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I Série - Número 29

Quinta-feira, 22 de Setembro de 1983

Diário da Assembleia da República

III LEGISLATURA

I SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE SETEMBRO DE 1983

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Ordem do dia. - A assembleia aprovou um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de deputados do PSD.
Procedeu-se à discussão conjunta e à votação, tendo sido rejeitados, dos recursos interpostos pelo PCP, pelo CDS, pelo MDP/CDE e pela ASDI, relativos à admissão das propostas de lei n.º 38/III a 44/III.
Usaram da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Nogueira de Brito (CDS), Carlos Lage (PS), Costa Andrade (PSD), Zita Seabra e José Magalhães (PCP), Raul de Castro (MDP/CDE), António Lopo Xavier (CDS), António Vitorino (UEDS), Luís Beiroco (CDS), José Luís Nunes (PS), Lopes Cardoso (UEDS), Azevedo Soares (CDS). Carlos Brito e Octávio Teixeira (PCP), Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) e Ilda Figueiredo (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Frederico Vieira de Moura.
António José dos Santos Meira.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto R. Santana Maia.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Ferdinando Lourenço de Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José Augusto Fillol Guimarães.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
José António Borja S. dos Reis Borges.
Leonel de Sousa Fadigas.

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I SÉRIE - NÚMERO 29

Luís Abílio da Conceição Cacito. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel Alfredo Tito de Morais. Manuel Fontes Orvalho. Manuel Laranjeira Vaz. Maria Ângela Duarte Correia. Maria da Conceição Pinto Quintas. Maria Luísa Modas Daniel. Maria Margarida Ferreira Marques. Paulo Manuel de Barros Barral. Raul d'Assunção Pimenta Rego. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Rui Monteiro Picciochi. Silvino Manuel Gomes Sequeira. Teófilo Carvalho dos Santos. Victor Hugo Jesus Sequeira. Victor Manuel Caio Roque. Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues. Abílio Mesquita Araújo Guedes. Agostinho Correia Branquinho. Amadeu Vasconcelos Matias. Amândio S. Domingues Basto Oliveira. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Nascimento Machado Lourenço. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. Carlos Miguel Almeida Coelho.
César Augusto Vila Franca.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Ferreira. Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Pedro Augusto Cunha Pinto. Raul Gomes dos Santos. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Manuel de Oliveira Costa. Victor Pereira Crespo.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez. António José de Almeida Silva Graça. António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira. Jaime dos Santos Serra. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João António Torrinhas Paulo. Joaquim António Miranda da Silva. Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. José Rodrigues Vitoriano. Manuel Correia Lopes. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Manuel Rogério de Sousa Brito. Manuel Silva Ribeiro Almeida. Maria Alda Barbosa Nogueira. Maria Ilda Costa Figueiredo. Mariana Grou Lanita. Octávio Augusto Teixeira. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida. Adriano José Alves Moreira. Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António Carlos Brochado de Sousa Pedras. António José de Castro Bagão Félix. David José Leandro Duarte Ribeiro. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Hernani Torres Moutinho. Horácio Alves Marçal. João Carlos Dias M. Coutinho de Lencastre. João Gomes de Abreu Lima. José António de Morais Sarmento Moniz. José Augusto Gama. José Henrique Meireles de Barros. José Luís Nogueira de Brito. José Vieira de Carvalho. Luís Filipe Paes Beiroco. Manuel António de Almeida Vasconcelos.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca. José Manuel do Carmo Tengarrinha. Raul Fernandes de Morais e Castro.

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12 DE SETEMBRO DE 1983

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
José António Furtado Fernandes.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

Tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, a sessão de hoje não tem período de antes da ordem do dia. Queria, no entanto, começar os nossos trabalhos por comunicar ao Plenário que recebi uma carta do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que vou passar a ler:

Tendo de partir amanhã, dia 21, para os Estados Unidos da América, em viagem inadiável de serviço oficial há muito programada, tenho a honra de informar V. Ex.ª de que me faço substituir durante a minha ausência, inclusive para efeito do debate na Assembleia da República aprazado para a semana corrente, pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento, Dr. Alípio Dias.

Informo ainda o Plenário que recebi uma carta do presidente do Agrupamento Parlamentar da ASDI a informar que retirava os pedidos de impugnação da admissibilidade das propostas de lei n.º 38/III, 39/III, 40/III e 44/III.
Srs. Deputados, por lapso, não foi ontem anunciada no Plenário a admissão do projecto de lei n.º 209/III, subscrito pelo Sr. Deputado Rui Monteiro Picciochi, do Partido Socialista, e relativo à «demarcação da área territorial das freguesias de Pernes, Achete e São Vicente de Paul, do concelho de Santarém». Baixou à 10 º Comissão.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado,

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Presidente leu uma carta do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que naturalmente fica registada. No entanto, V. Exa. não disse absolutamente nada das consequências que tirava dessa carta, ou seja, se entendia que o Sr. Ministro se pode fazer substituir por ofício ou se entendia que era uma carta com o valor que tinha, isto é, o nulo valor face à Constituição e aos preceitos que ela contém.
Sr. Presidente, a minha pergunta, muito concreta, é esta: a Mesa tem alguma posição sobre essa carta no que toca à representação do Sr. Ministro das Finanças e do Plano?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra acerca deste mesmo assunto.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, responderei depois ao Sr. Deputado João Amaral. Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Imota (ASDI): - Sr. Presidente, o Decreto-Lei n.º 344-A/83, publicado em 25 de Julho no suplemento ao Diário da República, que aprova a Lei Orgânica do IX Governo Constitucional, dispõe, no seu artigo 7 º, n.º 5, que, quer a delegação, quer a subdelegação de poderes, serão feitas por despacho publicado no Diário da República.
Pergunto à Mesa o seguinte: foi publicado no Diário da República algum despacho contendo a delegação de poderes do Sr. Ministro das Finanças e do Plano - que partiu, segundo diz na carta, para uma viagem há muito tempo programada- no Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, peço a palavra para prestar um esclarecimento à Câmara.

O Sr. )Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, desejava informar a Câmara que, para além da carta que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano endereçou ao Sr. Presidente da Assembleia da República, enviou uma outra ao Sr. Primeiro-Ministro - que poderá enviar cópia quando quiser e que será normalmente publicada -, ao abrigo do n.º 2 do artigo 188.º da Constituição, segundo o qual cada ministro será substituído na sua ausência ou impedimento, pelo secretário de Estado que indicar ao Primeiro-Ministro ou, na falta de tal indicação, pelo membro do Governo que o Primeiro-Ministro designar.
Posso assegurar que essa carta existe. Ela não pode sequer ser inventada porque o Sr. Ministro das Finanças e do Plano já partiu e não podíamos recolher a sua assinatura por telex. Por isso, se a Assembleia assim o entender, o Sr. Primeiro-Ministro, que chegará dentro de algumas horas de Viseu, poderá dar ordens no sentido de que essa carta seja mostrada ao Plenário da Assembleia. Se a Assembleia acreditar na minha palavra, posso assegurar que essa carta foi enviada ao Sr. Primeiro-Ministro e foi nestes termos que se processou a substituição do Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
A carta que o Sr. Ministro enviou à Assembleia da República é um complemento da informação dessa substituição, formalizada nos termos da Constituição, por justa deferência pela Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Creio, Srs. Deputados, que depois do esclarecimento dado pelo Sr. Ministro Almeida Santos, dado que se trata de um debate e sendo evidente a impossibilidade do Sr. Ministro das Finanças e do Plano estar presente, a Assembleia deverá aceitar esta substituição.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não fiquei esclarecido àcerca do sentido que a Mesa deu à leitura que fez, com o relevo que lhe prestou, da carta do Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
A questão que se coloca não é de somenos importância. Se o Sr. Ministro considerar importante - tal como foi noticiado pela imprensa- explicar aos deputados e aos grupos parlamentares que o apoiam o conjunto das medidas económicas que tomou, seria bom que considerasse igualmente importante explicá-las à Assembleia da República, enfrentando particularmente os partidos da oposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é isso que parece estar a ser desenhado no contexto da carta que foi lida!

A Sr.ª Zita Seabra- (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente, continuam a suscitar-se as mesmas dúvidas que sempre se suscitaram, face ao disposto na Constituição no que toca à responsabilidade política dos membros do Governo. De facto, o artigo citado refere-se a um esquema de substituição que tem a ver com o funcionamento do Governo, mas não põe em questão as normas constitucionais que se referem à responsabilidade dos membros do Governo perante a Assembleia da República.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É essa questão que está em aberto e é ao Sr. Presidente e à Mesa que pergunto qual é o entendimento dado ao problema suscitado.
Finalmente, Sr. Presidente, a programação dos trabalhos da Assembleia era compatível com a presença do Sr. Ministro das Finanças e do Plano antes ou depois da sua saída para o estrangeiro, tal como foi referido no documento que foi lido.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Era possível organizar os nossos trabalhos garantindo a presença do Sr. Ministro das Finanças e do Plano. É por isso que me parece importante colocar em evidência o facto de se ter querido propositadamente que isso não sucedesse.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dá para perguntar: por quê! Dá para perguntar: por que é que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano tem uma aversão a este hemiciclo que o impede de vir aqui - ele e só ele - explicar as medidas de política económica e financeira que, ao
fim e ao cabo, estão contidas nas propostas de lei que apresentou?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, a questão da organização dos trabalhos tem sido discutida aprofundadamente a propósito, nomeadamente, do direito protestativo do Grupo Parlamentar do PCP de interpelar o Governo sobre matéria de política económica. Não podemos, por esse motivo, de deixar de considerar neste contexto que a ausência desse debate - agora reforçada pela ausência do Ministro das Finanças e do Plano a este debate sobre estas propostas de lei - tem o significado claro que o sector ou departamento dentro do Governo responsável pela área da economia e finanças se quer furtar a esta discussão ao seu nível mais alto, ao seu nível de maior responsabilidade.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de brito (CDS): - Sr. Ministro Almeida Santos, V. Ex.ª invocou o artigo 188 º da Constituição e eu suponho que a disposição invocada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e, salvo erro, pelo Sr. Deputado João Amaral é o artigo 180 º Realmente é o artigo 180 º que temos de considerar, visto que são totalmente distintas as substituições que se fazem no seio do Governo das substituições que se fazem perante a Assembleia e quando está em causa a responsabilidade política do Governo.
Se for conjugada a disposição constitucional do artigo 180 º com as disposições da Lei Orgânica do Governo teria de haver delegação expressa de competência, publicada no Diário da República, para que o Sr. Secretário de Estado pudesse substituir aqui, assumindo a responsabilidade política do Governo através do Ministério das Finanças e do Plano, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Portanto, não é correcto invocar neste processo o artigo 188.º!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, uma última observação, Sr. Presidente, que não podemos deixar de fazer.
Fomos alertados pela comunicação social acerca da deslocação, ontem, do Sr. Ministro das Finanças e do Plano a esta Assembleia para se encontrar com 2 grupos parlamentares, a fim de trocar impressões com eles sobre as propostas de lei que vão ser aqui hoje discutidas.
Entendemos como infeliz esta atitude, Sr. Presidente, e não podemos deixar de o salientar expressamente na Assembleia. Isso diminui a dignidade desta Assembleia, visto que as propostas vão ser votadas por todos os deputados e não somente pelos deputados da maioria que apoiam o Governo. É por isso que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano não pode substituir um encontro com esta Assembleia, reunida em Plenário, por um encontro com grupos parlamentares.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que ele tenha encontros com grupos parlamentares, achamos muitíssimo bem; que ele tenha encontros com grupos parlamentares da maioria, achamos muitíssimo bem; mas que, simultaneamente, não tenha um encontro connosco, achamos muitíssimo mal!

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Que o público não entenda que esta Câmara está reduzida à sua maioria, visto que ela não está reduzida à sua maioria!
Era isto que nós queríamos dizer, Sr. Presidente.

Aplausos do CDS.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, era para prestar, na medida do possível, mais alguns esclarecimentos para ver se superamos esta dificuldade.
Em primeiro lugar, queria dizer que não prestei os esclarecimentos que o Sr. Deputado João Amaral considera necessários pela razão simples de que, no meu entender, dentro de breves momentos, estará aqui o Sr. Ministro das Finanças e do Plano para prestar esse esclarecimento. Não estará aqui o Sr. Dr. Ernâni Lopes, estará aqui o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, visto que quem substitui um ministro, nos termos da Constituição, é ministro nos termos dessa mesma Constituição. Esse é o nosso entendimento e, certo ou errado, não ouvimos ainda que fossem proferidas razões para o termos por menos certo.
Mas uma vez que o Sr. Secretário de Estado, na veste de Ministro das Finanças e do Plano, não está ainda presente, quero dizer-lhe que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano titular do cargo, Dr. Ernâni Lopes, foi ontem o primeiro a lamentar - repetiu por várias vezes esse facto - a circunstância de não poder estar hoje aqui a participar neste debate, como era seu propósito e seu desejo.
Lembro aos Srs. Deputados que este debate esteve, em princípio, aprazado para a passada semana. Depois pensou-se que podia começar ontem, tendo, inclusive, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano reparado uma comunicação para ser feita à Assembleia. Infelizmente não foi possível começar ontem os debates e aquilo que o levou a Nova Iorque é de tal modo imperioso - trata-se de numerosos e importantes contactos com entidades financeiras - que não podia deixar de os fazer, sob pena de os problemas que criava serem certamente mais graves do que o de se fazer substituir pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
Uma vez que o Sr. Secretário de Estado ainda não chegou, presto com muito gosto este esclarecimento. O Sr. Ministro das Finanças e do Plano foi o primeiro a declarar-se profundamente penalizado por não poder participar neste debate. Mas, entre as duas alternativas - não ir aos Estados Unidos da América e participar no debate -, entendeu que se sobrepunha a primeira preocupação à segunda, no interesse do Estado.
Dizer que se quis «propositadamente eximir a vir aqui participar no debate» é, na verdade, fazer um processo de intenção que não tem, na realidade, o mínimo de fundamento. Por outro lado, não estamos ainda na interpelação. Quando isso acontecer, necessariamente que ele aqui estará, se não surgir - espero que não - outro impedimento desta ordem.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito levantou um problema que, a meu ver, já está implicitamente respondido, ou seja, quando a Constituição prevê como é que se substitui um membro do Governo, esse membro do Governo, na veste de substituto de outro, substitui-o para todos os efeitos, inclusive para efeito do artigo 180º Parece-me que isto é lógico: não pode haver um regime de substituição que estipule um ministro para vir à Assembleia a outro ministro para reunir com o Conselho de Ministros. Isso seria perfeitamente absurdo - desculpará -, porque tinha de haver duas hipóteses de substituição, ou seja, um estaria bem substituído para vir aqui e outro estaria bem substituído para ir a um Conselho de Ministros.
Quanto à circunstância de o Sr. Ministro se ter ontem reunido com 2 grupos parlamentares, vou gostosamente prestar ao Sr. Deputado este esclarecimento: esses grupos parlamentares solicitaram a presença do Sr. Ministro e o Sr. Ministro veio. Tenho a certeza absoluta - posso responder por ele - que se o vosso grupo parlamentar solicitara presença do Sr. Ministro das Finanças e do Plano para vir aqui ter um debate sobre problemas do seu departamento, posso adiantar que ele não se recusará a aqui vir, tal como não se recusou ao convite dos 2 grupos parlamentares da maioria. Disso estou absolutamente certo e não há dúvida nenhuma que não fará essa discriminação, que seria, na verdade, pouco justificada.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a
palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, expor o nosso ponto de vista nesta matéria.
Consideramos que nada, na Constituição, no Regimento ou na lei, impede que o Sr. Ministro se faça substituir pelo Sr. Secretário de Estado. É óbvio, já constitui, inclusive, uma praxe mais ou menos aceite nesta Assembleia e não compreendemos o porquê desta refrega contra o Governo. O Sr. Ministro das Finanças e do Plano foi obrigado a proceder à sua substituição, para este debate, pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento por razões de força maior, visto que o Sr. Ministro já tinha compromissos anteriores, como nos explicou o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.
Não fazem, por estes motivos, sentido os juízos de valor que aqui foram pronunciados de forma crítica e negativa acerca do comportamento do Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Não foi uma opção, uma escolha, que ele fez de não vir aqui ao Parlamento, menosprezando ou subalternizando com esse acto a Assembleia. Não se trata nada disso, pelo que tal interpretação é abusiva e, até, não é correcto sob o ponto de vista de moralidade política. O Sr. Ministro gostaria de estar aqui, mas devido a compromissos anteriores muito importantes para o País está impedido de estar presente, pelo que se fez substituir pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento. Como já referi, a Constituição permite claramente que essa substituição se faça, nos termos do seu artigo 180.º, que diz:

Os ministros têm o direito de comparecer às reuniões plenárias da Assembleia da República, podendo ser coadjuvados ou substituídos pelos secretários de Estado, e uns e outros usar da palavra, nos termos do Regimento.

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Não há qualquer equívoco.
Por outro lado, o Governo não está aqui apenas representado pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento, está igualmente representado pelo Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

A Sr. Zita Seabra (PCP): - E pelo Carlos Lage!

O Orador: - Por conseguinte, está o Governo perfeitamente representado neste Parlamento e em condições de travar o debate acerca das propostas apresentadas. Naturalmente que também nós gostaríamos de ter aqui o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, mas, como já disse, razões de índole nacional impedem-no de estar presente.
Vamos começar o debate e não nos alonguemos nesta refrega estéril e sem sentido. -

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa entendeu que, face às disposições constitucionais - que, aliás, foram agora invocadas por alguns dos senhores deputados -, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano se pode fazer substituir neste debate pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidenta a questão neste momento está reduzida ao que é, visto que aquilo que está em discussão é ainda, em sede de primeira parte da ordem do dia, o processo de admissão das propostas de lei. Congratulamo-nos com a presença do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, que terá boas mãos para defender - se conseguir- essa admissibilidade.
Entretanto, continuará em aberto a questão no momento em que, se houver uma votação no sentido da admissibilidade das propostas, se iniciar a discussão das propostas. Nessa altura teremos de falar acerca da interpretação dos preceitos constitucionais. Sabemos para já que politicamente já aqui ficou definido qual e o sentido real e a vontade do Governo, isto é, considerar que é mais importante que o primeiro responsável pela área das finanças e da economia vá ao estrangeiro explicar a sua política do que vir aqui à Assembleia da República. E contra isso que nós protestamos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, queria apenas prestar um esclarecimento ao Sr. Deputado João Amaral: o Sr. Ministro das Finanças e do Plano não foi explicar a sua política. O Sr. Ministro foi negociar condições favoráveis para o controle da situação financeira do nosso País e fazer tudo o que está ao alcance, como ao alcance do Governo, para evitar situações de ruptura, que ainda não estão definitivamente afastados dos riscos que o País corre.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, numa brevíssima intervenção, dizer o seguinte: compreendemos perfeitamente as razões que levaram o Sr. Ministro a Washington, à reunião do Fundo Monetário Internacional. O que nós não compreendemos é que esta sessão não tenha sido organizada de forma a ter isso em conta, ou seja, de forma a que ele estivesse aqui connosco.
As razões apresentadas pelo Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares continuam a não nos convencer e, por isso, continuamos a considerar que o artigo l88 º da Constituição prevê uma espécie de substituição que não esgota a substituição e que, inclusivamente, esta está prevista de forma diferente na Lei Orgânica do Governo.
Mas o problema é este: nós, neste momento, vamos discutir a admissibilidade das propostas e aí o Governo está correctamente representado pelo Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares - é o Governo que está em causa neste momento. Mas quando for preciso explicar as propostas de lei, uma por uma, o que vai estar em causa é a política económica do Governo e aí, realmente, teria de estar presente o Sr. Ministro.
Tivemos aqui alguns episódios, quando foram discutidas autorizações legislativas, que são demonstrativos à saciedade de que era bom que estivesse aqui alguém com plenos poderes para tomar atitudes que foram, em alguns casos, resolvidas sem oportunidade e sem competência pelos Srs. Secretários de Estado e que depois tiveram de ser desfeitas.
E este o sentido da nossa intervenção.
Vamos ao debate, não vamos demorar os debates, vamos entrar na primeira parte da ordem do dia. É, realmente, esse o nosso desejo e o nosso voto.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria pedir o favor de terminarem este debate, que se está a transformar num período de antes da ordem do dia, visto que, suponho, o problema já está esclarecido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a nossa bancada absteve-se de participar nessa discussão, que nos parece de sobremaneira estéril em relação ao que está em causa. Em todo o modo, dadas algumas afirmações que aqui foram feitas, não podemos deixar passar algumas coisas sem a afirmação muito clara da nossa posição.
Em primeiro lugar, não podemos deixar de protestar veementemente contra a interpretação que foi feita sobre o facto de o Sr. Ministro estar ausente do País em cumprimento de missões de carácter nacional. Não entendemos, ao contrário do que foi

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dito, que isto represente algum desrespeito por esta Assembleia da República. A Constituição estabelece determinados critérios e normas de funcionamento das instituições e, no exercício desses critérios e normas, estão a funcionar por inteiro todas as instituições da democracia portuguesa, estão aqui connosco as instituições da democracia e da República soberana de Portugal.

Não temos da história, nem da sociedade, nem dos sistemas políticos, uma ideia tão personalizada. Estamos é espantados com o Partido Comunista - embora isso já não nos devesse espantar -, que acredita menos na força da história e nas instituições de um povo do que na presença de um homem, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, embora reconheçamos a importância do Sr. Ministro. Nós, mais do que num peso de um homem, acreditamos e jogamos na força e capacidade das instituições democráticas portuguesas e é no cumprimento e no exercício dessas instituições democráticas que estamos aqui.

Por isso o nosso protesto -- que não podia deixar de ser lavrado- contra a interpelação que foi feita.

Não podemos deixar passar a oportunidade para responder à intervenção da bancada do CDS quando contestou a legitimidade de um membro do Governo, que emana de uma determinada maioria, em se reunir com os grupos parlamentares que apoiam essa maioria.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu não disse isso!

O Orador: - Esse protesto é tão infundado que não merece qualquer comentário. Limitamo-nos apenas a recordar ao Sr. Deputado Nogueira de Brito e à bancada do CDS que quando com eles tivemos a honra de formar e dar corpo à Aliança Democrática várias vezes nos reunimos - e pena foi que o não tivéssemos feito mais vezes - com os membros do Governo que então apoiávamos.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr." Deputada.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado Costa Andrade falou na questão do regime, das instituições democráticas, etc. O Sr. Deputado acha, em consciência, que é uma forma correcta de tratamento desta instituição, que é o exemplo máximo do nosso regime democrático, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano vir aqui, na véspera de partir para o estrangeiro, reunir e prestar todos os esclarecimentos aos deputados que o apoiam e que não participe no debate na Assembleia da República, propriamente dito, onde estão todos os deputados do País, isto é, que participe numa reunião à porta fechada e que aí preste esclarecimentos e que aqui se escuse a participar neste debate, tanto mais que as datas desta discussão foram propostas e são da inteira responsabilidade da maioria que apoia o Governo?

Era esta pergunta, muito simples, que lhe queria fazer. Acha que isto é um tratamento leal e correcto para com o Parlamento?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, se assim o entender, o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, só queria dizer o seguinte à Sra. Deputada Zita Seabra: à sua pergunta fiz esforços antecipados para responder. Se não logrei convencer a Sra. Deputada na breve intervenção que fiz, não tenho de mim a ideia que seja capaz de o fazer agora. Remeto-a, por isso, para a intervenção que acabei de fazer, uma vez que se voltasse a falar, voltaria a dizer o mesmo!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma primeira nota para reforçar a afirmação, que fiz na minha intervenção, de que os secretários de Estado podem substituir os ministros.
A redução primitiva da Constituição, antes da revisão constitucional, dizia que «os membros do Governo têm o direito de comparecer às reuniões plenárias da Assembleia, podendo usar da palavra nos termos do Regimento», a redacção actual diz que «os ministros têm o direito de comparecer às reuniões plenárias da Assembleia da República, podendo ser coadjuvados ou substituídos pelos secretários de Es[...] ». Isto é, a revisão constitucional veio reforçar e sublinhar a possibilidade de o ministro se fazer substituir peio secretário de Estado.
Relativamente à invocação que foi feita da Lei Orgânica do Governo, penso que essa lei não tem eficácia nas relações entre o Governo e o Parlamento.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: -- As relações entre o Governo e o Parlamento são reguladas pela Constituição e pelo nosso próprio Regimento.
Quanto à questão que foi levantada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, relativa à organização do debate, cabe-nos - não o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares - dar uma explicação: inicialmente pretendíamos que o debate se fizesse na semana anterior. Compreendemos o atraso na divulgação destas propostas de lei, embora o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares tivesse entregue na conferência dos líderes parlamentares anteprojectos pedindo urgência. No entanto, isso veio alterar aquilo que pretendíamos, ou seja, que o debate se fizesse nessa altura, de modo a permitir ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano a sua participação.
Perguntam por que razão não transferimos este debate para daqui a uma ou duas semanas? Principalmente pela urgência da aprovação destas propostas de lei. A explicação para que o debate se faça nesta semana reside no seu carácter de urgência e na imperiosa necessidade, na perspectiva do Governo e dos grupos parlamentares que o apoiam, da aprovação dos diplomas do Governo, embora isso acarrete, facto que lamentamos, a ausência do Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para protestar em relação à intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento que o Sr. Deputado Costa Andrade, que tem enriquecido esta Câmara com brilhantes intervenções jurídicas, enformadas por uma sólida formação técnica, deturpe as minhas palavras, tendo isso acontecido pela segunda vez.

Na realidade, não neguei qualquer legitimidade ao facto de o Sr. Ministro das Finanças e do Plano se ter encontrado com os grupos parlamentares da maioria. Achei até bem que assim tenha acontecido.

Na altura, é certo, também não estava informado, como acabei de o ser pelo Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano estava ao dispor da oposição para ter encontros privados com a oposição. Isso também não acho muito correcto, ou seja, ter encontros privados com cada um dos grupos parlamentares, substituindo o encontro com o Plenário.

O que eu disse é que não podíamos deixar de considerar infeliz que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano se tenha encontrado com os grupos parlamentares da maioria numa noite e no dia seguinte não tenha podido estar presente aqui connosco.

Com isto não quero dizer que o Sr. Ministro se está a furtar ao encontro com o Parlamento. O que eu sublinho é a infelicidade objectiva destes factos e preocupo-me com a opinião que o público poderá ter alicerçado por esses mesmos factos.

É só isso que eu queria dizer, Sr. Deputado. Não neguei qualquer legitimidade ao encontro do Sr. Ministro com os grupos parlamentares da maioria.

O Sr. Igrejas Cueiro (PS): - Muito obrigado!

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. (Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, gostaria que este problema ficasse suficientemente esclarecido e por isso queria dar uma última informação de natureza objectiva que, porventura, será dada com mais razões pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento na veste de Ministro das Finanças e do Plano. Quando digo na «veste de Ministro das Finanças e do Plano» é para justificar que não tenha invocado a circunstância de o artigo 180 º permitir a substituição dos ministros por secretários de Estado, visto que ele não estará aqui na qualidade de secretário de Estado, mas sim na qualidade de Ministro das Finanças e do Plano ... ou na dupla qualidade, se quiserem.

O caso é este: como ele explicará, a finalidade destes impostos destina-se à redução do défice do Orçamento deste orlo. Por essa razão só poderá haver redução do défice se esses impostos forem cobrados até ao fim deste ano. A necessidade dessa cobrança urgente justifica a urgência desta discussão. Se assim não fosse, seria mais fácil adiarmos esta discussão para depois da vinda do Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

É uma razão objectiva que queria fornecer aos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Em reunião realizada no dia 21 de Setembro de 1983, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingos Fernandes de Abreu Salgado (esta substituição é pedida para os dias 21 a 23 de Setembro corrente, inclusive);
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís António Pires Baptista (esta substituição é pedida para os dias 21 a 23 de Setembro corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir,
uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) Araújo dos Santos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) João António Gonçalves do Amaral (PCP) Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

O Sr. (Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão

Pausa.

Como ninguém pede a palavra, vamos votar o relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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22 DE SETEMBRO DE 1983

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora na primeira parte do período da ordem do dia respeitante à apreciação de recursos relativos à admissibilidade de propostas de lei do Governo.
Em relação às propostas de lei n.º 38/III, 39/III, 40/III, 42/1II e 43/III, estão em discussão recursos interpostos pelos Grupos Parlamentares do PCP e do CDS. A admissibilidade da proposta de lei n.º 41/III foi posta em causa pelos Grupos Parlamentares do PCP, do CDS e do MDP/CDE e pelo Agrupamento Parlamentar da ASDI.
Se os Srs. Deputados estiverem de acordo, vamos proceder à discussão conjunta dos recursos de admissibilidade.

Pausa.

Tem então a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: O PCP impugnou a admissibilidade de todas as propostas de lei de agravamentos fiscais apresentadas pelo Governo porque elas violam as normas constitucionais respeitantes à criação de impostos e ao aumento da carga tributária e violam também a sua necessária articulação com o processo de aprovação e realização de despesas públicas.
Nenhum outro procedimento era possível face à natureza das propostas governamentais. É tal a gravidade da infracção que elas consubstanciam que não é de estranhar que impugnações similares à do PCP tenham sido deduzidas por muitas outras bancadas. O que é de estranhar é, em primeiro lugar, que estas propostas tenham podido ser concebidas, discutidas e aprovadas em Conselho de Ministros e enviadas à Assembleia da República por um governo vinculado não a violar, mas a cumprir escrupulosamente a Constituição. E é lamentável, em segundo lugar (mas é também significativo politicamente), que as bancadas governamentais, ao tomarem conhecimento oficial do preciso conteúdo da iniciativa do Governo, da sua natureza infractora da legalidade tributária e das prorrogativas do Parlamento, não tenham de imediato advertido o Governo da inviabilidade constitucional do meio que em má hora escolheu para prosseguir os objectivos em que está apostado e comprometido.
Até a coligação governamental mais dócil, mais acrítica e sonolentamente obediente é forçada a acordar quando um governo lança sobre o hemiciclo pedregulhos destes.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E é dever de todos, e não apenas de alguns deputados, recusar a ilegalidade e a prepotência tributária, venha ela donde vier. E perante uma situação dessas que nos encontramos todos neste momento. O exame das propostas apresentadas comprova, em nosso entender, que, neste campo, o Governo excedeu o que de pior era imaginável, tanto quanto aos objectivos que visa como em relação aos meios a que recorreu.
Quanto aos meios, ressalta desde logo a má fé de um governo que nestes dias fez desabar sobre os Portugueses uma campanha de desinformação tendente, a
inculcar que iria propor ao Parlamento apenas a tributação dos consumos de luxo, de actividades supérfluas, de rendimentos elevados. Não é nada disso: as propostas são 7, mas os alvos centrais são apenas 2 e pesam desmesuradamente sobre a bolsa dos trabalhadores portugueses.

