O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2829

I Série - Número 65

Sexta-feira, 20 de Janeiro de 1984

DIÁRIO

da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE JANEIRO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António do Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Procedeu-se á leitura do expediente e deu-se conta de requerimentos apresentados e de respostas a alguns outros.
Os Srs. Deputados César Oliveira e Hasse Ferreira (UEDS) pediram esclarecimentos e o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho (ASDI) protestou relativamente a uma intervenção da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE), que respondeu e contraprotestou, produzida na sessão anterior, na qual se referiu ao facto de deputados eleitos como independentes representarem partidos políticos na Assembleia. Após as respostas e o contraprotesto da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE), gerou um pequeno debate sobre esta questão, tendo ainda usado da palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Em declaração política, o Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) referiu-se ao regime de penúria instalado nos domínios da Cultura, tendo acusado o Governo por essa situação. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Carlos Lage (PS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e Igrejas Caeiro (PS).
Foi discutido e aprovado um voto de pesar, apresentado pelo PCP, pelo falecimento do poeta Ary dos Santos. Usaram da palavra os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Manuel Alegre (PS), José Gama (CDS), Marques Mendes (PSD) e César Oliveira (UEDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Pedro Pinto (PSD) referiu-se ao projecto de Plano Energético Nacional, que se encontra em discussão no Conselho de Ministros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Rúben Raposo (ASDI) referiu-se à criação do Conselho Permanente da Concertação Social, considerando que deste modo o Governo avança para o consenso social alicerçado na solidariedade nacional.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Edmundo Pedro (PS) referiu-se aos acontecimentos 18 de janeiro de 1934.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão conjunta do projecto de lei n.º 93/III (CDS) e da proposta de lei n.º 56/III, sobre a Lei Quadro do Sistema de Segurança Social, tendo intervindo, a diverso titulo, além da Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social (Leonor Beleza), os Srs. Deputados Luís Barbosa (CDS), José Vitorino (PSD), Zita Seabra (PCP) e Corregedor da Fonseca e António Taborda (MDP/CDE).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Alexandre Monteiro António.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Moura.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.

Página 2830

2830 I SÉRIE - NÚMERO 65

Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Hündel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeira Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barroso Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Ferreira Pires Gestosa.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Pessoa Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Oliveira Mendes dos Santos.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.

Página 2831

20 DE JANEIRO DE 1984 2831

António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Carlos Sousa Nunes da Silva.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João António de Morais Silva Leitão.
João Lopes Porto.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Henrique Meireles Barros.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte de Goes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Rúben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Ofícios

Da Assembleia Municipal de Oeiras remetendo um exemplar da moção aprovada em reunião do passado dia 6 do corrente mês, sobre o regime das autarquias locais;
Da Câmara Municipal de Constância, remetendo fotocópia da moção aprovada na reunião ordinária realizada no dia 3 do corrente mês, relativamente à tributação, que repudiam, em imposto profissional, complementar e fundo e desemprego, do valor das senhas de presença atribuídas aos membros das várias autarquias locais.
Da Câmara Municipal de Ferreira do Zêzere, remetendo um exemplar da moção aprovada pela assembleia municipal daquele concelho em reunião realizada no dia 17 de Dezembro findo, contestando a transferência da construção do novo hospital sub-regional de Tomar para Torres Novas.
Da Junta de Freguesia de Castelo Branco, remetendo moção aprovada pela respectiva assembleia de freguesia, sobre as cheias ocorridas entre 18 e 23 de Novembro do ano findo, em que os danos causados no concelho de Castelo Branco ascendem a cerca e 20 milhões de escudos.
Da Junta de Freguesia de Lordelo, remetendo um extracto da acta da assembleia de freguesia realizada no dia 8 de Dezembro transacto, acerca do projecto de lei n.º 246/III, da autoria do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, sobre a elevação da citada freguesia à categoria de vila.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas do Norte e da União dos Sindicatos do Porto; telegramas da direcção do Sindicato dos Metalúrgicos do Porto, do Sindicato de Vestuário do Porto e do Sindicato dos Hidratos de Carbono do Norte; e um telex da direcção do Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Porto, exigindo a discussão pública da anunciada Lei de Bases da Segurança Social.

Telegramas

De professores de trabalhos manuais e 12.º Grupo da Escola Preparatória de Ponte de Lima apoiando a intervenção do Deputado Lemos Damião nesta Assembleia, na defesa da sua causa.
De trabalhadores da administração local de Lisboa e telex das direcções dos Sindicatos dos Enfermeiros, da Função Pública, da Administração Local e Profes-

Página 2832

2832 I SÉRIE- NÚMERO 65

sores de Ponta Delgada, repudiando a contraproposta do Governo relativamente aos aumentos salariais, exigindo a sua negociação.

Resolução

Do Soviete Supremo da URSS, entregue a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República e referente à situação internacional e à política externa do Estado Soviético.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos:

Ao Governo, formulado pelas Sras. Deputadas Ilda Figueiredo e Georgete Ferreira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira; às Secretarias de Estado do Emprego e do Fomento Cooperativo, formulado pelos Srs. Deputados João Amaral e Octávio Teixeira; ao Ministério da Justiça, formulado pelos Srs. Deputados José Magalhães e José Manuel Mendes; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado António Meira; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Pita Guerreiro e Agostinho Domingues; à Secretaria de Estado das Pescas, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Espadinha; ao Ministério da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e outros; ao Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado Amadeu Pires.

O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Gaspar Martins, na sessão de 16 de Julho; Magalhães Mota, nas sessões de 23 de Junho, 14 e 16 de Setembro, e na reunião da Comissão Permanente de 8 de Setembro; José Tengarrinha e outros, na sessão de 22 de Setembro; Soares Cruz, Anselmo Aníbal e Jerónimo de Sousa, na sessão de 17 de Outubro, respectivamente; Anacoreta Correia, na sessão de 25 de Outubro; João Abrantes, na sessão de 26 de Outubro; Morais Barbosa, na sessão de 3 de Novembro; Lopes Cardoso, na sessão de 4 de Novembro; António Mota, na sessão de 17 de Novembro; Paulo Barral e Agostinho Domingues, na reunião da Comissão Permanente de 13 de Outubro.
55 câmaras municipais responderam a requerimentos apresentados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, na sessão do dia 10 de Novembro do ano findo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na última reunião houve uma intervenção da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que suscitou pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados César Oliveira, Hasse Ferreira e Vilhena de Carvalho.
Para darmos continuidade a estes pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ler as perguntas que tenho a fazer à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, embora haja algumas a que eu próprio respondo.
0 que é que pretende o MDP/CDE?
Que não sejamos um Grupo Parlamentar? Não somos.
Que a UEDS não esteja formalmente presente na Assembleia da República? Não está.
Que tenhamos direitos maiores que o MDP/CDE na Assembleia da República? Já não temos direitos maiores.
Que não estejamos representados nos órgãos de representação partidária de eleição ou nomeação pela Assembleia da República? Não estamos.
Que não tenhamos o mesmo tempo de debate que o MDP/CDE? Não temos.
Que na RTP o MDP/CDE surja diferenciado da UEDS e da ASDI? ]á surge.
Se tudo isto já está assegurado ao MDP/CDE, o que pretende então o MDP/CDE? Que os agrupamentos parlamentares dos Deputados Independentes da ASDI e UEDS não sejam recebidos pelo Presidente da República? Que sejamos designados por outro nome? Qual? Que deixemos de ter voz aqui na Assembleia da República? Que usemos um distintivo exterior na lapela do casaco, ao estilo da estrela judaica, que mostre ao público que somos diferentes do MDP/CDE?
Afinal o que quer o MDP/CDE? Que fiquem esclarecidas as regras do jogo democrático, quando a prática da diferenciação já significa esse próprio esclarecimento? Pretende apenas o MDP/CDE lembrar que existe, recorrendo à utilização das distinções formais que de facto sempre foram feitas?
Afinal o que pensa o MDP/CDE? Partidarizar por completo a vida política portuguesa, não dando quaisquer oportunidades a correntes de opinião minoritárias, no quadro da actual Lei Eleitoral, para que possam exprimir-se na Assembleia da República? Como justifica politicamente o MDP/CDE esta brilhante defesa de uma dignidade que ninguém quis tirar ou diminuir?
E eu volto a colocar a pergunta fundamental que já noutro dia coloquei: o que faz correr o MDP/CDE? O que faz com que, a pretexto de uma simples questão formal, tenhamos de ouvir toda uma teoria acerca da composição e da função dos partidos políticos, que ninguém contesta, que ninguém duvida e com a qual eu estou de acordo? Mas porquê neste momento, Janeiro de 1984, esta senha, esta torpe e mesquinha acção contra a ASDI e a UEDS? Não percebo e gostava de perceber.

Vozes da UEDS e da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pretende responder no final de todas as demais intervenções ou prefere responder imediatamente ao Sr. Deputado César de Oliveira?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Responderei no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: A mim não estranha tanto que o MDP/CDE levante esta questão. Estranha-se sim que não a levante em

Página 2833

20 DE JANEIRO DE 1984 2833

31 de Maio de 1983, que não a levante em Junho ou Julho de 1983, com a aquidade com que a levanta agora, que não a levante em Outubro ou Dezembro de 1983, e a levante com tambores e trombetas em Janeiro de 1984.
O MDP/CDE fez esforços junto da comunicação social anunciando uma conferência de imprensa, conferência de imprensa que caiu de forma ridícula, porque se cingiu a levantar uma questão deste tipo, uma questão regimental. Eu gostava que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura entendesse - e o Sr. Presidente e os Srs. Deputados já entenderam - que a nós o que nos move são princípios políticos, é um projecto político determinado e que as questões regimentais, para o meu Partido, para o meu agrupamento e para mim próprio, são questões subalternas em relação aos princípios políticos.
Se a Sr.ª Deputada viesse aqui para nos criticar politicamente, eu entendia a sua observação. Levantar com este alarido, com uma conferência de imprensa, deslocando dirigentes do partido de outras regiões - do Algarve, concretamente -, fazendo aqui uma declaração política, mas que questão tão importante?!
Sobre o fundo da questão já o meu camarada César Oliveira falou e ela será esclarecida em comissões. Será com este estilo que o MDP/CDE pretende cumprir o papel, que se tem invocado, de mentor do diálogo no seio da esquerda e das forças democráticas? Se é com este espírito que querem o diálogo, que raio de diálogo é que querem?

Vozes da UEDS e de ASDI: - Muito bem!

O Orador: - O que nos querem? Negar o direito ao nome, aqui? Que nos chamemos agrupamento parlamentar dos socialistas de esquerda ou dos democratas socialistas? 15so para nós é irrelevante. Nós pensamos o que pensamos, afirmaremo-lo aqui como lá fora, no tempo do fascismo como hoje.

Vozes de UEDS e da ASD1: - Muito bem?

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta questão seja tratada na comissão, mas não nos empolem mais, não nos façam mais conferências bombásticas de imprensa, não nos venham para aqui com isto. O que é que querem? Querem alterar os direitos? Não sabem os Srs. Deputados, não sabe a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, que, por exemplo, é possível este Parlamento votar que um grupo parlamentar só se pode constituir com 32 deputados, só para «chatear» ali o nosso amigo Nogueira de Brito?

Risos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

Não sabem que no tempo da maioria de direita em França, foi votado um número mínimo de deputados para impedir que, por exemplo, os radicais de esquerda pudessem constituir um grupo? Não sabem isso? Então porquê essa batalha e porquê essa preocupação? Os senhores querem-se apresentar perante nós como novos fariseus, sepulcros caiados de branco. 15so não é o MDP/CDE que eu conhecia.
Para mim a surpresa, portanto, nem a dirijo ao MDP/CDE. Dirijo-a à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, que aqui personificou esse estado de espírito, que eu estranho e que duvido sinceramente que seja compartilhado - e temos elementos que comprovam que não é compartilhado - por uma boa parte dos activistas do MDP/CDE.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E tanto mais chocante para mim esta questão quanto o MDP se arvora do direito de MDP barra CDE. A CDE correspondeu a um movimento popular que existiu em 1968-1969, e que se prolongou por algum tempo, onde estava gente desta bancada, gente do Partido Comunista, gente do Partido Socialista e alguns do PSD e estava lá gente que está hoje na UEDS ou que não está militando em partidos políticos. Os Srs. Deputados invocam o seu nome, que é um nome digno, mas que é um nome que compete a muitos de nós. Nunca nós discutimos a legitimidade do uso desse nome.

Vozes da UEDS e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Mas se começam com este estado de espírito, nós dizemos que essa CDE que se segue a essa barra não tem nada a ver com a CDE que ajudámos a formar em 1968-1969.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e da UEDS.

Para terminar, Sr.ª Deputada ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa é a verdade ...

O Orador: - Olhe que não foi a última, Sr. Deputado, não foi a única, e, para mim, as verdades não mudam, nem eu mudo de dogma tão rapidamente como outros mudam. Sou socialista e democrata há 20 anos, pelo menos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não me refiro ao passado, refiro-me a este momento.

O Orador: - Bem, mas adiante.
A sua intervenção, Sr.ª Deputada, teve efectivamente alguma coisa de um cunho estalinista no plano político, pelo que só pede ter eco em mentalidades de carácter estalinista. A intervenção foi mesquinha no plano político, o que não condiz com a imagem e o conceito que eu tenho no plano pessoal da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura. Mas isso não tem nada a ver - a imagem no plano pessoal como a imagem no plano político.
Última questão: os Srs. Deputados do MDP/CDE repararam que o grande eco que tiveram na imprensa foi em jornais como o jornal O Dia?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem apalavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, eu tinha pedido exclusivamente a palavra para um protesto e é unicamente um protesto que pretendo fazer.

Página 2834

2834 I SÉRIE - NÚMERO 65

O Sr. Presidente: - Faço a rectificação, Sr. Deputado.

O Orador: - Não preciso de pedir esclarecimentos. lá estou esclarecido.

O Sr. Presidente. - Queira ter a bondade de formular o protesto, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O meu protesto é dirigido à intervenção política, proferida na reunião plenária passada, pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura. Protesto globalmente contra essa intervenção por com ela se pretender, ao que se disse, aclarar uma situação que, para nós e certamente para a Assembleia, é perfeitamente clara. E só o não é no espírito confuso e confusionista da Sr.ª Deputada.
De facto, é perfeitamente clara e transparente a situação dos deputados que integram o agrupamento, parlamentar da ASDI. Foram eles eleitos na sequência de um acordo político celebrado publicamente com o PS, do conhecimento do eleitorado, acordo esse que nunca foi posto em causa, a não ser pela Sr.ª Deputada, que lhe chamou acordo privado. Privado e secreto terá sido o acordo celebrado com o PCP pelo MDP/CDE, mas isso não nos diz respeito!
Porém, é claro que o agrupamento parlamentar que veio a ser constituído por militantes da ASDI que concorreram como independentes nas listas do PS, o foi nos termos do Regimento da Assembleia da República e claro é ainda que nunca os mesmos deputados reivindicaram outros direitos que não fossem aqueles que, como agrupamento parlamentar, lhes competem.
Assim, protesto pelo facto de o MDP/CDE não ter contestado esta situação aquando da verificação dos mandatos dos deputados militantes da ASDI, eleitos como independentes nas listas do PS, vindo agora suscitar esta questão; protesto pelo facto de o MDP/CDE não ter votado contra as alterações, da iniciativa do PS, do PSD, da ASDI e da UEDS, que já nesta legislatura foram aqui votadas, à Lei Orgânica da Assembleia da República, vindo agora suscitar as mesmas questões; protesto contra o facto de, tendo a direcção do MDP/CDE feito nesta Assembleia da República uma conferência de imprensa - que foi classificada pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira de ridícula, classificação essa que corroboro - sobre esta questão, com notícia para os órgãos de comunicação social do País e, quiçá, do estrangeiro, ela só ter sido suscitada em Plenário 8 dias depois, pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura. A ASDI deu a resposta devida ao texto dessa conferência em comunicado, pelo que me fico por aqui quanto a este ponto.
Finalmente, protesto - e não apresento mais razões para protestar par escassez regimental de tempo pelo facto de a Sr.ª Deputada ter inculcado a ideia de que o Sr. Presidente da República tem ouvido a ASDI na qualidade de partido com assento parlamentar.
A verdade é que o Sr. Presidente da República nunca ouviu a ASDI, com preterição das disposições constitucionais. Concretamente e já depois das últimas eleições legislativas, a ASDI não foi ouvida nos termos e para os efeitos do artigo 190 º da Constituição, o que nunca mereceu da nossa parte qualquer reparo. Porém, merece reparo da Sr.ª Deputada - e é contra isso que protesto - que o Sr. Presidente da República oiça a ASDI quando muito bem entenda!
Penso que seja muito melhor que os ciúmes de V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, fossem curtidos lá em casa e não nesta Assembleia.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A lamentável intervenção de V. Ex.ª há-de fazer correr mais tinta, mas mal empregada tinta!...

Aplausos da ASDI, de alguns deputados do PSD e do Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, para responder, se assim o desejar.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é surpresa para nós que tenha havido reacções da parte dos Srs. Deputados aqui presentes porque, de facto, ao longo destes meses foi-se criando uma situação, a que chamamos de ilegalidade democrática, relativamente à qual as pessoas deixaram de ser sensíveis.
Levantámos o problema por várias vezes em conferência de líderes parlamentares e, de todas as vezes que o fizemos, a forma como fomos atendidos não estava de acordo com o espírito das nossas perguntas.
De facto, durante as conferências de líderes parlamentares - com excepção da que teve lugar hoje, pois esta decorreu num espírito completamente diferente - considerava-se que existiam na Assembleia 4 grandes partidos e mais 3 pequenos partidos. Todas as vezes que fomos a uma conferência de líderes parlamentares verificámos esta situação, que se tornou de tal forma notória que eu, pessoalmente, resolvi seguir o conselho do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e, tendo encontrado um colega que me quis substituir, fui curtir a minha humilhação em casa.
Neste momento abordamos esta situação dolorosamente porque a UEDS é um partido irmão, é um partido fraterno, com quem temos as melhores relações, mas que não está representado na Assembleia da República.
Do mesmo modo, temos a maior consideração pela ASDI, pelo seu trabalho e pela sua honestidade, mas também ela não está representada nesta Assembleia.
Portanto, é difícil manter esta situação sem um protesto. O nosso protesto é apenas neste sentido: por muito que se confie na coligação PS/PSD, é evidente que não se pode supor que ela dure 48 anos. Portanto, vamos ter de novo eleições, pelo menos dentro dos prazos legais, e nessa altura qualquer partido pode incluir nas suas listas, mesmo sem qualquer sinal - como é o caso dos Srs. Deputados da UEDS e da ASDL, que foram eleitos através das listas do PS -, os deputados que quiser e depois, se tiver a maioria na Assembleia da República e se estiver no Poder, pode diversificar essa lista da forma como muito bem entender!
Considerámos grave esta situação. Por isso, entendemos que, não tendo havido qualquer partido que

Página 2835

20 DE JANEIRO DE 1984 2835

levantasse o problema, devíamos ser nós a correr o risco de o fazer, não porque o MDP/CDE seja diferente daquilo que era, mas exactamente porque continua a não ter medo da sua falta de clientelismo político, continua a apostar na democracia e na seriedade do seu trabalho.
Quanto ao protesto do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, devo dizer que quando me referi a um acordo privado foi porque no protocolo de acordo da ASDI com o PS - pedia lê-lo, mas não vale a pena e, de qualquer modo, posso facultá-lo a qualquer deputado que o deseje -, no seu n.º 5, há duas formas de substituição de deputados. Numa primeira forma, a que o PS chama legal, diz-se que «no caso de o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho não ser eleito, ele deverá ser substituído por um deputado do PS». Mas, no n.º5.3, há outra forma de substituição que prevê que, para além do caso que, referi anteriormente, os Srs. Deputados serão substituídos segundo o acordo do n.º 5.1, que é no sentido de os deputados serem substituídos como se os partidos tivessem entrado em coligação.
Ora, quando num mesmo protocolo há um acordo a que se chama legal e há um outro acordo, tenho todo o direito de dizer que esse segundo acordo é privado!
Não tenho nada a opor a isso, Sr. Deputado O MDP/CDE não quer declarar guerra, não quer diminuir os partidos, continua a calmamente fazer o seu trabalho unitário através do País, confiando no futuro da democracia. Simplesmente, entendemos que a situação é demasiado grave para nos calarmos perante situações confusas numa Assembleia da República que deve ser transparente a todos os níveis e, sobretudo, no que respeita à presença dos deputados.
A nosso ver, o Diário da Assembleia da República tem hoje um aspecto gráfico de ilegalidade, o que consideramos extremamente grave, pois ele menciona partidos políticos que não concorreram às eleições e é também sobre isto que queremos lavrar o nosso protesto!
O Sr. Presidente da Assembleia da República teve a sensibilidade democrática de dar imediato provimento ao nosso requerimento e de o fazer baixar às comissões respectivas. E aí que esta questão será resolvida e é aí que a Assembleia vai dar a sua opinião, pois estão aí representados todos os partidos.
Levantámos politicamente o problema, por honestidade política e por ética democrática. Agora, aguardamos o veredicto da Assembleia.

