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Quinta-feira, 26 de Janeiro de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE JANEIRO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
Deu-se conta de uma comunicação, informando da ausência de alguns senhores deputados integrados numa delegação da Assembleia à Conferência das Regiões da Comunidade Europeia e dos Países Candidatos, Espanha e Portugal.
Iniciou-se a discussão, conjunta e na generalidade, dos projectos de lei n.º 5/III, 6/III e 7/III, apresentados pelo PCP, respectivamente, sobre a protecção e defesa da maternidade, garantida do direito ao planeamento familiar e à educação sexual e interrupção voluntária da gravidei, do projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, apresentado pelo PS, e ainda dos projectos de lei n.º 267/III e 272/III, apresentados conjuntamente pelo PS e peto PSD, sobre educação sexual e planeamento familiar e sobre protecção da maternidade e da paternidade, respectivamente.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Manuel Queiró (CDS), Carlos Brito (PCP), Comes de Pinho (CDS), Zita Seabra (PCP), José Cama, Luis Barbosa, Narana Coissoró e Azevedo Soares (CDS), José Luis Nunes (PS), Marques Mendes (PSD), Ferraz de Abreu (PS), Nuno Abecasis (CDS), Octávio Cunha (UEDS), Luis Beiroco e Adriano Moreira (CDS), Teófilo Carvalho dos Santos (PS), Lopes Cardoso (UEDS), Horácio Marçal e Tomás Espírito Santo (CDS), César Oliveira (UEDS), Fernando Condesso (PSD), Manuel Alegre (PS), Malato Correia (PSD) e José Magalhães (PCP).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Ferdinando Gouveia.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Eurico Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sé Morais Rodrigues.

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Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeira Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barroso Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Azevedo Preza.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Maximiano Almeida Leitão.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia,
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Orneias Ourique Mendes
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dós Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Tose Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso
Fernando Manuel Cardoso Ferreira
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Ferreira Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís António Pires Baptista.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Oliveira Mendes dos Santos.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Manuel Dias Pereira Gonçalves.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

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Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte!
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte de Góes.
Manuel Leão Castro Tavares.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Krus Abecasis.
Tomaz Espírito Santo.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
Eduardo Duarte Pedroso.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena dr. Carvalho.
Rúben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos hoje dar início à discussão, conjunta e na generalidade, dos projectos de lei n.º 5/III - Protecção e defesa da maternidade -, 6/III - Garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual -, 7/III - Interrupção voluntária da gravidez -, todos apresentados pelo PCP e ainda dos projectos de lei n.º 265/III - Exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez -, apresentado pelo PS, 267/III -Educação sexual e planeamento familiar - e 272/III - Protecção da maternidade e da paternidade - apresentados conjuntamente pelo PS e pelo PSD.
Srs. Deputados, recebemos uma comunicação do Presidente do Agrupamento Parlamentar do Partido da Acção Social Democrata Independente pedindo à Mesa que dê conhecimento de uma carta que vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

A S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República:

Como é do conhecimento de V. Ex.ª, uma delegação da Assembleia da República estará toda a semana parlamentar em Estrasburgo, participar no Parlamento Europeu da Conferência das Regiões da Comunidade Europeia e dos Países candidatos, Espanha e Portugal.
Dado o interesse para a opinião pública que revestem também os debates que decorrerão na Assembleia nas mesmas datas, sugiro a V. Ex.ª que, no início da sessão, dê conta ao Plenário da razão da ausência dos parlamentares que constituem a delegação.
Com os melhores cumprimentos.

O Sr. Presidente: - Desejo fornecer um esclarecimento aos Srs. Deputados, em virtude de uma informação quo parece correr pelos órgãos da comunicação social. As galerias superiores estão fechadas há já bas-

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tantes dias, por motivo de segurança, devido às obras em curso aqui no Palácio. É apenas por isso que se encontram encerradas ao público.
Para as outras galerias, como é costume, foram distribuídos pelos grupos e agrupamentos parlamentares um certo número de convites igual àquele que, normalmente, se concede. As galerias, porém, estarão abertas ao público enquanto tiverem lotação.
Gostaria ainda de chamar a atenção das pessoas que vêm assistir aos debates para o facto de serem convidados desta Casa e, desse modo, deverem manter-se com a dignidade que o lugar obriga. Os visitantes que assistem à sessão da Assembleia da República não podem manifestar-se de maneira alguma nem apoiando nem reprovando o que aqui se passa. Seria um acto ofensivo, tanto para os que assistem como para nós. Daí esperar que toda a sessão decorra com a maior normalidade.
Para uma interpelação tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa na sequência da informação que V. Ex.ª acaba de dar.
Há algumas pessoas pertencentes a instituições que têm manifestado interesse em assistir a este debate. Temos conhecimento, conhecimento esse que nos foi transmitido pelos serviços e com o qual, aliás, fomos já confrontados - de que haveria uma limitação de 25 cartões, ao todo, para distribuir para este debate.
Ora, como esses cartões se esgotaram houve pessoas que desejavam visitar o Grupo Parlamentar e que se viram impedidos de o fazer. Só mercê de algumas diligências conseguimos desbloquear a situação.
Deste modo, perguntaríamos a V. Ex.ª que razões terão levado a esta limitação de 25 lugares e que critério presidiu à distribuição dos cartões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não houve qualquer limitação. A entrada está aberta, franqueada pela porta normal. Aqueles que pretendem assistir ao debate terão de seguir o caminho normal de todos os visitantes.
No entanto, cada grupo e agrupamento parlamentar recebeu 10 e 5 convites, respectivamente, para distribuir e assim evitar que essas pessoas mencionadas estivessem na bicha para entrar.
Foi a única coisa que se fez e que, aliás, é costume fazer.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Obrigado pela informação, Sr. Presidente.
Não tínhamos conhecimento do que se passava. Ignoro a existência desses 10 convites. Deve, com certeza, haver algum defeito de comunicação.

O Sr. Presidente: - Foram ontem distribuídos, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É do domínio público que têm sido entregues ou enviadas à Assembleia da República milhares de mensagens de cidadãos ou instituições que por essa via exprimem a sua opinião sobre a matéria que vamos debater.
Considerando a relevância nacional dessa matéria e a extensão dos movimentos de opinião que sobre ela se tem pronunciado, designadamente os que se manifestam contra a despenalização do aborto, permito-me solicitar à Mesa uma informação tanto quanto possível quantificada das opiniões expressas.
Gostaria ainda que a Mesa e particularmente V. Ex.ª nos desse uma explicação sobre a razão porque, entendeu não receber uma delegação dos organizadores da grandiosa manifestação pelo direito à vida, que ontem se desenrolou em frente a esta Assembleia a uma hora, aliás imposta pelo governo civil.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a correspondência recebida pela Mesa da Assembleia seguiu os trâmites normais.
Não estou em condições de lhe dizer quantas cartas vieram e o que significavam, pois não as li nem me competia lê-las.
Em relação à outra pergunta, devo dizer que, com efeito, foi-me pedido para receber uma delegação de uma manifestação havida ontem à noite. Diziam, porém, que só podiam ser recebidos às 21 horas e 30 minutos. Ora, o Presidente da Assembleia da República não está assim à disposição das pessoas para as receber em dias e horas marcados, sobretudo a uma hora dessas, tendo eu ainda perguntado, se queriam ser recebidos noutro dia. Recebo toda a gente, mas com dia e hora fixados por mim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Trata-se de um esclarecimento adicional, Sr. Presidente.
A razão porque fiz esta interpelação é do conhecimento público. Veio em vários órgãos de comunicação social que teria sido entregue nesta Assembleia um abaixo-assinado com mais de meio milhão de assinaturas.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Só?! Isso é um fracasso rotundo!

Risos do PCP.

O Orador: - Pretendia saber se o Sr. Presidente integrava este abaixo-assinado na correspondência diversa. Gostaria também de saber se V. Ex.ª não teria rido possibilidade de, ontem, à noite, ter solicitado a um Vice-Presidente desta Assembleia que recebesse os organizadores da manifestação.

O Sr. Presidente: - Em relação à última pergunta dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que não fiz a solicitação a nenhum Vice-Presidente, pois o pedido era para o Presidente.
Perguntei-lhes se queriam ser recebidos por algum membro do meu gabinete, mas responderam-me negativamente.
Quanto à questão das assinaturas devo dizer-lhe que não as contei, Sr. Deputado.

