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I Série - Número 39

Quarta-feira, 26 de Outubro de 1983

Diário

da Assembleia da República

III LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE 0UTUBRO DE 1983

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas

einaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Lopes Cardoso (UEDS) anunciou a entrada na Mesa de um voto de protesto pela operação militar hoje desencadeada pelos Estados Unidos da América e outros países da América Central contra a República de Granada e de solidariedade para com o povo desta.
Iniciou-se a interpelação do PCP ao Governo com vista a um debate de política geral centrado predominantemente nas medidas de política económica e financeira aplicadas, aprovadas ou anunciadas, e as orientações de política económica, monetária e orçamental subjacente ao acordo recentemente negociado com FMI.
Após a abertura do debate pelos Srs. Deputados Carlos Carvalhas, Ilda Figueiredo, Rogério de Brito e Octávio Teixeira (PCP), intervieram, a diverso titulo, além dos Srs. Ministros das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) e de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), os Srs. Deputados Walter Rosa (PS), Fernando Condesso (PSD), Magalhães Mota (ASDI), Morais Leilão (CDS), Maia Nunes de Almeida (PCP), Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Nogueira de Brito (CDS) e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temas quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alexandre Monteiro António.

Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa. António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José dos Santos Meira.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Ferdinando Lourenço de Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.

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João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho Menezes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Ferreira Pires Gestosa.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Martins Pires.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saías.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.

Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral. Fernando dos Reis Condesso. Francisco Antunes da Silva. Francisco Jardim Ramos. Gaspar de Castro Pacheco. Guido Orlando Freitas Rodrigues. Jaime Adalberto Simões Ramos. João Evangelista Rocha de Almeida. João Luís Malato Correia. João Maurício Fernandes Salgueiro. João Maria Ferreira Teixeira. João Pedro de Barros. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. Joaquim dos Santos Pereira Costa. José de Almeida Cesário. José Augusto dos Santos Silva Marques. José Luís de Figueiredo Lopes. José Mário de Lemos Damião. José Silva Domingos. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida. Leonel Santa Rita Pires. Luís António Martins. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel da Costa Andrade. Manuel Ferreira Martins. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Moreira. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo. Mário Martins Adegas. Mário Júlio Montalvão Machado. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Raul Gomes dos Santos. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Manuel de Oliveira Costa. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Victor Pereira Crespo.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez. António José de Almeida Silva Graça. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão. Francisco Miguel Duarte. Georgete de Oliveira Ferreira. João António Gonçalves do Amaral. João António Torrinhas Paulo. João Carlos Abranges. Joaquim António Miranda da Silva. Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. José Rodrigues Vitorino. Lino Carvalho de Lima.

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Maria Luísa Mesquita Cachado. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Maria Alda Barbosa Nogueira. Maria Margarida Tengarrinha. Maria Ilda Costa Figueiredo. Mariana Grou Lanita. Octávio Augusto Teixeira. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida. Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Lobo Xavier. Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca. Francisco António Lucas Pires. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Henrique António Madureira. Henrique Manuel Soares Cruz. Henrique Paulo das Neves Soudo. Hernâni Torres Moutinho. João António de Morais Silva Leitão. João Carlos Dias M. Coutinho de Lencastre. João Gomes de Abreu Lima. Jorge Manuel Gomes Barbosa. José Luís Nogueira de Brito. José Miguel Anacoreta Correia. Maria da Conceição Dias Neto. Manuel António de Almeida Vasconcelos. Nuno Teixeira Lopes Tavares. Tomás Rebelo Espírito Santo.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro Taborda. João Cerveira Corregedor da Fonseca. Helena Cidade Moura.

Agrupamento Parlamentar da União da
Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira. António Manuel C. Ferreira Vitorino. António Poppe Lopes Cardoso. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota. Manuel Tilman. Ruben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem os nossos trabalhos de hoje vão ser preenchidos com a interpelação do PCP ao Governo.
Entretanto, o Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Era para fazer uma rápida comunicação à Mesa.
Sr. Presidente, queria informar que os deputados da UEDS irão entregar na Mesa um voto de protesto pela invasão da República de Granada pelas tropas

dos Estados Unidos da América e de outros países da América Central.
Trata-se de uma flagrante violação das mais elementares regras do Direito Internacional, a que esta Assembleia não poderá ficar indiferente em nenhumas circunstâncias, menos ainda depois de na última semana ter aqui assumido posições que, em nosso entender, a honram em matéria de direitos humanos.
Era esta informação que queria transmitir à Mesa.

O Sr. Presidente: - Conforme é do vosso conhecimento, não há período de antes da ordem do dia e está agendada para hoje, como já disse, a interpelação apresentada pelo PCP.
É também do conhecimento dos Srs. Deputados a distribuição de tempos que foi feita para a discussão desta interpelação.
Para a abertura do debate dou a palavra a um representante do Partido Comunista Português, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

Tinham, entretanto, tomado assento na bancada do Governo, além do Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares), os Srs. Ministros de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos), das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes), do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo), da Agricultura, Florestas e Alimentação (Soares Costa), da Indústria e Energia (Veiga Simão), do Equipamento Social (Rosado Correia), da Qualidade de Vida (António Capucho) e do Mar (Carlos Melancia) e os Srs. Secretários de Estado dos Assuntos Parlamentares (Armando Lopes), das Finanças (Martins dos Santos), do Orçamento (Alípio Dias), do Tesouro (António de Almeida) e Adjunto do Ministro da Educação (Almeida e Costa).

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A interpelação que hoje se inicia foi requerida pelo PCP, antes de estar consumado e de ter produzido efeitos o acordo que o Governo negociou secretamente com o FMI.
Batemo-nos para que este debate tivesse lugar logo na reabertura dos trabalhos parlamentares, antes da assinatura oficial do acordo com o FMI, de modo a que a Assembleia da República fosse chamada a travar, em tempo útil, um amplo e profundo debate sobre as orientações e medidas necessárias à efectiva resolução dos problemas económicos e financeiros do pais.
Alertámos que o adiamento da interpelação criaria o risco de converter a ulterior discussão das Grandes Opções e do OGE num mero proforma, através do qual esta Assembleia acabaria por, a posteriori, dar o «amen» a um acordo e a uma política que lhe passariam completamente à margem.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Neste momento é possível afirmar que as piores expectativas foram lamentavelmente confirmadas.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Durante mais de 6 semanas, o Governo e a sua maioria fugiram ao debate e ao confronto de ideias e tudo fizeram para que ele não se realizasse, adiando inconstitucional e anti-regimental-

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mente a interpelação do PCP o governo quis esconder ao povo português dados e compromissos capitais. E simultaneamente exigiu e obteve aqui um inconstitucional pacote fiscal, inserido em compromissos que não revelou à Assembleia, por causa de um défice orçamental cujas causas e dimensões não cuidou de explicitar.
Só no último momento, quando já não o podia evitar, é que o Governo divulgou aos portugueses a chamada «Carta de Intenções», leia-se «Carta de Obrigações e Subcomissões», ao mesmo tempo que apresentava nesta Assembleia o facto consumado desse acordo, as Grandes Opções e o Orçamento para 1984. É uma vergonha, Sr. Presidente e Srs. Deputados, mas é também uma atitude que caracteriza bem a coligação PS/PSD e que traduz o respeito que lhes merece este órgão de soberania!

Vozes do PCP: - Muito bem)

O Orador: - O debate que hoje começa será então, completamente diferente do que pretendíamos em 8 de Setembro? Sem dúvida! Mas vai contribuir para que o país conheça finalmente em toda a sua dimensão o que durante meses lhe foi escondido. E vai certamente contribuir para clarificar responsabilidades.

Foi-nos revelado um acordo com o FMI. Quem negociou este acordo no seu todo e em cada uma das suas 3 partes, Sr. Ministro das Finanças e do Plano? De quem é a responsabilidade? Assumem o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro das Finanças e do Plano esta irresponsabilidade?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Como foi possível aceitar em nome da República Portuguesa cláusulas que sujeitam o país a ser fiscalizado trimestralmente por uma missão do FMI, com poderes para inspeccionar os critérios de acesso ao crédito externo, bem como para examinar e autorizar «as operações mais importantes» como diz o parágrafo 16 da Carta de Intenções.
Quem, em nome de um país soberano aceitou, contra a Constituição e a lei aquilo a que a Carta chama «vigilância atenta da evolução das finanças das autarquias locais, as quais deverão apresentar pontualmente relatórios trimestrais ao Governo». Como se pode ter negociado um acordo em que o Governo aceita «abster-se de introduzir [...] quaisquer novas restrições sobre as importações», aceita uma substancial redução do investimento das empresas públicas, aceita que os salários reais nestas empresas e os vencimentos dos trabalhadores da função pública fiquem abaixo da taxa da inflação».

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): É um escândalo)

O Orador: - Em que país julgam que estão Srs. Membros do Governo?!
Portugal está confrontado com uma política que contrariando os desejos de mudança expressos pelo povo português nomeadamente nas eleições de 25 de Abril, prossegue e agrava a política económica que a AD levou ao extremo.
É uma política falhada que contraria as leis fundamentais da nossa economia, procurando liquidar as

novas transformações surgidas com o 25 de Abril. É nesta política que reside a causa, da crise. É hoje indesmentível que esta política subverteu as potencialidades e alavancas postas à disposição do Estado democrático, visando não o desenvolvimento económico e social mas sim a restauração dos monopólios e dos latifúndios.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em vez da dinamização e do apoio técnico e financeiro às diversas formações económicas (sector nacionalizado, sector privado, sector cooperativo) sem exclusões ou discriminações, foi impulsionada nestes anos a destruição da Reforma Agrária e do sector nacionalizado, a reconstituição dos privilégios e fortunas privadas.
Para atingir estes objectivos, sucessivos Governos deram curso às políticas monetaristas cujos resultados são bem conhecidos, quer no Chile, quer no Brasil. E também ali os Delfins Netos e quejandos afirmavam que estavam a «salvar o país». Hoje, desse salvamento, resta a bancarrota e as misérias do «milagre brasileiro.» ...
É nesta política que este Governo insiste: privilegia-se a política conjuntural sem qualquer articulação com uma política de desenvolvimento; intensifica-se a dependência tecnológica; despreza-se a produção nacional de produtos importados, e aposta-se no afunilamento das relações económicas externas em espaços económicos em profunda crise. Insiste-se na CEE, mesmo depois do fiasco da «Europa Connosco», mesmo sabendo-se que tal integração significaria, a ruína da nossa economia e até se descobre, face às dificuldades, depois de tantos anos a dizerem o contrário, que afinal há alternativas à adesão!
Mais: tal como antes do 25 de Abril, orienta-se a economia portuguesa, quase em exclusivo, para o comércio externo procurando a utilização da mão-de-obra, a baixo preço.

Por outro lado, desvaloriza-se sistematicamente o escudo para aumentar a competitividade externa e o resultado é que se aumenta a exportação em volume mas diminui relativamente o valor em divisas. Chegámos a isto, quanto mais se exporta, menos se recebe ...
Sem se substimar a importância do mercado externo, Srs. Membros do Governo, o alargamento do mercado interno é fundamental para a reanimação económica e muito em especial dos sector agrícola e industrial.
Mas, não menos grave na política governamental é que em vez de desenvolver as forças produtivas, ela força uma acumulação em sectores e camadas reduzidas (sociais e empresariais) que já demonstraram não imprimir qualquer dinamização ao investimento produtivo. E o resultado é este: o valor criado e não consumido não é canalizado para o desenvolvimento económico, para a modernização do aparelho produtivo, para melhorar os equipamentos sociais, mas sim para a acumulação das fortunas privadas e para as actividades parasitárias e especulativas.

Aplausos do PCP.

É por tudo isto que se agravam continuamente os défices e a dívida externa. É por estas e não por outras razões que a nossa economia anda há vários anos a percorrer a espiral desvalorização do escudo, aumento

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da inflação, aumento das taxas de juro, quando se devia seguir precisamente o caminho contrário: diminuir as taxas de juro, controlar a inflação, estabilizar o escudo. Quanto vai custar ao País, Sr. Ministro e Srs. Membros do Governo, em falências, liquidação de meios, desemprego, a insistência numa política que afunda a nossa economia nos círculos viciosos dos arranques e travagens que paralisam a processo de desenvolvimento e agravam ainda mais o nosso atraso relativo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Em nota informativa de 9 de Agosto, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano descreveu detalhadamente as consequências desastrosas da política do seu antecessor. Dois meses depois constata-se que prossegue a galope a mesmíssima política. E nós perguntamos: o Sr. Ministro reafirma aqui as críticas que emitiu em Agosto, ou retrata-se se e assume perante esta Assembleia que está a fazer uma política de continuidade?

Aplausos do PCP.

Talvez por isso se assiste a uma escandalosa diluição de responsabilidades. Percebe-se melhor porquê olhando as bancadas do Governo onde se sentam alguns dos que levaram o País à beira da ruptura financeira e cambial. E também se percebe por que é que o Governo se furta a enviar a esta Assembleia as contas públicas. Mas nós perguntamos: Quando vai apresentar as contas a esta Assembleia Sr. Ministro das Finanças e do Plano?
Além de silenciar as causas e responsabilidades da actual situação, o Governo diz-nos todos os dias utilizando secretamente a televisão e a rádio que tudo isto é inevitável. Mas esta política só é inevitável para quem serve o grande capital. Não nos venham dizer que «não há alternativa», que «esta política é de rigor», que «a austeridade é para todos», que os sacrifícios de agora são para um dia mais tarde o País ver a luz ao fim do túnel ... já ouvimos tudo isso nestes anos. E também não nos venham dizer que nós não temos propostas, que são más, inaplicáveis. O resultado da aplicação das vossas está à vista.
E é um desastre.

Aplausos do PCP.

Sabemos bem que não é com facilidades que se vence a crise. Mas resolvem-se se porventura à custa das falências? A custa da queda dos investimentos público e privado (atrasando ainda mais a nossa economia)? A custa do desemprego, do marasmo e da desorganização das actividades produtivas? A resposta é: não, claramente não! O défice da balança de transacções correntes pode conjunturalmente diminuir, mas como se agravam as suas causas reais ele crescerá de novo em flecha como já sucedeu no passado recente.
Há uma diferença entre a produção e o consumo. Para a colmatar, o Governo entende que deve, como prioridade, diminuir a produção! E isto porque, para aumentar a produção, diz, seria necessário aumentar as importações

Mas é possível aumentar a produção nacional de produtos importados. Pode produzir-se, por exemplo, mais carne com menos matérias-primas primas importadas (forragens em vez de milho). Podemos e devemos aumentar o esforço das pescas. Podemos e devemos cortar importações desnecessárias e consumos de luxo e supérfluos. E temos de aumentar os consumos populares para dar escoamento à produção nacional. O que não é possível é diminuir a factura agro-alimentar com a política do Governo, com o aumento dos factores de produção, a contracção do crédito, ou com os ataques à Reforma Agrária! E não se conseguirá diminuir a factura energética desaproveitando mais de 50 % dos nossos recursos hídricos ou metendo na gaveta os projectos de poupança de energia elaborados por técnicos e trabalhadores para as indústrias de alto consumo, ou deixando arrastar levianamente as sucessivas avarias nas termoeléctricas que já este ano nos obrigaram a importar energia! Não pode ser este o caminho!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Não é fazendo do planeamento, o curto prazo e a gestão da crise, ou diminuindo a formação bruta de capital fixo (-4 % em 1982 e -9,2 % em 1984) que podemos iniciar as reformas estruturais e modernizar a economia. Nem é possível estancar a fuga de capitais e poupar divisas se não se estabelecer qualquer controle à sub e sobrefacturação.
Por outro lado, mesmo confundindo os milhares e os milhões, desconhecerá o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo que os acordos e sistemas de compensação (que o GATT e a OCDE estimam já ter atingido em 1982 20 % a 30 % do comércio mundial) poderiam e deveriam ser um meio de financiamento dos grandes projectos de interesse nacional, sobretudo para um país com penúria de divisas?
A política do Governo é o contrário de tudo isto e assentando na corrida à banca privada, no estímulo dos grandes intermediários, no desenvolvimento da economia subterrânea, contém em si a dinâmica e o caldo de cultura permanente da corrupção!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Só pode dizer que não há alternativa a esta política quem serve o grande capital, quem como o Primeiro-Ministro deste Governo se afirmou como político do grande capital liderando de tal forma as forças de direita que há já quem afirme, como pessoas do parceiro de coligação, que «acumula o lugar de secretário-geral do PS com o de presidente do PSD».

Aplausos do PCP.

0 Governo do Primeiro Ministro Mário Soares assume a responsabilidade histórica de conduzir uma política que para os trabalhadores significa a diminuição dos salários reais (mesmo com aumento da produtividade), os despedimentos, os salários em atraso, a carga dos pacotes fiscais; enquanto o grande capital recebe a banca, os seguros, os adubos, as chorudas indemnizações, o perdão de dívidas, o fechar de olhos à fuga de capitais, aos impostos, ao crédito mal parado .

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A Sr.ª Tatcher não desdenharia da política financeira que o Governo diz ser de estabilização. Trata se de uma autêntica política de desestabilização económica, financeira e social.

Quem desestabiliza a situação é o Governo com a sua política e não os trabalhadores, os camponeses, os pequenos e médios empresários que protestam e lutam contra as medidas que ferem os seus interesses legítimos! Se há salários em atraso é humano que os trabalhadores lutem por aquilo a que têm direito e é desumano que sejam reprimidos.

Vozes do IPCP: - Muito bem!

O Orador: - Se com a sua política financeira o Governo quer condenar à falência os pequenos e médios empresários, é justo que estes se defendam e exijam crédito e mais barato para expandir as suas actividades! Se aumentam sucessivamente os custos dos factores de produção aos camponeses, como não ha viam eles de se movimentarem e defender as suas justas aspirações? Quem desestabiliza, Srs. Deputados, não são as camadas e classes laboriosas. É o Governo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política que vem sendo seguida é a política de desastre que Mário Soares «diagnosticou» em Março antes das eleições. É a política da AD.

Essa política que não resolve os problemas é a grande fragilidade, a fragilidade essencial, da coligação PS/PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma política que diminui todos os dias a base social de que o Governo se reclama e agrava continuadamente o descontentamento e a luta popular.
Já tiveram a primeira resposta nas poderosas manifestações que por este mês de Outubro levaram às ruas do País o protesto e a afirmação de que esta política e este Governo não podem continuar.

Aplausos do PCP.

Risos do PSD.

Já estão visíveis, também, os sintomas da debilidade congénita da coligação governamental que o PS quis fazer com o principal partido da ex-AD.
Um Governo destes não pode perdurar. E ainda bem para os Portugueses e para Portugal!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O povo português está a sofrer de uma forma brutal as consequências da política económica de desastre que este Governo apressa e aprofunda ao colocar o país nas mãos do FMI.

Em todos os documentos governamentais aparece como obsessão central a contratação da procura, nomeadamente do consumo privado e do investimento público.
Para obter a diminuição do consumo privado o Governo procura reduzir o rendimento disponível da população, diminuindo o seu poder de compra através de medidas do tipo tecto salarial, de aumentos da carga fiscal e de agravamento dos preços dos bens essenciais.
Daí o comprometimento na Carta de Intenções ao FMI de que o Governo limitará as taxas de aumento dos vencimentos dos trabalhadores da função pública e do sistema das prestações sociais e que tentará que os restantes sectores de actividades sigam o mesmo exemplo, de forma a garantir que sejam moderados os custos do trabalho, tentando fazer crer que só assim se fará a desaceleração da inflação sem sacrificar o crescimento da produção e do emprego. É a mais despudorada desfaçatez!

É que o Governo não desconhece que a maior contribuição para a inflação resulta da componente «rendas, juros e lucros» que, de acordo com o relatório de 1982 do Banco de Portugal, comparticipou em 33,8 % da taxa de inflação, contra apenas 20 % no ano anterior.

Assim como não desconhece que os salários reais diminuíram 2,5 % no ano passado enquanto a produtividade aumentou 3,7 % o que fez com que os encargos totais com o factor trabalho na repartição do Rendimento Nacional tenha sofrido uma acentuada diminuição, apresentando um acréscimo de apenas 19,2 % contra 35,5 % de aumento do excedente bruto de exploração, que assim aumentou duas vezes mais em relação ao ano anterior, passando a representar cerca de 42 % do Rendimento Nacional.
Não espanta, pois, que os relatórios confirmem que o pequeno crescimento do consumo privado em 1982 resulta fundamentalmente do consumo de bens duradouros. Por exemplo, o índice deflacionado das vendas a retalho das grandes cadeias de supermercados acusam um acréscimo de apenas 0,8 % no que respeita aos bens alimentares e de 8,7 % no que se refere aos bens não alimentares. Igualmente para o 1.º semestre deste ano as previsões apontam um crescimento nulo do consumo privado enquanto consideram que a venda de automóveis de passageiros e mistos aumentou 9 %. Só Mercedes Benz novos entraram legalmente no país por importação cerca de 1000, durante o 1.º semestre deste ano.

15to significa que são os consumos mais baixos e essenciais, nomeadamente os alimentares, que mais se têm retraído, ou seja os consumos fundamentais de sobrevivência, das famílias de mais baixos rendimentos.
E, no entanto, as medidas anunciadas apontam para novos e rápidos aumentos de preços de bens essenciais (apesar da maior parte já ter subido este ano duas vezes e em média mais de 60 %), nomeadamente resultado do fim dos subsídios do Fundo de Abastecimento e dos cortes nas indemnizações compensatórias a empresas nacionalizadas produtoras de bens e serviços públicos e de ainda maiores dificuldades na concessão de crédito, visando o seu estrangulamento. São já enunciados novos aumentos nomeadamente o terceiro aumento da electricidade durante este ano, certamente mais aumentos do pão, do açúcar, dos transportes, a que se seguirá maior carga fiscal e menos salários.

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Se a tudo isto acrescentarmos que mais de 100 000 trabalhadores estão há longos meses sem receber salários e subsídios como acontece na Sundlete, na Gelmar, na Ernesto Cruz, na Loiça de Sacavém, na EPNC, na Bertrand, na Lisnave, na Parry Son, na Sorefame, na Corame, na Fábrica Portugal, na Casa Capucho, na ENI, na Camboumac, na SIPE, na CTM, na Somapre, na Fiação de Tomar, na Vidreira da Fontela, na M. Pereira Roldão, na CIVE, na CP, nas Massas Vouga, na Metalomecânica de Aveiro, na Oliva, na Barata Falcão, na RST, na M. Santos Leite, na Messa, nas Conservas Aldibele e Zé Rita, na MDF, nas Malhas Ameal, na Carides, na Sampaio Ferreira e noutras dezenas e dezenas de empresas, que não tenho tempo de ler agora.

0 Sr. Lemos Damião (PSD): - É pena!

A Oradora: - Posso depois fornecer a lista aos deputados que a quiserem conhecer!
Se acrescentarmos que aos jovens à procura do primeiro emprego lhes foi cortado o fraco esquema existente do subsídio do desemprego, que os reformados e pensionistas só receberão em Janeiro do próximo ano um aumento bastante inferior à inflação prevista de 29 % para os últimos meses deste ano, que a contratação colectiva se mantém bloqueada em sectores dos mais significativos por abrangerem centenas de milhar de trabalhadores, como na metalúrgica, química, têxtil e agrícolas, então não é difícil concluir que centenas de milhar de famílias vão conhecer nova mente a fome e a miséria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Só que esta redução brutal de consumo privado, visando uma diminuição da procura interna, aliada à concessão de maiores facilidades à importação (nomeadamente através da redução para 10 % da sobretaxa de importação que presentemente se situa em 30 %) e às maiores restrições ao crédito, quer pela contenção da sua taxa de crescimento, quer pela anunciada elevação das taxas de juro, terá como consequência o estrangulamento de diversos sectores da actividade económica, com encerramento e falência em série de empresas industriais cuja produção é destinada ao mercado interno, o agravamento e ruína da actividade económica em certas zonas de mono-indústria, seja da têxtil, da metalúrgica, da cerâmica, do vidro ou da pesca, o encerramento de grande parte de pequeno e médio comércio e dificuldades crescentes na construção civil, onde há mais de 40 000 fogos por vender. E afinal o que vai acontecer ao anunciado pacote habitacional?
Os brutais cortes orçamentais previstos para 1984, com consequências graves em serviços essenciais como a saúde, a segurança social, a educação, agravam as injustiças sociais e reforçam novamente a criação de elites impedindo que os jovens filhos das classes trabalhadoras tenham acesso ao sistema de ensino e chegando o país ao ponto de ver diminuir o cumprimento da escolaridade obrigatória.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A alteração da legislação laboral, nomeadamente do famigerado lay-off, visa facilitar os

despedimentos em massa nomeadamente de grandes empresas quer no sector privado, quer no sector empresarial do Estado e insere se no ataque frontal aos direitos laborais, em reforço do poder patronal nas empresas e de generalização a todos os trabalhadores de insegurança no emprego, abrindo caminho a toda a série de discriminações e arbitrariedades para a liquidação, no plano prático, dos direitos conquistados com o 25 de Abril.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - As descabeladas afirmações do Secretário de Estado de Emprego sobre a necessidade de Portugal se tornar de uma forma brutal campeão do desemprego na Europa não são mais do que a confirmação das posições governamentais de aproximar do milhão o número de desempregados num curto espaço de tempo, atingindo inclusivamente trabalhadores de serviços essenciais à população, como os despedimentos de 1000 trabalhadores da CP, nomeadamente de guardas de linhas e de operários que prestam serviços de reparação na via férrea, ou de cerca de 2000 médicos, quando são conhecidas as deficiências no campo da saúde.
E cabe perguntar: face à política de recessão económica definida pelo Governo, qual seria no futuro a extensão do desemprego, sabendo-se que neste momento já ronda os 11 %, ou seja, cerca de 470 000 desempregados? E em quanto seriam reduzidos os salários reais e a participação da massa salarial no rendimento nacional?
Quando se prevê uma diminuição de investimento de 11,9 % para o próximo ano e uma recessão económica traduzida num decréscimo do PIB de 1,4 % e se aponta na proposta de Orçamento do Estado para a necessidade de encerrar serviços públicos, não é difícil dar credibilidade a certa imprensa afecta ao Governo que aponta para 50 000 a 100 000 despedimentos no sector público e que refere a possibilidade do nível de desemprego duplicar, ou seja do número de desempregados atingir cerca de 1 milhão, quando temos no país uma população activa da ordem de 4 milhões. 15to é um escândalo, Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ou serão tais previsões e notícias também um meio de pressão para obrigar os trabalhadores a aceitar medidas como a suspensão dos contratos de trabalho, a aplicação de tectos salariais, o desemprego parcial, a redução de direitos e regalias contratuais, a intensificação dos ritmos e cargas de trabalho, identificadas pelo Governo como aumento da produtividade, quando de facto se trata do agravamento da exploração de quem trabalha?!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A proposta de Orçamento do Estado prevê a transferência de 14 milhões de contos do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado deixando para pagar subsídios de desemprego apenas 14 milhões de contos que quer isto dizer, Sr. Ministro das Finanças e do Plano? Será que só vão ser pagos subsídios de desemprego a pouco mais de 70 000 desempregados, esperando que os outros entretanto morram de

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fome? Não pode ser! Os trabalhadores portugueses nunca o aceitarão. O crescente recurso às forças policiais para reprimir trabalhadores vidreiros, da Lisnave e outros em luta contra o desemprego e pelo pagamento de salários, reflecte, por isso mesmo, o desespero e o isolamento do Governo que está contra quem quer trabalhar e defender os seus direitos constitucionais e humanos.