Aplausos do MDP/CDE.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? Para um protesto?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Em primeiro lugar, registo com agrado a aposta do MDP/CDE no sistema democrático, pois foram as suas convicções democráticas que o levaram a fazer este pedido de esclarecimento.
Ora bem, parece-me afinal que tudo se resume ao facto de o MDP/CDE estar interessado na correcção das ilegalidades gráficas do Diário e, portanto, ficaria satisfeito se fossemos um agrupamento parlamentar de independentes, etc., etc., e depois a comunicação social, entre parêntesis, referiria que nós éramos da UEDS. Parece-me que é esta a questão, mas as comissões decidirão.
Por outro lado, não vou perguntar se VV. Ex.ªs celebram sempre os vossos acordos publicamente, nem vou fazer insinuações como as que várias vezes tem sido referidas por certa comunicação social - certamente malévola - sobre a transferência de, dirigentes do MDP/CDE para outro partido, porque isso seria imiscuir-me em assuntos em que não me quero, efectivamente, imiscuir.
Assim, direi apenas que o problema dos acordos públicos e dos acordos políticos me faz lembrar um filme, que penso que é italiano, há pouco tempo exibido, que referirei dizendo que, no plano político, há muito quem procure exibir públicas virtudes, escondendo os vícios privados.
O requerimento do MDP/CDE, que tem a ver com a correcção de ilegalidades gráficas, conforme foi referida, faz-me lembrar também uma passagem do Evangelho, em que se referem uns senhores que andavam com a lei escrita ou pregada nas vestes e a quem Jesus Cristo chamou de fariseus caiados de branco. Talvez esta linguagem vos diga alguma coisa ...
Para terminar, quanto à questão da UEDS ser um partido irmão, um partido amigo do MDP/CDE, é evidente que no programa do MDP/CDE existem muitos pontos de contacto com pontos programáticos da UEDS. Só que a nossa estratégia política é diferente, reivindica-nos de um outro tipo de intervenção e talvez seja essa uma das razões que faz correr o MDP/CDE.
Agora, este tipo de comportamento do MDP/CDE recorda-me aquela velha história, bastante reaccionária, contada acerca de uma escola polaca. Certamente que vou ser acusado pelos dirigentes de uma bancada de anticomunismo primário, mas mesmo assim vou contá-la.
Numa escola polaca um professor pergunta a uma criança quais são os países amigos. A criança vai referindo uma série de países e no fim a professora, muito espantada, pergunta: «então, não referes a União Soviética?» E a criança diz: «não, é um país irmão!»

Risos.

Bem, Sr.ª Deputada, fique-se com esta, que eu termino aqui a minha alocução.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E também para um protesto, Sr. Deputado?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Este senhor é burro!

Página 2836

2836 I SÉRIE - NÚMERO 65

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que V. Ex.ª invocou o Presidente da Assembleia da República, gostaria de lhe dizer que não interpreto em sentido prejurativo o conceito de «famigerado». De resto, a própria terminologia da palavra pretende significar que «famigerado» tem apenas fama. Portanto, não quero, de modo nenhum, aproveitar-me dessa situação para levar mais longe um conceito que não está dentro dos meus princípios.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Corregedor da Fonseca, (MDP/CDE): - Sr. Presidente, uma vez que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura não esteve presente na reunião de líderes parlamentares a que o Sr. Deputado César Oliveira fez referência e visto eu ter estado presente, entendo que devia esclarecer a Câmara do que lá se passou, na medida em que as declarações do Sr. Deputado não são completas e podem não esclarecer convenientemente esta Câmara.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, compreendo a sua posição e, portanto, dar-lhe-ei a palavra depois de ouvirmos a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, a quem concedo a palavra para contraprotestar se assim o desejar.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que este assunto não deve ser aqui discutido porque a falta de argumentos que se opõem aos nossos argumentos mostra que o assunto tem que ser discutido em comissão.
No entanto, gostaria apenas de dizer ao Sr. Deputado Hasse Ferreira que acabo de perder um irmão e isso faz-me pena.
Quanto ao Sr. Deputado César Oliveira, penso que os estudos históricos que ele tem são bastante mais bem fundamentados do que as suas intervenções na Assembleia da República. Portanto, como o Sr. Deputado é muito novo, espero que retome aqueles, pois é mais útil para o País.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª disse que iria conceder a palavra ao Sr. Deputado Corregedor da Fonseca para ele prestar esclarecimentos sobre a reunião de líderes parlamentares porque o meu colega de bancada César Oliveira tinha levantado o problema.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, V. Ex.ª pretende responder imediatamente ao Sr. Deputado Hasse Ferreira ou prefere responder no final, em conjunto?

A Sr. Helena Cidade Moura (MDP/CDE) : - Prefiro responder no fim, em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Penso que a Câmara não estará muito interessada nesta questão, mas eu gostaria de esclarecer o que é que se passou hoje na famigerada reunião dos líderes parlamentares, onde, segundo a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, houve uma grande alteração.
A grande diferença entre a conferência dos líderes parlamentares realizada hoje e as outras que se têm realizado foi, simplesmente, o eu ter dito: «o MDP/CDE quer mais 5 minutos? Quer mais 10 minutos? Tem o meu inteiro acordo!» Foi esta a grande diferença que, em meu entender, apenas quer dizer que nós não precisamos de meia hora ou uma hora a mais do que o MDP/CDE para definirmos a nossa posição, de acordo com a nossa própria coerência. Basta-nos menos 5 minutos que o MDP/CDE!
Mas há aqui um aspecto que é bastante esquisito e que se prende com o facto de a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura ter dito que não pactua com a ilegalidade democrática. Pelos vistos pactua, porque se a questão está no facto de militantes de um partido serem apresentados nas listas de outro como deputados independentes, então, acuso formal e solenemente o MDP/CDE de ter pactuado com a ilegalidade democrática por não ter impugnado as candidaturas do PS nas últimas eleições! Por que é que não o fizeram? Talvez porque na altura lhe conviesse esta situação e agora não lhe convém! Julgo que é este o pragmatismo da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
Em relação aos irmãos, quero dizer, em termos pessoais e discordando do meu camarada Joel Hasse Ferreira, que em matéria política ainda sou eu que escolho os meus irmãos e de certeza absoluta que não escolho para minha irmã a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura!

Risos.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, é óbvio que a minha colega de bancada, deputada Helena Cidade Moura, irá contraprotestar.
No entanto, uma vez que o Sr. Deputado César Oliveira fez referência à reunião de líderes parlamentares, a qual classificou de «famigerada», insultando talvez o Sr. Presidente da Assembleia da República, gostaria de dar um esclarecimento à Câmara porque quem estava a representar o MDP/CDE nessa reunião era eu.
Ora, tal não é exacto, porque quem referiu a conferência de líderes parlamentares em favor da sua argumentação foi a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, e fomos agora informados pelo deputado que liderava hoje de manhã a bancada do MDP/CDE que a Sr.ª Deputada não estava suficientemente informada.

Página 2837

20 DE JANEMO DE 1984 2837

Não vou usar o direito de defesa em relação à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, mas a verdade é que se passa alguma coisa de estranho.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa pessoal.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu nome é conhecido, vem escrito nas actas da Assembleia da República e nos documentos oficiais, tenho 42 anos de idade e no dia 26 de Março, faço 43 anos. Se sou novo ou velho ... os anos passam! Não sou assim muito velho.
Porém, devo dizer à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que não lhe reconheço qualquer idoneidade política para julgar se devo ou não estar aqui, se é mais útil eu estar aqui ou estar a fazer trabalhos de investigação, porque o único juiz que me permite estar aqui é o eleitorado, é o povo português. Portanto, não reconheço à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura capacidade para se sobrepor ao juízo formulado nas umas pelo povo português.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD e da ASDI.

Gostaria ainda de dizer à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que continuo nas minhas investigações históricas e que ainda há dias encontrei na biblioteca um livro de poemas que por pudor não cito aqui.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, eu tinha-lhe concedido a palavra, mas, antes de a usar, queria fazer-lhe o seguinte apelo: se porventura V. Ex.ª vai prestar qualquer esclarecimento do que se passou na reunião de líderes em função da intervenção do Sr. Deputado César Oliveira, presumo que ela não é necessária. Se, porventura, houver qualquer afirmação que eu não tivesse ouvido e que possa justificar o direito de defesa por parte do MDP/CDE em função de qualquer problema que se tivesse suscitado, conceder-lhe-ei a palavra. Caso contrário, agradecia-lhe que não a usasse.

A Srª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para usar o direito de defesa pessoal.

O Sr. Presidente: - Tanto o Sr. Deputado César Oliveira como a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura estão a desfigurar um pouco a figura regimental do direito de defesa. Porém, como a Mesa tem sempre adoptado estes critérios de generosidade na interpretação das figuras regimentais, faça favor de usar da palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o Sr. Deputado César Oliveira se pode sentir ofendido com as palavra que quiser, mas a verdade é que não tive a menor intenção de o ofender. Foi um critério pessoal que emiti e concordo em que ele não tenha que ouvir os critérios pessoais.
Em todo o caso, gostaria de saber que livro de poemas é que o Sr. Deputado encontrou e que, por pudor, não cita aqui. E gostaria de saber que livro é esse, na medida em que, estando a falar de mim, isso poderá ter um significado que ficará oculto nesta Assembleia, o que nós evita-mos sempre que aconteça - por isso mesmo estamos metidos nesta discussão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito daquilo que o Sr. Deputado César Oliveira classificou de «famigerada» e que vem na sequência de outros palavrões que não costumamos usar nesta Câmara, quero informar os Srs. Deputados que, pela primeira vez desde Junho, na reunião de líderes parlamentares, realizada esta manhã, não se pretendeu impor uma posição irregular e sistematicamente defendida.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Não apoiado!

O Orador: - Não se tentou equiparar os direitos dos agrupamentos parlamentares independentes aos grupos parlamentares.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Não é verdade!

O Orador: - V. Ex.ªnunca esteve numa reunião dessas.
O espírito da reunião de líderes parlamentares de hoje foi completamente diferente do de todas as reuniões - que às vezes são muito difíceis de tolerar que até agora se realizaram.
Certamente que isso é devido ao pedido de esclarecimento que formulámos ao Presidente da Assembleia da República, pedido de esclarecimento esse que está nas comissões respectivas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquando do debate do Orçamento do Estado, tanto no Plenário como na Comissão de Economia, Finanças e Plano, alertámos o Governo para o regime de penúria que instalaria nos domínios da Cultura e para as gravosas consequências que dele decorreriam: o fruste e contraditório programa do Ministério de Coimbra Martins ficava irremivelmente comprometido e - o que é pior - as regras constitucionais, em profundidade ou extensão, continuavam a não ser satisfatoriamente cumpridas.
Com efeito, às crescentes e múltiplas exigências do sector, o Executivo ripostava agitando os bonecos de bordalo da crise, sempre hipertrofiada em favor de minorias com práticas constritoras dos direitos adquiridos do nosso povo.
Ao erigir-se em gestor da miséria, bloqueando instrumentos indispensáveis à realização cultural, mais não faz do que inviabilizar acções desalienadoras. A cultura, entendida dinamicamente, questiona e condeno um poder injusto, ajuda a viver a esperança, liberta, mobiliza.

Página 2838

2838 I SÉRIE - NÚMERO 65

Por isso, incómoda aos olhos de quem intenta silenciar os arautos do descontentamento popular, acaba objecto de ataques diversos, dos subtis aos menos elaborados.
Uma primeira vertente do aniquilamento é a que consiste em elitizá-la, ignorando as manifestações do associativismo e da criatividade que brotam dos inúmeros organismos em todas as latitudes do País.
Ficam sem apoio as colectividades locais, os pequenos agrupamentos anexos a fábricas, autarquias, comissões de homens e mulheres interessados nas actividades lúdicas, recreativo-culturais, ou em projectos, de alguma maneira ambiciosos, de difusão dos nossos valores. Ao invés do que estabelece a alínea a) do n.º 2 do artigo 78.º da Constituição, isto é, de «incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos, em especial dos trabalhadores, aos meios e instrumentos de acção cultural», o Estado, estando nas mãos de quem está, favorece, em muitos casos, iniciativas de perfil fechado e de discutível utilidade pública, ainda que merecedoras de atenção ou estímulo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma segunda vertente é a que tende a infundir uma visão literatizante, ancilosada, no universo cultural, quase reduzindo-o às fronteiras do livresco, mesmo quando não embalsamado. Sem negar a importância provada da literatura - o que seria estulto -, há que atender às actuais formulações da realidade: um interesse pelas questões do património, as novas formas de expressão, as propostas no sentido de uma comunicação mais visual, oral e plástica, os discursos de pesquisa ou de ruptura. Quando, diante dos problemas ingentes dos grupos de defesa e promoção do nosso património histórico, um ministro perora, com ar distante, sobre poetas setecentistas, ainda que credores de todo o apreço, a nuvem é trocada por Juno, o reino da Dinamarca segue putrefazendo-se.
Finalmente, uma vertente englobante: eleger a conjuntura em mó do moinho cultural, invocá-la, contrabandeá-la, apocaliptizá-la, com ela exconjurando os fantasmas das reivindicações gerais mediante fumações de linguagem vária. Austeridade serve para tudo, para justificar insuficiências, alijar responsabilidades, escamotear situações, iludir os mais crédulos. E sempre, como é óbvio, para camuflar discriminações, erros, incapacidades. Adia-se o que não pode ser postergado. O próprio tempo estaca, complacente ou abismado, a ver a crise passar.
É neste quadro, fruto de um enfoque conservador do movimento cultural, que deparamos com circunstâncias inquietantes. Da rede de bibliotecas ainda não se vê a ponta, não existe numa planificação global do trabalho de divulgação de livros e autores, a anunciada colecção de obras básicas da literatura portuguesa persiste em não se efectivar. Para as futuras instalações condignas da Torre do Tombo, propalada prioridade das prioridades, foram destinadas, pelo Ministério do Equipamento Social, quantias que, seguramente, mal pagam o projecto. Pergunta-se, entretanto: o que foi feito para combater os monopólios de distribuição fílmica, para salvaguardar a qualidade do cinema que é exibido nas salas de espectáculos, para não aferrolhar em catacumbas projectos minimamente credenciados, subscritos por cineastas portugueses? Qual a intervenção do Governo no sentido da desoneração fiscal dos materiais de trabalho dos artistas plásticos, bem como de outras medidas, por eles há muito suscitadas, em ordem ao acesso menos árduo ao exercício da pintura ou da escultura?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Ministério da Cultura não adianta, por outro lado, qualquer contributo positivo para uma definição da ordem jurídica do património, asseverando até, em diferentes momentos, ser tal pretensão pouco menos do que irrelevante. O que acontece, no entanto, quase quotidianamente? O desrespeito pelas ineptas leis vigentes, as depredações, quantas vezes operadas de mente fria, a falta de apoio técnico qualificado, material ou jurídico, às ADPs e às suas proposições pontuais ou de fundo.
Estas questões não constituem, ao que se vê, preocupação do Governo de direita liderado por Mário Soares. Não se conhece, até ao presente, um único rasgo legislativo, nesta Assembleia, em sede cultural, mas, em compensação, temos sido brindados com esconsas iniciativas adversas aos interesses populares.

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orador: - Não deu entrada no Hemiciclo uma proposta de lei relativa à protecção e ao desenvolvimento da actividade dos profissionais do circo ou do bailado, ao património, à redefinição do estatuto das orquestras da RTP, à vivificação dos museus e casas de cultura.
Porém, logo nos primeiros dias do ano, chegou-nos, em passadas sinuosas, uma criatura escabrosa que dá pelo nome de serviço de informações.
E no tocante ao teatro, recentemente postado na ordem do dia de todos os debates, o que se passa?
As escassas verbas disponíveis, mais baixas, em termos reais, do que em 1982, foram distribuídas de forma não equânime, obedecendo a critérios bastante contestáveis e contestados, pelos grupos.
As 24 companhias profissionais recebem um total sensivelmente de 991 000 contos, a título de participação regular, enquanto 16 outras serão contempladas com subsídios de montagem em quantia inferior a 11 000 contos. Estes números não acompanham sequer o evoluir da marcha inflacionária, dos custos de produção de cada espectáculo, do avolumar das carências, tanto em infra-estruturas de instalações como de encenação. Escurecem o horizonte futuro dos trabalhadores do teatro, dos actores e outros profissionais que, no curso dos anos, apenas deparam com a insegurança, a precaridade económica e a angústia como resposta iníqua à sua dedicação e à sua arte, eminentemente imbricados no embelezar da nossa vida individual e colectiva.
Os dinheiros públicos são, pois, mais do que insuficientes, garroteadores de esperanças, afrontosos face às necessidades elementares do sector. Mas acresce um facto agravante: o modo como se procedeu à sua distribuição. Com efeito, os critérios adoptados merecem o mais vivo protesto. As nove regras do catálogo de princípios são vagas e soçobram perante um problema fundamental: o de saber quem avalia, quem dirá o que é ou não é de qualidade, quem determina que

Página 2839

20 DE JANEIRO DE 1984 2839

tal ou tal projecto tem «verdadeira coerência», que este ou aquele plano encontra «eco num público regular e próprio e goza do apreço e do reconhecimento públicos».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A objectividade cedeu, sem margem para dúvidas, lugar ao arbítrio, à opção esteiada em concepções estéticas subjectivas, à decisão assumida em função de valores de oposição aos propostos pelas entidades candidatas. Mais ainda: quem vai escolher, e em nome de que normas, as novas formações teatrais cujo aparecimento se estimulará? Quem aquilata, com que pautas de aferição, da «originalidade dos grupos, do espaço virtual com que contribuem para a remodelação do meio cultural»?
Os resultados desta política estão à vista.
Em resposta a naturais pedidos de esclarecimento direi aquilo que, pela escassez do tempo, tenho agora que cortar ao discurso que havia escrito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Ministério de Coimbra Martins tem sido municiado, por parte das entidades teatrais, com sugestões de grande riqueza para a resolução de inúmeros problemas. Entre elas, refiro a que preconiza a criação de formas não monetárias de apoio às companhias, complementares às participações com verbas adequadas, a definir através de estruturas multidepartamentais do Estado. Uma interactividade de diferentes ministérios e instituições na área da educação, da cultura, da comunicação social, do trabalho, das autarquias, permitiria, alargando e descentralizando a fruição popular da arte e dos espectáculos, uma estruturação de mecanismos diferentes de incentivo à acção teatral. Basta pensar na importância cultural de que se revestiria a distribuição dos grupos, mediante remuneração pré-acordada, pelas localidades do País deserdado, pelas fábricas, escolas e colectividades, de Norte a Sul, distantes dos grandes centros. Não basta que o Sr. Ministro viaje, indo conhecer as realidades ao vivo, dialogando com autarcas e organizações locais. É preciso que se fomente a criatividade em toda a parte, que se leve a cada canto o produto do talento e da abnegação cultural dos portugueses. O Sr. Ministro faz bem em sair de Lisboa, desta cidade da política de corredor do bloco central, das questões de intriga interna com que o seu Governo se compraz, tão grandes que já nem o CDS, como se ouviu aqui na passada terça-feira, consegue manter-se calado, faz bem em procurar a verdade sem véus da precaridade a que a política de direita conduziu Portugal. Mas não para prosseguir ignorando os factos, para, em nome dos argumentos de austeridade (que hoje substituem os de autoridade num executivo desautorizado perante o povo), deixar tudo como está, afagar a prolação e a ineficácia. O Ministro é, certamente, uma pessoa com quem é agradável conversar; todavia, não é isso apenas o que se espera do governante. Supõe-se que ele decida, resolva, responda ajustadamente às solicitações, transforme o que está mal, dê cumprimento aos imperativos constitucionais de mudança. Nós não concebemos o Ministério da Cultura como um ornamento, ainda que luzido, capaz como uma célula activa no corpo da Administração, capaz, interveniente, tonificadora, qualificada. Por isso, 8 meses passados sobre a tomada de posse do executivo e com reduzidíssimos resultados à vista, não eufemizamos o nosso libelo. E, em favor da democracia cultural, da iniciativa criadora, do labor diligente dos homens e mulheres das letras e artes, reclamamos uma urgente viragem. Há-de ela passar, para além do que, entretanto, puder ser alterado (embora o tempo seja já muito curto), pela substituição de Mário Soares/Mota Pinto. Para isso trabalharemos sem desfalecimentos. Porque o exigem os interesses profundos do nosso povo. E porque fazê-lo é, sem disfarces, um límpido acto de cultura viva.