Risos do PS e do PCP.

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Informam-me os Srs. Secretários da Mesa, como os Srs. Deputados sabem, que hoje não há período Antes da ordem do dia. Por essa circunstância também não é informada a Câmara do expediente em ordem no gabinete.

Para uma interpelação à Mesa tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, desejaríamos que a conferência dos grupos parlamentares tivesse oportunidade de, muito brevemente, fazer uma
reconsideração sobre a organização dos trabalhos nomeadamente em relação aos tempos.
Deste modo solicitávamos que se realizasse, de imediato, uma conferência dos presidentes dos grupos parlamentares.
Desejaríamos, também, que fosse considerada a situação que o Sr. Presidente acaba de referir, relativamente às galerias superiores. Disse-nos que pelo facto de se encontrarem em obras não foram abertas ao público.
Ora, trata-se de uma surpresa para nós e, portanto, gostaríamos de considerar essa questão em conferência dos grupos parlamentares.
Tendo em conta estas duas questões, e a solicitação que fizemos relativamente a uma reunião imediata dessa conferência, pedimos, nos termos regimentais, uma suspensão dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares para se reunirem na sala junta ao meu gabinete.

A sessão está suspensa por 30 minutos.

Eram 10 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 11 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Como é do conhecimento de todos, por já ter sido distribuído, os deputados do PS e PSD, subscritores do projecto de lei n.º 272/84, apresentaram uma substituição do texto do referido projecto. Foi distribuído, em folhas soltas, pelos grupos parlamentares.
Comunico à Assembleia que se encontra, nas galerias, assistindo à nossa reunião uma representação de alunos da Escola Secundária de Santiago do Cacém.
Para uma interpelação à Mesa tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, a razão da minha interpelação prende-se com a preocupação do meu partido quanto à forma como este debate, que todos reconhecemos ter uma importância nacional, irá ser coberto pela RTP.
Isto não tem rigorosamente nada a ver com a maneira como entendemos que o CDS tem sido objecto de uma sistemática discriminação por parte da Televisão, nos últimos tempos. Tem apenas a ver com a nossa preocupação em garantir a esta Assembleia e aos portugueses, que esperam ter a possibilidade de serem informados sobre este debate, as condições mínimas de dignidade para que possa chegar a todos, de uma forma tão próxima quanto possível, aquilo que aqui se passa.
Este problema vem a propósito, Sr. Presidente, porque a direcção do meu partido recebeu do conselho de gerência da RTP uma carta, a qual transmitiu à direcção do grupo parlamentar, que pelo seu teor consideramos ter implicações directas na relação entre a que a empresa e a Assembleia da República, por contender com a dignidade inerente à qualidade de deputado e por colocar manifestamente em causa o direito à liberdade de informação consagrado constitucionalmente.
Para esclarecimento de V. Ex.ª passarei a ler um excerto mais significativo da mesma.
Diz essa carta assinada pelo presidente do conselho de gerência da RTP:

Em primeiro lugar recuso-me, como presidente do conselho de gerência desta empresa a aceitar quaisquer formas de pressão, venham do Governo e de outros órgãos de soberania, venham dos partidos políticos. Creio, e já hoje expliquei publicamente, que esta empresa só poderá exercer as actividades que o País lhe exige, quando for um organismo totalmente despartidarizado. Ora sucede que, sem anúncio prévio na programação semanal; sem o mínimo conhecimento do conselho de gerência; sem qualquer intervenção dos vários sectores da empresa, parece que, pela autora da «Primeira página», foi organizado um debate para terça-feira à noite, dia 24. véspera do debate da Assembleia da República. Sabe V. Ex.ª, melhor do que eu, que é simplesmente criminoso que um órgão de comunicação social como a Televisão condicione um debate na Assembleia da República ou o antecipe. Isso não se faz em nenhum país com experiência democrática. Não levantei obstáculos, porém, e apenas desejei fazer compreender que, tratando-se de um assunto tão melindroso e para a discussão do qual se invocam tão desvairados e demagógicos argumentos, se organizasse um programa vasto e documentado, ouvindo-se não apenas os partidos e a igreja mas biólogos, mas historiadores, mas personalidades e entidades ligadas à jurisprudência, associações de pais, directores de asilos e orfanatos, etc. Esse tango e minucioso programa, realizado em paz, concórdia e inteligência, esse sim, poderá, finalmente, explicar pontos de vista sem condicionar debates na Assembleia da República, permitirá o convívio de ideias sem manipulações e sem hostilizar os diversos sectores da sociedade portuguesa, já tão gravemente afectados pelos que, sem sensibilidade e sem pudor, apenas parecem desejar um confronto que pode ter consequências graves.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, não podemos admitir a presumida intenção manifestada expressamente nesta carta de que a RTP condiciona esta Assembleia e os seus deputados pelos programas que emite ou deixa de emitir. E que ao invocar tão desajeitadamente este argumento, a RTP não esteja apenas, a esconder as causas reais que a levaram a impedir a realização do debate previsto, como esteja, sobretudo, a tentar transferir para esta Assembleia a responsabilidade que deveria ter claramente assumido.

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A verdade, Sr. Presidente, é que o comportamento da RTP tem contrariado frontalmente estes propósitos, privilegiando o tratamento informativo dos partidos que defendem a despenalização do aborto e particularmente o PS, e ainda ontem, se permitiu, de uma forma que consideramos escandalosa, transmitir os resultados de uma sondagem por ela própria encomendada, sem qualquer credibilidade, essa sim destinada a influenciar a opinião pública.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, estes precedentes que aliás dão apenas uma pálida ideia do que neste momento representa a televisão em Portugal, permitem-nos duvidai de que este debate seja objecto de uma cobertura imparcial e objectiva, pois não tenho dúvidas que a 5 de Outubro, irá censurar o trabalho dos jornalistas aqui presentes, como tem, sistematicamente, feito noutras ocasiões.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Face, aliás, à grave situação que se vive na RTP e de que estes factos dão apenas uma pálida imagem, o meu partido irá pedir, com a maior brevidade um inquérito parlamentar à situação da televisão e exige desde já ao Governo a demissão do seu conselho de gerência.
Sr. Presidente, julgo que não podemos deixar passar era claro a forma como a Televisão trata esta Assembleia e põe em causa a dignidade dos seus deputados e por isso lhe solicitamos que sejam tomadas as medidas convenientes para, exprimindo o que pensamos ser o sentimento desta Câmara, assegurar, não a isenção da transmissão do debate, coisa em que já não acreditamos, mas, pelo menos, um mínimo de equidade no tratamento das posições que se perfilam perante os portugueses. Para isso, Sr. Presidente lhe pedimos que convoque de imediato uma conferência de líderes parlamentares.

Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, sob forma de interpelação à Mesa, fez comentários acerca da maneira como a Televisão é dirigida.
Como sabe, a Mesa não tem intervenção alguma nesses problemas não lhe competindo regular, de algum modo, as emissões da RTP.
No que se refere à reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, sugerida pelo. Sr. Deputado, devo informá-lo que houve uma agora mesmo. Esse problema não foi abordado, mas evidentemente que se o CDS quiser pedir uma interrupção dos trabalhos, para que haja a tal reunião, nada tenho a opor. É regimental.
Penso, porém, que para abreviação dos nossos trabalhos, ir discutir um problema que nada tem a ver com a ordem do dia, será um pouco extemporâneo.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dá-me licença. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Não pretendemos, de modo algum, prolongar estes trabalhos ou impedir que comecem imediatamente. Por essa razão não me atrevi a utilizar o direito regimental de pedir uma suspensão para que a reunião de líderes se fizesse.