Fazendo algumas contas, logo se descobre que dos agravamentos propostos resultariam potencialmente as seguintes receitas: extraídas do adicional sobre o imposto de capitais - pouco mais de 1 milhão de contos; provenientes do aumento do imposto do selo qualquer coisa como 3 milhões de contos; extraída dos rendimentos do trabalho - uma receita de 17,5 milhões de contos! (14 milhões, se não incluirmos os trabalhadores da função pública e os militares).

O cálculo das receitas decorrentes das outras propostas conduz a resultados diminutos, em muitos casos de cobrança difícil ou muito duvidosa. O Governo não as trouxe aqui para encher os cofres do fisco, mas sim para nos encher, a nós, os olhos de poeira, e má poeira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se descontarmos esta débil camuflagem, o que avulta na operação pretendida pelo Governo é o facto de o PS e o PSD terem ousado apresentar a mais hipócrita proposta de roubo do 13 º mês dos Portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São só 2,8 %, vem dizendo o Governo, com ar inocente, a quem quer ouvir. Também não é nada disso, Srs. Deputados. Se cada um de nós fizer as contas verá que, se este imposto fosse para a frente, quando em Dezembro chegasse a hora descobrir-se-iam coisas como estas: deduzidos todos os descontos obrigatórios, a prestação normal do imposto profissional e o novo adicional que agora querem lançar, lá se iriam 48 % do 13 º mês para os trabalhadores com rendimento de 21 500$, por exemplo. Ficariam 52 % do 13 º mês, que, quando muito, chegariam à justa para pagar daí a dias o imposto complementar ... Para os trabalhadores da função pública são 36 %, é o lançamento antecipado da tributação em imposto profissional, é outra facada no mísero aumento, que ficaria reduzido a 9,5 %, com uma inflação de, pelo menos, 25 % ...

E assim por diante. Para salários superiores ao médio a percentagem pode ir até 62 %. Adeus 13 º mês!

Dir-se-ia que também aqui o Governo PS/PSD não inova. Em 1976, o I Governo PS proeurou atingir o 13 º mês, fazendo-o pagar em títulos de tesouro, todos nos lembrarmos que não conseguiu. E quando em 1979 Mota Pinto - outra vez Mota Pinto - proeurou impor a tributação de 56 %, primeiro, e depois 35
do 13.º mês, teve a nossa firme oposição e recebeu aqui, do PS e do PSD (pela voz de Sá Carneiro), um rotundo não.

O propósito é agora o mesmo. Mas hipocritamente surge dissimulado entre propostas supostamente moralizadoras de que a propaganda governamental não se cansou até agora de falar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Só que até nisso o Governo é inepto: algumas das propostas tapa-olhos - podemos chamar-lhes assim - foram repescadas do refugo dos artigos rejeitados em todos os orçamentos do Estado debatidos nos últimos anos (é o caso do famigerado imposto de saída do País, anatemizado em 1981 pelo PS e pelo PSD) e proposto agora em termos perfeitamente tolos; quanto à oneração das viaturas automóveis, barcos e aeronaves, o Governo já tinha no orçamento em vigor uma linha de orientação centrada em torno dos chamados sinais exteriores de riqueza. A proposta agora apresentada insere-se numa outra linha que acaba por deixar de fora certas viaturas de luxo hoje abrangidas e por deixar de lado (curiosamente!) a questão, hoje prevista, das moradias com piscina ou campo de jogos (alguém deve saber porquê e para quem é feita esta viragem do Governo).

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Diga-se, aliás, a talho de foice, que o Governo também acabou por deixar cair o tão propagandeado, a certa altura, propósito de tributação de segundas residências e outras que tais.
Não é este o momento de detalhar a análise de tudo aquilo que entre bluffs e ameaças reais se contém nas propostas do Governo. Muitos outros camaradas meus terão ocasião de apreciar em profundidade as numerosas implicações das medidas que nos são propostas pelo Governo. O que importa, em sede desta impugnação, é que para levar a cabo esta operação contra a bolsa dos Portugueses o Governo pretende exercer uma violência inédita, digamos até cavernária, contra a Assembleia da República, pretende impedir que esta exerça os seus poderes num domínio dos mais fundamentais e quer que a Assembleia, do mesmo passo, viole a Constituição tributária.
Ora, em matéria fiscal e orçamental (tanto ou mais que nas restantes) mesmo os maus, os péssimos objectivos, só podem ser realizados através de certos e não de quaisquer meios. Há formas, há competências, há limites. A Constituição acautela que as relações entre os cidadãos e o fisco não possam confundir-se com a selva ou com a extorsão inquisitorial. A história dos parlamentos - todos o sabemos - é, em grande medida, a história da supressão dessas confusões e da fixação de limites que representam para os cidadãos uma importante garantia. E essa garantia que as propostas de lei n.º 38/III a 44/III põem em causa.
Donde a presente impugnação através da qual o Grupo Parlamentar do PCP afirma e demonstra 3 coisas: em primeiro lugar, que com a operação traduzida na apresentação conjunta destas 7 propostas o Governo pretende levar a cabo uma revisão encapotada do Orçamento do Estado vigente, à revelia do procedimento constitucionalmente previsto para o efeito; em segundo lugar, que quanto à sua substância concreta, o alvo verdadeiro da operação governamental é o agravamento intolerável das distorções, taras e injustiças do sistema tributário, ao arrepio dos rumos traçados pela constituição fiscal e com grave lesão dos rendimentos dos trabalhadores e de outras camadas profundamente atingidas pela política governamental de corrosão do poder de compra, estagnação da produção e de agravamento das nossas dependências; em terceiro lugar, afirmamos e provamos que o Governo pretende prosseguir a desgraçada política económica e financeira em que se inserem estas propostas inconstitucionais, usurpando sistematicamente as competências próprias da Assembleia da República, sonegando-lhe informações vitais, querendo castrá-la de qualquer efectiva intervenção nas escolhas e na celebração dos compromissos que talharão ou condicionarão o futuro dos Portugueses nos próximos anos.
Tudo isto afirmamos e provaremos. Basta que sobre os factos nos debrucemos um pouco mais para comprovarmos que todas estas imputações não pecam por excesso.
A primeira pergunta a fazer é, segundo nós, esta: como se inserem estas propostas, esta operação, na nossa situação orçamental? A resposta é: mal!
Portugal, além de não ter plano para 1983, vive, no tocante às finanças públicas, uma situação de escanifrada anomalia: o orçamento que temos é o mesmo orçamento que tínhamos quando estava na oposição o principal partido que agora está no Governo. Esse orçamento, que trazia o carimbo de «provisório», sofre alterações constantes no processo de execução, é refeito e desfeito à toa, sem que lhe bulam na letra (está cada vez mais definitivo e cada vez mais letra-morta). O Parlamento, que nesta matéria tudo devia ordenar e controlar, nem sequer é informado das miudezas elementares quanto mais das informações relevantes, vão levá-las a Nova Iorque, nada controla, quase nada ordena.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E dir-se-ia que este Governo busca, e busca por todos os meios, uma situação de anomia orçamental de indiscritível ausência de regras e controles. Quer assumir, num quadro que é cada vez mais opaco, obseuro e malsão, poderes exorbitantes para dirigir, rumo ao abismo, a nossa barca orçamental bem desconjuntada. A rota, essa vai traçada sigilosamente segundo os mapas do Fundo Monetário Internacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não pode ser. O Governo não pode continuar a vir aqui pedir inconstitucionalidades sobre inconstitucionalidades em matéria financeira, ainda por cima a poucas semanas da entrada em vigor das normas da revisão constitucional, que lhe reduzem drasticamente os poderes orçamentais.
Em Julho assistimos, com incredulidade e indignação, à apresentação, pela primeira vez na história do constitucionalismo, de uma proposta através da qual o Governo pedia à Assembleia que se auto-expropriasse dos seus poderes indelegáveis em matéria de autorização de despesas públicas para os depositar, inteiros, nas mãos ministeriais. Era um pedido de ditadura financeira por 6 meses - como então dissemos e ninguém ousou desdizer - e, em boa hora, após duros e persistentes esforços, a proposta foi retirada, derrotada. Foi para o museu histórico das monstruosidades legislativas e lá está até agora amortalhada.
Passados 2 meses, eis que nos chega à porta um cortejo de propostas não menos dignas do museu dos horrores legislativos.
Donde, o primeiro fundamento da impugnação do PCP: o Governo quer fazer uma revisão orçamental à revelia das normas para os efeitos constantes da Constituição da República.

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22 DE SETEMBRO DE 1983

Nunca até hoje um governo se apresentara perante a Assembleia a propor isto: a imposição avulsa de umas tantas espécies fiscais, adicionais, aumentos de taxas e alargamentos de incidências fora do quadro da lei orçamental, isto é, fora da consideração complexiva, recíproca e articulada das receitas e desposas públicas. Agravamentos fiscais - todos sabemos, tivemo-los em série, aberrações tributárias não faltaram também, mas foi preciso chegarmos ao 1X Governo para, em 2 meses, assistirmos, primeiro, ao pedido de plenos poderes para retalhar o orçamento das despesas e, agora, a pedido de receitas sem orçamento.
É inconstitucional! Toda a gente sabe que é inconstitucional e nunca ninguém se atreveu a sustentar e praticar o contrário. E há para isso boas razões, enquanto para o contrário, que é péssimo, só pode haver rima razão - e é a pior de todas.
A proposta viola, como sustentamos nas nossas alegações de impugnação, o artigo 108.º da Constituição. Os agravamentos fiscais implicam uma revisão orçamental expressa e fundamentada. E bem se compreende a razão desta imposição constitucional.
Primeiro, porque mexer nas receitas é mexer no Orçamento e o Orçamento exprime e sintetiza as opções fundamentais de toda uma política e tem conexões com quase todas as actividades económicas e financeiras do País. E daí que deriva a sua importância política e como instrumento de política em qualquer sistema. Os meios orçamentais, as receitas, as despesas, existem para cumprir objectivos e para realizar funções. O Parlamento não pode conceder meios sem saber para quê, porquê, para quem, à custa de quem, no quadro de que política esses meios vão ser obtidos e usados. E é aqui, no Plenário, que se explica tudo isto e não fora dele.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Nenhum governo pode vir à Câmara, e com ares misteriosos, murmurar em privado, ao ouvido de uns tantos deputados, um número estarrecedor, deixar cair em tom cavo que esse número vai, afinal, ser o défice e, sem mais, pedir receitas avulsas sem debate nem orçamento. E é irrelevante, senão chocante, como aqui já foi sublinhado, que o Governo reúna em privado com os seus deputados para lhes transmitir, porventura, o que esconde ao País e tem sonegado ao Plenário, e mais grave ainda, que a seguir voe para Nova Iorque. E em Portugal e neste Plenário que aspas contas e estas informações devem ser prestadas.
Em segundo lugar, a imposição de uma forma constitucional para o lançamento de agravamentos fiscais é a única que garante aos cidadãos que nenhum governo faça decretar agravamentos sem que deixe claras as questões respeitantes à sua natureza, ao quadro em que se inserem, às contrapartidas e medidas complementares no campo das despesas, às implicações sociais, à justiça ou injustiça da repartição da carga contributiva. Trata-se de uma dupla garantia institucional: da Assembleia da República perante o Governo e dos cidadãos perante o fisco. A Assembleia não pode pronunciar-se sem estarem preenchidas certas condições e o preenchimento dessas condições significa para os cidadãos uma protecção contra o lançamento de impostos à loa.
Em terceiro lugar, a criação avulsa de impostos ofenderia o princípio da inscrição orçamental. Envolvendo aumento de receitas, a previsão quantificada do
respectivo aumento deve ser inscrita no Orçamento do Estado pelo valor competente. E se acrescer a uma anterior inscrição, esta tem de ser corrigida. Contas de cabeça, dinheiros no ar, é a coisa mais aposta à própria noção de finanças públicas, aos princípios da unidade e universalidade do Orçamento.
Em quarto lugar, a Lei do Orçamento, no que se refere às receitas, não é uma mera previsão. E isto, Srs. Deputados governamentais, merece da parte de todos uma atenção muito particular. É que da inscrição das receitas depende o direito do Estado a exigir os impostos criados por lei. Sem essa inscrição a administração financeira não tem o direito de arrecadar quaisquer receitas, ainda que previstas em lei formal.
É bom que os Srs. Deputados da coligação tenham isto bem presente e não esqueçam que, aos cidadãos que nos elegeram, resta sempre um último meio de defesa, constitucionalmente.
Tudo isto é tão unanimemente entendido que cabe que nos perguntemos todos como é que o Governo, que certamente não ignora tudo isto, ousou propor o que propõe, e que até agora não retirou?
Na célebre nota informativa sobre política conjuntural emitida pelo Ministério das Finanças e do Plano, nas suas vestes próprias, em 9 de Agosto, após a assinatura da carta de intenções com o FMI, anunciava-se, no n.º 9 º, a intenção de operar aquilo a que se chamava uma «compressão de despesas» e de recorrer «a novos instrumentos de fiscalidade directa e indirecta ainda nos 3 º e 4 º trimestres de 1983». O objectivo seria «contrair o défice do orçamento do sector público administrativo, que, segundo o Governo (ou segundo o FMI), deverá ser reduzido para cerca de 8 % do PIB em 1983 e cerca de 6,5% em 1984».
Lia-se isto e julgava-se de boa fé que o Governo ia propor uma alteração formal do orçamento vigente. Mas, nas semanas seguintes, sucessivos desmentidos vieram inculcar a ideia de que não haveria, afinal, qualquer revisão orçamental, nem própria, nem imprópria, nem directa, nem indirecta, nem aberta, nem encapotada. E acabou por acontecer o que certamente poucos, nessa altura, terão imaginado: o Governo recusou-se a vir à Assembleia prestar contas em tempo útil das negociações com o FM1 - que, como mais uma vez ouvimos, são muito sigilosas - e pretende agora fazer aprovar agravamentos fiscais à margem do Orçamento escassos dias depois de o Primeiro-Ministro ter proclamado, para quem o quis ouvir, que depois da última rajada de aumentos tinham acabado os sacrifícios ...
< Os agravamentos são necessários», acabámos há pouco de ouvir o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares repetir mais uma vez, os «agravamentos», dizem até outros membros do Governo, serão impostos a bem ou a mal, porque há perigo de rotura. Mas então a rotura da bolsa dos Portugueses, como é? E então a política necessária para resolver as questões conjunturais e de estrutura da nossa economia? Como vamos discuti-la? Quando vamos decidi-la? E não tem o País direito a saber o que explica haver a dita grande disparidade entre o que foi orçamentado pelo Governo anterior do PSD e a verdade dos factos? Havia falha na previsão das receitas? Houve falha nas cobranças? Houve manipulação orçamental? Em que ministérios e áreas? Por responsabilidade de quem? Que medidas foram, ou vão ser tomadas para corrigir as anomalias detectadas? Que

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anomalias? Porquê o silencia sobre todas estas e tantas outras perguntas que certamente afloram á mente de todos nós?
Governar em regime democrático implica - todos sabemos- responsabilização, informação, prestação de contas. A política que o Governo pretende impor é, confrangedoramente, precisamente o contrário disto. É o «paga e cala», que degrada os cidadãos e castra ou pretende castrar o Parlamento em que estamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma reflexão final sobre este primeiro fundamento da impugnação que estamos a deduzir: há pouco, ao ouvir o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares afirmar que o Governo tinha pressa e o Sr. Deputado Carlos Lage reafirmar que a maioria governamental tinha pressa em aprovar estas medidas, aflorou-me esta pergunta: Será que esta Câmara vai aceitar que o Governo faça Portugal regressar à pré-história da instituição parlamentar?
Os parlamentos, sabemo-lo bem, desenvolveram-se e afirmaram-se através da reclamação e do exercício de competências fiscais. A conquista do direito de autorizar o lançamento de impostos e de, para esse efeito, reunir com a periodicidade necessária são elementos característicos do desenvolvimento da instituição parlamentar por toda a parte. E a afirmação destes direitos esteve sempre associada à luta por uma outra prerrogativa fundamental: a de não consentir a percepção de impostos sem uma explicação cabal da situação financeira do Estado. Cabal e pelo meio próprio. O rei tinha de fazer o que o Sr. Primeiro-Ministro, Mário Soares, e o seu Ministro das Finanças e do Plano, na veste própria ou na alheia recusam a esta Assembleia. Tinham de justificar cabalmente os impostos pedidos.

Aplausos elo PCP e do MDP/CDE.

E é bem sabido que do voto dos impostos se passou historicamente ao voto das receitas e das despesas, isto é, ao voto do Orçamento e ao princípio de que não há receitas nem impostos fora do Orçamento.
Neste Outono de 1983 o Governo pretende uma regressão de vários séculos em matéria orçamental! A Constituição veda, porém, essa viagem no tempo. Mas veda também a realização do objectivo principal desta operação, o que nos conduz ao segundo grupo de fundamentos da impugnação do PCP.
Apreciada quanto ao conteúdo e às implicações, a revisão orçamental pretendida pelo Governo não se nos afigura menos criticável.
Em primeiro lugar, porque, colocados entre os aumentos nossos de cada dia e o bloqueio dos salários, os salários em atraso, as ameaças de lay-off, desemprego e repressão, os trabalhadores portugueses e outras camadas duramente afectadas pela política do FMI e do Governo são agora confrontadas com uma nova e terrível ameaça de corrosão de um poder de compra cada vez mais diminuto.
Em segundo lugar, porque a operação governamental, se fosse para a frente, distanciaria mais e mais o nosso sistema tributário dos rumos traçados pela Constituição e ofenderia princípios fiscais elementares.

É este aspecto que cabe agora examinar um pouco mais detidamente.
E a primeira constatação é que o Governo não hesitou, sequer, em lançar mão do mecanismo da aplicação retroactiva dos gravames que pretende. E caso para dizer que de todos os caminhos possíveis (e muitos eram) o Governo resolveu empurrar a Assembleia para o mais pedregoso e cheio de escolhos.
A questão da proibição da retroactividade fiscal é das mais acesamente discutidas desde sempre, faz parte dos lugares inevitáveis dos tratados, dos manuais, das monografias, das sentenças. A evolução desse debate entre nós, antes e depois da Constituição de 1976, a jurisprudência constitucional que à sombra desta se elaborou, as implicações que a revisão constitucional neste ponto acarreta foram detalhada e honestamente resumidas num extenso documento ontem apresentado à Câmara pelos Srs. Deputados da ASDI. Nele se cita, e na parte útil se transcreve, a bibliografia mais relevante sobre a matéria. Esse contributo positivo não pode deixar de ser ponderado por todos os que de boa fé queiram amadurecer a escolha que vão ter de consagrar com o seu voto na altura própria.
E a escolha é esta: não havendo disposição constitucional de que resulta directamente a impossibilidade de leis fiscais retroactivas, não se encontra também ninguém que sustente ser constitucionalmente possível aprovar leis fiscais retroactivas, sem limites nem condições. Pelo contrário, a jurisprudência tem vindo a construir minuciosamente esses limites.
Ora, a contribuição extraordinária pretendida pelo Governo através da proposta de lei n º 41/III, pelo seu conteúdo, pelo processo de apresentação, pelas implicações fiscais e sociais, viola todos os limites imagináveis, põe em causa, de forma intolerável, a segurança jurídica dos cidadãos e conduz a uma grave injustiça material, em particular ao atingir duramente rendimentos do trabalho já despendidos por necessidades de subsistência ou fortemente corroídos pela erosão inflacionária e por uma floresta de descontos, de contribuições obrigatórias e de muitos outros encargos sempre crescentes,
Certamente teremos ocasião de debater aqui com mais detalhe, esta questão. Mas importa sublinhar que se, porventura, ao chegar a hora de deliberar os Srs. Deputados da coligação governamental não enjeitarem esta aberração, ainda aí restarão às instituições e aos cidadãos meios bastantes para impedir que esta inconstitucionalidade se consuma.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A segunda razão a invocar neste quadro é que o Governo propôs tudo isto quando está à beira da rotura o quadro movediço da floresta fiscal portuguesa, onde grassa uma indiscritível confusão e perda de receitas, onde se justapõem, sem eficácia, impostos avulsos e uma rede intrincada de perdões, isenções, deduções, de rigores para uns e de benesses para outros, onde a fraude e evasão fiscal campeiam em todas as categorias, salvo as respeitantes aos rendimentos do trabalho, esse terreno confuso onde há - que se saiba- 2 milhões de processos a correr nos tribunais por dívidas à Fazenda Pública.
Em vez da reforma fiscal, o Governo ousou vir aqui propor o agravamento inconstitucional do caos fiscal e

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da carga tributária sobre os trabalhadores. E quer fazer isso sem cumprir o dever constitucional de informar, de debater e de fundamentar)

Vozes do PCP: - Muito bem)

O Orador: - Ainda é tempo de arrepiar caminho. Lazer o que o Governo pretende fazer será draconiano, insensato, irrazoável. Mas mais do que isso, e antes disso, é inconstitucional, como ficou provado. Para abrir as portas deste Plenário a quaisquer aumentos a palavra certa, o «abre-te sésamo» é «revisão orçamental». E para chegar à bolsa dos cidadãos ainda ó preciso passar pelo crivo das normas constitucionais que definem o sistema fiscal e as relações entre o Governo e a Assembleia da República.
O comportamento da coligação governamental no decurso destas semanas e agora a forma como surgem estas propostas - tudo evidencia a intenção política de esconder à Assembleia da República e ao País toda uma política económica e financeira, as razões e responsabilidades do estado a que chegaram as nossas finanças e a nossa economia.
Que o Governo tem de vir aqui discutir globalmente e a fundo toda a sua política financeira e orçamental não restam dúvidas e não nos cansaremos de o demonstrar, através de outras intervenções que terão neste debate. Mas a questão do défice não pode ser tratada em fascículos, às prestações, por bocados, aos soluços, aos empurrões à Constituição. As muitas urgências, Srs. Deputados da coligação governamental, dão - é bom lembrá-lo -, em muitos casos, enormes tropeções e atrasos. Está nas mãos dos Srs. Deputados corrigia e reperspectivar, pôr no são, o processo que em tão má hora e de forma tão incorrecta foi iniciado pelo Governo. Basta, para isso, que dêem provimento ao presente e aos demais recursos pendentes. Isto se não entenderem preferível, muito preferível, promover a sua retirada, como tudo aconselha. E se assim se fizer, nesse caso cumprir-se-á o Regimento e a Constituição da República.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE vai apresentar uma intervenção de justificação do recurso de admissão da proposta de lei n.º 41/III.
Como se salientou no Parecer n.º 3/79, da Comissão Constitucional, as origens do principio da legalidade tributária remontam à Idade Média. Vemo-lo inscrito na Magna Carta, de 1215, e no Bill of Rights, de 1689, e, mais tarde, no artigo 14 º da Declaração dos Direitos dó Homem e do Cidadão, de 1789.
E nesse parecer se sublinha:

A importância do princípio da legalidade tributária é de tal ordem, dada a onerosidade que representa para os cidadãos o pagamento de impostos, que costuma ser configurado constitucionalmente como um direito fundamental.

Do princípio da legalidade tributária faz parte a não retroactividade da lei fiscal, reconhecida e aceite pelos tribunais e pela generalidade dos doutrinadores.

Assim já se pronunciou o pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 6 de Julho de 1973, ao decidir que «os elementos essenciais do imposto são regulados, salvo disposição especial, pela norma que estiver em vigor no momento em que se verificar o pressuposto ou o facto gerador do imposto».

E assim se pronunciam igualmente, os Prof. Teixeira Ribeiro, Braz Teixeira, Pamplona Corte-Real, Alberto Xavier, Jorge Miranda, Gomes Canotilho e Vital Moreira.

Diz o Prof. Teixeira Ribeiro:

[...] Toda a lei, salvo prevendo-se outra coisa, vem acompanhada desta declaração explícita ora implícita: «daqui para o futuro», «d'ora avante», «daqui por diante».

E se «o que há de essencial na relação jurídica tributária é a matéria colectável e a taxa do imposto, a lei que se aplica há-de ser a lei que vigorar quando se realizarem os pressupostos do tributo».

Por isso, «não deve aplicar-se retroactivamente a lei fiscal», concluía o Prof. Teixeira Ribeiro nas suas Lições de Direito Fiscal, pp. 25 a 29.

No mesmo sentido, salienta o Prof. Braz Teixeira que «a lei nova só deve aplicar-se às situações constituídas, ou aos factos ocorridos após a sua entrada em vigor» (Princípios de Direito Fiscal, p. 136).

E, em comentário ao n.º 2 do artigo 106 º da Constituição, Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, e p. 241, ensinam que o n.º 2 suscita ainda a questão da retroactividade da lei fiscal. Deve entender-se que a ratio da reserva da lei formal - designadamente a segurança e a certeza jurídicas, a protecção, das expectativas dos contribuintes- inclui implicitamente a proibição de atribuição de efeitos retroactivos 1 lei fiscal. De resto, tal regra poderá eventualmente deduzir-se do princípio da não retroactividade das leis de imposição de deveres ou encargos aos cidadãos, implícito no princípio da legalidade democrática».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas não só os tribunais e a doutrina, e até ainda no domínio da velha Constituição de 1983, propugnam a não retroactividade da lei fiscal. Os próprios últimos governos da AD, ao legislarem sobre impostos, sentiram-se obrigados a aplicar tal princípio.

Para nos limitarmos aos 3 impostos agora abrangidos pela proposta impugnada, contribuição predial, imposto de capitais e imposto profissional, citaremos: Decreto-Lei n.º 585/80, de 31 de Dezembro, sobre os lucros dos anos de 1981 e seguintes (artigo 1 º); Decreto-Lei n.º 139/81, de 30 de Maio, aplicável aos rendimentos respeitantes dos anos de 1981 e seguintes (artigo 3.º); Decreto-Lei n.º 198/82, de 21 de Maio, limitando a sua aplicação aos anos de 1982 e seguintes (artigo 6 º).

E no domínio do imposto profissional ainda valeria a pena citar o Decreto-Lei n.º 119/83, de 28 de Fevereiro, apenas aplicável às remunerações e rendimentos dos anos de 1983 e seguintes.
Mas vem agora o Governo, ao arrepio dos tribunais, da doutrina e até da prática legislativa dos governos anteriores da Aliança Democrática, estabelecer, no artigo 1.º da proposta, que este imposto extraordinário, aplicável aos rendimentos sujeitos a contribuição pre-

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dial, imposto de capitais e imposto profissional, se aplica, retroactivamente, sobre os rendimentos respeitantes ao ano de 1982 e às remunerações até 30 de Dezembro de 1983.
Ilegalidade que, nesta matéria, parece vir satisfazer certas frustrações do mais importante parceiro da anterior coligação governamental, como lamentavelmente tem acontecido em tantos outros domínios!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta impugnada confessa, claramente, qual a sua razão de ser: obter receitas para fazer face ao défice do Orçamento.
Mas daqui resulta ainda outro aspecto da sua gritante ilegalidade: trata-se de uma proposta fora do Orçamento, mas que só nele se poderia inserir, sem que, contudo, menor fosse a sua manifesta ilegalidade.
É que não só os impostos são criados por lei, como ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas na lei, como determinam os n.os 2 e 3 do artigo 106 º da Constituição.
E do que ficou referido quanto à legalidade tributária, à legalidade democrática e ao verdadeiro direito fundamental que elas representam, melhor se compreende o estabelecido no n.º 3 do artigo 18 º da Constituição, no sentido de que não podem ter efeitos retroactivos leis restritivas de direitos e garantias.
Ou alguém terá dúvidas de que constitui uma violenta e injustificável restrição dos direitos e garantias dos cidadãos destruir as suas legítimas expectativas de vida, obrigando-os a pagar um novo imposto, lançado para trás, para o ano de 1982 e até Setembro de 1983?
Para nós, para a MDP/CDE, é perfeitamente ciam que esta proposta do Governo PS-PSD é inconstitucional e ilegal e viola, grave e abusivamente, um verdadeiro direito fundamental dos cidadãos. Por isso ela não deve ser admitida, ela deve ser rejeitada, por todos aqueles a quem se vem exigir, mais uma vez, um injustificável sacrifício, sem qualquer contrapartida visível.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente; Srs. Deputados: Creio que não será indiferente para esta Câmara recordar, neste momento e lugar, que a origem histórica dos parlamentos é a própria discussão dos impostos.
Todos nós sabemos que a instituição parlamentar se criou e se fortaleceu através da própria discussão dos tributos. E é por isso que esta matéria é da reais alta importância, é por isso que nenhum deputado se pode recusar à sua discussão, é por isso, inclusivamente, que todos nós temos de ter presente que quando se discutem impostos são os próprios rendimentos de trabalho, são os próprios rendimentos e bens dos cidadãos que nos mandataram para aqui estar que estão em discussão.
Estamos a dispor não apenas dos nossos recursos, mas dos recursos do povo que nos mandatou. Por isso nos hão-de ser pedidas contas -estreitas contas- pelo modo como votamos esses impostos, pelo modo como discutimos ou não a atribuição desses

impostos, como questionamos a sua justiça e nos subordinamos ou, pelo contrário, afirmamos a nossa capacidade de vozes livres e independentes perante o poder, que sempre e crescentemente nos pede mais impostos.
E já que comecei por uma recordação histórica, talvez não seja também inútil lembrar, no início deste debate, que nesse começo da história da instituição parlamentar nunca o rei se eximiu a ir às Cortes discutir os impostos pedidos, que sempre os discutiu com os 3 Estados e que, apesar de nesse tempo já haver cortesãos, nenhum dos Estados teve prevalência na discussão dos impostos.
Existe, inclusivamente, uma impressionante correlação entre o desenvolvimento do poder financeiro das assembleias e a instauração progressiva dos parlamentos. Podemos até ir mais longe e dizer que o estado moderno nasce com o imposto permanente.
É extremamente curioso referir como um economista muito reputado, o Prof. Samuelson, se dirigia no Congresso dos Estados Unidos, recordando, precisamente em matéria de impostos, uma realidade histórica. Dizia ele que em França os parlamentos perderam, com Luís XIV , a faculdade de recusar o registo dos áditos fiscais e retomaram-na quando Filipe de Orleães restaurou o prestígio do Parlamento de Paris. Mas nunca os soberanos absolutos, nunca as ditaduras, conseguem, mesmo em matéria fiscal e financeira, soluções de futuro, soluções estáveis, soluções que perdurem.
Comparando o regime francês e o regime inglês, a monarquia inglesa do tempo dos Stuart era, com certeza, muito mais fraca do que a monarquia francesa de Luís XIV. Mas um século depois já o mesmo não se passava.
A importância da Coroa e do Parlamento, em acção conjunta - e que passava também pela matéria de impostos e pela matéria fiscal -, fez a grandeza da Inglaterra do tempo. Samuelson recorda-o, e talvez valha a pena que também nós meditemos isso, porque o mesmo Samuelson lembra ao Congresso Americano que se o melhor dos parlamentos fosse o que votasse sem discussão as leis fiscais que o poder lhe pede, então os parlamentos eram inúteis.