Aplausos do PCP.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Armando Lopes).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Protesto contra a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes, na medida em que ela está cheia de críticas vagas, forçadas, incorrectas, sofisticadas, mas vazias.
O Sr. Deputado considera, em primeira mão, que as verbas para o Ministério da Cultura são insuficientes. Nós também já reconhecemos, muitíssimas vezes, que são insuficientes, mas a austeridade obriga a uma redução e a uma não consideração de verbas tão vastas quanto o desejávamos para a Cultura.
O Sr. Deputado diz que as verbas são mal distribuídas, mas mal distribuído está o seu verbo ao utilizar tantos adjectivos que nem sequer são demonstrativos, mas qualificativos, a respeito da política que chama de um governo de direita liderado por Mário Soares. Ora, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que não se trata disso. Trata-se de um governo de centro-esquerda, não de um governo de direita.

Risos do PCP.

Pode discordar da política, pode considerar que ela tem aspectos incorrectos - está no seu direito como deputado da oposição -, mas não deve usar esse tipo de adjectivos que não correspondem, de forma nenhuma, nem aos programas políticos nem às opções feitas pelo Governo.
Sr. Deputado José Manuel Mendes sabe que o Sr. Ministro da Cultura tem um projecto cultural, é um homem de talento - e também lhe digo, citando Pascal, que para se conhecer os homens de talento, os homens originais, também é preciso ter talento. E como reconheço que o Sr. Deputado José Manuel Mendes tem algum talento, ...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito obrigado! ...

O Orador: - ... deve reservar os qualificativos, as acusações e críticas que faz ao Sr. Ministro da Cultura para outra oportunidade, quando ele tiver tempo dê fazer avançar as suas ideias e melhor concretizar o seu projecto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Depois da demissão! ...

Página 2840

2840 I SÉRIE- NÚMERO 65

O Sr. Presidente: - Pretende contraprotestar já ou só depois dos pedidos de esclarecimento, Sr. Deputado José Manuel Mendes?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente e Sr. Deputado José Manuel Mendes, queria apenas referir-me a um ponto do programa do Sr. Ministro da Cultura, pessoa que, como a Câmara sabe, estimo e a quem politicamente o MDP/CDE deu um certo apoio, pois é um homem de passado antifascista, é um homem socialista.
Nós pensamos que, apesar da escassez do Orçamento, que consideramos sempre uma desculpa em relação a certo tipo de problemas, haveria a esperar mais alguma coisa dele. E eu pergunto por que razão é que isso não aconteceu.
No programa dedicado à cultura, pela primeira vez nesta Assembleia da República, foi referido um ponto fundamental da nossa evolução como povo, que foi a alfabetização ligada ao Ministério da Cultura.
Como os Srs. Deputados sabem - aqueles que, pelo menos, estão mais ligados ao assunto - o analfabetismo, para além de uma falta de instrumentalização do saber ler e escrever, é, de facto, um cerceamento cultural que evita que o homem participe em plenitude, sobretudo nos locais de estrutura letrada, como acontece no nosso país.
Ora, acontece que para além de no Ministério da Cultura não ter sido feito absolutamente nada neste capítulo, que é extremamente barato, pois não é quase que preciso material humano e é desnecessário, praticamente, qualquer outro material não humano, nada se avançou. No Ministério da Educação, neste campo, a verba diminuiu, os monitores passaram para 50 % e os efectivos dos professores destacados, que já eram 60 % dos que deviam ser, foram reduzidos para 40 % .
Parece, portanto, que há razão nas críticas que o Sr. Deputado José Manuel Mendes entendeu dever fazer, pois há uma falta de iniciativa na luta contra o obscurantismo, que não deveríamos esperar de um governo com predomínio socialista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Permita-me, Sr. Deputado José Manuel Mendes, que encontre uma ligeira contradição entre o que critica e o modo como fala.
O seu discurso, onde se notava uma crítica feroz contra a forma literária de quem noutros sítios terá discursado, foi afinal uma exibição de estilo, o que talvez não seja a forma mais directa de fazer uma intervenção que o povo entenda, já que se trata de uma linguagem rebuscada, de difícil compreensão para a maioria dos portugueses. Logo, o aspecto de criticar o discurso literário de quem quis pôr aqui em causa foi afinal usado também pelo Sr. Deputado e de uma forma geral bem, porque o cultiva de maneira a querer deslumbrar-nos com um belo estilo.
O que queria, realmente, pedir-lhe como informação - e a título de esclarecimento -, pois está decerto bastante fundamentado, é se poderia indicar a listagem das companhias que foram subsidiadas nos vários escalões e se no seu serviço de informações, que não é aquele que denuncia, mas o próprio, tem também indicação de quem são os assessores que, de algum modo, ajudam o Ministro da Cultura a encontrar ou a sugerir as soluções finais.
Julgo que está habilitado a fornecer à Câmara o nome das pessoas que nos vários domínios - no teatro, na música- estão no Ministério da Cultura e a quem o Ministro pede apoio para tomar decisões.
Era mais ou menos isto que lhe queria perguntar, acrescentando ainda uma outra questão, no sentido de saber se entende que na distribuição de subsídios às companhias de teatro se deve usar a forma equânime, como disse. Não entende, pois, que deve haver critérios e que todas as companhias não podem ser subsidiadas de igual maneira? E sendo assim, se não haverá sempre reclamações, porque cada um entende ter maior mérito do que aquele que foi de outra maneira contemplado.
Portanto, Sr. Deputado José Manuel Mendes, reconhecendo mais uma vez o brilho do seu discurso literário, aqui estou a pedir-lhe este esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto e para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Pela ordem das intervenções produzidas responderei, com todo o gosto, dizendo ao Sr. Deputado Carlos Lage que me espanta, particularmente, vê-lo a ele, que é deputado pelo círculo eleitoral do Porto, assumir aqui a defesa do claramente indefensável. Quando vi o Sr. Deputado Carlos Lage levantar-se para usar da palavra pensei: «Bom, chegou o mínimo de senso das realidades ao Partido Socialista e o Sr. Deputado Carlos Lage vai protestar, com veemência, pela circunstância de o Teatro Experimental do Porto ter sido quase reduzido à infímia expressão, em matéria de subsídios, pelo Ministério da Cultura, já que esse teatro é uma casa célebre - e justamente - pela acção que vem desenvolvendo ao longo de décadas, quer no domínio da pesquisa teatral quer na animação da actividade cultural da cidade.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - O Sr. Deputado Carlos Lage não disse isto, mas veio afirmar que a minha intervenção padece de críticas vagas, sofisticadas mas vazias, o que reflecte do seu ponto de vista uma realidade, mas do meu ponto de vista a circunstância de, certamente, estar a ouvir mal. O caso não é de um vazio de conteúdo da minha intervenção, é sim de um abismante vazio de audição por parte do Sr. Deputado Carlos Lage.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação a toda a matéria que aqui foi trazida à colação, as questões vivas de Ministério da Cultura, na literatura, nas artes plásticas,

Página 2841

20 DE JANEIRO DE 1984 2841

no cinema, no teatro, nas áreas do património histórico-cultural, etnológico e musico16gico, o Sr. Deputado Carlos Lage disse nada, o que de resto era inteiramente de esperar.
Depois há uma outra parte curiosa, que é aquela em que vem brandir aos 4 ventos desta Casa pouco ventosa e pouco dada a tais flamulações, o cariz de centro-esquerda do Governo que apoia. Nessa parte, Sr. Deputado Carlos Lage, a única resposta que devo dar-lhe, em abono da honestidade, é a de que eu disse o que disse, mantenho inalteravelmente o que disse. Ao Sr. Deputado fica o protesto. Que lhe seja leve e de bom proveito.
A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura coloca-me algumas questões às quais direi, apenas, como réplica, que em tudo quanto concerne aos domínios da alfabetização e a quanto se reclama em termos de acção por parte do Ministério da Cultura nesta matéria, coincido consigo. De resto, isto não seria de estranhar, dado o conhecimento que a Sr.ª Deputada tem deste tipo de problemas e o modo como os vem tratando.
Quando fala na gritante falta de intervenção do Ministério de Coimbra Martins na luta contra o obscurantismo, não apenas a aplaudo, vou mais longe. Trata-se de qualquer coisa que seria, antes de mais nada, uma exigência constitucional no sentido da difusão dos valores democráticos e da erradicação das sequelas e revivificações do obscurantismo, que pululam, na nossa sociedade, um pouco por todo o lado. Acontece que não sendo feita, o que releva dessa ausência é um acto politicamente significativo e ideologicamente qualificável, em termos que de momento me abstenho de fazer.
O Sr. Deputado Igrejas Caeiro aludiu a uma hipotética contradição de estilo na minha intervenção. Dir-lhe-ia, a começar, que não fiz nenhuma crítica à linguagem e ao modo como, normalmente, o Sr. Ministro da Cultura se pronuncia em público longe de mim, não tenho essa intenção, embora pudesse reivindicar o estatuto de crítico literário, que já exerci, como o Sr. Deputado sabe, durante muitos anos. Não o fiz, pois esta é uma Câmara política. O que critiquei no Ministério da Cultura foi a inacção política e a ret6rica, em si mesma conservadora, do recurso sistemático aos desvalores da crise e da austeridade como resposta às necessidades, que não podem ser obscurantizadas nem ignoradas, dos grupos teatrais e dos grupos culturais em todo o nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, pediu-me a indicação da listagem das companhias subsidiadas pelos vários escalões. Sr. Deputado Igrejas Caeiro, é óbvio ser totalmente impossível fazê-lo agora, pois não tenho tempo para indicar 3 companhias, quanto mais 40, e os valores que foram outorgados a cada uma delas. O Sr. Deputado tem esses materiais à sua disposição - tal como eu os tenho -, não por via de qualquer mecanismo secreto de informações, não necessito disso - nesta bancada não necessitamos disso, quem está profundamente interessado em secretar informações, e bem perigosas, como aludiu, é o Governo -, mas através da própria publicação em diários e jornais de cultura.
Adiantarei, todavia, algumas coisas.
Quando aponto discriminações e erros, em função dos critérios pré-estabelecidos no chamado elenco das 9 regras, estou a lembrar-me do Teatro-Estúdio de Lisboa que fez uma proposta esteiada seguramente, e com alguma ambição, para a qual o apoio mínimo do Estado deveria ser da ordem de mais de 11000 contos, a que o Governo responde com 1000 contos, subsidiando outras companhias, outros grupos pontuais, com quantias bastante mais elevadas e sem que, na aparência e na realidade, subjaza a esses agrupamentos um plano de actividades sequer comparável. Dir-lhe-ei, por exemplo, que o subsídio atribuído ao Novo Grupo, que levou à cena peças como O Suicidário ou como a Comédia à Moda Antiga, que são dos mais aquilatados trabalhos que se têm produzido em Lisboa neste domínio - e não os refiro em detrimento de nenhuns outros, mas apenas porque vem um pouco a talhe de foice faiar neles -, é de todo em todo insuficiente, inferior àquilo que habitualmente lhe era entregue. Em nome de que critérios é isto feito, se, paralelamente, a equipas com bastante menos créditos provados se dá um outro tipo de subsídio, bastante, mas bastante superior?

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Seguramente, Sr. Deputado.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Era se podia dar o contraste, isto é, quais são as companhias sem valor que foram fortemente subsidiadas. Talvez assim ficássemos com uma noção do seu próprio critério.

O Orador: - O Sr. Deputado já me ouviu referir que o Teatro Experimental do Porto teve um subsídio de 1000 contos, tal como o Teatro Experimental de Lisboa. Aqui estão companhias de teatro que foram subsidiadas inferiormente.
Quanto ao que me pede, isto é, as companhias de teatro que foram subsidiadas por cima, digamos, com valores comparativos extremamente altos, o Sr. Deputado lê a imprensa que eu leio e conhece a reacção popular e dos grupos de teatro ao modo como foram feitas as distribuições de verbas. Não vá pretender que eu aqui emita um juízo de valor pessoal, ou do meu partido, sobre as posições que eles assumem. Mas o Sr. Deputado sabe que isto é uma realidade objectiva tão constatável que hoje, no próprio Ministério da Cultura, se admite a sua ponderação. O Sr. Deputado não ignora o facto.
Por outro lado, pergunta-me quem são as pessoas que «funcionam» como assessores do Sr. Ministro. Sr. Deputado, também não lhe perguntarei quem foram as pessoas que «funcionaram» como assessores à sua intervenção. Eu sei a quem alude, mas isso não vai minimamente manietar, em mim ou no meu grupo parlamentar, o senso crítico estribado e aprofundado com que foi produzida a declaração política que há momentos ouviu, esteja quem estiver onde quer que esteja.
Nós «funcionamos» em colectivo. Naturalmente que prezamos as pessoas, e em concreto as pessoas que o Sr. Deputado tem em mente, mas o que é um facto é que, em função de uma dada realidade, assumimos o ponto de vista crítico que temos que assumir, como partido, como entidade responsável que, depois de

Página 2842

2842 I SÉRIE - NÚMERO 65

reflectir maduramente, tem opiniões estruturadas e próprias, como aliás é conhecido.
Se o Sr. Presidente me permite mais 30 segundos, referia apenas a questão da equanimidade. Bom, Sr. Deputado Igrejas Caeiro, a equanimidade reclama-se e isso não quer dizer que os subsídios tenham que ser distribuídos de forma igual, que se reivindique qualquer isomorfismo em relação às verbas! Aquilo que reivindicamos é tão-só critérios equânimes, isto é, justos e ponderados, de distribuição das verbas.
Foi a sua inexistência que pus em causa, o que mantenho, até porque o facto tem sido, como o Sr. Deputado Igrejas Caeiro sabe, referido criticamente, e muito criticamente, por vários grupos de teatro.
Se não consegui ser suficientemente explícito e se os senhores deputados quisessem, estou inteiramente à vossa disposição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Peço desculpa de protestar porque, é evidente, também estou preocupado, e nem de outra maneira poderia ser, acerca das dificuldades que atravessam multas das nossas companhias de teatro.
Mas é evidente que o meu protesto vai apresentar-se no sentido de lastimar que o Sr. Deputado José Manuel Mendes não tenha podido ou querido dar a antinomia entre aquilo que considerava bem e o que considerava mal, isto é, quais eram as companhias que tinham sido subsidiadas em excesso, ou pelo menos de uma maneira que não se compreendia, ou o Sr. Deputado não compreendia o critério.
Quando perguntei pela listagem é porque tenho para mim que o escalão A se dirigiu, de uma forma particular, a centros culturais e daí já o facto significativo de haver um critério. 15to não é apenas uma companhia de teatro que tem a finalidade de fazer teatro no local determinado, mas um centro que tem por objectivo irradiar cultura, tendo então também como parte importante o teatro. Gostaria que verificasse que esse foi com certeza um dos critérios, que aliás me parece acertado.
Agora não pode também o Sr. Deputado desejar nem querer fazer crer à Assembleia que é possível «aguentarem-se» companhias de teatro que não conseguem interessar o público para quem trabalha. Não pode ser só à custa do Estado que uma companhia se vai «aguentar». Ela tem de ter capacidade de captar o seu público e de ter rentabilidade para poder justificar o subsídio que lhe é atribuído.
A não ser assim o seu trabalho cultural é nulo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se os seus espectáculos estiverem completamente desertos, se, apesar de todo o esforço que fazem, não conseguem comunicar, qual é o efeito cultural do subsídio?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, a meu ver, este critério também tem de ser acautelado, e não sei se o Sr. Deputado terá levado em conta esse aspecto negativo de companhias por que tenho o maior respeito mas que a maior parte das vezes não têm acertado com o repertório que este país precisa para que se possa fazer a divulgação do teatro.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se o pretender, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É claro que pretendo contraprotestar, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Igrejas Caeiro, de maneira sumária e para não continuarmos a escamotear problemas, devo dizer que não estou contra o subsídio outorgado, por exemplo, à «Cornucópia», nem contra o subsídio concedido ao Centro Cultural de Évora. Tudo o que o Sr. Deputado disse nessa matéria nada tem a ver com o discurso que aqui fiz, nem sequer com a grelha crítica que estabeleci.
O que eu entendo é que mesmo esses grupos de teatro foram infravalorizados na atribuição de subsídios.
Compare as verbas entregues à «Cornucópia» em l983 com as que lhe foram endereçadas desde 1976. Faça a comparação, introduza o cálculo da inflação e veja como há uma clara inferiorização das verbas concedidas.
Mas há uma coisa muito grave naquilo que o Sr. Deputado Igrejas Caeiro disse, e ainda mias grave quando é aplaudido, pela maneira como o foi, pela sua bancada. A questão, que pode resumir-se na seguinte máxima por si reivindicada, é a seguinte: «abandonemos os teatros às regras do mercado. Quem tem gente, tem subsídios, quem gente não tem, subsídios não tem».
Ora bem, nem o Ministério foi tão longe, Sr. Deputado. O senhor não ignora que, por exemplo, a «Cornucópia» faz um teatro experimental de pesquisa, que poderá não estar minimamente vocacionado para grandes enchentes de público, e, não obstante, tem um subsídio considerável, e bem, que o Ministério lhe atribuiu.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Esse teatro está sempre cheio!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado Hasse Ferreira que ele está sempre cheio. É verdade. Compare, contudo, a assistência do teatro Cornucópia com a de outros teatros e verifique se, quantitativamente, esse número tem alguma coisa a ver com outros números de outros grupos.
Mas dir-lhe-ei, Sr. Deputado Igrejas Caeiro, algo de mais grave: é que esse critério vira-se contra si e contra a argumentação que produziu se tiver em conta que, em nome de princípios contrários, foram reduzidas as verbas entregues ao Novo Grupo.
O Novo Grupo é considerado um grupo de teatro com uma grande audiência, com um grande público. Portanto, o raciocínio do Ministério da Cultura, a meu ver profundamente inquinado e erróneo, foi este:

Página 2843

20 DE JANEIRO DE 1984 2843

«Bom, tem público, portanto tem dinheiro que entra nas bilheteiras, não precisa de subsídio». Logo, vá de baixar o subsídio.
Em que é que ficamos? Quem tem razão? O Sr. Ministro Coimbra Martins, com todos os seus erros, ou o Sr. Deputado Igrejas Caeiro, que, de todo em todo, vem agora defender a regra de mercado para a aquilatação do valor dos grupos teatrais que exercem a sua função entre n6s?

O Sr. Igrejas Cueiro (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O meu tempo esgotou, Sr. Deputado Igrejas Caeiro. Poderá agora usar da palavra se o Sr. Presidente autorizar.

O Sr. igrejas Caeiro (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Desde que o Sr. Deputado José Manuel Mendes lhe conceda a palavra, pela minha parte não vejo inconveniente,

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Estou sempre disponível para dialogar com o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Presidente: - Peço-lhes, Srs. Deputados, que me ajudem a administrar convenientemente o tempo.
Faça favor de usar da palavra, Sr. Deputado Igrejas Cueiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Não sei se o Sr. Deputado entra também em linha de conta como critério possível, o seguinte: uma companhia que trabalha com peças que se fazem com 1 só personagem ou com 2 ou 3 e uma companhia que dispõe de fados os naipes necessários a uma repertório mais diversificado e que terá 30 ou 40 elementos. Não sei se entra também em linha de conta com isso?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É claro que sim, Sr. Deputado.
O que, desde o início da intervenção, estou a reivindicar é a elaboração de critérios que sejam objectivos, que fixem princípios que não possam ser adulteráveis por quem quer na política de atribuição de subsídios.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - 15so foi o que se não fez e isso é o que é grave. E foi em nome desses erros que procedemos ao libelo a que procedemos em relação ao Ministério de Coimbra Martins, sem eufemismos e sem complexos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devido a uma cerimónia para a recepção de S. Ex.ª o Sr. Primeiro-Ministro do Governo francês, interrompo os trabalhos, pelo que recomeçamos às 18 horas.