O CDS pensa que essa reunião poderá ser feita, simultaneamente, com o decurso dos trabalhos.
Entendemos, porém, face a todos os precedentes enumerados, não estarem asseguradas as condições mínimas que garantam que este debate irá ser coberto com idoneidade, com equidade, com rigor de informação. E pensamos. Sr. Presidente, à semelhança do que tem acontecido noutras alturas, em que pela importância dos debates se reconhece serem estes merecedores de um tratamento especial, se justificaria uma reunião de líderes para abordar esta questão e, porventura, encontrar juntamente com a RTP condições adequadas para a transmissão do debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para fazer um comentário àquilo que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho, sob a forma de interpelação à Mesa.
Nós temos, hoje e amanhã, uma agenda de trabalhos carregadíssima e as palavras do Sr. Deputado Gomes de Pinho não têm obviamente o acolhimento desta bancada.
Abstenho-me, no entanto, de tecer quaisquer comentários sobre elas, sem prejuízo de o fazer oportunamente noutro momento, dada a importância de iniciarmos a ordem de trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, na reunião de líderes que tivemos há momentos e em que estive presente, esta questão não foi por mim colocada porque entendíamos que ela só o deveria ser, atenta a gravidade da carta que recebemos do presidente do conselho de gestão da RTP, do que nela se dizia e do papel que nela se atribuía a este Parlamento e às suas relações com a informação, depois de se dar conhecimento dela no Plenário.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse assunto sai fora da ordem do dia. Se o CDS pretende discutir esse problema numa reunião de líderes parlamentares, a Mesa evidentemente que está aberta a fazer essa reunião quando o entender.
Mas solicitava ao Sr. Deputado que consultasse depois os outros presidentes dos grupos parlamentares para se convocar, eventualmente, uma reunião para esse efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, agradecia que a Mesa consultasse os presidentes dos grupos parlamentares, a fim de conhecer o seu sentimento a propósito de uma reunião a realizar já ou no momento em que considerar mais conveniente fazê-la.

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O Sr. Presidente: - Já ouvimos o Sr. Deputado José Luís Nunes que se manifestou contra essa reunião. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respondendo à questão levantada pelo CDS, queria dizer que não há oposição da parte da nossa bancada em relação à realização de uma conferência de líderes parlamentares e propomos que ela tenha lugar às 14 horas e 30 minutos da tarde de hoje.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, eu não me manifestei de forma nenhuma contra a realização de uma conferência de líderes parlamentares sobre esta ou qualquer outra matéria.
Manifestei-me foi contra uma reunião imediata.
Estou de acordo com a hora proposta pelo Sr. Deputado Carlos Brito, 14 horas e 30 minutos.
Mas, se preferirem, temos plena disponibilidade para a fazer no intervalo, de acordo com o CDS e os restantes grupos parlamentares que querem conduzir o debate ou assistir e participar nele.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Feriando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, pela nossa parte aceitamos a sugestão das 14 horas e 30 minutos. Mas se uma maioria dos grupos parlamentares entender fazer a reunião noutro momento também aceitaremos. Sobre esta matéria não levantaremos qualquer questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não nos opomos à reunião era qualquer momento, com a condição de que ela não prejudique o desenrolar do debate.
Parece-nos que a solução melhor será a. proposta pelo Sr. Deputado Carlos Brito.
Para nós, o fundamental é que essa reunião não ponha em causa o início e o prosseguimento do debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, era para informar que a nossa posição e idêntica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, era para dizer que aguardamos que V. Ex.ª convoque a conferência, e que uma vez convocada, estaremos presentes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece haver uma orientação generalizada no sentido de se fazer a reunião às 14 horas e 30 minutos.
Entendemos, no entanto, que ela se deveria fazer já, pela simples circunstância de que o que nos interessa é que todo este debate, para o qual o CDS não quer limitações de tempo e por isso não está aqui a introduzir elementos de mais ou menos pressa, tenha uma cobertura adequada pela Televisão. Ora, a forma como a RTP se está a comportar em relação a este tema (e os outros) não garante essa cobertura.
Há pouco, na reunião dos grupos parlamentares, o presidente de um deles disse sugestivamente que estamos a fazer este debate confinadamente. A Televisão está a transmiti-lo de uma forma parcial e estranha e, ainda por cima, temos o azar de não poder garantir o acesso ao público da galeria superior.
Estamos assim confinados neste debate, que e do maior interesse para o País e para o povo português.
No entanto, consideramos importante que se tenha acordado numa reunião para as 14 horas e 30 minutos.
Pela nossa parte lá estaremos.

O Sr. Presidente: - Convoco uma reunião dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares para as 14 horas e 30 minutos, onde então os representantes dos partidos poderão expor as razões que lhes assistem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, desejo de novo usar da palavra para apresentar um requerimento à Mesa sobre o processo respeitante à discussão e votação destes projectos.
Considerando que apesar de algumas diferenças de aparência, os projectos de lei n.ºs 7/III e 265/III, cuja apreciação agora se inicia, têm natureza fundamentalmente idêntica, recorrendo ambos à combinação do chamado sistema dos prazos com o sistema das indicações para excluir em termos gerais e abstractos a ilicitude de determinados casos de prática de aborto.
Considerando que a única diferença entre os projectos em causa se reconduz ao facto de o primeiro, o do PCP, excluir a ilicitude das práticas abortivas num maior número de casos, sendo porém, certo que qualquer deles implica, como afirma Costa Andrade a propósito de inciso correspondente ao do artigo 145.º do projecto de Código Penal apresentado pelo IV Governo Constitucional, «uma determinada opção legislativa, em matéria de ponderação de bens. Implica, nomeadamente, que para efeitos jurídico-penais o legislador tenha reconhecido a vida e saúde da grávida como mais valiosa do que a vida intra-uterina»;
Considerando que as soluções neles consagradas se apresentam de constitucionalidade pelo menos duvidosa, como resulta com meridiana clareza do parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 31/82, de 13 de Abril de 1982 ...

Vozes do PCP: - É falso!

O Orador: - ... onde a determinado passo se afirma a propósito de projecto idêntico ao n.º 7/III:

[...] o problema da eventual colisão do projecto com o artigo 25.º (da Constituição), já suscita maiores dúvidas, o que não admira se

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considerarmos que ele também se levantou (e continua a levantar-se) noutras ordens jurídicas perante textos semelhantes.
[...] A resposta depende do que deve entender-se por vida humana e a determinação deste conceito apresenta dificuldades quase insuperáveis. Uma delas consiste em o intérprete não poder ignorar o facto de tal conceito estar profundamente influenciado por considerações pré ou metajurídicas, do mais variado cariz, desde as biológicas às morais e religiosas, sem esquecer as de ordem filosófica [...].
Para concluir que «de tudo quanto fica ponderado apenas poderá concluir-se, com o mínimo de certeza exigível, que a Constituição protege indirectamente a vida embrionária em várias disposições, consideradas no seu conjunto».
Considerando que o sentido dos diplomas que agora vão ser apreciados divide profundamente os portugueses, chocando-se com as particulares concepções do mundo e da vida da esmagadora maioria dentre eles;
Considerando que os diferentes partidos representados nesta Câmara, à excepção do CDS, têm sofrido uma evolução no modo como abordam esta bateria do aborto, desde o PCP que já diz aceitar a aprovação na generalidade do projecto do PS, até ao mesmo PS que, depois de votar na generalidade a favor de um projecto idêntico ao actual do PCP, apresenta agora projecto próprio, insistentemente qualificado de diferente, passando pelo PSD, cuja posição se não pode identificar com a que tinha quando redigiu e aprovou o seu programa político.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Considerando que aquilo que está verdadeiramente em causa é o direito à vida e que a problemática do aborto não pode deixar de ser entendida como problemática do foro íntimo que ultrapassa as meras convicções ideológicas e políticas.
Tendo em consideração tudo o que acaba de ser dito, os deputados do Grupo Parlamentar do CDS abaixo inscritos - e seguem-se as assinaturas regimentais - requerem, nos termos do Regimento, a votação nominal do projecto de lei n.º 7/III do PCP.
Requerem ainda os deputados do Grupo Parlamentar do CDS, atentos os mesmos considerandos, a votação nominal do projecto de lei n.º 265/III, do PS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -Já?!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um bocado extemporâneo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço que mande entregar na Mesa esse requerimento. Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, o requerimento, como V. Ex.ª sabe, não tem discussão e não entra quando os seus autores pretenderem. O momento do debate do requerimento é que é importante.
Nada temos contra a votação nominal, que foi utilizada pelo nosso partido na última votação sobre idêntica matéria.
Somos da opinião que a forma de votação deve ser decidida imediatamente antes do momento em que V. Ex.ª anunciar que os projectos vão ser postos à votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à questão suscitada por este requerimento do CDS, queríamos adiantar, do nosso lado, que não temos absolutamente nada contra a votação nominal. Nós próprios tencionamos requerê-la no momento oportuno.
Parecemos que o requerimento apresentado pelo CDS é absolutamente extemporâneo, dentro das circunstâncias especiais deste debate. Este está a fazer-se ao abrigo da figura regimental da fixação da ordem do dia por grupo parlamentar, sendo o PCP que está a exercer esse direito. Assim depende do PCP haver ou não votação no final deste debate, ou seja, fazer uso de um outro direito que é o de requerer a vota cão no final do debate.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito tem, portanto, «de ouvido» a informação de que o Grupo Parlamentar do PCP iria fazer isso, porque o dissemos na conferência dos grupos parlamentares. e Simplesmente ainda não formalizámos o requerimento de passagem à votação, não fizemos ainda uso desse direito, pelo que o requerimento do CDS não tem razão de ser.
Neste momento não se sabe ainda se vai ou não haver votação. Uma vez feito o requerimento do PCP para que se passe à votação, então nessa altura tem .cabimento o requerimento do CDS. Mas só nessa altura.
Neste momento isso trata-se apenas de uma manobra dilatória para impedir que se inicie o debate, o que é lamentável, pois o CDS acaba de dizer que se trata de uma questão importante que importa ser profundamente esclarecida. Além disso invoca mudanças nas posições dos diferentes partidos.
Vamos então deixar abrir o debate para que os diferentes partidos tragam ao Plenário e ao País as suas posições. Doutra maneira estamos a perder tempo, a impedir que as opiniões venham para a Mesa e que se entre no debate e no esclarecimento das questões substanciais.

