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4 DE NOVEMBRO DE 1983 1771

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, tal como V. Ex.ª acabou de sublinhar, as afirmações do Sr. Deputado Jorge Lemos integram um conjunto absolutamente abusivo da figura de interpelação à Mesa. A interpelação à Mesa é uma figura regimental que diz somente respeito à fixação dos termos do debate.
Ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista restavam duas hipóteses: ou considerar que foi aberto um debate sobre esta matéria e reivindicar também o uso do seu direito de intervenção, tal como foi conferido ao Sr. Deputado Jorge Lemos, do Partido Comunista Português, ou, pura e simplesmente, considerar - tal como é o caso - que o facto de um deputado ter usado abusivamente do seu direito de palavra não justifica que outros deputados usem abusivamente desse mesmo direito.
Neste sentido, gostaria de sublinhar que o nosso silêncio não quer significar nem concordância nem cumplicidade, mas apenas respeito pelo Regimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Então considera-se este assunto encerrado.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Gomes.

O Sr. Joaquim Gomes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao trazer ao conhecimento da Assembleia da República alguns problemas concretos da crise na indústria, vidreira, quero aqui apresentar o meu mais enérgico protesto contra a violência repressiva que se abateu sobre os trabalhadores da Marinha Grande no passado dia 21 de Outubro. As brutalidades desencadeadas por forças da GNR contra os operários da firma Manuel Pereira Roldão, ordenadas pelo Governo e pelo Sr. Ministro Eduardo Pereira, constituem uma ofensa ao regime democrático saído do 25 de Abril.
Em vez de medidas para resolver ou atenuar a crise, em vez de obrigar os patrões ou seus administradores a devolver as dezenas de milhares de contos de salários não pagos e em atraso, em vez disso, o Governo manda, uma vez mais, as forças repressivas espancar e espingardear os trabalhadores vidreiros. A violência foi de tal modo que só por mero acaso não houve mortes a lamentar, como se pode comprovar pela bala que atravessou a perna de um trabalhador, ou pelo orifício na vidraça de uma janela, a escasso centímetro do rosto de uma criança.
Esta selvajaria repressiva suscita-me a seguinte interrogação. Será que os Srs. Mário Soares, Mota Pinto e Eduardo Pereira pensarão conseguir o que Salazar, Marcelo e os «Rapazotes» não conseguiram em 48 anos, ou seja, vergar os trabalhadores vidreiros pela repressão e a fome?
A paralisação imediata de milhares de trabalhadores da Marinha Grande de protesto contra a repressão da GNR, tal como as manifestações que se lhe seguiram pelas ruas da vila primeiro, e pelas ruas de Leiria logo a seguir, bem como as acções desenvolvidas já depois do dia 21 de Outubro pelos trabalhadores da CI VÊ e ainda a marcha dos vidreiros desde a Marinha Grande até Lisboa, de 10 a 13 de Outubro, já depois da ocupação da vila pelas forças repressivas, constituem resposta às tentativas de intimidar e submeter os operários vidreiros.
A crise da indústria vidreira não é, de modo algum, assunto que apenas diga respeito à Marinha Grande. Na realidade, despedimentos, trabalhadores atirados para o desemprego pelo encerramento de empresas, salários em atraso, são problemas que praticamente se estendem a todas as empresas de vidro existentes no País.
Os trabalhadores da Fontela, Figueira da Foz, estão há mais de ano e meio sem salários. Na Ingridhutte, Leiria, há 7 meses que não se pagam salários. Na fábrica das Gaivotas, em Lisboa, a situação é de falência e de confusão quase total. Na IVIMA, Marinha Grande, talvez mais por represália contra os trabalhadores, não se pagou ainda metade do subsídio de férias e do salário de Outubro só pagaram 6000$.
Pode afirmar-se, sem perigo de exagerar, que não há empresa da chamada indústria de cristalaria que não atravesse sérias dificuldades, isto é, salários em atraso, perigo de encerramento, etc.
Todavia, ao trazermos aqui alguns casos concretos de empresas vidreiras com problemas diversos, embora uns mais graves do que outros, queremos demonstrar que nem todas as situações de dificuldades existentes são resultantes da crise em si mesmas. São, sim, consequência da recuperação e centralização capitalistas promovidas pelo Governo.
Vejamos então 3 casos concretos.
Manuel Pereira Roldão - nesta empresa, com mais de 500 trabalhadores e em risco de encerrar, não se pagam salários vai em 4 meses. A razão principal porque se chegou a tal situação vem da entrega da empresa em 1977, por um governo Mário Soares, a um aventureiro que a conduziu à situação de falência em que se encontra. Porém, todo o processo que conduziu a empresa a esta situação não pode deixar de suscitar muitas interrogações aos trabalhadores. Por exemplo: porquê, estando concluído há já algum tempo um novo forno a tanque, construído com materiais importados, nos quais se investiram dezenas de milhares de contos dos 140 000 de subsídio que à empresa foram concedidos, ele continua inactivo? Agora, diz-se que para este forno iniciar a sua laboração é necessário um novo empréstimo de 15000 a 20000 contos, que tarda a ser concedido. Porquê?
E porque se mantém em laboração um forno a cair de velho que dá dezenas de contos de prejuízo em cada mês de laboração? Não será porque alguém está interessado em avolumar as dificuldades e consumar o encerramento da empresa?
As suspeitas dos trabalhadores da Manuel Pereira Roldão avolumam-se com um facto bastante insólito: a insistência da administração em impor como gestor da empresa o Sr. Coronel Almeida Coimbra, personagem com gravíssimas responsabilidades na criminosa repressão da Polícia de Intervenção, que, sob o seu comando, espingardeou trabalhadores, matando 2 deles e ferindo dezenas de outros quando pacificamente comemoravam o 1.º de Maio do Porto em 1982.