Aplausos do PCP.

Não nos cansamos de sublinhar, por outro lado, que num momento em que a taxa de utilização da capacidade produtiva é das mais baixas dos últimos 10 anos, insistir numa diminuição drástica do investimento e numa redução da produção nacional é agravar a dependência, aumentar o desemprego, desperdiçar os recursos disponíveis, nomeadamente os recursos colossais de mão-de-obra de que é exemplo a existência de cerca de 470 000 desempregados com toda a sua inteligência, capacidade e energia criadora que poderia e deveria estar ao serviço do desenvolvimento do país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quando se sabe, como afirma o relatório do Banco de Portugal, que abundam os circuitos paralelos de comercialização da chamada economia subterrânea, do contrabando organizado e da especulação, que a subfacturação nas exportações é responsável pela saída do país de largas dezenas de milhões de contos anuais, que a fraude e a evasão fiscais das grandes fortunas contribuem para o agravamento da desigualdade da distribuição do Rendimento Nacional que as contas nacionais refletem, persistir numa política de redução dos consumos das camadas populacionais de menores rendimentos é a marca de classe de um executivo do grande capital que pretende uma rápida acumulação de fortunas à custa de cada vez mais pesados e insuportáveis sacrifícios para o povo. Daí também o alastrar da corrupção!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Todos sabemos que a fraude e a corrupção não têm parado de aumentar e exactamente a partir dos lugares de maior responsabilidade e da partilha de poder. Vejam-se os casos Jorge de Brito e Pinto de Magalhães, as entregas de empresas com maioria de capital nacionalizado a antigos banqueiros, o caso da EPAC e da AGA e outros mais recentes ligados às alfândegas e ao contrabando organizado. E o que será feito da célebre lista telef6nica das centenas de promoções e nomeações nos últimos dias de governo AD? E as novas nomeações com dispensa de habilitações? 0 Governo e a maioria governamental actual acabaram por considerar que a melhor forma de combater a corrupção era abrir aos antigos banqueiros e monopolistas, aos principais responsáveis dos problemas do país os sectores básicos da economia, a começar pela banca e pelos seguros, mantendo os seus homens de mão nas administrações das empresas nacionalizadas e continuando a impedir a entrada em funções dos gestores eleitos pelos trabalhadores.
O que pretende então o Governo? Pretende fazer crer ao povo que os sacrifícios são para todos, quando a realidade é bem outra.

Por exemplo, vão continuar a ser ainda mais facilitadas as importações de bens de luxo e de produtos idênticos aos produzidos no país ou que facilmente poderiam ser substituídos. Os consumos de bens supérfluos e de luxo vão prosseguir, enquanto o rendimento disponível dos trabalhadores é cada vez menor. Do aumento do salário mínimo nacional apenas se sabe que vai ser inferior ao aumento dos preços, que os trabalhadores da função pública vão (mais uma vez) ver reduzidos drasticamente os seus salários reais, que as pensões e reformas são cada vez menores em termos reais, com a agravante de que as taxas de aumento das reformas dos rurais (mais de 600 000), e da pensão social (cerca de 100 000) serem inferiores ao aumento também miserável das reformas do regime geral.
Por outro lado, o aumento das pensões dos funcionários públicos (17 %) decretada em Fevereiro com retroactivos a Janeiro ainda não foi pago, apesar de já lá irem 8 meses, o mesmo sucedendo com os pensionistas da CP e da Sociedade do Estoril.
Entretanto, verifica-se uma quebra em flecha das receitas da segurança social, o que também reflete o baixo aumento da massa salarial e o atraso no pagamento dos salários, além de não haver recuperação das enormes dívidas do patronato e de, pelo contrário, se verificarem sucessivos perdões de dívidas.

Podemos, pois, concluir Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, que, seja na política de preços, salários e impostos, seja na saúde e segurança social, na habitação ou nos transportes, o objectivo fundamental do Governo PS/PSD é a redução drástica do já baixíssimo nível de vida dos trabalhadores e de outras camadas desfavorecidas da população, acompanhado do aumento brutal do desemprego, o que facilita a acumulação capitalista através da intensificação da exploração de quem trabalha.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A esta política, que faz reerguer no Portugal de Abril as bandeiras negras da fome, se têm oposto firmemente os trabalhadores e outras camadas da população duramente atingidas. A marcha contra a fome dos vidreiros da Marinha Grande, as manifestações dos reformados contra as pensões de miséria, a luta das mulheres contra o agravamento do custo de vida e o desemprego, as numerosas acções dos trabalhadores com salários em atraso, tanto nas empresas como na rua, e as grandiosas manifestações que em todo o país se realizaram no dia 15 de Outubro são pontos altos da luta popular contra tal política de desastre nacional.

Aplausos do PCP.

Por isso mesmo, daqui saudamos e manifestamos a nossa solidariedade a todos os trabalhadores e outras camadas da população em luta. 0 caminho do futuro está nessa política alternativa de aumento dos salários reais, do investimento da produção e do emprego, do desenvolvimento económico e social não dependente dos interesses estrangeiros da CEE e do FMI.

Aplausos do PCP.

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0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito

0 Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo. Enquanto a política governamental conduz à drástica redução dos consumos populares, a enormes privações, ao acentuar de carências alimentares, a nossa agricultura definha e vê agravado o seu atraso.
Não produzindo mais de 40 % a 45 % dos bens alimentares que consumimos, ao sector agrícola cabe cerca de 25 % do défice da balança comercial, o que se traduz em mais de 60 milhões de contos por ano. É um escândalo! Podemos e devemos produzir em Portugal a maior parte dos alimentos que faltam aos portugueses.
É um objectivo inadiável, sem a concretização do qual não se resolverão os graves problemas na nossa economia.
Esta é uma das questões centrais do debate que hoje se inicia, importando que lhe seja dado o destaque que pela nossa parte entendemos atribuir-lhe, desde logo, ao incluí-la na abertura desta interpelação.
Sem a resolução dos problemas mais graves da nossa agricultura, não é possível enfrentar a crise e arrancar para o desenvolvimento.
Em vez disso, porém, o Governo PS/PSD continua a política da AD.
Aumentou os adubos em mais 65 %, as rações em mais de 70 %, o gasóleo em mais de 15 %, o que completou um recorde difícil de igualar, ou seja, os preços dos factores de produção mais significativos (rações, gasóleo e adubos) aumentaram em 4 anos entre 300 % e 400%.
Aumentou os preços à produção do leite e dos cereais - dir-se-á aqui está uma medida positiva, mas não nos enganemos; estes aumentos pontuais, longe de constituírem um incentivo, não passaram de uma medida de contenção da degradação dos preços no produtor, cujo carácter conjuntural não escapa ao ciclo vicioso dos aumentos que geram aumentos, sempre em prejuízo dos agricultores e dos consumidores.
Retomou os ataques à Reforma Agrária, prosseguindo a destruição das UCPs/Cooperativas através de reservas e distribuição ilegais das terras em sua posse útil.

É a mesma política, apenas com uma diferença: com um Ministro da Agricultura diferente que entrou mudo e saiu calado aquando do Programa do Governo,
que depois disso não
pôs os pés nesta Assembleia, ignorando nós se vai finalmente quebrar o silêncio
nesta interpelação.

As consequências são as mesmas de sempre!
Quebra acentuada da produção vegetal; degradação dos efectivos pecuários; volumoso contrabando de gado com todas as consequências de ordem económica e sanitária (o alastramento da peripneumonia, o agravamento dos surtos de tuberculose e da brucelose põem em risco os efectivos pecuários) ...

Aliada à quebra das produções, aí está a diminuição da produtividade, do investimento técnico-económico, o esgotamento do sector agrícola, o agravamento das condições de vida dos agricultores, o alargamento do fosso entre a nossa agricultura e a dos restantes países europeus. E fala-se na integração na CEE! ...
No tocante à comercialização e preços, este Governo, tal como os governos da AD, invocando a - seria para rir - «muito próxima adesão à CEE, continua

uma política de liberalização de toda a actividade económica, que a mais não conduz que ao alargamento da área de manobra dos grandes intermediários e armazenistas, possibilitando o seu crescente domínio sobre as estruturas e pontos estratégicos dos circuitos de mercado. Uma política que pretende traspassar do Estado para os grandes interesses privados os mais importantes ramos de comércio agro-alimentar. Uma política de esvaziamento progressivo de organismos de intervenção económica e de promoção da desracionalização dos circuitos de comercialização, de promoção da especulação e da parasitagem.

Como pode o Governo falar em estímulos e melhoria das remunerações da actividade do agricultor, quando se propõe conduzir uma política que coloca nas mãos do sector privado capitalista os principais mecanismos de domínio das estruturas de mercado e da formação dos preços?

Os resultados desta política são sobejamente conhecidos.

Em conjugação, as políticas de comercialização e de preços têm conduzido a um brutal agravamento do desequilíbrio nas relações intersectoriais. Tomando por base o ano de 1977, verificamos que na formação dos preços agrícolas, a percentagem imputada aos sectores a montante da produção (consumos intermédios. onde pesam sobretudo os denominados factores de produção) passou de 12 % para cerca dos 30 %. Aos sectores a jusante (circuitos de comercialização e indústrias agro-alimentares) são imputadas percentagens na ordem dos 45 % a 50 %. Em contrapartida, a remuneração dos factores (salários, receitas dos agricultores, rendas) baixou de 19 % para cerca de 8 %. Neste contexto, a chamada política de preços reais apenas tem servido para acentuar a descapitalização do sector agrícola, traduzindo-se as transferências do valor criado na agricultura para outros sectores, num saldo negativo de cerca de 52,5 milhões de contos por ano, ou seja, mais de 40 % do PAB (Produto Agrícola Bruto).

Os preços reais pagos aos produtores, em 1982, registaram, em relação a 1976, uma quebra na ordem dos 15 % (13 % em 1980), enquanto as margens de comercialização (relação entre os preços no consumidor e no produtor) se alargaram cerca de 20 %, contribuindo para taxas de inflação recordes.

Durante este período, os rendimentos médios reais dos agricultores têm sofrido uma diminuição de 6 % ao ano.

Como pode este Governo falar em modernizar a agricultura, quando pratica uma política de estagnação e mesmo retrocesso da produção?

Como é possível aumentar a produção, descapitalizando a agricultura? Como é possível aumentar a produção, praticando uma política que retrai o investimento? Como é possível melhorar tecnologias, quando o apoio técnico eficaz não existe, quando cerca de 70 % dos técnicos do Ministério da Agricultura estão em Lisboa e boa parte dos restantes se ocupa a executar toda a sorte de ilegalidades e arbítrios contra os trabalhadores e as UCPs/Cooperativas da Reforma Agrária? Como é possível gerir tecnologias, quando as componentes da produção aumentam de preços a todo o momento, mesmo em plena campanha agrícola, impedindo qualquer gestão económica minimamente correcta.

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Modernizar o quê, quando o Governo ignora ou retém projectos hidroagrícolas indispensáveis, como são os casos do Alqueva, da Cova da Beira e do sistema de barragens do Algarve?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - E que dizer de uma política florestal que se não define face às contradições no interior do Governo, e que fundamentalmente está servindo os interesses das celuloses?

Como pode este Governo promover o desenvolvimento da agricultura quando se mostra incapaz, ou não quer, definir uma política de ordenamento agrícola e pecuário?

Onde estão as medidas de reforço e de adequação da investigação ao sector produtivo?

Onde estão as medidas de real incentivo e fomento das produções estratégicas e das proteaginosas, única forma de reduzir o enorme peso de produtos importados para a alimentação animal e de fomentar a pecuária?

Não é possível, Srs. Membros do Governo, não é realmente possível, aumentar a produção e modernizar a agricultura com uma política de crédito inadequada a uma actividade caracterizada por baixo nível tecnológico e pela incapacidade (ou impossibilidade) de criar excedentes com razoáveis taxas de rentabilidade.

Quando actualmente apenas cerca de 10 % das explorações agrícolas recorrem ao crédito bancário, onde pretende chegar este Governo, agravando as taxas de juro, reduzindo as bonificações? 0 Governo, apenas, pretende agravar uma selectividade de crédito que só favorece o sector capitalista na agricultura e que marginaliza milhares de pequenas e médias explorações agrícolas.

Que medidas já tomou este Governo em relação ao elevado montante do crédito (estima-se em cerca de 30 % do crédito bonificado) que foi indevidamente desviado para fins especulativos?
A subida indiscriminada das rendas é outra das acções desta política, incompatível com o desenvolvimento e o aumento da produção. Em três anos, o
aumento médio global das rendas máximas em vigor situou-se entre os 70 % a 100 % para o arrendamento rural, e cerca dos 70 % para os arrendamentos de campanha, situação agravada pelo facto dos aumentos reais serem bastante superiores, já que as tabelas de rendas máximas não são respeitada6 em grande parte. Vai o Governo prosseguir nesta política de rendas, que contribuí para acentuar a descapitalização da agricultura e que condiciona fortemente o investimento em cerca de 40 % da nossa superfície agrícola?

Até no que respeita à destruição das estruturas produtivas esta política é de continuidade. Aí está o recomeço das acções de destruição da Reforma Agrária, enquanto continuam por executar cerca de duas centenas de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.
E por esta via, alimentando a instabilidade, gerando a insegurança e destruindo a estrutura produtiva desta formação económica nascida do 25 de Abril, impede que numa área agrícola importante se possam aproveitar e desenvolver em pleno os recursos e potencía -

lidades disponíveis. É um monumental desperdício da inteligência e criatividade de milhares de trabalhadores e pequenos agricultores.

Aplausos do PCP.

E no entanto, Srs. Deputados, apesar de todos os entraves e da repressão contínua, esses homens e mulheres têm demonstrado que é possível desenvolver a agricultura, aumentar e diversificar a produção, absorver novas tecnologias e melhorar substancialmente as condições sócio-económicas nos campos deste país.

Vozes elo PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Podemos produzir mais carne, mais cereais, mais legumes, mais fruta, acabar com a importação de produtos que os nossos agricultores vêem apodrecer na terra ou nos armazéns.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Nada justifica que o Estado não fomente, e até contrarie, produções estratégicas, como os cereais, oleaginosas, forragens, proteaginosas e, inclusive, o açúcar.

Podemos substituir progressivamente, e desde já, matérias primas importadas para a composição de rações. Temos ou podemos produzir produtos alternativos. É tempo de aproveitar integralmente os subprodutos da nossa indústria agro-alimentar, dos matadouros e dos derivados das pescas.

E é preciso perguntar o que é que está a impedir o desenvolvimento das infra-estruturas que permitiriam aproveitar em pleno os recursos naturais que temos (que temos!) a começar pelas obras hidroagrícolas e trabalhos de drenagem dos solos?! É necessário que a política de preços e comercialização acabe com o saque e a transferência abusiva para fora do sector agrícola, em benefício de uns poucas (intermediários e grandes armazenistas).

0 caminho é produzir, é incentivar, não é estagnar.

Aplausos do PCP.

E por isto que vêm batendo se os agricultores e os trabalhadores agrícolas, que em poderosas acções se têm movimentado por todo o país. Esta luta comprova bem o carácter destruidor e antipopular da política do Governo.

Portugal não pode dar-se ao luxo de deixar continuar uma política que só vai acentuar a diminuição da produção, aumentar o peso da agricultura de subsistência e agravar o volume das importações tornando ainda maior a nossa dependência externa. É antinacional uma política que retrai, na nossa situação concreta, o investimento, que converge para o esgotamento do sector, para a asfixia das já profundamente debilitadas estruturas económico-agrícolas das pequenas e médias explorações, que prossegue a destruição da Reforma Agrária, que lança na ruína milhares de trabalhadores e agricultores, enquanto aumentam as carências alimentares do povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Por isso, dizemos que esta política e este Governo que a pratica estão condenados! .

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A crise económica e financeira nacional, tal como temos vindo a demonstrar, não se circunscreve a certos sectores de actividade, nem resulta de desequilíbrios conjunturais. É todo o sistema económico que está em crise. Só prosperam as actividades especulativas, as aplicações meramente financeiras, o contrabando organizado, a fuga de capitais e a corrupção. Os investimentos reprodutivos não existem, a estrutura produtiva desmantela-se, a actividade económica definha-se, o espectro da fome é já uma dolorosa realidade para muitos milhares de famílias portuguesas. É esta grave situação que é preciso enfrentar e a que urge dar solução. Real e frontalmente, e não com promessas dolosas ao serviço da ambição política de uns poucos e dos interesses económicos de outros tantos.
Não é com políticas conjunturalistas, como já aqui foi acentuado, ou exclusivamente monetaristas, como a já longa experiência interna e externa o mostram, que se podem resolver os problemas estruturais da economia. Tais políticas podem, transitoriamente, reduzir os défices externos mas não resolvem as suas causas. Podem, temporariamente, reduzir o ritmo de crescimento da dívida externa, mas não a diminuem. E lançam o País num círculo infernal das recessões cada vez mais prolongadas e profundas, de destruição progressiva da base produtiva, de desemprego crescente, de agravamento constante da miséria e da dependência externa económica, financeira e política. Em prejuízo e com sacrifício do povo e do País, em benefício exclusivo da recuperação capitalista.
Foi, afinal, o que sucedeu em Portugal, de 1977 para cá!
À custa da redução substancial dos salários reais e do consumo popular, e com a concentração de sobrelucros em algumas poucas grandes empresas, o défice da balança de transacções correntes reduziu-se até 1979 (sem no entanto se reduzirem o défice comercial e a dívida externa), para nos anos seguintes se agravar, mas agora a ritmos incomparavelmente mais acelerados.
0 próprio Dr. Mário Soares, em conferência de imprensa de 8 de Março do ano corrente, acusava os governos da AD de, com a sua política, terem lançado o País numa grave crise económica e financeira. E foi mais longe, afirmando, e cito, «que o País não pode absolver os partidos da AD, mesmo que numa operação de cosmética mudem de rosto e de discurso».
Mas hoje que vemos? Depois de ter metido no Governo o principal partido da AD, o Dr. Mário Soares dirige um governo cuja política mais não é que o prosseguimento e aprofundamento da mesma política de resultados catastróficos comprovados. Tal como em 1977-1978 com os governos PS, tal como com os governos da AD, uma política de redução do investimento, da produção e dos salários reais, de restrição do crédito e aumento das taxas de juro, de desvalorização do escudo, de redução das despesas orçamentais

de carácter social, de estrangulamento das empresas públicas. Tal como então, sempre com a justificação da redução do défice externo. Com os resultados que se viram. E não seriam outros os resultados da aplicação das GOP e do OE para 1984, que o Governo há dias apresentou nesta Assembleia.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se trata pois, ao menos no fundamental, de incompetência técnica. Trata-se sim de uma opção política bem definida: a submissão da economia nacional à tutela dos centros financeiros internacionais, o agravamento da dependência externa, reduzindo o País a um simples mercado dependente e complementar das economias capitalistas desenvolvidas, das multinacionais, especializado no fornecimento
de mão-de-obra barata ao serviço do capital financeiro.
Não é, aliás, por acaso, que a única medida de carácter
estrutural tomada até hoje pelo Governo de Mário
Soares no âmbito económico foi a obtenção de uma
autorização legislativa para a abertura da banca ao
sector capitalista, visando criar as condições necessárias à rápida restauração do capital monopolista no
nosso país"
Mas se essa política pode interessar aos vendilhões da soberania nacional, ela não interessa manifestamente aos portugueses nem resolve os problemas da economia nacional, antes os agravará.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - A redução brutal do investimento, claramente expressa nas GOP e no OE para 1984 (FBCF global - 9,2 %, e - 25,6 % no sector público administrativo) não só inviabiliza qualquer renovação e ampliação do aparelho produtivo, como conduz ao desmantelamento da indústria produtora de bens de investimento, aumentando a dependência do País em relação às importações e reduzindo a capacidade nacional para gerar recursos necessários ao pagamento da dívida externa.
E aqui deixamos mais uma pergunta ao Governo: é ou não verdade que a deliberada política de redução brutal da formação bruta de capital fixo, em todas as formações económicas, não permite qualquer modernização estrutural da economia? E não é verdade que tal política aumenta a dependência externa em bens de investimento? E que qualquer relançamento do investimento a médio ou longo prazo vai, por consequência, obrigar a maiores importações e a maiores défices externos?
Por outro lado, a diminuição acentuada da procura interna (- 4,3 % para 1984) agravada pelo aumento das taxas de juro anunciado na Carta de Intenções ao FMI, num país em que as empresas estão profundamente descapitalizadas e endividadas, conduzirá inevitavelmente ao descalabro de milhares de empresas, com consequências gravíssimas para o aparelho produtivo, para o desemprego e para o próprio sistema bancário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - E aqui fica outra pergunta, Sr. Ministro: como compatibiliza o Governo a sua política de maiores restrições ao crédito, de novos aumentos das

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taxas de juro e de redução da produção e da actividade económica, com a necessidade premente de recuperar económica e financeiramente muitos milhares de empresas fortemente endividadas? Qual o número de falências que o Governo prevê conseguir com essa política? E que efeitos terá essa situação sobre os bancos credores?
A própria diminuição da matéria colectável decorrente da redução da actividade económica, do consumo e dos salários, conduz à redução das receitas fiscais e logo ao agravamento do défice orçamental, a menos que o Governo aumente, camufladamente, ou não, a carga fiscal a níveis incomportáveis e diminua drasticamente os encargos sociais que o Estado deve obrigatoriamente assumir.
É, aliás, o que o Governo tem vindo a fazer, com a criação de novos impostos e o agravamento de outros, e com a apresentação do Orçamento de maior miséria que o País conheceu depois de Salazar.

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orados: - Enfim, basear uma hipotética recuperação económica numa política assente exclusivamente no aumento das exportações, nomeadamente no contexto de contracção do mercado mundial, é optar por uma política de concentração da riqueza num número reduzido de grandes empresas, transferindo recursos do conjunto da economia para as actividades, ou melhor, para as empresas exportadoras, é optar por uma política decrescente e gravosa dependência dos mercados e da conjuntura externa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E assentar o aumento das exportações na desvalorização do escudo, é continuar a subsidiar permanentemente os grandes exportadores permitindo-lhes sobrelucros substanciais, e é empobrecer ainda mais a economia nacional transferindo para o exterior cada vez maiores fatias da mais valia criada em Portugal.
É, afinal, a opção por uma política de crescente e gravosa dependência externa e de acelerada concentração e centralização capitalista. É isto que faz correr o Governo de Mário Soares.

Uma voz do PCP: - E isso!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação económica e financeira do País é na verdade grave. A política de restauração capitalista tem vindo a atrofiar a economia nacional e a hipotecar o País a banqueiros estrangeiros e o aumento crescente da dívida externa e dos encargos dela decorrentes criam, cada dia que passa, dificuldades acrescidas à saída da crise e ao desenvolvimento económico.
De há muito, pelo menos desde 1977, o PCP vem alertando para essa situação e apontando as vias possíveis e necessárias para alterar o rumo da economia nacional.
Mas nenhumas dificuldades podem justificar a assinatura de acordos vergonhosos que limitam a soberania nacional, nada nos pode obrigar à submissão a interesses externos e à perda da nossa autonomia de decisão.

Aplausos do PCP.

Contrariando o crescendo da falaciosa propaganda governamental de que a sua política é inevitável, são cada vez mais amplos os sectores da sociedade portuguesa que acreditam e afirmam a existência de uma política alternativa à política de recessão, de empobrecimento, de recuperação capitalista e de subjugação ao imperialismo. Vejam-se as declarações e escritos de economistas dos mais diversos quadrantes ideológicos, de forças sociais as mais diversas, leiam-se as conclusões das conferências económicas que no País se têm realizado.

A falácia governamental da inevitabilidade da sua política é aliás desmascarada pela sua clara identificação com a política que conduziu à crise e pela declarada produção dos mesmos desastrosos resultados.

E, mais uma vez, o PCP assume publicamente a política alternativa necessária. Alternativa não isenta de rigor e austeridade. Mas rigor nos actos e não em palavras, austeridade no esbanjamento e não para os que menos têm.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Rigor no planeamento da economia, nas finanças públicas e na apresentação das contas do Estado, no combate às fugas de capitais, à fraude e à evasão fiscais, à economia paralela e à corrupção, rigor no pagamento atempado dos salários e das pensões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Austeridade nos lucros especulativos, nas benesses financeiras e fiscais ao grande capital, no desperdício de capitais e de materiais, nos consumos incompatíveis com o nível de vida médio dos portugueses, a começar pelo fausto da vida governamental.

Aplausos do PCP.

À tese governamental de que o desequilíbrio entre a produção e o consumo se resolve pela redução brutal e cega do consumo, nós opomos a necessidade imperiosa do aumento da produção nacional, na agricultura, nas pescas e na indústria.
Contra a política de redução brutal do investimento, nós propomos o aumento planeado do investimento, designadamente nos sectores e energético e alimentar, e a concretização de projectos já estudados de aproveitamento dos recursos nacionais, com o recurso máximo à e capacidade da indústria nacional e financiando a estritamente necessária componente importada com o recurso a acordos de compensação.
Que razões podem justificar que se continuem a gastar 80 milhões de contos por ano em divisas, com o pagamento de fretes a navios estrangeiros, e não se invista na construção de uma marinha mercante adaptada às nossas necessidades, aproveitando simultaneamente a capacidade dos nossos estaleiros navais?