Aplausos do PCP.

Não temos nenhum receio da confrontação de opiniões e da abordagem das questões substanciais que estão subjacentes a este debate.
Quem tem é o CDS. Quem não tem argumentos é o CDS e é, por isso, que está a procurar perder tempo com questões formais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Carlos Brito está tão preocupado com o tempo do CDS e o CDS nem quer limitações de tempo! Ou seja, o CDS quer todo o tempo para tentar convencer a Câmara de que deve votar com as suas posições e tem argumentos para o fazer, como o Sr. Deputado Carlos Brito vai verificar no decurso do debate.
Sr. Deputado Carlos Brito, não utilizarei minimamente a informação que deu no decurso da reunião de líderes sobre a intenção de requerer a votação e o momento em que o iria fazer. Não é meu costume fazê-lo.
Além disso, também não utilizarei a informação que meu deu sobre a mesma matéria o Sr. Deputado Tose Luís Nunes, Presidente do Grupo Parlamentar do PS.
Para nós a questão é esta: VV. Ex.ªs falaram muito, mas não invocaram o Regimento nem qualquer norma regimental contra o nosso requerimento.
Não nos provaram com o Regimento na mão, que este nosso requerimento teria de ser feito noutra altura, que não esta.
Passamos a esclarecer por que o fizemos agora. Nada no Regimento diz que este requerimento sobre a forma de votação tem de ser feito imediatamente antes dela. E mais: a prática seguida neste Parlamento é de que esse requerimento não tem sido feito em muitos casos imediatamente antes da votação, mas algum tempo antes desta. Por vezes ainda com 2 ou 3 intervenções por fazer.
O que pretendemos é que um debate desta importância e com este alcance veja claramente definidas as suas regras processuais logo no momento em que se inicia, tendo sido por isso que apresentámos agora este requerimento.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Desejava pedir uma informação ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.
Ao apresentar este requerimento e ao solicitar a sua votação imediata, o CDS requer a votação nominal do projecto de lei n.º 7/III, do PCP, e a votação nominal do projecto de lei n.º 265/III, do PS.
Pedia ao Sr. Deputado Nogueira de Brito que me esclarecesse se pretende ou não que haja debate sobre estes projectos de lei, passando-se imediatamente à votação em caso negativo.

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, resultou da discussão que não é essa a nossa intenção.
O nosso requerimento sobre a forma de votação, defende que, no caso de estes projectos de lei virem a ser votados e quando o forem, deve ser utilizada a forma de votação nominal. O Sr. Deputado Carlos Brito ainda agora nos abriu a esperança de não haver votação sobre estes projectos!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não queria mais nada!

O Orador: - E não sabemos, igualmente, o que irá acontecer ao projecto do PS.
Mas, Sr. Presidente, não queremos de maneira nenhuma precludir a discussão. Queremos é que haja o maior tempo possível para ela.

O Sr. Presidente: - Portanto, segundo depreendo, o Sr. Deputado está de acordo em que os requerimentos sejam votados quando chegarmos à altura da votação, porque se o forem agora não haverá debate.
Parece-nos ser essa a conclusão que se pode tirar.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, se me permite discordar de V. Ex.ª, gostaria de dizer que não é esse o sentido.
Formulei o requerimento nos termos do artigo 109.º, n.º 2 e, segundo este, o requerimento é formulado para pedir a forma de votação e não para precludir a discussão.
O requerimento para precludir a discussão e passar à votação é formulado noutros termos que o Regimento também provê. Não foi nesse sentido que apresentámos o nosso requerimento, mas sim para conferir a esta votação, quando ela tiver lugar, uma determinada forma. Por isso pretendemos que seja votado desde já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o artigo 109.º a que se refere diz que «Haverá votação nominal a requerimento de um décimo dos deputados sobre as seguintes matérias: ...» que depois enumera.
O n.º 2 refere o seguinte:

Sobre quaisquer outras matérias haverá votação nominal, se a Assembleia assim o deliberar, a requerimento de um décimo dos deputados.
Isto significa que se o Sr. Deputado requer a votação nominal imediata deste requerimento, exclui naturalmente a discussão sobre ele.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a apresentação deste requerimento pelo CDS, ainda antes de se ter iniciado o debate, é pelo menos insólita.
Não vou discutir o que é que faz andar o CDS. Será uma tentativa. de protelar o início do debate?
Fica a interrogação e não faço um juízo.
Agora, o que digo é que, se é essa a tentativa, prolongarmos a discussão processual em torno deste requerimento seria, no fundo, estar a levar a água ao moinho do CDS e estarmos de facto a atrasai o início do debate.
Se há unanimidade no sentido de que a votação seja nominal (e a avaliar pelo que se passou há 1 ano nesta Assembleia, ela existe), pois vote-se desde já o requerimento e púnhamos termo àquilo que, porventura, é uma manobra dilatória.
Se não o fizermos poderemos ser cúmplices dessa eventual manobra.
Desta maneira, façamos com que ela aborte!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, como tive ocasião de dizer há pouco, consideramos que o requerimento do CDS é extemporâneo.
Mas também referi que nós próprios tencionávamos requerer a votação nominal e não temos nada a opor à votação imediata do requerimento do CDS.

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Está esclarecido que não há qualquer possível interpretação de que esse requerimento possa prejudicar o debate e, portanto, não vemos nenhum inconveniente.
Agora o CDS está a fazer tal pressão em relação à votação que dir-se-ia que está empenhado em que a aprovação dos projectos se faça o mais rapidamente possível!
Sabemos que não é essa a posição do CDS, mas parece.