Os parlamentos só têm razão de ser, a sua existência só se justifica, quando são capazes de se opor; órgão submisso não tem razão de ser.
E o próprio exemplo da política americana é flagrante. Se os cientistas políticos americanos questionam hoje o processo da eleição presidencial pela intervenção do colégio e porque este é flagrantemente inútil, sabendo-se com antecipação o que os seus membros vão dizer.
Tenhamos esse exemplo presente para vermos qual é a importância do papel do Parlamento na discussão política da matéria fiscal.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não cansarei a Câmara invocando argumentos tirados da doutrina e da jurisprudência portuguesas em relação à impossibilidade de leis fiscais retroactivas. Essa é -sabemo-lo todos- a grande maioria das posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes em Portugal desde há muitos anos.
A alegação de recurso, que por escrito apresentámos na Mesa, dá conta -e se não me atreverei a dizer conta exaustiva, pelo menos direi que dá suficiente conta - de que assim e de há muitos anos e com

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larga cópia de elementos. Creio que ninguém se atreverá a contestá-lo e, como tal, passarei adiante neste capítulo.
Mas direi que não desconhecemos que há autores e jurisprudência recente que admitem a possibilidade de leis ficais retroactivas. E entre os exemplos de admissibilidade penso que terão particular relevância os exemplos da jurisprudência seguida pela Comissão Constitucional.
No entanto, direi também que já me parece relevante chamar a atenção para um ponto histórico, com o qual, naturalmente, todos estamos familiarizados. A nossa Comissão Eventual para a Revisão Constitucional começou a sua actividade nesta matéria precisamente proibindo a retroactividade de uma legislação fiscal. E foram as dificuldades causadas por essa decisão, em termos da sua eficácia prática, que determinaram, por parte de muitos juristas, uma certa jurisprudência de cautelas, até porque ao tempo não existia disposição similar à do actual n.º 4 do artigo 282 º da Constituição.
Esse reparo é feito por toda a gente quanta examina a jurisprudência da Comissão Constitucional e creio que também, a esse respeito, teremos de estar atentos.
Mas a verdade manda que se diga que mesmo a jurisprudência e a doutrina mais tolerantes, ou sejam aquelas que aceitam que, em alguns casos, as leis fiscais podem ser de aplicação retroactiva, estabelecem limites a partir dos quais, para usar a própria expressão da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, a retroactividade seria, em termos constitucionais, intolerável. Intolerável, é a expressão!
Ora bem, quais são esses critérios? São 3, tal como resultam do Parecer n.º 14/82 da Comissão Constitucional.
O primeiro é o de que o encargo deve aparecer ao contribuinte como um encargo provável, como um encargo admissível. Apliquemos este critério ao caso concreto da proposta de Lei n.º 41/III, que impugnámos: o contribuinte sabe que o único exemplo conhecido na história do Direito Fiscal Português de uma aplicação retroactiva deste tipo de impostos surgiu apenas em 1976. Não tinha surgido antes, não foi repetido depois. Quer dizer, um caso único talvez não sirva para criar a expectativa da possibilidade da sua repetição, sabendo, ainda por cima, que, aquando desse imposto de 1976, logo um dos principais partidos da actual coligação impugnou-o sobre a sua constitucionalidade. Refiro-me ao PSD, que nessa altura publicou um comunicado da autoria e subscrito pelo ao tempo seu secretário-geral, Dr. Francisco de Sá Carneiro, denunciando com extremo vigor a actuação do Governo que tinha decretado esse imposto e a própria posição do Presidente da República do tempo, que o tinha declarado inconstitucional.
Mas, com a honestidade que lhe reconhecemos, o autor desse diploma, Dr. Vítor Constâncio, nos debates da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, teve ocasião de dizer que nessa matéria «dava a mão à palmatória» - é a expressão específica que consta das actas dessa Comissão -, e dizia: «porque este é um caso de flagrante, nítida, clara, inconstitucionalidade sem discussões».
Esta afirmação do Dr. Vítor Constâncio foi reconhecida pela unanimidade desta Câmara, quer dizer, todos os deputados presentes na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional entenderam que este exemplo era o caso flagrante de inconstitucionalidade de uma lei fiscal retroactiva.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Se ao cidadão contribuinte este exemplo único verificado, tão contestado, não lhe dava nenhuma ideia de possibilidade de repetição, o mesmo cidadão contribuinte, se tivesse lido o Programa de Governo, se tivesse lido as actas da sua discussão, teria verificado 2 coisas: que nem nas medidas conjunturais do Programa de Governo se fala em nenhum anúncio de medidas fiscais e que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, confirmando aquilo que constava de uma nota oficiosa que fizera publicar, recusara a possibilidade de rever o Orçamento provisório para 1983 e, portanto, a própria possibilidade de revisão dos impostos que recaíam sobre os Portugueses.
Penso que o elemento não é decisivo, mas pouco antes da apresentação destas propostas de lei tínhamos ouvido, em conferência de imprensa de balanço da actividade governativa, dizer-se que a pior fase do mal estava ultrapassada e que dias mais esperançados já se avizinhavam.
Como é que um cidadão contribuinte poderia esperar este agravamento fiscal quando tinha todos estes indícios de que, pelo contrário, alicerçavam a sua opinião de que este agravamento não viria?

Mais ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados: em relação a todos os impostos que constam da proposta de lei n.º 41/II1, o que acontece é que o cidadão contribuinte já tinha pago esse imposto em relação ao ano de 1982. Já tinha pago e já tinha na sua mão a quitação dada pelo fisco de que estava quite com o mesmo Estado em relação aos impostos que lhe eram aplicáveis sobre o ano de 1982.

Quem é o cidadão, quem é o contribuinte, que pode esperar que depois de ter pago e ter um recibo na mão lhe digam que afinal não tinha pago tudo e ainda era preciso pagar mais? Que expectativa excessiva se pretende querer inculcar nos contribuintes?

Não, Sr. Presidente e Srs. Deputados! Em relação ao primeiro dos critérios avançados pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional o nosso entendimento não pode ser outro senão dizer que os contribuintes portugueses não podiam esperar que os seus impostos relativos aos rendimentos de 1982 pudessem vir a ser agravados.

Um segundo critério avançado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional diz respeito a ser um encargo resultante da aplicação de uma lei fiscal retroactiva proporcionado ou desproporcionado para o contribuinte.

E difícil ter uma noção exacta do que é que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional entende por este encargo desproporcionado. Normalmente, entende-se que um encargo é desproporcionado quando não permite aos cidadãos e às empresas contribuintes, com os rendimentos criados no ano seguinte àquele a que o imposto retroactivo se refere, gerarem poupanças suficientes para conseguirem liquidar esse imposto. Ou seja, parte-se do princípio de que um cidadão paga não com a sua poupança de 1982 - para

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aplicar o caso presente -, mas com a sua poupança de 1983 os impostos relativos aos rendimentos de 1982.

Mas, para além da argumentação que já deduzi, também este caso se não pode verificar. Quer dizer, o cidadão já tinha pago, portanto não poderia esperar que os impostos fossem agravados e porque o poder de compra diminuiu em 1983; como sabemos, não houve um aumento de poupanças, nem nos cidadãos, nem nas empresas, que permitisse o pagamento desses impostos.

Haveremos ainda de concluir, e com facilidade, que nem para os cidadãos, nem para as empresas, é possível, em finais do mês de Setembro, programar a sua actividade de modo a recolherem rendimentos adequados para obstarem a este agravamento de impostos.

Por último, se aplicarmos o próprio critério, extremamente subjectivo e falível, adoptado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, de acordo com o qual um aumento de impostos não seria desproporcionado se o cidadão pudesse depositar a prazo a importância do imposto e conseguisse com isso um rendimento suficiente para o pagar, ainda assim esse argumento não serve para o caso presente, porque os 6 % de uma das taxas aqui previstas não são atingidos nos meses que faltam mesmo que um depósito a prazo fosse possível por esses meses. Quer dizer, também o segundo argumento da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional não é aplicável ao caso presente e também por esse argumento temos de concluir pela inconstitucionalidade da proposta de lei n.º 41/III.

O último argumento apresentado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em relação à possibilidade de constitucionalidade de propostas de lei retroactivas, tem a ver com circunstâncias extraordinárias que impeçam a aprovação do Orçamento Geral do Estado a tempo.

Ora, todos sabemos que um orçamento para 1983, ainda que chamado de provisório, foi aprovado nesta Assembleia, ou seja, esta circunstância também não se verifica no caso presente.

E acrescenta a Comissão que há ainda outra hipótese: a de que o Estado, através da justificação da sua proposta, consiga convencer os cidadãos de que o interesse geral impõe esta solução por ausência total de outras alternativas.

Gostaríamos de ter ouvido essa explicação. Sabemos por que razões a não obtivemos, mas a verdade é que, como não a obtivemos porque o Orçamento foi aprovado a tempo e horas, as circunstâncias nos levam a concluir que estas razões também não se verificam; que havia outros motivos e possibilidades de outras soluções que não foram tentadas para obter, quer o aumento de receitas, quer a diminuição de despesas. E, fundamentalmente ainda, há uma razão muito séria e grave: seria necessário que o Governo nos explicasse porque, quando na altura da discussão do seu Programa não achava necessário rever o Orçamento, nos vem agora dizer que há défices orçamentais que precisam de ser cobertos. Porquê? Teremos de concluir que houve verbas orçamentadas que foram excedidas. Mas então isso não pode ser aceite de ânimo leve por esta Assembleia sem que se exija responsabilidades estreitas a quem excedeu as suas dotações orçamentais. Seja quem for, seja quem possa ser! Isto é condição necessária e absoluta para que este imposto retroactivo possa ser considerado constitucional.
Em resumo e em conclusão, nenhum dos critérios que a jurisprudência e a doutrina mais tolerantes aceitam para considerar que uma lei fiscal retroactiva pode ser constitucional se verifica no caso presente. Pelo contrário, pela sua não verificação teremos necessariamente de concluir, e sem sombra de dúvidas, que a proposta de lei n.º 41/III é inconstitucional. E sublinho sempre que me refiro exclusivamente à proposta de lei n.º 41/III, porque apenas essa impugnámos.
Para além disto, a proposta de lei n.º 41/III infringe ainda outros preceitos constitucionais e não apenas aqueles que resultam do princípio da legalidade e da não retroactividade do imposto.

Segundo a própria exposição de motivos da proposta de lei, esta tem por objecto a contracção do défice do orçamento do sector público administrativo. Se assim é, tal objectivo corresponde à expressa violação dos n.os 5, 6 e 7 do artigo 108 º da Constituição. O Orçamento é unitário-diz o n.º 5; logo o Governo não poderia apresentar nova proposta de lei visando a contracção do défice do orçamento do sector público administrativo.

A proposta de lei não faz articulada correlação entre receitas e despesas; logo viola o n.º 6 do artigo 108.º da Constituição. Não é sequer tempestivamente apresentada, pois o artigo 108 º é flagrantemente violado.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta de lei n.º 41/III viola ainda o princípio da igualdade face ao imposto. Na verdade, estranhamente, a proposta de lei estabelece taxas diferentes para os mesmos rendimentos provenientes do trabalho, apenas por se tratar de profissionais livres ou por conta de outrem.
A proposta de lei infringe o princípio da igualdade tributária, que é, segundo a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, um conteúdo material do Estado de direito e, portanto, a Constituição proíbe o tratamento desigual não fundado na objectividade dos rendimentos, quer dizer, pela aplicação de taxas diferentes aos mesmos rendimentos a proposta viola flagrantemente a Constituição.
Por assim ser, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós pensamos que esta proposta não deveria ter sido admitida. Por isso apresentámos o presente recurso e pensamos que esta Assembleia não a deve aceitar, até por uma responsabilidade política e por uma responsabilidade de segurança jurídica.
De facto, qualquer que seja a decisão desta Assembleia, ela não esgota a possibilidade de recurso dos cidadãos, que têm o direito e, diria mais, o dever constitucional de se oporem aos impostos que não sejam legal e constitucionalmente votados. Portanto, se esta Assembleia viesse a considerar admissível esta proposta os cidadãos deste país, com a insegurança jurídica, económica e financeira que isso traduziria, não ficariam, porém, impedidos de recorrer, a nosso ver com inteiro fundamento, para o Tribunal Constitucional, pedindo a anulação deste diploma.
E ai, porque a revisão constitucional introduziu alterações que já não levam às cautelas que levaram à jurisprudência na Comissão, não temos dúvidas de que a decisão haverá de ser favorável aos cidadãos.
Por isso, também, esta Assembleia da República tem o direito e o dever de, pela própria segurança

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jurídica que está em jogo, impedir desde já e aqui a admissibilidade desta proposta de lei,

Aplausos da ASDI, elo CDS, do MDP/CDE e dos Srs. Deputados José Manuel Mendes e José Magalhães (PCP).

Entretanto, tomaram assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, Ur. Alípio Dias, e o Sr. Subsecretário de Estado do Orçamento, Dr. Amorim Pereira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS decidiu recorrer da decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República, que admitiu as propostas de lei mencionadas com os n.os 38/III a 44/111, referentes a alterações no domínio da fiscalidade, invocando a inconstitucionalidade de tais propostas.
Para o CDS estão em causa 2 problemas fundamentais: o primeiro diz respeito à segurança e aos direitos individuais dos Portugueses, que se encontram largamente atingidos pela natureza retroactiva de que se reveste a proposta de lei n.º 41/111, que ora é apresentada ao Parlamento; o segundo diz respeito aos princípios que norteiam a actividade de Administração, justamente no que se refere à elaboração e execução do Orçamento, princípios que a Constituição consagra e que o CDS julga violados com estas iniciativas do Governo.
No âmbito das propostas ora sujeitas a impugnação não quer o CDS deixar de salientar e evidenciar a referenciada com o n.º 41/III - imposto extraordinário sobre os rendimentos colectivos sujeitos a contribuição predial, imposto de capitais e profissional-, que infringe, expressa e inequivocamente, princípios constitucionais e especialmente o da não retroactividade da lei fiscal e o da igualdade face ao imposto.
O próprio Governo reconhece a retroactividade, sobre ela construindo, até, a razão da diferença de taxas que atingem os mesmos rendimentos.
Põe-se aqui, de novo, o problema que o CDS já colocou no Tribunal Constitucional acerca do imposto extraordinário sobre lucros. E os argumentos genéricos não deixam de ser equivalentes, mas agora acrescidos da violação do princípio da igualdade face ao imposto, que, neste caso, tributa diferentemente os mesmos rendimentos provenientes do trabalho, num caso por se tratar de profissionais por contra própria e em outro por exercerem a sua actividade por conta de outrem. Num caso, 6 %, no outro, 2,8 % !!!
O CDS considera, assim, que é o momento desta Assembleia analisar, minimamente, a questão da retroactividade da lei fiscal.
Com efeito, este problema tem sido verdadeiramente uma vexata quaestio da doutrina e jurisprudência portuguesas ao longo deste século. O problema tem já uma história marcante no pensamento dos juspublicistas portugueses, não sendo resolvido, expressamente, pela actual Constituição da República Portuguesa, como o não era noutras constituições republicanas.
Daí a continuidade da querela que devemos situar, em primeiro lugar, no âmbito da noção de Estado

de direito que a nossa Constituição passou a consagrar expressamente a partir da revisão de 1982.
Na verdade, da conjugação do artigo 168 º, n.º 1, alínea i), 2 º e 9 º, alínea 6), da Constituição com o artigo 106.º, n.º 2, somos de opinião que a lei fundamental, numa linha de directa derivação do princípio de protecção da confiança, ínsito como elemento poético de um autêntico Estado de direito, ou, se quisermos, num sentido mais rigoroso, na segurança como autêntica manifestação da ordem jurídica, não pode deixar de sublinhar o princípio da não retroactividade da lei fiscal, principalmente naquilo que a doutrina denomina como retroactividade de 1 º grau (Alberto Xavier) ou própria (Pessoa Jorge) e retroactividade de 2 º grau ou imprópria.
Não temos, nesta perspectiva, quaisquer dúvidas de que a segurança é «uma das exigências feitas ao direito, pelo que, em última análise, representa também uma tarefa ou missão contida na própria ideia de Direito». Citei Baptista Machado.
Falar de direito imanente à noção de Estado de direito (seja Estado democrático de direito, Estado de direito democrático, Estado social de direito) é, assim, dedutivelmente afirmar a segurança como certeza jurídica, «como conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar, para, como base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta». E continuo a citar Baptista Machado. Parece, com efeito, ser esta a trave mestra que veio a nortear o pensamento da Comissão Constitucional no Parecer n º 14/82, já aqui referido pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, quando, numa linha de evolução jurisprudencial que cumpre apreciar, afirma que o problema da inconstitucionalidade se pode e deve pôr quando a retroactividade for «arbitrária» ou < opressiva», envolvendo uma violação demasiado acentuada do princípio da confiança do contribuinte, que afecta, directamente, a própria capacidade contributiva e, até, o princípio da igualdade, erigido como autêntico e formal inciso constitucional. E esta confiança que garante, efectivamente, as expectativas dos contribuintes, que são determinadas no momento da verificação dos factos que se integram na sua previsão - factos construtivos - a incidência ou factos impeditivos. Por isto mesmo a maior parte da moderna doutrina portuguesa defende o princípio da não retroactividade da lei fiscal, primacialmente das normas fiscais de tributação (ver, entre outros, Soares Martinez, Sá Gomes, Joaquim Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Vital Moreira e Diogo Leite de Campos).
A posição contrária não vai, aliás, ao ponto de afirmar que qualquer norma retroactiva possa sempre ser considerada constitucionalmente válida. É que a retroactividade ilude, mesmo para os autores que defendem tal posição, por vezes de forma grosseira, expectativas criadas, cuja validade-legitimidade, não pode, por isso mesmo, adquirir formal objectivação.
Estamos, semelhantemente, e conforme consta do Processo n.º 224/80 - Acórdão n.º 437, da Comissão Constitucional -, perante normas que violam, de forma intolerável, a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e a comunidade têm a obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege. E acrescenta este acórdão, que o «cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder

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confiar em que a sua actuação, de acordo com o direito, seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes. Esta confiança é violada sempre que o legislador ligue a situações de facto constituídas e desenvolvidas no passado consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar. Um tal procedimento legislativo não mais poderá cobrir-se com o princípio do Estado de direito democrático».
Na verdade, a noção de Estado de direito está imbuída de princípios ou disposições, entre os quais a confiança, a certeza, a segurança e a igualdade jurídicas.

Tais princípios são, inquestionavelmente, violados pela proposta de lei n.º 41/III.

Com efeito, para o contribuinte este agravamento não era presumível, é nitidamente desproporcionado
e, por último, viola gravemente o princípio da igualdade face ao imposto - artigos 13 º, 106 º e 107 º da Constituição da República Portuguesa- ao tributar diferentemente - e sem qualquer razão objectiva - os mesmos rendimentos provenientes do trabalho.
Por ora, e apenas pelos argumentos que acabamos de expender, deverá o Plenário recusar a admissibilidade da proposta de lei n º 41/III.
Quanto ao segundo problema enunciado, não pode o CDS hoje, e pelos motivos que aqui nos trazem, deixar de fazer uma curta reflexão sobre os poderes dos parlamentos democráticos em matéria orçamental.
A história política ensina que as assembleias representativas nasceram com uma razão de ser que quase se esgotam no poder de aprovar o orçamento e a doutrina afirma que tal aprovação assume a forma de uma decisão jurídica - que é como que o distintivo dos parlamentos -, com o sentido limitativo de controlar a realização de despesas e a cobrança de receitas planeada pelos governos.
Mas, deixando por aqui estas considerações introdutórias, importará afirmar que o CDS não apontou a inconstitucionalidade destas propostas de lei de ânimo leve. Julgamos, de facto, que ela, com o alcance que o Governo lhes pretende atribuir, violam o preceituado no artigo 108 º, n.os 3 e 4, da Constituição, tal como ele se apresenta na redacção de 1976. Aliás, esta é, para nós, uma questão prévia relativamente à argumentação que a seguir expenderemos: a invocação do artigo 108 º da Constituição de 1976 faz-nos participantes na ideia de que o artigo 239.º da Lei Constitucional n.º 1/82, não obstante diferir expressamente a aplicação do novo texto do artigo 108 º para o próximo ano orçamental, apenas no que diz respeito à elaboração e aprovação do orçamento, não pode deixar de abranger a execução do mesmo, desde que esta caia também no domínio dos princípios que o referido artigo consagra. E, com efeito, se bem que as alterações orçamentais pertençam ao domínio da execução do orçamento, o novo sentido do artigo 108 º da Constituição não pode deixar de se estender até este campo, como já intuiu o Prof. Sousa Franco.
Não faremos, apesar de tudo, grande força nesta interpretação, já que, ainda que se entenda esta questão noutro sentido, tal não afectará o conteúdo do nosso juízo, pois a nova redacção do artigo 108º repele - embora com outra arrumação - o enunciado das princípios que ora julgamos estarem em causa.

Seja como for, portanto, a artigo 108 º da Constituição, nos seus n.os 3 e 4 - para quem entenda dever recorrer à redacção de 1976 - ou nos seus n.os 5 e 6 - para quem julgue de forma oposta consagra, respectivamente, as regras da unidade e do equilíbrio formal do orçamento e, prescindido muito embora, aqui, de aprofundar o sentido destes princípios, relacionando-os, porventura, com as funções que a doutrina costuma atribuir ao orçamento - para que esta intervenção não se perca num estilo didáctico que os Srs. Deputados, por certo, dispensarão -, sempre diremos que tais princípios tem um sentido comum: a importância atribuída à relacionação das despesas com as receitas, para que, por um lado, «os cidadãos Portugueses, através dos seus representantes, se pronunciem sobre o destino que o Estado dá ao dinheiro que lhes leva» - citando Teixeira Ribeiro- e, por outro, para que o sentido da intervenção parlamentar envolva, efectivamente, a co-responsabilização da Assembleia num quadro global (pelo menos) da política financeira do Governo.

É certo - reconhecemo-lo - que o Governo poderá argumentar no sentido de que se encontra embaraçado por um plano orçamental que é o de um governo de gestão que o precedeu. E certo também que o Governo poderá afirmar - ainda aqui com alguma razão- que os princípios orçamentais por nós referidos dizem respeito ao orçamento, em si, e que não tolhem a possibilidade, muito frequente, de fazer aprovar alterações orçamentais.

Contudo - e sem negar a importância de qualquer destes argumentos -, o que o CUS vem afirmar é que os aumentos de receitas que o Governo agora pretende só podem ser autorizados por esta Assembleia num quadro orçamental. E esse quadro orçamental não pode ser outro senão o das alterações orçamentais propriamente ditas, que envolvem (ou devem envolver) uma discussão e um esclarecimento semelhante ao que exige a próprio Orçamento. E não pode ser outro, «porque não é possível realizar despesas ou cobrar receitas sem orçamento»). (Sousa Franco).

E certo que as alterações orçamentais, com o sentido preciso que a doutrina lhes atribui, são referidas apenas relativamente ao domínio das despesas (artigo 20.º da Lei n.º 64/77), ruas isto é assim, precisamente, porque o princípio da legalidade dos impostos está intimamente ligado com o princípio da anualidade, conforme ensina o Prof. Games Canotilho. Desta forma, a legitimidade para a cobrança de receitas está - e continua a estar este ano- conexionada com a lei anual do Orçamento, de onde extraímos que a cobrança de novas receitas tributárias não pode deixar de ter - repetimo-lo - um enquadramento orçamental.

Não basta, portanto, invocar a consignação destas novas receitas ao financiamento do défice! Esta Câmara deveria ser informada sobre as despesas a que se destina este aumento brutal de receitas pretendido pelo Governo, ou, mais precisamente, deveria ser informada, com algum rigor, sobre o défice que se visa cobrir, e se será este o processo mais adequado de lhe fazer frente. É que o CDS está convencido de que a austeridade deveria começar pela própria Administração, através da redução gradual e progressiva das despesas públicas, conforme se salientará caso venha a entrar-se na questão de fundo, o que só por hipótese se admite

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e por absurdo se rejeita. Parece-nos, pois, que esta iniciativa do Governo, para além de constituir afronta grave para os contribuintes portugueses, contribui, sem dúvida, para a anarquia do direito orçamental português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Câmara aprovou - e bem - ainda não há muito tempo os reforços dos seus poderes em matéria orçamental, aquando da revisão constitucional. Parece-nos também que, coerentemente, o regime de discussão e aprovação das alterações ao orçamento terá de ser, numa futura lei do enquadramento - pela qual já aqui várias vezes suspirámos e para a qual apresentaremos, a seu tempo, uma proposta -, regulado no sentido de reforçar o poder de controle do Parlamento.
Sendo assim, o Governo parece apenas vir aqui aproveitar os últimos momentos de vigência de uma velha solução que ainda há pouco não servia aos partidos que lhe dão hoje suporte, aquando da revisão constitucional.
Pelo exposto, deverá o Plenário recusar a admissibilidade - por inconstitucionais- das propostas de lei n.º 38/111 a 44/III, isto se, nos termos do n.º 1 do artigo 133: do Regimento, não entender o Governo dever retirá-las.

Aplausos do CDS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazemos agora o intervalo regimental.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. e Srs. Deputados: Os recursos de inconstitucionalidade das propostas de lei apresentadas pelo Governo assentam em 3 grandes argumentos fundamentais: o da retroactividade da legislação pretendida, o da violação do princípio da unidade orçamental e o da violação do princípio da igualdade face ao imposto.
A UEDS é o único partido com representação parlamentar, e que não está integrado no Governo, que não impugnou nenhuma das propostas de lei ora em apreço. Desse facto não se infira nada mais senão a circunstância de pretendermos ter total liberdade de juíza e de ponderação dos argumentos apresentados pelas partes interessadas no debate ora em curso.
Em nosso entender, centraremos as nossas opiniões na proposta de lei n.º 41/III, porque nessa, sim, é que militam os argumentos que foram apresentados pelos diversos partidos recorrentes. E de entre eles a sua importância é desigual, na medida em que a relevância da violação do princípio da irretroactividade das leis fiscais avulta de longe sobre os demais argumentos.

Não existe no nosso ordenamento jurídico-constitucíonal nenhuma norma geral ou nenhuma cláusula de proibição da retroactividade das leis fiscais o que significa que neste caso de eventual inconstitucionalidade por violação do eventual princípio da irretroactividade das leis fiscais a violação não poderia resultar nunca de um preceito constitucional em concreto, mas sim, e tão-só, de um outro princípio constitucional (o que, aliás, é admissível no nosso ordenamento jurídico em face do disposto no artigo 207 º, que prevê que a inconstitucionalidade pode resultar, não apenas da violação de normas, mas também de princípios constitucionais).
Em nosso entender, o artigo 18 º, n.º 3, da Constituição afirma um princípio geral assente na irretroactividade das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias. Mas a sua aplicação ao caso vertente é, no mínimo, bastante controversa. Que direito estaria aqui verdadeiramente a ser restringido? O direito de propriedade, numa concepção clássica de sua consagração restrita aos textos de inspiração liberal, como defendeu, há pouco, o Sr. Deputado Raul de Castro?
Estamos em crer que as modernas considerações acerca da função social do imposto não permitem restringir a tributação a uma mera restrição do direito de propriedade, entendido classicamente.
O artigo 18 º, n.º 3, da Constituição não é de facto totalmente equivalente no artigo 16º-A do projecto de revisão constitucional do Partido Comunista que consagrava, esse sim, taxativamente, a irretroactividade da lei que impusesse deveres públicos ou encargos. E diferente uma consagração genérica da irretroactividade das leis que imponham deveres públicos ou encargos da disposição do artigo 18º, n.º 3, da Constituição, que prevê que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não podem ser retroactivas. E esta diferença foi sublinhada pelos próprios deputados do Partido Comunista na Comissão Eventual de Revisão Constitucional, nomeadamente quando sublinharam que a fórmula final do novo n.º 3 e a proposta da AD - do projecto da então AD - para o n.º 4 do artigo 106.º eram fórmulas bem mais tímidas do que aquela que eles pretendiam ver consagradas no artigo 106º-A da Constituição.
O CDS, originalmente - mudam-se os tempos, mudam-se as direcções, mudam-se as vontades -, apoiou na revisão constitucional a consagração do princípio da irretroactividade da lei fiscal e agora vem considerar uma posição bastante ao arrepio daquilo que na altura emitiu.
O próprio Prof. Jorge Miranda sublinha esta circunstância no seu projecto pessoal de revisão constitucional quando chama a atenção para o facto de que «a consagração da irretroactividade da lei fiscal não se bastaria com a consagração do princípio geral da irretroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias», que ele acolhia no artigo 21 º do seu projecto nos mesmíssimos termos em que, aliás, a revisão constitucional acabou por consagrar no artigo 18 º, n.º 3, da Constituição. Mas antes tal princípio exigiria a consagração explícita no artigo 106 º da Constituição (artigo 110 º do seu projecto, onde se estatui que «ninguém pode ser obrigado a pagar imposto que não tenham sido criados por lei anterior e nos termos da Constituição»).

Como solucionar, pois, a questão em apreço na ausência de uma disposição directamente aplicável?

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Naturalmente segundo os princípios da hermenêutica jurídica, atentas as conclusões da aplicação ao caso vertente dos diferentes instrumentos interpretativos da Constituição, nomeadamente do sentido das posições doutrinárias, dos critérios utilizados pelas sucessivas decisões jurisprudenciais já emitidas sobre a matéria e, finalmente, através da interpretação sistemática da própria Constituição nas suas diferentes vertentes, desde o elemento histórico ao elemento literal, passando pelos esteios de uma jurisprudência valorativa, partindo das finalidades programáticas do próprio texto constitucional no seu conjunto.

O sentido das posições doutrinárias sobre esta matéria está exposto, com clareza e exaustão, na recurso da ASDI - uma exaustão que leva até os seus proponentes a citarem a boa e a má doutrina, em meu entender, sobre a matéria.