Eram 16 horas e 45 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi apresentado na Mesa um voto de pesar pelo falecimento de Ary dos Santos, apresentado pelo PCP, e solicitado que esse voto fosse discutido e votado imediatamente.
Se não houver oposição, vai ser lido esse voto para posterior discussão e votação.

Pausa.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar do PCP

A morte de José Carlos Ary dos Santos colheu de surpresa, ao começo da noite de ontem, os portugueses amantes da liberdade.
Foi o emudecer físico de uma voz que deu força e beleza a uma esperança colectiva nos anos da resistência como nas jornadas do novo Portugal. O poeta cantou a rebeldia e o sonho, a terra, a luta, a vida e o amor, o homem solidário e construtivo.
Textos, canções, múltiplas vozes fundidas no seu verbo aceso, continuarão a acordar em nós, nos dias em que vão seguir-se, a ternura, a lucidez, a coragem, as mais fundas apetências do humanismo. Esta será sempre, para os homens e mulheres deste País, a memória perdurável de Ary dos Santos.
A Assembleia da República, segura de que lhe cumpre homenagear a grande figura da cultura portuguesa que foi e será José Carlos Ary dos Santos, manifesta, na hora da sua morte, o seu mais profundo pesar.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o homem que um dia publicou, significativamente, um livro a que deu o nome de O Sangue nas Palavras e que fazia do seu testemunho literário uma arma de autenticidade, de firmeza e de esperança, para o homem que, na longa noite de pedra da resistência, como nas jornadas empolgantes do país renovado, fez erguer o seu verbo em nome e em defesa da liberdade, para esse companheiro de tantas e tantas caminhadas de beleza, de esperança e de porfia, propõe o PCP a homenagem nacional da Assembleia a quem cabe o preito devido às grandes figuras que perdurarão na história da cultura como na história da pátria.
Não se trata de proceder aqui ao louvor feito pela bancada comunista a um seu militante, mas tão só de significar, na hora de luto da cultura e da poesia portuguesas, o quanto, sendo legítima a dor, toais legítima é ainda a atitude que traduz o apreço da comunidade nacional por aqueles que um dia a souberam dignificar e elevar.

Página 2844

2844 I SÉRIE- NÚMERO 65

José Carlos Ary dos Santos animou com a sua criatividade e com a sua intervenção infatigável muito do que de melhor se realizou nos palcos da nossa alegria. Levou a toda a parte a palavra poética, a sua e a dos outros, o seu falar fraterno, simples e generoso.
Foi o menestrel do tempo novo, no sentido veraz, da trova libertadora que era capaz de arrancar da profundeza das realidades e ir inteira e intocável ao coração dos homens.
Amou, e por isso cantou, o homem disponível, solidário e construtivo. Amou, e por isso cantou, as coisas e as pessoas simples. A velhinha sentada num banco de jardim e o homem das castanhas, a varina e quem quer que, nos mil passos comuns do nosso quotidiano de trevas alongadas, fazia do viver unia esperança e da esperança uma certeza de um amanhã melhor.
Ary dos Santos, mesmo sobre a obra imorredoira da libertação do nosso país das malhas do fascismo, cinzelou num verso, que o imortalizará também, o novo País, nascido das «portas que Abril abriu».
Esta é a honra de dizer, em nome da bancada do PCP, que a sua voz, fisicamente emudecida pelo encontro com a morte inesperada e brutal, vai continuar nos textos, nas canções, nas mil vozes que se fundiram na sua e que com a sua se ergueram aos grandes padrões da beleza imperecível.
Com Ary dos Santos e com a sua memória quente, fraterna e acesa, sabemos nós, os comunistas, como sabem os senhores deputados, que a cultura da pátria fica engrandecida e que o porvir da esperança é certo.
Por isso, a par do canto amargo a que fazemos jus, elevamos o nosso brado confiante e proclamamos, com o Ary de um dia e de sempre, que é com a confiança que se fazem os melhores dias do amanhã.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queríamo-nos associar, emocionados, à homenagem prestada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, em nome do seu partido, ao poeta Ary dos Santos.
Ary dos Santos escreveu «é no homem que ecoa a vida». Este verso, cuja essência poderá ter várias interpretações para cada um de nós, é para nós, e para mini especialmente que estou a falar, o cerne da sua vida.
Era nesse homem grande, corajoso, solidário, afável, alegre e ao mesmo tempo com angústia de viver que ecoa em todos os seus poemas. O homem humilde, intelectual, aflito. Qualquer homem que sentisse ou que sofresse tem em Ary dos Santos o seu representante.
Por isso, o MDP/CDE o considera um poeta nacional e um poeta universal no sentido em que a poesia é um sentido humano e universal.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista associa-se a este voto de pesar e fá-lo com mágoa e com sinceridade.
Dizia-me ontem, à noite, um homem da rua: «morreu mais um poeta nosso». Esta voz anónima exprime um sentimento popular. O povo português é sensível aos seus poetas e é particularmente sensível à morte dos seus poetas.
Ary dos Santos é um poeta da nossa língua, da nossa literatura, entrou já neste momento no património de todos nós. É um poeta do povo português.
Não interessam aqui desentendimentos passageiros ou de circunstância; interessa Ary dos Santos, a sua figura, como homem e como poeta; um poeta que se consumiu na sua própria vivência poética e assim honrou a poesia, honrou a literatura.
Foi um poeta autêntico. Aliás, é um poeta que se insere naquilo que penso ser a boa tradição da poesia portuguesa, uma poesia que sempre se fez à revelia das escolas oficiais ou das universidades, na boa tradição de Camões a Bocage, a Fernando Pessoa a Amaro de Sá Carneiro e tantos outros.
E a sua obra, o seu cantar e a sua própria morte são, de certa maneira, uma resposta a tentativas de impor à nossa literatura um neo-academismo que não está na sua boa tradição.
Ocorre-me agora um verso que ele escreveu num retrato de Alves Redol. Dizia ele que «um morto sozinho é um morto negativo».
Direi que Ary dos Santos não morreu sozinho, não tem com ele apenas os seus camaradas de partido; tem com ele todos os portugueses que amam a poesia, porque ele era um poeta autêntico, um poeta verdadeiro, um poeta que ficará na nossa literatura e que honrou a nossa poesia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ary dos Santos, militante partidário, enfeudado ao espaço estreito de uma ideologia que combatemos, não mereceu, obviamente, o nosso apoio.
A coerência manda que o recordemos. A hipocrisia nunca esteve do nosso lado.
E o poeta, senhores? Este outro Ary merece o voto da nossa simpatia.
Fica mais pobre a poesia quando um seu amigo se vai. Um amigo novo - 47 anos - como era nova, diferente, a arte de a escrever e de a dizer. Impetuoso, vibrante, vivendo o conteúdo das palavras, com a angústia e a alegria doe quem habita dentro delas, Ary dos Santos, poeta e declamador, ao deixar-nos, deixou mais só a poesia. Fica-se sempre mais só quando um poeta se vai. E é esta arte, despida de emblemas, do vermelho, do laranja ou do azul das camisolas, é esta arte do recriar, do reinventar, que não fica insensível à morte de Ary dos Santos.
Este Ary, a quem várias antologias já tinham aberto as portas, generoso e irreverente, sofredor a apaixonado, homem que agarrava as palavras e as colocava no texto numa das formas mais belas que os últimos 20 anos literários conheceram, que vencera sempre ameaças e medos com a força dos homens que acreditam na razão que os assiste, foi vencido pela morte ...
Não morre a poesia nascida entre a palavra e o silêncio, entre a presença do Ser e a sua ausência, nesse privilégio único de ser vidente, porta-voz predestinado dos sonhos, dos inconformássemos, dos desassossegos das

Página 2845

20 DE JANEIRO DE 1984 2845

multidões. Esse poeta, ontem bardo, trovador depois, hoje simplesmente poeta, não é propriedade deste ou daquele partido político. A sua dimensão é toda a literatura, mesmo aquela que está para além das ameias da Portuguesa.
O autor de Litúrgia de Sangue, do Tempo da Lenda das Amendoeiras e de tantas outras obras é um deles.
Não esqueçam os vivos os poetas.
A sua poesia essa, senhores, está aqui e já se recusou a morrer.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs., Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata vai votar favoravelmente este voto de pesar pelo falecimento do poeta Ary dos Santos ocorrido ontem. E, pese embora as divergências ideológicas, duas razões fundamentais têm de determinar neste momento que nos associemos ao pesar pelo falecimento de alguém de quem se pode em determinado momento ter divergido ou discordado, considerando-se controversa ou não a sua poesia ou a sua posição, mas que prestou ineludivelmente um contributo para o enriquecimento da nossa cultura, contributo esse que a História, melhor que nós, há-de julgar.
Para além disso, faleceu no flor da vida um cidadão que se proeurou dar ao seu país, ainda que dentro da sua ideologia, embora não seja disso que agora se trata porque, como foi dito, não é já um homem de que alguém se possa apropriar, mas um português e a morte é para nós sempre e em qualquer circunstância motivo de profundo pesar.
Daí que votemos, e com pesar, este voto formulado pela morte de Ary dos Santos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (1JEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho jeito para falar em circunstâncias destas, mas queria associar-me ao voto apresentado pelo Partido Comunista Português.
Lembro-me de, poucos dias antes do 25 de Abril, no Coliseu dos Recreios, cercado pela GNR e pela «polícia de choque» e com dezenas de agentes da PIDE lá dentro ouvir, já depois do 16 de Março, o José Carlos Ary dos Santos ler a sua poesia. Sentíamos todos os que estávamos ali que o fim da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano se aproximava do fim.
É essa a imagem que quero guardar, neste momento, do José Carlos Ary dos Santos, pois comungámos todos, naqueles dias que antecederam o 25 de Abril, a certeza de que finalmente poderíamos estar aqui - como hoje estamos - aqui e lá fora, dizendo cada um aquilo que pensa, às vezes uns contra os outros, mas se a democracia é um péssimo sistema todos os outros são certamente piores.
A liberdade que nesse dia sentimos vivemo-la hoje. Somos todos responsáveis por isso e José Carlos Ary dos Santos é um dos que é responsável por essa liberdade que hoje temos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições sobre este assunto, vamos passar à votação do voto de pesar apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Conselho de Ministros está na eminência de aprovar um projecto de Plano Energético Nacional (PEN) que nos levanta um conjunto de dúvidas que consideramos ser nosso dever apresentar já antes que qualquer decisão seja tomada. O IX Governo Constitucional herdou um projecto PEN que se comprometeu a rever, abrindo um debate público, antes da sua adopção definitiva. Só que o debate público não existiu. Não existiu nem para o cidadão comum, que muito dificilmente tinha acesso ao conjunto de documentos que fundamentaram o Plano, nem para os próprios especialistas envolvidos no PEN, como os membros do grupo consultivo e de apoio, que desde a tomada de posse deste Governo só foi convidado a reunir uma vez, para uma mera reunião de informação, e a quem nem sequer foram comunicadas as várias declarações do voto sobre o PEN, entregues ao seu secretariado. Também não foi testada nenhuma hipótese alternativa séria, desde a apresentação, a título particular, dos resultados do Plano, pelo então Ministro da Indústria, professor Bayão Horta.
Assim, do debate público e da revisão do PEN, prometidas pelos mais altos responsáveis, não ficou praticamente nada. Mais, temos algumas dúvidas sobre a ideia da informação que os responsáveis do Plano fazem, quando, por exemplo, o secretariado do PEN, encomenda um filme para a televisão sem que a objectividade deste filme esteja minimamente garantida. Por isso, o plano energético que será aprovado brevemente pelo Conselho de Ministros e apresentado proximamente nesta Assembleia, não é um PEN discutido publicamente e revisto, nem tão pouco o PEN, correspondente ao conjunto de trabalhos - muitas vezes valorosos, mas também contraditórios - efectuados pela centena de especialistas nele envolvidos.
Trata-se de um PEN que reflecte uma síntese orientada e incompleta, elaborada por um pequeno grupo que nem sequer tomou em conta as observações e críticas feitas pelas mais variadas personalidades e instituições, tais como, por exemplo, a Delegação do Banco Mundial. Esta Delegação efectuou no nosso país, em julho de 1983, uma missão de avaliação do PEN e rejeitou categoricamente algumas das suas opções fundamentais, entre as quais, a opção nuclear. Os responsáveis do Ministério da Indústria pretendem que este relatório ainda não lhes foi entregue, mas sabem perfeitamente o que a delegação lhes comunicou quando da reunião da conclusão. Se estivessem realmente interessados no debate, público poderiam ter diligenciado a divulgação pública das suas conclusões, porque seria um contributo importante para uma discussão séria e objectiva e para ajudar os mais altos responsáveis, nomeadamente o Ministro das Finanças e do Plano, a formar uma opinião sobre o assunto.

Página 2846

2846 I SÉRIE - NÚMERO 65

Srs. Deputados, distribuímos hoje aqui o relatório preliminar da equipa do Banco Mundial, com a finalidade de demonstrar a urgência de ponderar as tomadas de decisão e exigir que se dê início imediato ao conjunto de trabalhos de modificação de alguns pressupostos fundamentais do PEN e de investigações relativas a alternativas omissas ou postas de parte.
O que nos move a exigir uma revisão definitiva é o seguinte: os cenários de crescimento económico que fundamentam o crescimento das necessidades energéticas são completamente irrealistas nas suas intensidades e muitas vezes indesejáveis no seu conteúdo. São irrealistas porque, no cenário considerado pessimista, o produto interno bruta - PIB -, iria crescer 3,3%
ao ano entre 1980 e 1990. Já nem sequer abordamos o cenário optimista, porque considerá-lo, Srs. Deputados, seria uma verdadeira utopia económica - seis vírgula e tal por cento!
São indesejáveis porque baseiam o nosso desenvolvimento no crescimento de indústrias, grandes consumidoras de energia, correspondentes a projectos como o Plano Siderúrgico Nacional ou projectos no sector das químicas que iriam continuar a «brilhante» tradição iniciada com Sines.
Por isso, enquanto todos os países da OCDE já reduziram, ou tentaram reduzir, significativamente a relação entre desenvolvimento e consumo de energia, Portugal, orgulhosamente só, irá aumentar esta relação, mas lá estará o Orçamento do Estado para subsidiar os preços.
Deste modo, não admira que num esforço para testar uma nova hipotética teoria económica se tenha admitido no Plano Energético Nacional que o nosso nível de crescimento é independente dos preços absolutos da energia. Assim, uma multiplicação por 4 dos preços reais de energia «não terá nenhuma influência sobre a actividade económica»! Não deixa de ser curioso notar que nestes tempos de rigor não haverá nenhuma limitação na capacidade de pagamento dos custos energéticos, associados a um certo tipo de desenvolvimento apontado para o País!
Cremos, Srs. Deputados, que com estes mecanismos os inputs do modelo são dependentes do outputs desejados. É evidente que o aumento das nossas necessidades energéticas, previsto no Plano Energético Nacional, nos parece muito exagerado, como pareceu a muitos especialistas nele envolvidos, mas cujas opiniões ficaram, até hoje, na gaveta.
Por outro lado, a maneira como o PEN propõe a satisfação das necessidades energéticas levanta-nos muitas dúvidas. Basta só recordar que se atendermos às unidades actualmente em construção, ou definitivamente projectadas, a capacidade de produção de energia eléctrica é superior em 80 % ao consumo verificado em 1982.
É curioso, aliás, que a dita revisão do PEN/82, feita pelo Departamento Central de Planeamento do Ministério das Finanças e do Plano, reduzindo o PIB para valores mais baixos, apenas foi analisada pelos técnicos do Departamento Central de Planeamento e do Gabinete de Estudos, do Ministério da Indústria e Energia. «Esqueceram-se» de convidar outras entidades a participar nos trabalhos de revisão dos cenários! Será que este «esquecimento» resultou da habitual falta de tempo? E aqui cabe fazer uma referência ao Ministério dos Transportes, porque parece absurdo que um país que procura a integração europeia gaste em transportes mais de 30 % do consumo energético e ninguém se preocupe em saber porquê.
Não percebemos que resultados se procuram obter com esta revisão. Porque é que se consideram limites superiores para o investimento público e não se introduzem essas restrições nos modelos que determinam as escolhas no sector energético? De todas as opções apresentadas no relatório de síntese do Plano Energético Nacional, a mais polémica, ao nível da opinião pública é, sem dúvida, a chamada opção nuclear. De acordo com esse Plano, a energia nuclear, após 1995 irá entrar em força, para em 2010 representar 63 % da energia eléctrica produzida no País. 15to corresponde à construção, no cenário pessimista, de 6 reactores de 950 megawatts e irá representar o maior investimento jamais feito em Portugal. Segundo uma entrevista do Secretário de Estado da Energia, o investimento será a preços de 1983, de 1500 milhões de contos, dos quais a maior parte em divisas estrangeiras! E para que será todo esse investimento? Será para produzir electricidade que, no horizonte do Plano, só representa 16,5 % das necessidades energéticas do País? 15to é: o nuclear não representará mais de 10 % na satisfação destas necessidades no horizonte do Plano. Por isso, temos de concluir que o nuclear não resolve globalmente o problema do abastecimento de energia ao País, mas apenas, e só depois de 1995, uma parte reduzida das necessidades em electricidade.
Ao contrário do que muitos querem fazer pensar, o nuclear não resolve a dependência em relação ao petróleo, trata-se apenas de uma alternativa ao consumo de carvão. Mas alegremo-nos, Srs. Deputados, que com tal programa de investimentos há grande possibilidade de termos energia e não indústria. O único argumento considerado no PEN para justificar a opção nuclear é que o nuclear é o mais barato. Mas é mais barato em relação a quê? E em função de que hipóteses? Recorde-se que depois de 1995, a única alternativa considerada foram as centrais térmicas a carvão. E, mesmo assim, a comparação entre os custos do carvão e do nuclear é, segundo especialistas nacionais e estrangeiros, muito complexa e muito aleatória. Desta forma, nos Estados Unidos da América, por exemplo, a opção carvão é considerada mais barata, enquanto em França é o contrário. Mas não se trata do mesmo carvão nem a avaliação dos custos do nuclear é a mesma.
Não temos dúvidas que os autores do PEN consideram a todos os níveis hipóteses sistematicamente favoráveis à opção nuclear.
Senão, vejamos com alguns dados; o custo do investimento é significativamente inferior aos custo dados pela Agência Internacional de Energia Atómica, mais baixo que os custos anunciados pelos construtores norte-americanos. E é ainda mais baixo que os custos verificados nos países que, como Portugal, não tinham nenhuma ou pouca experiência nuclear, como é o caso, por exemplo, de Itália, de Espanha e do Brasil, onde se verificaram situações preocupantes. Em Itália, o único grande reactor sofreu um atraso de 58 meses na entrada em produção e registaram-se mais de 80 avarias diversas; em Espanha, o único grande reactor, Almaraz, por defeito de construção está condenado a funcionar a 40 % da sua capacidade. E há quem lamente Portugal não se ter associado ao projecto!