Vozes do CDS: - Não, não é isso, esteja descansado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, era apenas para esclarecer um determinado aspecto que se prende não com a questão política levantada pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e que será tratada, com certeza, pelo meu colega Nogueira de Brito, mas com o problema de saber em que momento deve ser feita a votação de um requerimento nas condições do que foi feito pelo CDS.
Realmente, a disposição que no Regimento regula a matéria é a invocada pelo Sr. Presidente que, por um lado, e sobre um certo elenco de matérias, concede um direito potestativo aos deputados de requererem a votação nominal, exigindo sobre as matérias não constantes desse elenco uma deliberação da Câmara.
Simplesmente, o momento dessa deliberação não se pode retirar desse artigo. Não distinguindo o Regimento, de uma forma clara, o momento de discussão e o de votação, considerando sempre estas duas, tem de se considerar que desde que iniciada a discussão de um debate pode ser apresentado um requerimento a exigir uma determinada forma de votação.
Ê, aliás, esta a prática que tem sido seguida na Assembleia. Tem sido apresentados, muitas vezes, requerimentos pedindo a votação nominal, quando ainda há oradores inscritos para intervirem no debate.
Não faz, assim, qualquer sentido dizer-se, como aqui tem sido dito, que o requerimento do CDS é extemporâneo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É que não há qualquer distinção regimental nem poderia haver entre fases atrasadas e fases adiantadas do debate. O que existe é discussão e votação de uma determinada matéria. Desde que a discussão seja iniciada pode o requerimento ser apresentado, pelo que o do CDS é perfeitamente tempestivo, devendo ser votado de imediato.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para comunicar à Mesa que íamos apresentar um requerimento, que agora parece estar precludido, no sentido de ser votado imediatamente o requerimento do CDS, com prejuízo dos oradores inscritos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito. Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para usar do direito de defesa em relação à intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Lopes Cardoso costuma usar de grande elegância nas suas intervenções nesta Câmara, ao que, aliás, já nos habituámos, mas hoje desculpe-me que lhe diga - não o fez.
O Sr. Deputado atribuiu ao requerimento do meu grupo parlamentar um intuito de manobras dilatórias, embora sob a forma de eventualidade.
O que quero dizer é que nós explicámos aqui rigorosamente qual era o sentido do nosso requerimento, isto é, de balizar desde o início os termos deste debate, atenta a sua grande importância. Portanto, não podemos aceitar que, mesmo sob a forma de eventualidade, sob forma de excogitação do Sr. Deputado Lopes Cardoso, não possa ser atribuído um intuito de manobra dilatória neste debate ou nesta Câmara, porque nunca utilizámos aqui manobras dilatórias e não estamos a fazê-lo neste momento.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, de facto eu disse que se houvesse, eventualmente, uma manobra dilatória, o melhor processo de lhe pôr cobro era passarmos à votação imediata. Folgo muito em verificar que não há nenhum intuito dilatório.
Fica, no entanto, uma afirmação que fiz e conservo: o requerimento é, pelo menos, insólito. Aliás, o Sr. Deputado Luís Beiroco, na sua intervenção, acabou por me dar razão, porque nos disse aqui claramente que este requerimento teria lugar a partir do momento em que a discussão se iniciasse. Este requerimento é tão insólito que surge mesmo antes do início da discussão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Mesa um requerimento apresentado pelo Partido Socialista, no sentido de ser feita a votação imediata dos requerimentos do CDS com prejuízo dos oradores inscritos.
Há algum Sr. Deputado que se oponha a este requerimento?

Pausa.

Não havendo nenhuma oposição, vamos passar de imediato à votação dos requerimentos apresentados pelo CDS, na certeza de que não é intenção dos requerentes impedir o debate sobre as matérias que estão agendadas.

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Vamos votar o requerimento apresentado pelo CDS, redigido nos seguintes termos:

Pelos considerandos anexos, que aqui se dão por reproduzidos, os deputados do Grupo Parlamentar do CDS abaixo assinados requerem, nos termos regimentais, a votação nominal do projecto de lei n.º 7/III, do Partido Comunista Português. .

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vou passar a ler o segundo requerimento apresentado pelo CDS:

Pelos considerandos anexos que aqui se dão por reproduzidos, os deputados do Grupo Parlamentar do CDS abaixo assinados requerem, nos termos regimentais, a votação nominal do projecto de lei n.º 265/III, do Partido Socialista.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, é para pedir uma interrupção dos., trabalhos por meia hora.

Protestos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso não são manobras dilatórias, Sr. Deputado!?

O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento, está concedida a interrupção.
A sessão está suspensa por 30 minutos, recomeçando às 2 horas e 45 minutos.

Eram 12 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 12 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, antes da interrupção dos trabalhos V. Ex.ª deu, inesperadamente, a palavra à Sr.ª Deputada Zita Seabra e eu queria fazer uma declaração de voto relativamente à votação do nosso requerimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que é um facto é que V. Ex.ª não pediu a palavra antes de eu dar a palavra à Sr.ª Deputada Zita Seabra nem antes do seu grupo parlamentar pedir a interrupção!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, nós pedimos a palavra quando V. Ex.ª deu a palavra à Sr.ª Deputada Zita Seabra para iniciar o debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se quer fazer uma declaração de voto faça favor de a fazer. Mas o que é facto é que o seu grupo parlamentar pediu a interrupção da sessão, antes do Sr. Deputado pedir a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, quero esclarecer um pequeno pormenor que é importante. É que, de facto, pedimos a interrupção antes do meu colega Nogueira de Brito ter pedido a palavra para fazer a declaração de voto, mas fizemo-lo antes do Sr. Presidente dar a palavra à Sr.ª Deputada Zita Seabra.
Precisamente uma das razões pelas quais pedimos a interrupção, foi para elaborarmos a declaração de voto que o meu colega Nogueira de Brito iria agora produzir, se V. Ex.ª o permitir.

O Sr. Presidente: - Agradeço a explicação do Sr. Deputado, mas já tinha dado a palavra ao Sr. Deputado Nogueira de Brito para fazer a declaração de voto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou naturalmente a favor da aprovação do requerimento para a votação nominal dos projectos de lei n.ºs 7/III e 265/III.
A mesma lógica que leva o CDS a não necessitar da disciplina de voto para assumir neste assunto a posição de firme ordenação que é de todos conhecida, leva-o, também, a pretender que em matéria respeitante ao foro íntimo e às convicções de cada um, os deputados possam exprimir frontalmente a sua posição.
Com efeito, os deputados do CDS antes de iniciado o debate de modo próprio subscreveram um texto em que, designadamente, afirmam o seguinte:

No momento em que a sociedade portuguesa se vai confrontar, ao nível do seu poder legislativo, com propostas de alteração significativas de valores ético-socialmente considerados relevantes, que não se podem subsumir apenas no plano religioso, e mesmo de marcos indeléveis de etapas civilizacionais que ajudámos, significativamente, a percorrer, não podem os deputados do CDS deixar de emitir, com razoabilidade mas firmeza, a sua opinião quanto ao problema da legalização ou despenalização do aborto que nos é trazido pelos projectos de lei do Partido Comunista e do Partido Socialista. Com efeito, a vida humana 6 uma só e insubstituível num processo que vai desde a concepção do ser humano até à sua morte não apresentando soluções de continuidade que permitam

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encarar a eliminação do feto de outro modo que não seja o de um autêntico atentado à vida.
Esta perspectiva, consequência de um mero instinto da consciência da vida, leva-nos, inevitavelmente, a uma rejeição absoluta de quaisquer projectos que procurem, mais ou menos directamente, com maior ou menor largueza de justificações, absoluta ou relativamente, legalizar ou despenalizar o aborto.
Com a conceptualização global da vida que preside à nossa época e com a certeza de que, para além de compromissos políticos, preservamos valores inerentes à própria personalidade humana, querem os deputados do Centro Democrático Social afirmar a sua disposição inabalável de rejeitarem, em bloco, os projectos de lei do Partido Socialista e do Partido Comunista que, a pretexto da «liberdade», atingem o valor supremo, razão da nossa existência e da nossa presença: A Vida!
Congratula-se, finalmente, o CDS com o facto de a sua posição ter sido adoptada por todos os deputados dispostos assim a assumir as suas responsabilidades perante a Câmara e o País.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado quê faltam apenas 4 minutos para encerrarmos o debate neste período da manhã e que a Sr.ª Deputada Zita Seabra se encontra inscrita, em primeiro lugar, para fazer uma intervenção que com certeza demora mais de 4 minutos, penso que, se os Srs. Deputados estiverem de acordo, deveríamos interromper agora a sessão para recomeçarmos os nossos trabalhos às 15 horas como está fixado.

Pausa.