Aplausos do PCP.

Que razões inconfessáveis levam o Governo a não avançar de imediato com a concretização da metalurgia do cobre que trará ao País cerca de 20 milhões de

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contos por ano, em divisas? Como se pode aceitar que não exploremos convenientemente a nossa ZEE, e importemos cerca de 14 milhões de contos de pescado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Importando o País quase totalmente o açúcar que consome, e existindo estudos que comprovam a sua elevada rentabilidade econ6mica, financeira e cambial, que interesses particulares impedem a produção e a industrialização da beterraba sacarina?

Aplausos do PCP.

Desconhece o Governo que apenas um desses projectos permite a poupança anual de 2 milhões de contos em divisas? Quem são os responsáveis por estes crimes antinacionais: os Ministros do Mar, da Indústria, da Agricultura ou o Ministro das Finanças e do Plano? Ou todos?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Todos!

0 Orador: - À falaciosa propaganda governamental de que só a redução do consumo dos trabalhadores e das camadas mais carenciadas permite a diminuição dos défices externos a curto prazo, nós opomos a necessidade do controle dos fluxos financeiros de 6 dezenas de empresas de comércio externo, eliminando a transferência ilícita para o estrangeiro de dezenas de milhões de contos por ano em divisas (para depósitos no estrangeiro ou para alimentar as grandes redes de contrabando) como propomos a eliminação da importação de produtos de luxo e supérfluos, consumidos por limitados estratos privilegiados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - À desastrosa política de liberalização das importações, nós opomos a defesa do mercado nacional e a promoção de uma política nacional de substituição de importações por produção nacional, inseridas numa política de modernização, de redução de custos e de aumento de produtividade da estrutura produtiva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Que política é esta que permite que se continuem a importar anualmente, por exemplo, mais de 1 milhão de contos de tapetes, tapeçarias e veludos, 400 000 contos de móveis, ou 1 milhão e meio de contos de vestuário e calçado?

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - E com estas perguntas termino com o
conjunto de 12 perguntas essenciais - que o meu
partido considera essenciais - e que no final serão
entregues à Mesa para que o Governo possa dar resposta
cabal durante a interpelação a essas mesmas questões.
À política de estrangulamento e destruição das empresas públicas e nacionalizadas nós opomos uma política de apoio e defesa de todas as formações económicas sem exclusões nem discriminações, e reconhecemos as suas dinâmicas próprias como parte integrante da estrutura económica da democracia portu-

guesa. As actividades econ6micas integradas no sector público da economia são, por natureza, aqui ou em qualquer pais em idêntico estádio de desenvolvimento, o núcleo básico a partir do qual é possível retirar o país da crise e promover o desenvolvimento. Pela sua inserção na estrutura intersectorial, a tentativa de destruição das empresas públicas é uma tentativa de destruição da própria economia nacional, um ataque ao 25 de Abril e um serviço à restauração dos grupos monopolistas.
Contra a política de desvalorização contínua do escudo para aumentar a «competitividade externa», e mais frequentemente apenas para premiar os especuladores, propomos uma política concertada de defesa do valor da força do trabalho e de aumento da competitividade assente no aumento, da produção, na redução da componente importada, no combate aos desperdícios e na modernização tecnológica.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):- Muito bem!

0 Orador: - Contra a política de mais reduções do crédito e de novos aumentos das taxas de juro, visando a redução generalizada da produção e da actividade económica, propomos uma política selectiva de crédito e a baixa das taxas de juro para incentivar o investimento reprodutivo e a produção nacional, salvar da falência milhares de empresas e combater o desemprego.
Contra a demagogia do Governo de que não quer sobrecarregar as gerações vindouras, nós afirmamos que a sua política não só as sobrecarregará como nem sequer lhes deixará as ferramentas necessárias para que possam trabalhar e sobreviver.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Nós demonstrámos que esta política não serve, não resolve os problemas nacionais. Se continuasse significaria a destruição de milhares de empresas, a multiplicação das falências, a redução da produção, o agravamento brutal do desemprego e de todas as formas de injustiça social, a degradação sem precedentes das condições de vida, uma intolerável submissão ao estrangeiro.
E digam lá, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, Srs. Membros do Governo, se é ou não assim. Pela nossa parte nós dizemos: não vai ser assim!
Mas não vai ser assim porque este Governo não vai durar.

Aplausos do PCP e do MDP.

Pausa.

O Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Carlos Carvalhas pede a palavra para que efeito?

0 Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, era para entregar à Mesa as 12 perguntas, pedindo-lhe o favor de depois as fazer distribuir aos Srs. Membros do Governo.

0 Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

Pausa.

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Conforme foi estabelecido, o Governo, se pretender, pode requerer um intervalo de 30 minutos. Se quiser tomar imediatamente a palavra, continuamos os nossos trabalhos.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, pretendemos fazer um intervalo de 30 minutos.

0 Sr. Presidente: - Nesse caso, suspendo a sessão por 30 minutos e recomeçamos os nossos trabalhos às 17 horas e 5 minutos.

Eram 16 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, penso que estarão de acordo que os Srs. Membros do Governo tomem agora a palavra e que no final se faça o intervalo regimental.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

0 Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na utilização do tempo que compete ao Governo, gostaria de, em primeiro lugar, apresentar, perante esta Câmara, uma declaração sobre a política económica do Governo, a qual, aliás, contém implicitamente alguns aspectos de resposta pela positiva a algumas questões que foram postas pelo partido interpelante. Após essa exposição abordaria as questões concretas que foram levantadas.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É particularmente oportuna a ocasião para este debate sobre a política do Governo, nomeadamente no que diz respeito à área económica e financeira. Deixa de ter cabimento, na verdade, falar em termos abstractos sobre as intenções ou perspectivas da acção governativa no futuro imediato. Com a apresentação do Orçamento e das Grandes Opções do Plano para 1984, acompanhado pela publicação da Carta de Intenções dirigida ao Fundo Monetário Internacional, ficam os Srs. Deputados e o povo português em condições de conhecer, com toda a minúcia e em razoável grau de quantificação, o resultado do desenvolvimento e concretização dos princípios enunciados perante esta Câmara no momento em que foi apresentado o Programa do Governo.

Exposta agora ao julgamento público, a política económica do Governo está naturalmente sujeita ao saudável exercício da livre análise crítica, essencial à vida democrática.

Sem pôr em causa, à priori, a legitimidade de qualquer juízo, creio que ninguém poderá atacar este Governo por ausência de clareza ou falta de correspondência entre o seu programa e as medidas concretas já adoptadas.

A política económica exprime-se hoje através de um conjunto de documentos, propostas e actuações inteiramente transparente, quanto aos seus meios, objectivos e consequências. Em 4 meses e meio, o Governo pôs de pé uma resposta global e coerente, aos pro-

blemas graves da conjuntura cumprindo um calendário rigorosamente programado, a partir do próprio dia da tomada de posse
Com a conclusão e apresentação das proposta de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1984 fica encerrada a primeira fase da definição dessa política, concebida para responder com rapidez, determinação e eficiência ao mais grave problema que se perfilava, então, no horizonte, dos portugueses: o espectro da ruptura financeira, reflectido já no difícil acesso do País aos mercados internacionais de capitais.
Estava em causa, muito cruamente, a própria capacidade de assegurar, em termos de financiamento externo, o funcionamento corrente da actividade económica. E quando um problema se coloca com esta clareza, deixa de haver margem para recorrer a malabarismos contabilísticos com o intuito de disfarçar quanto custa, a cada um de nós, a chamada «crise portuguesa».
Do ponto de vista económico, as crises não escapam a uma lei comum: têm certamente raízes diferentes, podem evidenciar desenvolvimentos diversos, poderão conduzir a finais mais ou menos felizes, mas acabam todas por se traduzir na realidade comezinha das dificuldades de tesouraria, que um dia alguém tem de pagar. Chegámos, meus senhores, a essa fase. Não é o Governo que enferma de uma estreita miopia financista, é a realidade que nos apresenta a factura.
Referir-me-ei apenas a 2 exemplos, uma vez que os principais elementos de informação estatística e o seu impacto sobre a política do Governo foram recentemente publicados. No plano interno, a parte da receita orçamental absorvida pelos juros da dívida pública passou de 19,3 % para 37,3 % entre 1980 e 1983; sem a introdução de medidas correctivas, a projecção desta tendência poderia conduzir-nos a uma proporção de 43 % em 1984, 49 % em 1985 e 55 % em 1986. Seria então posta em causa, como todos compreendem, a própria viabilidade de elaboração do Orçamento do Estado.
Por outro lado, a extrapolação das componentes do comércio com o exterior às taxas de crescimento verificadas nos últimos 6 anos conduzir-nos-ia facilmente, em 1986, a um absurdo montante da dívida externa próximo de 28 000 milhões de dólares, isto é, sensivelmente, o dobro do volume registado em meados de 1983.
Face a estes números, ninguém, com um mínimo de seriedade, poderá pôr em dúvida a oportunidade e a necessidade ambas urgentes de uma acção enérgica e prolongada, que permita estabilizar a economia, para tornar possível pensar na sua reestruturação e modernização, em suma, no seu desenvolvimento.

Não irei discutir aqui se havia ou há alternativas. Manifestarei apenas, uma vez mais, a convicção de que o Governo escolheu o caminho com menores custos globais, o que melhor defende a capacidade de controle imediato da situação económica e o que melhor salvaguarda a viabilidade de um futuro mais atraente para os portugueses.

É, de facto, o caminho com menores custos globais. Há que comparar, por um lado, os sacrifícios que de imediato são pedidos à população e às actividades produtivas e, por outro, as consequências incomparavelmente mais gravosas que adviriam da ruptura global do nosso sistema financeiro e da nossa economia, se a

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ausência de uma gestão rigorosa dos défices internos e externos entretanto acumulados nos levasse a perder por completo o acesso ao financiamento externo - acesso esse que é essencial ao funcionamento e desenvolvimento de uma economia aberta como a portuguesa.
O caminho escolhido é, também, o que melhor defende a capacidade de controle imediato da situação económica, uma vez que a actuação sobre a conjuntura está claramente orientada, de forma articulada e coerente, para o estabelecimento dos equilíbrios económicos e financeiros fundamentais, no período de ano e meio.
Trata-se, finalmente, do caminho que melhor salvaguarda a viabilidade de um futuro digno para os portugueses. Como sublinharei mais adiante, a política do Governo não se esgota nas preocupações imediatas da gestão da conjuntura, prolongando-se, com maior profundidade, numa abordagem séria e realista dos problemas fundamentais de médio e longo prazos.
Tomando como pressuposto inamovível a opção por uma sociedade aberta e democrática, forçado a enfrentar o crescimento acelerado da dívida externa e o virtual esgotamento da capacidade de acesso aos mercados financeiros internacionais - perturbados, aliás, pela acumulação do endividamento do Terceiro Mundo -, o Governo decidiu formalizar um acordo com o Fundo Monetário Internacional, baseado na adopção de uma política de gestão conjuntural, previamente concebida e anunciada, pelo menos nos seus traços mais significativos.
Nas negociações com o Fundo Monetário Internacional esteve essencialmente em causa a análise técnica de políticas que representam escolhas próprias do Governo e pelas quais o Governo faz questão de assumir a responsabilidade integral.
Continuando a viver da pobreza dos slogans, pretendem alguns fazer crer, através de inflamadas recriminações, que o acordo celebrado com o Fundo nos coloca, por si só, na directa dependência de forças exteriores. Estranho raciocínio este, que confunde o resultado com a causa, esquecendo que a dependência tem a sua expressão nos défices e juros acumulados ao longo de anos e não nas políticas que pretendem reduzi-los e controlá-los, para repor a capacidade de gestão do Estado e defender a sua posição externa e foi isso o que o Governo português fez.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São conhecidos os objectivos e o conteúdo preciso da política conjuntural de emergência, que se prolongará até ao final do próximo ano. Pretende-se, em síntese, conter o ritmo de endividamento do Estado - interna e externamente através da quebra da procura global traduzida na redução dos défices do Orçamento e da balança de transacções correntes.
No final deste ano, o défice das transacções correntes, que atingiu o record de 3,2 mil milhões de dólares em 1982 deverá situar-se abaixo do objectivo de 2000 milhões, inicialmente estabelecido pelo Governo, voltando a cair para cerca de 1,25 mil milhões de dólares em 1984, e a este respeito gostaria de esclarecer a Assembleia da República de que este elemento de 2 biliões ou, se preferirem, mais correctamente, de 2000 milhões de dólares como défice da balança de transacções corrente que surgiu no quadro da definição da política económica do Governo como um objectivo, constitui

hoje - e é uma diferença importante - uma previsão em termos do conjunto do ano para a balança de transacções correntes.
Simultaneamente, prevê-se que o défice do sector público administrativo, calculado em relação ao Produto Interno Bruto, venha a registar níveis de 8 % e 6,5 % em 1983 e 1984 respectivamente. Comparada com a proporção de 10,2 % verificada em 1982, esta evolução tem subjacente um importante esforço de contenção de despesas em termos reais.
Aplicada no contexto de uma crise extensa e profunda - com sérias repercussões no plano micro-económico, repercussões essas que o Governo tem presentes - a terapêutica escolhida, como qualquer actuação decidida em semelhantes circunstâncias, comporta riscos que não queremos ignorar ou iludir. Incomparavelmente mais gravosas seriam, contudo, as consequências previsíveis de um adiamento da resposta à crise, baseadas na hesitação política ou na paralisia perante interesses circunstanciais.
0 Governo, e o Ministério das Finanças e do Plano em particular, estão conscientes do que tudo isto significa para muitos portugueses, que se defrontam já com a dificuldade de assegurar a manutenção de padrões de vida indiscutivelmente deteriorados.
A consideração do impacto social desta política foi, de resto, o condicionalismo mais cuidadosamente encarado na sua formulação e aplicação. Admitindo que não se alteram as actuais condições envolventes da economia portuguesa, é possível afirmar que 1984 não reproduzirá, apesar de todas as dificuldades, o quadro apocalíptico que alguns se esforçam diariamente por traçar, como se a crise da economia portuguesa e o seu cortejo de repercussões tivessem nascido da política de austeridade e regeneração iniciada em 9 de Junho.
Dir-me-ão, Srs. Deputados, que este Gabinete se limitou a aplicar uma receita clássica a uma situação clássica de grave desequilíbrio financeiro. Tal juízo seria verdadeiro, se estivesse apenas em jogo a consideração asséptica de instrumentos e objectivos e se pretendessemos situar artificialmente o seu impacto num horizonte de curto prazo.
0 facto é que a política do Governo tem, outra dimensão. Antes de qualquer outra consideração, representa, em termos de determinação política e de profundidade das intervenções operadas, uma verdadeira inflexão em relação a tendências adquiridas.
A proposta de Lei do Orçamento do Estado constitui um claro exemplo do esforço do Governo, num domínio onde arranjos políticos superficiais sempre adiaram um ajustamento cada vez mais necessário e doloroso.
Em segundo lugar, e porventura mais importante, a actual política económica não se resume à gestão conjuntural de emergência e aí reside, precisamente, a sua característica mais significativa e o seu verdadeiro sentido.
É inútil perder tempo a explicar ao Ministro das Finanças que a estabilização financeira não resolve, por si, os bloqueios de fundo da estrutura produtiva portuguesa. Sublinhei isto mesmo em todas as minhas intervenções públicas e suponho que, este ponto de partida, é um sobre o qual todos estamos de acordo.
É preciso, todavia, definir e cumprir prioridades. E a estabilização financeira, não sendo condição suficiente, é um passo estritamente indispensável para dar

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conteúdo real à própria possibilidade de reformar as estruturas.
Assumindo coerentemente estes dois pressupostos, o Governo concebeu e definiu a sua política conjuntural de emergência como um quadro articulado, associando-a a intervenções mais extensas e profundas, orientadas através do Programa de Recuperação Financeira e Económica e do Programa de Modernização da Economia Portuguesa.
Os problemas económicos não são autónomos, isoláveis em compartimentos estanques. Por isso os 3 programas foram concebidos e devem ser vistos como instrumentos interligados e sobrepostos no tempo, cabendo-lhes precisamente a função de adaptar às singularidades da realidade portuguesa uma política de estabilização na qual alguns insistem em querer ver, apenas, uma mera soma de estereotipos monetaristas. Voltarei a este ponto quando abordar a questão das perguntas que forem formuladas ao Governo.
A maioria dos Srs. Deputados acompanhar-me á, provavelmente, se vos disser, por outro lado, que não é possível enfrentar globalmente e de uma só vez o conjunto dos bloqueios estruturais que condicionam o desenvolvimento da economia portuguesa.
A utilização da política de estabilização como instrumento criativo e transformador implica um escalonamento cronológico de objectivos e uma selecção cuidada de nós estratégicos a atingir - para tornar possível a compatibilização entre os constrangimentos conjunturais e o início de uma acção de carácter estrutural.
É por isso que o Programa de Recuperação Financeira e Económica, que tal como consta do texto que foi apresentado à Assembleia das Grandes Opções do Plano para 1984, será apresentado ao País até ao final do 1.º semestre do próximo ano, constitui precisamente, neste quadro conceptual, o elo de ligação entre os condicionalismos do período de emergência e os requisitos das reformas de fundo, concentrando-se em quatro áreas essenciais, verdadeiros «nós estratégicos» do futuro da nossa economia, a saber:

A reorganização do sistema de crédito;
O reequilíbrio do sector empresarial do Estado;
O desenvolvimento regional;
A internacionalização da economia portuguesa.

Sem ideias claras e projectos de acção exequíveis no domínio destes quatros vectores, de pouco servirão toda a imaginação e capacidade especulativa a que possamos recorrer para modernizar a sociedade portuguesa.
Apesar das exigências concretas da gestão conjuntural, o Governo não deseurou o trabalho preparatório que deverá basear este tipo de intervenções e em breve será possível apresentar ao País alguns pontos desse esforço começando par dar os primeiros passos para a reorganização do sistema de crédito e a reestruturação do sector empresarial do Estado.
A implementação de tais reformas terá, inevitavelmente, repercussões sobre os padrões que orientarão a modernização estrutural, permitindo aferir não apenas a operacionalidade dos instrumentos e objectivos mas também, e sobretudo, a sua adequação às realidades económicas, políticas e sociais.
Aqui - e só aqui - fará sentido passar para o problema da conceptualização do «modelo económico» a que se referem frequentemente alguns comentadores,

sem que alguém consiga perceber, com clareza, as bases concretas em que assentam algumas milagrosas vias para a prosperidade.

Os mesmos que constatam, em Portugal, a persistência de uma crise profunda e total - expressa, em primeiro lugar, no plano político, e alargada aos domínios da economia, das relações sociais, da ideologia e da cultura - esses mesmo, exigem deste Gabinete, em quatro meses e meio, o que 14 governos mostraram não ser capazes de fazer em cerca de 10 anos. Pouco importam as baias impostas pela crise financeira, pouco importam as marcas profundas deixadas no sistema de partidos, no tecido social e no próprio Estado por anos seguidos de instabilidade política. Uma vez mais se verifica a regra geral: as oposições querem tudo ao mesmo tempo e querem já. Ao ouvi-las, alguém menos informado poderia pensar que não lhes cabem responsabilidades na situação em que se encontra o País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém levaria a sério este Governo se, por inconsciência ou demagogia, apresentasse agora, como que por encanto, o modelo de longo prazo para a ultrapassagem de entraves ao desenvolvimento com raízes de várias décadas.

As linhas orientadoras do Programa de Modernização da Economia Portuguesa serão em breve definidas - trata-se de linhas orientadoras. O Programa propriamente dito deverá ser publicado ainda em 1984 e terá de ser, simultaneamente, objecto de um sólido consenso político e produto de uma profunda reflexão técnico-económica.

Não se trata, apenas, de descobrir um precário equilíbrio capaz de garantir uma taxa de crescimento mais ou menos aceitável, sem exercer sucessivas pressões sobre os pagamentos externos. A questão é mais complexa e requer a formulação de conceitos que seria descabido elaborar minuciosamente neste lugar.
0 desenvolvimento em Portugal implica, simultaneamente, uma liberalização controlada do quadro institucional da vida económica (passo preliminar que será iniciado desde já), um «salto tecnológico» capaz de alterar profundamente os níveis internos de produtividade e o padrão de especialização das exportações, uma correcta avaliação das potencialidades dos recursos naturais e do mercado interno e uma reestruturação de alto a baixo no sistema produtivo, em particular no âmbito da Agricultura, que constitui, sem dúvida alguma, a área que evidencia mais profundos bloqueios, numa perspectiva de desenvolvimento a longo prazo.

Estas são, Srs. Deputados, as questões de fundo suscitadas pelo desenvolvimento da economia portuguesa. Estão em causa problemas e situações que não se resolvem com artigos ou discursos de circunstância ou através dos caprichos de uma vida política instável. As respostas exigirão, certamente, o contributo da acção impulsionadora e coordenadora do Governo; mas deverão ser também, e acima de tudo, o produto do comportamento esclarecido de uma classe empresarial activa e dinâmica, e da consequente transformação das estratégias dos centros de decisão da economia.
A economia portuguesa evidencia bloqueios ao desenvolvimento que importa atacar em profundidade. Não é demais sublinhar que o Governo, em articulação com os esforços de reestruturação dirigidos para os quatro nós estratégicos anteriormente referidos, está

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a prestar a máxima atenção aos problemas implicados no desenvolvimento e modernização da economia. E está a fazê-lo com realismo, tendo permanentemente presentes os condicionalismos e as restrições impostas pela conjuntura.

Não se pode esquecer que, no quadro das crises e dificuldades, são frequentemente criadas condições para profundas alterações estruturais. Creio que nos encontramos precisamente neste momento numa situação desse tipo. Seria muito negativo para a economia portuguesa se, ao vencermos os obstáculos meramente conjunturais da crise, não viessemos a ser capazes em conjunto - Governo, trabalhadores, empresários e gestores - de lançar os fundamentos de um processo sustentado de desenvolvimento.

Olhando à nossa volta para as transformações profundas que se verificaram nas três décadas de boom do pós-guerra em países mais desenvolvidos, se prestarmos atenção às importantes alterações que hoje se estão a processar na economia internacional e se tivermos o reflexo saudável de olhar, também, em termos objectivos e interessados, para a realidade nacional, teremos de concluir que nos encontramos num limiar de mudança.

Não será possível tentar gerir a médio prazo a economia portuguesa como a simples repetição das experiências da última década ou como o mero prolongamento das tendências que se afirmaram, por exemplo, desde as primeiras manifestações do «primeiro choque do petróleo».

A mudança, em termos económicos e tecno1ógicos, acontecerá. Ou os portugueses a assumem, implementam e controlam, dela fazendo um factor de progresso material, estabilidade e justiça ou, pelo contrário, do desequilíbrio à desconfiança, do descontrole à ruptura, dos défices ao endividamento, perderemos o comando do nosso futuro. E a mudança - inexorável - acabará por surgir, já não com o sentido positivo que apenas por nossas mãos pode revestir.

O Governo está firmemente decidido a assegurar o domínio da situação conjuntural, de modo a criar as condições mínimas para atingir o essencial, que se exprime num processo de desenvolvimento.

É esse o sentido fundamental da sua actuação no curto prazo, e não outro.

É esse o sentido da articulação interna, entre os três programas que dão corpo à política econ6mica do Governo e às responsabilidades que decidiu assumir, tanto em termos conjunturais, como na gestão de médio e longo prazos.

A concepção de um modelo de desenvolvimento no nosso País implica ainda assumir um facto cujas consequências têm passado, porventura, demasiado despercebidas. A partir de 1973-1974, a balança de pagamentos passou a ser estruturalmente deficitária, transformando por completo o quadro envolvente do processo de decisão económica.

Portugal é, tradicionalmente, um País deficitário, em termos comerciais. Na década de sessenta e nos primeiros anos de setenta, este défice agravou-se progressivamente, embora a taxa de cobertura das importações pelas exportações se tenha mantido quase constante de 1958 a 1973, situando-se em cerca de 67 %.
0 volume de remessas de emigrantes, alimentado pela

aceleração da emigração para a Europa, permitia, entretanto - e só entretanto - compensar o défice comercial e apresentar saldos positivos na balanço de transacções correntes, dispensando, assim, o recurso ao endividamento.

Era evidente, todavia, a precaridade deste equilíbrio, que escondia uma profunda debilidade da estrutura produtiva, igualmente patente no fraco ritmo de crescimento da oferta de emprego no sector secundário, que criou apenas uma média de 13 000 postos de trabalho por ano entre 1950 e 1974; a esta fraqueza endémica, apenas a emigração - designadamente a emigração para os países ricos da Europa Ocidental - pôde dar resposta imediata, constituindo a válvula de escape para a segurança do conjunto do sistema.

A partir de 1973-1974 deixou de ser possível esconder os bloqueios profundos que se tinham instalado no edifício da economia portuguesa. A quebra de razões de troca que se seguiu ao primeiro choque petrolífero sofreu um agravamento e combinou-se com o estancamento da emigração, alterando profundamente o quadro em que o País passaria a evoluir.

A estes factores, com origens que podemos considerar exógenas, vieram adicionar-se os efeitos da descolonização e da situação revolucionária pós-25 de Abril.

A instabilidade política não permitiu que o ajustamento de 1978 pudesse ser aprofundado e utilizado como instrumento reformador. A evolução dos últimos 5 anos, marcados pela ausência de políticas de médio prazo e por um cíclico relançamento forçado da economia, demonstram que, nas actuais condições concretas da sociedade portuguesa, a manutenção de uma taxa de crescimento moderado em ambiente de imobilismo estrutural não permitiria, por si, resolver seja o que for.

As condições concretas da vida económica portuguesa, a partir de meados da década passada, não autorizam e não autorizarão durante um período prolongado, políticas expansionistas, mesmo moderadas, sem um rigoroso acompanhamento conjuntural, que deverá permitir regular o difícil equilíbrio entre o peso dos constrangimentos externos e os imperativos da mudança.