Página 2847

20 DE JANEIRO DE 1984 2847

Por sua vez, no Brasil, de todo o plano previsto, só duas centrais foram avante: a primeira funciona a 1% da sua capacidade e a segunda afunda-se nas areias e já Multiplicou o custo previsto por 5, sem ainda ter produzido qualquer kW/hora.
Contudo, há responsáveis do sector energético que admitem que a crise que a indústria nuclear atravessa impedirá o aumento do custo das centrais nucleares.
Talvez possamos um dia anunciar ao Mundo que as centrais nucleares estão em saldo!
Outra hipótese fundamental, no estudo económico, é a produtividade estimada de cada central, isto é, quantos kW/hora por ano produz ao longo da sua vida. A acreditar no PEN, Portugal situar-se-ia à frente de quase todos os países do Mundo em relação às performances das suas centrais. De facto, o coeficiente de disponibilidade considerado para cada reactor deixa dúvidas do ponto de vista técnico e rejeitámo-lo do ponto de vista económico. Primeiro, nunca, até hoje, o coeficiente de disponibilidade médio, no Mundo, atingiu os valores propostos.
Srs. Deputados, pelo facto de ter acabado o meu tempo farei o resto da minha intervenção depois. Terminarei apenas dizendo que é necessário que seja empreendido um grande esforço em novas fileiras industriais, em apoio à inovação e investigação, na reconversão dos sectores de base, porque deste modo conseguiremos produzir mais riqueza consumindo menos energia. Mas, principalmente, porque queremos um debate sério e profundo acerca desta matéria e que depois das opções perfeitamente definidas queremos ser nós a tomar as decisões.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porque, não queremos que um dia um jornal português consagre a sua primeira página, como fez o Time Magazine do mês de Agosto, a uma central nuclear abandonada durante a construção, com a seguinte legenda:

Prometeram-nos energia sem custo e deram-nos custo sem energia.

Aplausos do PSD.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo, o Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social (Amândio de Azevedo) e a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social (Leonor Beleza).

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos para pedir esclarecimentos na próxima sessão os Srs. Deputados António Gonzalez, António Taborda e Carlos Carvalhas.
Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Rúben Raposo.

O Sr. Rúben Raposo (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1983 findou com uma proposta do Governo, apresentada aos parceiros sociais.
Trata-se da criação do Conselho Permanente da Concertação Social.
Não é ainda a implementação do Conselho Económico Social, nem uma proposta do contrato social.
Uma das primeiras medidas para que aponta o programa do Governo, aprovado nesta Câmara, no sector do trabalho e da segurança social é promover o acesso das organizações representativas dos trabalhadores e dos empresários em instâncias de estruturas tripartidas.
Tal desiderato, dizia-se no programa «assenta no reconhecimento que aos parceiros sociais e aos agentes económicos em geral cabe um importante e insubstituível papel na concretização da política do Governo, a qual naturalmente e não poderá deixar de reflectir um impacte criativo daquelas entidades. Porque assim é, indispensável se torna reforçar o diálogo social alargado, intensificando a intervenção responsável dos parceiros sociais, pelo que será rapidamente implementado o Conselho Económico e Social».
Ou seja não se trata de criar mais um conselho, uma comissão que nunca reunirá, que acabará por morrer de inacção.
Pelo contrário, trata-se de criar uma estrutura tripartida que completa o nosso modelo de relações laborais, que faça a concertação, que substitua a via impositiva do facto consumado, dando lugar à transparência, ao diálogo e à negociação permanente.
É projecto que se insere na política de reformas de estruturas que o Governo deseja e vai empreender, com o apoio da Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de criação de um conselho de concertação social é a introdução do princípio do tripartismo na vida política portuguesa e a institucionalização do diálogo social.
Com efeito, o referido conselho terá uma composição tripartida. Nele estarão representados o Governo, as organizações sindicais e as organizações patronais.
Prevêem-se que as atribuições conferidas a este conselho, sejam as matérias concernentes à política económica e social.
Ou dito de outra forma, o conselho será a sede própria para se analisarem matérias tão importantes, como: a criarão de postos de trabalho, a competitividade das empresas, regulamentação das relações laborais, a política de rendimentos e preços, o horário de trabalho, as horas extraordinárias, o absentismo, a produtividade.
Mas não deverá o elenco das matérias cingir-se às supra referidas. A satisfação das próprias necessidades sociais básicas, também deverá figurar entre as matérias a serem abordadas.
Com este conselho, registar-se-á um salto qualitativo na tomada de decisões.
Até aqui, as organizações patronais não tinham qualquer direito de participação na elaboração da legislação de trabalho e na escolha das políticas sectoriais.
As organizações sindicais, por seu turno, têm o direito de emitir parecer não vinculativo em matéria de legislação de trabalho.
Agora, passarão a ser consultados na fase preparatória de elaboração das várias políticas sectoriais, ou seja antes da tomada de decisão, na fase de estudo onde as opiniões ainda não cristalizadas.
As decisões tenderão a ser consensuais, visando aproximar os parceiros sociais, criando condições para o combate à crise, impondo um sentido de solidariedade nacional acrescido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esta proposta, o poder político dialoga e os parceiros sociais não devem envededar por comportamentos maximalistas.

Página 2848

2848 I SÉRIE - NÚNERO 65

Com esta proposta, o Governo avança na democracia participativa, avança na participação social, dá passos para um consenso social.
Enfim, caminha na direcção da Europa.
E aí estão os exemplos.
A Suécia, onde o diálogo social é uma instituição nacional.
A Áustria onde a sua política económica e social é determinada pelo conselho de concertação social.
Na Alemanha onde a cogestão é um facto e onde funciona uma comissão de acção concertada.
Na Itália e na Espanha onde acordos sociais foram estabelecidos, entre as confederações patronais e centrais sindicais, acordos esses que são vertidos na política económica e social dos governos dos dons países.
Em Portugal estamos certos, o diálogo social também será possível.
Mas não basta introduzir a via do diálogo social, a via da concertação social, é preciso que se democratize o aparelho de Estado e as empresas.
Aliás, governo que é de socialistas e de sociais-democratas trem de actuar nas estruturas que propiciem uma maior democracia social, uma maior democracia industrial.
Importa, por isso, que seja promovido o acesso dos parceiros sociais à gestão do Instituto de Emprego e Formação Profissional, que as organizações sindicais estejam representados nos organismos de gestão de segurança social, de higiene e segurança de trabalho.
Como dizíamos, a esquerda democrática reconhece que a democratização das empresas é o desafio dos nossos dias.
Com efeito, a dignidade do trabalho exige o aperfeiçoamento dos mecanismos de intervenção nas empresas. Não é mais possível compatibilizar o estatuto de cidadão de primeira a nível do Estado, com um quase servilismo nas empresas.
Trata-se da Lei n.º 46/79, que dispõe que os representantes dos trabalhadores eleitos podem participar na gestão das empresas públicas.
Importa que o seu estatuto, no que concerne às funções e responsabilidades seja regulamentado, de forma ao governo, tão cedo quanto possível, dar cumprimento a este ponto específico do programa.
A implementação de mecanismos de participação aumenta a eficácia da própria actividade empresarial, pela convicção que o colectivo dos trabalhadores tem de que o poder, na empresa também por eles, é exercido.
Por outro lado, será factor eficaz na redução de tensões sociais.
Como assinalava em 1975, a Comissão das Comunidades Europeias, «as decisões tomadas pela empresa têm sempre repercussões consideráveis sobre a situação económica imediata ou a prazo dos seus trabalhadores, sobre a sua realização profissional, sobre a sua saúde e condição física, sobre a sua disponibilidade para a família, sobre os seus tempos livres e mesmo sobre o destino enquanto pessoas, a sua dignidade e a sua autonomia.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, por tudo aquilo que vimos afirmando, consideramos esta iniciativa do Governo, muito importante.
A criação do Conselho Permanente da Concertação Social permitirá que as várias forças políticas e sociais compreendam e assumam que qualquer estratégia consequente de combate à crise, impõe um consenso social alicerçado na solidariedade nacional.
Permitirá também que o nosso sistema democrático evolua no sentido de uma maior democracia participativa, de uma maior democracia industrial.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, António Mota, Corregedor da Fonseca e Oliveira e Costa.
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Edmundo Pedro.

O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de produzir aqui hoje uma intervenção diferente daquela que vou produzir. Tinha-a de resto preparado, mas depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado do Partido Comunista, Joaquim Gomes, resolvi alterar o conteúdo da minha intervenção, porque não me sentiria bem com a minha consciência se o não fizesse.
Portanto, a intervenção que farei, para além de tentar situar os acontecimentos do 18 de Janeiro, na sua verdadeira perspectiva - evidentemente, no meu ponto de vista -, procura também responder à posição que aqui assumiu o deputado do Partido Comunista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Completaram-se ontem 50 anos sobre um acontecimento que já hoje pertence mais à lenda do que à História do Movimento Operário Português. E digo que pertence mais à lenda do que à História, porque a tentativa de greve geral desencadeada em 18 de Janeiro de 1934 - na qual tive a honra de participar - tem sido ao longo dos anos, e especialmente após o 25 de Abril, mitificada, deturpada no seu autêntico significado, e indecorosamente aproveitada pelo PCP para servir a sua propaganda ...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!

O Orador: e não para prestar a justa homenagem a todos os que naquela data, independentemente da sua cor ideológica, se sacrificaram em defesa da liberdade sindical. Ora a verdade é que o aspecto mais significativo, mais importante, aquele que política e socialmente mais interessa salientar perante os trabalhadores da actualidade, é a extraordinária lição de unidade em face do perigo comum que deram os trabalhadores e as suas diversas organizações - comunistas, anarquistas, socialistas, sem partido - no 18 de Janeiro.
Foi a capacidade que demonstraram para ultrapassar o divisionismo ideológico, tantas vezes esterilizante, para organizar a resposta possível à ofensiva do regime que a todos atingia por igual.
Não se nega a qualquer partido o direito de extrair conclusões, em termos de actualidade, do que então se passou. Ninguém nega ao PCP, em particular, o direito de homenagear os abnegados militantes do seu partido que naquela data se sacrificaram nas prisões durante longos anos, por terem ousado defender os restos de liberdade sindical que subsistiam ainda em fins de

Página 2849

20 DE JANEIRO DE 1984 2849

1933. O que eu nego ao PCP, como participante no l8 de janeiro, é o direito de se apropriar, em termos exclusivos, do sacrifício dos homens de todas as tendências que foram vítimas do seu empenhamento em defesa da autonomia sindical.

Aplausos do PS e do PSD.

E nego-lhe esse direito com o fundamento sólido de ter partilhado as cadeias do continente e do Campo cie Concentração do Tarrafal - e neste último, que eu saiba, o Sr. Deputado Joaquim Gomes não esteve ...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas esteve muitos anos preso!

O Orador: - ... com inúmeros anarquistas e homens sem partido que para ali foram enviados comigo e outros membros do PCP.
E nego-lhe finalmente esse direito, para além de tudo e talvez fundamentalmente, porque me parece indigno e de um terrível mau gosto - para não dizer outras coisas - reduzir o significado do 18 de Janeiro, à glorificação do PCP sob o pretexto ridículo de que percentualmente os membros daquele Partido era mais que os restantes. Mas a indigência de pensamento e o insulto à memória dos que sofreram e morreram vai mais longe quando o Sr. Deputado afirma que entre o Governo de Mário Soares/Mota Pinto e o Governo de Salazar não há qualquer diferença.
Segundo o Sr. Deputado ambos praticam a mesma política de violência repressiva contra os trabalhadores e de ataque aos direitos sindicais.
Ora para além da evidente falsidade e irresponsabilidade de tais afirmações, o que me parece mais grave é que o Sr. Deputado proporcionou à imagem do regime de Salazar e aos seus crimes um banho lustral purificador - já que aparece agora, a esta nova luz, não como o regime altamente repressivo, que sempre foi mais como um regime moderado e democrático.
Mas o Sr. Deputado mostra, para além disso, que tem em muito pouca conta a inteligência dos seus colegas do Parlamento. Com efeito, já que entrou pelo caminho das comparações, seria muito mais rigoroso se comparasse o regime de Salazar e a sua ofensiva anti-sindical dos fins de 1933, com o regime polaco e sua ofensiva do mesmo sinal dos fins de Dezembro de 1981.

Aplausos do PS e do PSD.

Se comparasse o 18 de Janeiro de l934, que suprimiu os últimos vestígios de liberdade sindical e instituiu em seu lugar o sindicalismo corporativo, ao golpe do general Jaruzelski e da sua Junta Militar, que em
13 de Dezembro, suprimiu a Central Sindical Solidariedade que agrupava a totalidade da classe operária polaca e proeurou e procura impor - aliás sem qualquer sucesso - o mesmo modelo sindical corporativo que Salazar obrigou os trabalhadores portugueses a aceitar, se comparasse a repressão desencadeada por Salazar no seguimento do 18 de janeiro, as prisões arbitrárias e o Campa de Concentração do Tarrafal, com as mesmas prisões arbitrárias de sindicalistas polacos, sujeitos às torturas e à morte nas prisões do regime pelas mesmas razões que nos levaram ao Campo da Morte Lenta do Tarrafal.
Sim, já que entrou pelo caminho de fazer descabidas extrapolações históricas era este tipo de considerações que deveria ter feito - e eram estas as mesmíssimas conclusões que deveria ter chegado. E com isso prestaria não só uma homenagem muito mais honesta à memória dos que sofreram e morreram em consequência do 18 de Janeiro, ante cujo sacrifício me curvo neste momento comovidamente, como seria mais coerente com o próprio sentido da sua luta de então em prol da independência sindical.
Honraria muito mais a memória de homens como Bento Gonçalves, Alfredo Caldeira, Ernesto José Ribeiro e outros se tivesse a coragem de reconhecer que não foi por situações como as que se vivem na Polónia que sacrificaram as suas vidas.
E que nós, nessa época, estávamos convencidos que a luta que travávamos nas fileiras do PCP era uma luta em prol de uma sociedade mais livre e mais justa, era em prol de «uma sociedade mais democrática que a mais democrática das democracias burguesas», como costumávamos repetir, citando Lénine - e tal conclusão levava-nos a arrostar os maiores sacrifícios e a mais brutal repressão com a coragem que advém da certeza de se defenderem grandes e nobres causas. E entre as nossas convicções mais profundas estava a certeza de que a liberdade sindical, principal baluarte e último reduto dos trabalhadores, seria, após a conquista do poder, finalmente garantida para sempre, ficando não só ao abrigo de supressões radicais e repentinas, como aconteceu em 13 de Dezembro, na Polónia, mas também a coberto dos ataques permanentes que, mesmo em regime democrático, a fazer perigar, o que obriga os trabalhadores a uma luta permanente para a manter na sua plenitude.
Termino manifestando a esperança de que a principal e mais digna mensagens do 18 de Janeiro - mensagem de fraternidade, de unidade e de coesão em face do perigo comum - possa contribuir, com o seu exemplo inspirador, para ajudar a ultrapassar o divisionismo ideológico, para que os sindicalistas e os trabalhadores em geral - com realismo, eficácia participação e recusando o aproveitamento partidário - possam conseguir não só os seus justos e legítimos objectivos sectoriais, como contribuir com o seu exemplo e a sua força para a consolidação do regime democrático.
Essa será, de resto, a única maneira de garantirem os seus direitos sindicais, impossíveis de conceber nos regimes que não respeitam as liberdades públicas, como a experiência do movimento operário contemporâneo claramente comprovou. E será também a única forma de comemorarem dignamente e de respeitarem a mensagem de liberdade que nos legaram os que se sacrificaram em 18 de janeiro de 1934, que por ela se bateram e muitos morreram.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e César Oliveira.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia, da qual consta apreciação e votação do projecto de lei n.º 93/III, apresentado pelo CDS,

Página 2850

2850 I SÉRIE - NÚMERO 65

e da proposta de lei n.º 56/III, ambos sobre a Lei Quadro do Sistema de Segurança Social.
Tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social.

A Sr.ª Secretária de Estado aba Segurança Social (Leonor Beleza): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o Governo entendeu solicitar a esta Câmara um prazo de 2 meses para apresentar a proposta de lei que hoje aqui se discute não o fez determinado por qualquer «capricho de ordem política» e muito menos motivado pela necessidade da mera apresentação de uma proposta alternativa a um projecto apresentado por um partido da oposição.
Fê-lo porque entendeu e entende que o que estava em causa era uma questão de filosofia do sistema de segurança social, que qualquer alteração na especialidade por mais extensa que fosse não poderia colmatar e em relação à qual, o Governo estava, como tal excluído.
Fê-lo porque entende que uma lei que define o quadro em que se desenvolve o sistema de segurança social tem de ser coerente relativamente aos princípios que a enformam, lógica no quadro em que actua, firme nas opções que toma.
Fê-lo porque entende que nunca é demais solicitar dois meses de espera quando o que está em causa são valores subjacentes a uma perspectiva humanista da vida social que tem como fundamento o indivíduo e a comunidade, que se projecta na realização da justiça, que não se esgota na distribuição da riqueza, que protege contra situações de carência e que tende a efectivar o direito à segurança e à própria felicidade.
A proposta de Lei Quadro do Sistema de Segurança Social assume na sua plenitude estes valores e, na esteira da revisão Constitucional, integra nas objectivos de segurança social que o sistema visa prosseguir formas de protecção dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis, em particular as crianças, os jovens, os deficientes e os idosos.
As dificuldades com que por toda a parte se debatem os sistemas de segurança social tendem a intensificar-se na razão directa da persistência ou agravamento de condições desfavoráveis das economias.
A par de outras incidências, o rigor das políticas orçamentais, monetárias e salariais e os efeitos da inflação e do desemprego tendem a determinar uma procura acrescida dos sistemas de segurança social. A insegurança ditada pelos condicionalismos da crise económica corresponde o crescimento de aspirações individuais e colectivas de segurança contra os riscos sociais de um quotidiano ensombrado pele insuficiência de meios de subsistência, pela erosão do poder aquisitivo das prestações, pelo afloramento de novas ilhas de pobreza, pelo avolumar dos desajustamentos sociais, enfim pela força desmoralisante da incerteza.
É nesta incómoda encruzilhada que, entre outras, se encontra a segurança social portuguesa.
A racionalização e as reformas institucionais têm vindo a ser apontadas aos sistemas de segurança social como vias necessárias frente àquele condicionalismo desfavorável, já que, das duas outras saídas possíveis - a da facilidade enganadora e a da restrição - cega a primeira se exclui por irrealista e a segunda se rejeita por contrária aos mais elementares direitos dos cidadãos.
Um vasto e profundo processo de mudança, com múltiplas incidências de natureza social, política, económica e cultural, ao mesmo tempo que entre nós, impôs o reconhecimento da manifesta desactualização das anteriores leis de bases referentes à protecção social, tornou inadiável o imperativo de ajustamento da lei de enquadramento do sistema de segurança social às novas realidades determinadas por aquele processo de mudança.
Por outro lado, os atrasos acumulados ao longo de dezenas de anos de falta ou insuficiência de protecção social de importantes faixas da nossa população, designadamente dos seus estratos mais desfavorecidos, viria a determinar, na última dezena de anos, um crescimento vertiginoso do universo físico dos beneficiários e, consequentemente, das despesas do sistema de segurança social, o que determina a urgência de redefinição das condições de financiamento deste sistema.
Acresce que um rápido e acentuado envelhecimento demográfico da população portuguesa - que se estima irá persistir até ao fim do século - tem exigido, e continuará a exigir, expressivo esforço do sistema.
O Ministério do Trabalho e da Segurança Social, se não fossem as limitações de prazo conhecidas teria, ele próprio, submetido à discussão pública, como tem feito em relação a todos os projectos importantes, mesmo quando a lei o não exige.
Desejaria, aliás, o Governo, caso a Assembleia da República entendesse que o devia fazer, que o submetesse ela pr6pria à discussão pública.
O capítulo t do texto que ora é submetido à apreciação dos senhores deputados contém os princípios fundamentais pelos quais, no entender do Governo, se deverá ficar a reger o sistema de segurança social.
Do que é o sistema de segurança social se ocupa o artigo 3.º, dando do mesmo a noção de que compreende os regimes e as instituições de segurança social, cabendo a estas, para além da gestão dos regimes, o exercício da acção social.
Os regimes de segurança social traduzem-se, no fundamental, na atribuição de prestações, em dinheiro ou em espécie, as quais os cidadãos têm direito, nos termos referidos no artigo 2.º A consideração de tais prestações como objecto de direitos e as garantias do exercício das mesmas constituem em grande parte objectivo da proposta.
As instituições de segurança social correspondem, nos termos do artigo 6.º, ao sector operacional do aparelho administrativo da segurança social e são pessoas colectivas de direito público, destacando-se assim dos serviços integrados na administração directa do Estado, que têm a mesma natureza que quaisquer outros serviços da administração central e não são objecto da proposta.
A acção social, também prosseguida pelas instituições de segurança social, figura no texto da proposta numa posição claramente reforçada e valorizada em relação ao projecto do CDS.
De facto, àquela, que se distingue dos regimes de segurança social par não se traduzir na atribuição de direitos aos cidadãos, mas antes se concretizar na concessão de prestações tendencialmente personalizadas, está reservado no entender do Governo um importante papel no que respeita ao suprimento das lacunas dos regimes, à potencialização da sua eficácia e ao ensaio