Não havendo oposição, está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na reunião dos presidentes dos grupos parlamentares ficou decidido solicitar à Radiotelevisão Portuguesa que envie a esta Câmara um responsável, para que se possa, eventualmente, combinar com ele uma cobertura ampla dos trabalhos que se estão a realizar.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 11 de Novembro de 1982, a Assembleia da República de maioria AD rejeitava o projecto de lei do PCP de .legalização da interrupção voluntária da gravidez.
Na Assembleia da República e fora dela dois gritos se ouviram de numerosas mulheres que assistiram emocionadas ao debate: «O crime está na lei» e «não é hoje, é amanhã.»
Era verdade! O crime continuou na lei, a maioria então existente na Assembleia da República, perante a opção que lhe foi colocada, votou pela continuação do aborto clandestino. Que conseguiram salvar? Melhoraram as condições de vida do povo para que as mulheres e os casais possam ter os filhos que desejam? Apoiaram a maternidade, melhoraram a assistência às mulheres grávidas ou as condições em que nascem os nossos filhos nos hospitais públicos? Difundiram amplamente o planeamento familiar e a informação sexual, único meio real e efectivo de combate do aborto? Fizeram campanhas nas ruas, de porta em porta, sessões, folhetos, papéis, notícias nos jornais, abaixo assinados explicando esse benefício imenso que os avanços da ciência e da técnica trouxeram ao homem e à mulher permitindo-lhes controlar a natalidade, terem os filhos que desejam?
E aos jovens? Deram-lhes os meios para uma vida sã, responsável e feliz?
Nada disso! Com a votação de 11 de Novembro os Srs. Deputados da então AD asseguraram apenas que o crime continue na lei e garantiram que esse negócio sórdido e repugnante do aborto clandestino pudesse continuar como continua sem que nada lhe acontecesse.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Boas clínicas mantiveram os seus clientes, fazendo milhares de contos por mês. Parteiras e curiosas continuam a fazer 12 a 15 abortos por dia e a ganharem centenas de contos. A AD não lhes estragou o negócio. Continuaram a enriquecer, a comprar prédios, a pagar percentagens aos médicos que lhes dão cobertura. Os donos das clínicas do aborto só tiveram a tristeza de saber que em breve lhes desaparecerão as clientes que vêm de Espanha ...
Continuaram a publicar-se anúncios nos jornais e nas revistas, com telefones, garantias de sigilo e até os respectivos horários. O negócio continuou tão fluorescente que, por exemplo, o dono de uma clínica luxuosa do norte frequentada por senhoras finas, a 30 contos o aborto, abriu o mais luxuoso restaurante da cidade do Porto. Não admira nada que cheios de gratidão tenham contribuído para as despesas dos partidos que lhes salvaram o negócio e os aliviaram do susto de verem esgotado o seu filão.
Não salvaram, pois, nenhuma vida, Srs. Deputados do CDS e do PSD: salvaram um negócio - o negócio do aborto clandestino!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Digam, Srs. Deputados, que é falso e que desde 11 de Novembro de 1982 não se fez mais nenhum aborto em Portugal porque a lei o manteve proibido! Digam que a ameaça de 3 anos de prisão foi solução radical e eficiente e que derrotado o projecto do PCP o aborto acabou em Portugal. Poderão dizer que só um julgamento se verificou de então para cá. O julgamento de uma parteira nas mãos da qual morrera uma jovem mulher. Chamava-se Carminda Lopes e não teria morrido se quando se encaminhou para a parteira a lei do PCP já existisse.

Aplausos do PCP.

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Morreu em consequência da anestesia - dizem os relatórios médicos. Era cardíaca. A parteira não o podia saber, mas no hospital salvar-se-ia a sua vida. Tudo ficou, pois, como antes e diariamente continuam a chegar aos hospitais centenas de mulheres vindas do aborto clandestino. Só no hospital de Santa Bárbara em Lisboa passaram 1097 mulheres com os casos mais graves que implicara internamento. Mas centenas de outras continuam a entrar diariamente nos bancos dos hospitais centrais, distritais e noutros serviços de saúde, com hemorragias, com rupturas no útero, com septicémias, com as marcas e as consequências do aborto clandestino.
As forças políticas que rejeitaram a legalização da interrupção voluntária da gravidez em 1982, empenharam-se sim em dispendiosas campanhas com papéis, folhetos e pasquins caluniando as mulheres, apelidando-as de «criminosas», «degeneradas», «assassinas». «A mãe prepara o assassinato do Zézinho» diz um folheto que uma organização do CDS distribui pelas escolas secundárias.
No julgamento de Tuna parteira aqui em Lisboa, há uns anos, o juiz levantava indignado o dedo acusador para a parteira que julgava e chamou-lhe criminosa. E ela respondeu que a criminosa que ali estava era a mesma que já tinha feito um aborto à esposa do Sr. Dr. Juiz!
«Criminosas», «assassinas», as mulheres que abortam - dizem os papéis e os folhetos que o CDS difunde para aí. Lá fora reclamam e exigem uma lei que as reprima. Mas aqui não vão dizer quantas prisões querem construir.
100, 200 000 mulheres abortam por ano. Querem prendê-las a todas, Srs. Deputadas, e aos maridos quê são coniventes e aos médicos e às parteiras e à vizinha que lhe deu o número de telefone? Ou querem afinal manter a lei para não ser cumprida, que serve apenas para cobrir um negócio clandestino.

Aplausos do PCP.

Srs. Deputados, mas digam então claramente quantas cadeias vão construir, de quantos mais polícias precisam, quantos tribunais querem para prender e julgar as mulheres.
Só assim serão coerentes com o que dizem!
Em vez disso procuram escamotear, e procuraram-no ao longo destes meses, o que está em causa e que hoje se vai realmente decidir.
Falam da vida, dissertam sobre a vida como se fosse uma abstracção bem acima das realidades da vida. Mas nada dizem da vida das mulheres que a arriscam diariamente numa marquesa disfarçada de máquina de costura na casa de uma curiosa ou das que se mutilam com laminarias para poderem entrar no hospital com uma hemorragia...
Para os nazi-fascistas contava tão-pouco a vida da mulher que previram a pena de morte para a mulher que abortasse e executaram mulheres em nome da raça. Em França a última chamava-se Marie-Louise Giraud: foi fuzilada em Paris durante a ocupação nazi. E entre nós quantos dos que hoje falam tanto na vida levantaram um dedo para impedir a morte na guerra colonial?

Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e de alguns deputados do PS.

E na bancada do CDS sentam-se alguns ex-secretários de Estado e alguns ex-ministros do tempo dos governos fascistas que exactamente levavam a cabo . essa guerra injusta, a guerra colonial, na qual morreram muitos jovens portugueses.

Aplausos do PCP.

Falam da vida, de um óvulo acabado de fecundar e não falam do viver depois do nascimento.
Permitam, Srs. Deputados do CDS, que, como mulher, vos diga, já que nenhuma mulher tem lugar nas vossas bancadas, que é indigno de um Estado democrático coagir, sob a ameaça de prisão, uma mulher a manter uma gravidez, a ser mãe, se não o deseja, se não o pode ser.
E por isso Portugal está hoje isolado da Europa.
Ser mãe é, sem dúvida, uma das mais belas vivências que uma mulher tem na sua vida. Por isso a maternidade não pode ser reduzida a um «acidente», a uma fatalidade biológica, a uma imposição legal sob ameaça de repressão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Foi já há 15 anos que o poeta Ary dos Santos pôs o País a cantar «quem faz um filho fá-lo por gosto». Mas no limiar do século XXI ainda há quem venha a público defender que se traga ao mundo os filhos que o acaso trouxer.
A nós, deputados comunistas, eleitos pelo povo, e aos deputados desta Assembleia, não nos cabe julgar e condenar as mulheres que interrompem a gravidez. Cabe-nos sim conhecer as razões que as levam a fazê-lo e a maneira como o fazem. É um último recurso, é sempre um drama na vida de uma mulher, de um casal. Há sempre razões profundas para decidir um acto que ninguém deseja, nem considera um bem.
E não falamos das situações extremas em que a vida da mulher corre perigo do aborto terapêutico, eugénico, ou resultante de crime sexual, mas sim da grande maioria dos casos em que a mulher decide interromper a gravidez porque não vê condições económicas, sociais, pessoais até, para dar vida a um ser humano a quem sabe não poder assegurar um futuro e uma vida feliz.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Dos milhares de testemunhos que nos chegam, deixem, Srs. Deputados, que saliente o de uma mulher que nos quis explicar as suas razões. Dizia: «Trabalho a dias diz na carta - para sustentar 5 filhos e um marido alcoólico, no desemprego. A sexta gravidez fiz um aborto porque acho que os meus filhos já passam fome, solidão e miséria que chega». A carta está aqui. Devemos mandar prender esta mulher, Srs. Deputados?
E as jovens a quem continua a ser proibido o acesso às consultas de planeamento familiar e a uma adequada informação sexual? Essas são quem acaba por pagar mais caro o preço de uma legislação hipócrita.
A taxa de natalidade nas mães adolescentes sobe assustadoramente nos últimos anos, ultrapassando já os 11 %.
Há tempos, sob o título «Um aborto entre aulas», o jornal Expresso relatava que uma jovem de 16 anos