De 1977 a 1982, o Produto Interno Bruto cresceu ao ritmo médio anual de 3,7 %. Mas não melhorou entretanto o nível médio de vida dos portugueses, não se atenuaram as dificuldades financeiras das empresas, não se estreitou o desequilíbrio das contas do Estado. E não se evitou, sequer, que chegássemos a meados de 1983 com milhares de trabalhadores afectados por salários em atraso, ameaças de falência e frequentes dificuldades de tesouraria, no sector público ou fora dele. Como corolário, o breve período de expansão conduzia-nos, de novo, através dos efeitos directos sobre as importações e dos efeitos combinados sobre a procura, a uma situação próxima da ruptura financeira, em que as reservas líquidas de divisas do País cobriam escassas semanas de compras ao exterior.

Como em 1978, voltam a ensinar-nos que a crise é de fundo e não se resolve com programas contraccionistas. Acontece apenas, Srs. Deputados, que entre a enunciação, a concepção, a implementação e os resul-

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tados de uma intervenção estrutural, a vida do País não pára à nossa espera. Em termos imediatos, não existe, numa economia como a nossa, que apresentava um grau de abertura de 56 % em 1982, qualquer processo de reduzir o desequilíbrio financeiro externo sem passar pela contenção da procura interna e da produção, como meio de inflectir o crescimento das importações.

O grande desafio colocado a este Governo consiste em quebrar, pela via das transformações de fundo, o ciclo vicioso de expansão e retracção, condicionado pela balança de pagamentos. Este é um desafio ao qual a economia portuguesa tem sido sujeita permanentemente e creio que este Governo é capaz de responder adequadamente a esse desafio, que constitui, no plano económico, o mais importante problema nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumprindo rigorosamente o que havia anunciado ao País, e a esta Câmara em particular, o Governo estabeleceu como objectivo prioritário desta fase inicial a recuperação de alguns equilíbrios financeiros básicos, empreendendo essa tarefa desde o momento da tomada de posse.
Na frente orçamental, adoptaram-se as disposições necessárias à redução do défice, envolvendo nomeadamente, a compressão de subsídios e o aumento de receitas pela via de um reforço temporário da tributação. Na frente externa, recorreu-se decididamente à desvalorização discreta do escudo - destinada em parte a quebrar um intenso movimento especulativo contra a nossa moeda - e prepararam-se intervenções específicas para travar a procura global, com o intuito de acelerar o abrandamento do ritmo das importações que já se verificava desde o início do ano. Assumindo os pressupostos desta política prepararam-se, em tempo útil, as propostas de lei do Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano. Apesar de ser já possível quantificar alguns resultados desta acção, prefiro apenas dizer-vos, hoje, que foi recuperado o controle da situação financeira, foi ultrapassado o espectro de ruptura vivido entretanto no País e foi reposto o crédito externo do Estado português.

O respeito que devo ao País impede-me de vir aqui prometer-vos, já para amanhã, a prosperidade a que todos aspiramos. Até ao final de 1984 viveremos, em princípio, sob uma política de emergência que abrirá perspectivas positivas para o futuro, se for prosseguida com rigor, confiança e determinação.
É possível - admito-o, e oxalá assim aconteça que, se conseguirmos concretizar todos os mecanismos de estabilização que o Governo preparou, algures, ao longo de 1984, seja acertado fazer algum esforço de relançamento da economia. Em todo o caso, isto é um acrescento ao papel que tinha preparado, na medida em que não constitui uma decisão que esteja tomada neste momento.

Pelas razões que aqui expus, o termo do período de emergência não deve ser entendido como um abandono da necessária austeridade que deverá marcar a gestão conjuntural da economia portuguesa, para que seja possível preparar uma nova base de crescimento económico, sem entrar na cadência estéril das políticas de stop and go. Seria um erro trágico na nossa história económica do último quartel do século XX.
No discurso de apresentação do Programa do Governo, pedi à Assembleia algum tempo. Sem tempo

para preparar uma política de fundo e sem um mínimo de estabilidade política para a sua concretização, o esforço que agora se pede aos Portugueses perderia o essencial do seu sentido útil.

A memória de várias décadas poderá legitimar as interrogações com que alguns receberam esta nova proposta. Não nos parece correcto, porém, proclamar a inevitabilidade de uma política de rigor e recusar depois os seus efeitos, procurando a quadratura do círculo, através de simples artifícios de raciocínio.

É possível certamente vencer a crise percorrendo com segurança a via estreita de que hoje dispomos. Não vale a pena iludirmo-nos a subestimar a dimensão real dos problemas. O que está, de facto, em jogo nas dificuldades económicas e financeiras actuais e nas políticas escolhidas para as superar é o futuro do nosso País e certamente o destino do regime democrático.

As gerações futuras hão-de julgar-nos pelo grau de consciência que tivermos e pelas soluções que encontrarmos para o desafio imposto pela modernização da economia portuguesa. É a esse julgamento que o Governo, na definição e na execução claras da sua política económica global, desde já, se apresenta, em nome do rigor e do desenvolvimento, mas também, e sobretudo, em nome da esperança no futuro de Portugal.

Passaria agora, conforme tinha esclarecido no início desta intervenção, a abordar algumas das questões que foram levantadas na interpelação inicial.

Referiu o Sr. Deputado Carlos Carvalhas que era uma vergonha e um desrespeito para com este órgão de soberania o facto de só no último momento o Governo ter apresentado a Carta de Intenções. 0 facto é este: é que o Governo quando rubricou a Carta de Intenções anunciou que a publicaria a partir do momento em que ela fosse aprovada pela administração do Fundo Monetário Internacional, o que teve lugar em princípios de Outubro. Por outro lado, o Governo quis também ter uma atenção particular para com a Assembleia da República, pelo que não é vergonha nenhuma, e sobretudo não é um desrespeito, apresentar a Carta de Intenções no quadro em que apresentou o Orçamento Geral do Estado e as Grandes Opções do Plano para 1984.

Esses 3 documentos constituem - e o Governo tem-no dito repetidas vezes - a base da definição da política conjuntural ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não chegou cá!

O Orador: - Bem, ela foi publicada!

Vozes do PCP: - Mas não chegou cá!

0 Orador: - Mas foi publicada!

O Sr. Presidente: - Como sabem, não é permitido o diálogo, pelo que lhes pedia que não o mantivessem.

O Orador: - Pergunta ainda o Sr. Deputado Carlos Carvalhas quem negociou este acordo e de quem é a responsabilidade- Ora, suponho que a resposta já está dada na exposição introdutória que fiz e que julgo não ser necessário repetir.

Referiu também - e creio que este ponto justifica alguma reflexão - que sucessivos governos deram

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origem a políticas monetaristas, falando do Brasil, do Chile e do privilégio ao curto prazo. Sobre este ponto gostava de dizer, em primeiro lugar, que de facto se há ministro das finanças que não pode ser acusado de monetarista no sentido corrente da palavra será o actual Ministro das Finanças português.

A política que está a ser usada é aquela que recorre aos instrumentos e aos meios de actuação disponíveis e não posso acompanhar o raciocínio que V. Ex.ª fez ao comparar a política que está a ser seguida em Portugal, os objectivos que ela prossegue, os instrumentos que utiliza e, sobretudo, o fim que ela visa - e V. Ex.ª sabe muito bem que o fim é a salvaguarda do regime democrático em Portugal em condições de funcionamento normal da economia - com as políticas seguidas no Brasil e no Chile.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Diz também V. Ex.ª, no mesmo quadro, que se privilegia o curto prazo. Quanto a isto responder-lhe-ia que o privilégio não está no curto prazo pelo curto prazo, o privilégio está, sim, na necessidade de criar as condições que permitem abordar os problemas do desenvolvimento. 0 curto prazo tem de ser resolvido, senão de curto prazo em curto prazo perderia V. Ex.ª a capacidade de abordar no futuro os problemas da economia portuguesa.

Fez-me depois uma pergunta específica quanto à apresentação das contas do Estado. Bom, eu espero que as contas peias quais este Governo é responsável sejam apresentadas em tempo devido, mas posso, desde já, dar ao Parlamento uma informação de ordem concreta, que é a seguinte: nós contamos que seja possível apresentar nesta Assembleia a conta definitiva de 1980 até ao final deste ano, na medida em que ela está já neste momento em impressão bem como a conta de 1981, que virá a seguir.

No que respeita às contas provisórias de l982 e à conta provisória de Janeiro a Junho de 1983 a primeira está pronta para imprimir e, segundo as informações de que disponho, está já em processo industrial de impressão, e a segunda está em condições de passar igualmente a essa fase.

Referiu ainda V. Ex.ª que o Governo desestabiliza a situação. Confesso que não consegui perceber o alcance desta sua afirmação, mas julgo que é um desabafo de ordem pessoal ou política. No entanto, devo dizer-lhe que a experiência que tenho do trabalho que se está a fazer é a de que o Governo se esforça por recuperar as condições de estabilização na economia portuguesa. Precisamente ao contrário daquilo que V. Ex.ª afirmou, o Governo pretende recuperar as condições de estabilização porque só depois de recuperadas essas condições é possível fazer um trabalho de fundo em termos de desenvolvimento.

A Sr." Deputada Ilda Figueiredo, a certa altura da sua intervenção, referiu algumas precisões numéricas sobre a importação de carros da marca Mercedes Benz no 1.º semestre deste ano, afirmando que se importaram cerca de 1000. De acordo com as informações de que disponho, posso precisar que foram 967, dos quais cerca de 600 correspondem a carros de emigrantes e 45 de diplomatas.
Este tipo de problemas que levantou tem alguma importância e julgo que V. Ex.ª terá muito interesse

em acompanhar os esforços deste Governo em matéria fiscal no que respeita aos sinais exteriores de riqueza. Portanto, aguardo para uma ocasião mais oportuna que esse mesmo interesse venha a manifestar-se.

Falou depois, no quadro de uma visão mais ou menos apocalíptica da política do Governo que nós não perfilhamos, que se iria assistir, em consequência de tal política, ao estrangulamento dos sectores da actividade económica, à ruína das regiões de monoindústria e ao desaparecimento das pequenas e médias empresas. Sobre este ponto creio que a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo está completamente desfasada na análise que faz da política do Governo. E que, pelo contrário, o Governo entende - e tem feito claras afirmações nesse sentido, quer através do Ministério das Finanças e do Plano, quer através do Ministério da Indústria - que as pequenas e médias empresas têm uma importância primordial no reforço do tecido industrial português.

A este respeito gostaria de deixar bem claro que o Governo não tenciona prosseguir uma política de grandes projectos, de grandes investimentos maciços com baixos rendimentos e geradores de situações que todos nós conhecemos bem demais. Pelo contrário, o reforço da malha industrial portuguesa passa antes de mais pelo desenvolvimento e pelo reforço das pequenas e médias empresas, isto é, passa exactamente pelo contrário daquilo que a Sr.ª Deputada referiu.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas a realidade é outra!

0 Orador: - Referiu ainda, com uma profusão de imagens que procurei recolher, embora com alguma dificuldade, que a economia subterrânea, o contrabando, a especulação, a fraude e evasão fiscais, a sub e sobrefacturação, tudo isto - e se pude bem colher as imagens que V. Ex.ª utilizou - é uma marca de classe deste Governo.

Não sei o que é que isto quer exactamente dizer em termos de compreensão, mas julgo que estes fen6menos estão muito longe de serem específicos de países da Europa Ocidental e confesso que não sei exactamente qual é a marca de classe que os caracteriza. O que queria dizer, em concreto, é que estes fenómenos de facto existem, agora o que não constituem é nem a marca de classe nem a imagem de marca do Governo.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - 0 que eles constituem é precisamente aquilo que V. Ex.ª depois acrescentou quando disse que daí vinha a fraude e a corrupção.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, talvez não se combata a fraude e a corrupção com discursos ... Por isso é a primeira vez que V. Ex.ª ouve o Ministro das Finanças falar sobre este aspecto. Agora, o que posso garantir é que aquilo que V. Ex.ª aqui referiu foi apenas a compreensão ao contrário do que é a atitude do Governo. Aconteceu que foi necessário referir-me a esta matéria pela via do discurso e não pela via da acção, mas V. Ex.ª pode ficar tranquila que não é a marca de

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classe, mas o contrário que é a imagem de marca do Governo.

Referiu anda a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo algo que tem aquilo que é curioso na vida, que é não ser verdade nem mentira; é uma meia verdade. É uma meia verdade nestes termos - e eu cito o que V. Ex.ª disse, de acordo com as notas que tomei:

O objectivo fundamental do Governo é a redução drástica do baixo nível de vida, é o aumento do desemprego, o que favorece o grande capital. E isso faz reerguer a bandeira negra da fome.

Suponho que consegui apontar o essencial da intervenção de V. Ex.ª

Ora bem, eu julgo que V. Ex.ª, aqui, quando diz que o objectivo fundamental do Governo é a redução drástica do baixo nível de vida, está a interpretar da pior maneira possível - que é a meia verdade - aquilo que constitui de facto um objectivo intermédio do Governo, que é conter a expansão, o crescimento da procura interna. É a meia verdade que é pior - talvez - do que a mentira.

Mas fez também a afirmação interessante de que, com essa análise que produziu, fazia reerguer a bandeira negra da fome. Julgo que aqui há é que substituir o risco de reerguer essa bandeira negra da fome pelo esforço que o Governo está a fazer de reerguer uma outra bandeira - que V. Ex.ª, suponho, também conhece -, que é uma bandeira verde e rubra, de recuperar a economia portuguesa.

Aplausos do PS e do PSD.

E nós vamos esforçar-nos e vamos conseguir reerguer a bandeira do nosso país. E vamos fazer isso, conseguindo fazê-lo sem que haja «bichas» ...

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção.

O Orador: - ... e sem sequer ser necessário garantir que aqueles que pagam em divisas tenham lojas especiais para comprar produtos a que aqueles que pagam em moeda nacional não têm acesso.

Aplausos do PS e do PSD.

Posso dizer a V. Ex.ª que tenho alguma experiência - pouca - dessas situações, porque já comprei, em divisas, nessas lojas, e ao lado dos cidadãos nacionais que não tinham acesso a elas. E isso resolve-se controlando o défice da balança de pagamentos.

Protestos do PCP.

0 Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu que não é com políticas conjunturalistas e monetaristas que se resolvem os problemas da economia portuguesa. Suponho que V. Ex.ª ouviu com alguma atenção - pelo menos um pouco - a minha declaração iniciar, e eu, sobre este ponto, só tenho que dar um comentário adicional: é evidente que não, é evidente

que não é isto que nós estamos a fazer. Com certeza que não é como V. Ex.ª diz que esse problema se põe. 0 que me parece mais complexo e um pouco mais delicado da parte do Sr. Deputado Octávio Teixeira é quando refere qualquer coisa que tem a ver com os vendilhões da soberania nacional. Julgo que são palavras pesadas, são palavras sérias, e se estas palavras correspondem à ideia que elas traduzem não são sérias, são muito sérias.
0 Governo tem uma preocupação séria e grave de defesa de uma política de interesse nacional e o Governo não pode admitir - e não admite - que esta expressão que V. Ex.ª usou corresponda a uma ideia de fundo.

0 Sr- Carlos Carvalhas (PCP): - Era o que faltava!

O Orador: - A propósito daquilo a que V. Ex.ª chamou a submissão da economia nacional à tutela dos centros financeiros internacionais referindo os vendilhões da soberania nacional, devo dizer-lhe que é qualquer coisa que não corresponde, nem de perto, nem de longe, a um grau de aderência; é uma força de expressão, pela qual, julgo, é difícil felicitá-lo.

Vozes do PCP: - É a Carta de Intenções!

0 Orador: - Ainda referiu, depois, com um quadro global, que a situação económica e financeira é grave e que o Governo prossegue uma política de recuperação capitalista, tendo assinado acordos vergonhosos que limitam a nossa soberania. Que V. Ex.ª diga que a situação económica e financeira é grave é qualquer coisa que coincide com aquilo que o Governo também encontra e tem de gerir. Não serei eu que lhe direi que a situação económico-financeira é de prosperidade, de à-vontade e de grande facilidade na sua gestão. V. Ex.ª conhece melhor do que eu algumas das razoes por que a situação actual é assim.
O que me parece que já cabe mais no quadro de uma linguagem específica é a política de recuperação capitalista. Nós estamos a fazer um esforço real, e não uma simples política conjunturalista e monetarista, como V. Ex.ª há pouco dizia. Nós estamos de facto a fazer - sem dúvida que sim - um esforço de política de recuperação económica. É verdade! E queremos continuá-la, queremos aprofundá-la. 15so é indispensável para o futuro de Portugal e isso passa, entre outras coisas, como aliás referi há pouco, pela abertura dos sectores que estão vedados à iniciativa privada para o que o Governo pediu autorização legislativa, e vai cumprir, vai fazer.

Agora, o que V. Ex.ª não pode é, neste quadro, fazer uma interpretação estrita, dogmática, desta evolução da política económica do Governo, reconduzindo-a a três ou quatro conceitos de carácter geral. A política do Governo é uma política de recuperação económica, é uma política de esforço para a construção do futuro da economia portuguesa - e esse não é um quadro que caiba em duas ou três pinceladas do tipo de uma política de recuperação capitalista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, temos aqui um conjunto de perguntas que o Partido Comunista formulou ao conjunto do Governo, que nós já pudemos analisar

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em primeira leitura e julgamos que é razoável - até porque ele envolve vários ministros diversificados - que nós utilizemos o tempo do Governo para amanhã comentar as perguntas que foram apresentadas através da Mesa da Assembleia.

Estes são, Srs. Deputados, os pontos fundamentais que nos pareceram dever fazer objecto de uma intervenção inicial do Governo, nesta fase inicial da interpelação do PCP sobre matéria de política econ6mica e financeira.

Gostaria de terminar fazendo apenas uma reflexão adicional. O trabalho que o Governo está a desenvolver em matérias económica e financeira é um trabalho que está repleto de dificuldades, não só dificuldades ao nível da gestão concreta da economia, não só dificuldades ao nível político para a apresentação e a explicação das medidas que são necessárias tomar, mas, sobretudo, dificuldades e preocupações que resultam de uma circunstância concreta fundamental da nossa história recente, que é esta: não é possível forçar os desequilíbrios externos da economia portuguesa no caminho de favorecer, indiscriminadamente, uma política de expansão e de crescimento'

Há aqui uma dificuldade importante, que eu procurei pôr em evidência na exposição inicial e que vai condicionar o futuro da economia portuguesa por vários anos. Quer isto dizer que não é um elemento secundário, que não é um elemento puramente marginal o cuidado, em termos de rigor e de austeridade, mas sobretudo de rigor, que o Governo tem posto na gestão da sua política económica e financeira. É uma condição prévia - e eu queria sublinhar esse aspecto, de ser uma condição prévia - a qualquer esforço seguro, sadio, de relançamento da economia portuguesa. Esse elemento, que eu procurei deixar salientado na exposição inicial, é um elemento fundamental de qualquer política séria, em termos de futuro da vida portuguesa.

E porque nós achamos que é assim, temos tido todo o cuidado em pôr em evidência, quer na preparação da política, quer na sua apresentação, este aspecto de grande cuidado em tudo o que tem a ver com uma eventual derrapagem das finanças, quer em termos internos, quer em termos externos, da vida portuguesa. É esse cuidado, é esse objectivo fundamental, é essa preparação de trabalho para o futuro, em termos de modernização da economia portuguesa, que está traduzido e concentrado neste conjunto de 3 documentos fundamentais em que se baseia o programa de gestão conjuntural de emergência. A saber: a Carta de Intenções com o FMI, o Orçamento do Estado para 1984 e as Grandes Opções do Plano para 1984. É esta a ideia central que rege a política económica de curto prazo do Governo e que se articula com os outros 2 programas, que eu gostaria de utilizar como último ponto de referir nesta intervenção.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

0 Sr. Presidente: - Para que efeito pediu a palavra, Sr Deputado Carlos Carvalhas?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É para me inscrever e inscrever outro camarada da minha bancada, embora sabendo que, em termos regimentais, não o

posso fazer. Mas quero deixar, desde já, essa inscrição feita, pois há todo um conjunto de perguntas que não foram respondidas e que, ao longo do debate, precisamos de fazer.

0 Sr. Presidente: - Fica então inscrito para o debate, Sr. Deputado.
A sessão reabre às 18 horas e 45 minutos. Pedia aos Srs. Deputados o favor de serem pontuais, para que esta sessão não termine muito tarde.
Está, pois, suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

0 Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 19 horas.

Tem a palavra o Sr. Deputado Walter Rosa.

0 Sr. Walter Rosa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 actual Governo tomou posse em 9 de junho e o seu Programa foi aprovado por esta Assembleia, com voto de confiança, em 24 do referido mês.

Durante a discussão do Programa do Governo, o Partido Comunista Português afirmou, entre outras coisas, «que o Governo não tem capacidade para resolver os problemas nem dá garantias de estabilidade política; que é incapaz e é fraco; e que se iria iniciar um ciclo de dias difíceis e sem esperança e de sacrifícios em vão».

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Boa afirmação!

0 Orador: - Passados que vão exactamente e apenas 4 meses, eis que o PCP interpela o Governo! E hoje como então, o PCP acusa o Governo dos piores malefícios!

No essencial, tratar-se-ia pois de saber se o PCP tinha ou tem razão:

1.º Se não há estabilidade política;
2.º Se o Governo é incapaz e não haverá esperança no futuro.

Quanto à primeira questão, relativa à estabilidade política, é evidente que o PCP toma os seus desejos por realidade. Felizmente para o País e para a democracia, a maioria PS/PSD mantém se e funciona bem.

0 Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nota-se! ...

O Orador: - Esta «maior maioria» que resultou das eleições de Abril e da vontade patriótica dos dois maiores partidos, deve também a sua génese à clareza política com que o PS se apresentou ao eleitorado.
Dissemos na altura:

Que não faríamos coligação com o PCP;
Que se não tivéssemos maioria absoluta não governaríamos sós;
Que se fôssemos Governo, seguiríamos necessariamente uma política conjuntural de austeridade exigida pela difícil situação financeira do Estado, logo seguida de uma política estrutural de desenvolvimento económico e justiça social.

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Esta política foi indiscutivelmente apoiada pela grande maioria do eleitorado que votou PS e PSD, que deseja a estabilidade democrática, o saneamento das contas públicas e o progresso económico e social.

De qualquer forma, não há alternativa democrática, a curto prazo, na cena política nacional, para esta coligação. Daí o sentido de grande responsabilidade com que os dois partidos nela se empenham. Estabilidade democrática, eis o nosso objectivo fundamental.

O Sr. Carlos Lago (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à segunda questão, relativa á capacidade do Governo, é evidente que ele já demonstrou, globalmente, estar à altura das necessidades do País. Tem mostrado coragem, decisão e realismo para ultrapassar a crise económica. No plano financeiro, evitou a ruptura cambial, sem vender ouro, e restaurou o crédito e a credibilidade externa do País, o que é essencial.

Apresentou ao Parlamento, em tempo útil, o orçamento do Estado e as grandes Opções do Plano para 1984, que visam melhorar substancialmente a situação macroeconómica, reduzindo o défice da Balança de Transacções Correntes e o défice do Orçamento do Estado em relação ao produto interno.

Claro que nenhum Governo gosta de aplicar uma política conjuntural de contracção económica, restringindo o crédito, o consumo e o investimento. Só que o momento é difícil. Trata-se prioritariamente de reduzir dívidas e défices que pela sua enormidade estão exaurindo a economia e hipotecando o País.

Não haverá, porém, apenas contracção e austeridade. Haverá recuperação a prazo - sendo que esta depende necessariamente daquela. E, assim, ao Programa de Gestão Conjuntural de Emergência, seguir-se-ão os Programas de Recuperação Económica e Financeira e de Modernização Estrutural da Economia Portuguesa.

O Grupo Parlamentar Socialista apoia conscientemente esta acção governativa.

Na verdade, o Partido Socialista tinha-se apresentado às eleições de Abril com uma política semelhante. De facto, tínhamos feito a análise e o diagnóstico da situação nacional e também tínhamos proposto ao eleitorado, como objectivos imediatos, a redução do défice da Balança de Transacções Correntes e o do ritmo de formação da dívida externa, principais estrangulamentos da nossa economia. Ora estes objectivos imediatos implicam - como é sabido - a redução progressiva do défice do OGE em relação ao produto interno, a redução das importações e do consumo e o aumento da poupança - do que deverá resultar a diminuição da inflação, condição necessária para baixar as taxas de juro em vigor e defender a moeda.

A redução do défice do OGE exige por seu lado a luta contra a evasão fiscal e a própria revisão do sistema fiscal - objectivos declarados deste Governo. Mas implica também a redução de subsídios a preços e a empresas e a racionalização das despesas do Estado.

Por outro lado, a progressiva redução do défice da Balança de Transacções Correntes deverá ser acompanhada pelo aumento das exportações.

Finalmente, o aumento da poupança interna implica nomeadamente a oferta de habitação, o investimento selectivo em sectores prioritários, no primário e no secundário, e a dinamização do mercado de capitais.

Constatamos agora que esta política de conjuntura se encontra aplicada coerentemente quer no Orçamento do Estado quer nas Grandes Opções do Plano para 1984.

Sem pretender iniciar aqui a discussão desses importantes documentos, o que seria deslocado e prematuro, convém no entanto assinalar que, de facto, o Governo se propõe baixar o défice do Orçamento do Estado para cerca de 6,5 % do produto interno, enquanto em 1982 foi de cerca de 10 %.

A redução em termos reais, em relação ao ano corrente, será de cerca de 17 % e resulta fundamentalmente da contenção das despesas públicas, já que a carga fiscal se mantém estacionária em relação ao produto interno.

Por seu turno, nas Grandes Opções para 1984 o défice da Balança de Transacções Correntes deverá baixar de 2000 milhões de dólares em 1983 para 1250 milhões em 1984, o que só é possível pela contracção da procura interna em cerca de 4 %.

A inflação deverá descer para 20 % no final de 1984.

A redução do investimento (de 9 % ), globalmente, far-se-á sentir essencialmente no sector público (- 26 % no sector administrativo e - 16 % no sector empresarial do Estado e apenas - 3,5 % no sector privado). Mesmo assim, a formação de capital fixo no sector público deverá rondar os 30 % da formação total.

Sem embargo, e isto é importante, as Grandes Opções para 1984 incluem desde já orientações programáticas para a modernização da estrutura produtiva, na perspectiva da redução da dependência externa e prevêem a reformulação do sistema de incentivos ao investimento no sentido de favorecer projectos de modernização sectorial e de desenvolvimento regional.