O sentido maioritário da doutrina, de facto, inclina-se para a defesa da não retroactividade, embora entre aqueles que defendem a não retroactividade há autores que extraem a não retroactividade do complexo global dos princípios constitucionais e fazem da não retroactividade um valor absoluto e há autores que se limitam a afirmar a não retroactividade como um valor meramente relativo, ou até, como por exemplo, o Prof. Sousa Franco que defende que a irretroactividade em teoria é uma boa solução, mas que «infelizmente - a expressão é dele -, a Constituição não a acolhe». É também neste sentido a opinião do Prof. Cardoso da Costa, citada a p. 88 do Acórdão n.º 444 da Comissão Constitucional, que versa sobre a mesmíssima matéria. Diz o Prof. Cardoso da Costa que «não se pretende afirmar que devam considerar-se constitucionalmente lícitos todos e quaisquer impostos retroactivos, nomeadamente os eivados de autêntica retroactividade; há aqui limites que, de modo algum, podem transpor-se e que derivam do princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito».
No plano doutrinário também nós propendemos para a opinião de que, não havendo uma cláusula geral ou sequer específica que imponha a irretroactividade da lei fiscal, os seus efeitos retroactivos serão admissíveis em função de cada caso concreto - e apenas de cada caso concreto -, por força da interpretação sistemática dos valores constitucionais em presença. Nesse sentido nos distanciamos dos recursos apresentados pelo MDP/CDE e pelo CDS, que aparentemente fazem do princípio da irretroactividade um princípio consagrado de forma absoluta.
A natureza casuística do juízo sobre a questão é de igual modo evidenciada pelas próprias decisões jurisprudenciais que sobre a matéria têm sido pronunciadas. É o caso do acórdão do Supremo Tribunal de justiça, que acolhe, em relação ao adicional ao imposto complementar de 1977, o princípio da irretroactividade absoluta. É o caso da jurisprudência da Comissão Constitucional (o Acórdão n.º 437, de 26 de Janeiro de 1982, e o Acórdão n.º 444, de 10 de Maio de 1982, da Comissão Constitucional) e ainda os Pareceres n.os 25/81, de 5 de Agosto, e 14/82, de 22 de Abril, que consagram a admissibilidade da retroactividade da lei fiscal dentro de certos e determinados limites que a jurisprudência pretende definir e conformar.
Assim, a Comissão Constitucional fornece critérios de reflexão à luz dos quais se deve apreciar o caso
vertente. As leis fiscais com efeito retroactivo só serão inconstitucionais se ultrapassarem certos limites, cuja violação redundaria na ultrapassagem de normas e princípios constitucionais autónomos, á saber: a retroactividade ser derivada de razões de interesse geral; o encargo para o contribuinte não se mostrar desproporcionado; o encargo para o contribuinte aparecer, a este próprio, como verosímil ou mesmo provável. Requisitos, estes, que serão necessários que se verifiquem para que não haja uma «violação intolerável do princípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos» na tutela jurídica - corolário lógico e fundamental do princípio do primado do Estado de Direito democrático, princípios estes que são, aliás, decalcados da jurisprudência do Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, que diz:

As leis fiscais retroactivas só serão admissíveis quando o cidadão podia já prever a futura disciplina no momento a que retroaja aplicação da lei, quando o direito vigente é obseuro ou confuso, sendo lícita a legisladores esclarecer a situação através de leis retroactivas, quando uma lei se revela posteriormente ilegítima e o legislador a substitui por uma nova lei, tendo esta efeito retroactivo, e, finalmente, quando subsistem razões imperativas de interesse comum que, para assegurar a certeza do direito, imponham a emanação de uma lei retroactiva.

Esta a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão.
O ponto de encontro destes 3 critérios que a jurisprudência fornece situa-se, pois, na base do juízo de constitucionalidade que somos chamados a fazer, confrontando, por um lado, num prato da balança, o interesse geral, aquilo a que o Tribunal de Karlsruhe chama «razões imperativas de interesse comum», e, par outro lado, no outro prato da balança, o conjunto de preceitos aplicáveis à protecção dos direitos e interesses dos particulares, fundamento inalienável de um Estado de direito democrático.
Movemo-nos num domínio onde se torna particularmente evidente o recurso a soluções inspiradas na denominada jurisprudência dos interesses, domínio melindroso e de difícil sedimentação. Mas basta recordar o que escrevia o Prof. Manuel de Andrade acerca da matéria para estarmos seguros de que é da justa ponderação dos interesses conflituantes que se terá de encontrar a base da solução para o juízo de inconstitucionalidade. «Tais normas ou regras - e cito -, com efeito, não têm nem poderiam, por direitas contas, ter um entendimento e aplicação formalizantes que ocorressem more geométrico à margem dos interesses reais em jogo.» Se é cerco que na prática, senão mesmo em alguma teoria, isso acontece com certa frequência, o facto será explicável, irias não é, de modo nenhum, justificável.
Neste campo, como em geral nas outras áreas do jurídico, não podemos fiar-nos em elementos precisos de natureza estrutural - de que fala precisamente, a propósito do direito intemporal, Manuel de Andrade, nas «Fontes de direito, vigência, interpretação e aplicação da Lei n.º 9», in ene do Boletim elo Ministério da Justiça, n.º 102 -, mas sim nas razões tiradas principalmente da consideração dos interesses em jogo.
Ora, é exactamente com base na consideração dos interesses em jogo que nós temos de ser chamadas

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a deliberar. E ponderando os interesses dos particulares que estão aqui em presença seremos levados a concluir que o imposto que se nos pede que votemos favoravelmente não era, de facto, previsível. Não havia da parte dos particulares uma expectativa que se lhe afigurasse como previsível ou provável deste acréscimo significativo da carga fiscal pelas razões expostas no recurso da ASDI, pp. 11 e seguintes.
A carga fiscal adicional resultante destes impostos extraordinários afigura-se-nos, em certa medida, desproporcionada (embora o juízo sobre este facto seja mais controverso do que o anterior à luz das conclusões do Acórdão n.º 444, da Comissão Constitucional), porque na sua esmagadora maioria estes impostos referem-se a rendimentos em relação aos quais o contribuinte já tem de facto a sua situação regularizada perante o fisco (são águas passadas que já não podem mover moinhos, senão forcejando as próprias forças da natureza) e porque estes impostos lançam novos encargos para cuja satisfação terão de ser mobilizados rendimentos que não podem deixar de ser rendimentos da poupança do corrente ano, isto é, de 1983, que durante 10 meses o contribuinte reputou estarem disponíveis para outras finalidades.
A luz destas 2 vertentes do critério da protecção dos interesses dos particulares, propendemos a reputar de inconstitucionalidade a proposta de lei n.º 41/III.
Mas este juízo poderia, de facto, ser afastado pela proposta de lei do Governo, na medida em que a cuidada ponderação do interesse geral aqui em presença, das tais razões imperativas de interesse comum, se ponderosas e de excepcional gravidade, levasse ao sacrifício dentro de certos limites das garantias dos particulares e, consequentemente, à admissibilidade da retroactividade das leis fiscais. Nós somos daqueles que pensamos que, se devidamente justificado o interesse geral, poderia haver limitação das garantias dos particulares através da retroactividade da lei fiscal. Mas é exactamente para esta ponderação do interesse geral, no caso vertente, que o Governo, de facto, não nos faculta os elementos necessários e suficientes.
Apenas é afirmado que com estes novos impostos se pretende a «contracção do défice do orçamento do sector público administrativo».
Mas cumpre perguntar: Qual défice? O défice previsto no Orçamento Geral do Estado provisório para 1983, que se mantém dentro dos mesmos limites? E então nós, quando votámos a lei do orçamento, fomos incautos e imprudentes e não consagrámos a possibilidade de o Governo se munir dos instrumentos legislativos necessários para fazer face ao défice já então previsto de 150 milhões de contos? Ou trata-se de lançar impostos extraordinários para cobrir um défice superior ao previsto e que agora se afigura como inevitável? Mas se então se trata de cobrir um défice superior ao previsto, houve engano nas contas? Subavaliámos despesas? Sobreavaliámos receitas? E se houve engano nas contas, qual é a base objectiva da correcção necessária? Ou houve, pelo contrário, incorrecção ou fraude na aplicação das próprias verbas orçamentadas, utilizadas sem a necessária garantia do cabimento orçamental, imprescindível neste caso?
Só as respostas a estas perguntas poderiam fazer pender a balança para o lado da constitucionalidade da proposta de lei. Respostas relevantes, aliás, não só para a justa valoração do interesse geral que poderia minorar a protecção dos direitos e garantias dos particulares, mas também relevantes para o argumento da inconstitucionalidade por violação do princípio da unidade do orçamento decorrente do artigo 108.º, n.º 5, da Constituição, que, aliás, afecta todas as propostas de lei apresentadas, as quais padecem ainda do vício de violação do n.º 6 do artigo 108 º também da Constituição, não acatando o princípio da correlação articulada entre receitas e despesas.
De facto, se neste caso se tivesse optado por uma proposta de lei de alteração do orçamento, na qual se incluiriam diversas autorizações para efeitos fiscais, estaria salvaguardado o caso de flagrante inconstitucionalidade que é o da violação do princípio da unidade orçamental, porque a violação do princípio da irretroactividade da lei fiscal é, esse sim, muito mais controverso e muito mais duvidoso. O que me parece liminar neste caso é a violação do princípio da unidade orçamental. O que é susceptível de discussão mais aprofundada e de jurisprudência a fazer sobre esta matéria pelo Tribunal Constitucional é a questão da retroactividade das leis fiscais.
De facto, neste contexto a criação avulsa de impostos viola o princípio da inscrição orçamental e da adequação das receitas às despesas e está, por esta via, a abrir as portas ao exercício, pelos cidadãos, de um direito de resistência que se pode verificar particularmente gravoso, em função dos objectivos de cobertura de um défice orçamental que ninguém nega que existe, apenas se pede que se explique porquê e em que montante.
Dentro desta conjuntura, pensamos que, embora a violação do princípio da unidade do orçamento afecte todas as propostas de lei, essa violação só se torna verdadeiramente gravosa e digna de uma atitude através do voto no que diz respeito à proposta de lei n.º 41/III.
Pelas razões que expus, pensamos que a proposta de lei n.º 41/III está, de facto, ferida de inconstitucionalidade material e, nesse sentido, votaremos o recurso da ASDI, que propõe a sua rejeição por esta Assembleia.

Aplausos da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, suponho, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado António Vitorino, faço um protesto que classificaria de leve, como leve - que não leviana - foi a referência que o Sr. Deputado fez a uma pretensa evolução do meu partido nesta matéria.
O Sr. Deputado António Vitorino estará certamente tão bem recordado como eu do debate que houve na Comissão Eventual de Revisão Constitucional sobre esta matéria, debate que nem sempre foi muito sistemático, uma vez que, não obstante nessa Comissão estarem presentes muitos juristas eminentes, como o Sr. Deputado António Vitorino, não havia nenhum fiscalista, e por isso esse debate nem sempre pôde

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realizar-se com uma sequência lógica absoluta. Creio, no entanto, que desse debate resultou que a consagração do princípio da não retroactividade da lei fiscal como um carácter geral teria graves inconvenientes, na medida em que podia, em certas circunstâncias, paralisar a acção dos executivos e não nos permitir tomar atempadamente medidas que a conjuntura impõe.
No entanto, creio que a posição que hoje foi aqui defendida pelo meu colega de bancada Sr. Deputado António Lobo Xavier não se baseou nunca na arguição de uma violação de uma norma expressa, mas, sim, de um conjunto de princípios que estão inscritos na Constituição e que, inclusivamente, têm sido objecto de alguma elaboração jurisprudencial.
Por outro lado, o CDS não baseou, exclusivamente, a sua argumentação na questão da não retroactividade; baseou-a também na questão mais geral das relações entre o Governo e o Parlamento em matéria orçamental e na questão da violação do princípio do controle parlamentar em matéria orçamental.
E conviria talvez aqui recordar ao Sr. Deputado António Vitorino e à Câmara que o CDS sempre, durante o processo de revisão constitucional, defendeu o aumento dos poderes do Parlamento em matéria orçamental. Defendeu esse aumento mesmo quando, dentro da então maioria, havia legítimas dúvidas sobre a operacionalidade dessa reforma, que conduziu, pela sua acção, a que a maioria acabasse por aceitar uma formulação em todo semelhante à que constava da proposta de revisão constitucional da Frente Republicana e Socialista. Portanto, Sr. Deputado António Vitorino, se tem razão em que se «mudam os tempos e se mudam as vontades», nesta matéria não foi o CDS que mudou.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, há mais oradores inscritos. Pretende responder já ou no fim?

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Pretendia responder já, Sr. Presidente.

O Sr, Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, eu não vou fazer naturalmente um contraprotesto, mas começo por fazer uma homenagem ao CDS: é verdade que o CDS, desde a primeira hora, na revisão constitucional, aderiu à tese do reforço dos poderes do Parlamento em matéria orçamentai, proposta que era, aliás, da autoria do PS, da ASDI e da UEDS. Portanto, naturalmente, longe de mim lançar sobre o CDS a suspeita de que estaria interessado em esvaziar o Parlamento de competências orçamentais, por maioria de razão, até por ser agora um partido da oposição, fora dos centros do poder, interessado, portanto, a que o Parlamento saia reforçado em matéria deste género.
O que eu considero é que há uma diferente posição do CDS, porque, sinceramente, do requerimento do recurso de inconstitucionalidade apresentado pelo CDS destas propostas de lei eu infiro uma adesão d tese da irretroactividade absoluta, isto é, a lei fiscal tem de ser, por definição, irretroactiva - não se pode admitir a retroactividade -, enquanto a posição que o CDS defendeu na revisão constitucional foi uma posição bastante mais prudente, bastante mais flexível e que se poderia sintetizar, numa expressão do Sr. Deputado Luís Beiroco, no suplemento ao Diário da Assembleia da República, 2 º série, n.º 18, de 21 de Novembro de 1981, a p. 33, que diz assim: «Não se pode arranjar um critério jurídico que diga: retroactividade sim, ma non troppo», acabei de citar.
O CDS na revisão constitucional considerava que «retroactividade sim, ma non troppo». Se não há conceito jurídico, faça-se a elaboração jurisprudencial. Inferi, talvez erradamente - o Sr. Deputado António Lobo Xavier terá ocasião, de certo, de em ulterior intervenção esclarecer a minha dúvida -, mas inferi que desta vez o CDS diz assim: «retroactividade, nem non troppo or mai».

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado António Vitorino, na parte final da intervenção de V. Exa. inferi que considerava como mais grave a violação do princípio da unidade orçamental, consagrado no artigo 108 º da Constituição, tanto na sua versão de 1976 como na de 1982. E sublinhou com tanta ênfase a gravidade da violação desta norma constitucional, porque não é o caso da violação de um princípio, mas de uma norma constitucional, que fiquei com a ideia de que essa violação devia actuar autonomamente.
Contudo, a sequência da sua intervenção lançou-me dúvidas sobre o assunto: é que depois o Sr. Deputado condicionou a actuação da violação do princípio da unidade orçamental à gravidade que ela revestisse para os cidadãos atingidos. Pergunto-lhe se não considera que a violação do princípio da unidade orçamentai no relacionamento do Parlamento com o Governo não deve actuar autonomamente, mas está dependente, para a sua actuação, da existência de uma gravidade dessa mesma violação para os cidadãos contribuintes.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Vitorino (UEDS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. polé Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado António Vitorino, ouvi com muita atenção e com bastante interesse - aproveito para dizer- a sua intervenção, porque ela é desdramatizadora e porque permite-me que lhe diga, colocou questões das quais o Sr. Deputado António Vitorino dificilmente conseguirá sair, não obstante a sua capacidade - e sublinho- intelectual.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado António Vitorino destruiu nesta Assembleia, de forma clara, a ideia de irretroactividade da lei fiscal. E destruiu-a ao admitir os seguintes pressupostos: primeiro, o de que não há nenhuma norma que incrimine a lei fiscal retroac-

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tiva de inconstitucionalidade; segundo, o Sr. Deputado António Vitorino funda essa pseudo-inconstitucionalidade numa apreciação quanto à gravidade do cidadão atingido. Gostava de sublinhar que este tipo de conceito não me parece que deva ser aceite numa sã jurisprudência nem recolhido pela Constituição porque, ao admitir-se o princípio de que um tribunal pode declarar um texto inconstitucional conforme a gravidade do cidadão atingido, está a pedir-se ao tribunal um juízo subjectivo, casuístico e contraditório que o tribunal não pode manifestamente dar.

O Sr. Deputado António Vitorino chama em seu socorro a jurisprudência do Tribunal Constitucional de Karlsruhe da República Federal da Alemanha. Como V. Exa. muito bem sabe, o Tribunal Constitucional da Karlsruhe, instituído no seguimento da Constituição de 1947, tinha 2 objectivos fundamentais: um, confessado; outro, implícito, mas claramente analisado, creio que unanimemente, pelos tratadistas da época. O confessado era da uniformização da jurisprudência numa república federal; aquele que estava também subjacente era o da limitação por via jurisprudencial de uma concepção demasiado «legalista», no mau sentido da palavra, sublinho, daquilo a que, entre 1933 e 1945, se chamou, erradamente. Estado de direito na Alemanha.
Ora, o que acontece é que a jurisprudência, como V. Exa. acabou de sublinhar, que funda a inconstitucionalidade em interpretações subjectivas está a apontar para outra realidade que não compete aos tribunais, pronunciar-se, mas a esta Câmara: a oportunidade política.

Tem o Sr. Deputado António Vitorino, como qualquer dos Srs. Deputados que aqui se sentam, obviamente, o direito de dizer que estes impostos estão errados, que estes impostos correspondem a uma política errada do Governo, que estes impostos são inoportunos politicamente, que estes impostos são prejudiciais à economia nacional. Eu não penso assim, mas acho que podem pensar assim, obviamente. O que não podem é, em face desta realidade de apreciação política do imposto, chamá-lo de inconstitucional porque ele não o é.

O segundo ponto que é fundamental sublinhar-se é o problema da retroactividade. E o Sr. Deputado António Vitorino andou muito perto de uma distinção fundamental. O que é uma lei retroactiva em termos de imposto? É aquela que atinge uma matéria colectável já desenvolvida ou já existente, mas que ainda não foi objecto de taxação fiscal, ou, pelo contrário, é aquela que atinge uma matéria colectável que já foi objecto de taxação fiscal e em que o cidadão já, pura e simplesmente, fez as suas contas com o Governo?
É evidente que só nesta última fase se pode falar de irretroactividade. Mas nos debates que aqui estiveram presentes apareceram misturadas as 2 realidades.
Portanto, se V. Exa., Sr. Deputado António Vitorino está de acordo - como penso que está - quanto a esta interpretação de definição limitada do conceito de retroactividade, reconhecerá, evidentemente, que só uma das propostas de lei se pode classificar como retroactiva. Mas reconhecerá também - e esta é a questão que desejava pôr- que, ao fundar em argumentos de apreciação subjectiva a sua pretensa inconstitucionalidade, reconhece também que não há nenhuma norma na Constituição que, pura e simplesmente, fira de inconstitucionalidade o imposto retroactivo.
Gostaria de sublinhar, enfim, e à guisa de breve nota, o seguinte: é que a experiência ensina-nos, e tem-nos ensinado, que em matéria fiscal é muito perigoso estabelecer critérios em ordem subjectiva que vão para além dos estritos critérios que são definidos na Constituição. E esse tem sido, infelizmente, o grande vício dos recursos que aqui têm sido apresentados.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado António Vitorino, o qual será formulado desta maneira por exigência regimental. Muito embora a minha apreciação do caso concreto não tivesse tido a extensão e a exaustão que a sua própria intervenção teve, mesmo quando eu recorro ao Parecer n.º 14/82 da Comissão Constitucional, perguntar-lhe-ia se não terá percebido que não defendo a tese da irretroactividade absoluta, mas pelo contrário. Isto, embora - repito eu não tivesse analisado o problema em apreço com a exaustão que o Sr. Deputado manifestou na sua intervenção.
Do mesmo passo, se o Sr. Presidente não considera abuso, esclarecerei também a Câmara que, presumo, o Sr. Deputado José Luís Nunes, com a sua ideia de defender a distinção entre os dois tipos de irretroactividade, não atinge - julgo eu- a minha exposição.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Começando por responder no Sr. Deputado Nogueira de Brito, refiro que a destrinça entre a violação do princípio da unidade orçamental e a violação de limites de construção jurisprudencial para a retroactividade das leis fiscais está em que num caso a violação parece liminar - isto no caso do princípio da unidade orçamental - e no outro me parece duvidosa, controversa, polémica e discutível. É essa a diferença entre as 2 posições.
Quanto ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, que me perguntou se, sobre a sua intervenção, eu não teria percebido que ele não defende a irretroactividade absoluta, respondo que não percebi. Mas fiquei agora esclarecido quanto à sua posição sobre a matéria, a qual, portanto, coincide com aquela que o CDS defendeu na revisão constitucional, ou seja, retroactividade sim, ma non troppo.
Quanto ao Sr. Deputado José Luís Nunes, a quem agradeço as referências pessoais muito gentis que me fez - e às quais só não posso retribuir porque me faltaria o engenho e a arte e porque por muito que tentasse ficaria sempre aquém daquilo que eu gostaria de lhe prestar como homenagem pessoal e de sincera admiração -, queria dizer que a minha intervenção visa destruir toda e qualquer argumentação que pretenda apresentar a irretroactividade da lei fiscal como um dogma. Isso sai, em meu entender, completamente destruído da minha intervenção. Não ha norma que comine no ordenamento jurídico e constitucional o princípio da irretroactividade. E mais, há elementos históricos interpretativos da revisão constitucional que

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corroboram esta tese, quando a Assembleia rejeitou o acolhimento da proposta do n.º 4 do artigo 106 º dospartidos da AD, que visava consagrar a irretroactividade da lei fiscal, e quando recusou o artigo 16º-A do projecto do PCP, que visava consagrar que os deveres e encargos públicos teriam de ser sempre irretroactivos.
Só que não defendi a tese de que a retroactividade deveria ser limitada em função dos prejuízos que, em cada caso concreto, dela resultam para o cidadão.
Não. Fui-me basear na jurisprudência do Tribunal Constitucional de Karlsruhe, da República Federal da Alemanha, em decisões que, por exemplo, datam de 1968 - portanto, bem depois da constituição originária do próprio tribunal -, e da Lei Fundamental de Bona de 1949, salvo erro. Mas a minha tese parte do princípio de que a experiência constitucional portuguesa tem demonstrado que para julgar a problemática da retroactividade da lei fiscal têm sido construídas posições jurisprudenciais definidoras dos limites da retroactividade.
E quando o Sr. Deputado José Luís Nunes diz que só haverá autêntica retroactividade quando se pretenda lançar um imposto extraordinário sobre matéria já colectada, é isso que está aqui em causa na proposta de lei n.º 41/III: trata-se de lançar impostos extraordinários sobre matéria já colectada, em relação à qual o contribuinte já fez as suas contas com o fisco.
O que se constitui agora em questão para análise é saber que limites é que vamos estabelecer ao princípio da retroactividade. Porque o Sr. Deputado
José Luís Nunes, e muito bem, também defendeu a tese de que não se pode estabelecer o princípio da retroactividade sem limites. Se não, um governo bem
humorado lembrar-se-ia de lançar em 1983 um adicional ou um imposto extraordinário sobre a contribuição predial de 1957, ano por acaso em que nasci - portanto aí, ainda sou insuspeito.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Simplesmente, nesse caso, o Sr. Deputado António Vitorino classificaria esse acto como um acto ilegal, mas não inconstitucional.

O Orador: - Bom, a questão é a seguinte: aqui limitei-me a aderir aos princípios que a Comissão Constitucional até este momento tem elaborado para interpretação do texto da Constituição de 1976. Admito que o Tribunal Constitucional possa vir a fazer uma apreciação e uma valoração diferente dos princípios que anteriormente a Comissão Constitucional emitiu.
Onde penso sinceramente - e isto com toda a sinceridade e não estou a fazer chicana política - que dificilmente o Tribunal Constitucional poderá fazer
um juízo diferente daquele que a Comissão Constitucional fez é quando se trate de violação do princípio da unidade orçamental. Isto é, da necessidade de estas
leis fiscais avulsas terem sido enquadradas por uma alteração ao Orçamento Geral do Estado, indicando o montante das receitas que se prevê sejam colectadas e qual é a afectação dessas receitas ao Orçamento do Estado.

Mas o Governo tem na mão a possibilidade de suprir esta inconstitucionalidade, aqui perante a Câmara: apresenta-nos os valores globais que se prevê sejam colectados em função destes impostos extraordinários, apresenta-nos os «buracos» do Orçamento Geral do Estado e diz-nos qual é a afectação destas receitas às despesas.

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Dá-me licença.

O Orador:- Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Era só para lhe dizer que esse problema que o Sr. Deputado acaba de levantar, referente à irretroactividade, leva-me a uma conclusão, a qual tirei, creio eu, legitimamente da sua intervenção, e que é a seguinte: é que em relação ao problema da retroactividade não há um problema que, pelo menos na sua opinião, seja altamente discutível e não se verifica, efectivamente, uma clara inconstitucionalidade.
Aliás, o Sr. Deputado disse sibilinamente, e muito bem, que a intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota tinha misturado a boa com a má doutrina. E há um caso de má doutrina. Uma das declarações que aqui foram citadas diz o seguinte: «pois muito bem, é uma declaração de voto de um meritíssimo juiz, há inconstitucionalidade, porque irretroactividade só existe em Estados de direito e a Constituição Portuguesa não consagra um Estado de direito». Essa é a má doutrina.

O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, devo confessar que, de facto, a pequena brincadeira que fiz em torno da boa e da má doutrina não tinha esse alcance. Era apenas uma piada indirecta à ASDI, por abrir as citações com o Prof. Oliveira Salazar.
Quanto à questão da retroactividade e dos limites à retroactividade, a questão é a seguinte: não posso ignorar a jurisprudência da Comissão Constitucional sobre esta matéria e foi em função dela que me posicionei. Admito que em função dessa jurisprudência
qualquer outro deputado tenha um posicionamento
diferente. Eu tenho uma base jurídica para a minha posição, quem defender a tese contrária tem uma base jurídica para a sua posição. Não é mera chicana política que está aqui em discussão.
Em relação à violação do princípio da unidade orçamental, lastimo. Gostaria de ver algum jurista hiper-habilidoso conseguir dizer que, de facto, estas propostas de lei não pecam por violação do princípio da unidade orçamental.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso é uma hiper-habilidade!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, não é uma hiper-habilidade, de certeza absoluta, porque se fosse o Sr. Deputado teria vivamente protestado, porque em matéria de habilidade o Sr. Deputado não vai à bola comigo.

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

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22 DE SETEMBRO DE 1983

O Sr. Costa Andrade (PSD). - Sr. Presidente, é para, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, explicitar o sentido e as razões do nosso voto.
Iremos, naturalmente, votar contra as impugnações apresentadas por diferentes partidos da oposição, se bem que estas sejam de graduações diferentes. Uns têm muito mais olhos do que barriga, outros usam termos manifestamente mais moderados e merecem uma atenção mais cuidada, até pela seriedade da sua argumentação.
Todavia, não posso deixar de, em nome da minha bancada, me congratular pelo nível que o debate teve. Não concordamos com todas as posições exprimidas pelas diferentes bancadas, mas não podemos deixar de render uma homenagem sincera ao nível que o debate teve, de resto, imputável a todas as bancadas que se fizeram ouvir neste debate.
Começo por fazer algumas considerações de carácter geral, que muito ajudarão a descrever o horizonte, de certa maneira ético e político, onde se inscreve o nosso voto.
O Sr. Deputado Magalhães Mota começou, e muito bem, por recordar algumas coisas de interesse histórico, designadamente a origem dos parlamentos e a importância que o tema da tributação teve na origem e na afirmação dos parlamentos.
Todavia, penso que o Sr. Deputado Magalhães Mota devia ter levado as coisas muito mais longe - como, de resto, acabou por ser feito por um orador subsequente- e devia ter curado de saber quais as implicações das profundas alterações sofridas na relação entre, por um lado, a sociedade e, por outro lado, o Estado e entre a posição do Parlamento no conflito da antítese Estado/sociedade.
Na verdade, do que agora se trata em matéria de impostos não é só defender o ter daqueles que têm muita coisa face a um Estado de certa maneira, e ostensivamente, alienado em relação à sociedade e aos interesses e pulsões da sociedade. E o Parlamento, como guardião da legalidade em matéria de impostos, não pode ser apenas o censor dos interesses dos que têm muita coisa face ao Estado.
Por força das profundas alterações dos Estados modernos e de todas as sociedades, quando se trata de impostos o Parlamento tem de curar também que o Estado tenha os meios suficientes para conseguir que aqueles que nada tem tenham o direito de ser em plena dignidade.
Esta vertente do Estado moderno de direito social é também particularmente importante.
Nós não somos aqui apenas os guardiões da propriedade daqueles que têm muita coisa - eu não sou, positivamente, o guarda-nocturno daqueles que têm muita coisa -, mas somos também os curadores daqueles que o não são e precisam que o Estado tenha muita coisa para lhes assegurar o direito de ser em plenitude e em dignidade. Isto é uma das condições fundamentais do Estado moderno, do Estado das prestações sociais, que é manifestamente o nosso.
Penso que se tivermos este horizonte ético e filosófico perante os nossos olhos as coisas se desdramatizarão consideravelmente, como, de resto, acaba de acontecer com a última intervenção do Sr. Deputado António Vitorino.
Postas estas linhas fundamentais, penso que é de aborda- o texto constitucional, o qual nos oferece o

paradigma dentro do qual haveremos de aferir a constitucionalidade. Ora, o texto constitucional oferece-nos 2 factos indesmentíveis e cujo significado hermenêutico não podemos recusar. Em primeiro lugar, a Constituição Portuguesa estabelece, expressamente, o princípio da irretroactividade da lei penal. Mas a Constituição da República Portuguesa não estabelece o princípio da irretroactividade das leis fiscais. E mais: não o estabelece depois de uma certa jurisprudência, em matéria constitucional, ter agitado o problema. Depois, como muito bem já aqui foi dito, apesar de muitos tinteiros de tinta se terem gasto sobre a matéria da retroactividade e do problema da irretroactividade ter sido particularmente discutido na Comissão de Revisão Constitucional, a Constituição da República Portuguesa, ostensivamente, não se decidiu pela elevação do princípio da irretroactividade à constelação das suas normas fundamentais.

A importância deste facto não pode ser subvalorizada e não podem valorizar-se princípios auxiliares de hermenêutica, quando é certo que o legislador constituinte, depois de ter tomado consciência séria sobre o problema, não se decidiu a incluir o princípio da irretroactividade no texto constitucional.