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«10 minutos antes do fim da aula, saiu para fazer um aborto». No dia seguinte veio às aulas «o rosto coberto de suores, pálida, os olhos marcados, o aspecto geral a pedir repouso na cama, mas faltar não podia, pois os pais davam conta e seria uma tragédia. Depois em conversa longa fica a entender-se muita coisa - o pai é importante de mais e a mãe não tem tempo para pensar nela e nos seus problemas. É menor, não pode ir às consultas de planeamento familiar sem autorização paterna».
E eu pergunto, Srs. Deputados: esta jovem que podia ser filha de qualquer um de nós. deveria ser levada à polícia e ao tribunal?
Nos grandes meios de comunicação social este debate tem estado demasiado cheio de declarações de homens políticos a candidatarem-se a ministros, a presidentes da República, a chefes de partidos ou a coligações ameaçadas. Tem-se falado de menos na realidade social, dramática, que é o aborto, tem-se ouvido de menos as mulheres, tem-se insultado de mais. Em muitos casos foram expressamente ignoradas, escondidas com má fé as razões que as levam a arriscar a vida numa parteira ou a actos tão cheios de desespero.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em vez disso, o CDS proeurou a todo o custo criar uma questão religiosa, arvorar-se em porta-voz da Igreja, dividir os Portugueses entre católicos e não católicos.

Vozes do PCP: - Que vergonha!

A Oradora: - Só que não conseguiu atingir os seus objectivos. É sabido que milhares de mulheres católicas vivem na pele o drama do aborto clandestino e que compreendem que é preciso mudar a lei.

Aplausos do PCP.

De nada valerá ao CDS ter gerado o ódio, a intolerância, o insulto. Derrotado em 25 de Abril, não ganhará por esta via o que o povo português lhe soube recusar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O PSD, por seu lado, usa o aborto como mera arma de chantagem política. Mota Pinto quando foi Primeiro-Ministro apresentou a esta mesma Assembleia uma proposta despenalizando o aborto no quadro da revisão do Código Penal idêntica à agora apresentada pelo Partido Socialista. Vice-Primeiro-Ministro, ameaça agora sair da coligação, em nome não se sabe bem de quê, se o projecto for aprovado.
Já nem vale a pena relembrar que a despenalização consta do Programa do PSD e que se multiplicaram ao longo destes anos propostas nesse sentido vindas de dirigentes dos vários quadrantes do PSD. Por isso aparecem sem convicção, sem princípios que se vejam, sem argumentos que os defendam. É de recordar-lhes que se o fazem à espera de votos enganam-se mais uma vez. Foram os partidos que em 11 de Novembro votaram os projectos do PCP os únicos que subiram na votação das eleições de 25 de Abril.

Aplausos do PCP.

E enganam-se, Srs. Deputados, porque a maioria das mulheres que hoje escrevem o seu nome num abaixo-assinado contra a legalização do aborto, estiveram já uma ou várias vezes nas mãos de uma parteira.
O PCP desde o momento da elaboração dos seus 3 projectos teve como linha de orientação fundamental aprofundar o conhecimento dessa realidade nacional e foi dela que partimos a fim de concretizar as nossas propostas.
Os arautos da luta contra a legalização do aborto fazem o inverso. Invadem o País de propaganda yankee, milhões de papéis que os americanos difundem para o Terceiro Mundo, já que no país deles o aborto é legal até aos 6 meses de gravidez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - São médicos americanos arrependidos, são papéis cheios de ciência de pacotilha que eles não consomem, mas exportam.
Aqui mesmo na Assembleia da República já vimos - e vamos, certamente, ver de novo como abundam os cientistas que beberam à pressa a sua ciência nesses panfletos de propaganda! Mas os que se têm debruçado seriamente sobre a questão são bem menos peremptórios e dizem-nos que a ciência não tem resposta rigorosa para definir o momento exacto em que começa a vida. Dizem-nos, por exemplo, que «a vida não começa nunca continua. Não há um momento privilegiado, não há uma etapa decisiva que confira subitamente a dignidade de pessoa humana há uma evolução progressiva, uma série ininterrupta de reacções e sínteses através das quais se modela pouco a pouco o ser humano. Fixar o momento exacto do aparecimento do ser humano e tão impossível como dizer o momento exacto em que o dia começa.» (François Jacob.)
A questão central que nos compete decidir não é, Srs. Deputados, definir em lei da República o momento em que começa a vida. Se o fizéssemos e decretássemos que a vida começa na concepção, teríamos, por exemplo, que punir com pena de prisão toda a mulher que escolha como método de planeamento familiar o dispositivo intra-uterino, um dos mais difundidos no nosso país, como no mundo, pois, trata-se de um método antinidatório, que actua após a concepção. A consagração legal da teoria seria tão absurda que no projecto de lei sobre planeamento familiar subscrito pelo PSD não se vislumbra a proibição dos métodos que actuam depois da concepção.
Tentaram também os arautos da intransigência transformar este debate não num exercício normal e urgente da actividade legislativa desta Assembleia, mas num confronto com a igreja católica.
Ninguém contesta a legitimidade das tomadas de posição da igreja católica que, agindo na esfera espiritual,, tem o direito de o fazer livremente. E não pode negar-se-lhes importância dadas as convicções religiosas da maioria dos. portugueses, entre os quais se incluem muitos, militantes do PCP. Não pode é ver-se no exercício da competência da Assembleia e no nosso assumir de responsabilidades como deputados, um, afrontamento com a igreja pelo facto de discutirmos e votarmos uma lei que visa precisamente

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garantir a todos, sem excepção a possibilidade de escolher de acordo com a sua consciência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Tal lei não criará nenhuma obrigação criará, sim, um direito que cada um exercerá ou não, segundo as suas convicções.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Contra o aborto somos todos nós, mas e bem sabido que não é possível acabar com o flagelo do aborto clandestino sem a legalização da interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Subjacentes às posições dos que aqui o têm recusado estarão em certos casos - admitimo-lo - razões de consciência, mas noutros apenas negócios e concepções retrógradas. Vão revelar-se neste debate mais uma vez ideologias redutoras da mulher a um ser inferior, irresponsável, incapaz, votado apenas para a função de receptáculo procriador. Há quem lhe queira negar ainda hoje a capacidade de decidir.
Como gostariam, no fundo, que ainda estivesse em vigor o velho Código Civil de Seabra que proclamava a inferioridade da mulher colocando-a ao lado dos menores, dos criminosos interditos «dos mentecaptos e todos aqueles que pelo estado anormal das suas faculdades mentais se mostrarem incapazes de governar suas pessoas e seus bens».
Que diferença há, na verdade, entre isto e as declarações públicas daquele deputado do CDS que via no aborto uma arma terrível para a mulher se apoderar da herança do marido?
No centro deste debate está realmente a condição feminina. A mulher e a sua liberdade de escolher de decidir de viver.
O PCP pretendeu-o deliberadamente e por isso não apresento à Assembleia da República um só projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, mas mais 2 projectos, respectivamente sobre a defesa da maternidade e a garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual.
Lá fora o País e particularmente as mulheres entenderam-nos e entenderam a importância de equacionar globalmente a questão da maternidade, essa vivência tão importante e determinante na vida de uma mulher.
Não referirei individualmente, sob pena de ser injusta e porque a lista seria imensa, as muitas mulheres que, comunistas ou não, entenderam e se empenharam nesta luta, de organizações femininas, activistas sindicais, trabalhadoras ou intelectuais destacadas, artistas, jornalistas e muitas outras que contribuíram decisivamente para esclarecer e informar a opinião pública. Não foram e não estão a ser evidentemente, só mulheres a intervir nestas matérias, e a discussão não se dividiu entre homens de um lado e mulheres do outro. Mas sendo tão raro o País debruçar-se sobre problemas que nos dizem tão particularmente respeito é natural que saliente e reforce a importância das mulheres na luta pelos seus direitos. Seria, no entanto, injusto não recordar hoje as que na Assembleia da República deram um grande contributo para dignificar o debate e o colocar nos devidos termos, deputadas que hoje já não o são, e quem sabe se por isso mesmo, como Teresa Ambrósio, Natália Correia e Helena Roseta.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