De facto, só a transformação estrutural da economia e o correspondente aumento de produção a médio prazo, permitirão quebrar o ciclo vicioso em que se encontra a economia nacional.

Não se ignora que a contracção da procura interna e a subida dos preços reais, a desvalorização do escudo, o aumento da taxa de juro e a limitação do crédito, se por um lado têm aspectos positivos na redução das importações e no aumento das exportações, na formação da poupança, nas remessas dos emigrantes e na redução da fuga de capitais - mas sobretudo na credibilidade externa - têm, por outro lado, reflexos negativos na economia: redução generalizada do nível de vida, dificuldades financeiras nas empresas e nos sectores produtivos como a construção civil e a agricultura, e aumento do desemprego.

Na verdade, só a perspectiva sombria de ruptura cambial e de insolvência do Estado em que o País se encontrava e o terrível estrangulamento dos encargos da dívida externa e da dívida pública na economia nacional, justificam esta política conjuntural de emergência.

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O caminho deverá ser, logo que possível, e depois de ultrapassar a crise actual, investir selectivamente, produzir, poupar e criar emprego. E outra não poderá ser e não será a política a médio prazo deste Governo.

Quanto a nós e apesar das inevitáveis restrições, o balanço da acção governativa é, desde já, positivo.
Mas não apenas no plano financeiro. Outras prioridades, gerais e sectoriais, têm sido atendidas pelo Governo.
Sobre políticas sectoriais irão intervir no decurso do debate outros deputados dos grupos parlamentares que constituem a maioria.

Limitar-me-ei a recordar, sem ser exaustivo, a acção do Governo em domínios tais como a luta contra a corrupção - implementando os mecanismos adequados como a alta autoridade e os dispositivos legais complementares; e toda uma vasta acção legislativa, que em parte foi submetida a esta Assembleia em processo de autorização, abrangendo políticas que vão desde a economia - caso da lei de delimitação dos sectores público e privado - ao trabalho e ao emprego e segurança social, à saúde, à educação e à cultura, passando por algumas áreas produtivas e incluindo a Administração Pública e as autarquias locais.
Mas também na política externa a acção do Governo se manteve coerente com os compromissos assumidos pelo Estado e a orientação do Programa.
Reafirmou a prioridade de adesão à CEE tendo neste sentido desenvolvido os maiores esforços.
Continuou a política de aproximação africana, na perspectiva ocidental em cuja geopolítica nos integramos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Vai realizar-se em Novembro próximo uma cimeira luso-espanhola que se espera tenha largo alcance não apenas no que à Península se refere mas também nas relações com a América Latina e a CEE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta interpelação do PCP tem ao menos o mérito, inegável, de proporcionar ao Governo e à maioria parlamentar que o apoia, a oportunidade para demonstrar nesta Câmara que as críticas do PCP, não têm razão de ser ou só a têm na aparência.

Na verdade, face à situação em que o País se encontra, esta política econ6mica e financeira de conjuntura não tem alternativa. Gastamos mais do que produzimos e por isso importamos em excesso e criámos uma enorme dívida. Basta. Há que arrepiar caminho e apertar o cinto. É o que se está fazendo. Entretanto preparamos o futuro de forma a poder retomar a expansão económica logo que possível, lançando os projectos de desenvolvimento mais adequados. Com rigor, firmeza e competência.

0 remédio entretanto é amargo. Mas há que tomá-lo para curar o doente - sem risco de recaída.
Tudo o mais, ainda que importante é apenas complementar e em certos casos acessório.
É por isso que críticas baseadas na extensão da crise e nos seus reflexos sociais, se bem que possam ser justas, são meramente conjunturais e portanto transitórias.

Serão ultrapassadas com o tempo - a médio prazo. É por isso também, que o projecto político da coligação de centro-esquerda no poder é um projecto para durar uma legislatura.
Pelo menos.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

A bem da estabilidade política, da consolidação democrática, do progresso económico e da justiça social.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há cerca de 4 meses, tomou posse o actual Governo, que resulta de um acordo político entre o PS e o PSD, procedendo-se, neste momento, a alterações à legislação de enquadramento do Orçamento Geral do Estado, para imediatamente se debater o Orçamento e o Plano para 1984, o que significa que, tendo o Governo já apresentado as respectivas propostas, o Parlamento se prepara para entrar num dos actos mais importantes da vida do País. Iremos, pois, debater em breve, a política económica e financeira do Governo, a curto prazo.
Insistiu o Partido Comunista Português, no entanto, na realização desta interpelação a qual sendo oportuna, pelos esclarecimentos que permitirá, traduzirá, em parte, uma duplicação de debates.
Não está em causa o mecanismo parlamentar, pois que cabendo ao Parlamento fiscalizar a acção do Governo, não pode nem deve este furtar-se a prestar contas ao País, através dos seus legítimos representantes.
A verdade é que, nas circunstâncias descritas, este debate - sem deixar o Governo expor antes, e fundamentar as suas grandes opções políticas e económicas - apenas pretende servir as intenções de aproveitar todos os meios para começar a fazer já, no reinício dos trabalhos do Parlamento, crítica demolidora, preparadora da sua programada acção desestabilizadora.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que susto!

0 Orador: - Justificando-se, tenta o Partido Comunista separar os debates do Orçamento e Plano, deste debate em que sobretudo pretenderia pôr em causa o acordo com o Fundo Monetário Internacional, considerando que se corre o risco de aqueles instrumentos serem um mero pró-forma, afirmando mesmo que o Governo pretendeu esconder dados e compromissos, mas nada com menos razão, pois aí estão os compromissos na Carta de Intenções, sendo esta um dos documentos fundamentais que exprimem a política económica a seguir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - 0 País não está nas mãos do Fundo Monetário Internacional, conforme já aqui afirmou o Sr. Ministro das Finanças e do Plano a economia

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nacional não é tutelada por centros internacionais, pois o nosso país teve dificuldades de acesso ao crédito ...

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Diz bem!

O Orador: - ... de que necessita e por isso o Governo negociou livremente essa Carta de Intenções.

Diz o PCP que os preços vão aumentar, que vem aí maior carga fiscal, que os reformados piorarão de situação, que as empresas serão estranguladas, por redução de crédito, que há cortes orçamentais na saúde, na segurança social, e na educação ... alterações nas leis laborais, insegurança no emprego ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Diz, diz bem!

O Orador: - ... com lay-off para despedimentos em massa, vaticinando que Portugal será campeão do desemprego na Europa.

O PCP pretende servir-se de infortúnio dos mais desfavorecidos, das dificuldades dos que mais sofrem a crise existente, para denegrir o Governo.

0 Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os tempos que atravessamos não têm sido favoráveis à imagem de quem governa, pois o nosso país sofre de grave desequilíbrio externo, tendo tido dificuldades de financiamento ao longo deste ano.

A gravidade da situação financeira levou, no corrente ano, a um esforço na contenção do défice orçamental e do défice da Balança de Transacções Correntes. Este objectivo implicou tomadas de medidas para reduzir a procura interna com aumentos de impostos recentemente verificados, que, contrariamente ao que vem afirmar o Partido Comunista em desrespeito pelo Tribunal Constitucional, foram aprovados sem pôr em causa o respeito pela nossa Constituição.

Aplausos do PSD e do PS.

Cortes nos investimentos e redução de subsídios através de um aumento de preços de bens subsidiados para melhorar a situação financeira de algumas empresas públicas; aumentos de tarifas; para incentivar a formação de poupanças e evitar a fuga de capitais, aumento da taxa de juro. Sim, é verdade. São medidas com efeitos imediatos sobre as importações e a entrada das remessas dos emigrantes.

O que o Governo pretende é evitar a ruptura financeira, evitando vir a perder, em breve, o controle do défice externo e, simultaneamente, ir criando, progressivamente, condições para no futuro se passar a uma perspectivação de desenvolvimento econ6mico.

É possível que se pudesse adiar ainda algumas medidas, mas, quanto mais tarde fossem tomadas, pior, sendo certo, aliás, que sem êxito de uma política de estabilização financeira, não poderão superar-se os bloqueios de fundo na estrutura económica portuguesa.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A Política seguida é séria, e a oposição sabe-o. Tem custos sociais? O número de desempregados aumentará? Terá efeitos negativos sobre os rendimentos?

Estamos perante uma política, sem dúvida, que não é popular, que não pode agradar aos cidadãos. Estes, rebelar-se-ão ou aceitá-la-ão, conforme a compreendam ou não. Mas nunca poderão, evidentemente, gostar daquilo que objectivamente não é bom, mesmo que seja estritamente necessário.

O que pretende a oposição do PCP é multiplicar aqui, no Parlamento e lá fora, na rua, as acções de crítica para confundir, para fazer crer que há alternativas sem custos futuros incomportáveis, fazer com que o indesejado se torne repelido. Virar os portugueses contra os seus governantes.

A Sr.ª Zita Se abra (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Mas com tal atitude, a 4 meses apenas da acção governativa, a oposição que tal faz revela pouco sentido nacional na sua mesquinha avidez de recolher dividendos indevidos.

Aplausos do PSD e do PS.

Mas nós, Governo e deputados da maioria, conscientes das dúvidas e incompreensões de certas camadas populares menos informadas, aproveitaremos esta interpelação, como estamos fazendo, para com ela explicar, colocando governantes e governados, frente a frente, através desta Câmara, que é pública e onde tudo é transparente. O Governo responde às críticas, o Governo continuará a justificação à política económica que iniciou em Junho, os portugueses compreenderão os sacrifícios que lhe são pedidos. 15so é que é fundamental, e isso acontecerá.

Não irei entrar em análise ou justificações que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano e o meu companheiro de coligação, deputado Walter Rosa, aqui já trouxeram. Mas sempre direi que os portugueses estão conscientes da necessidade de muitas das medidas tomadas ou a tomar e sabem que a crise que vivemos é, em muitos aspectos, comungada por outros povos. País pequeno, interdependente, com deficiências estruturais grandes, tendo sofrido uma desorganização selvagem do sistema vigente após o 25 de Abril, por obra do próprio Partido Comunista Português ...

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

0 Orador: - ..., tem uma dificuldade acrescida para solucionar a sua pr6pria crise.

Aplausos do PSD e do PS.

Crise que, portanto, não é só nossa e cuja solução é complicada ou facilitada pelo que se passa extra-fronteiras. Confiamos que modificações previsíveis na evolução económica internacional possam vir a ajudar-nos, em certa medida.

Todos sabem que a economia mundial se começou a degradar no meio da década passada.

0 Sr. José Magalhães (PCP): - Que vergonha!

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O Orador: - Foram as altas taxas de inflação e, quando se pretende tomar medidas para a controlar, fica em causa o crescimento económico e o desemprego aumenta para níveis preocupantes.
Não pode um país como o nosso, nem sequer um só país, por muito poderoso que seja, remover as causas da crise, que tiveram origem nos enormes aumentos do petróleo ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - 15to é que é um crânio!

O Orador: - ... e também, provavelmente, num desenvolvimento dos sistemas do Estado Previdência para além das capacidades permitidas pelos aumentos da produtividade, assim como pelo aumento da competitividade e agressividade comercial do Japão e de recém-países industrializados com uma sobrecarga mundial de produtos em numerosos sectores, designadamente, siderurgia, electrónica, construção naval e têxtil, com repercussões directas também aqui nas carteiras de empresas nacionais
Tudo isto coloca problemas mundiais, conjunturais e estruturais, desde logo, o de divisão internacional do trabalho. Tudo isto leva os países a tentar fechar-se, dando menor importância à cooperação, com implicações no comércio internacional o que, em círculo desagregador, tem implicações na deterioração da situação internacional.
Acresce que os países não se têm entendido sobre as medidas a tomar, optando muitas vezes por receitas antagónicas, quer reduzindo as despesas públicas e fazendo contracção monetária quer tentando fazer crescer o défice e incentivando o consumo.
A verdade é que a aplicação pelos diferentes países de teorias económicas clássicas, cuja pertinência neste mundo moderno de economias tão complexas e tão interdependentes, pouco se acredita eficaz, pois que o que importaria seria sobretudo uma maior conjugação de esforços, na convicção que todos cada vez mais têm de que já não haverá hoje soluções puramente nacionais.
Enquanto a crise perdura e apesar das prisões de uma ligeira retoma da economia em geral nos países da OCDE, em toda a parte se antevê um aumento do desemprego, em alguns sítios reduzindo-se horas de trabalho e montantes de salários. Há crise económica, há crise social. O problema não é, pois, só nosso. E os portugueses sabem-no. E esperam do nosso Governo aquilo que podem esperar. Pelo que nos toca, tudo se fará para que se evite o descalabre financeiro e não se comprometa o nosso próprio desenvolvimento futuro, ou seja, o futuro dos portugueses, de todos os portugueses.

0 Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

Orador: - 15so foi prometido aquando da apresentação do Programa na investidura parlamentar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo mantém-se no rumo traçado em termos que ninguém deixará de reconhecer coerentes. O PCP não vem, aliás, pôr uma moção de censura, não vem censurá-lo, não pretende questionar o Programa aqui aprovado, pois que a interpelação não visa isso. De qualquer maneira, o Governo e a coligação não se intimidam pela

crítica, pela censura, pela demolição, porque não têm estado parados.
Reconhecendo que não é possível continuar o aumento do nível da carga fiscal em Portugal, o Governo declarou já que vai fazer um esforço na redução de despesas, em si, e numa perspectiva de gestão eficiente dos recursos disponíveis. E em domínios sensíveis no imediato para a população, o esforço de contenção não tem prejudicado uma preocupação pelos mais desfavorecidos. Tem havido atenção para os estratos sociais particularmente carenciados. Por isso para o próximo ano está previsto um significativo aumento de verbas a consignar orçamentalmente para a segurança social ...

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... não se pondo em causa o principio da anuidade nas actualizações.
É sabido que o Governo decidiu recentemente aumentar as pensões dos regimes da segurança social, com efeitos a partir de Dezembro, abrangendo este ano o aumento o próprio subsídio de Natal.
0 aumento do regime geral será superior à subida da média dos salários durante este ano, enquanto a pensão mínima do regime geral será de 5500$. No regime regulamentar dos rurais, aqui focado e que é insignificantemente contributivo, a pensão de reforma passará para 4000$ ...

Vozes do PCP: - Eh!

0 Orador: - ... e indivíduos sem meios, que nunca chegaram a contribuir para a Segurança Social, verão acrescida a suas pensões em 19 %'
Tudo montantes baixos? Evidentemente que serão montantes baixos, mas todos reconhecerão significar um grande esforço financeiro, sobretudo nas actuais circunstâncias.

Vozes do PCP: - E falso!

0 Orador: - No domínio da saúde, prosseguiu-se no cumprimento das medidas previstas nos programas eleitorais dos partidos da coligação: eliminaram-se taxas referentes, designadamente a internamentos e atendimentos em urgências hospitalares, taxas moderadoras e de comparticipação em certos medicamentos; processa-se a revisão da legislação reguladora do Serviço Nacional de Saúde, em certos domínios, e tem-se processado a reabertura de certas instalações hospitalares.
No plano democrático, não se desconhece também quão frustrante seria esvaziando de conteúdo prático o poder local pela não atribuição de amplas competências ou atribuição destas sem atribuição de meios. Por isso, pôr-se-á brevemente em vigor um regime novo de finanças locais e de delimitação de actuações em matéria de investimentos públicos, participando os municípios, no próximo ano, em receitas fiscais do Estado em montante superior ao do presente ano em cerca de 5 milhões de contos.
Noutra área da governação com importância para o meu partido, a laboral, tem também o Governo pros-

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seguido no caminho das promessas eleitorais e do Programa do Governo. Um dos seus objectivos era o de reduzir o recurso ao despedimento colectivo às situações de inultrapassável inevitabilidade e minimizar esse recurso através da admissibilidade da suspensão temporária da relação de trabalho ou da redução parcial do tempo de trabalho com adequada protecção remuneratória, em ambos os casos, dos trabalhadores abrangidos e, em geral, adaptar a disciplina do contrato de trabalho ao modelo das legislações da CEE, reconduzir a figura do contrato a prazo à sua justificação económica. A verdade é que tal reforma está em curso, não se devendo também esquecer a importância da criação e de um reponderamento de um regime de aprendizagem nas empresas concomitante com o ministrado nas escolas.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 0 PSD está no Governo, como sempre esteve, com os olhos postos nos portugueses ...

Risos do PCP.

... em todos os portugueses. Fiel aos seus compromissos: ontem, numa coligação de tipo diferente, cujo programa e aliança levou até onde os mecanismos constitucionais o permitiram; hoje, com o Partido Socialista, com um programa de legislatura que tem procurado honrar.

Os tempos que correm são difíceis para quem governa, demasiado fáceis para quem é oposição. Nós entrámos na governação. A esperança é mais forte do que todas as dificuldades, e nós, deputados sociais democratas, confiamos que vale a pena ter esperança porque confiamos no Governo que sustentamos. Convictos de que tem força e terá coragem para prosseguir no respeito pelos compromissos com o eleitorado e pelo acordo que o viabilizou.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

0 Sr. Rogério Brito (PCP): - Ai o Condesso ainda apanha com o lay-off!

0 Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Assim não chega a presidente do grupo parlamentar.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mote (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nossa opinião, e ela é conhecida, já há muito tempo que este debate deveria ter tido lugar.

Estão em causa opções que a todos nós e ao futuro, nosso e dos nossos, comprometem. Tal constitui por si só, justificação bastante da necessidade de um debate aberto e tão profundo quanto possível. Diremos mesmo, que tal debate é uma exigência democrática, na exacta medida em que a democracia é a situação oposta àquela em que oligarquias restritas tornam as decisões que julgam impor-se.

O poder nunca conferiu a infabilidade. Não existem, em democracia, respostas universais. Podemos definir-nos, de modo muito diferente, face à mesma conjuntura. Por isso, por tudo isto, é importante este debate. Que só em democracia é possível. Porque onde um poder se arroga detentor da verdade, sente-se no direito e no dever de a impor por todos os meios, seja o que for pensem os outros, ou melhor, proibindo-os de pensar.

A noção de crise é já hoje uma realidade presente na vida portuguesa. Certo de que em maior ou menor grau, mais dolorosamente para uns do que para outros, mas de qualquer modo realidade presente no nosso quotidiano colectivo.

Só que presente mas não explicada.
Creio que, de certo modo, se está a conferir à crise, que não se explica, uma dimensão trágica - no sentido do teatro grego - em que a «falta é subtraída a uma responsabilidade directa, ligada a um acaso, a uma palavra equívoca ou, pior ainda, escondendo-se por detrás da inocência e surgindo como consequência do próprio esforço para a evitar».
Não podemos continuar a adiar ou a ocultar questões tão elementares como saber-se: como chegámos a esta situação? Quais são as suas causas?
Se, por exemplo, a «crise» fosse exclusiva consequência da seca e dos maus anos agrícolas por ela determinados, nenhum de nós poderia mais do que minorar as consequências de algo que nos ultrapassa.
Como, de igual modo, não dependeria de nós, vencer a crise se esta fosse em exclusivo determinada pela evolução do dólar, a recessão internacional ou a alta das taxas de juro.

Não foi por acaso que fui enumerando algumas explicações que têm sido adiantadas. Mas também creio que, sem ignorar o peso e relevância desses factores de crise, ninguém realmente acreditará no seu carácter exclusivo.

0 Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - O silêncio que rodeia as causas da crise é, aliás, eloquente maneira de dizer. As culpas sempre envelheceram à procura e morreram solteiras.

Risos da ASDI.

No actual momento, não se duvida da dificuldade política em explicar como a situação se agravou - e se agravou de modo particularmente intenso - com a gestão efectivada em 1980.

Julgamos, porém, necessário fazê-lo, assumindo com frontalidade os riscos de uma desmistificação que, não tendo sido feita em tempo oportuno, agravou, ao longo dos anos de 1981 e 1982, os erros de uma política que não houve coragem de denunciar.
A falta de coragem de um tempo paga-se e paga-se com juros tempos depois. Só que essa falta do que foi a AD a pagamos todos. Com vida, porque, como dizia o poeta, «esse é o nome que damos, ao tempo que esperamos».

Não nos cumpre, pelo menos, neste momento e lugar, aquela denuncia. Em tempo a fizemos, conjuntamente com o Partido Socialista e a UEDS, ao longo do próprio ano de 1980.

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0 que agora e aqui quisemos deixar dito é que o enfrentar dessa realidade é, também, condição indispensável para ultrapassar a crise.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O carácter de abertura da nossa economia, em que é muito grande o coeficiente do comércio externo, isto é, a parte percentual que representam a importação e a exportação no produto interno bruto, torna importante, sem dúvida, o reflexo da conjuntura internacional, também ela de crise.

Mas a verdade - e bastaria ouvir a intervenção da bancada do Partido Comunista, neste debate, para o confirmar - é que não parece estarmos a viver a grande crise geral do capitalismo que deixaria sem sentido esta interpelação.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

0 Orador: - A questão de Bernstein de acordo com a qual se a crise geral é realmente a lei da produção capitalista, deve afirmar-se agora ou num futuro próximo, sob pena de estar em causa toda a problemática da teoria do valor trabalho, parece ter que continuar de pé.

Repito: se a crise fosse universal, por ela não haveria que interpelar este Governo.

Mas não só os analistas e dirigentes do Leste, conhecedores da sua própria crise, não identificam esta com a crise geral do capitalismo diagnosticada por Marx, nem parece que seja Portugal o local onde mais se evidenciaria tal crise.

Teremos de regressar à relativa modéstia. De uma crise inserida numa difícil conjuntura mundial, mas com contornos que lhe são definidos por razões específicas portuguesas.

A economia portuguesa tem uma integração muito própria na economia mundial, porque é uma economia semi-industrializada e com uma margem (e uma necessidade) de desenvolvimento muito grandes, que nas transformações económicas do pós-guerra se inseriu
por uma intensa emigração, pelo seguidismo e dependência do processo de integração europeia (tendo por ponto de referência a Grã Bretanha) e pela influência do capital estrangeiro à procura de mão-de-obra barata e porque o processo de crise económica entronca com a descolonização e as transformações políticas
inerentes ao 25 de Abril, isto para, numa rápida síntese, pôr em relevo alguns aspectos relevantes dessa especificidade.

Bastará, aliás, pensar se na inflação que, se teve numa das primeiras acelerações do conjunto OCDE
após o primeiro choque petrolífero, não desacelerou no período subsequente ou no défice externo que é um défice crónico que, apenas, até 1973, o turismo e as remessas dos emigrantes reequilibravam, para termos dois indicadores, entre vários possíveis, de que assim é.

Os principais dados são, como antes disse, conhecidos. 0 défice da Balança de Transacções Correntes, o crescimento lento do Produto Interno Bruto, o crescer da taxa de desemprego, a aceleração da inflação, o agravamento do défice do sector público, a degradação da situação financeira das empresas públicas, uma dívida externa que representa perto de 60 % do Produto Interno Bruto (PIB).

A leitura deste quadro demonstra como não se resolveram os problemas estruturais que sucessivos diagnósticos identificaram e se deixaram reduzir os meios, pelo menos financeiros>, para os resolver.
Se assim é, é possível e cada um de nós, colocar-se na posição de averiguar dos caminhos possíveis, no curto prazo e confirmar ou não a opção tomada pelo Governo. No curto prazo, porque, como se sabe, não se mudam de um dia para o outro, nem produzem resultados imediatos, as políticas estruturais. Anote-se, para situar a questão, que os exemplos externos não nos oferecem um largo leque de opções possíveis. Em termos simplificados, mas verdadeiros, os países que tiveram que pagar mais caro o petróleo importado dividiram-se em dois grupos: o dos países que procuraram restabelecer o equilíbrio das contas recorrendo à exportação e o dos que aumentaram a sua dívida externa.

Só que, na realidade os comportamentos eram complementares, isto é, o primeiro grupo conseguia aumentar as suas exportações, porque o segundo via crescer as suas importações (e refiro-me, obviamente, a valor).

15to ocorreu em toda a parte.

A tal propósito, a recente reunião dos países do COMECON oferece alguns elementos de interesse relevante: não é já apenas a Roménia que considera demasiado elevado o preço do petróleo soviético e exige o reexame da questão aos mais alto nível. A Hungria, que entre 1975 e 1982 triplicou as suas exportações, pediu para que «os interesses recíprocos sejam mais justamente respeitados» (cito o Primeiro-Ministro, Lazar) já que os seus produtos têm sofrido uma acentuada depreciação no confronto com as importações de produtos energéticos soviéticos.

O momento de início da actividade governamental pressupunha assim que opções, e opções urgentes, fossem tomadas, tanto mais que alguns indicadores alarmantes se acumulavam. Para dar apenas dois dados significativos, as remessas dos emigrantes atingiam, o valor mais baixo desde 1978 e o seu valor percentual em dólares decrescia quase 20 % em relação ao ano de 1982.

A perspectiva de um mau ano agrícola traduzia-se em previsão de uma quebra superior a 30 % na produção média por hectare de trigo e em quebras de mais de 20 % nas produções de aveia e cevada.
Assim sendo, era necessário decidir. Em primeiro lugar, sobre a afectação dos recursos financeiros ainda existentes. Temos por correcta a opção de não afectar esses recursos ao consumo. Nem pensamos que outra solução seja defensável.

Trata-se de não condicionar as escolhas de gerações futuras, deixando-os, na realidade, sem qualquer escolha.

Só que, preservar ao máximo os recursos ainda existentes, pressupunha uma opção, esta relativa ao consumo. Poderiam, de imediato e bruscamente, fazer-se cessar padrões de consumo?
Queiramos ou não, há padrões de consumo que constituem aspiração de muitos portugueses, como é visível, aliás, pela contestação e mal-estar social que sempre acompanham as políticas designadas como de «austeridade».
No mundo em que queremos viver, não se impede a difusão dos modelos de outras sociedades. A ver-

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dade é que as sociedades mais ricas são a matriz das esperanças do mundo. Qualquer que seja o modo como valoramos o fenómeno, certo é que há muito grande receptividade - e em todas as camadas sociais - aos símbolos do triunfo material.
Não desapareceu da sociedade portuguesa uma concepção consumista do desenvolvimento. Mas, seja como for, não é desse consumo que se trata.
Não existem em Portugal indicadores directos que permitam, ao longo do ano, o acompanhamento do consumo privado. Mas utilizando como referência os indicadores fornecidos pelas dificuldades de procura para as indústrias de bens de consumo, pensamos poder afirmar que o consumo privado tenha apresentado uma evolução muito próxima da estagnação no 1.º semestre do corrente ano.