Este facto, acrescido da circunstância de alguma jurisprudência nesta matéria da Comissão Constitucional apontar para aquilo que aqui foi considerado como uma certa metodologia de interesses, faz pensar que, talvez mais rigorosamente, devêssemos falar numa certa metodologia utópica. Isto no sentido de que, em decisões desta matéria, para uma decisão consciente, é importante para o intérprete da lei - designadamente para o aplicador, que será o Tribunal Constitucional dispensar uma grande atenção a todos os problemas, a todas as fontes de conflitos, a todos os diferentes lados do problema. E já aqui foram apontados alguns dados importantes para essa discussão: os interesses, respeitáveis sem dúvida, dos cidadãos possuidores, mas também os princípios, de certa maneira importantes, da sobrevivência do próprio Estado de direito democrático, bem como as condições emergentes do ambiente de manifesta crise em que nos encontramos.
Tudo isto deve ser trazido à colação quando o Tribunal Constitucional se vier a pronunciar. Isto porque em matéria doutrinal ainda há uma certa virgindade, dado que depois da revisão constitucional ainda não há grandes desenvolvimentos e grandes tratamentos sistemáticos desta matéria.
Se o Tribunal Constitucional vier a actuar nesta linha -como não pode deixar de fazer-, temos, para nós, como altissimamente provável que deixará passar estas leis por não violação para além daquilo que é intolerável num Estado de direito democrático, situadamente compreendido, como é o Estado de direito democrático português neste ano de 1983, com as suas circunstâncias actuais.
Antecipando juízos futuros, consideramos que o Tribunal Constitucional não poderá deixar de vir a considerar que estas leis se mantêm dentro das barreiras constitucionais.
Ora, como estamos aqui numa espécie de fase acusatória, passe a analogia, e como, segundo o bom princípio e sã jurisprudência - pelo menos de uma sã jurisprudência das cautelas -, só se deve acusar quando for altissimamente provável que o acusado venha a ser condenado, também somos de parecer que nos devemos abster de acusar e estigmatizar, já, estas

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leis como inconstitucionais. Para nós é ostensivo que o Tribunal Constitucional não poderia deixar de votar pela constitucionalidade dessas leis, de acordo com os critérios já definidos pela Comissão Constitucional e devidamente desenvolvidos e projectados sobre a situação actual.
Nessa medida e em conformidade, é nosso dever neste momento, nesta fase de controle parlamentar, votar pela admissibilidade destas propostas de lei. E fazêmo-lo em nome de uma tradição cara a este grupo parlamentar social-democrata.
Nós não queremos nunca queimar as etapas em matéria de fiscalização de constitucionalidade das leis. Já aqui disse uma vez que nos orgulhamos de termos sido, talvez, a força parlamentar mais generosa nesta matéria, pois confiamos nos estádios subsequentes de fiscalização.
Neste momento entendemos que as propostas de lei em causa não merecem o estigma da inconstitucionalidade. Isto no concernente à irretroactividade.
Iguais considerações podemos tecer no que respeita ao problema do carácter unitário do Orçamento, tendo presente o envolvimento constitucional, ainda em vigor, para o Orçamento que nos rege, e que nesse contexto não competia à Assembleia da República votar o Orçamento, mas apenas a lei orçamental. Tendo presente tudo isto, é perfeitamente possível interpretar este acto legislativo como uma revisão, pela Assembleia da República, da lei orçamental.
No entanto, é necessário que o Governo, oportunamente e sob a fiscalização do Parlamento, faça as devidas propostas em matéria de Orçamento para salvaguardar o princípio da unidade.
Termino com uma nota que nos é cara, a nós sociais-democratas, e que é nosso dever salientar: o critério para que apontámos é o de uma justa ponderação dos interesses ou dos pontos de referência normativos e materiais, os quais devem pautar o juiz constitucional na decisão.
Entendemos também - e daqui fazemos esse apelo ao Governo- que o Governo deverá também fazer uma adequada ponderação sobre todos esses pontos e que, na medida do possível e na sua correcta avaliação da situação, deverá minorar os gravames que devem ser minorados por razões de justiça social. O voto de confiança que demos ao Governo, em cuja integridade continuamos a acreditar, legitima que esperemos que o Governo só não o fará na medida em que lhe não seja possível.
Se tal acontecer, é com profunda mágoa que sentimos os sacrifícios que estas medidas vão acarretar para todo o povo português, para todos nós, pois tomamos esta atitude com coragem e com a consciência de que alguma coisa é preciso fazer para que o horizonte português, em matéria de economia, se desanuvie e também para que seja possível, ao cabo do programa de emergência traçado pelo Governo, perspectivar novos horizontes e dar de novo voz à esperança.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Confessamos que
tínhamos uma certa expectativa em relação à posição que a bancada do PSD assumiria nesta matéria e aos argumentos que utilizaria para sustentar as propostas governamentais.
O repto que aqui estava lançado era: o Governo apresentou propostas que são inconstitucionais pelos argumentos que expusemos. Com que argumentos é que é possível sustentar o contrário?
Lamentamos não os ter ouvido da boca do Sr. Deputado Costa Andrade. Pelo contrário, no momento em que proclamou que era necessário apreciar estas questões de acordo com um novo horizonte ético e filosófilo - assim o chamou - acabou por corroborar todos os péssimos fundamentos que acabaram por presidir à actuação governamental: a política de secretismo, de sigilo, de não explicação ao País dos fundamentos da política orçamental, de esconde-esconde em relação ao défice, de não fornecimento à Assembleia de instrumentos fundamentais para ela emitir os seus julgamentos. E até acabou por, ao mesmo tempo que dizia que o Grupo Parlamentar do PSD não é guarda-nocturno dos possidentes, vir no fundo corroborar nas posições que transformam esse grupo parlamentar - e querem transformar esta Assembleia- em carrasco dos não possidentes, roubando-lhes o 13.º mês, o que é de uma enorme gravidade política.
Por outro lado, em relação a tudo o que diz respeito às prorrogativas da Assembleia da República, o Sr. Deputado não só não se mostra disposto - ou não mostrou disposição do seu grupo parlamentar- para sanar, corrigir, limitar as entorses, que caracterizam as propostas governamentais, como até alvitrou, em argumento que realmente me deixa de boca aberta, que seria possível apresentar um pacote de aumentos fiscais avulsos e depois sanar essa inconstitucional idade insanável, através de uma qualquer revisão orçamenta) posterior.
Isto é desconhecer o sentido do princípio da unidade orçamental, isto é desconhecer a própria natureza jurídica da Lei do Orçamento e a natureza das leis tributárias avulsas, sobre as quais há uma vastíssima doutrina, que conhece perfeitamente, isto é, não ter em conta o mais elementar dos mais elementares em matéria do nosso direito financeiro.
Vir aqui acrescentar, como fez, que na constelação de normas constitucionais falta uma norma de proibição expressa de irretroactividade é, autenticamente, arrombar portas abertas, porque o que aqui tinha sido colocado por vários deputados de várias bancadas era precisamente, no caso concreto e independentemente do debate geral: irretroactividade, ou não, da lei fiscal. Foram excedidos todos, mas todos os limites imagináveis à imposição de leis fiscais retroactivas. Aquilo que está aqui proposto é uma monstruosidade, é um absurdo, o qual se caracteriza pela injustiça material fiscal mais gritante e implica distorções enormes, que procuramos detalhar, em relação ao desgraçado do sistema fiscal que temos. Tudo isto nós procurámos aqui sustentar.
Em julho o PSD, perante uma proposta governamental que pedia poderes financeiros ilimitados para o Governo, teve esta posição, que todos nós aqui sustentámos e defendemos. Retirem a proposta, sane-se a irregularidade, reponham-se as coisas no são. No entanto, a posição que o PSD apresenta agora é a seguinte: estamos preocupadíssimos com a situação económica, isto de explicar tudo era muito importante, mas já agora a Assembleia da República carimba tudo.

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aprova tudo, aprova leis inconstitucionais de criação de impostos a granel e depois tudo será sanado. O Sr. Deputado, bem como a sua bancada, sabe perfeitamente que esse procedimento não sanaria coisa nenhuma, lançaria o caos, a irregularidade, criaria fortes pressões sobre o órgão de fiscalização da constitucionalidade e sobre outros órgãos de soberania e agravaria ainda mais a situação das nossas finanças públicas, que são suficientemente graves para não se brincar com elas, nos termos em que o Governo está apostado em brincar.
Portanto, perguntava-lhe como é que explica a posição do Grupo Parlamentar do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais e o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares (Armando Lopes) tomou assento na bancada do Governo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade deseja responder já ou no fim? Há mais deputados inscritos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, também para um pedido de esclarecimento.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado, quase que hesitei em pedir um esclarecimento, porque não me senti destinatário da sua intervenção. A sua intervenção quase que parecia uma daquelas redacções da «Guidinha» ao Pai Natal! Foi um recado do Sr. Deputado Costa Andrade aos juízes do Tribunal Constitucional e eu não sou juiz do Tribunal Constitucional!
Mas, intrometendo-me abusivamente na sua relação de diálogo com os juízes do Tribunal Constitucional, diria que o Sr. Deputado exprimiu a ideia fundamental de que estas propostas de lei não são inconstitucionais porque o seu conteúdo não viola, para além do que é, tolerável, as garantias dos particulares.
Pois bem, Sr. Deputado, estarei de acordo consigo se me conseguir demonstrar essa tese, isto é, estarei de acordo consigo se não levar, neste caso, a jurisprudência das cautelas tão longe, tão longe, tão longe! E o Sr. Deputado que foi, por isso mesmo, tão cauteloso, tão cauteloso, tão cauteloso, por causa de tal jurisprudência das cautelas, que aos costumes disse nada! É o conteúdo da tolerabilidade ou intolerabilidade dos sacrifícios aqui previstos, em função do normativo constitucional. O Sr. Deputado, de facto, não deu um só critério que fosse, a não ser este: a altíssima consideração que devemos ter pela probabilíssima probabilidade das leis não serem constitucionais.
Mas não se trata aqui de queimar uma etapa do juízo da fiscalização da constitucionalidade! Sinceramente, não! Trata-se de fazer um juízo político, Sr. Deputado, sobre a constitucionalidade de uma iniciativa legislativa, que é substancialmente distinto, em termos de natureza, do juízo jurídico-político que o Tribunal Constitucional vai ser, eventualmente, a posteriori chamado a elaborar. Portanto, em meu entender, não ultrapassámos a nossa função de deputados quando suscitámos estas questões nas intervenções que fizemos.
Sinceramente, Sr. Deputado, fiquei um pouco surpreendido com o facto de me ter acusado de estar a ser um pirómano, isto é, de estar a atear o fogo de uma instância de fiscalização da constitucionalidade, que a própria Constituição prevê.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, as questões que queria colocar-lhe são simples. A primeira reporta-se a uma formulação que utilizou quando disse que era possível interpretar este conjunto de propostas de lei como uma revisão do Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que essa é uma das questões centrais que está aqui colocada e em relação à qual existe uma clara inconstitucionalidade. A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado, é esta: se se trata de uma revisão do Orçamento Geral do Estado, se é possível interpretá-la desta forma, se se trata de um aumento da receita, o que aparece na contrapartida despesa? Por que é que isso não é colocado à Assembleia da República? E como é que é possível, dentro dos princípios que norteiam a actuação do Governo e a sua relação com a Assembleia em matéria de elaboração do Orçamento e da sua revisão, que isso possa suceder. É evidente que não é possível!
A segunda questão, Sr. Deputado, tem a ver directamente com esta: é evidente que em toda a sua intervenção perpassa uma grande dose de dúvida. Digamos, Sr. Deputado, que não foi particularmente expressiva a sua defesa da constitucionalidade destas propostas. E não foi, precisamente, porque o Sr. Deputado não tem argumentos a contrapor àqueles que aqui foram invocados. E não tendo, teve necessidade de chamar à colação algumas coisas que são preocupastes. Por exemplo, teve de dizer que na decisão do Tribunal Constitucional - a que chegou a chamar o aplicador da lei - ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E não é? Não é o aplicador da lei constitucional?!

O Orador: - Dizia eu que teve de dizer que o Tribunal Constitucional teria de ter em atenção várias condicionantes das propostas que aqui estão e até a grave situação de crise que vivemos. Ou seja, coloca à partida, nesta Assembleia, o Tribunal Constitucional sujeito a uma inevitável pressão! E digo-lhe, Sr. Deputado, essa pressão pode desaparecer. E pode como? O Sr. Deputado sabe perfeitamente, ou seja, pode desaparecer desde que neste momento as graves questões que se colocam em torno deste «pacote» sejam resolvidas. E eu pergunto: este não é o momento azado para sanar as inconstitucionalidades de que enferma este «pacote» de propostas de lei? Não é este o momento em que estas questões devem ser resolvidas, para defesa e dignidade do Estado democrático, para defesa e dignidade da Constituição da República?
Uma última questão, Sr. Deputado, e muito simples: no final da sua intervenção, fez algumas considerações em torno de algumas das propostas que poderiam ser

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excessivas. Eu pergunto-lhe - e era uma informação que era bom que desse a todos nós -: no segredo da reunião que essas bancadas tiveram com o Ministro das Finanças, ele não foi suficientemente persuasivo. e não vos convenceu que estas medidas eram necessárias ou, pelo contrário, ficaram dúvidas e ficaram reais dúvidas da sua desnecessidade e da sua injustiça?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, se me desse licença, uma vez que vejo que os pedidos de esclarecimento se acumulam, preferia responder desde já àqueles que até este momento estão formulados, sem prejuízo de depois responder a outros pedidos de esclarecimento que eventualmente ainda venham a ser solicitados.

O Sr. Presidente: - Há, com efeito, ainda mais 2 senhores deputados inscritos, mas é seu direito responder desde já e, como tal, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Começaria pelo último. Pergunta-me o Sr. Deputado ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Do Partido Comunista!

O Orador: - ..., reciprocamo-nos, pois parece-me que o Sr. Deputado também não sabe o meu nome e eu não sei o seu! Isto sem qualquer outra intenção, para além daquela que vai no facto mesmo.
Pergunta-me o Sr. Deputado comunista se eu afirmei que isto constitui uma revisão do Orçamento Geral do Estado. Não afirmei isso.
O Sr. Deputado manifesta um certo escândalo, de quase rasgar as vestes, por eu ter dito que o Tribunal Constitucional é o aplicador da lei. Disse-o e mantenho, o Tribunal Constitucional é o aplicador das leis constitucionais. Foi isto que disse. Pergunta-me também o Sr. Deputado se há nisto alguma pressão sobre o Tribunal Constitucional. É evidente que não, Sr. Deputado! Quem sou eu para a fazer?!
Pergunta-me ainda se não fiquei esclarecido com a intervenção do Sr. Ministro das Finanças e do Plano. A minha resposta é muito clara: fiquei esclarecido.
Quanto ao Sr. Deputado António Vitorino, agradeço-lhe o elogio do nível literário que teve a gentileza de me atribuir, ao comparar a minha intervenção com a redacção da «Guidinha». É honroso!
Discordo de si, e talvez esta discordância seja o fundamento das diferentes posições que temos. E que não entendo que o juízo da constitucionalidade de que aqui se trata seja um juízo político, mas sim um juízo jurídico-constitucional. Como tal o encaramos nós.
Também me pergunta se tenho o Sr. Deputado como pirómano. Não. Sr. Deputado, tenho de si a melhor das ideias!

Risos.

O Sr. Deputado do Partido Comunista, Dr. Magalhães, também manifestou uma certa decepção em relação à minha intervenção. Devo dizer-lhe que também quanto a este aspecto a reciprocidade talvez seja a palavra que mais traduz as coisas. Esperávamos, ao seu estilo, a um estilo a que já nos habituou, ter visto coisa diferente do que juízos de oportunidade política, que está na sua legitimidade de fazer, mas que não contendem com a legalidade constitucional das leis em causa. Enfim, alguns slogans que são próprios do seu modo de expressão e de comunicação. Ainda há pouco tempo tivemos a festa do Avante e que seria de nós se os slogans se calassem tão depressa"! Pois essa coisa do 13 º mês, esse velho slogan dos trabalhadores! Sr. Deputado, enfim, está no seu direito de os manter.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, não e um slogan, mas uma tristíssima realidade! Acabei de lhe demonstrar, com números - faça as contas -, que a aplicação implicaria por rendimento médio de 21 500$ a supressão de 48 %! E isso, deduzidos todos os outros descontos obrigatórios, etc., etc., permitiria ao trabalhador em questão pagar, quando muito, o imposto complementar com o que lhe sobra. E para trabalhadores mais elevados isso é pior, para os trabalhadores da função pública isso é grave! Isto não é um slogan, é uma triste realidade! E uma grande responsabilidade política que a vossa coligação tem. E mais ainda: em 1979 o seu grupo parlamentar - e daquela tribuna, com a sua liderança de então- recusou aplicar um imposto desses, com argumentos que podem ser consultados no Diário da Assembleia da República. Portanto, slogan agora, slogan antes, o que há é uma questão política importantíssima. O que é que o PSD responde em relação a isso? Por que é que o PSD se refugia em tábuas de florilégios e em elogios recíprocos?! Discuta, responda a uma questão concreta, e nós ficaremos imensamente satisfeitos.
Responda só a esta: l3 º mês, adeus; porquê?

Risos do PCP.

O Orador: - Precisamente por isso, Sr. Deputado.
As implicações que em matéria de «tábua» económica o Sr. Deputado possa tirar não se sobrepõem à interpretação jurídica das coisas que aqui estão em jogo. Estamos a falar de direito ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estames a falar de guarda-nocturno!

O Sr. João Amaral (PCP): - Estamos a falar de torto!

O Orador: - Estamos a falar de direito constitucional, não estamos a falar de tabelas.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE) - Sr. Deputado Costa Andrade, queria em primeiro lugar sa-

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lientar que compreendo a grande dificuldade do Sr. Deputado em defender as propostas de lei, em especial a n.º 41/III.
E creio que quando o Sr. Deputado prestou homenagem ao nível dos recursos de todas as bancadas não se estava, com certeza, a referir aos méritos individuais dos deputados intervenientes, mas sim às referências em que eles se apoiaram para os recursos que aqui apresentaram. Seria, por isso, de esperar que o Sr. Deputado, em resposta a tão numerosas citações de autores que versam matéria fiscal, a tão numerosas referencias de fontes doutrinais e até a um assento do Supremo Tribunal Administrativo, de 1973, tivesse oportunidade de invocar uma só opinião favorável ã tese que aqui defendeu. Isso não aconteceu.
Daí concluo que, contra tantas opiniões - e não vale a pena referir aqui que na doutrina se pronunciam a favor da não retroactividade da lei fiscal os Profs. Teixeira Ribeiro, Pamplona Corte Real, Alberto Xavier, Jorge Miranda, Gomes Canotilho, Vital Morara, etc., e muitos outros foram aqui citados -, ouvimos aqui apenas a opinião do Sr. Deputado Costa Andrade.
Mas queria pedir-lhe também um esclarecimento relativamente à afirmação de que não somos o guarda-nocturno dos que têm, mas os guardiões dos que não têm. Creio que, quanto a esta figura de retórica, há aqui uma inversão de termos, porque o que está aqui precisamente em causa não é o problema dos que têm, mas o dos que têm cada vez menos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E é sobre esses que vai incidir o imposto profissional e o imposto extraordinário sobre o imposto profissional.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

Finalmente, ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença, que interrompa?

O Orador: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, desejava, para bem equacionar a minha resposta, perguntar-lhe se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo a que há pouco se referiu é aquele que começa dizendo: «Salvo disposição especial [...]».
É este?

O Orador: - Sr. Deputado, o assento do Supremo Tribunal Administrativo é aquele que está citado na intervenção do MDP/CDE, é de 6 de julho de 1973. O que aí está transcrito e o que aqui interessa é o seguinte: «os elementos essenciais do imposto são regulados pela norma que estiver em vigor no momento em que se verificar o pressuposto do facto gerador do impostor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E acrescenta, nesse assento: «Salvo disposição especial [...] »?

O Orador: - É evidente!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ah, está bem!

O Orador: - O Sr. Deputado conclui que este assento não consagra o princípio da não retroactividade da lei fiscal?

O Sr. Deputado afirmou aqui, com certo calor, que a partir da revisão constitucional Portugal é um Estado de direito. Queria perguntar-lhe se, por acaso, tem presente precisamente tal problema, abordado pelo Prof. Braz Teixeira nos Princípios de Direito Fiscal, numa edição anterior à revisão constitucional, em que sustenta que antes da revisão - e se se pudesse considerar que Portugal era um Estado de direito então era manifesto que em face da Constituição a lei fiscal não se podia aplicar retroactivamente. Quer dizer, parece que o Sr. Deputado Costa Andrade veio argumentar contra a opinião daqueles que, como este professor de Finanças, sustentam precisamente o contrário daquilo que o Sr. Deputado afirmou, ou seja, que se Portugal é um Estado de direito a lei fiscal não se pode aplicar retroactivamente.

Vozes do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Está ainda inscrito, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade ficou-nos a ideia clara de que o Sr. Deputado tinha fortes dúvidas - não sei se estarei enganado, mas suponho que não - sobre a constitucionalidade das propostas.

No entanto, o Sr. Deputado Costa Andrade fez uma afirmação sobre o que disse ser uma característica do Grupo Parlamentar do PSD que me parece assumir alguma gravidade.

O Sr. Deputado Costa Andrade disse que quando se discutia politicamente a constitucionalidade de qualquer diploma nesta Assembleia o seu grupo parlamentar optava sempre, por uma questão de cautela, por ser a favor da constitucionalidade, deixando para outros órgãos a discussão final da matéria. Pergunto-lhe se não considera um grave risco que, depois de se ter posto aqui em dúvida a constitucionalidade de uma proposta ou de uma resolução que vai ser tomada por esta Câmara, fique a pesar sobre ela essa dúvida, para que depois venham a pronunciar-se outros órgãos que têm competência, é certo, institucional para o fazer.

Outra questão que ponho é muito simples, Sr. Deputado. O Sr. Deputado considera ou não que o princípio
de unidade orçamental, consagrado no artigo 108º, da Constituição, é violado com o conjunto destas propostas? Ou se, considerando que ele não é violado, considera possível que venha a ser consertado qualquer atentado feito a esse princípio com actos posteriores do Governo? E então, que actos é que considera que são possíveis nesse sentido? E quando é que serão oportunos esses actos? E que natureza terão esses actos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para responder.

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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando pelo Sr. Deputado Raul de Castro, respondendo à censura de que só exprimi a minha opinião e não a de tantos doutrinadores ilustres que aqui já foram trazidos à colação, dir-lhe-ei que não podia fazer mais do que isso. Só poderia exprimir a minha.
A grande questão substancial da sua intervenção é saber se Portugal é um Estado de direito e se é compatível a afirmação de que Portugal é um Estado de direito, com a aplicação retroactiva da lei fiscal. Respondo-lhe que a questão é muito clara, pelo menos para mim: Portugal é um Estado de direito. A aplicação retroactiva da lei fiscal só é legítima dentro daquilo que for compatível com o Estado de direito. Já aqui foi dito por várias bancadas que há casos de lei fiscal retroactiva compatível com o Estado de direito. E tudo uma questão de limites.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito perguntou-me se não será de uma certa gravidade renunciarmos a fiscalizar a constitucionalidade das leis. A este respeito devo dizer-lhe que não, Sr. Deputado. Só era grave se eu dissesse aquilo que o Sr. Deputado, por deturpação negligente ou intencional, entendeu. Eu não disse que deixávamos passar leis sobre cuja constitucionalidade tínhamos dúvidas. O que eu disse foi diferente, ou seja, nesta 1 º fase - em que está no início de gestação um acto legislativo e um acto normativo sobre o qual impendem muitas outras possibilidades de controle, inclusivamente desta Câmara, em caso de fiscalização preventiva -, desde que não haja a convicção da violação frontal, desde que não estejamos convencidos da inconstitucionalidade entendemos que é de conceder um certo favor de constitucionalidade à lei. Essa tem sido a nossa prática e não nos temos dado mal com ela. Não consideramos que ela seja grave. Pelo contrário, pois ela tem contribuído para que leis, inclusivamente por parte do CDS, fossem encaradas como inconstitucionais, com uma certa voracidade e tem propiciado debates saudáveis e felizes que contribuíram para esclarecer muita coisa, independentemente das posições em matéria de fundo. Portanto, não nos temos arrependido disso.
Quanto ao conjunto de alterações que o Governo deve introduzir para não violar o carácter unitário do Orçamento, deveremos retirá-las do texto constitucional, que é o que ainda está em vigor para este orçamento e que não estabelece critérios rígidos. Muito lhe agradeceria se o Sr. Deputado me conseguisse dizer quais as vias que se têm de seguir, obrigatoriamente, para ser constitucional.
No entanto, o que não nos parece - e é essa a nossa posição - é que se possa, como um veredicto, com a certeza que é própria das certezas do CDS, dizer já que é inconstitucional. Nós não temos essa certeza. E porque a não temos, entendemos que o acto normativo que está em gestação deve ter a possibilidade de dar mais alguns passos na sua trajectória.

Vozes do PCP: - Mas têm dúvidas!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Ouvi alertado a discussão, que em muitos momentos teve bastante nível, sobre o aspecto jurídico-constitucional da possível inconstitucionalidade de uma das propostas de lei apresentadas pelo Governo. Porventura terá ficado acrescida a minha admiração pelo vosso talento jurídico e oratório. Mas, infelizmente, não diminui um item a minha preocupação e a preocupação do Governo com o desequilíbrio das contas do Estado e com o défice do orçamento.
Por momentos julguei que estava a assistir a lições de uma universidade ou a provas para concursos públicos para um professor catedrático. Mas, tirando as intervenções dos deputados que apoiaram a tese da constitucionalidade da proposta em causa, não ouvi uma só referência que me pudesse levar a concluir que os Srs. Deputados que se opõem à aceitabilidade dessa proposta estão preocupados com a situação económica e financeira do País. Não vi, pois, ...

Vozes do PCP: - Estamos pois!

O Orador: - ... a menor análise dessa situação. Esperava que os Srs. Deputados se preocupassem minimamente com isso.
Srs. Deputados, a certo momento cheguei a pensar que não estávamos em Portugal, que não estávamos no Portugal de hoje, que estávamos, porventura, num passado muito remoto, no tempo do Bill of Rights, no tempo da Magna Carta, no tempo de Luís XIV, no tempo dos Stuart's, no tempo de Filipe de Orleães. Apeteceu-me convidar os Srs. Deputados que fizeram essas intervenções a que viessem do passado até hoje e que viessem da Disneylândia para Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Deputados perdoem-me, mas por momentos pareceu-me que era de invocar aqui a história do barco que foi ao fundo com a orquestra a tocar violino. Os Srs. Deputados a quem me refiro - e perdoem-me que o diga - estiveram aqui a tocar violino nas próprias cordas vocais.
O Sr. Deputado José Magalhães perguntou porquê «13 º mês adeus». Não é o caso do «13 º mês adeus» e já lá vamos. Mas a resposta é muito simples: para que não tenhamos de fazer as perguntas: «porquê liberdade adeus», «porquê regime democrático adeus», «porquê independência nacional adeus».

Aplausos do PS e do PSD.

Protestos do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E somos nós que pagamos!

O Orador: - Eu ouvi os Srs. Deputados, mesmo quando insultaram o Governo. Portanto, peço-vos igual respeito pela minha intervenção, porque prometo não insultar o vosso grupo parlamentar.
Srs. Deputados, se alguma coisa ficou clara é a de que não sai daqui um juízo de certeza sobre a inconstitucionalidade da proposta de lei em causa. Penso que nos podemos pôr todos de acordo sobre o facto de que a generalidade dos deputados que intervieram considera que não está expressamente consagrada na Constituição a proibição da retroactividade das leis fiscais.

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Aliás, na sequência de uma tradição portuguesa e na sequência de uma atitude que se repete um pouco pelas constituições de todo o mundo, com raras excepções. Desde a Carta Constitucional de 1826 que nenhuma Constituição Portuguesa consagra expressamente o princípio da não retroactividade da lei fiscal, apesar de sucessivas propostas terem sido defendidas sempre que se pôs o problema das revisões da Constituição, inclusive na última revisão da Constituição, como aqui foi salientado.
Em todo o caso, a Constituição não deixou de consagrar o princípio da não retroactividade em dois casos muito claros: o princípio da não retroactividade da lei penal e o princípio da não retroactividade das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias. Portanto, se a Constituição tivesse querido fechar a porta à retroactividade da lei fiscal, tê-lo-ia feito de forma clara e expressa. Estivemos aqui de acordo - penso poder tirar essa conclusão- em que essa proibição não existe.
Confesso que esperava que viesse aqui a renascer, uma vez mais em termos enfáticos, o velho problema de saber se o direito de propriedade é ou não velho no domínio de outras constituições, se o direito de propriedade é ou não um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, porque a Constituição prescreve aí a não retroactividade das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias.
Ora, dado que o imposto é sempre um direito patrimonial, tem-se posto o problema de se saber se o direito de propriedade é ou não um direito de natureza análoga. Não vou aprofundar o problema porque também não foi aprofundado esse debate. Penso que esteve implícito no juízo de todos os Srs. Deputados intervenientes que o direito de propriedade é um direito diferente e de natureza diversa dos direitos, liberdades e garantias, que são direitos do homem, da pessoa humana e os direitos de propriedade não são direitos da pessoa humana, enquanto tais.
Quanto às distinções que se fazem sobre se num caso o Estado age e noutros casos tem que se manter inactivo, penso que não vale a pena entrarmos nesse campo, pois quanto a isso houve aqui um relativo consenso. Então o que aconteceu foi que alguns deputados tiveram que se refugiar, não na violação de um preceito constitucional expresso, mas na violação de alguns princípios constitucionais.
É verdade que também há inconstitucionalidade por violação de princípios constitucionais, só que, quando se invocaram princípios constitucionais, invocaram-se princípios que não são eles próprios princípios muito concisos, muito claros. São eles próprios princípios de natureza fluída, de natureza vaga, princípios esses onde não se sabe onde começa a fronteira da violação e acaba a fronteira da permissão.
Sobre o princípio da legalidade da criação do imposto, deve dizer que o imposto vai ser criado por lei. Desde que seja posto de parte o princípio da não retroactividade expressa, é uma lei que cria o imposto.
Em relação no princípio da segurança do contribuinte, é evidente que é desejável que não haja leis fiscais retroactivas. Em relação a esse aspecto todos nós estamos de acordo, mas o problema que se coloca é o de se saber se em certas circunstâncias elas são constitucionalmente possíveis - nem é legalmente possível, mas sim constitucionalmente possíveis. Ora, o ponto de vista do Governo é de que é possível, e já tentarei demonstrar humildemente porquê.
Invocou-se também o princípio da lealdade perante o contribuinte. A lealdade é também ela um conceito difuso: onde começa a deslealdade?
Disse-se aqui que a partir de certo grau não se pode atribuir efeitos retroactivos às leis fiscais. Disse-se aqui, numa formulação muito pitoresca do CDS, o seguinte: retroactividade sim, ma non troppo. Bem, estamos a ver o Tribunal Constitucional com um metro a medir até que ponto o Governo foi ou não para lá da fronteira. Eu não gostaria que a constitucionalidade de nenhuma lei ficasse dependente de uma medição, em que um juiz estivesse com um metro na mão a dizer se pisaram o risco ou se ainda não chegaram a pisar o risco. Não é essa a minha concepção de inconstitucionalidade, embora eu reconheça que há princípios na Constituição tão claros que sabemos concretamente se foram ou não violados.
Mas não é esse o caso dos princípios invocados. Vejamos, por exemplo, o princípio da unidade do orçamento. Todos nós sabemos que existe o princípio da unidade do orçamento, consagrado na Constituição. Só que ninguém me demonstrou - nem creio que seja possível demonstrar- que não é lícita a criação de impostos fora da lei do orçamento. Bem, na nossa tradição legislativa isso é o pão nosso de cada dia.
Mais ainda ninguém me demonstrou que na nossa tradição legislativa não existam leis com efeito retroactivo. Por exemplo, o último orçamento tem efeito retroactivo, pois foi aprovado em Fevereiro, aplica-se em muitos aspectos ao decurso de todo este ano e, portanto, quando entrou em vigor, no dia 1 de Março, tinha 3 meses de retroactividade.
Dir-se-á que isso é o princípio ligado ao atraso dos orçamentos. Mas o princípio da unidade do orçamento pode, a meu ver, ser salvaguardado - e vai ser salvaguardado. Respondo, portanto, com muito gosto ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, que me perguntou que actos podem consertar esta violação - se é que é uma violação da unidade do orçamento e quando é que têm lugar esses actos.
Para mim, tenho por assente - e não preciso de consultar o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que está aqui presente - que a aprovação destas leis exige uma revisão do orçamento. E tenho a certeza absoluta - e faço esta afirmação na presença do Sr. Secretário de Estado- de que antes da discussão do orçamento para o ano que vem nós teremos provavelmente que discutir aqui a revisão do orçamento de 1983, por força destes impostos, que serão criados, porque há que afectar estas receitas. No entanto, também posso afirmar aos Srs. Deputados que em 17 de Outubro terão aqui a proposta de lei do orçamento para este ano. Esta é uma das originalidades deste Governo, porque depois do 25 de Abril não há memória de um orçamento ter entrado aqui na data própria. Vai entrar na data própria o orçamento de 1983.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.