Página 2851

20 DE JANEIRO DE 1983 2851

de novas prestações que, numa fase posterior, deverão se possível ser integradas nos regimes quando se tornem exigíveis em termos de direitos. Esta doutrina encontra acento legal no artigo 9.º
Por outro lado, e ainda no que respeita à acção social e às suas relações com os regimes, julgo de referir de novo, porque se me afigura de extrema importância, a posição claramente assumida da integração nos objectivos da segurança social que o sistema visa prosseguir de formas de protecção dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis, nomeadamente as crianças, os jovens, os deficientes e os idosos.
Desta perspectiva finalista dos objectivos e dos destinatários da política de segurança social, aliás em consonância com a nova redacção dada em 1982 ao n.º 3 do artigo 63.º da Constituição, decorre também a valorização do papel da acção social. A protecção daqueles grupos sociais efectua-se nomeadamente através do fornecimento de prestações em espécie, traduzidas na utilização de serviços e equipamentos sociais, a qual deverá progressivamente ser tratada como objecto de direitos.
O artigo 1.º do texto proposto refere-se aos fins do sistema de segurança social e procura, em conjunto com o artigo 4.º, traduzir as grandes linhas dos fins da Segurança Social tal como resultam da Constituição. Primeiramente dirigida à protecção dos trabalhadores e suas famílias - e estamos aqui no campo do regime geral de segurança social - ela protege também em situações de carência, independentemente do vínculo de trabalho, e deve tender para a universalidade, o que indicia o n.º 1 do artigo 63.º da Constituição.
Para além do princípio da universalidade, o artigo 3.º da proposta refere-se ainda aos 3 princípios próprios da segurança social e consagrados constitucionalmente, que são os da unidade, descentralização e participação.
Pareceu ao Governo dispensável enunciar outros princípios, quer por eventualmente se, situarem a um nível diferente, quer por não serem específicos do sector da segurança social, tal como constitucionalmente encarado.
Uma referência particular merecem os 3 princípios enunciados.
O princípio da unidade refere-se, quer aos regimes quer ao aparelho administrativo da segurança social. Dificilmente se pode tolerar que existam simultaneamente regimes de segurança social que transformem uns em mais privilegiados e outros em mais desfavorecidos. Um Estado que se reclama do que eu chamaria o sagrado princípio de igualdade não pode tratar, e ainda por cima no sector da segurança social, expressão da solidariedade entre os cidadãos, uns destes como filhos e outros como enteados. A unidade do sistema é assim uma expressão indispensável do que de mais genuinamente caracteriza um Estado como democrático e na sua progressiva obtenção se empenha decididamente o Governo.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O princípio da descentralização traduz-se na autonomia das instituições de segurança social, e tem vindo a encontrar concretização muito em particular na consolidação da experiência dos centros regionais de segurança social, existentes nos distritos, que o Governo encara como expressão da aproximação às populações que imprime à segurança social uma face mais humana.
O princípio da participação insere-se também nesta face humana da segurança social. Dirigida aos cidadãos, o sistema de segurança social deve ser gerido tendo em conta as posições das forças organizadas que representam os que nele estão interessados.
Ser-me-ão permitidas mais 3 breves referências ao capítulo dos princípios fundamentas. Por um lado, ao artigo 5.º, que devolve ao Estado a responsabilidade última pela administração e pelo cumprimento dos compromissos da segurança social; em seguida, ao artigo 7.º, que erradamente refere como principais fontes de financiamento as contribuições dos trabalhadores e entidades empregadoras e as transferências do Estado, primariamente dirigidas aquelas ao regime geral e estias às prestações não contributivas da segurança social; finalmente, ao artigo 8.º, sobre os trabalhadores migrantes, cujos direitos nos devem merecer a maior atenção não só enquanto se encontram a prestar trabalho longe de Portugal como também após o seu regresso.
Entende o Governo que se por um lado o Estado não pode abdicar do papel que lhe cabe na definição das linhas de orientação a que deve obedecer a política de segurança social, por outro não deve nem pode arrogar-se monopólio na sua execução. Daqui decorre o reconhecimento da importância que assume a acção desenvolvida pelas instituições particulares de solidariedade social, a que a própria Constituição reservou um relevante papel.
Com efeito, não pode nem deve a sociedade passar sem o apoio fundamental prestado por aquelas instituições, expressão organizada da solidariedade e do voluntariado sociais e da iniciativa das comunidades e das instituições na resolução dos problemas sociais.
Naturalmente que as instituições particulares se situam na periferia do sistema de segurança social, como o texto da proposta deixou bem claro. Mas a importância de que se revestem para a prossecução dos fins do sistema torna importante que a lei quadro deste, no acolhimento do entendimento constitucional, lhes de>dique atento e detalhado tratamento.
A valorização das iniciativas privadas não prejudica obviamente o papel tutelar que a Constituição reconhece ao Estado face àquelas e que, no capítulo VII da proposta se especifica, para que não subsistam dúvidas nas relações entre o sistema de segurança social e as instituições particulares.
Estes aspectos são determinantes para que a acção das instituições particulares de solidariedade social seja desenvolvida em consonância com os superiores objectivos da segurança social e com as prioridades definidas a nível nacional, mas também para que seja respeitada a indispensável autonomia das instituições como suporte institucional da solidariedade.
O reconhecimento do valor dessa autonomia está expresso também no artigo 47.º, incluído na parte respeitante às garantias e contencioso que determina as formas de resolução dos conflitos surgidos entre as instituições particulares e o sistema de segurança social.
A solução encontrada para dirimir com rapidez e justiça eventuais conflitos no domínio da aplicação de acordos de cooperação traduz-se na constituição de comissões arbitrais de cujas decisões caberá sempre recurso para os tribunais administrativos.

Página 2852

2852 I SÉRIE- NÚMERO 65

Também o mesmo artigo prevê que as instituições particulares possam recorrer para o foro administrativo das decisões das instituições de segurança social que lesem a sua autonomia ou os seus interesses.
Pretende-se assim o estabelecimento de uma solução de equilíbrio nas relações entre as instituições e o Estado, baseada no reconhecimento simultaneamente da autonomia daquelas e da responsabilidade deste, em que um e outras se vejam atribuídos meios de reagir contra um eventual exorbitar do âmbito de actuação que à outra parte cabe.
Os regimes de segurança social são o regime geral de segurança social e o regime não contributivo.
O regime geral de segurança social tem o seu acento tónico na protecção garantida aos trabalhadores, sejam eles por conta de outrem ou independentes, e às suas famílias. As suas fontes de financiamento são, primordialmente, as contribuições dos próprios trabalhadores e, quando se trate de trabalho subordinado, das entidades empregadoras.
Em contrapartida, o regime não contributivo destina-se a assegurar a protecção social das pessoas que se encontrem em situação de carência económica ou social e que não tenham constituído, através de contribuições, direito às prestações garantidas pelo regime geral.
Daí que o financiamento deste regime - como aliás também o da acção social - deva ser, como está consagrado na proposta de lei, garantido basicamente por verbas transferidas pelo Estado, numa clara afirmação do princípio da solidariedade nacional, a concretizar na medida em que a situação económica do Estado o permitir.
No que se refere às vias concretas em que se consubstancia a protecção social garantida pelos regimes e prosseguida pela acção social distingue a proposta de lei as prestações pecuniárias e as prestações em espécie, especificando-se que nestas se incluem os serviços e equipamentos sociais.
Afigura-se-me quase inútil referir aqui a importância que reveste aquela explicitação tão evidente ela se me apresenta. No entanto, ela permite tornar mais claras as formas possíveis de realização do princípio já referido assumido pela Proposta de lei quadro no n.º 3 do artigo 9.º, que aponta para a progressiva integração das prestações de acção social no campo de aplicação material dos regimes de segurança social.
A definição do campo de aplicação material do regime geral de segurança social contida na proposta de lei pode afigurar-se ambiciosa ou irrealista por enquadrar a protecção no desemprego e nos acidentes de trabalho. Assumo conscientemente que tal definição é ambiciosa e representa, por si, um enorme passo em frente.
Quero, porém, deixar claro que o Governo não pretendeu apresentar à Assembleia uma proposta de lei que constitua uma mera declaração de intenções - mesmo que boas - ou um arrojado comprometimento de todo inexequível.
Por isso, de forma realista e consciente, a proposta de lei apenas em relação à protecção no risco de desemprego assume a sua integração imediata nos regimes de segurança social. O caminho já feito, os estudos realizados e o projecto de diploma já em fase de ultimação permitem sem optimismo considerar que até à entrada em vigor da lei - se esta proposta vier a merecer aprovação - estará feita a integração da protecção no desemprego no âmbito material dos regimes de segurança social.
Quanto aos acidentes de trabalho, o Governo assume na sua proposta de lei não apenas o princípio, mas também a data do início da integração da protecção social nesta eventualidade no sistema de segurança social.
O estabelecimento do princípio, incluído no capítulo das disposições transitórias da admissão de um processo de execução faseado no tempo e no espaço evidencia o realismo da proposta e a preocupação no sentido de que bodo o processo se desenvolva sem sobressaltos e, acima de tudo, sem rupturas.
Apraz-me ainda salientar que numa política de clara valorização da adopção como a melhor resposta para situações de privação de meio familiar normal, a proposta de lei consagra expressamente aquela como facto determinante da atribuição de prestações garantidas pelo regime geral da segurança social, tal como o nascimento numa linha semelhante à de outros países europeus que faz com que um recente documento do Conselho da Europa fale da adopção como de uma nova eventualidade de segurança social.
Como já anteriormente referi, a proposta de lei assume, em termos inovadores, a diferença entre o aparelho administrativo da segurança social e as instituições de segurança social que nele se contêm, mas o não esgotam.
Enquanto as instituições constituem o sector operativo da segurança social, os serviços de administração directa do Estado, que se situam fora do sistema, têm em relação a ele e às suas instituições uma função coordenadora, decorrente da tutela exercida pelo Governo sobre aquelas instituições.
Estas são enumeradas pela proposta. A nível nacional, trata-se do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - que aliás tem uma natureza dupla, já que é simultaneamente serviço central -, do Centro Nacional de Pensões, do Centro de Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes - que sucede em parte ao actual Departamento de Relações Internacionais e Convenções da Segurança Social, ele próprio de natureza dupla - e o Centro Nacional de Protecção Contra os Riscos Profissionais, entidade sucessora da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e com uma designação que pretende abranger o tratamento dos acidentes de trabalho.
A nível distrital, como já referi, as instituições são os Centros Regionais de Segurança Social. A estes passará agora a caber a gestão da totalidade dos regimes no respectivo distrito, já que se estabelece a respectiva tutela sobre as Casas do Povo, na medida em que as mesmas exerçam funções no domínio dos regimes.
De acordo com o princípio de participação que a Constituição consagra, a proposta prevê que no processo de definição da política, objectivos e prioridades do sistema de segurança social participem as entidades interessadas através da sua intervenção institucionalizada no Conselho Nacional de Segurança Social, criado pelo Decreto-Lei n.º 549/77, mas nunca levado à prática.
A participação efectivar-se-á também nas instituições de segurança social em termos a definir na lei, sendo desde já enunciadas as entidades a quem aquela diz respeito.

Página 2853

20 DE JANEIRO DE 1984 2853

À margem do sistema mas com ele articulados e por ele disciplinados, prevê a proposta de lei a existência de esquemas complementares de prestações que respondam a um natural desejo de patamares mais desenvolvidos de protecção social aplicáveis àqueles que possam contribuir, em termos adicionais, para os garantir contra certas eventualidades.
A proposta de lei determina já neste campo algumas linhas de orientação que visam salvaguardar as garantias dos beneficiários dos esquemas de prestações complementares ao mesmo tempo que considera juridicamente irrelevantes para o sistema de segurança social os esquemas actualmente em vigor e que se não adaptem às regras orientadoras que venham a ser instituídas.
Relevância particular assume, no texto da proposta de lei o capítulo relativo às garantias e ao contencioso.
Esclarece-se definitivamente e em termos inequívocos o regime a que passam a estar sujeitos os actos praticados pelas instituições de segurança social, subordinando-o ao contencioso administrativo.
Trata-se de uma opção de fundo que tem na base o reconhecimento das instituições de segurança social como pessoas colectivas de direito público, integradas na administração indirecta do Estado. Tal solução, que no passado não foi adoptada por uma certa tibieza do legislador, o qual tem no presente a coragem de uma tomada de opção, correcta em termos doutrinários e exequível em termos práticos.
A par do regime de contencioso, a proposta de lei consagrou a possibilidade de a administração revogar os actos de concessão de prestações feridos de ilegalidade bem como a competente suspensão de prestações continuadas, nos limites legais vigentes para a revogação dos actos administrativos constitutivos de direitos.
Quanto às inscrições ilegais no regime geral, consideram-se as mesmas nulas, podendo a declaração de nulidade ser feita a todo o tempo mas só produzindo efeitos retroactivos até ao limite do prazo de revogação dos actos constitutivos de direitos.
A administração dota-se assim de meios indispensáveis, e até aqui nunca claramente assumidos, que lhe permitam a prevenção e o combate a situações fraudulentas no respeito para com todos aqueles que contribuem para um sistema que não deve nem pode permitir a sua utilização abusiva. Por outro lado, fica com clareza definida a garantia dos direitos dos beneficiários.
O direito à informação que a todos é devida e a garantia do sigilo no tratamento de dados pessoais que a todos é assegurado são outras das garantias que ficam expressas.
Nestas considerações reside no essencial a razão de ser da apresentação da proposta de Lei Quadro do Sistema de Segurança Social.
Proposta de lei que tem na sua génese uma perspectiva humanista da vida social, no seu desenvolvimento o justo equilíbrio entre o indivíduo e a comunidade, o Estado e as iniciativas particulares, e que tem na sua finalidade o propiciar de uma vida mais justa e mais segura a todos, e em particular àqueles que por serem os que mais precisam constituem por isso a razão primeira de toda a nossa acção.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr.ª Secretária de Estado, antes de mais, permita-me que lhe apresente as minhas saudações dentro de um clima de cordiais relações que sempre mantive quando partilhámos o mesmo governo.
A pergunta que lhe quero fazer é se nesta proposta de lei agora apresentada há efectivamente alguma mudança de filosofia em relação ao projecto de lei que o CDS apresentou nesta Câmara há cerca de 2 meses. E que do meu ponto de vista não há alterações de filosofia mas apenas alterações de pormenor, embora nalguns desses pormenores devam fazer-se certos reparos e naturalmente estabelecer-se um diálogo construtivo.
Sem prejuízo de uma intervenção que o meu colega de bancada, Sr. Deputado Bagão Félix, irá fazer, gostaria de levantar apenas mais uma questão, e isto também para não intervir de novo. A questão em causa diz respeito à integração dos acidentes de trabalho na segurança social. Pessoalmente sempre fui contrário a esta integração e recordo-me de ter recebido no Ministério dos Assuntos Sociais um conjunto de responsáveis sindicais da linha da UGT que me vieram manifestar as suas preocupações pela possibilidade que viam no horizonte de essa integração se vir a fazer.
Assegurei-lhe na altura que não era minha intenção, como Ministro dos Assuntos Sociais, fazer tal integração por um conjunto objectivo de razões, que é o seguinte: considerar, antes de mais, que não estavam os serviços de saúde preparados para dar um tratamento igual aos sinistrados - e nem estarão até 1985 - no que respeita a assistência médica; depois por considerar que os médicos que trabalham nas companhias de seguros, na sua maior parte nacionalizadas, têm, no que respeita ao controle das baixas por acidentes de trabalho, uma filosofia diferente daquela que infelizmente se verifica nos serviços de saúde, onde sabemos que o nível das baixas atinge proporções verdadeiramente avassaladoras. 15so não acontece ainda no regime de acidentes de trabalho e é perigoso fazer-se essa transferência, com a filosofia que ainda hoje subsiste ao nível da assistência médica e do controlo das baixas por doença, que não por acidentes de trabalho.
Pensei, assim, que os trabalhadores não têm nada a ganhar com essa alteração e que ainda menos ela se justificava no momento em que as companhias de seguros que hoje exploram o ramo dos acidentes de trabalho são na sua maior parte, senão mesmo na sua quase totalidade, nacionalizadas.
Por outro lado, estou convencido de que, a fazer-se a integração referida, essa será, sem dúvida, a última machadada no sector das seguradoras nacionalizadas que neste momento actuam no mercado português. A situação da actividade seguradora é já hoje extremamente débil e, se lhe cortar essa «fatia» dos acidentes de trabalho, poderemos dizer que grande parte das seguradoras entrarão numa situação de inviabilidade de uma forma extremamente rápida.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Secretária de Estado deseja responder imediatamente ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?

Página 2854

2854 I SÉRIE - NÚMERO 65

A Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem agora a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente., Srs. Deputados: Na proposta de lei de bases apresentada pelo Governo, no artigo 75.º, refere-se a integração da protecção dos acidentes de trabalho, que tem essencialmente a ver com o problema das companhias seguradoras.
A Sr.ª Secretária de Estado referiu na sua intervenção esta questão e eu queria dizer desde já que, tendo este artigo dois pontos, em relação ao n.º l estou por princípio de acordo, aliás no seguimento de uma posição que já manifestei aqui há alguns anos atrás, portanto agora trata-se apenas de retomar um problema.
A questão põe-se em relação ao n.º 2, que é o que respeita ao prazo, para fazer esta transferência.
E estou por princípio de acordo porque acho que em matéria tão importante como a da saúde e na sua defesa, no que respeita aos acidentes de trabalho por parte dos trabalhadores, deve haver uma «tutela» que não deverá, de maneira nenhuma, submeter-se a qualquer perspectiva de lucro por mínima que seja. Mas, antes de abordar esta questão, convirá dizer o que representam os acidentes de trabalho quanto à actividade seguradora.
Em matéria de prémios, dos 50 milhões de contos por ano que são processados a nível global das companhias nacionalizadas e não nacionalizadas, os acidentes de trabalho representam 12 milhões de contos e só nas nacionalizadas representam, salvo erro, 9 milhões de contos.
Quanto aos trabalhadores, num total de 14 000, no que respeita aos trabalhadores directamente afectos ao regime dos acidentes de trabalho e outros, indirectamente, designadamente em matérias administrativas, calcula-se entre os 3500 a 4000 o número de trabalhadores para além dos serviços médicos, que têm a ver com as funções que as companhias seguradoras desenvolvem neste momento.
Ora, nestas circunstâncias, fácil será concluir da dificuldade de fazer uma transferência deste tipo, sobretudo tendo em atenção que a actividade seguradora atravessa uma certa recessão, obviamente fruto da actividade económica que está de certo modo paralisada ou que, pelo menos, não se encontra em grande crescimento.
Levanta-se, portanto, o problema de saber como é que será possível fazer o que se pretende num prazo de apenas 5 anos. O que é que acontecerá a estes 4000 trabalhadores? Pergunta-se também se não seria possível fazer uma transferência por fases - aliás, a lei não o refere, mas a Sr.ª Secretária de Estado nesta matéria deu grande - abertura e fez questão de salientar a dificuldade que tem um processo como este.
Designadamente, pergunto se não seria possível, numa determinada fase, as companhias seguradoras prestarem um serviço ao Estado em determinadas condições, através da transferência progressiva das reservas matemáticas para o Estado e este assumir o pagamento das pensões, com vista a que, dilatando o processo no tempo, não se fizessem correr riscos às companhias seguradoras, que, aliás, acabam de sair, e ainda estão em convalescença, de um processo de reestruturação em consequência das fusões que se concluíram há bem pouco tempo.
De qualquer forma, a ideia com que fiquei, através da intervenção da Sr.ª Secretária de Estado, é a de que o Governo está perfeitamente aberto a discutir este n.º 2. julgo ainda que é fundamental dialogar em toda a dimensão com o Instituto de Seguros de Portugal e também obviamente com as organizações representativas dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr.ª Secretária de Estado, a primeira questão que gostaria de colocar é a seguinte: esta proposta de lei surgiu aqui na sexta-feira, não está sequer publicada no Diário da Assembleia ela República, não é afinal do conhecimento mínimo do País.
E sabido que tanto a legislação relativa aos trabalhadores como concretamente o artigo 63.º da Constituição estabelecem como ponto fundamental a participação dos trabalhadores no que diz respeito à segurança social, uma vez que ao descontarem dos seus vencimentos são eles que financiam a segurança social.
Ora, o que aconteceu foi que os trabalhadores não foram minimamente ouvidos e tenho a certeza de que nem sequer tiveram a oportunidade de ler o texto da proposta de lei pois ele não é conhecido. 15to é, ou vieram a correr aqui à Assembleia da República pedir a um deputado que, na sexta-feira à noite, lhes fizesse chegar o texto ou, de contrário, as organizações sindicais e todas as restantes organizações representativas dos trabalhadores desconhecem totalmente o texto que o Governo agora aqui apresenta.
15to não é forma de se legislar em matéria tão importante como esta!
Poderá a Sr.ª Secretária de Estado dizer que em relação ao projecto de lei do CDS se passou o mesmo, mas não é assim! Ainda quando estava no Governo, o CDS distribuiu um livrinho, um suplemento, uns papelinhos que foram amplamente discutidos. Aliás constam da Comissão desta Assembleia competente para o estudo dessa matéria e até dos vários grupos parlamentares numerosos pareceres - uns concordando, outros discordando - bem como numerosas propostas de alteração relativas ao texto proposto pelo CDS.
No caso concreto do texto proposto pelo Governo ele é total e completamente desconhecido do País e nomeadamente dos interessados e eu creio que isso não pode acontecer. 15to é, não é correcto que o Governo tenha aqui aparecido na sexta-feira com um texto que é completamente desconhecido e que não se saiba sequer quem foi ouvido.
Neste sentido, a primeira pergunta que lhe quero fazer é esta: foi ouvida alguma organização dos trabalhadores sobre este texto concreto que aqui foi apresentado? Quem é que foi realmente ouvido?
Por exemplo, já se falou aqui da situação dos seguros. E óbvio que quando c>s trabalhadores deste ramo virem isto ficarão aflitos! E as companhias seguradoras foram ouvidas? Elas estão de acordo com a transformação que se pretende fazer? Têm planos para remodelar o seu sector?