A alternativa de redução de consumos colocava-se, assim, no campo dos consumos essenciais. Do que se tratava era de introduzir alterações que evitassem situações que, sem falso dramatismo, seriam necessariamente de, pelo menos e por exemplo, escassez de bens alimentares.
Por isso, também pensamos que a opção do Governo foi a mais correcta.

O Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Muito bem!

0 Orador: - Não é possível, a não ser por via autoritária, definir ao nível da planificação e do Estado o que deverão ser os consumos individuais. Nem é possível, no curto prazo, mesmo nos regimes de partido único, ignorar a população. Aí está a NEP a demonstrá-lo.

Aceitemos ou não como necessária a existência de uma relação entre o acréscimo de esforço ou de produtividade dos trabalhadores e a melhoria do seu nível de vida ou da sua situação individual, certo é que a liberdade de consumo só pode ser substituída em termos de opressão burocrática.

Assim sendo - e aqui a escolha é a da sociedade em que queremos viver -, para manter sem quebra demasiado brusca consumos essenciais, e entre eles, designadamente, os de bens alimentares, forçoso seria encontrar recursos.

A necessidade de empréstimos externos era, assim, do nosso ponto de vista, uma consequência necessária das opções antes equacionadas.

As dificuldades sentidas pelo anterior Governo na obtenção de alguns empréstimos e bem traduzidas no tempo necessário à negociação, nas condições e garantias exigidas, evidenciam como não eram muitas as alternativas.

Nem parece que o problema possa pôr-se em termos sentimentais ou ideológicos, quer na perspectiva da vida portuguesa, para quem o «engolir de sapos» e até de elefantes se banalizou, justificando-se até, em algumas circunstâncias, as «alianças com o Diabo», ...

Risos do PS.

... quer na perspectiva internacional, em que o endividamento externo e a sua progressão de vários países do COMECON são uma realidade que só demonstra a universalidade das dificuldade!

0 Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Haveria alternativa ao FMI não só como prestador de um empréstimo como também como garantia de serem desbloqueados outros, igualmente necessários?
Julgamos que a existir, ninguém se teria furtado à elementar obrigação, perante o seu País e os seus concidadãos, de a apresentar.
Forçoso é concluir que não existia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do que deixámos dito se conclui que, em nosso entendimento, o Governo escolheu tão bem quanto lhe foi possível. Á política seguida é aplicável o argumento de Churchill a favor da democracia: seria a pior se houvesse outra melhor.

Parece-nos importante sublinhar ainda que a escolha feita é também a única que permite, pelo patamar obtido, optar agora por medidas de relançamento e medidas estruturais.

Na fórmula sugestiva de Rocard «se a austeridade não for apenas um meio, será não um fim mas o fim».

Uma última nota quereria deixar. Procurámos demonstrar a lógica própria da posição que assumimos. Recusamo-nos a ser catecúmenos das opções governamentais.

É em liberdade que sempre nos pronunciamos. De acordo ou em desacordo.

É com a liberdade de que não nos dispensamos, com a responsabilidade da nossa própria análise, que aqui viemos dizer ter o Governo agido bem, face à conjuntura que enfrentou e às alternativas de que dispunha.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD e do Sr. Deputado António Vitorino da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Lamento que a ausência do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, certamente por razões de interesse nacional, me obrigue a ter que criticá-lo sem a sua presença. Mas, como já é a terceira vez que isto sucede, ... ,

Risos do PCP.

... tenho a esperança de que o Sr. Ministro possa regressar em breve.

Como vem sendo hábito, o Partido Comunista, passados poucos meses da tomada de posse do Governo, vem apresentar uma interpelação sobre política económica.

Este não é um processo novo. É antes a prática de um hábito que o Partido Comunista parece ter assumido, pelo menos, desde 1978.

E para quê? Será que, para contribuir para uma maior consciência colectiva dos problemas nacionais? Será que, para infundir nos portugueses o sentimento de autoconfiança que é indispensável ao progresso colectivo? Será que, para explicar uma alternativa económica credível?

Nenhum desses é, infelizmente, o objectivo do Partido Comunista.

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Esta interpelação, como as das anos anteriores, não passa de um ritual. Um de entre tantos rituais que o Partido Comunista precisa de construir para alimentar os seus fiéis. Mas, infelizmente, um ritual politicamente intempestivo, demagógico e desestabilizador.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS.

Risos do PCP.

Um momento que já riem melhor. Intempestivo porque não é possível ao fim de pouco mais de 100 dias julgar consistentemente a política económica de qualquer governo em sede tão solene e responsável como deveria ser a de uma interpelação parlamentar.

0 Sr. Rogério de Brito (PCP): - Quem mareou as medidas para os 100 dias foi o Governo.

O Orador: - Demagógico porque emana de um partido que não tem alternativa séria à política económica do actual Governo, refugiando-se há vários anos num conjunto de frases feitas, como as de aumentar a produção e diminuir as importações, tanto mais vazias de sentido e ilegítimas quanto é certo que foi o mesmo partido quem mais contributo deu para a destruição de muitos sectores da produção nacional.

Aplausos do CDS, do PSD e de alguns deputados do PS.

Desestabilizador porque esta interpelação apenas pretende aproveitar partidariamente o natural descontentamento popular contra a austeridade que vem sendo imposta, sem respeitar o dever patriótico de garantir ao país a estabilidade política de que este bem carece.

Não concordamos com este Governo em muitas das medidas tomadas nem confiamos, como dissemos desde o início, na sua capacidade colectiva para resolver globalmente os problemas nacionais de ordem estrutural.

Lamentamos que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, rodeando o seu discurso de uma certa circunspecção técnica, se tenha atrevido a generalizar às oposições a crítica de quererem tudo já e agora. Se o Ministro tivesse feito parte de um dos partidos na oposição enquanto o esteve, de um dos partidos que actualmente o apoiam, sentiria a injustiça e a gravidade do que acabou de dizer. Mas isso não nos autoriza, nem deveria autorizar o Partido Comunista, a usar o Parlamento como simples câmara amplificadora do descontentamento e estimuladora da agitação social, quando é bem evidente que é o sistema herdado do 11 de Março de 1975 que está a afundar o pais e é desse sistema e dos bloqueios constitucionais, sociais e económicos por ele criados que resulta a gravíssima crise externa que o país está suportando.

Vozes do CDS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 País precisa de trabalhar e de investir mais e melhor e não de falar ou reivindicar cada vez mais e pior.

0 Governo precisa de tempo para provar o que vale, não nas palavras mas nos actos, muito embora o PS tivesse prometido tudo, ou quase tudo, para os primeiros 100 dias.

Por isso, o CDS se distancia desta interpelação e votará contra qualquer moção de censura que dela decorra.

Vozes do CDS: - Muito bem!

0 Orador: - Mas se condenamos politicamente esta atitude do Partido Comunista e a ela nos opomos, não deixaremos de cumprir o de ver de alertar esta Assembleia e através dela o povo português, contra os sinais de incoerência e as tentativas de fuga às responsabilidades que se começam a vislumbrar do lado da maioria e do Governo.

Todos conhecemos as dificuldades e as causas profundas da actual situação económica.

Todos sabemos que não será, somente, com mezinhas macroeconómicas nem com manipulações hábeis dos instrumentos cambiais, monetários ou fiscais, que
aquelas causas serão atacadas ou que aquelas dificuldades serão duradouramente superadas.

Por isso, não pode deixar de criticar se vivamente
alguns comportamentos que do lado da maioria começam a vir à luz do dia.

Não me refiro apenas à partilha entre militantes partidários de quase todos os lugares públicos, não só de natureza política mas de mero conteúdo de gestão, que vem sendo anunciada e, felizmente, apenas nalguns casos consumada.

Não me refiro, também e apenas, à excessiva partidarização dos meios de comunicação social que tem levado à transformação de alguns jornais em meros avançados de gabinetes ministeriais e que transformou a RTP numa empresa que parece propriedade, quer na informação quer na programação, dos artistas e jornalistas apoiantes do Partido Socialista.

Vozes do CDS: - Muito bem!

0 Orador: - Nem me refiro tão-só à cada vez mais evidente sujeição aos interesses de militantes dos partidos que compõem e que apoiam o Governo, assistindo sem reacção a comunicados desprestigiantes das mais diversas bases partidárias e confundindo, até parece, as funções do governo de uma nação com a chefia ou direcção de qualquer dos seus partidos políticos.

Para além de tudo isso, algo mais se começa a vislumbrar e bem mais importante.

Refiro-me ao processo de desagregação que, perante
as dificuldades da conjuntura económica, começa a grassar e a tornar-se evidente nalguns sectores da própria maioria.
Não vou ao ponto de parafrasear o Partido Socialista, quando há alguns anos, perante as primeiras medidas de restrição que a conjuntura impôs à Aliança Democrática, logo surgiram pimpões, nesta Assembleia, cheios de cartazes e emblemas que diziam: «Eu não tenho culpa, não votei AD.»

Também nós não votámos PS. E, estou convicto, também a maioria do povo português não votou para

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que a actual coligação se formasse. Mas não é isso que agora interessa. 0 que interessa é que não é desculpável que alguns dirigentes que interpretaram o voto popular, como consentindo e até impondo o bloco central, estejam já agora a pôr-lhe reservas e comecem, perante as dificuldades das medidas a tomar, a ressalvar as suas posições individuais.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Tal como ao Partido Comunista condenamos esta interpelação, também criticamos e mais vivamente condenaremos se os actuais sinais de auto-instabilidade se agonizarem e a fuga às responsabilidades se vier a concretizar.

É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para resolver a crise económica não basta assustar o povo português com espectros da fome e da ruptura financeira, nem basta aumentar a carga fiscal, como solução mais rápida e mais fácil para reduzir o défice orçamental criado pela instabilidade política do 1.º semestre deste ano. E porque não basta isso, todos sabemos que é agora que as dificuldades vão começar não para o povo que já as suporta, mas para os actuais governantes e para os dirigentes da maioria, para quem se começa a esgotar o tempo de criticar o passado e se começa a aproximar o tempo do julgamento sobre os seus próprios actos e resultados.

Vozes do C(r)S: - Muito bem!

O Orador: - Para só citar alguns exemplos, refiro-me a algumas questões que a curto prazo porão à prova a coerência deste Governo, apesar do optimismo e do rigor aqui manifestado pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

Assim, como vai o Partido Socialista conciliar o seu habitual e tradicional apego ao cumprimento, por cima, da Lei das Finanças Locais com a necessidade de redução do défice orçamental que o acordo com o FMI impõe?

E como vão as promessas desenvolvimentistas e estatizantes de alguns ministérios conciliar-se na acção e não apenas nas palavras com as fraquíssimas dotações orçamentais que o Ministro das Finanças e do Plano lhes pode consentir?

E como vai a consabida prioridade dada pelos socialistas ao sector público conciliar-se com a obrigação assumida perante o FMI de desacelerar, substancialmente, o crescimento do crédito às empresas públicas e de reduzir, também substancialmente, o investimento das mesmas empresas?

E como vai, finalmente, conciliar-se o apelo à liberalização do sistema económico ainda recentemente realizado pelo Vice-Primeiro-Ministro com o imobilismo, em reformas estruturais, que tem dominado muitos ministérios, embora com algumas honrosas excepções?
Estas e as respostas que lhe forem dadas são algumas das questões sérias em matéria de gestão económica que ainda é cedo para julgar definitivamente, em sede de interpelação parlamentar.

Por isso, o CDS vai aguardar mais uns tempos antes de tomar qualquer iniciativa parlamentar que

possa prejudicar o objectivo nacional de garantia de estabilidade política.
Sentindo que acabou o tempo das medidas fáceis, que está a chegar a época das opções de fundo e que se está a aproximar, enfim, o momento de verificar se a liberalização e modernização da economia portuguesa que o CDS defende e até alguns membros deste Governo proclamam, é ou não um objectivo alcançável pela actual coligação no poder.

Aplausos do CDS.

O Sr- Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O exemplo da LISNAVE, empresa que, apesar do Estado ser o maior accionista, é completamente controlada pela família Melo, constitui a prova real de como a economia está a ser afundada pela acção de um grupo monopolista aliado de facto ao Governo.
Retenhamos os seguintes factos.

Aproveitando o contrato entre a LISNAVE e o Emirato Árabe do Bahrain para a construção de um estaleiro e sua gestão por 10 anos, o Sr. Melo constitui na Suíça/Lausanne a empresa Navelink. A partir dessa altura, os fluxos financeiros que se estabeleciam entre o Bahrain e a LISNAVE/Lisboa, passam a estabelecer-se entre o Bahrain e a Navelink na Suíça, ou seja para os cofres do Sr. Melo.

Um processo semelhante é utilizado com outra empresa que o Melo constituiu em Londres, a Surbroy.
Eis, o primeiro e principal factor para o desmantelamento e as dificuldades na LISNAVE.

O monopolista Melo, utilizando a LISNAVE como suporte tecnológico e financeiro cria o seu novo grupo, através de dois processos.

Um, o primeiro, sacando à LISNAVE os seus sectores mais importantes e rentáveis.

Retira a divisão de expansão constituindo a Navelink; retira o sector de desgasificação e limpeza constituindo a Boliden; retira grande parte da informática constituindo o GTI; retira a direcção comerciai constituindo a Lismar em Londres (ou seja, qualquer navio que vem para a LISNAVE, só com o aval de Londres).

O segundo processo utilizado, é a compra de empresas com a riqueza criada pelos trabalhadores da LISNAVE e com os empréstimos da banca nacionalizada.

São os casos, entre outros, da Metalúrgica Luso-ltaliana, Metalúrgica Luso-Alemã, Frinil e Parry Son.

A progressiva facturação da LISNAVE, passa a ser utilizada para suporte de uma correria desenfreada junto da banca, contraindo empréstimos de curto prazo para financiar empresas que os Melos constituem ou compram.

Vozes do PCP: - Que vergonha!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os trabalhadores tinham razão.

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Não teria sido possível levar por diante esta política de sabotagem da LISNAVE e de reconstituição do monopólio se o primeiro governo PS de que era Primeiro-Ministro o Dr. Mário Soares tivesse ouvido as reivindicações dos trabalhadores e tivesse evitado a reeleição do Sr. José Manuel de Melo para presidente do conselho de administração.

Aplausos do PCP.

A partir desta altura, assiste-se à intensificação da corrida a empréstimos de curto prazo e à aceleração de acções de descapitalização e endividamento, tudo isto, ao mesmo tempo que tentavam tirar regalias sociais aos trabalhadores e desenvolver um processo de despedimentos.

Estas intenções são materializadas nos finais de 1978 com a apresentação do Plano de Reviabilização onde é falsamente afirmada a inevitabilidade da «falência da empresa».

Não obstante o montante de vendas em 1981 (o melhor de sempre - que foi de 10 772 000 contos e as perspectivas orçamentais para 1982 serem ainda melhores (cerca de 12 milhões de contos), a administração Melo descobre em Abril (reparem Srs. Deputados, só em Abril de 1982) uma grave «crise internacional».
Aceleram as reformas antecipadas, desenvolvem acções de intimidação aos trabalhadores, procedem ao boicote e cancelamento de encomendas, para iludir a opinião pública acerca da real situação da LISNAVE.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Assim surge o segundo plano dos Melos com a célebre carta/ultimato que escreveu ao Primeiro-Ministro de então - Dr. Balsemão. Aí, exigia legislação antilaboral e apoio financeiro e fiscal para satisfazer os seus interesses capitalistas em prejuízo dos trabalhadores, da empresa e do País.

Este plano significava milhares de despedimentos na LISNAVE, na Parry Son e ainda na SETENAVE, de que os Meios pretendiam ter de novo o controle após ser liberta do seu passivo.

Em 1982 a LISNAVE tem um baixo nível de produção resultante não directamente da crise de mercado mas como resultado, isso sim, do boicote e cancelamento de encomendas.
Se a questão fosse a crise de mercado, como se explicaria que 300 navios, em apenas 6 meses, pedissem orçamento para reparar na LISNAVE e apenas 40 entrassem no estaleiro?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Que vergonha!

0 Orador: - Se a questão fosse a crise de mercado, como se compreenderia que fossem e continuem a ser rejeitadas as grandes reparações?

Com esta atitude criminosa, a empresa deixa de vender mais de 5 milhões de contos que corresponderiam a divisas entradas no País.

É neste contexto que a administração Melo apresenta ao actual Governo a terceira via do seu Plano de Reviabilização, bem demonstrativo das suas continuadas intenções e objectivos.

Sc é necessário apresentar e demonstrar a viabilidade económica da empresa para obter do Governo

favores financeiros e fiscais, fala-se de 1981 e então a LISNAVE é uma maravilha:

Condições climatéricas excelentes;
Localização geográfica ideal;
Incorporação nacional de produtos e serviços prestados na ordem dos 93 %;
Fonte de divisas para o País - cerca de 12 vezes o montante das importações que faz;
Elevado número de postos de trabalho - inerentes à própria actividade de reparação naval;
Elevado efeito induzido;
Mão-de-obra relativamente barata e técnica internacionalmente reconhecida.

Mas, por outro lado, se pretendem despedir 2000 trabalhadores, então fala-se de 1982 e apresenta-se um quadro negro e contraditório com os próprios estudos de mercado realizados pela mesma administração.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A LISNAVE não tem trabalhadores a mais, prova-o também o documento enviado pela administração ao Governo via PARAEMPRESA onde se afirma, a retoma gradual da actividade das frotas de petroleiros perspectivando em 1984 a reparação de 100 a 110 navios na Margueira e 140 na Rocha.

Em 1978 a empresa tinha cerca de 10 000 trabalhadores e a administração afirmava a existência de 2000 a mais, hoje reduzida que está a 6000 continua a administração Melo a tentar despedir 2000.

A redução de efectivos seria a curto prazo, e é já notório em alguns sectores o empobrecimento técnico e a transformação progressiva da LISNAVE numa empresa desacreditada, não concorrencial, dependente quase em exclusivo de subempreiteiros de reduzida capacidade e qualidade.

Com os apoios pedidos ao Governo, pretendem os Melos a transformação da dívida a curto prazo à banca nacionalizada, num empréstimo a longo prazo, com a duração de 15 anos, com que poupariam só em encargos financeiros 260 contos por cada 1000 contos de dívidas - e é de notar que a dívida à banca é superior a 10 milhões de contos.

A nível fiscal e parafiscal pretendem igual situação à beneficiada entre 1967 a 1982, ou seja, total isenções.
Pretendem a regularização em 5 anos dos impostos e contribuições em dívida que a própria administração calcula ser superior a 1 400 000 contos.

Só as dívidas à Previdência deverão atingir sem multas e juros de mora cerca de 1 milhão de contos.
A dívida à Secretaria de Estado do Emprego é de 180 000 contos e propõem ficar isenta da contribuição para o Fundo de Desemprego.

Exigem igualmente a comparticipação do Governo a partir de 1984 nas despesas com pessoal inactivo (cerca de 420 000 contos por ano).

Em conclusão, a administração após ter utilizado o dinheiro da banca nacionalizada, de boicotar e degradar a empresa, de não pagarem os salários aos trabalhadores para a reconstituição e expansão do grupo monopolista Meio - pretendem agora não suportar as consequências dessa política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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0 Orador: - Denunciando a ruinosa gestão da empresa e as práticas fraudulentas que comprometem o seu futuro e prejudicam a economia nacional, os trabalhadores da LISNAVE vêm desenvolvendo desde há muito uma corajosa e patriótica luta pelo pagamento dos salários em atraso, pela garantia dos seus postos de trabalho no quadro da viabilização da empresa.

Aplausos do PCP.

Vivem os trabalhadores numa situação verdadeiramente aflitiva e dramática marcada por grandes dificuldades, pela fome e pela miséria. Ao reclamarem a satisfação de direitos elementares, designadamente o pagamento dos salários em atraso e a garantia da retribuição do seu trabalho, lutam pela reposição da legalidade democrática.

A intervenção desnecessária e brutal das forças policiais em Julho, inteiramente subordinada aos interesses e manobras dos Melos ilustra bem a política deste Governo, que se mostra completamente insensível às dificuldades dos trabalhadores mas particularmente empenhado em servir o grande capital e que é incapaz de usar os meios e a autoridade do Estado, para pôr termo às manobras fraudulentas e às ilegalidades do grande patronato mas que não hesita em mobilizar as forças policiais para fazer valer a arbitrariedade e a ilegalidade contra os trabalhadores.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - A administração da LISNAVE e o Governo ao continuarem nas suas atitudes agudizam o conflito na empresa, ao continuarem a recusar o pagamento dos salários em atraso, ao persistirem nos planos de despedimentos em massa, ao pretenderem impor aos trabalhadores a aceitação de uma política prepotente e lesiva dos seus direitos, opõem-se à reposição da legalidade, democrática.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A alternativa existe, reponha-se a legalidade democrática e atenda-se às propostas dos trabalhadores para a viabilização da LISNAVE e do sector da indústria naval.

A LISNAVE é economicamente viável.

Mas exige uma profunda modificação da política financeira.

Exige a reactivação do sector de novas construções e a definição pelo Governo de uma política marítima que, considerando a situação da nossa marinha do comércio e da pesca no âmbito da zona económica exclusiva, aproveitando o mercado interno e externo que se nos depara, construirmos a frota de que precisamos e deixarmos de gastar as largas dezenas de milhões de contos em afretamentos de navios, em cada ano.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Exige o aproveitamento da oferta de reparações de navios, nomeadamente das grandes reparações tipo Jumboizing, que têm sido recusadas.
Exige maior agressividade no mercado tradicional e diversificação de mercados.

Exige que se processe acordos e sistemas de compensação de modo a ultrapassar a penúria de divisas de potências clientes, nomeadamente dos países do chamado Terceiro Mundo.
Exige a reconversão de certos sectores, nomeadamente e por exemplo, para a recuperação de elementos mecânicos.
Exige o aproveitamento de ofertas para a construção de estaleiros e sua gestão, nomeadamente com os novos países africanos e, por exemplo, com Angola.
Exige o aproveitamento do mercado nacional e que os navios portugueses sempre que possível repararem nos estaleiros portugueses. 0 caso do navio Neiva da Soponata - E. P. é exemplar. A casa da máquina teve um incêndio, era possível técnica e economicamente viável rebocá-lo e repará-lo em Portugal, mas foi reparado no estaleiro do Bahrain, a tal empresa de gestão Melo a Navelink da Suíça.
Custo da reparação paga de imediato perto de 1 milhão de contos, mas, também segundo as informações que temos, o caso atinge o cúmulo - o navio está à venda por 900 000 contos com pagamento a prazo.

Vozes do PCP: - E um escândalo; uma vergonha!

O Orador: - 0 Governo quando deveria assumir as suas responsabilidades na defesa da empresa como uma grande unidade de produção, assume sim, uma política na defesa do ex-monopolista contra os interesses dos trabalhadores, da empresa e do País.
Os trabalhadores da LISNAVE continuam determinados em defender os seus postos de trabalho, a sua empresa, a economia nacional e Portugal.

Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Depois deste ìntermezzo para a interpelação aos Melos, creio que podemos continuar com a interpelação ao Governo.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - A quem vocês apoiam.

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e demais membros do Governo:
Depois de ter ouvido o interpelante interpelar, cheguei à conclusão de que o interpelante é um ingrato.
Pois acontecendo que o interpelante, como toda a gente sabe, deseja a ruína do Governo, e não menos o colapso do sistema, deveria, não interpelar, mas agradecer.
Agradecer a um Governo que, segundo ele, não se poderia ter mostrado mais hábil em cavar a sua própria ruína. Mais: em cavar a tumba do próprio sistema, abrindo vaga para qualquer outro, que bem poderia ser aquele por que o interpelante se bate.
Mas não! Em vez de esfregar as mãos de contente, o interpelante encoleriza-se, insulta, perde o controle, e oculta mal uma funda preocupação. Aparentemente, tolerava menos mal o anterior Governo.
Se ninguém acredita na sinceridade das preocupações do interpelante por as coisas correrem mal, uma de

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duas: ou o interpelante não está realmente preocupado, e simula preocupação; ou o interpelante está, de facto, preocupado mas porque as coisas correm bem; ou se peco por exagero, no máximo concedo que o interpelante está mesmo preocupado porque as coisas correm mal para ele e menos mal para a República, o que está longe de ser em si um mal.
De dois ângulos se pode encarar a interpelação: do ângulo do interpelado, o que teria sempre o desencanto das coisas oficiais; do ângulo do interpelante, que pode não ter razão, mas tem picante.
Colocado, como para o efeito passo a estar, na bancada do Grupo Parlamentar do PCP - o que é fácil de ficcionar - e na pele de um seu deputado - o que é um pouco mais difícil - propendo a pensar que o interpelante tem razão.
Na verdade, que Governo é este que tem o desplante de: reduzir os salários reais, e confessar que reduziu; aceitar a fatalidade do aumento temporário do desemprego e não pedir desculpa; desvalorizar em 12 % o escudo, aumentar em dois pontos a taxa de juro, aumentar a carga fiscal, reduzir os subsídios a produtos essenciais e aumentar tarifas de bens de uso corrente, e não se esconder atrás de um biombo; reduzir o investimento e o consumo, sacrificar o crescimento e continuar a almoçar todos os dias; ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas há quem não almoce!

0 Orador: -... trazer aqui uma proposta de orçamento que é um verdadeiro espartilho e não mostrar arrependimento; ter a veleidade de que as estradas e os caminhos de ferro não são coisas de cortar, invocar em razão disso a legalidade democrática, reprimir abusos que para o efeito abusivamente rotula de antidemocráticos, em alegada afirmação de autoridade e sem complexos autoritários; hipotecar ao FMI a independência nacional através da contratação de mais um vergonhoso acordo de stand by, quando era tão fácil pedir dinheiro emprestado ao Tchad, negociar com um ourives ou obrigar os ricos a pagarem a crise!

Risos do PS e do PSD.

Aqui uma pergunta: se este Governo é tão asno que comete tais asneiras; mas se, por outro lado, as asneiras são tais que até um asno as vê, será este Governo sádico, masoquista, ou suicida? ...

Risos do PS e do PSD.

... Ou dar-se-á o caso de ser apenas patriota?

Vozes do PCP: - É mau!

