as actividades económicas e financeiras do País. E daí que deriva a sua importância política e como instrumento de política em qualquer sistema. Os meios orçamentais, as receitas, as despesas, existem para cumprir objectivos e para realizar funções. O Parlamento não pode conceder meios sem saber para quê, porquê, para quem, à custa de quem, no quadro de que política esses meios vão ser obtidos e usados. E é aqui, no Plenário, que se explica tudo isto e não fora dele.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Nenhum governo pode vir à Câmara, e com ares misteriosos, murmurar em privado, ao ouvido de uns tantos deputados, um número estarrecedor, deixar cair em tom cavo que esse número vai, afinal, ser o défice e, sem mais, pedir receitas avulsas sem debate nem orçamento. E é irrelevante, senão chocante, como aqui já foi sublinhado, que o Governo reúna em privado com os seus deputados para lhes transmitir, porventura, o que esconde ao País e tem sonegado ao Plenário, e mais grave ainda, que a seguir voe para Nova Iorque. E em Portugal e neste Plenário que aspas contas e estas informações devem ser prestadas.
Em segundo lugar, a imposição de uma forma constitucional para o lançamento de agravamentos fiscais é a única que garante aos cidadãos que nenhum governo faça decretar agravamentos sem que deixe claras as questões respeitantes à sua natureza, ao quadro em que se inserem, às contrapartidas e medidas complementares no campo das despesas, às implicações sociais, à justiça ou injustiça da repartição da carga contributiva. Trata-se de uma dupla garantia institucional: da Assembleia da República perante o Governo e dos cidadãos perante o fisco. A Assembleia não pode pronunciar-se sem estarem preenchidas certas condições e o preenchimento dessas condições significa para os cidadãos uma protecção contra o lançamento de impostos à loa.
Em terceiro lugar, a criação avulsa de impostos ofenderia o princípio da inscrição orçamental. Envolvendo aumento de receitas, a previsão quantificada do
respectivo aumento deve ser inscrita no Orçamento do Estado pelo valor competente. E se acrescer a uma anterior inscrição, esta tem de ser corrigida. Contas de cabeça, dinheiros no ar, é a coisa mais aposta à própria noção de finanças públicas, aos princípios da unidade e universalidade do Orçamento.
Em quarto lugar, a Lei do Orçamento, no que se refere às receitas, não é uma mera previsão. E isto, Srs. Deputados governamentais, merece da parte de todos uma atenção muito particular. É que da inscrição das receitas depende o direito do Estado a exigir os impostos criados por lei. Sem essa inscrição a administração financeira não tem o direito de arrecadar quaisquer receitas, ainda que previstas em lei formal.
É bom que os Srs. Deputados da coligação tenham isto bem presente e não esqueçam que, aos cidadãos que nos elegeram, resta sempre um último meio de defesa, constitucionalmente.
Tudo isto é tão unanimemente entendido que cabe que nos perguntemos todos como é que o Governo, que certamente não ignora tudo isto, ousou propor o que propõe, e que até agora não retirou?
Na célebre nota informativa sobre política conjuntural emitida pelo Ministério das Finanças e do Plano, nas suas vestes próprias, em 9 de Agosto, após a assinatura da carta de intenções com o FMI, anunciava-se, no n.º 9 º, a intenção de operar aquilo a que se chamava uma «compressão de despesas» e de recorrer «a novos instrumentos de fiscalidade directa e indirecta ainda nos 3 º e 4 º trimestres de 1983». O objectivo seria «contrair o défice do orçamento do sector público administrativo, que, segundo o Governo (ou segundo o FMI), deverá ser reduzido para cerca de 8 % do PIB em 1983 e cerca de 6,5% em 1984».
Lia-se isto e julgava-se de boa fé que o Governo ia propor uma alteração formal do orçamento vigente. Mas, nas semanas seguintes, sucessivos desmentidos vieram inculcar a ideia de que não haveria, afinal, qualquer revisão orçamental, nem própria, nem imprópria, nem directa, nem indirecta, nem aberta, nem encapotada. E acabou por acontecer o que certamente poucos, nessa altura, terão imaginado: o Governo recusou-se a vir à Assembleia prestar contas em tempo útil das negociações com o FM1 - que, como mais uma vez ouvimos, são muito sigilosas - e pretende agora fazer aprovar agravamentos fiscais à margem do Orçamento escassos dias depois de o Primeiro-Ministro ter proclamado, para quem o quis ouvir, que depois da última rajada de aumentos tinham acabado os sacrifícios ...
< Os agravamentos são necessários», acabámos há pouco de ouvir o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares repetir mais uma vez, os «agravamentos», dizem até outros membros do Governo, serão impostos a bem ou a mal, porque há perigo de rotura. Mas então a rotura da bolsa dos Portugueses, como é? E então a política necessária para resolver as questões conjunturais e de estrutura da nossa economia? Como vamos discuti-la? Quando vamos decidi-la? E não tem o País direito a saber o que explica haver a dita grande disparidade entre o que foi orçamentado pelo Governo anterior do PSD e a verdade dos factos? Havia falha na previsão das receitas? Houve falha nas cobranças? Houve manipulação orçamental? Em que ministérios e áreas? Por responsabilidade de quem? Que medidas foram, ou vão ser tomadas para corrigir as anomalias detectadas? Que