Nessa altura se dirá, em termos legais, qual é a afectação das receitas geradas por estes impostos.
Desculpar-me-ão, Srs. Deputados, mas não acreditei na sinceridade das vossas afirmações quando disseram que não sabiam para que eram estes impostos, que não sabiam qual era a afectação das receitas destes

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impostos. E não acreditei pela simples razão de que, quando vos interessou, criticaram a afirmação de que o destino deles é a contracção do défice do orçamento de 1983. Está lá no preâmbulo e foi dito pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que já anunciou por duas vezes estes impostos, uma vez no Porto e outra vez numa comunicação ou numa nota que publicou. Ele disse-o, não com os pormenores com que agora o faz, mas anunciou a existência destes impostos e disse sempre que o fazia com a preocupação de reduzir o défice do orçamento.
Como os Srs. Deputados já sabem, havia um défice de 155 milhões de contos.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - Não sabemos não!

O Orador: - Sra. Deputada, bastava esse défice para que um governo responsável tivesse a necessidade de evitar a bola de neve, porque sabemos perfeitamente que os juros aumentam todo o ano, que as taxas de juro são as mais gravosas e que, se não travarmos a bola de neve, porventura não conseguiremos travá-las no ano que vem se o não fizermos este ano.
Srs. Deputados, dou-vos a informação de que a previsão do défice do orçamento para este ano é de 204 milhões de contos. É isto que eu desejo colocar no vosso espírito antes de vos formular a seguinte pergunta: se depois de saberem isto, se depois de saberem que se esta bola de neve não for travada dentro de limites mínimos que porventura evitará a recuperação financeira das contas públicas - para o ano porventura é recuperável - os vossos zelos sobre a constitucionalidade, a vossa preocupação de que não se bula no Estado de direito -e eu também defendo 0 Estado de direito -, de que não se bula nos princípios que invocaram da lealdade para com o contribuinte, da legalidade, etc., se mantêm intactos essas vossas afirmações e se mantêm também indiferentes perante s circunstância de haver uma situação que nos arrasta para um declive que pode acarretar o compromisso da própria independência nacional.
Este é que é o problema político, porque não estamos aqui apenas nem fundamentalmente a discutir um problema técnico-jurídico. O problema é, pois, o seguinte: se não há uma proibição expressa na Constituição da retroactividade da lei fiscal, pergunto se o conflito de interesses em jogo, a necessidade de defendermos o interesse geral, não justificam a sobreposição da defesa do interesse geral e os sacrifícios, em certos termos, dos interesses individuais.
Este é que é, na essência, o problema e não vale a pena fantasiarmos sem sairmos disto. Ou queremos ou não queremos enfrentar o défice de 204 milhões de contos. Queremos que ele fique reduzido para limites controláveis em termos financeiros e orçamentais. Sobre isso falará com mais autoridade o Sr. Secretário de Estado, aliás na veste de Ministro das Finanças e do Plano. Se pelo contrário, queremos salvaguardar princípios muito belos, que respeito e sempre respeitarei, não quero deixar de lembrar que uma das maneiras mais directas e mais fáceis de não defender o Estado democrático, de não defender o princípio da legalidade, de não defender a lealdade para com o contribuinte, a proporcionalidade de outros princípios que aqui foram invocados, é não defendermos uma economia sã, é não defendermos um orçamento equilibrado, é mostrarmo-nos indiferentes perante o avolumar de défices, que a partir de certo grau não tem recuo. Este é que é, no fundo, o problema, e não há outro.
Srs. Deputados, não queria deixar de dizer mais alguma coisa no sentido de que, por exemplo, a proposta da ASDI - que aparece quase em estilo de uma alegação de recurso, já ela própria, e que no fundo é o que é - tem aspectos necessariamente compreensíveis e até eloquentes do ponto de vista jurídico, mas tem outras coisas que não entendo. Por exemplo, diz-se nesta proposta de lei que não é o momento de apresentar soluções alternativas. Srs. Deputados, até ao último minuto em que tivermos de votar é o momento de apresentar soluções alternativas. Venham soluções alternativas.
Quer dizer, o Governo entendeu que a recuperação mínima ou a redução mínima do orçamento para este ano se situava na casa dos 17 milhões ou dos 18 milhões de contos. Mesmo assim o défice ...

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Ministro de Estado, gostaria apenas de lhe explicar que não é na altura da discussão da admissibilidade de uma proposta o momento de apresentar soluções alternativas. Quem apresenta a proposta e o próprio Governo e ninguém mais pode apresentar propostas alternativas quando só a admissibilidade está em discussão.

O Orador: - Se o Sr. Deputado sugerir soluções acredite que o Governo apresenta as propostas alternativas. Não tenha a menor dúvida a esse respeito. Ponha a funcionar o seu talento, mas, por amor de Deus, peço-lhe que não venha com soluções deste género: diminuição do número de membros do Governo - foi a sua proposta mais significativa -, diminuição do número de membros dos gabinetes ministeriais, introdução de um verdadeiro clima de rigor e austeridade na vida pública. Bem, se estas são as soluções do Sr. Deputado e do seu partido, estou entendido. Acho que é uma bela manifestação de humor, mas não é, na verdade, nem uma solução nem uma proposta séria - desculpará que lho diga.
Por outro lado, quero pedir-lhe também que tome em conta que, se este Governo pode ser acusado de muita coisa - e qual é o Governo que não pode ser acusado de muita coisa!? -,também não pode deixar de se acreditar que foi o primeiro que instituiu um certo rigor no controle das finanças do Estado. Repare que o OGE que vem aí é um OGE de sacrifício, é um OCE em que haverá a necessidade de uma grande compreensão do défice previsto para o próximo ano e, mesmo assim, será grande.
Fizemos cortes dramáticos no investimento público, aceitando as consequências que isso teria no domínio das empresas e da vida dos portugueses e reduzimos ao mínimo dos mínimos os subsídios que vinham sendo dados a empresas do sector público e também a algumas empresas do sector privado, para evitar por vezes situações de desemprego, para evitar medidas drásticas, como aquelas que temos tido - e esperamos continuar a ter coragem de pedir ao País.
Se na verdade há aqui soluções milagrosas que permitam que estes impostos sejam evitados, estamos dis-

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postos a reconsiderar as soluções que aqui vêm propostas. Nessa altura penitenciar-nos-emos por não termos tido mais imaginação. Não a tivemos. Se houver outra solução, discuti-la-emos e vamos ver se ela é melhor.
No entanto, o que eu queria dizer é que tivemos consciência da dureza destas medidas. Nenhum governo toma medidas destas por gosto, porque os governos e os partidos que os apoiam também gostam de ser populares e de não perderem prestigio.
Mas, neste momento, acho que qualquer governo consciente põe o interesse do Estado acima do seu interesse partidário, acima do interesse dos partidos que o apoiam. E essa a atitude que temos tomado e que continuaremos a tomar.
Dizer que a finalidade da contracção do défice é inconstitucional porque a Constituição exige que o imposto reduza as desigualdades é um argumento - respeitável como todos os que foram aqui proferidos - mas não responde à pergunta fundamental que a situação de fundo coloca.
Disse-se também que, porque o OGE é unitário, não pode o Governo visar a contracção do défice do sector público. Então, porque ele é unitário, ficamos de braços cruzados?
E não podendo nós, agora, fazer as leis que fazemos, não podendo cobrar até ao fim do ano o produto destes impostos, não podendo reduzir até ao fim do ano o défice, vamos ficar aqui expectantes a dizer: paciência, a Constituição não deixa, portanto, venham os 204 milhões de contos. Para o ano virão, não sei quantos - o Sr. Secretário de Estado o dirá!
E depois, provavelmente, daremos por nós a já não termos solução para os nossos problemas.
Também foi dito, por exemplo, que a proposta de lei não fez articulação entre as receitas e as despesas. Bom, até faz! A proposta de lei diz que é para cobrir um défice que todos os Srs. Deputados sabem que já existe em montante muito superior ao montante do produto dos impostos. Não é surpresa nenhuma. Infelizmente, o défice é muito superior àquilo que nós prevíamos, até porque, em parte, foi mal calculado o défice.
Perguntaram aqui: mas então o que é que foi? Foi mal estimada a receita? Foi subestimada a despesa? Houve manipulações?
Bom, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento dará a resposta. Obviamente que ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E os partidos que o apoiam?

O Orador: - Bom, não terá havido ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o mesmo!

O Orador: - Terá a seriedade de o fazer, mesmo sendo ele próprio o responsável pelo orçamento anterior, porque as coisas não se ocultam quando são claras e objectivas.

Risos do PCP e do CDS.

Não foi tempestivamente apresentada a lei. Ora bem, eu lembro-vos que há uma lei-travão que diz que não podem os deputados apresentar propostas de lei - para o Governo não há nenhuma lei travão, como sabem - que aumentem as despesas ou reduzam as receitas. Mas não diz a lei-travão que não podem apresentar nenhuma proposta de lei que aumente receitas. Não diz, desculparão, mas a lei-travão não cobre esse fenómeno. E, na verdade, parece que se fôssemos buscar uma pequena compilação das leis que nos últimos tempos foram aprovadas e que são, manifestamente, retroactivas ...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peço-lhe o favor de terminar, pois esgotou o seu tempo.

O Orador: - Qual era o meu tempo, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - 20 minutos, Sr. Ministro.

O Orador: - Eu penso que eram 30 minutos, Sr. Presidente. Não sei bem, porque já não lido há muito tempo com o Regimento, e por isso peço-lhe que esclareça esse ponto.
De qualquer modo, e se houver consentimento da Câmara, peço-lhe que me permita continuar por mais algum tempo. Até porque eu terei depois, com certeza, oportunidade de responder a perguntas e não queria guardar o que tenho a dizer para depois das perguntas, mas antes delas.

O Sr. Presidente: - Não há oposição da Câmara, Sr. Ministro.

O Orador: - O Decreto-Lei n.º 75-A/78, que cria adicionais sobre contribuição predial e industrial, era manifestamente retroactivo e ninguém levantou o problema.
O Decreto-Lei n.º 201-A/79, de 30 de junho, que criou o imposto extraordinário sobre os rendimentos colectáveis sujeitos a contribuição industrial e predial, era manifestamente retroactivo e ninguém levantou o problema.
O Decreto-Lei n.º 183-A/80, que criou um adicional sobre o imposto complementar, secção A, é retroactivo e ninguém levantou o problema.
O Decreto-Lei n.º 374/81, a mesma coisa. E, talvez a lista pudesse continuar.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas são?

O Orador: - Não fiz uma busca mais extensiva, mas tenho a certeza de que esta reacção capilar, digamos assim, esta reacção básica à retroactividade é um pouco um fenómeno recente. Tenho essa impressão.
Repito que nunca ninguém defendeu - que eu saiba -, que só no orçamento se podem criar impostos. O que é preciso é que esses impostos sejam enquadrados no orçamento e podem sê-lo até ao fim do momento em que o orçamento pode ser revisto.
Já anunciei que, normalmente, terá que sê-lo. Penso que o Sr. Secretário de Estado concorda comigo e nem preciso perguntar-lhe.

Risos do PCP,

Por outro lado, fala-se do principio da igualdade dos cidadãos face ao direito.
Se vamos levar tão longe este principio que não é possível fazer leis como aquela que aqui são discuti-

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das, então não há dúvida nenhuma que o Estado ficará travado na sua necessidade de produzir receitas fiscais.
Srs. Deputados, eu queria ir mais longe, mas, em todo o caso, gostaria de fazer uma ligeira apreciação das afirmações dos Srs. Deputados.
E desde logo para dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que se os seus excessos verbais e as ofensas com que cumulou o Governo fossem dólares eu indicava-o imediatamente para Ministro das Finanças e do Plano.

Risos do PS e de alguns deputados do CDS.

Enfim, chamar a isto «pedregulhos», «má fé do Governo», «proposta hipócrita», «governo inepto» - nós conhecemos a vossa aptidão quando tiveram que enfrentar problemas destes e como os resolveram - «termos tolos», «violência cavernária», ...

Risos.

... «castrar a Assembleia da República na escolha dos compromissos», «escanifrada anomalia», etc., etc., ...

Risos.

O Sr. Carlos Brito (PCP)- - Está com um bom recorte literário!

O Orador: - Bom, eu posso, na verdade, admirar o recorte literário, mas devo dizer que não é com impropérios que se pagam dívidas externas e internas.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, na verdade, nós temos mesmo que pagar dívidas e não andarmos aqui a insultar-nos uns aos outros.
Depois, o Sr. Deputado fez aí umas contas, dizendo que o imposto sobre os capitais dava 1 milhão, o imposto de selo 3 milhões, o imposto sobre o trabalho 17 milhões. Quem me dera a mim que as suas contas estivessem certas, Sr. Deputado! Infelizmente não estão, até porque aquele imposto de que nós esperamos uma receita maior, o Sr. Deputado incluiu-o nas minudências, nas coisas que nem sequer vale a pena contabilizar.

Vozes do PCP: - Vale, vale!

A Sra. Zita Seabra (PCP): - Qual é?

O Orador: - Os Senhores sabem fazer propostas, façam-nas.
«Hipócrita proposta de roubo do 13 º mês». Haveria um roubo de 48 %, para a função pública 36 % e, quanto aos salários maiores, 62 %. Penso que estas contas não estão certas, mas cometo ao Sr. Secretário de Estado o papel de as fazer direitas ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É melhor não as fazer!

O Orador: - ... e de, neste aspecto, responder. Até porque a minha conta é muito simples. A minha matemática é esta, pelo menos em relação a este aspecto: se o imposto fosse de 2 % em relação a 14 meses, eram 28 %; como são 2,8 % em relação a 10 meses, eu entendo que são os mesmos 28%.

Disse-se também que nós anunciámos que íamos atacar os sinais exteriores de riqueza e não atacámos nada.
Ora bem, há que reconhecer-se, que está aqui um começo.

A Sra. Ilda de Figueiredo (PCP): - Mau!

O Orador: - Está aqui um começo. Estão aqui os carros acima de certa cilindrada, estão aqui os iates, estão aqui ...

Risos do PCP.

Riam-se, mas a verdade é que nunca se riram antes, porque ninguém lhes deu a possibilidade desta gargalhada. É a primeira vez que isto acontece desde o 25 de Abril.

Risos do PS.

São atingidos igualmente os prédios acima de 10 000 contos.
Bom, penso que é um princípio. Até onde ele pode chegar, não sei. Mas, de qualquer modo, não é caso para se dizer que não se fez nada relativamente àquilo que se anunciou.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Quanto aos trabalhadores é que não há hesitações!

O Orador: - Infelizmente nós estamos muito preocupados com o sacrifício que pedimos aos trabalhadores ...

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Imagino!

O Orador: - E estamos, é evidente que estamos. Não pode duvidar disso.
Mas sabemos, também, que estamos a exigir dos trabalhadores - e não o ocultamos - o sacrifício da redução dos seus salários reais. Nunca o ocultámos. Sabemos que temos, porventura, de continuar durante mais algum tempo a pedir-lhes esse sacrifício, mas fazê-mo-lo para evitar sacrifícios maiores. E o povo português e os trabalhadores têm compreendido isso.

Voes do PCP: - Eles é que pagou:

O Orador: - Alguns têm compreendido mal, outros melhor. Mas têm compreendido isso e espero que continuem a compreender.
Acusaram-nos ainda de levar informações relevantes a Nova Iorque. Ir uma grosseria desnecessária, à qual eu poderia responder, sem grosseria que quando Moscovo nos permitir linhas de crédito nós iremos levá-las a Moscovo.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que abrevie a sua intervenção, Sr. Ministro.

O Orador: - Abreviarei, já que tem de ser, Sr. Presidente.
O Governo tem pressa, diz o Sr. Deputado. E exacto. O Governo tem pressa e compreende-se que a tenha,

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pois tinha que justificar cabalmente os impostos. Uma cifra o justifica: duzentos e quatro milhões de contos do défice do orçamento.
Sr. Deputado Raul de Castro, gostava muito de responder à sua intervenção, que ouvi com toda a atenção.
Disse o Sr. Deputado que não deve aplicar-se retroactivamente a lei fiscal. Estou de acordo. O problema é se pode ou não pode, em determinadas circunstâncias, ser aplicada retroactivamente.
Alguém tem dúvidas de que estas propostas violam a irretroactividade dos direitos, liberdades e garantias? Eu tenho, e tenho porque, desde que não se considere o direito de propriedade um direito, liberdade e garantia - e eu não considero -, não há uma violação de um direito, liberdade e garantia.
Quanto ao Sr. Deputado Magalhães Mota, já em parte apreciei a sua intervenção. Disse V. Exa. também que ninguém se atreverá a contestar os fundamentos da impugnação. Desculpará que o tenha feito, com a modéstia com que o faço.
Disse ainda o Sr. Deputado que o Programa do Governo não anunciava nenhum apocalipse fiscal e que agora seria o apocalipse. Acontece que nós temos que reconhecer que o défice do orçamento que estamos a enfrentar foi, ele próprio, para nós, de algum modo uma surpresa.
Em conferência de imprensa, o secretário-geral do meu partido e Primeiro-Ministro teria dito que já não vinham mais medidas de austeridade. Necessariamente que ele disse isso contando com a circunstância de considerar estas medidas de austeridade já anunciadas pelo Sr. Ministra das Finanças e do Piano. Ele mesmo disse isto nessa conferência.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Com efeitos retroactivos?

O Orador: - Já tinham nessa altura efeitos retroactivos?

Risos do PCP e do CDS.

Disse-se ainda que o cidadão já tinha nas mãos o recibo do seu imposto, que estava quite. Bom, há impostos extraordinários e este é um imposto extraordinário. É extraordinário por isso mesmo. Há adicionais aos impostos. O que é que a gente há-de fazer: se, não os pode evitar, também não há nada que os impeça!
Também foi dito que ninguém, em Novembro/Dezembro, estará preparado para pagar. O problema é de saber se também para o ano o Estado estará preparado para pagar a sua dívida ao exterior. E os cidadãos têm de escolher entre fazer um sacrifício adicional no fim deste ano e, porventura, fazerem sacrifícios muito mais agravados nos anos que vêm. O problema é muito simples.
O Governo não podia, disse o Sr. Deputado, apresentar essa proposta visando a contracção do défice. Não entendo. Isso, sinceramente, não entendo. Deve ser deficiência minha, mas não entendo.
O Sr. Deputado António Lobo Xavier levantou mais uma vez o problema da segurança. Mas pareceu-me que foi bastante comedido na sua exposição. Enfim, é o tal problema da retroactividade, ma non troppo. Estamos dentro desse domínio.
Não tenho que me referir ao Sr. Deputado Costa Andrade. Tenho apenas que registar o apoio que deu, embora moderado e dentro de certos limites, às propostas do Governo.

Risos do CDS.

Direi o mesmo quanto ao Sr. Deputado José Luís Nunes.
Srs. Deputados, peço-lhes desculpa de ter sido tão longo, mas julgo que disse aquilo que o Governo precisava que fosse dito aqui, para que os Srs. Deputados tivessem consciência de que há mais coisas sobre a terra do que aquilo que mora na nossa filosofia.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: -- Srs. Deputados, atingimos a hora regimental para o fim dos nossos trabalhos.
Todavia, chegou à Mesa um requerimento que passo a ler:
Os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento da sessão até ao final da discussão e votação dos recursos sobre a admissibilidade das propostas de lei n.os 38/III, 39/III, 40/III, 41/III, 42/III, 43/III e 44/III».

O requerimento é assinado por vários senhores deputados, sendo o primeiro signatário o Sr. Deputado Walter Rosa e seguindo-se outros senhores deputados do PS e do PSD.
Vamos votar o requerimento, Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Magalhães Mota, Azevedo Soares, Nogueira de Brito, Carlos Brito, Octávio Teixeira, Corregedor da Fonseca, Raul de Castro, João Amaral e Ilda Figueiredo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, suponho que para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não era para um pedido de esclarecimento, mas para um protesto.

O Sr. Presidente: - De qualquer modo, tem V. Exa. a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Eu não queria deixar passar em branco a primeira parte da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, digo, do Sr. Ministro Almeida Santos. O Sr. Ministro desculpar-me-á, mas é o hábito contraído ao longo de alguns anos de convívio deste lado do hemiciclo.
O Sr. Ministro Almeida Santos entendeu verberar uma parte das bancadas deste hemiciclo pelo facto de terem abordado esta questão, dando de barato a situação económica difícil em que o País se encontra, acusando-as, por essa via - se não explícita, pelo menos implicitamente -, de uma grande irresponsabilidade.
Como se costuma dizer, quem não se sente não é filho de boa gente, e como a intervenção do meu camarada António Vitorino não abordou - e do meu ponto de vista com toda a justiça - esse aspecto, eu não queria silenciar-me perante essa acusação.

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Eu não tenho dúvidas nenhumas que o Governo avançou com estas medidas porque pensa que elas são as que permitem enfrentar uma situação económica difícil. Poderei discordar delas, poderei acusar o Governo de tudo em relação a estas medidas. Não o' acuso, seguramente, de demagogia, porque, como disse o Sr. Ministro Almeida Santos, não são medidas que sejam tomadas de ânimo leve por qualquer governo.
Agora, Sr. Ministro, este não era o momento oportuno que estava aqui em causa. Era a constitucionalidade. E essa não pode ser aferida em função da gravidade da situação económica. A gravidade da situação não pode ser justificação para que se não respeitem os normativos constitucionais. Quando assim for e quando se entrar por esse caminho, então, Sr. Ministro, corremos o risco de chegar ao ponto de não dizer: «adeus 13º mês», mas sim «adeus Constituição, adeus democracia, adeus princípios constitucionais», porque é preciso não os respeitar para fazer face à situação económica.
Eu sei perfeitamente que não é esta a posição do Governo e, muito menos, a do Sr. Ministro Almeida Santos. Não me parece é que seja legítimo da sua parte acusar-nos de ignorarmos a situação económica, quando não era essa a questão que estava em causa. Teremos ocasião de abordar esses aspectos do problema se, porventura, como tudo o indica, a constitucionalidade destas propostas de lei for aceite por esta Assembleia e quando elas se discutirem na sua substância.
Não era isso que estava em causa. Não era, portanto, esse o problema que nós tínhamos que abordar. Não se trata, portanto, de menosprezar a situação em que nos encontramos.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais pedidos de esclarecimento. V. Exa. deseja responder apenas no final?

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queria começar por congratular-me pelo facto de o Governo, pela voz do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, ter reconhecido que não tinha fornecido a esta Câmara elementos que lhe permitissem compartilhar, sequer minimamente, das preocupações do Governo com o défice e com a situação financeira.
Nem sequer o número grosso que nos indicou, de que havia um défice que soma, neste momento, 204 milhões de contos, for fornecido a esta Câmara pelo Governo, como enquandramento destas propostas.
O facto de o ter reconhecido logo no início deste debate confirma a razão das nossas objecções. Agradeço-lhe, por isso, ter tido a humildade de pôr logo esse argumento em primeiro lugar, porque não faço ao Sr. Ministro Almeida Santos a injúria de supor que ele se considera com o monopólio do patriotismo e da verdade.
Gostaria, por isso, de lhe perguntar, apenas, duas coisas. Disse o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares que há um défice que excedeu a previsão orçamental. Gostaria de saber se é exacto que para esse défice contribuiu o excesso praticada por alguns membros do anterior governo em relação a dotações orçamentais.
E, nesse caso, no caso de isto ser verdadeiro, que o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares me indique e me diga, desde já, que medidas propõe o Governo adoptar para que os responsáveis por estas situações sejam politicamente responsabilizados, se não for caso para serem responsabilizados de outro modo.
Em segundo lugar, perguntar-lhe-ia se para a verificação deste défice contribuíram igualmente erros de previsão em relação à orçamentação das receitas previsíveis e, nesse caso, quais, em que sectores, e se eles traduzem ou indiciam fuga de impostos, designadamente no sector do imposto de transacções, e ainda quais as medidas que o Governo propõe para corrigir essa situação e, finalmente, se também houve algumas despesas imprevisíveis que vieram a ser sustidas e, nesse caso, quais.
Seria este tipo de explicações que o Governo poderia e deveria ter prestado atempadamente a esta Câmara e que permitiriam que, em vez de considerarmos inconstitucional a proposta - porque não havia entre ela uma contraposição de interesses -, pudéssemos considerar que o interesse geral a impunha.
Mas isso, Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, V. Ex.ª até à data não demonstrou. Pode ser que ao longo do debate nós venhamos, com os elementos que nos virão a ser fornecidos, a poder comungar da ideia governamental que, perante uma situação que não conhecemos, estas eram as únicas medidas possíveis e foram tomadas todas as medidas indispensáveis.
Mas sem isso não estamos em condições de poder comungar da posição assumida pelo Sr. Ministro, de acordo com a qual esta é a única alternativa.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS). - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pedi a palavra para um protesto. E bem me custa fazê-lo, particularmente por ser dirigido ao Sr. Ministro Almeida Santos, mas fundamentalmente pela razão que está na base desse protesto.
Deixarei a questão fundamental para o fim e começarei por apreciar algumas questões da intervenção de V. Exa., Sr. Ministro.
Em primeiro lugar, quero contestar abertamente a afirmação de que este é o primeiro governo que tem uma preocupação de rigor. Tem V. Exa. no Governo de que faz parte pessoas suficientemente avalizadas para garantirem que isto não é verdade. Dir-lhe-ei, desde já, que o défice do orçamento de 1982 tinha uma redução de défice em relação ao produto interno bruto e não quereria avançar mais nesta matéria. Mas quero deixar aqui bem expresso que não é verdade que tenha sido este o primeiro Governo ater uma preocupação de rigor orçamental.
Um segundo aspecto que queria contestar, Sr. Ministro, é a lógica que nos vem trazer aqui. Apresentamos agora um pacote de medidas fiscais, de lançamento de aumentos de impostos, e o orçamento suplementar virá depois, ou a revisão do orçamento virá depois. Isto,

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Sr. Ministro, não tem sentido, não tem lógica. Como é que esta Assembleia se pode pronunciar sobre a criação de impostos se não sabe rigorosamente para quê? Sabe, em abstrato, que é para diminuir o défice geral do Orçamento Geral do Estado. Sabe isso. Mas como é que pode o Governo pedir-nos uma coisa dessas, senão entendendo que isto é um cheque em branco. Para quê? Qual a quantificação? Qual a razão de ser desta matéria?
Mas, Sr. Ministro, há outra questão. E a questão da apreciação da constitucionalidade a metro. E multo perigoso, Sr. Ministro, quando se pretende ridicularizar a preocupação sobre a constitucionalidade das leis.
Não se trata de uma constitucionalidade a metro: trata-se de se procurar defender-se a constitucionalidade das leis com o sentido da responsabilidade política. Trata-se de não fazer uma leitura cega da Constituição em termos de interpretação de constitucionalidade. Pelos vistos, o que V. Exa. pretende é que nós sejamos cegos à constitucionalidade das leis. Considerar que as nossas preocupações são preocupações puramente métricas faz-me lembrar, Sr. Ministro, que talvez se tenha já esquecido dos tempos em que aqui partilhávamos as mesmas bancadas.
Mas a razão fundamental do meu protesto, Sr. Ministro, é que é inadmissível que V. Ex º tenha vindo aqui, a esta Câmara, acerca desta questão, arvorar-se em defensor único do interesse nacional, em guardião da salvação da nossa economia, procurando considerar os deputados irresponsáveis nesta matéria.
Não é nada disso que se trata aqui, Sr. Ministro. E a primeira parte da intervenção de V. Ex º pode conduzir a caminhos muito perigosos, porque quando se diz que o que interessa aqui e agora é salvar a economia, é salvar o nosso défice, é recuperar a situação económica a qualquer preço e não respeitar os termos constitucionais, é admitir qualquer preço. Eu pergunto a V. Exa., Sr. Ministro, quais são os limites do seu preço para se recuperar esta economia. Isto é, serve tudo? A linguagem permanente da defesa e da supremacia a da salvação da nossa economia sobre quaisquer outras questões - como aqui referiu -, até onde vai?
Julgo, Sr. Ministro, que terá sido um excesso da sua parte ao pretender responder ao desafio de habilidade que o Sr. Deputado António Vitorino lhe fez.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que foi de uma extrema inabilidade e, pelo conhecimento que tenho de si, posso reputar essa sua intervenção - extremamente infeliz- como um devaneio, eventualmente, com o esquecimento do que é esta Câmara.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é para fazer um protesto.
Queria protestar contra o facto de o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares Almeida Santos, conhecido pela sus inteligência e pela argúcia que põe na forma como desempenha as suas funções, não ter compreendido a razão de ser das nossas razões e da nossa discussão.
E que, Sr. Ministro, o que nos levou realmente a levantar e a defender as posições que hoje aqui defendemos foi precisamente o facto de o Governo, com a pua atitude e com a forma que resolveu dar às propostas que aqui hoje apresentou e à iniciativa que tomou

para reduzir o défice do Orçamento Geral do Estado, ter furtado a esta Câmara a possibilidade de se pronunciar sobre as verdadeiras razões do défice e de comungarmos com o Governo a sua preocupação pela situarão económica e financeira do País.
Se realmente o Governo tivesse acatado o princípio da unidade orçamental e tivesse apresentado as suas propostas num enquadramento orçamental, nós estaríamos aqui com o Governo a preocupar-nos com a situação financeira do País. Por isso é que não podemos aceitar que o Sr. Ministro nos tenha acusado, perante o País, de estarmos a tocar violino com as nossas cordas vocais quando estava a arder a casa da nossa economia.
Queria recordar ao Sr. Ministro que os grupos parlamentares da maioria fizeram esforços inauditos, aliás, coroados de êxito, para furtar esta Casa a uma interpelação apresentada por um grupo parlamentar da oposição sabre a situação económica do País. Foram os grupos parlamentares da maioria que evitaram que essa interpelação se fizesse!
Não pode, portanto, o Governo aparecer aqui a dizer que os partidos da oposição estão despreocupados com a situação económica do País e a levantar questões que são supérfluas e artificiais a propósito de propostas respeitantes à matéria fiscal, com os quais se pretende angariar um aumento de receita. Não pode dizer que são puramente questões formais que estão a ser levantadas.
Nós queríamos preocupar-nos juntamente com o Governo, com a verdadeira situação e com os perigos da situação económica, mas o Governo não nos permite comungar dessa preocupação.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é também para um protesto relativamente às primeiras palavras da intervenção do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, Almeida Santos.
Sr. Ministro, de Estado Almeida Santos, uso da palavra para protestar contra as primeiras palavras da sua intervenção. Creio que basta, da parte do Governo, de insistir num certo estilo de, em jeito de admoestação, querer colocar perante o País a ideia de que o Governo é o único detentor do interesse nacional e que a Assembleia está excessivamente amarrada a preocupações formalistas, senão oratórias, porque alguns poderão colher das palavras do Sr. Ministro que, enfim, os deputados são um grupo de palradores pouco preocupados com os interesses nacionais e com os interesses da economia.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Creia, Sr. Ministro, que isso seria muito grave. O Governo não pode ter como coisa sua a forma como a Assembleia e os deputados pensam e entendem intervir sobre os debates que por aqui passam. Não é ao Governo que compete dizer em absoluto o que é que a Assembleia discute e quando é que discute. Os deputados, os grupos parlamentares da oposição, também têm voz activa em relação a essas questões.