O Orador: - Patriota é o que este Governo é.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Pois o que é que o impediria - a não ser a sua teima em evitar que Portugal se afunde - de continuar a entender que: sendo dolorosa a redução dos salários reais - pois bem - não se reduziriam os salários; sendo desumano o desemprego - que diabo - não se consentiria num só desempregado a mais que fosse ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É evidente!

O Orador: - . " sendo justo subsidiar produtos essenciais - hellas - continuaria o subsídio a esses produtos; querendo grupos de pressão cortar a sua estradinha, fizessem favor, porque não? E estando a bancarrota tão ávida de instalar-se em Portugal, porque não fazer esse pequeno jeito à bancarrota?
0 caso, porém, é este: o actual Governo padece da doentia perversão de querer à viva força endireitar as coisas. Quando assim acontece, só há uma maneira de as mantermos tortas: é derrubar o infame!
Este estilo - aparentemente chocarreiro - foi o mais sério que encontrei para dramatizar o que em si é dramático sem que em regra se tenha clara consciência disso.
Ouvindo o interpelante, e atribuindo às suas diatribes o valor facial, ser-se-ia levado à conclusão de que a situação não é tão grave que se tornassem necessários tão pesados sacrifícios, ou que, sendo, haveria outras soluções menos dolorosas para o já dorido corpo da Nação.
Infelizmente, o interpelante só é pródigo em soluções quando não está no Governo, para não cometer a indelicadeza de afirmar que só abunda nelas quando está em Portugal. Mas como ainda dispõe de muito tempo para interpelar, talvez consinta em gastar um pouco a responder, tendo então a bondade de nos ensinar como travava o endividamento, como pagava a dívida, como liquidava os salários em atraso, como combatia o desemprego, como equilibrava o orçamento, como intocava as reservas de ouro, como esconjurava o Fundo Monetário Internacional.
Quem, com tanta desenvoltura, na rua agita slogans, agiria, de certo, com igual desempeno, no labirinto das chancelarias.
E claro que não nos satisfazem respostas do tipo das que aqui foram ouvidas.
Perguntar ao Governo como é que se atreve a aceitar aumentos de salários abaixo da taxa de inflação, como se isso fosse matéria de livre escolha, e fosse possível, se não mesmo fácil, continuarmos sem limite a viver acima das nossas possibilidades; encontrar remédio para as nossas aflições em afirmações redondas como essas de que é preciso diminuir as taxas de juro, controlar a inflação e estabilizar o escudo; acrescentar que não é com desemprego e falências que se controla a crise; identificar com uma alternativa o aumento dos salários reais, do emprego e do desenvolvimento; descobrir que o caminho é produzir; ver na instalação de uma unidade agro-industrial de beterraba sacarina apenas uma poupança de 2 milhões de contos; exigir rigor e falar no «fausto da vida governamental»; não ver no acordo com o FMI mais do que um «acordo vergonhoso que limita a autonomia nacional»; são casos agudos de cegueira política e de amnésia conveniente, é, no mínimo, confundir a meta com o caminho, desejar o efeito e julgar ter atingido a causa, insinuar que é fácil o que se sabe ser difícil, afirmar capacidade que se não tem, até porque há não muito se demonstrou não tê-la.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Ê, em suma, situar-se fora do país que temos, do mundo e do tempo em que vivemos.
Que, sobre isto, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas tenha sido capaz de perguntar aos membros do Go-

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verno «em que país estão», eis uma excelente oportunidade para lhe pedir que, com toda a pertinência, faça a si mesmo essa pergunta.

Podia, é certo, dar-se o caso de a inspiração para o milagre vir da outra também oposição que a um tempo combate o Governo e, por vezes, embora menos, o próprio interpelante. Para além do pequeno embaraço de ter deixado há pouco o Governo, onde se terá esquecido de pôr em prática as panaceias sobre as quais agora lecciona cursos para adultos ...

Risos do PS.

... pouco mais conseguiu até agora produzir do que algumas imprevistas e pouco significativas ultrapassagens pela esquerda dos seus ex-parceiros de Governo, sem esquecer esse eterno retorno que é culpar a Constituição de todas as nossas desventuras e passar a exigir o seu cadáver. Reviu-se apenas ontem? Reveja-se, de novo, já! É preciso que do sector público - essa hidra! - não fique pedra sobre pedra! Do sector público rentável, entenda-se.

Eis como é possível que dois partidos que perfilham a doce comunhão de malquerer ao actual Governo, coloquem este em face do não pequeno embaraço de só dispondo-se a cair poder agradar simultaneamente a ambos. Eis um preço que o Governo não está disposto a pagar, ainda que correndo o risco de não ser simpático a nenhum deles.

Bem vistas as coisas, não lhes desagrada tanto como isso. Disse-me há dias uma cigana que a última coisa que as oposições sinceramente quereriam era, neste momento, governar Portugal.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Então o Governo vai à cigana para se informar?

O Orador: - Querem - embora o não confessem - que sejamos nós o Sísifo que leva a pedra até ao cimo da montanha. Nós o Prometeu que rouba o fogo do céu. Nós o Endireita da sombra da vara torta. Nós a perder os votos que lhes faltam e que não são capazes de obter ou de segurar governando.
Uma coisa é certa: se o interpelante confiasse no impacte negativo directo das medidas do Governo sobre o eleitorado, não se esforçava tanto por reforçar esse impacte.
Bem ao contrário, tudo indica que o interpelante receia que o clarividente povo português já tenha percebido: que este Governo está fazendo o que era inevitável que se fizesse e que há muito tempo já devia ter sido feito; que era urgente travar a progressão do endividamento externo, do serviço da dívida, e dos défices do Orçamento do Estado, sob pena de o País se tornar ingovernável, e que este Governo travou; que para travar essa progressão era necessário sacrificar o investimento, o crescimento, os rendimentos, os salários, o custo e o nível de vida, e que este Governo, corajosamente, pensando na Pátria e não em votos, sacrificou; ...

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... que, para controlar o crescimento da nossa dependência do exterior se impunha reduzir per saltum o défice da nossa balança de transacções correntes, ainda que pelo preço da desvalorização do escudo (que desestimulou manobras de especulação sobre a nossa moeda, animou as exportações, vai por certo animar as remessas dos emigrantes e já desincentivou as importações); pelo preço do aumento da taxa de juro (que desincentivou a formação de stocks, a fuga de capitais e o consumo interno); pelo preço da limitação do crédito bancário (que conteve a procura e desacelerou a actividade económica em geral); pelo preço da redução do défice do sector público administrativo, com cortes no investimento, redução de subsídios e aumento da carga fiscal; e tudo isto, uma vez mais corajosamente, uma vez mais patrioticamente, este Governo fez; que pior do que o esforço acrescido que ao povo se exige seria a ruptura financeira - que esteve iminente - o recurso forçado e de curto fôlego à venda do outro e, esgotado este, a solitária e triste dependência de nós próprios, gastando só aquilo que produzíssemos, o que em termos prosaicos significaria comermos metade do que hoje comemos; que pior do que ter de assumir a verdade da política deste Governo, seria a mentira de ser mantido na ignorância de que a dívida externa duplicou nos últimos três anos, voltaria a duplicar nos próximos três, atingiria em 1986, como aqui ouvimos ao Sr. Ministro das Finanças, 28 000 milhões de dólares que, muito antes desse momento, o País seria ingovernável, as receitas e despesas seriam inorçamentáveis, e teríamos dito adeus às reservas de ouro, a um ano apenas de termos de dizer adeus à democracia e à liberdade.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O povo já percebeu tudo isto, e é inútil tentar iludi-lo dizendo-lhe que a situação é boa, o Governo é que não presta, e que, mudando de Governo, logo mudaríamos de esperança.

Mudança de Governo que, aliás, implicaria mudança de fórmula, mudança de Parlamento, provavelmente mudança de regime.

Será que há um só democrata e amante da liberdade disposto a correr esse risco?

O Governo está consciente da dureza da política que a conjuntura lhe impôs.
Sabe os custos que tem, as aflições que provoca, as lágrimas que porventura solta.

E nada lhe poderia ser mais gratificante do que recuperar o equilíbrio sem sacrifícios, relançar o desenvolvimento sem dor, semear a esperança sem premunições.
Uma coisa é certa: se não estivesse seguro de que não exige sacrifícios sem um amanhã de liberdade e de justiça social para todos, não teria, obviamente, força moral para impô-los.
Neste mesmo momento se vislumbram já alguns indicadores de esperança. É possível que ainda tenhamos de passar por mais algumas provações.
Não se esgotaram ainda os efeitos negativos sobre os rendimentos; não findou ainda o processo de descapitalização de algumas empresas, não poucas havendo que, tal como acontece noutros países mais ricos do que nós, dificilmente resistirão a situações de que-

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bra; o desemprego ainda não dobrou, talvez, o seu Cabo das Tormentas; terá talvez de continuar, por algum tempo ainda, a consumição o mais reduzida possível dos salários reais.
Depois, sim, espero que não longe, levantaremos voo. Entretanto, os indicadores de que neste momento dispomos, já registam os seguintes inputs de esperança:
As importações, como convinha, desceram 16,8 % em dólares;
As exportações, como era desejável, cresceram cerca de 10 % igualmente em dólares;
A balança comercial atingiu a maior cobertura das importações pelas exportações desde 1979 - 55,5 %;
As remessas de emigrantes poderão animar - assim o espero - no 3 º trimestre;
A inflação, de Janeiro a Setembro, queda-se por
uns aceitáveis, dadas as circunstâncias, 22,7 %;
O défice da balança de transacções correntes, cuja redução constituí o objectivo prioritário do Governo, comporta-se dinamicamente em termos de cumprimento da meta programada: abaixo dos 2 biliões de dólares, em contraste com a previsão fatídica dos quase 4 biliões de que ainda agora acaba de se fazer eco, no seu último número, The Economist.

A esperança é sempre pouca. Mas o importante é ter alguma. Têmo-la. Invistamos em nós mesmos esse precioso capital e sigamos em frente.
Interpelações não pagam dívidas!

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro Almeida Santos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro Almeida Santos, ouvi-o com toda a atenção e tenho a dizer-lhe que enquanto brincou divertiu a Câmara, teve graça, mas quando falou a sério, em minha opinião, foi um desastre.
Compreende-se que, depois da chã e esquelética peroração do Sr. Ministro das Finanças e do Plano ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ..., o Governo necessitasse de uma chama; no entanto, caiu no fogo de artifício.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E evidente que o humor é sadio, sobretudo quando se tem os salários na carteira e quando se tem a barriga cheia!

Aplausos do PCP.

Uma voa do PCP: - O humor não paga dívidas!

O Orador: - Dizem daqui que o humor não paga dívidas e isso é verdade!
Lá fora, Sr. Ministro - o Estado dá o exemplo -, há milhares de trabalhadores sem salários, há fome - convém sublinhar -, fome.

Perguntámos ao Governo coisas muito concretas que gostaríamos de ver respondidas e seria bom que o Sr. Ministro do Estado e dos Assuntos Parlamentares nos respondesse, já que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano não nos disse nada, ao seguinte: vai ou não o Governo avançar com o projecto do Alqueva com todas as implicações que ele tem na valia eléctrica, na valia agrícola e no abastecimento de água às populações?

Urna voa do PS: - Que maravilha!

O Orador: - Vai ou não avançar com o projecto da beterraba sacarina já que brincou com um projecto oficial que está estudado? E possível ou não produzir mais carne com menos matérias-primas importadas?
Em nome de que princípios e orientações económicas é que se pode aceitar, num país que tem défices externos, défices da Balança de Transacções Correntes e da Balança Comercial, a submissão ao Fundo Monetário Internacional que impõe a não restrição às importações?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro afirmou que não é possível reduzir a taxa de juros mas, na nossa opinião, é possível fazê-lo diminuindo e controlando a taxa de inflação. O Sr. Ministro sabe, pelo menos devia saber, que a nossa moeda não é convertível, é semiconvertível, e que a fuga de capitais que se faz é através das sub e sobrefacturação. Se assim é, porque é que não se controlam a sub e sobre facturação? É através das taxas de juros que se controla a fuga de capitais?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aqui há uns tempos o Sr. Ministro Almeida Santos, perante a mesma política, que hoje o Governo leva à prática, dizia: «Valha-nos o Sr. Reagan e nossa senhora Thatcher». Faço minhas as suas palavras.

Risos do PCP.

Como é triste ver hoje o Sr. Ministro Almeida Santos na posição do Sr. Reagan e da Sr.ª Thatcher!

Aplausos do PCP.

Por último, gostaria de salientar o seguinte: o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, o Sr. Ministro de Estado e o Sr. Primeiro-Ministro bateram palmas ao CDS. Fizeram-se perplexos e perguntaram: porque é que o CDS nos vem apoiar, porque é que o CDS se distanciou assim do Partido Comunista na crítica ao Governo, estando na oposição?

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Eles sabem!

O Orador: - Mas, Srs. Ministros, a vossa política não serve o grande capital? Os banqueiros não estão ali nas bancadas do CDS?

Aplausos do PCP.

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Venha a banca e eles depois protestarão!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro Almeida Santos, já o ouvi bastas vezes falar nesta Assembleia, já o ouvi muitas vezes fazer intervenções de chocarria - não em situações sérias como esta - mas há uma coisa, com toda a sinceridade, que não me habituei a ver-lhe: uma absoluta e total falta de ideias!

O Sr. Ministro tentou brincar afirmando que o Partido Comunista está preocupado com o facto de o Governo se estar a enterrar, etc. ... mas, oh, Sr. Ministro, a nossa maior preocupação é o Governo estar a enterrar o país; essa é que a nossa fundamental preocupação.

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro considerou demasiado graves as expressões por nós utilizadas acerca do acordo com o Fundo Monetário Internacional e eu pergunto-lhe: não lhe custa assinar um acordo que diz que «para tomar medidas de política económico-financeira o Governo submetê-las-á previamente ao Fundo Monetário Internacional?» Não é isso perda de autonomia de decisão?

A Sr.ª Ilda (Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não é isto estar a empenhar a soberania nacional?
O Sr. Ministro referiu, mais uma vez num tom chocalheiro, o problema dos salários reais ...

Vozes do PS:- Chocalheiro? É de chocalho!

O Orador:- Exacto, de chocalho!

... o problema dos salários reais e que isso não seria matéria de livre escolha. Sr. Ministro, de facto não é matéria de livre escolha mas é matéria de opção política, de opção política de fundo, e foi por isso que o Governo - isto é um dos pontos que atacamos e continuaremos a atacar no Governo - fez a opção de fundo de ir atacar os salários e não ir atacar outro tipo de rendimentos. Essa é que é a questão ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e é a essa questão que o Governo deve responder em vez de vir para aqui brincar!

Sr. Ministro, é preciso reduzir as importações daquilo que não é necessário ao País, daquilo que não é essencial; é necessário reduzir os consumos que estão acima da média do povo português e não aqueles que estão abaixo, esses não devem ser reduzidos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Para terminar gostaria de salientar o seguinte: o Sr. Ministro referiu os problemas do comércio externo no 1 º semestre e que a política

tomada por este Governo já está a produzir efeitos, no entanto, tenho uma grande dificuldade em perceber como é que as medidas tomadas a partir de Julho deram efeitos até Junho.

Risos do PCP.

Essa ideia da «retroactividade dos efeitos» seria importante ser explicada.

Risos do PCP.

Como o Governo assume, na parte do comércio externo, os resultados do 1 º semestre, pergunto-lhe se também assume os resultados das despesas de turismo em que, por exemplo, nos 4 primeiros meses do ano, em termos de variação homóloga em comparação aos 4 primeiros meses de 1982, as despesas de turismo aumentaram em escudos 62 % e mais de 40 % em dólares. Assume este resultado como efeito da sua política, Sr. Ministro?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro Almeida Santos, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da (Fonseca (MDP/CDE): O Sr. Ministro Almeida Santos, num momento bem sério e grave da situação do País, num debate importante desta Assembleia da República que devia ser esclarecedor, proeurou fazer ironia e humor tentando libertar os deputados que o apoiam, do PS e do PSD, da situação incómoda em que se encontram desde o início da sessão.

Risos.

O Sr. Ministro optou pelo método mais fácil - que, aliás, não foi aqui utilizado por si pela primeira vez e eu sorrio muitas vezes com a sua ironia - no entanto, creio que somos credores de respostas claras e, por isso, sem utilizar qualquer ironia tipo «Almeida Santos», talvez pouco conducente com o espírito e comportamento que se pretende austero do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, sempre lhe faço 3 perguntas para obter, caso esteja apetrechado para o fazer algumas respostas:

Quais são no conceito do Governo os principais pontos fracos e estruturais da economia portuguesa e quais as medidas que o Governo pensa adoptar a curto prazo?
Não constituirá a decisão contida na Carta de Intenções do Fundo Monetário Internacional, de não impor reduções na taxa de importação, uma sujeição descabida às exigências do Fundo Monetário Internacional, que se sabe ser o grande defensor das multinacionais, contraditória com os nossos próprios interesses, que o Governo afirma proteger?

O Governo tem vindo a apresentar a redução do défice da Balança de Pagamentos como o objectivo essencial da sua política económica, aliás, também a Carta de Intenções do FMI

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considera altamente prioritária tal redução. Pergunto: que diligências já fez o Governo no sentido da celebração de acordos de compensação, nomeadamente com países árabes produtores de petróleo e com países africanos de expressão portuguesa?

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - O Sr. Ministro Almeida Santos tentou através da graça fugir a um problema concreto. Penso que não é a melhor forma de abordar os problemas de degradação e de sabotagem de uma empresa, com os reflexos que isso arrasta na economia nacional, na vida de 6000 trabalhadores e suas famílias. E, camarada ...

Risos gerais. ... e Sr. Ministro Almeida Santos.

Uma voz do PCP: - Na verdade vocês não merecem!

O Orador: - Um momento de pausa para que os Srs. Deputados se possam rir.

Risos.

Penso, Sr. Ministro Almeida Santos, que os problemas têm de ser tratados no concreto e o concreto, neste caso, é a situação degradante da LISNAVE, é a situação de 6000 trabalhadores com os salários em atraso que não sabem qual vai ser o seu futuro, com as famílias em grandes dificuldades e com os seus filhos com fome.

Os problemas da LISNAVE têm grande reflexo no concelho de Almada com pequenas e médias indústrias a ir à falência porque trabalhavam com a LISNAVE. Para além de outras empresas com os salários em atraso como é o caso da Parry e Son, da Sociedade de Produção de Navios, da CPP, que a política deste Governo está a levar para o descalabro pondo assim em causa o pequeno e médio comércio do concelho de Almada.

A tudo isto o Sr. Ministro Almeida Santos diz uma graça e eu acrescento: se é crime matar um filho à fome, para este Governo é crime os trabalhadores lutarem pela sobrevivência dos seus filhos!

Aplausos do PCP.

Sr. Ministro Almeida Santos, a minha pergunta é a seguinte: o Governo não tem nada a ver com a reconstituição do monopólio dos Melos que já têm a CABNAVE, a Electro-Arco, a ENI, a FRINIL, a GASLIMPO, a GTI, a H. Parry e Son, a LISMAR, a LISNAVE-Génova, a LISNAVE SHIPYARDS, a LISNICO, a LISRESTAL, a MARGER, a Metalúrgica Luso-Italiana, a NAVALIS, a NAVELINK, a OMAN, a REPROPEL, e a SURBROY, com dinheiro sacado à banca sem um tostão dos Melos?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E dinheiro do povo português!

O Orador: - E dinheiro sacado à banca tendo por base a LISNAVE, saindo depois da LISNAVE para comprar e financiar estas empresas. 15to não tem nada a ver com a economia nacional? 15to não tem nada a ver com este Governo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que gracejar neste caso concreto, Se. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, é infeliz.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, ainda para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro Almeida Santos, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Ministro Almeida Santos fez realmente um discurso bem humorado, mais próprio de um comentário humorístico, e não sei se era este o discurso que o País, já atingido pela política de austeridade do Governo e pela crise económica, estava à espera de ouvir do Governo. A não ser, Sr. Ministro, que V. Ex.ª, acabrunhado pelo discurso do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, tenha tentado nesta Câmara desdramatizar um pouco a intervenção do Governo.

Falou longamente acerca das tácticas da oposição ... é realmente um assunto que o Sr. Ministro conhece bem visto que foi oposição nesta Câmara quando os governos AD tentavam tomar as primeiras medidas de austeridade e é pena que a posição que aqui assumiu como oposição tenha sido diametralmente oposta àquela que assume hoje.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Como é natural!

O Orador: - No fundo, isto significa que este Governo só tem uma política, a política financeira e que o Sr. Ministro se limitou neste debate a ser o porta-voz parlamentar do Ministério das Finanças e do Plano.
V. Ex.ª apontou como um dos sinais mais positivos da nossa economia a evolução favorável da balança comercial, pergunto-lhe: essa evolução favorável não se situa já no domínio de actuação e como consequência da governação do último governo AD?

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. soão Amaral (PCP): - Sr. Ministro Almeida Santos, já foram feitas todas as considerações que há a fazer acerca da forma humorística como deliberou fazer a sua intervenção. Há uma razão para isso ... É evidente que, se tivesse noutra situação, por exemplo, numa empresa com salários em atraso, não a faria dessa forma.

Vozes do PCP: - E óbvio que não!

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O Orador: - E é óbvio também que se a fez dessa forma é porque lhe falham alguns dos elementos necessários para responder à interpelação e às perguntas que aqui lhe foram formuladas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Escondeu-se por detrás de dois jogos de palavras: o primeiro, que o Governo é mau, baixa os salários reais, aumenta o desemprego, sobe as taxas de juro, etc., só que o Governo confessa-o não se esconde por detrás de um biombo e, por isso - silogismo impecável -, o Governo não é criticável! O Governo não se esconde, disse o que vai fazer, logo não é criticável!

Sr. Ministro: claro que o Governo é criticável e se ele não se esconde por detrás de um biombo é porque não o pode fazer perante os portugueses que sentem em concreto as consequências dessa política.

Aplausos do PCP.

Mas a questão não é essa, e o Sr. Ministro sabe bem, mas sim uma outra muito diferente, ou seja: é essa política necessária? É essa política desejável? É essa a política que o País precisa?

Em relação a isso as respostas não foram dadas e as perguntas foram sucessivamente feitas através das 4 intervenções que produzimos e através das 12 perguntas que formulámos por escrito. No entanto, repito, as respostas não apareceram.

Segundo jogo de palavras: o Governo é mau, logo a oposição deve estar satisfeita. Sr. Ministro, isto é um inqualificável jogo de palavras que não tem outro conteúdo para além da simples brincadeira com coisas realmente sérias.

Trouxemos aqui uma alternativa em concreto.

Protestos do PS.

Vozes do PSD: - Qual, qual é?

O Orador: - Demonstrámos muito no concreto que havia uma alternativa viável e o que eu lhe pergunto, Sr. Ministro, é o seguinte: perante um País que espera uma resposta, que espera desta interpelação saber por que é que essa alternativa não é, na opinião do Governo, possível, onde é que esteve essa resposta? Onde é que o Sr. Ministro demonstrou que a sua política é necessária, que é necessário aumentar as taxas de juro e diminuir os salários reais? Onde é que o Sr. Ministro demonstrou que não era possível, necessário e viável neste momento e em Portugal seguir uma política totalmente diferente, de defesa e aumento da produção nacional, de defesa do poder de compra, uma política de sinal contrário àquela que o Governo aqui trouxe?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares para responder às questões que lhe foram colocadas.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Com muito gosto, Sr. Presidente, até porque, se tivesse tempo e não quisesse invadir o tempo que

cabe ao meu colega de Governo que vai intervir a seguir, teria aqui matéria para muito mais humor.
Mas verifico esta coisa espantosa: é que todos os dias se aprende na vida.

Apesar de já não ser muito jovem não esperava a surpresa de vir aqui descobrir que o humor não é sério, que a caricatura não é séria, que a crítica caricatural não tem força. Bem eu penso que o Eça está a mexer-se na tumba a esta hora, numa incomodidade tremenda.
Os Srs. Deputados desculparão, mas devo dizer-lhes que o meu humor levou-vos o mais possível a sério e desejo sinceramente que nunca deparem com um membro do Governo que vos leve menos com tão pouca razão para vos ter levado tanto.

Risos do PSD.

Penso que no meu discurso fui o mais sério possível. A minha maneira de argumentar é um pouco esta.
Acho perfeitamente descabido relacionar o humor que usei com a circunstância de estar a falar relativamente a problemas de barrigas vazias e barrigas cheias. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Protestos do PCP.

Não vale a pena mostrarem espanto porque realmente não tem mesmo nada a ver.

O que eu quero dizer é que me sinto muito honrado por se terem deixado tocar tão profundamente pelo meu humor, porque até aqui parece que ainda ninguém tinha sido honrado com muitas das vossas questões e perguntas e todos vós se declararam tão chocados com o facto de eu ter usado a linguagem que usei, que vou daqui convencido de que é esta mesma a linguagem que devo usar nas vossas interpelações e assim farei de futuro.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Perguntou-me o Sr. Deputado Carlos Carvalhas: «Alqueva», «sim» ou «não»?
O Sr. Deputado quer que eu seja tão pouco sério que lhe diga daqui «sim» ou «não»? É isso?
Acha realmente que os estudos estão todos feitos? Que não há nenhuma dúvida, nenhuma hesitação?

A Sr.ª Ilda (Figueiredo (PCP): - Peça os estudos que já estão feitos no Ministério.

O Orador: - Acha que um Governo responsável deve dizer-lhe já «sim», «com certeza, vamos para a frente, pois não há problemas financeiros, nem estudos de terreno a fazer, nem cálculos a concluir»? Quer dizer, podemos ter desde já a resposta. É isso o que o Sr. Deputado quer?
Bom, se é V. Ex.ª quer o impossível e essa resposta não lha dou. Relativamente à beterraba sacarina perguntou-me se com ela se poupavam ou não 2 milhões de contos. Não sei, Sr. Deputado, mas duvido que poupasse. Portanto desde já lhe declaro a minha profunda convicção de que neste momento não poupava.

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Se o Sr. Deputado entrar com os cálculos financeiros que têm que se fazer, com a consideração do investimento e com os empréstimos que são necessários, a minha propensão é responder-lhe que não, que não poupa 2 milhões de contos. Mas também não lhe respondo, porque só o faria com uma máquina de calcular e depois de aturados estudos que estou convencido que o Sr. Deputado também não fez.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Os estudos já estão feitos no Ministério!