Página 2855

2O DE JANEIRO DE 1984 2855

Enfim, Sr.ª Secretária de Estado, creio que, num campo tão importante e que diz tão directamente respeito aos trabalhadores, e quando a Constituição consagra claramente o princípio da participação, não é admissível que estejamos a discutir uma proposta de lei sem que ninguém, mas literalmente ninguém, tenha sido ouvido - pelo menos que nós tenhamos conhecimento.
Em segundo lugar, gostaria de, antes de lhe colocar algumas questões concretas, dizer o seguinte: este texto que o Governo apresentou não é radicalmente diferente do texto do CDS. Pelo contrário, ele é no seu fundamental igual ao do CDS e o Governo podia, pura e simplesmente, ter feito as suas propostas de alteração e participado na discussão na Comissão. Teria deste modo poupado tempo à Assembleia e ao País, não aparecendo hoje aqui com um texto já discutido. É porque, na verdade, as diferenças entre o texto do CDS e o texto do Governo são, mera e fundamentalmente, de arrumação e tudo o resto são pequenas questões de pormenor. Por exemplo, a Sr.ª Secretária de Estado referiu a questão da adopção, que é de pormenor e consta até de um texto do PCP que está agendado para discussão e votação no próximo dia 25 do corrente mês. Refiro-me ao projecto de lei, do PCP, sobre a maternidade em que está consagrado o princípio da adopção.
Mas poderíamos referir outro, que é, por exemplo, o caso de a segurança social se substituir em relação à pensão de alimentos que não é paga, princípio esse que consta igualmente de um projecto de lei do PCP que está também para discussão e votação nesta Assembleia.
De resto, o texto apresentado pelo Governo é uma c6pia arrumada, do fim para o princípio ou do meio para o lado, do texto do CDS e não diverge dele nos seus pontos fundamentais.
No entanto, quero colocar-lhe, muito rapidamente porque o tempo é pouco, algumas questões muito concretas.
Fala o texto governamental na integração imediata do subsídio de desemprego. Pergunto: em que bases e com que financiamento? Está o Governo a prever que vai financiar a segurança social com o dinheiro que vem do subsídio de desemprego? 15to é, os patrões estão cada vez a pagar menos à segurança social, mas o Governo não prevê, na sua própria lei de bases,
medidas sérias para recuperar o dinheiro assim perdido.
A verdade é que o texto da proposta de lei é vago, não é conciso, Por exemplo, em relação às divergências com as instituições privadas da segurança social, diz que vai criar comissões arbitrais para resolver os conflitos. Mas em relação às dívidas do patronato já não diz que vai criar comissões arbitrais com a participação dos sindicatos, por exemplo, para obrigar o patronato a pagar aquilo que deve. O que faz é, pura e simplesmente, integrar o subsídio de desemprego na segurança social para ir buscar esse dinheiro a fim de financiar a segurança social que, por este andar, com o agravamento de mais de 1 milhão de contos por mês da dívida do patronato, qualquer dia não tem dinheiro para pagar aos reformados, como é óbvio.
A Sr.ª Secretária de Estado diz ainda que a proposta de lei do Governo não é um texto de meras intenções, que se trata de soluções concretas e que 30 dos 84 artigos exigem a publicação de diplomas regulamentares. Porque não prevê o Governo quando vai entrar em funcionamento efectivo o financiamento dos regimes não contributivos e da acção social? Aí já não aponta uma data, como faz relativamente a outros aspectos! ...
Quais são, de facto, os princípios da segurança social e por que é que está ausente o princípio básico da segurança social que é o princípio da solidariedade?
Uma última pergunta sobre a questão da participação dos trabalhadores. O texto apresentado pelo Governo é, no fundamental, idêntico 0e do CDS e prevê a participação em condições de igualdade de estruturas como, por exemplo, as instituições privadas de segurança social que não têm o mesmo tratamento no que diz respeito ao texto constitucional. Porquê, Sr.ª Secretária de Estado?
Creio, pois, que o Governo aparece aqui com uma lei, chamada de bases da segurança social, que vai, no seu fundamental, manter tudo o que existe, que está, no seu essencial, de acordo com as soluções preconizadas pelo CDS e que, no fundo, não adianta nem atrasa em relação à discussão que já havia sido feita na Assembleia da República. Creio que se esta proposta de lei for aprovada vamos ter que fazer aquilo que o Governo não fez e que é, antes de mais, abrir uma discussão pública sobre o diploma, ouvir os trabalhadores, ouvir os beneficiários, começar exactamente pela sua participação e fazer aquilo que o Governo deveria ter começado por fazer, se quisesse apresentar aqui, como fez, uma proposta de lei sobre a segurança social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr.ª Secretária de Estado, no tocante à participação nas instituições de segurança social é apresentado no artigo 62.º um conjunto interessante de instituições. Mas apesar de tudo, Sr.ª Secretária de Estado, cabe-nos perguntar: vão só participar nas instituições que já existem ou vão ter o poder - à semelhança do consignado no artigo 61.º, que fala da participação a nível central - de intervir na definição da política, dos objectivos e das prioridades de actuação da segurança social a nível regional e local?
Uma outra questão sobre o mesmo assunto: essa participação será só consultiva ou não apenas consultiva? É a segurança social ao serviço das pessoas ou as pessoas ao serviço da segurança social? A propósito pode ver-se o artigo 61.º, n.º 2.
Quanto ao artigo 74.º, p. 32, gostava de saber em que termos é que a protecção nos acidentes de trabalho irá ser integrada no regime geral da segurança social.
Tenho aqui vários apontamentos relativos a diversos pontos da sua intervenção e um aspecto que também nos intriga diz respeito à definição de grupos fechados de beneficiários e assim gostava de saber o que é que o Governo pretende dizer com estes grupos fechados de beneficiários.
Ainda quanto à integração do regime não contributivo, acerca do qual travamos um debate com o Sr. Deputado Bagão Félix, gostávamos de saber se o esquema de prestações à segurança social não deveria

Página 2856

2856 I SÉRIE- NÚMERO 65

ser feito através do Orçamento do Estado - aliás, recordo que o CDS prevê justamente esse esquema.
Quanto à cooperação com as instituições de segurança social, artigo 69.º, a lei define as regras a que devem obedecer os acordos de cooperação. Pergunto - e gostaria que esta questão fosse respondida claramente - se vão continuar a ser privados ou confidenciais os montantes em dinheiro e técnicos dados a cada instituição, ou se isso será público e do conhecimento de todas as entidades que têm direito a essa participação. E, Sr.ª Secretária de Estado, faço esta pergunta porque sabemos que em certos momentos pré-eleitorais se tem verificado que os Governos, através dos centros regionais, atribuem subsídios às instituições que lhe interessam e que não são tornados públicos porque estes são dados apenas a alguns sendo por vezes mesmo necessário desviar verbas de certas rubricas. Pergunto se, efectivamente, este secretismo se vai manter.
Sr.ª Secretária de Estado, vou apenas fazer mais uma pergunta porque não tenho tempo para mais. A propósito da subsistência transitória de regimes especiais, consignada no artigo 72.º, diz-se que o regime especial de assistência social aos trabalhadores agrícolas e os regimes especiais de segurança social de outros grupos de trabalhadores serão gradualmente integrados no regime social. Fala-se aqui em «gradualmente» e pretendíamos saber se está previsto quando e como essa integração irá ser feita.
No artigo 73.º, que melhora um pouco a disposição anterior, também não se diz nem quando nem como é que se processa a integração dos regimes de protecção social da função pública no regime geral da segurança social, num regime unitário.
Portanto, Sr.ª Secretária de Estado, pergunto: quando e como se desenvolverá essa integração?
Finalmente, no artigo 34.º, n.º 2, que vimos com muita atenção, fala-se da acção social que se destina a assegurar especial protecção aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, jovens, deficientes, etc.
Pergunto-lhe se não considera que sem intervir comunitariamente será difícil assegurar alguma protecção aos grupos que foram referidos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Taborda pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - É também para formular um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social, ao fazer a apresentação desta proposta de lei V. Ex.ª disse que, em resumo, o Governo não andava a reboque de nada e, muito menos, do projecto de lei do CDS e que teria elaborado esta proposta de lei porque estava em causa a definição da segurança social. Lendo com atenção esta proposta de lei - e não querendo repetir o que já disse o Sr. Deputado Luís Barbosa -, não vejo de facto uma diferença essencial de filosofia em relação ao projecto de lei do CDS. Tem algumas diferenças, de pormenor ou não, mas a filosofia básica parece-me ser a mesma. E talvez não tivesse sido pior que, quando se discutiu o projecto de lei do CDS, este tivesse baixado à Comissão e se estivesse já a trabalhar nele, com algumas alterações de pormenor, como estas agora que nos traz esta proposta de lei.
No entanto, saltaram-me pelo menos duas diferenças: uma quanto ao contencioso, que passaria a ser, nos termos da proposta, o contencioso administrativo, e não o contencioso laboral, como é actualmente; outra relativa aos acidentes de trabalho.
Tenho dúvidas bastantes fundadas quanto à bondade de se, passarem para o contencioso administrativo todas as questões relacionadas com a segurança social. Francamente, também estou um pouco com um problema de tempo. A proposta entrou na sexta-feira, já tarde; só na terça-feira é que foi possível começar a lê-la e, efectivamente, não tinha ainda pensado maduramente sobre isto. Mas gostaria que a Sr.ª Secretária de Estado desse alguma explicação mais convincente do que a que deu quando da apresentação da proposta. Porquê o contencioso administrativo aqui? Quer dizer, para mim não basta a explicação dada de que isto era o reconhecimento das instituições de segurança social como pessoas colectivas de utilidade pública.
Quanto aos acidentes de trabalho, é evidente que este problema também se relaciona com todos os deficientes. No seu artigo 63.º, n.º 1, a Constituição diz que todos têm direito à segurança social - todos os que têm carências e que, portanto, devem ser beneficiários da segurança social. Os acidentes de trabalho constituem um dos grandes flagelos deste país. Sabemos como actualmente, desde logo, não existe uma prevenção adequada e como, por outro lado, também o seu tratamento através de seguradoras não é de certo o mais eficaz, nem o que melhor protege os interesses dos acidentados. De todo o modo, é um problema paralelo ao das doenças profissionais, que foram também retiradas do seguro e inseridas na segurança social.
A propósito, e como última pergunta, também nesta proposta se integra na segurança social o subsídio de desemprego. Dado que o meu tempo já se esgotou, eu faço uma pergunta muito sucinta que tem a ver com o facto de o Sr. Secretário de Estado do Emprego ter anunciado que iria haver uma grande remodelação do subsídio de desemprego que passaria a ser um seguro de desemprego. E que não sei se ele se referia concretamente a esta proposta ou se o Governo tem também um outro projecto para o subsídio de desemprego que não seja esta integração.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social.

A Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começarei por responder às perguntas colocadas pelo Sr. Deputado Luís Barbosa - e permitam-me que comece por lhe transmitir também as minhas cordiais saudações, o que laço com muito gosto.
Foi-me colocada pelo Sr. Deputado - e, aliás, não só pelo Sr. Deputado - a questão de saber se há ou não uma mudança de filosofia em relação ao projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS. Dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que não há diferenças fun-

Página 2857

20 DE JANEIRO DE 1984 2857

damentais em relação a muitos aspectos do texto apresentado pelo Grupo Parlamentar do CDS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Aliás, numa enorme medida, esse texto corresponde a aquisições importantes do pr6prio sector da segurança social, aquisições essas que o Governo não veria qualquer razão para pôr em causa. Mas há obviamente diferenças e - eu diria - essas diferenças são muito importantes.
Naturalmente, não cabe ao Governo estar aqui a dizer aos Srs. Deputados que as diferenças são estas ou são aquelas. Os Srs. Deputados leram os textos, sabem quais são as diferenças e têm uma noção da sua amplitude. Quando o Governo aqui pediu um prazo para apresentar a sua proposta, desejava, em primeiro lugar, dar a sua contribuição específica para uma questão de enorme importância nacional, da qual não se queria ver alheado, como naturalmente estaria se, de facto, o texto fosse discutido exclusivamente no âmbito da discussão de um projecto de lei.
Por outro lado - e para me referir a aspectos de concepção fundamentais -, dir-lhe-ia que existe um aspecto em que há uma diferença grande ao nível da concepção entre os 2 textos - e tentei acentuá-lo na intervenção que produzi. Esse aspecto diz respeito à situação da acção social no contexto do sistema de segurança social. Era entendimento do Governo que o tratamento dado a essa questão no projecto de lei do CDS é um tratamento de subvalorização em relação ao que deve ser um tratamento adequado. Na proposta de lei apresentada pelo Governo, a acção social aparece claramente como integrada no sistema de segurança social e os seus fins como fins do sistema de segurança social.
É uma questão - julgo eu - básica do entendimento do que é o sistema de segurança social, em que, de facto, há uma diferença importante. Há muitas outras, mas não julgo que o Governo deva voltar ou estar aqui a enunciá-las em pormenor. Aliás, quando fiz a intervenção inicial de apresentação da proposta o que quis foi dar o sentido fundamental dessa proposta e abstive-me de muitos comentários sobre se era ou não diferente, por não me ter parecido que fosse isso o mais importante do que estava em causa.
O Sr. Deputado, como outros Srs. Deputados, colocou o problema da integração dos acidentes de trabalho na segurança social. Não tem o Governo qualquer dúvida de que a maneira mais correcta de tratar os acidentes de trabalho é incluí-]os nas eventualidades protegidas através do sistema de segurança social. Essa visão consta, aliás, do Programa do Governo, que os Srs. Deputados aprovaram no devido tempo. Portanto, não se trata de qualquer modificação de posição: trata-se de um reassumir, pelo Governo, de uma posição que, na altura própria, submeteu à apreciação dos Srs. Deputados.
Nos termos da Convenção n.º 102 da OIT, os acidentes de trabalho são uma eventualidade que deve ser incluída no tratamento dos regimes de segurança social. É uma situação, como outras, em que os trabalhadores correm o risco de se verem sem os rendimentos próprios provenientes do trabalho. É uma situação que deve ser tratada com o espírito próprio do sistema de segurança social e não com o de quaisquer empresas, sejam elas empresas públicas. No entendimento do Governo, é essa a posição mais correcta, o que não significa, obviamente, que o Governo não tenha consciência das enormes dificuldades que, na prática, significa esta integrarão. De rasto, por alguma razão já anteriormente outros Governos têm prometido este integração sem que ela se inicie na prática. E é porque há consciência das grandes dificuldades que este processo supõe que o Governo propõe um sistema faseado no tempo e no espaço, a iniciar em 1985 - e não está no texto da proposta qualquer prazo para que termine esse plano de integração faseado.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu o facto de ainda não ter sido publicado o texto da proposta de lei. Naturalmente, não é da responsabilidade do Governo o facto de esse texto não estar ainda publicado nos termos normais, mas eu gostaria de relembrar à Sr.ª Deputada aquilo que disse quando apresentei o texto da proposta de lei: o Governo teria gastado de submeter este texto a discussão pública. O Governo sabe perfeitamente a importância enorme que, paro todos os cidadãos - e não exclusivamente para as trabalhadores -, este texto tem. Portanto, teria gostado de o fazer - eu disse isso - e só não fez porque tinha para com esta Câmara o compromisso, aqui assumido, de apresentar este texto no prazo de dois meses, compromisso que cumpriu. Aliás, se e Sr.ª Deputada acha que não há diferenças entre este texto e o do CDS e que o texto do CDS foi suficientemente discutido e publicamente posto em causa, não vejo agora qual a razão de tantos problemas em adoptar o texto proposto pelo Governo.

Aplausos do PSD.