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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP) : - Muito bem!

O Orador: - Tudo se está passando um pouco como se na Assembleia só se discutisse aquilo e só aquilo que o Governo quer, com a pressa com que o Governo quer e, agora, se tomássemos à letra as suas palavras, da maneira como o Governo quer. Não pode ser assim, Sr. Ministro!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, os problemas da economia são fundamentais, mas o respeito pela Constituição, o respeito pela legalidade democrática, é fundamental para a existência de um regime democrático.
O certo à-vontade com que o Governo, na sua prática, passa por cima destes princípios é preocupante. Isso é outra maneira de pôr em causa também o próprio regime democrático.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, nós hoje tratávamo8 de questões formais: era a forma das coisas. E o que nos espanta é a razão porque o Governo escolheu este caminho. Uma interrogação fundamental se levanta: por que é que o Governo não traz aqui uma proposta formal de alteração ao orçamento e por que é que não inclue nessa proposta formal de alteração ao orçamento estas medidas fiscais que entende de todo serem necessárias? Esta interrogação é perfeitamente legitima e não pode ser apontada como o não ter em conta o interesse nacional. Tratam-se, pois, devo dizer-lhe, de questões formais, às quais o Sr. Ministro respondeu muito frouxamente.
Mas quanto às questões de fundo, repare que não tivemos ainda oportunidade de ter um debate sobre política económica e financeira com este Governo. Quando aqui foi discutido o Programa do Governo, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano disse então que ainda não tinha os números e, portanto, não foi possível aprofundar a questão. Mas nós estamos interessados em discutir. Infelizmente, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano volta a não estar presente! ... Em contrapartida, está um ministro das Finanças em exercício, promovido hoje pelo Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, Almeida Santos - segundo ouve dizer, porque na altura em que isso foi dito eu não estava presente. Com certeza que a discussão vai ser prejudicada, porque não está presente o responsável de muitas das iniciativas que estão a ser tomadas.
Ora bem, em face das questões de substância, o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares quer melhor manifestação de preocupação do que a interpelação que pedimos ao Governo quando nos demos conta de que, uma vez mais, o Governo se preparava, não para fazer um debate sobre política económica e financeira, mas para nos fazer aqui aprovar, à pressa, algumas medidas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi nessas circunstâncias que apresentamos o pedido de interpelação. Nós estamos interessados em discutir e aprofundar a situação económica e financeira do País para encontrarmos soluções - em muitas estaremos em desacordo com o Governo, mas também daremos as nossas sugestões, daremos a nossa contribuição para que se encontre uma saída para a crise, que é do interesse fundamental de todos os portugueses, patriotas como nós somos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares fez aqui, infelizmente, aquilo que o Governo tem feito lá fora: não explicou; ditou, anatomizou como entendeu e, finalmente, vocalizou perante todos nós - e ouvimo-lo com atenção - o pranto do défice que temos ouvido ao Governo incessantemente.
O défice existe, sabêmo-lo! ... Temos reflectido sobre ele e assumimos as responsabilidades..., mas fazer o pranto do défice aqui é o pior método, quando abriga à recusa de uma discussão séria e quando se traduz em carismar os adversários de réprobos e confundir a crítica política com o insulto, como aqui foi dito.
Obviamente o Governo tem a maioria que merece, mas não pode cercear à posição o seu direito de crítica política e, já agora, de adjectivação. Esses adjectivos são juízos corroborados por milhões de portugueses... Vá o Sr. Ministro à rua, fale com as pessoas e ouvirá isto... e bem pior!

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orador: - Não podemos aceitar que o Governo chegue aqui e diga: quem quer tapar o défice, quem quer abrir o défice, quem é patriota, aceita rebentar com os princípios como um Bulldozer. Não aceitamos isso, designadamente em matéria orçamental, porque há regras que não são difíceis de serem cumpridas, Sr. Ministro e Srs. Deputados. Primeiro, a regra da transparência e do respeito pela Assembleia da República. É preciso sublinhar e reforçar mais que há regras para esse comportamento institucional, para a prestação de contas, que não há essa figura chamada 0 orçamento mental. Eu sei que o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares tem na cabeça todos e todos os números - talvez os tenha dado à sua maioria -, mas o orçamento mental não existe no direito constitucional português. E preciso vir aqui e discuti-lo e, quando se tratar de alterá-lo, fazê-lo pelo meio próprio. Por que não então fazê-lo? Isto é profundamente intrigante e não pode nem deve deixar de ser respondido.

Quanto aos «impostos primeiro, orçamento depois», não pode ser. Toda a gente sabe isto, é um princípio fundamental do direito financeiro. Mais ainda: não é possível proceder às cobranças sem a inscrição prévia. Isto é sabido. Porquê então a insistência neste método?
Outro aspecto ainda: para tributar havia certamente outros meios que no passado foram, apesar de deles discordarmos, utilizados, mas havia outros meios. Por que é que o Governo lançou mão do meio mais polémico e o propôs em termos tais que ofereceram juízos de inconstitucionalidade por parte de bancadas diversíssimas? Então isto não dá que pensar? Não

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dá que pensar o comportamento dos diversos deputados? Não dá que pensar as inquietações, as dúvidas sobre o meio escolhido pelo Governo? São réprobos todos os que consideram e têm essas dúvidas? Certamente que não!
Uma reflexão final, que tem implícita uma crítica. O Sr. Ministro afirmou aqui que, ao ouvir-nos há pouco debater, nos termos que entendemos correctos, a questão constitucional que nos estava submetida e também a questão política que lhe está associada se sentiu na Disneylândia. Pois, Sr. Ministro, importa bem que, ao impor brutalmente uma solução inconstitucional, não obrigue o País, os Portugueses, e sentirem-se, lamentavelmente, numa república das bananas. E esse o nosso voto.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, como já aqui foi referido pelos meus camaradas, não é este o momento azado para apresentar soluções alternativas. Apresentamo-tas quando entendemos que o tempo é devido; assim o temos feito e assim sempre faremos. Temos conhecimento da crise que o País atravessa, estamos interessados em conhecer a situação. Por isso propusemos, como já aqui foi referido, uma interpelação ao Governo sobre a situação económica e financeira. Mas há que reconhecer, Sr. Ministro, que não pode V. Ex.ª nem o Governo, perante esta situação, em que recusam um debate sobre a situação económica e financeira, perante a situação de não apresentarem a esta Assembleia nenhum elemento prévio sobre a situação que leva, segundo o Governo, a apresentar as propostas de lei, vir pedir que se apresentem propostas alternativas.
No entanto, o Sr. Ministro abriu algumas portas que gostaríamos de tentar ver um pouco mais escancaradas em termos de informação.
A diferença entre o défice previsto e o que seria previsível neste momento roça, segundo o que o Sr. Ministro disse, 50 milhões de contos. Conhecimento público através de jornais... Falou-se apenas num de 11 milhões de contos, salvo erro do Ministério do Equipamento Social. Onde é que está esse buraco de 50 milhões de contos?

Aplausos do PCP.

É um buraco proveniente de insuficiência de receitas? Se é de insuficiência de receitas, foi por má previsão ou em resultado eventual da recessão económica, da estagnação? Essa diminuição de receitas foi devida a leis que foram publicadas há pouco tempo no sentido da permissividade do contrabando? Se foi no campo das despesas, onde se deram essas despesas, em que sectores e em que campos?
Mais do que isso: como é que o Governo fez despesas para além das que estava autorizado peta Assembleia a fazer através da lei orçamental que aqui foi aprovada?

Aplausos do PCP.

Se estas medidas fossem aprovadas e se eventualmente passassem, por absurdo, no Tribunal Constitucional, qual seria o défice que o Governo pretenderia apresentar no final do ano? Responda-nos agora, Sr. Ministro, às seguintes perguntas: que verbas prevê o Governo arrecadar com cada uma das propostas apresentadas? Por exemplo, quanto é que prevê arrecadar com o imposto extraordinário sobre a sisa para transações superiores a 10 000 contos?

Por exemplo, quanto ao imposto sobre as boîtes, os bares, etc., qual a fuga dessas instituições ao pagamento de contribuição industrial, ao pagamento para o Fundo de Socorro Social, etc., etc.?
Porquê se escolhem, apenas e fundamentalmente, agravamentos de impostos em sectores que atingem os trabalhadores?
Por que é que não se procuram outras vias?
Por que é que se esquece aquilo que o Primeiro-Ministro tinha anunciado, por exemplo, sobre as casas com piscinas?
É isto tudo que tem de ser explicado pelo Governo e o Sr. Ministro talvez nos possa dar algumas informações, ainda que tardias.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Ouvi atentamente a intervenção do Sr. Ministro, em que pede ao País sacrifícios e em que fala na diminuição dos salários reais. Faço-lhe justiça: ao menos o Sr. Ministro não mente, não usa sofismas desnecessários.
A situação é clara, mas é preocupaste, porque o Governo ainda não apresentou quaisquer alternativas válidas para o relançamento da nossa economia.
A propósito desta sua intervenção e dos sacrifícios, vou fazer-lhe duas perguntas: o Governo vai pedir ainda mais sacrifícios aos trabalhadores sem salários?
Nos últimos meses o aumento da massa de trabalhadores sem salário vai já na ordem dos 220 000 trabalhadores. Também esses trabalhadores vão pagar impostos sobre os vencimentos já vencidos desde Janeiro? Vão ser obrigados a cumprir os prazos que a proposta de lei propõe? Se se atrasam vão pagar mais 50 %? E se em janeiro não tiverem pago vão pagar o dobro, ou vão parar aos tribunais para efeito de penhora, Sr. Ministro?
A propósito dos défices do Orçamento Geral do Estado - eles são muito superiores ao previsto, é um facto-, o Sr. Ministro falou em défices mal calculados, e ainda há dias um deputado do Partido Socialista, que nós muito respeitamos, falava de défices escondidos em vários ministérios. Com certeza, Sr. Ministro, sabemos que podemos ir muito mais além.
Pergunto só se houve ou não verbas orçamentais excedidas e, no caso de ter havido, em que ministérios foram e quem são os seus autores. O País e nós precisamos de ser devidamente esclarecidos.
Que motivos originaram, claramente, a enorme diferença existente de 49 milhões de contos a mais?
A propósito disto, gostava também de saber se o Governo foi ou não devidamente informado em tempo, ou se foi surpreendido muito tardiamente, perante estes factos consumados, de verbas abusivamente excedidas.
Finalmente, a propósito de um aspecto que não referiu, o da evasão fiscal, não acha o Sr. Ministro

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que o Governo poderia apresentar aqui algum método governamental para atacar a evasão fiscal? Que medidas vão ser adoptadas?

A partir de dados do Instituto de Estatística e do Banco de Portugal, verifica-se que mais de 160 milhões de contos de rendimento de capital, de propriedade, estão isentos ou fugiram aos impostos parcelares - contribuição industrial, predial, imposto de capitais -, de rendimentos não tributados para imposto complementar, que deveriam sê-lo, ultrapassam anualmente os 300 milhões de contos. Isto já para não falar da constante desaceleração dos impostos indirectos, nomeadamente, os impostos de transacções.
Gostava que o Sr. Ministro me esclarecesse sobre estes assuntos. Outros haverá que amanhã serão colocados ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Castro.

O Sr. Raul de Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: Parece evidente - e creio que neste momento o Sr. Ministro já o terá reconhecido- que não foi uma posição correcta e justa afirmar, a propósito deste debate, que não viu os deputados preocupados com a situação económica do País. E evidente que este debate não era sobre a situação económica do País. Por outro lado, o Sr. Ministro sabe perfeitamente que da nossa parte há uma grande preocupação com a política económica do País. Simplesmente, o que nos permitimos é divergir da política que o Governo põe em prática.
O Sr. Ministro falou várias vezes em sacrifícios e nós perguntamos: sacrifícios de quem, sacrifícios a favor de quem? Esta é uma das perguntas subjacentes a um debate sobre política económica.
O Sr. Ministro afirmou também que seria deslocado fazer aqui evocações históricas. Mas, na realidade, também o Sr. Ministro não ficou livre desse pecado, visto que acabou por se referir à Magna Carta e terminou por se referir à Disneylândia.
Quanto à Disneylândia, o Sr. Ministro foi de facto original, mas trata-se de uma medida anunciada por este Governo. Caberia aqui perguntar se a criação em Portugal da Disneylândia se insere nas medidas de austeridade e na grave situação ao orçamento.
Finalmente, o Sr. Ministro referiu que ninguém demonstrou que não se possa criar uma lei do orçamenta. É evidente que se pode. Lamentavelmente, o que se mostrou neste debate é que uma lei que se destina, segundo os fundamentos do Governo, a ir ao encontro de um défice orçamental - portanto, uma lei sobre o orçamento-, aparece desligada do orçamento. Aqui é que está, para nós, o problema e o erro.
Por outro lado, o facto de o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares ter afirmado que o princípio da legalidade estava respeitado, porque os impostos foram criados por lei, permite-me que observe ser uma consideração de avia reduzidas dizer-se simplesmente que o princípio da legalidade resulta por estar inserto numa lei. O princípio da legalidade não resulta por estar consagrado numa lei, mas da lei obedecer aos requisitos fixados para a sua publicação. E isso que está em causa, é isso que não acontece neste caso.

Eram estas as considerações que submeteria à consideração do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sra. Deputada Ilda Figueiredo.

A Sra. Ilda Figueiredo (PCP). - O Sr. Ministro referiu aqui alguns dos impostos que os meus camaradas tinham referido como sendo o principal sustentáculo deste aumento de receitas que o Governo pretende agora cobrar. Por exemplo, o imposto profissional - o mais grave, na nossa opinião, e de acordo com os dados que foram distribuídos, que eram muito poucos -, que terá uma receita superior a 17 milhões de contos e que, portanto, irá contribuir para um agravamento muito sério dos já parcos rendimentos dos trabalhadores, foi referido, pelo Sr. Ministro, como não sendo o mais gravoso. .

Gostaria que mencionasse, então, qual é esse outro imposto. Será que o Sr. Ministro se estava a referir ao imposto sobre as saldas para o estrangeiro? Já agora gostaria que dissesse como é que este Governo explica esta medida, atendendo à sua linha de orientação em relação à integração de Portugal na CEE e à necessidade de livre circulação das pessoas e bens e ainda a outras medidas que o Governo tem vindo a tomar, justificando a entrada de Portugal na CEE. É que foram tomadas medidas quanto à diminuição dos subsídios para bens de consumo de primeira necessidade, como, por exemplo, o leite, que ainda hoje aumentou de preço, o pão e outros bens, como para os factores de produção. Como é que, então, o Governo explica esta nova linha de orientação? Como é que o Governo agora aparece a tributar as saídas para o estrangeiro de todas as pessoas, incluindo os emigrantes e os turistas?

Ou será que, afinal, aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro, Mário Soares, tinha dito, quanto às novas alternativas em relação à integração de Portugal na CEE, é já um dado assente deste Governo?
Existe já uma alternativa em relação a essa política económica que os deputados desta Assembleia desconhecem?
Gostaria ainda de colocar uma outra questão, que se refere à nova linha de orientação que este Governo escolheu para tributar os chamados bens de luxo.
O Sr. Ministro disse que era a primeira vez em Portugal que se tomava uma medida deste género. Mas não é verdade, Sr. Ministro. No Orçamento Provisório do Estado para este ano de 1983 já estava definida, no seu artigo 42.º, uma linha de orientação nesse sentido, mas não foi depois posta em prática. E mais, agora quando se vai pôr em prática um imposto do tipo daquele que foi anunciado, muda-se a linha de orientação e esquecem-se as casas com piscina, casas com campos de jogos, e vão-se tributar, por exemplo, viaturas automóveis que custam 700 contos, quando outras que custam mais de 2000 contos continuam isentas. Isto, com o novo imposto que os senhores querem propor.
E aí que está, então, a vossa proposta de tributação?

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não gostaria de sair daqui com a menor dúvida de que se dei azo a que fosse posto em dúvida o meu respeito por esta Assembleia. Não tive consciência disso. Sou pelo debate vivo e a prova disso é que reajo bem è maneira como o Governo é criticado. Criticado o Governo com uma extrema veemência, respondi, a meu ver, com o sair play possível.
De certo modo, peço aos Srs. Deputados que compreendam que neste caso devo esperar de vós alguma reciprocidade!
Bom, podia vir para aqui com um discurso maléfluo, pois também sei dizer as coisas dessa maneira! Enfim, de vez em quando os Srs. Deputados chamam-se ainda deputado, pelo que espero que esse vosso lapso me absolva da circunstância de eu de vez em quando falar como se ainda o fosse! Quer dizer, a vivacidade é a mesma. Espero que não levem isso a mal. Se há alguém que respeite este Parlamento e cada um dos senhores deputados em particular, sou eu. Não tenham a menor dúvida sobre isso e peço-lhes que não ponham isso em causa.
E peço que reconheçam que o Governo também fica sujeito a algumas criticas, de uma forma que o podia também susceptibilizar e dizer: mas que é isto?! Não se respeita o órgão de soberania que é o Governo?! O Governo é legítimo, decorre da legitimidade democrática, etc., etc., é um órgão de soberania como outro qualquer, existe a separação dos poderes!
Não disse nada disso, encaixei, cada alegre. Enfim, ponho o meu talco nas nódoas pretas, como de costume, e elas passam com o tempo. Não há problema de maior! Mas peço que não se susceptibilizem pela circunstância de eu ter feito uma intervenção um pouco viva.
E fi-la um pouco viva, pela razão simples de que tenho que ser sincero e repetir um pouco o que afirmei há pouco. Pareceu-me que estava a assistir a uma discussão técnico-jurídica só, como se não tivesse um pano de fundo que eu gostaria que fosse invocado. Gostaríamos, por vezes, de ouvir dizer que o Governo está a enfrentar dificuldades, que o objectivo do Governo é este, que o objectivo é saudável, mas fê-lo de uma maneira asnática. Muito bem, mas estava lá o pano de fundo reconhecido. Talvez por falta de atenção minha, não vi que o problema tivesse sido colocado nesse pé.
Meu querido amigo Lopes Cardoso, quanto à irresponsabilidade, eu não disse nem pensei. Não há dúvida nenhuma que o orçamento pode ser mental, a reserva no meu caso nunca é.
Os Srs. Deputados disseram que a constitucionalidade não pode ser aferida pela gravidade da situação. Bom, é que foi posta a coisa nesses lermos. Disse-se que não há aqui uma violação directa de um preceito constitucional, há violação de princípios e, portanto, retroactividade ma non troppo. Foi também dito que quando não for além de uma certa violação, pois então a constitucionalidade tem que se considerar, quando .não vai além não é necessário. Mas não fui eu que coloquei a questão neste pé; foram os Srs. Deputados!
E desculpem se na minha intervenção não pude estar a distinguir em pormenor, porque não tinha tempo para isso, o discurso de cada qual! Os discursos não
foram todos iguais e, por vezes, cada um dos senhores deputados pensa que aquilo que digo na generalidade se aplica ao seu discurso, o que, por vezes, isso não acontece)
Disseram ainda que o Governo acusa esta Assembleia de ignorar a situação económica. Eu não disse que ignoram, disse que não tomaram em conta, pelo menos ostensivamente, na argumentação que aduziram. Ora, eu gostaria que isso tivesse sido mais enfaticamente tomado em conta. Apenas isso!
O Sr. Deputado Magalhães Mota diz que forneci logo de inicio a cifra provável de défice do orçamento. A minha queixa é que não foi tomada em conta nas considerações posteriores. Apesar de tudo, foi no inicio, ainda foi a tempo, e verifiquei que as criticas foram feitas como se o número não tivesse sido fornecido.
A ideia é que quase nenhum senhor deputado o citou e disse: mas você acha mesmo que são 204 milhões de contos? Mas isso é extraordinário! Mais 50 milhões! ... Não vi ninguém espantar-se com isso! Ou consideram isso tão natural -- o que eu não condero -, ou então, na verdade, não o tomaram em conta.
Quanto ao monopólio do patriotismo e da honestidade, claro que não tenho. Longe de mim! Sou contra todos os monopólios e sobretudo esse! Sobretudo esse!
Depois faz-me perguntas a que melhor responderá aqui o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, quando ele entrar com toda a sua ciência. De qualquer modo, perguntou-me se não haverá algum excesso relativamente às dotações orçamentais. Penso que sim, que terá havido, sobretudo na área da saúde, do Ministério dos Assuntos Sociais, e também do Ministério da Educação. Pelo menos nesses houve, com certeza.
Depois pergunta-me se houve erros de previsão de receitas. Pois, também há erro de previsão de receitas, o que, aliás, acontece sempre em todos os orçamentos. O problema é de se a margem de erro não foi além do que é normal! Mas, por exemplo, em matéria de imposto de transacções e sobretaxa, sei que houve erro de previsão, o que é normal. Parece é que só a dimensão não será normal.
Despesas imprevisíveis. Há sempre despesas imprevisíveis! Há secas, eu sei lá o que não há! Mas tudo isso será necessariamente explicado com cópia de pormenores pelo Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Dr. Azevedo Soares, com aquela vivacidade que reconhecemos, protestou contra a minha vivacidade! Quer dizer, o Sr. Deputado pensa que tem direito a toda a vivacidade e que eu não tenho direito a nenhuma. O Sr. Deputado pensa que eu devia estar aqui com ar muito modesto, reverente, porque o Parlamento é o Parlamento e o Governo, coitadinho, é o Governo. Também não vamos tão longe!
O Governo também está aqui com a sua voz, encaixa, mas também, de vez em quando, evidentemente, tem que reagir no mesmo tom, sobretudo. Desde que não exagere, desde que não haja excesso de legitima defesa - e não houve excesso de legitima defesa, penso que não sai dos limites da legitima defesa.
Disse o Sr. Deputado Azevedo Soares que este não foi o primeiro governo com preocupação de rigor. É verdade. O anterior Governo teve a coragem de vir aqui defender um orçamento. que, mantendo basicamente as mesmas receitas do ano anterior, implicava uma redução efectiva igual à inflação. Mas, digamos,

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que fez isso já tão na ponta do seu mandato que a eficácia dessas medidas já não se fizeram sentir. Mas a atitude registo-a aqui, eu devia ter referido isso.
Em todo o caso, não há dúvida nenhuma que temos de ir para lá disso. Não só provavelmente vamos tomar uma atitude idêntica a essa - o que será muito mais grave, porque 6 a segunda vez que acontece, portanto, é preciso mais coragem e mais determinação para o fazer. Mas reconheça que noutros domínios atalhámos situações com uma determinação que anteriormente tinham sido encaradas com uma certa passividade.
Relativamente à lógica, «agora impostos, revisão virá depois», devo dizer que tem alguma lógica, Sr. Deputado. O Governo não estava, neste momento, por razões técnicas, em condições de apresentar uma revisão do orçamento, reconheço-o. Ou o Governo apresentava agora este «pacote» de leis fiscais, que nos permitirão cobrar algumas receitas até ao fim do ano e, portanto, terão que ser publicadas - repare que até se prevê, de um modo geral, a entrada em vigor no dia 1 de Outubro - ou nunca mais o fará. Quer dizer, pode vir para o ano que vem a criar impostos - e necessariamente que o novo orçamento trará algumas novidades, no sentido bom e no sentido mau, em matéria de criação de impostos. Mas também não há dúvida de que ou o fazia agora ou se dissesse assim: bom, como não o posso fazer sem apresentar uma lei de revisão e como não estou em condições de o apresentar, não apresento. E o défice era mesmo de 204 milhões de contos! Parece-me que isso era mais grave do que, apesar de tudo, a pequena normalidade - não é uma ilegalidade em meu entender- que cometemos, fazendo preceder a revisão do orçamento da apresentação destas propostas de lei.
Depois V. Ex º disse: urgência para quê? A Assembleia da República não sabe para quê! Bom, talvez o Governo, tenha sido um pouco lacónico na explicação dos «porquês», mas a verdade é que a explicação é esta. Se não estava dada, tenho muito gosto em dá-la. Ela tem a sua lógica, como vê.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro.

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Coloquei exactamente essa questão porque logo na discussão do Programa do Governo tivemos oportunidade de fazer aqui salientar a necessidade da aprovação de um orçamento. Já lá vão 3 meses e o Governo ainda não conseguiu encontrar uma proposta orçamental que enquadre quatro ou cinco propostas de criação de impostos! O que me fez concluir que o Governo está muito preocupado em rapar impostos e não está minimamente preocupado em diminuir despesas! E como o Sr. Ministro agora, com a vivacidade natural, coloca esta questão, aí então é já uma discussão política que terá que ser feita não em sede de discussão da constitucionalidade.
E aí, volto ao ponto inicial, Sr. Ministro: temos que pensar em soluções para superar a crise dentro do quadro político, das regras constitucionais e legais vigentes. Julgo que temos dado suficiente prova da nossa disponibilidade e de apoio e reconhecimento da necessidade de um plano económico de emergência. O que não podemos e aceitar que isto seja feito de qualquer maneira. O que não podemos aceitar é que o País só conheça o rosto do principal responsável pela política económica através das confidenciais! O que a gente não pode aceitar é que seja o Sr. Ministro Almeida Santos - com toda a sua coragem política- a vir assumir ao Parlamento a face visível do Ministro das Finanças e do Plano.
É esta a questão, Sr. Ministro!

O Orador: - Oh Sr. Deputado, o óptimo é inimigo do bom. Reconhecemos que as coisas deveriam ter sido assim ou assado, mas nem sempre o podem ser, como sabe. E o Sr. Deputado foi membro do último Governo e sabe, por experiência, que, por razões que necessariamente não estavam de acordo com a sua vontade, que superaram a sua vontade, só conseguiu apresentar o orçamento em Fevereiro do ano seguinte. Se era assim tão fácil fazer um orçamento, por que é que não o apresentaram em 1982 a tempo?

Garanto-lhe que apresentaremos o de 1984 até 15 ou 17 de Outubro próximo, que é uma segunda-feira.

Como vê, não merecemos, de certo modo, essa crítica. E todos temos que ler, dentro de certos limites, um pouco mais de compreensão para as dificuldades de um governo que está, com a coragem possível, a enfrentar um mundo de situações, a saltar de umas para as outras. Não é fácil, como sabe, ser governo na actual situação.
Quanto ao facto de eu querer que sejam cegos à inconstitucionalidade das leis, devo dizer que está longe de mim querer que sejam cegos! A minha argumentação não foi, de modo nenhum, nesse sentido. Quando me referi às preocupações métricas foi porque o humor também faz parte da argumentação e o Sr. Deputado faz largo uso dele, com bastante prazer, por vezes, quando 0 ouço e leio.
Não sou o defensor único do interesse nacional. Meu Deus, eu não disse isso! Não chamei irresponsáveis aos Srs. Deputados! Quiseram-se colocar em causa até esse ponto, não fui eu que os coloquei. Não disse isso, de maneira nenhuma!
Acusaram-nos de pretendermos recuperar a situação a qualquer preço. Quais os limites? Bom, os limites são 18 milhões de contos. Foi aquilo que foi considerado, tecnicamente, minimamente exigível na redução do défice do orçamento deste ano. Podíamos tentar mais! Era desejável que conseguíssemos mais, mas entendemos exactamente que a carga fiscal já está tão onerada que não deveríamos exigir ao povo português mais do que o sacrifício de 18 milhões de contos, que foi considerado como o limite técnico a partir do qual ainda é possível controlar o défice do orçamento. Só isto, e mais nada.
Bem, a minha inabilidade. Que hei-de eu fazer, pois nasci assim! Sr. Deputado, que é que hei-de fazer? Nasci pouco dotado para determinadas habilidades. Fui nisto infeliz. Tenho-me sentido assim nos últimos tempos. Reconheço que, efectivamente, há muita razão para ser infeliz neste país, sobretudo quando se é ministro deste Governo, mas não tantas quando se é deputado.
Acusou de ter feito um devaneio. Não, não foi um devaneio. Não me esquece do respeito que devo à Câmara, longe disso! Isso aí, de modo nenhum.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito diz que não compreendi as razões. Bom, compreendi as razões. Só

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que a minha resposta foi global, como deve calcular, e não desci ao pormenor da responder a cada um em particular. Perfeitamente que compreendi a gradação
das críticas que foram aqui feitas! Compreendi perfeitamente!
O Governo ocultou as razões do défice. Bom, há-de chegar o momento de apresentar aqui o défice e as suas razões.
O problema é de saber se o facto de, por necessidade, precisarmos de aprovar já algumas propostas de lei fiscal implica que venhamos aqui fazer um debate
como se estivéssemos a discutir a revisão do orça mento, que viremos discutir logo no início de Outubro. Penso eu, estou para aqui a falar por canta e
risco, aqui, do Sr. Secretário de Estado! Espero que ele daqui a pouco não me puxe as orelhas!
Quanto a eu referir, o violino e as cordas vocais, devo dizer que, se já não posso fazer essa afirmação nesta Assembleia, dir-me-ão até onde posto ir! O que
é que então é lícito perante esta Assembleia em matéria de debate verbal, de crítica aos Srs. Deputados.
Tenho que estar aqui atento, venerador e obrigado a VV. Ex.ªs, que só disseram coisas sublimes. VV. Ex.ªs
têm toda a razão, o Governo é um idiota

Risos.