O Orador: - Não estão feitos, Sr. Deputado.

Quero dizer-lhe que este projecto veio várias vezes a Governos de que fiz parte, e onde não vi o Sr. Deputado, e de todas as vezes os Governos se sentiram incapazes e inabilitados a tomar uma decisão honesta.
15to é que é a verdade, isto é que é uma resposta responsável!

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Depois perguntou o Sr. Deputado em nome de que princípios é que nos submetemos ao Fundo Monetário Internacional.

Em primeiro lugar não nos submetemos. Fizemos um acordo de Estado soberano, um acordo que não deslumbra porque têm sido feitos acordos iguais por muitos outros países.

E devo dizer-lhe que não temos do Fundo Monetário Internacional a visão que o Sr. Deputado tem, como provavelmente o Sr. Deputado não espera que eu tenha a mesma visão que V. Ex.ª tem sobre outros fundos também internacionais ...!
Por outro lado parece que a diminuição das taxas de juro é fácil para o Sr. Deputado.

Espero que um dia quando conseguir chegar ao Governo - se alguma ver isso acontecer neste século - o Sr. Deputado ponha em prática essas suas facilidades.

Sr. Deputado, estamos abertos às suas sugestões sobre a maneira prática de evitar a sub e a sobrefacturação. Estamos empenhadíssimos nisso.
Vai haver uma alta autoridade e, faça favor, aproxime-se dela, ensine-lhe o que sabe sobre a maneira de controlar e combater a sub e a sobrefacturação, desde que, obviamente, aceite as limitações do regime de liberdade democrática em que vivemos e que será talvez um obstáculo que o Sr. Deputado não tomou em conta.
«Valha-nos o Sr. Reagan e a Sr.ª Thatcher!», eu disse isso e continuo a dizê-lo.
Acho que, na verdade, o meu partido e o Governo de que faço parte não precisa que o Sr. Reagan e a Sr.ª Thatcher nos valham, como gostaria que o Sr. Deputado não invocasse outros líderes partidários de que igualmente não gosto.

Referiu V. Ex.ª que o Primeiro-Ministro bateu palmas ao CDS. Pois bateu. O Primeiro-Ministro é livre de bater palmas a quem quiser. Não sei é se isto acontecerá em relação a todas as pessoas aqui presentes.

Risos do PS.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira achou também chocarreiras as minhas afirmações sobre situações sérias, mas eu já respondi a isso.
Disse-me também que eu tenho falta de ideias.
E essa a sua ideia, Sr. Deputado, mas não é a minha. Essa ideia, pelo menos, tenho-a e terá que respeitá-la, se me fizer o favor.

Risos do PS e do PSD.

Disse o Sr. Deputado que o Governo está a enterrar o País.
Queria dizer, com certeza, que o que lhes interessava era que o Governo enterrasse o País.

Bom, creio que o Sr. Ministro das Finanças e do Piano, eu próprio e o Governo de um modo geral temos feito a demonstração de que o que estamos a fazer é evitar que o País se afunde e se enterre.

Estamos a fazê-lo com muita coragem, com muita determinação.

O povo português já percebeu isso e há sinais de que compreende a necessidade da política de austeridade que lhe solicitamos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Claro, o povo até gosta. E tão bom, isso. O povo é masoquista! ...

O Orador: - Disse também o Sr. Deputado que pela Carta de Intenções o Governo português se compromete a submeter a sua pré-definição de política financeira no acordo com o FMI.

15so não é exacto.
Prevêm-se ainda, como é normal nestas circunstâncias, consultas regulares. Não vale a pena o Sr. Deputado tirar da Carta de Intenções o que lá não está.

Aconselho-o a voltar a lê-la e depois volte a criticar.

Lamentamos que, na verdade, as despesas de turismo não tenham tido um comportamento exultante. É um facto que temos a lamentar, mas também não disse que tinha sido o contrário.

O Sr. Deputado Corregedor da Fonseca perguntou-me telegraficamente uma coisa difícil de responder: quais os pontos fracos da actual situação?
Bom, eu creio que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano falou meia hora sobre isso, aliás eu próprio disse alguma coisa.

Temos uma situação financeira difícil, como sabe. Tínhamos uma situação de quase rotura quando tomámos conta do Governo.
O Governo anterior tinha-se visto já na necessidade de empenhar ouro e de vender ouro para evitar uma situação de rotura, e nós conseguimos, com um pequeno e quase insignificante sacrifício das nossas reservas de ouro, evitar essa rotura.

Se isto, na verdade, não chega como resposta penso que esse é o principal ponto fraco e neste momento não tão fraco porque atalhámos a tempo.

O défice da balança é, de facto, prioritário e já dissemos porquê.
O Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida estranhou que eu tivesse proferido uma graça sobre a sua interpelação.
Realmente a sua interpelação tinha muito pouco que ver com este Governo e tinha tudo a ver com os

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antecedentes da família Melo e dos anteriores Governos. Foi essa a razão por que proferi a afirmação que proferi.

Em todo o caso terá a sua resposta sobre a LISNAVE.

Eu não me propus responder-lhe, mas em todo o caso gostava que quando se tivesse que se pronunciar novamente sobre este assunto dissesse também se está ou não de acordo com o aprisionamento dos barcos como forma de luta dos trabalhadores. Foi um aspecto que não focou, lamentavelmente.

Perguntou-me também o Sr. Deputado se é crime ou não os trabalhadores lutarem pela sobrevivência dos seus filhos e eu respondo-lhe que em democracia, por métodos antidemocráticos que constituem crimes previstos no Código Penal, é, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Mas os Meios podem fazê-lo!

O Orador: - Os Melos também estão sujeitos à lei, como sabe.

Vozes do PCP: - Vê-se! Vê-se!

O Orador: - Bom, não esperava que a esta hora da noite os Srs. Deputados insultassem os juízes portugueses.

Era este o discurso que o País estava à espera de ouvir? - Perguntou o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Talvez fosse, Sr. Deputado. Talvez fosse porque a interpelação foi posta em tais termos que de algum modo era necessário desdramatizar.

Eu levei a sério a interpelação do Partido Comunista, mas levei-a tão a sério quanto a interpelação merecia e usei, como lhe disse, a forma que considerei mais séria para a combater.

Também fui oposição nesta Câmara - lembrou-me o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Fui oposição nesta Câmara e fora dela, Sr. Deputado.

Já sou velho e sou oposição desde os mais verdes anos.

Na verdade tenho uma longa prática da oposição e tenho até a impressão de que sou mais hábil na oposição do que no Governo.

Infelizmente é assim.

Neste momento sou Governo, sou um dos que estou no Governo. Lamento.

Aplausos do PS.

O Governo sempre reconheceu que a evolução favorável da balança comercial se deve, em parte, a medidas do anterior Governo.

Nunca ocultámos isso e não o dissemos porque tal já tem sido dito noutras circunstâncias. E também não disse o contrário.

O Sr. Deputado João Amaral disse que se eu estivesse numa empresa com salários em atraso não falava assim.

Talvez, Sr. Deputado, se eu estivesse numa empresa com salários em atraso e reconhecesse, como

reconheço, que o Governo não tem nada com os salários em atraso das empresas privadas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - O que eu estava aqui a dizer ao Sr. Deputado era só isto: a nossa divergência é uma divergência de modelos de economia.

O Sr. Deputado, provavelmente, desejaria que em Portugal vivessemos segundo o modelo em que fosse fácil resolver o problema do desemprego porque a massa salarial que houvesse e também, infelizmente, os bens alimentares que houvesse seriam distribuídos por todos. E então lá viriam as bichas, lá viria a necessidade de controlar os protestos e a necessidade de evitar os sindicatos livres. Lá viria a necessidade de evitar outras liberdades.

O nosso modelo não é esse.

Não sei mesmo se o Partido Comunista quando crítica o Governo se coloca ou não no modelo de economia em que vivemos - e nessa altura as críticas têm que ser umas. Se se coloca no modelo de economia que tem como paradigma, as suas críticas podem ser outras, só que, nesse caso, estão deslocadas aqui.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - 15so é uma provocaçãozinha!

O Orador: - Não é provocação, é uma constatação perfeitamente fácil.

A afirmação do Sr. Deputado João Amaral de que trouxeram aqui uma alternativa em concreto foi a melhor manifestação de humor da noite.

Risos do PS.

Srs. Deputados do Partido Comunista, queria pedir-lhes um favor e que é este: há pouco o Sr. Deputado Rogério de Brito disse que o Governo tinha tido um elogio da parte do CDS, umas palmas, mas que depois teve que engolir uma colher de óleo de fígado de bacalhau. Eu penso que hoje tenho a saúde que tenho porque em pequeno a minha mãe me obrigou a tomar óleo de fígado de bacalhau e acho que tive razão quando disse que os senhores são ingratos, porque nós estamos aqui a tratar-vos da saúde na qualidade de cidadãos do país cujos males estamos a tentar curar.

Na verdade, os senhores são ingratos pelo esforço que estamos a fazer. Tomem o vosso óleo de fígado de bacalhau que vos fará bem no futuro.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme estava estabelecido os 4 grandes partidos e o Governo teriam que gastar um terço do tempo global e se o não fizessem perdê-lo-iam.

Como está na hora inicialmente prevista para terminar a sessão vou dar a relação dos tempos ainda disponíveis em relação a esse terço, para que os Srs. Deputados informem a Mesa se se devem prolongar os trabalhos ou não.

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O PCP já não tem tempo, o CDS ainda dispõe de 4 minutos, assim como o Governo, o PSD dispõe de 9 e o PS de 12 minutos.
Creio que, dado o pouco tempo de que dispõe cada partido em relação ao terço que devia gastar, se podem deixar cair estes minutos e interromper a sessão para se recomeçar amanhã.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP) : - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, penso que há todo o interesse em que me seja permitido fazer um curto protesto em relação à intervenção do Sr. Ministro Almeida Santos.
Penso que o Sr. Ministro estaria nessa disposição.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode fazer, evidentemente, o protesto. Tem esse direito.
O tempo que gastar é descontado no tempo de amanhã.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares mudou de tom e fez bem. Mas mesmo assim não conseguiu fugir à tentação de procurar, outra vez, brincar com coisas sérias.
Lá fora as coisas são bem diferentes do que aqui dentro, Sr. Ministro.
Falou, o Sr. Ministro, sobre o Alqueva.
Mas, Sr. Ministro, quando falava da Sr.ª Thatcher e do Sr. Reagan, já afirmava aqui que os estudos sobre o Alqueva estavam feitos. Porque razão o Governo não se decide sobre isso? Os estudos estão feitos, estão quantificados. Porque razão não se toma uma decisão? São precisos mais 100 dias?
Relativamente à beterraba sacarina, é um facto que o Sr. Ministro não me podia encontrar no Governo, pois eu não pactuava com a AD. O estudo a que nos referimos entrou no Governo em Novembro de 1982. Não sei se o Sr. Ministro Almeida Santos nessa altura batia nas portas do Governo AD ...
Quanto ao problema, a que já me referi, do conteúdo da Carta de Intenções do FMI, posso dizer-lhe que a matéria que mencionei consta dela. Ela foi incluída por sugestão do Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Apesar disso, o Sr. Ministro devia ler com mais atenção esse documento que assinou ou que não assinou.
Em relação à intervenção do meu camarada Maia Nunes de Almeida, devo dizer-lhe que quisemos aqui abordar o caso de uma empresa importante e que contribui substancialmente para a poupança de divisas ou, pelo menos, que para tal devia contribuir. Esta empresa é exemplo do que é a fuga de divisas, do que é a reconstituição de monopólios, ou seja, é exemplo de a quem serve a vossa política.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, a última questão: será que o pagamento de salários não é constitucional?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo nada tem a ver com 80 empresas privadas que não pagam os salários? Triste concepção de Governo ...
Mas, Sr. Ministro Almeida Santos, e o que se passa na ANOP? Será que já pagaram o subsídio de férias? E na IEPNC? Será que isto não é constitucional? Não é legal? Não é justo? Vamos brincar com isto, Sr. Ministro? Certamente que o Sr. Ministro já recebeu o subsídio de férias e gozou-as bem ...

Relativamente à acusação de não ter o PCP uma alternativa, que o Sr. Ministro disse ser talvez um outro modelo, devo dizer-lhe que nós defendemos o modelo constitucional.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nós não metemos o socialismo na gaveta, Sr. Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Primeiro-Ministro: - O vosso socialismo não é socialismo. É ditadura!

O orador: - Vocês meteram o socialismo na gaveta. Vocês não conseguem demonstrar que têm alternativa à política da AD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Onde estão as três diferenças em relação à política da AD? Diminuição das taxas de juro, desvalorização do escudo, aumento dos preços: qual é a vossa política se não outra política monetarista da Sr.ª Thatcher, do Sr. Reagan, do FMI e do Sr. Friedman? Esta é que é a vossa política.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Se. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Responderei telegraficamente, até porque não gostaria de deixar estes pedidos de esclarecimento sem resposta, inclusivamente pelo respeito que o Sr. Deputado me merece.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Carlos Carvalhas, que o Governo prometeu no seu Programa de Governo que dentro de 6 meses tomaria uma decisão sobre os grandes projectos nacionais, incluindo o do Alqueva e o da beterraba sacarina. Ainda não passaram 6 meses. Dentro de 6 meses o Governo pronunciar-se-á sobre isso.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Os senhores retiraram esses projectos das Grandes opções do Plano.

O Orador: - Disse o Sr. Deputado que não pactuava com os governos da AD. Eu referia-me aos governos a que eu pertenci e, como se sabe, nunca estive em nenhum governo da AD.

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Quanto ao problema da LISNAVE, o Sr. Deputado terá a resposta completa. Por agora eu disse apenas o que entendi dever dizer-lhe. Em todo o caso, gostaria que o Sr. Deputado me dissesse qual é o artigo da Constituição que obriga o Estado a pagar os salários de uma empresa privada ou, mesmo, de uma empresa pública.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - E a ANOP e outras empresas públicas?

O Orador: - A situação é a mesma, apesar de se tratar de empresas públicas, Sr. Deputado. Diga-me: qual é o artigo da Constituição?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - A Constituição consagra o direito aos salários!

O Orador: - Qual é o artigo? Se me souber responder, dir-lhe-ei que o Sr. Deputado tem razão e que eu não tenho. Se o Sr. Deputado não me souber responder, quem tem razão sou eu e o Governo, pelo que as nossas soluções são as boas.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrar a sessão, queria anunciar que deram entrada na Mesa um voto de protesto e de solidariedade pela invasão da República de Granada, apresentado pela UEDS, e um voto de protesto, sobre o mesmo assunto, apresentado pelo PCP.
A sessão de amanhã, que começa às 10 horas, não terá período de antes da ordem do dia e a ordem do dia será a continuação da matéria agendada para hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto. José Carlos Pinto Bastos Torres. José António Borja S. dos Reis Borges. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes. Carlos Miguel Almeida Coelho. José Bento Gonçalves. José Vargas Bulcão. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho de Sousa. Joaquim Gomes dos Santos. Manuel Correia Lopes. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Odete Santos. Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António José de Castro Bagão Félix. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. João Lopes Porto. Narana Sinai Coissoró. Pedro José del Negro Feist.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa. António Gonçalves Janeiro. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. Manuel Filipe Pessoa Santos Loureiro. Nelson Pereira Ramos. Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz. Cecília Pita Catarino. Fernando José Alves Figueiredo. Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça. José Adriano Gago Vitorino. José Ângelo Ferreira Correia. José António Valério do Couto. Mariana Santos Calhau Perdigão. Rogério da Conceição Serafim Martins. Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes. Serafim de Jesus Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. António José Monteiro Vidigal Amaro. Domingos Abrantes Ferreira.

Centro Democrático Social (CDS):

João Silva Mendes Morgado. José Vieira de Carvalho. Luís Filipe Paes Beiroco.

Perguntes do PCP ao Governo, no âmbito da interpelação sobre política económica e financeira, enviadas à Mesa pana publicação.

1.ª pergunta

Num país com elevados défices da balança comercial, como pode o Governo explicar o compromisso
que assumiu perante o FMI de liberalizar importações, obrigando-se designadamente a não introduzir novas
restrições e a diminuir as existentes, quando é certo que os próprios acordos do GATT as permitem? Para um país com elevados défices da balança comercial, não é isto a escravidão pela dívida?

2.ª pergunta

Sendo certo que a política de redução brutal do investimento (formação bruta do capital fixo) em todas as formações económicas não permite qualquer modernização estrutural da economia e que tal política aumenta a dependência externa em bens de investimento, é ou não inevitável que qualquer relançamento,

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no futuro, do investimento a médio prazo vai obrigar a maiores importações e, afinal, a maiores défices externos?

3.ª pergunta

Sendo certo que da política de maiores restrições ao crédito, de novos aumentos das taxas de juro e de redução acentuada da actividade económica vão resultar necessariamente dificuldades económicas e financeiras acrescidas para muitos milhares de empresas fortemente endividadas, é ou não inevitável que vai subir em flecha o número de falências? Tem o Governo algum cálculo sobre o número de falências que vai conseguir com essa política? E tem alguma ideia sobre o volume de efeitos negativos que essas falências vão ter sobre a situação da banca?

4.ª pergunta

Como resultado quer das restrições à contratação colectiva e às actualizações salariais, quer do aumento directo e indirecto da carga fiscal, quer dos brutais aumentos dos preços, quer da diminuição real das verbas do Orçamento para prestações sociais, designadamente na saúde, segurança social, educação e habitação, assiste-se hoje a uma ofensiva sem precedentes contra as condições de vida das mais largas camadas da população, particularmente dos trabalhadores. Quais as previsões do Governo quanto à taxa de diminuição do valor real dos salários, no corrente ano e em 1984, se conseguisse levar por diante os seus objectivos?

É ou não essa diminuição dos salários reais factor de tensões sociais incomportáveis, de diminuição de produção interna, de mais falências, de maiores dificuldades para Portugal e para os portugueses?

5.ª pergunta

Sobre cerca de 100 000 trabalhadores portugueses recai neste momento um novo flagelo social. Apesar de manterem o vínculo contratual com as empresas, apesar de continuarem a trabalhar, não recebem os seus salários e subsídios em devido tempo. São conhecidos casos onde as entidades patronais usam este processo para beneficiar dos juros das retribuições que não são pagas aos trabalhadores, juros cujo valor já foi calculado em mais de 1 milhão de contos. Outros usam-no como um método chantagista para proceder a despedimentos colectivos ou receber subsídios do Estado que são usados em proveito próprio sem qualquer controle. O Governo actual não só permite a impunidade destes crimes como também dá o exemplo nalgumas empresas públicas.
Porque o direito ao salário é uma das expressões mais significativas do direito à vida, porque o Estado tem de se responsabilizar não só pela subsistência mas também pela sobrevivência dos trabalhadores na sua vivência em comunidade organizada, não é facto que a continuação desta situação traduz-se no plano jurídico-constitucional na violação de um direito fundamental dos trabalhadores, no plano social num factor de injustiças incompatíveis com o regime democrático e no plano económico na degradação do poder de com-

pra, das condições mínimas de vida e nas dificuldades crescentes para as empresas que trabalham para a procura interna?

6.ª pergunta

Sabendo-se que há cerca de 470 000 desempregados e que a ruinosa política do Governo de retracção da produção e do investimento e de liquidação de empresas irá agravar esta situação em centenas de milhar, qual a estimativa real do Governo sobre o aumento do efectivo de desempregados em 1984? E sabendo-se que o reduzido subsídio de desemprego previsto no Orçamento do Estado para 1984 apenas chegará para pouco mais de 70 000 desempregados, o que vai o Governo fazer com os restantes? Como pensa o Governo que irão sobreviver?

7.ª pergunta

Exigindo a satisfação dos interesses das populações, o reforço do poder local e o respeito pela sua autonomia, garantida pela Constituição, como explica o Governo o compromisso que assumiu com o FMI de obrigar as autarquias locais a «apresentarem pontualmente relatórios trimestrais ao Governo Central»? E como explica que, na proposta de orçamento, reduza para 17 % - e contra o disposto na lei - a percentagem de receitas que pretende transferir para as autarquias e lhes entregue novas competências sem os meios financeiros para as concretizar adequadamente? Como compatibiliza esta política de ataque à autonomia do poder local e de restrição dos seus meios financeiros com as necessidades de desenvolvimento regional, parte integrante do desenvolvimento nacional?

8.ª pergunta

O défice da balança comercial poderia ser substancialmente diminuído pelo incremento da produção em Portugal dos bens alimentares hoje importados e que custam ao País mais de 80 milhões de contos por ano.
São possíveis num curto espaço de tempo, com reduzidos investimentos, aumentos significativos da produção de trigo e outros cereais nas terras disponíveis com aptidão para tais culturas e da produção de carne pelo aproveitamento das terras com aptidão silvo-pastoril, de solos menos férteis, de sobcoberto e prados plurianuais, que se traduziriam numa substancial diminuição das importações de bens alimentares.
Que razões podem levar o Governo a inviabilizar tais recursos e potencialidades nacionais e a seguir uma política de importação crescente de bens alimentares?

9.ª pergunta

Um dos grandes projectos de investimento cuja concretização tem sido sucessiva e escandalosamente adiada é o de Alqueva.
É, porém, inquestionável que se trata de um investimento com alta valia aos níveis da produção de energia eléctrica, agrícola e de abastecimento de água.

Uma vez implementado o projecto Alqueva traria no imediato consideráveis benefícios a nível regional (Alentejo e Algarve) e a nível nacional.

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Como explica o Governo o facto de manter congelado este empreendimento de inegável interesse nacional?

1O.ª pergunta

Sabendo-se que, à excepção da Noruega, Portugal é o único país da Europa onde não se cultiva a beterraba para a produção do açúcar; sabendo-se que existem boas condições no nosso País para se avançar com essa produção; sabendo-se que importamos a quase totalidade do açúcar consumido, não à facto que só razões antinacionais podem explicar que o Governo impeça a produção e industrialização da beterraba sacarina? Reconhece o Governo que existe um projecto concreto, com elevada rentabilidade económica, financeira e cambial e que só por si permite a poupança anual de 2 milhões de contos de divisas?

11.ª pergunta

Sabendo-se que Portugal, país com elevada capacidade de construção naval, gasta por ano 80 milhões de contos em divisas para pagamento de fretes a navios estrangeiros, não é uma política claramente contra os interesses nacionais continuar a privilegiar a utilização da frota estrangeira em vez de investir na construção de uma marinha mercante adaptada às necessidades do nosso comércio externo, viabilizando e incrementando simultaneamente o sector da construção naval nacional?

12.ª pergunta

Apesar da riqueza inegável das costas portuguesas, importa-se mais de 14 milhões de contos de pescado por ano.
No entanto, as empresas de pesca designadamente as nacionalizadas encontram-se paralisadas e assiste-se mesmo a manobras tendentes a desmantelar essas empresas como sucede por exemplo na SNAPA e na Companhia Portuguesa de Pescas.
Não é uma política claramente lesiva dos interesses nacionais condenar à degradação a nossa frota em vez de apoiar o desenvolvimento das empresas nacionalizadas, privadas ou cooperativas, resolver as graves dificuldades económicas que põem em risco a sua sobrevivência e criar as condições para um aumento de produção nacional?

Votos enviados à Mesa para publicação

Voto de protesto e solidariedade

Tropas dos Estados Unidos da América e de outros países da América Central invadiram esta madrugada a República de Granada numa flagrante violação de todas as regras e princípios do direito internacional.
Considerando que se trata de um inadmissível atentado contra a independência de um Estado soberano que nenhuma razão pode justificar:
A Assembleia de República condena a operação militar desencadeada contra a República de Granada e exprime a sua solidariedade ao povo de Granada, vítima de intolerável agressão.

Assembleia da República, 25 de Outubro de 1983. Os Deputados da UEDS: Lopes Cardoso - César de Oliveira - António Vitorino - Hasse Ferreira.

Voto de protesto

Durante a madrugada de hoje, dia 25 de Outubro, tropas norte-americanas invadiram a ilha de Granada.
Sobre a capa de uma eventual retirada de cidadãos americanos que se encontravam na ilha, o Presidente Reagan ordenou a ocupação de um país soberano.
Trata-se de um acto de agressão, que viola frontalmente todos os princípios de direito internacional e a Carta das Nações Unidas.
Esta intervenção armada constitui uma grave ingerência na vida interna de um Estado e de um povo.
O processo democrático de Granada diz unicamente respeito ao povo granadino e não aos EUA.
A política de paz e desanuviamento, tão necessária ao desenvolvimento dos povos, é posta em causa desta forma brutal.
Nestes termos o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte voto de protesto:
A Assembleia da República protesta energicamente contra a agressão perpetrada pelas Forças Armadas Norte-Americanas contra a República de Granada e solidariza-se com o povo granadino na sua luta contra a ingerência imperialista e pela libertação.

Assembleia da República, 25 de Outubro de 1983. Os Deputados do PCP: Carlos Brito - Alda Nogueira - Carlos Carvalhas - José Magalhães - Jorge Lemos - Joaquim Miranda - Zita Seabra - Custódio Gingão - José Manuel Mendes.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 25 de Outubro de 1983, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1 - Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Henrique António da Conceição Madureira (esta substituição é pedida para os dias 24 a 26 de Outubro corrente, inclusive);
Henrique Paulo das Neves Soudo (círculo eleitoral de Setúbal) por Manuel Jorge Pedrosa Forte Goes (esta substituição é pedida para os dias 26 e 27 de Outubro corrente, inclusive);
António José Tomás Gomes de Pinho (círculo eleitoral de Lisboa) por Pedro José Del Negro Feist (esta substituição é pedida para os dias 25 e 26 de Outubro corrente, inclusive).

2 - Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar do Partido da Acção Social-Democrata Independente:

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Tílman (esta substituição é pedida por um período não superior a 1 mês, a partir do dia 25 de Outubro corrente, inclusive).

3 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas

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eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
5 - Finalmente a Comissão entende proferir O seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

6 - O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: António Cândido Miranda Macedo (PS), presidente - Mário Júlio Montalvão Machado

(PSD), vice-presidente - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP), secretário - Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS), secretário - António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Rastos (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino (UEDS).

AS REDACTORAS DE 1.ª CLASSE: Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira.

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PREÇO DESTE NÚMERO 92$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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