De qualquer forma - repito -, o Governo está interessado em que o texto seja publicamente discutido e verá com muito gosto qualquer iniciativa da Assembleia da República nesse sentido.
Algumas perguntas foram feitas sobre o sistema de participação dos interessados no sistema de segurança social. Como terão reparado, o texto da proposta de lei determina que essa participação se fará a nível nacional, através da criação efectiva do Conselho Nacional de Segurança Social e nas instituições de segurança social, as quais são claramente enumeradas. O texto remete para lei posterior a definição dos termos em que se fará essa participação, que será feita naturalmente nos termos previstos na Constituição - nem de outra maneira se poderia processar.
Foi colocada também a questão de saber quais são os grupos fechados que têm regimes especiais de segurança social, previstos no artigo 76.º Posso referir-lhes que estão nessa situação os trabalhadores do serviço de transportes colectivos do Porto e os ferroviários.
Em relação à integração no regime geral da segurança social de grupos de trabalhadores que, ainda hoje, não estão integrados, a proposta de lei prevê essa integração, mas não prevê um prazo, porque, neste momento, não temos segurança em relação ao prazo em que essa inclusão se poderá efectuar. Mas julgo que ficou claro o empenho do Governo em que os trabalhadores tenham um tratamento de igualdade em relação à segurança social. E salientei, com o relevo que julgo que merece, o principio constitucional da unidade, que, justamente,

Página 2858

2858 I SÉRIE- NÚMERO 65

supõe unidade de regimes e unidade no sistema orgânico de segurança social.
Em relação à cooperação com as instituições particulares de solidariedade social, foi aqui referido que haverá subsídios mais ou menos confidenciais dados a instituições particulares. O Governo não pratica aqui o regime da confidencial idade. O Governo colocará à disposição dos Srs. Deputados, no momento em que isso lhe for pedido, dados sobre quais são os subsídios ou os financiamentos que as instituições particulares de solidariedade social recebem ou vão receber.
Em relação a perguntas formuladas pelo Sr. Deputado António Taborda, quanto às razões pelas quais passa a ser o contencioso administrativo o responsável pelo julgamento das questões colocadas ao nível da atribuição de pensões ou da inscrição dos regimes de segurança social, dir-lhe-ei que essa razão radica fundamentalmente na natureza das instituições cujas decisões estão em causa. Ao contrário daquilo que o Sr. Deputado disse, não são pessoas colectivas de utilidade pública mas pessoas colectivas de direito público, o que, obviamente, é diferente. São pessoas colectivas integradas na administração indirecta do Estado, que praticam actos administrativos no mesmo sentido que outras instituições, organismos ou serviços do Estado. E por essa razão o respectivo contencioso deve ser deferido, tal como em relação a outros actos, ao contencioso administrativo.
No que respeita ao subsídio de desemprego ou às prestações no desemprego, referiu declarações do Sr. Secretário de Estado do Emprego sobre esse assunto. Naturalmente que ele referia o mesmíssimo diploma legal que eu referi na minha intervenção, porque obviamente, quando elabora diplomas legais sobre certa matéria, o Governo elabora-os em conjunto; não vemos um membro do Governo a elaborar um diploma e um diferente membro a elaborar outro - nem isso faria qualquer sentido. De facto, o diploma referido pelo Sr. Secretário de Estado do Emprego é o mesmo que eu referi. É um diploma que está na última fase de preparação, que, de facto, abandona a filosofia do subsídio que tem neste momento a prestação de desemprego - uma filosofia de carácter assistencial - e adopta a noção de que a prestação no desemprego deve corresponder a um verdadeiro seguro a que o trabalhador tem direito, nomeadamente pelo facto de ter descontado para o regime.
Esqueci há momentos de referir, também a propósito do problema do desemprego, uma questão que foi levantada pela Sr.ª Deputada Zita Seabra, em relação ao financiamento do esquema. É evidente que a passagem do regime da protecção no desemprego para a segurança social significa a passagem, para esta, das receitas que são atribuídas ao financiamento das prestações de desemprego: nem mais nem menos, nem faria sentido que fosse de outra maneira.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - A Sr.ª Secretária de Estado quase responsabilizou a Assembleia da República
por o Governo se ter comprometido a apresentar em 2 meses uma proposta de lei e o ter feito na véspera do dia em que expirava o prazo. Se a Sr.ª Secretária de Estado bem se lembra a marcação do CDS era para terça-feira e o Governo entregou aqui a proposta de lei na sexta-feira.
Se não deu tempo para os seus deputados lerem o texto, o que fará para ouvir as organizações de trabalhadores!?...
Ora há legislação da própria Assembleia da República, a Lei n.º 16/79, sobre a participação das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho que não pode ser escamoteada, em matéria tão importante como esta que diz respeito àquelas organizações.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Repare, por exemplo, Sr.ª Secretária de Estado, que quando se diz nessa mesma lei «Noções de legislação de trabalho» [artigo 1.º, alínea g)] se cita expressamente «acidentes de trabalho e doenças profissionais», que é exactamente uma das áreas que está contida no texto desta proposta de lei.
Diz ainda este diploma legislativo que «nenhum projecto ou proposta de lei pode ser votado e discutido na Assembleia da República sem terem sido previamente ouvidas as organizações representativas dos trabalhadores». E, pois, natural que hoje durante todo o dia tenhamos aqui representantes daquelas organizações que querem ser ouvidas sobre o texto desta proposta de lei.
Desta maneira é quanto a nós inaceitável o que estamos a fazer hoje e que apenas na véspera, ou seja, na reunião plenária que antecedeu o dia em que a Assembleia da República havia de discutir e votar uma questão tão importante como esta é que o Governo tenha apresentado uma proposta de lei.
Creio que isto inviabiliza qualquer audiência prévia à votação e à discussão, como aliás manda a lei e a Constituição, de uma proposta de lei que diz respeito tão directamente aos trabalhadores e na qual eles estão interessados. Interesse esse que resulta das experiências anteriores que os trabalhadores têm, no campo concreto da segurança social, de como através da então Previdência se atropelavam direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente, e por exemplo, na área do financiamento.
Por último, Sr.ª Secretária de Estado, gostaria de lhe colocar uma questão, que há pouco não pude colocar.
Uma das diferenças entre esta proposta de lei e o projecto de lei do CDS é a de que este não estabeleceu nenhum indicativo em relação à indexação das pensões de reforma, dizendo apenas que as pensões mínimas do regime geral não serão inferiores às pensões dos regimes não contributivos.
Ora é sabido que isso consta do Programa do Governo e constou do programa pelo menos do PS para a última campanha eleitoral.
Essa é uma das questões que foi omitida em relação ao texto do CDS. Porquê, Sr.ª Secretária de Estado, se existem convenções internacionais, algumas das quais subscritas por Portugal, que indicam que a pensão mínima deve ser indexada pelo menos a metade salário mínimo nacional?

Página 2859

20 DE JANEIRO DE 1984 2859

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Secretária de Estado deseja responder já?
É que estão outros Srs. Deputados inscritos e devo comunicar que o Governo só dispõe de 6 minutos.

A Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca para um protesto.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr.ª Secretária de Estado, muito obrigado pelas respostas que me deu às questões postas.
Acontece que pretendia ainda um esclarecimento a uma pergunta que formulei e que a Sr.ª Secretária de Estado, talvez por esquecimento, não referiu.
É a propósito do artigo 34.º, n.º 2:

A acção social destina-se a assegurar especial protecção aos grupos mais vulneráveis, nomeadamente crianças, [...].

Perguntava se considera possível, sem uma intervenção comunitária, assegurar alguma protecção dos grupos que refere.
Na minha opinião sente-se que esta proposta de lei não tem por detrás um projecto de sociedade, Sr.ª Secretária de Estado, e portanto deveria ser debatida demorada e publicamente.
Não obstante falar-se tanto na integração na CEE, parece desconhecer-se na proposta o que se fez por essa Europa fora. De facto, já desde a década de 60 que na CEE se procuram novas fórmulas e se vão implementando as acções criativas e humanas - e não só administrativas - que têm a ver com a realidade de cada zona em que se trabalha. Cito o exemplo que decorre aqui próximo de nós, em Almada, com a colaboração de técnicos qualificados do Centro Regional de Segurança Social de Setúbal. Trata-se de uma iniciativa que dá pelo nome de Pisaca, onde se pratica uma acção positiva a partir do conhecimento das realidades com a colaboração de técnicos de todos ou quase todos os principais sectores da actividade económica do emprego, da autarquia, da população sobre a orientação daquele pessoal, como há pouco referi. Podia citar os objectivos mas não é necessário.
Pergunto assim, Sr.ª Secretária de Estado, se não seria útil uma intervenção comunitária que assegurasse a protecção aos grupos referidos no, artigo 34.º, n.º 2, sobretudo aos jovens sem emprego, mas não só, que são de uma maneira geral desamparados e que precisam de uma acção comunitária integrada para poderem ser devidamente integrados na sociedade e não apenas de uma caridade da segurança social.

O Sr. Presidente: - Ss. Deputados, chegámos à hora regimental de encerramento desta sessão ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na conferência dos lideres parlamentares pensou-se que este debate devia ser organizado com um tempo global de 3 horas e 15 minutos. É pouco para uma discussão conjunta de 2 diplomas mas ao menos é o tempo que costuma ser atribuído a este tipo especial de debate que é uma fixação de um partido acerca de um seu projecto de lei.
Acontece, porém, que com a vinda do Sr. Primeiro-Ministro francês tivemos até ao momento um período de debate bastante reduzido e é evidente que será um pouco difícil cumprir hoje essas 3 horas e 15 minutos de debate previstas.
No entanto, acerca deste assunto é ao CDS que compete decidir.
Se o CDS, ao abrigo do direito regimental, quiser prosseguir esta discussão e votar hoje, não haverá qualquer objecção da nossa parte.
É um direito que respeitamos e que pensamos ser uma norma fundamental nesta Casa.
Compete, portanto, ao CDS dizer se excepcionalmente, pelas razões que já aduzi, o debate se concluirá amanhã.

O Sr. Presidente: - Antes quero dar uma informação à Câmara e particularmente ao CDS para que este possa tomar uma decisão. E que faltam ainda cerca de 2 horas e 30 minutos de tempo global de debate. Portanto, se amanhã não houver período de antes da ordem do dia e se hoje prolongarmos os trabalhos por meia hora, completa-se o tempo que estava estabelecido.
Mas quero ouvir o CDS sobre o assunto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Centro Democrático Social não vai requerer que a votação se faça hoje.
Não vemos que haja condições para que isso aconteça, isto é, para que se possa concluir o debate e votar correctamente.
Parece-nos que será preferível passar o debate para amanhã. Não vemos, no entanto, inconveniente em prolongar hoje meia hora, até às 20 horas e 30 minutos, a reunião e prosseguir amanhã sem período de antes da ordem do dia. Tencionávamos fazer intervenções neste último período mas não há outra possibilidade que não seja a de sacrificar essas intervenções para que se possa concluir este debate em termos razoáveis e aceitáveis para o País e para os seus deputados.
Portanto, prosseguíamos agora até às 20 horas e 30 minutos e entretanto interpelo a Mesa para saber como é que vão prosseguir os trabalhos e se há inscrições feitas.

O Sr. Presidente: - Neste momento está um deputado inscrito para um protesto e o Governo só tem 6 minutos, que não sei se quer utilizar em resposta aos contraprotestos. Para além disto não há atais nenhum pedido de palavra.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, é sai para dizer que estamos de acordo com esta proposta do CDS que foi de resto a que inicialmente tínhamos feito.

Página 2860

2860 I SÉRIE - NÚMERO 65

O Sr. Presidente: - Como não há quem se oponha, vamos continuar os trabalhos até às 20 horas e 30 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda para um protesto.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr.ª Secretária de Estado, é só para duas coisas muito simples.
Em primeiro lugar, para agradecer à Sr.ª Secretária de Estado a rectificação que fez. De facto são instituições de direito público e não como eu disse.
Em segundo lugar é para realçar que de facto existe um profundo desconhecimento por parte de muitas camadas da população, principalmente aquela que é atingida pelo sistema não retributivo, do que são ou devem ser os seus direitos em relação à segurança social.
Por outro lado, para colmatar o que nos parece ser uma falha constitucional em relação à discussão deste projecto, parecia ao MDP - e esta é uma proposta que estamos a fazer oralmente, particularmente ao Governo e ao CDS mas também a todos os grupos parlamentares - que, para se poder fazer uma ampla discussão da proposta de lei do Governo e também do projecto do CDS sobre esta matéria da segurança social, se deveria suspender esta discussão neste momento e aguardar a publicação no Diário da proposta do Governo. A partir da data da publicação dar-se-ia um prazo de 30 dias não só para a discussão pública da proposta de lei mas também para que as organizações interessadas se pudessem pronunciar sobre ela.
Parece-me, que deste modo alargaríamos substancialmente a discussão dos diplomas e recolheríamos com certeza sugestões úteis para a sua discussão final, além de combatermos também uma falha constitucional que me parece existir aqui.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Secretária de Estado, deseja responder?

A Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social: - Desejo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

A Sr.ª Secretária de Estado de Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo fez aqui, formalmente, a declaração de que vê todo o interesse em que haja discussão pública da proposta. Como é óbvio, verá com muito bons olhos que a Assembleia da República determine que essa discussão pública exista.
Aliás, neste domínio, não vejo grande razão para as palavras que a Sr.ª Deputada Zita Seabra há momentos proferiu, na medida em que foi o Governo que inicialmente e sem que a questão lhe tenha sido posta, disse que haveria todo o interesse em que uma proposta desta importância fosse submetida a discussão pública.
Muito rapidamente, vou ainda responder a duas outras questões que me foram colocadas, a primeira das quais se relaciona com uma eventual indexação das pensões.
Sobre isto eu gostaria de dizer que o Programa do Governo fala de indexação tendencial das pensões. Por isso mesmo, não obriga directamente a uma indexação estabelecida na lei, nos termos em que ela poderia ser feita. Nem o Governo entende que é realista proceder dessa forma. E é por isso que não propõe um esquema desse tipo.
Em relação à questão do Sr. Deputado Corregedor da Fonseca e que, efectivamente, tinha sido colocada há momentos, confesso que nessa altura não a entendi completamente. Sobre ela gostaria de dizer que o Governo vê com o maior interesse as iniciativas particulares, venham elas das comunidades, de instituições ou de quem vierem desde que sejam no sentido da resolução de problemas que o Governo entende que são das comunidades. Portanto, o Governo vê com o maior interesse as iniciativas do tipo daquelas que foram referidas pelo Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa, já que esta é a única figura regimental de que disponho neste momento. Mas no fundo pretendo é informar a Mesa do seguinte: o nosso colega de bancada António Bagão Félix vai inscrever-se para intervir. Simplesmente, não é previsível que a sua intervenção se comporte dentro do tempo que acabámos de aceitar para prolongamento da sessão. Com efeito, neste momento são 20 horas e 10 minutos e a intervenção do nosso deputado durará, provavelmente, mais de 20 minutos. 15to não significa que desistamos da inscrição do nosso colega Bagão Félix. O que acontece é que me parece que não há, neste momento, mais inscrições.
Por isso, eu queria deixar claro que o nosso colega António Bagão Félix se vai inscrever para intervir hoje.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que não há mais inscrições, parece-me que será melhor suspendermos agora os nossos trabalhos e continuarmos amanhã. Está de acordo.

Pausa.

Uma vez que não há oposição, anuncio que a ordem do dia da sessão de amanhã, que não tem período de antes da ordem do dia é a continuação da apreciação e votação conjunta do projecto de lei n.º 93/III (CDS) e da proposta de lei n.º 56/III, sobre a Lei Quadro do Sistema de Segurança Social.
Recordo aos Srs. Deputados que, para podermos terminar amanhã essa matéria teremos de ser pontuais. De outro modo, não haverá tempo suficiente.
Srs. Deputados, vão ser anunciados os vários diplomas que entretanto entraram na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: pedido de ratificação n.º 66/III, da iniciativa do Sr. Deputado Silva Graça e outros do Partido Comunista Português, sobre o Decreto-Lei n.º 439/83, de 22 de Dezembro, que cria a taxa municipal de transportes; ratificação n.º 67/III, da iniciativa do Sr. Depu-

Página 2861

20 DE JANEIRO DE 1984 2861

tado Anselmo Aníbal e outros do Partido Comunista Português, sobre o Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que aprova o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local; projecto de lei n.º 266/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros do PCP, sobre alterações ao Estatuto dos Deputados, que foi admitido e baixou à 1.ª Comissão; projecto de lei n.º 267/III, da iniciativa dos Srs. Deputados Jaime Ramos, João Ferraz de Abreu, respectivamente do PSD e do PS e outros, sobre educação sexual e planeamento familiar, que foi admitido e baixou à 2.ª e 12.ª Comissões, por 5 dias; projecto de lei n.º 268/III, da iniciativa do Sr. Deputado José Joaquim Pita Guerreiro, do Partido Socialista, sobre a criação da freguesia de Chalé, no concelho de Viana do Castelo, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 296/III, da iniciativa do Sr. Deputado João Carlos Abrantes e outros do Partido Comunista Português sobre a elevação de Lorvão a vila, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de lei n.º 270/III, da iniciativa do Sr. Deputado João Carlos Abrantes e outros do Partido Comunista Português, sobre a criação da freguesia de Ereira, no concelho de Montemor-o-Novo, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão; projecto de resolução n.º 19/III, sobre propostas de alteração ao Regimento da Assembleia da República, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros do Partido Comunista Português; projecto de resolução n.º 20/III, da iniciativa do Sr. Deputado Carlos Brito e outros do Partido Comunista Português, sobre a constituição da comissão eventual para as instalações e funcionamento da Assembleia da República, e projecto de resolução n.º 21/III, sobre a constituição de uma comissão eventual para o estudo das condições de funcionamento da Assembleia da República, da iniciativa do Sr. Deputado José Luís Nogueira de Brito e outros do Centro Democrático Social.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa próxima sessão será amanhã, pelas 10 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Almerindo da Silva Marques.
José Manuel Nunes Ambrósio.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Martins Adegas.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
João António Torrinhas Paulo.
Manuel Correia Lopes.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
David José Duarte Ribeiro.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
Luís Filipe Paes Beiroco.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Maria Margarida Ferreira Marques.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
José António Valério do Couto.
José Pereira Lopes.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Victor Pereira Crespo.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

António Gomes de Pinho.
Francisco António Lucas Pires.
João Gomes de Abreu Lima.
José Vieira de Carvalho.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.

Declaração de voto do PCP enviada à Mesa para publicação é relativa ao projecto de resolução votado na sessão anterior

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

1 - Em 19 de Novembro de 1983, uma pluviosidade incomum na zona da Grande Lisboa determinou em poucas horas, uma situação de tragédia. A fragilidade

Página 2862

2862 I SÉRIE-NÚMERO 65

do equipamento urbano, os materiais e a forma que revestem os fogos das áreas degradadas, a construção clandestina, determinaram, de facto, que a chuva caída tivesse consequências que se conhecem nos municípios mais afectados: aluimentos de muros, de suportes de terra, enxurradas que transformaram estradas e caminhos em ribeiras, zonas baixas completamente alagadas pela saturação quase imediata dos sistemas de escoamento, inundações decorrentes e prejuízos calculados em centenas de milhares de contos nas áreas territoriais desses municípios, no património de milhares de famílias e de comerciantes, e industriais aí estabelecidos.
2 - Pensar-se-ia que o clima que se criou após as inundações de 19 de Novembro, determinaria numa acção do Governo enérgica, eficaz, competente no apoio às autarquias, primeiras instâncias de administração a poderem ajudar a solucionar os casos mais graves, pela proximidade às populações e pelo conhecimento, em muitos casos empenhado e sentido, das situações que a tragédia corporizou.
Tal não aconteceu. Aconteceu uma demagogia primária e grosseira, uma confusão de instâncias a pronunciarem-se, ministérios e mais ministérios intervenientes, em ir aos sítios da tragédia para aparecer e ser visto, mas sem qualquer resultado organizado de combate às consequências das inundações. Aconteceu um conjunto de medidas anunciadas e reanunciadas, notícias em primeira página, mas, na prática, quem foi lesado, continua lesado, quem viu os seus haveres tocados, sobrevive em circunstâncias gravosas. Milhares de pessoas continuam desalojadas. Valores patrimoniais de comerciantes e industriais continuam sem ser recuperados. Os dinheiros que agora «aparecem» aliás de valores insuficientíssimos e, como aqui dissemos, desproporcionados em relação à extensão dos danos. Chegam tarde e a más horas. Chegam por forma descoordenada, sem a clara definição do que representam. Qualquer deputado aqui na Assembleia da República ouviu minimamente falar do que se passou em 19 de Novembro. Ouviu e leu. Quando lhe é agora presente o valor dos subsídios anunciados, sabe que estamos perante valores que não são minimamente ajustados e que não foram entregues atempadamente e organizadamente. De facto, ao abrigo do, artigo 16.º da Lei das Finanças. Locais, entregar os valores que vão ser entregues aos municípios é, «esmolar», arbitrária e incorrectamente com os dinheiros públicos.
3 - A votação que agora aqui aconteceu, sublinha bem que os partidos da maioria continuam e rectificam o projecto de serventuária governamentalização da Assembleia da República. Consideramos que o voto que a maioria acaba de expressar só serve como ratificação seguidista do que o ainda Governo arbitrou e pretendeu.
Denunciámos e denunciamos os valores insuficientíssimos, a ausência de critérios de fundamentação da divisão, pelos municípios, das verbas. Denunciámos e denunciamos o destorcimento e a inoperacional idade do aparelho central em relação à situação gerada pela pluviosidade incomum caída em poucas horas de madrugada de 19 de Novembro. Considerámos e consideramos que a Assembleia da República deveria estar na primeira linha de solidariedade com os atingidos pelos acontecimentos.
Por último, julgamos que os factos comprovam e continuam a comprovar a justeza do nosso projecto de resolução que expressa a intenção continuada e reiterada de prestígio e capacidade de intervenção nos problemas nacionais, por parte deste órgão de Soberania.

0 Deputado do PCP, Anselmo Aníbal.

Relatório e parecer da comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 19 de Janeiro de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

Horácio Alves Marçal (círculo eleitoral de Aveiro) por Carlos de Sousa Nunes da Silva (esta substituição é pedida para os dias 18 a 20 de Janeiro corrente, inclusive);
José Miguel Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral de Leiria) por David José Leandro Duarte Ribeiro (esta substituição é pedida para os dias 19 e 20 de Janeiro corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados, os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS)- Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) Bento Elísio de Azevedo (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Joel Hasse Ferreira (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Os Redactores: Carlos Pinto da Cruz - Leonor Ferreira.

PREÇO DESTE NUMERO 85$00.

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×