Bem, há-de haver um limite e eu penso que não ultrapassei o limite, Sr. Deputado. Tenho até uma vaga suspeita de que V. Ex.ª gostou do violino e das cordas vocais.
Em relação a dizerem que não estão despreocupados quanto à situação económica, eu sei que o não estão. Longe de mim admitir que haja aqui um só deputado que não esteja preocupado com a situação do País. Mas não basta estar preocupada; é também preciso parecer que se está e dizer que se está quando se fala em pública. Foi isso que faltou na intervenção de alguns senhores deputados.
Já não é a primeira vez que o Sr. Deputado Carlos Brito me acusa e me pede contas por admoestar esta Assembleia. Na verdade, devo ter jeito para fazer
admoestações que o ferem mas não é essa a minha intenção. Também não aceito ser admoestada e às vezes o que nas minhas palavras parece ser uma admoestação é a reacção a algo que considera uma admoestação da Assembleia ao Governo. O Governo também não se deixa admoestar. No entanto, estamos longe de admoestar a Assembleia pois os senhores até nos podem demitir, podem mandar-nos para casa, podem deitar abaixo o Governo! Como é que eu ia ter a coragem de provocar actos tão terríveis sobre o actual Governo?
Claro que o Governo não é o único defensor do interesse nacional. Se eu dei a entender isso, peço desculpa, pois não havia, de modo nenhum, no meu espírito essa ideia, nem foi isso o que eu afirmei.
Não disse que os Srs. Deputados são um grupo de palradores, não preocupados com os problemas da economia. Eu até disse que acrescia a minha consideração pelo vosso talento oratório. No entanto, as coisas às vezes não têm o valor facial em termos de oratória. Quer dizer, a oratória pode ser muita bala, mas os problemas políticos têm que ser resolvidos com medidas concretas, neste caso com dólares - essa terrível moeda, que cresce e que encarece todos os dias.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Baixou!

O Orador: - Claro que ao é ao Governo a quem cabe dizer o que é que a Assembleia da República discute. Eu nunca poderia ter essa pretensão. No entanto, também não é ã Assembleia da República a quem compete dizer o que é que o Governo deve dizer quando vem aqui usar do seu direito de falar seja o que for.
Em relação a dizer que hoje discutimos só a fornia, eu sei que hoje discutimos só a forma. Porém, o problema como a forma foi discutida pôs-se em termos de não haver a violação de nenhuma norma expressa, de haver violação de princípios que só eram inconstitucionais a partir de certo grau. Dai o tipo das minhas objecções,
Referiu-se também que ainda não se conseguiu um debate sobre política económico-financeira do Governo. Estivemos em férias; conseguimos férias, o que já não foi mau. Por outro lado, o Governo entendeu que devia propor à Assembleia estas leis e a Assembleia, através da maioria que a apoia e que é soberana - tão soberana que nem sempre está de acordo com as propostas do Governo -, entendeu que agora só se discutia isto. Bem, nós acatámos essa deliberação, pois compete-nos acatá-la. Não se vá pensar que viemos aqui fazer levantar cada um dos senhores deputados para significarem o voto.

A Sra. Zita reabra (PCP): - Vieram agora!

O Orador: - Os Srs. Deputados querem encontrar soluções e contribuírem para elas. Registo esse facto e tomo-o pelo valor facial. Espero, na verdade, que o debate parlamentar com o Partido Comunista, dentro e fora do Parlamento, possa ser um debate construtivo no sentido da procura de soluções e não só, como por vezes parece, no sentido da procura de dificuldades.

O Sr. Deputado José Magalhães disse que eu não expliquei isto, que não expliquei aquilo. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que fui até onde pude.

Em relação ao «pranto» do défice, eu não deveria estar aqui a «prantear» o défice. Deveria até, talvez, cantá-lo ou vir aqui dizer que o défice é uma coisa formidável, boa, viva o défice!

Risos.

Também foi referido que eu confundia crítica política com insulto. Sr. Deputado, dizer-me isso depois do discurso que ouviu. Dizer-me que confundo crítica política com insulto, devo dizer-lhe que, se cometi esse erro, fi-lo na apreciação daquilo que o senhor disse, mas V. Ex.ª cometeu esse erro ao dizê-lo, desculpe que lhe diga. Mas, enfim, se não houve insulto retiro essa afirmação.

Disseram ainda que se formos à rua ouvimos pior; se formos à rua é possível que ouçamos pior e também é possível que ouçamos melhor. No entanto, lembro ao Sr. Deputado que não estou na rua. Nesta altura gostaria de não ouvir aquilo que ouço na rua.

Por que não alterar o OGE pelo meio próprio? Mas não estamos a alterar o OGE. Eu já tentei defender o meu ponto de vista no sentido de que não vejo em parte nenhuma a proibição da criação de leis fiscais fora do orçamento. Se é prática comum que essas leis fiscais e o produto por elas gerado tenha que ter o enquadramento do orçamento, então terá

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que ser. Por isso eu afirmei, sem ouvir o Sr. Secretário de Estado, que agora é absolutamente desnecessária e imprescindível uma revisão do orçamento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP)- Sr. Ministro, a minha surpresa acresce, porque V. Ex.ª acaba de dizer que não conhece nenhum exemplo de proibição da criação de leis fiscais fora do orçamento. O que nós não conhecemos é exemplos de criação de leis fiscais fora do orçamento. Todos os diplomas que o Sr. Ministro citou são diplomas ou do período pré-constitucional ou de desenvolvimento de execução do Orçamento Geral do Estado.

O Orador: - O Sr. Deputado está a dizer-me que desde o 25 de Abril não foi criada nenhuma lei fiscal fora do orçamento? Eu provo-lhe o contrário.

A Sra. Zita Seabra (PCP): - Então cite uma!

O Orador: - Vem agora aqui pedir-me, de memória, o decreto-lei não sei quê, barra não sei quantos?

O Sr. José Magalhães (PCP) - Mande isso ao Tribunal Constitucional!

O Orador: - É evidente que vou mandar, Sr. Deputado. Esteja descansado.
Todos nós sabemos que não pode haver impostos sem uma lei. No entanto, o Sr. Deputado disse que havia outros meios - e essa é a afirmação que estou farto de ouvir. Mas quais meios, Sr. Deputado? Ou eles são tão difíceis que precisavam de 1 mês para serem concebidos, ou eles são tão fáceis e tão óbvios que precisam apenas de 48 horas. Ora, o Sr. Deputado conhece estas propostas de lei há mais de 48 horas. Portanto, se esses meios são assim tão fáceis e tão óbvios, por que é que em 48 horas eles não apareceram?
Agradeço-lhe do fundo do coração que me diga quais são esses meios, Sr. Deputado. Quem me dera que houvesse a possibilidade de conseguir os 18 milhões de contos que precisamos por meios que possam, por esta Assembleia, serem considerados menos onerosos para os contribuintes.

O Sr. Deputado também referiu que o Governo quer impor brutalmente uma solução inconstitucional. A esse respeito devo dizer que o Governo não impõe coisa alguma, nem brutalmente nem sem ser brutalmente. O Governo faz propostas e a Assembleia da República vota-as. E tão simples como isso.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira disse que este não é o momento de soluções alternativas. Eu entendo que é, pois bem precisávamos delas.
Referiu também que recusámos o debate sobre matéria económica e financeira. A Assembleia é que recusou esse debate e não fui eu. No entanto, tê-lo-ão com certeza.
Já demonstrei que há insuficiência de receitas, houve também aumento de despesas, houve antecipação de duodécimos, etc.

Que verbas prevê o Governo arrecadar? A essa questão já respondi que globalmente prevê arrecadar cerca de 17 ou de 18 milhões de contos.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Mais ou menos!

O Orador: - Quanto é que a sisa dará? Há impostos que se podem lançar não pela sua produtividade fiscal, mas pela sua justiça social, e há outros que se podem lançar não pela produtividade fiscal, mas por razões de carácter económico. Por exemplo, o controle de alguns consumos é uma das finalidades das leis fiscais e há aqui também essa preocupação. Se pudermos evitar que as casas se façam por valores superiores a 10 000 contos e se façam abaixo desses números, isso é um bom objectivo.
O problema da fuga fiscal é uma questão real que preocupa o Governo. Infelizmente, só dentro de algum tempo poderemos encará-la por forma bastante eficaz. Não se pode fazer tudo ao mesmo tempo, mas penso que logo a seguir ao fim do ano o Governo poderá apresentar medidas concretas e que pensamos que podem ser eficazes no domínio da prevenção e da repressão da fraude fiscal, talvez em termos que esta Assembleia venha a considerar nessa altura demasiado onerosos, mas pensamos que nesse domínio também é necessário actuar com alguma determinação e coragem.
O Sr. Deputado Corregedor da Fonseca perguntou-me quais as alternativas para o relançamento da economia. Sr. Deputado, ainda lá não chegámos. Neste momento não se coloca o problema das alternativas para o relançamento da economia, mas sim o da criação de condições para tornar possível, dentro do prazo previsto e do período de emergência, o relançamento. Quando lá chegarmos, as alternativas aparecerão, até porque hão-de aparecer aí as opções para o próximo ano.
Quanto ao aumento dos trabalhadores sem salário, penso que isso não é real, na medida em que se tributa rendimento real e não rendimento teórico. Se um trabalhador vier dizer que esteve desempregado, é claro que não paga.

O Sr. Carlos Brito (PCP)-. - Mas isso não está lá!

O Orador: - Peço desculpa, mas está, Sr. Deputado. Ao referir-se na proposta de lei rendimento do ano tal é ao rendimento efectivo e não teórico. Infelizmente, quantas vezes os trabalhadores têm sido colocados na situação de pagarem no desemprego impostos por aquilo que receberam quando empregados. Essa é uma triste realidade, mas o imposto tem que ter carácter genérico, quando não é possível levar tão longe e tão individualmente as isenções.
Em relação s dizer que o Governo foi informado em tempo do tamanho do défice, era previsível e penso que todos os Srs. Deputados da oposição tiveram consciência de que denunciámos aqui que o défice de 155 milhões de contos era um défice que pecava por defeito. Tivemos consciência disso. Em todo o caso, pode ter causado alguma surpresa, até às pessoas que necessariamente orçamentaram esse défice, o tamanho que ele viria a atingir. No entanto, oportunamente isso será tornado claro e explicado porquê.
Contudo, não me parece que para o efeito seja muito importante estiarmos neste momento no pleno

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22 DE SETEMBRO DE 1983

domínio dos «porquês» dos aumentos das despesas, da redução das receitas e do aumento do défice. Se nós neste momento podermos ter por certa a existência de um determinado défice, é o que basta para tomarmos a nossa posição em face das propostas de lei que aqui foram trazidas.
Por outro lado, devo dar-lhe a informação de que a taxa de cobrança do imposto de transacções deste ano é melhor do que a do ano passado - pelo menos neste caso.
Este debate não era sobre a situação económica do País. Tão depressa me pedem que o seja, como me pedem que tome em consideração que não era para ser.
Perguntam-me também: sacrifícios de quem e a favor de quem? Infelizmente, sacrifícios de quem gostaríamos de poupar e sacrifícios também, embora ainda em pequena escala, relativamente àqueles que podem pagar mais. Daí aquela distinção tão criticada entre os profissionais livres e os profissionais por conta de outrém, Penso que isso é também um sinal da preocupação de uma distinção que envolve e contém alguma preocupação de justiça social.
Dizem-me também que a Disneylândia é uma medida de austeridade. O nosso ponto de vista é que se conseguíssemos trazer para Portugal a Disneylândia poderíamos evitar muita austeridade, porque o reflexo que uma Disneylândia poderia ter nos fluxos turísticos era na verdade considerável. S6 assim consideramos o nosso empenhamento em lutar pela vinda de uma Disneylândia, o que, por enquanto, ainda está no domínio dos sonhos.
A Sra. Deputada Ilda de Figueiredo perguntou-me se não há contradição entre Portugal pensar integrar-se na CEE e estarmos a lançar um imposto sobre a saída do Pais, o que vai afectar o turismo. A nossa convicção é que esta é uma medida indesejável a muitos títulos, mas é uma medida de carácter transitório. Penso que isso vem referido no preâmbulo, mas se assim não acontece é bom que fique claro que esta não é uma medida para durar sempre. Penso que ela não durará mais - longe disso - do que o tempo da nossa efectiva entrada na CEE.
Por outro lado, também estamos convencidos de que, em relação ao grande e ao médio turismo, não é um selo de 1000$ e de 500$ para os menores o que vai impedir que se venha a Portugal.
Já a circunstância de haver turismo de fronteira e a de haver pessoas que vivem de um lado e trabalham do outro lado da fronteira - circunstância que porventura não terá sido considerada -, e que porventura teriam que gastar mais do que o salário a passar diariamente num sentido e noutro, merece que na discussão na especialidade troquemos impressões sobre esse aspecto. O Governo não considera esta questão fechada, pois tanto o Sr. Secretário de Estado como o Sr. Ministro das Finanças e do Plano já se referiram a este aspecto.
Podemos conversar e ver se aqui e, até talvez num ou noutro aspecto de pormenor, desde que a finalidade deste pacote - como se lhe tem chamado - não deixe de ser atingida, porque esse é um imperativo que nós consideramos nacional.
Perguntou-me se hoje há uma alternativa à CEE. Pois, há sempre alternativa à CEE. Hoje somos uma alternativa à CEE, vivemos sem a CEE, estamos nessa alternativa. Pelo menos haveria a alternativa de continuar como estamos. Mas há outros, Sr. Deputado, não vele a pena estarmos a falar agora nisso.
Quanto aos bens de luxo e às casas de piscinas, «o que não se faz em dia de Santa Maria faz-se noutro dias. Aguardemos o orçamento de 1984 e talvez venham lá algumas novidades nesse domínio.
Srs. Deputados, penso que respondi, ainda que sumariamente, a todas as perguntas que me foram formuladas. Se deixei alguma por responder, não foi intencionalmente. Mas também não quis maçar os Srs. Deputados além de um certo ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para uma segunda intervenção.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de salientar, em primeiro lugar, que esta intervenção - sob a forma de esclarecimento - que ouvimos ao Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares pôde fazer um contraponto útil com a primeira intervenção.

Creio que, não só porque por várias vezes o Sr. Ministro teve ocasião de pedir desculpa de alguns excessos - e eu penso que os houve -, como também porque o tom menos dramático que utilizou foi, naturalmente, mais adequado.
Aliás, houve até alguma contradição entre a invectiva que dirigiu àquilo que chamou um alheamento da Câmara em relação aos graves problemas com que o País se defronta e alguns aspectos mais, digamos, ligeiros da sua segunda intervenção.
Mas não o castigarei por isso. Penso, antes pelo contrário, que o tom mais correcto é o da sua segunda intervenção. E que, de facto, como o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares reconhecerá, as propostas de lei que estão em debate e, designadamente, a proposta de lei n.º 41/III, que impugnámos, chegou aqui rodeada de toda a secura.

Não teve, sequer, uma intervenção preliminar por parte do Governo. Tinha uma nota explicativa que nos dizia apenas que se ia tratar de reduzir o défice do sector administrativo do Estado. Quer dizer, os dados que o Sr. Ministro adiantou cerca das 19 horas e 30 minutos, ou seja, 4 horas e 30 minutos depois de iniciado este debate, surgiram-nos pela primeira vez na sua voz.

Soubemos, então, que havia um excesso no défice previsto de cerca de 50 milhões de contos. Soubemos, então, que desse défice extraordinário surgido, 18 milhões são 0 objectivo destas medidas do Governo.

Isso não tinha sido dito e reparará o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares que a importância do problema é tanta que um dos argumentos utilizados contra a constitucionalidade da proposta parte, precisamente, do principio - na sequência da Comissão Constitucional- de que é necessário que os governos expliquem porquê - dentro do contraponto dos interesses -- as medidas que propõem são necessárias e são adequadas.

O Governo não o tinha feito e penso que ainda neste momento o fez de modo extremamente incompleto.
Gostaria ainda de lembrar que, se este debate pôde incidir sobre questões que poderiam ter sido arredadas não é certamente por defeito da Câmara, mas por carências de elementos que, todos viemos a verificar, serem necessários.

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Gostaria, portanto, que essa lição ficasse registada por todos nós.

E creio que também todos teremos a ganhar quando todos nos convencermos de que nenhuma situação financeira, por mais preocupaste, por mais aterrorizaste mesmo que ela se apresente, pode pôr em causa os fundamentos da liberdade e da democracia.

Quer dizer que quando uma proposta se apresentar como flagrantemente inconstitucional nós estaremos já a ultrapassar uma barreira. E essa barreira não deve ser transposta.

E, julgamos nós, havia meios - e alguns deles surgiram ao longo do debate - pelos quais o Governo poderia conseguir os mesmos objectivos, enquadrando de modo diverso a sua proposta.

Não estamos, neste momento, a discutir o fundo da questão. Portanto, não tratarei de nenhum aspecto concreto dos impostos em causa - amanhã teremos ocasião de fazer isso -, mas direi que se o Governo nos tem apresentado a situação e os objectivos que pretendia, se o Governo tem justificado as medidas propostas, se o Governo tem apresentado, inclusivamente, uma proposta de modificação do orçamento ou uma proposta de modificação do enquadramento destas medidas, aí boa parte dos problemas constitucionais levantados teria sido resolvida.

Gostaria, no entanto, de deixar aqui algumas questões que permanecem em aberto.

Não ficámos esclarecidos, mesmo ao longo destas intervenções, sobre quando o Governo tomou conhecimento deste défice. Quer dizer, há um momento temporal em que o Governo soube que o défice previsto no Orçamento do Estado estava excedido. Poderá não ter tido conhecimento de que estava excedido nesta dimensão, mas soube que havia um excesso, um excesso qualquer. Penso que mandavam as boas regras que, nesse momento, o Governo tivesse disso informado a Assembleia da República. Assim, todos teríamos tido ocasião de, sobre o assunto, pensarmos com alguma clareza e com alguma profundidade.
Mais ainda: quando o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares reconhece que ao longo da prática de execução orçamental - e aí direi que não, com certeza da responsabilidade do actual Governo foram excedidas as verbas orçamentadas nos Ministérios do Equipamento Social, da Educação, dos Assuntos Sociais, da Saúde, do trabalho, se a nossa informação é exacta, então eu gostaria de saber 'que medidas se propõe o Governo adoptar para que estes casos se não repitam.
De outra maneira, nós estaremos todos os anos a ser confrontados com a situação de em 30 de Dezembro - como aconteceu o ano passado - nos vir aqui o Governo apresentar uma proposta de alteração do orçamento, pedir-nos autorização para cobrar novas receitas e para acertos orçamentais que significavam, pura e simplesmente, que em vários departamentos estaduais o orçamento tinha sido - e largamente ultrapassado.
Enquanto for possível em termos de administração pública uma irresponsabilidade em termos de verbas orçamentais, que é equivalente - perdoe-se-me a crueza da expressão - à passagem de cheques sem cobertura, porque são despesas sem cabimento, e enquanto isso for feito sem nenhuma sanção, sem nenhuma responsabilidade, nós não poderemos dizer que introduzimos na vida financeira e económica portuguesa qualquer sentido de rigor.

Portanto, Sr. Ministro, nós esperamos que em relação a essa situação surjam, efectivamente, as medidas rigorosas que se impõem.

Estaremos dispostos a aceitar que essas medidas sejam temperadas com aquela justiça - que também o é - de compreensão pelas situações em que elas se verificarem.

Mas exigimos que sejam tomadas medidas, porque de outra forma os défices ir-se-ão acumulando, os impostos continuarão a ser retroactivos, todos nós nos lamentaremos muito, mas nada corrigiremos em relação ao futuro.

Há ainda dois últimos pontos que me parecem de salientar.

Em relação ao argumento que foi levantado da unidade do orçamento, disse o Sr. Ministro que a lei-travão não impede a criação de receitas. E é verdade, assim é. Só que, o que não permite é a criação de receitas fiscais fora do enquadramento orçamental, de tal modo que a regra da unidade do orçamento implica .que exista um orçamento e um só orçamento, com uma repartição das receitas e das despesas, essa especificada. Isso resulta claramente da Constituição.
E tanto assim é que, se V. Exa., Sr. Ministro, quiser ter o cuidado de procurar a lista que há bocado começou a ler a esta Câmara, não encontrará aí nenhum diploma que não tenha sido em execução de um orçamento ou de uma lei orçamental, porventura ao abrigo de uma autorização legislativa, ao abrigo da votação de um orçamento, mas nenhuma medida desgarrada e, com certeza, nenhuma lei desgarrada.
Por último, refiro-me à diferença de rendimentos entre as profissões livres e as por conta de outrém. É evidente que há uma desigualdade. O Sr. Ministro quis justificá-la com uma ideia generosa, mas não é inteiramente assim. Bastará, Sr. Ministro, relembrar-lhe que em várias empresas e, portanto, em relação a empregados por conta de outrem, há a prática conhecida e estabelecida de se fornecerem meios, como por exemplo, casas - que até podem ser casas de férias -, carros à disposição, telefones pagos, muitas outras despesas que transformam esses rendimentos em rendimentos desiguais sim, mas a favor de alguns desses empregados por conta de outrem.
Portanto, a situação objectiva a que o imposto obriga é, de facto, tributo igual para rendimentos iguais.
Creio que, assim sendo, não há infelizmente motivos para que em relação à proposta de lei n.º 41/III nós possamos modificar a nossa posição.
Era essa a proposta de lei que tínhamos impugnado, vemos que os motivos de impugnação não foram nem ilididos nem - perdoe-se-me - cabalmente respondidos. Até porque tivemos o cuidado de passar a jurisprudência da Comissão Constitucional e, em relação a essa mesma Jurisprudência, não foram invocados nenhuns argumentos que permitissem ir confrontar-se com uma simples verificação, que é esta: todos os autores, toda a corrente jurisprudencial da Comissão Constitucional, consideram que há limites que não podem ser superados na retroactividade de imposto, sob pena de ele ser inconstitucional.
E o que não ficou demonstrado por parte do Governo foi que esses limites, para os quais há critérios

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22 DE SETEMBRO DE 1983

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na jurisprudência constitucional, não tenham sido, neste caso, ultrapassados. Isto ficou claro. Isso, infelizmente, repito, não pôde ser contrariado pelo Governo. E eu digo infelizmente porque, dada a situação que o Sr. Ministro nos traçou, penso que talvez com mais tempo tivéssemos ocasião de encontrar outras hipóteses. Mas, com certeza, as teríamos encontrado com mais rigorosa constitucionalidade.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar à votação dos recursos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para conhecer os critérios que vão presidir
votação, segundo o pensamento da Mesa.
O Sr. Presidente vai pôr à votação proposta a proposta?

O Sr. Presidente: - Penso que assim tem de ser, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas sobre a mesma proposta incidem vários recursos; no caso concreto, pelo menos dois, o nosso e o do CDS, suponho.

O Sr. Presidente: - Sim, mas eu penso pôr à votação os dois recursos simultaneamente, isto é, tanto o recurso do CDS como o do PCP, a não ser que os Srs. Deputados entendam de maneira contrária.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Bem, Sr. Presidente, o que é necessário é haver critérios. Portanto, a pergunta do Sr. Presidente é: quem dá provimento ao recurso? Quem está a favor do recurso?

O Sr. Presidente: - A minha pergunta é quem vota a favor do recurso, exactamente.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É que não compreendi ... V. Exa. vai pôr à votação os recursos de admissibilidade, vai separá-los em relação ao objecto ou em relação aos apresentantes?

O Sr. Presidente: - Em relação ao objecto, isto é, os dois recursos que entraram na Mesa relativos à proposta de lei n.º 38/III são postos à votação conjuntamente.

Pausa.

Estamos de acordo, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, talvez por culpa nossa não entendemos a metodologia de votação. Vamos votar proposta a proposta ou em conjunto?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos votar os recursos apresentados acerca de cada uma das propostas de lei.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Compreendido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar os recursos sobre a admissibilidade, apresentados pelo PCP e pelo CDS, da proposta de lei n.º 38/III.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS e do deputado independente António Gonzalez, votos contra do PS e do PSD e abstenções do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar os recursos sobre a admissibilidade da proposta de lei n º 39/III apresentados pelo PCP e pelo CDS.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS e do deputado independente António Gonzalez, votos contra do PS e do PSD e abstenções do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar os recursos sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 40/III, apresentados pelo PCP e pelo CDS.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS e do deputado independente António Gonzalez, votos contra do PS e do PSD e abstenções do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Vamos votar agora, Srs. Deputados, os recursos acerca da admissibilidade da proposta de lei nº 41/III, apresentados pelo PCP, pelo CDS, pelo MDP/CDE e pela ASDI.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez e votos contra do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se a votação acerca dos recursos de admissão pela Mesa da proposta de lei n.º 42/III, apresentados pelo PCP e pelo CDS.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS e do deputado independente António Gonzalez, votos contra do PS e do PSD e abstenções do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação à proposta de lei n.º 43/III, deram entrada na Mesa recursos de admissibilidade apresentados pelo PCP e pelo CDS, os quais vão igualmente, ser postos à votação.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS e do deputado independente António Gonzalez, votos contra do PS e do PSD e abstenções do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Por fim, Srs. Deputados, vamos votar os recursos, apresentados pelo PCP e pelo CDS,

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relativos a admissão pela Mesa da proposta de lei n.º 44/III.

Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos a favor do PCP, do CDS e do deputado independente António Gonzalez, votos contra do PS e do PSD e abstenções do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabíamos que a Constituição, antes e depois da revisão, não contém qualquer preceito que proíba a retroactividade da lei fiscal.

O debate que hoje se travou mais nos convenceu da certeza desta interpretação ... basta atentar nas hesitações e nas contradições de alguns dos senhores deputados que impugnaram a inconstitucionalidade destas leis, embora, por outro lado, haja que assinalar a arrogância de outros ao apontarem essas mesmas inconstitucionalidades.

O próprio debate se encarregou de demonstrar que não se deve situar no terreno da pura constitucionalidade esta questão das propostas de lei do Governo, embora a primeira barragem tivesse sido erguida a essas propostas de lei a pretexto e em torno da constitucionalidade das mesmas.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta questão deve colocar-se, não no terreno meramente constitucional, em que somos, naturalmente, superabundantes, mas localizá-lo no terreno da economia, em que impera a escassez e a raridade.
Infelizmente, vivemos em crise e vivemos sob o primado do económico, e, nós, socialistas, que advogamos o primado da cultura e da axiologia, somos obrigados a reconhecer o primado do económico, visto que as preocupações económicas sobrelevam quaisquer preocupações da actual situação política portuguesa. Pensamos até que o sucesso ou o insucesso da actual política económica do Governo comanda o próprio destino da democracia portuguesa. Por isso mesmo apoiamos o Governo nos seus esforços para reduzir o défice orçamental, para reduzir -- por via do défice orçamental - o défice da balança de transacções correntes, que é a preocupação máxima da nossa vida nacional.
Apoiamos estas iniciativas, estas medidas corajosas do Governo - sublinho a palavra corajosas -,porque o Governo não se ilude, nem os grupos parlamentares que o apoiavam, que estas medidas vão servir de arma de ataque ao Governo, vão provocar dores de cabeça, erosão e aborrecimentos. São, no entanto, medidas que têm de ser tomadas com coragem, não só para reduzir o défice da balança de pagamentos, como para parar o crescimento, até agora imparável, da dívida externa e do défice da balança de transacções correntes. Todos sabemos que uma redução do défice orçamental tem implicações na redução do défice da balança de transacções correntes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, por estes motivos, embora não deixemos de sublinhar que é necessário introduzir modificações nas propostas apresentadas, não regateamos o nosso apoio ao Governo e estamos dispostos a dividir com o Governo o combate pelo reequilíbrio financeiro, para que criem condições para

o desenvolvimento do País e para a vitória, não só deste Governo, como da consolidação da democracia.

E neste enquadramento e nesta perspectiva que consideramos que estas medidas, muito embora - como já sublinhei- possam ser dolorosas, pois representam uma erosão do poder de compra dos cidadãos portugueses, são indispensáveis à recuperação do País.

Não foram aqui apresentadas, como disse o Sr. Ministro Almeida Santos, soluções alternativas, e não o foram porque, de facto, elas não existem. Acho até curioso que certos senhores deputados tenham aqui professado um conjunto de incompatibilidades com a seguinte doutrina: pretendem, simultaneamente, não aumentar os impostos - querem até reduzi-]os (penso ser a posição do CDS -, reduzir o défice orçamental, não reduzir as despesas públicas e aumentar, até, as prestações sociais. Obviamente que são coisas manifestamente incompatíveis.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Está equivocado!

O Orador: - São obviamente incompatíveis! Só em fase de expansão económica isso é possível e, como não é esse o caso, conseguir, simultaneamente, estes objectivos é uma impossibilidade, não só lógica como prática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos também assinalar que o actual sistema fiscal português é extremamente injusto, tendo, por isso, de ser modificado. Faço daqui a seguinte sugestão e apelo ao Governo para que realize os trabalhos necessários para que o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) venha a ser rapidamente criado, para não só dificultar e impedir a fuga aos impostos, como para os tornar mais justos.
Esta decisão da Assembleia da República, em considerar que as propostas de lei não são inconstitucionais, é uma decisão sensata e serve os interesses do País.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria dar conhecimento à Câmara de que deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 210/III, apresentado pelos Srs. Deputados Luís Cacito e outros, do PS, sobre a demarcação da região vitivinícola de Vidigueira, Cuba e Alvito, que baixa à 6.º Comissão.

Resta-me anunciar que amanhã a reunião terá início às 10 horas, com período de antes da ordem do dia
onde será lido o expediente, os requerimentos e proceder-se-á à discussão de 4 votos pendentes- e período da ordem do dia, cuja primeira parte será a apreciação do pedido de prioridade e urgência, solicitado pelo Governo, para a discussão das propostas de lei n.os 38/III, 39/III, 40/III, 41/III, 42/III, 43/III e 44/II1 e a eleição do presidente do Conselho Nacional do Plano, assim como para os lugares vagos do Conselho Superior da Defesa Nacional e Conselho da Comunicação Social, e cuja segunda parte será a discussão e votação das propostas de lei n.os 38/III, 39/III, 40/III, 41/III, 42/111, 43/111 e 44/111.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
João Joaquim Gomes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
João Domingos Abreu Salgado.
João Maurício Fernandes Salgueiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Adriano Gago Vitorino.
José Bento Gonçalves.
Luís António Martins.
Luís António Pires Baptista.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Lobo Xavier.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
António Cândido Miranda Macedo
António Jorge Mammerickx da Trindade.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Alberto Santos Correia.
José de Almeida Valente.
José Barbosa Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Narciso Rodrigues Miranda.
Manuel Filipe Pessoa Santos Loureiro.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Adérito Manuel Soares Campos.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Alves Figueiredo.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Vargas Bulcão.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Martins Adegas.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Raimundo do Céu Cabral.

Centro Democrático Social (CDS):

António Gomes de Pinho.
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Paulo das Neves Soudo.
João António de Morais Silva Leitão.
João Lopes Porto.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Tomás Rebelo Espírito Santo.

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