Este debate é, pois, sobre a mulher, destina-se à mulher e visa consagrar alguns dos seus direitos fundamentais.
Isso suscita um importante choque de conceitos e mentalidades num país em que o boletim de uma organização afecta ao CDS, a confederação das famílias ainda proclamava há dias «a mulher que dedica toda a sua vida adulta ao acto de amor de se consagrar ao bem estar do marido e dos filhos não pode continuar a ser impunemente escarnecida por aqueles que em nome de um egoísmo feroz, as querem fazer páreas de uma sociedade materialista e competitiva...» [...] «A dona de casa -diz o mesmo boletim - está ligada à realidade pela rádio que em casa pode ouvir enquanto trabalha. O que lhe é proibido em qualquer emprego que tenha.»
Eis como se propagandeiam hoje dois conceitos exemplares: a mulher para servir, a mulher cuja realização e felicidade não contam em si mesmas e a invenção de uma nova forma de participação na vida cívica e social e de consciencialização dos problemas - a participação radiofónica.
É a mais descarada teorização da discriminação e inferiorização da mulher!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Outros são os nossos conceitos. E se outro mérito não tivesse este debate, tinha pelo menos o de alargar a consciencialização por parte das mulheres e dos homens da sua real postura na sociedade, na família, na vida.
Ao trazermos há 2 anos aqui 3 projectos de lei que no seu conjunto visam garantir que a maternidade seja um acto livre, consciente e feliz, pretendemos também, e conseguimo-lo plenamente, levar o País a discutir e a consciencializar a condição feminina face à maternidade.
Na verdade, a maternidade, associada inequivocamente às tradicionais divisões de papéis na família, acaba por ser entre nós fonte de penalização e discriminação da mulher muito especialmente da mulher trabalhadora, devido ao facto de o Estado não assumir as responsabilidades que constitucionalmente lhe cabem.
É uma situação que não pode continuar!
Desde há 2 anos que o PCP vem conseguindo um amplo debate nacional que tem permitido ao País encarar de frente questões novas, quebrando tabus e pondo a Assembleia da República a pronunciar-se sobre os direitos das mulheres. O PS e o PSD apresentaram, agora, em cima da hora uma cópia empobrecida dos 2 primeiros projectos do PCP. Não vamos sequer, por desnecessário, salientar o mérito evidente de termos apresentado em tempo as nossas iniciativas. Vamos sim fazer tudo para que o trabalho da especialidade em Comissão se processe de forma séria e rápida, pois já se perdeu demasiado tempo.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Faz agora 15 anos que Maria Lamas escrevia sobre a mulher:

É absolutamente preciso proporcionar-lhe os meios de ela própria se compenetrar da importância da sua participação na vida nacional e na renovação do mundo, não à custa de renúncias e aceitação passiva da sua depreciação, mas, sim, com a consciência de se realizar como mulher, como mãe e verdadeira companheira e colaboradora do homem.
Está hoje ao alcance desta Assembleia aprovar medidas que contribuam para que se tornem realidade estes objectivos.
No que respeita à interrupção voluntária da gravidez, o PCP anunciou já que votará a favor do projecto apresentado pelo PS apesar de o considerarmos tão recuado e limitado que deixa sem resposta, nos seus aspectos cruciais, o drama do aborto clandestino.
É particularmente grave que o projecto exclua a interrupção da gravidez por razões de ordem económica e social. Toda a gente sabe que é delas que decorre a imensa maioria dos abortos clandestinos. São as quintas ou sextas gravidezes, são as barracas em vez de casas, são os maridos no desemprego, são os salários em atraso, são as mulheres sós, é tudo isso.

Aplausos do PCP.

O PS não teve coragem de ir ao fundo e ao fundamental da questão. Nem sequer foi capaz de fazer o que fizeram os sociais-democratas em França ou em Itália. O PS apresenta um projecto recuado, mas acena para a esquerda dizendo:

Não se preocupem: estão lá as razões de saúde física e psíquica, cabe lá tudo.

Aplausos do Sr. Deputado Luis Barbosa.

E é verdade! Realmente que é isso de razões de ordem psíquica ou física?! A direita o PS diz por seu lado:

Não se preocupem, só despenalizaremos um número extremamente restrito e preciso de casos.

E é verdade.

Que diferença, Srs. Deputados, entre esta atitude e a limpidez e frontalidade do projecto de lei do PCP.
Este projecto do PS tem uma consequência clara e um sentido inequívoco de classe. Com ele o negócio do aborto clandestino é em parte substituído pelo negócio do «atestado psíquico». Tal solução beneficia exactamente as mulheres de camadas mais favorecidas da população para quem é sempre fácil obter atestados, atestando tudo.
As operárias, as camponesas, as trabalhadoras continuariam a ter de ir às parteiras. E se se concretizasse a triste declaração do Sr. Deputado José Luís Nunes de que «serão fortemente reprimidos todos os casos que ficam excluídos da lei», certamente os .Srs. Deputados não veriam sentar-se no banco dos réus nenhuma mulher licenciada, ou esposa de médico, de juiz ou de deputado, mas sim operárias, empregadas e desempregadas.

Aplausos do PCP.

O projecto de lei do PS tem ainda implícito um convite à simulação. Quando uma mulher lúcida e consciente, por razões não previstas no projecto, decide interromper a gravidez tem de fazê-lo com um papel que lhe ateste perturbações psíquicas graves! Pede-se à mulher lúcida que se declare perturbada!
E aqui surge a segunda questão que gostaríamos de realçar: o facto de no projecto de lei do PS a decisão pertencer ao médico e não à mulher.
O PS tem a mulher por incapaz de decidir voluntariamente interromper uma gravidez até à décima segunda semana, mas considera essa mesma mulher capaz de, sem necessitar de atestado médico, ser mãe. A realidade, largamente comprovada pela experiência de todos os outros países que legalizaram o aborto é que quando, por exemplo, uma mãe de 5 filhos, à sexta gravidez decide interrompê-la por razões económicas, sociais, se os serviços de saúde, se a lei não a protegem, ela encaminha-se, como sempre fez, para as parteiras ou curiosas. E entra depois no hospital público se o aborto lhe corre mal.
É isto exactamente que têm em conta as legislações das democracias europeias, que estão em consonância com o projecto do PCP e não com o do PS.
Apesar das profundas divergências que separam o nosso projecto de lei do apresentado pelo Partido Socialista iremos votá-lo favoravelmente, pois mesmo tratando-se de um passo tão tímido, tão cheio de medo e passando um tão evidente atestado de menoridade à mulher e à sua capacidade de escolher, de decidir, é um passo preferível à lei cega que hoje temos.
Esperamos que o mesmo sentido democrático, ético e coerente tenham os Srs. Deputados socialistas para com o projecto do PCP que há l ano votaram favoravelmente.
Não há, não pode haver, razões de conjuntura política, arranjos governamentais que possam levar a manter na lei a maior injustiça que ela contém o seu sentido de classe. São as mulheres trabalhadoras, são as mulheres camponesas, são as jovens, as que hoje vivem este drama do aborto clandestino.
É diferente uma parteira de uma clínica londrina. Ê diferente uma curiosa de uma clínica com médico e reabilitação. É diferente um desmancho de um aborto por 30 contos.
É tão diferente, Sr. Deputados, que são só as mulheres vindas das parteiras, das curiosas, dos desmanchos, que chegam aos hospitais, que se sentam nos bancos dos réus, que são capazes de tomar a pílula só dia sim dia não para poupar o preço de uma embalagem.
Essas mulheres, a quem o CDS e o PSD chamam assassinas, que o PS ignora, são a razão de ser fundamental da iniciativa legislativa do PCP.

Aplausos do PCP.

Queremos que não mais se ouça aquele lamento resignado, sussurrado entre medos e humilhações: «este mês lá fui» ou «felizmente correu-me bem» ...

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E quando hoje as mulheres têm os olhos postos nesta Assembleia não o fazem pedindo. Fazem-no exigindo, acusando e responsabilizando-nos a todos pela salvaguarda dos seus direitos e das suas vidas.
A opção é pois vossa, Srs. Deputados: votam pelo aborto clandestino ou votam pela legalização da interrupção voluntária da gravidez. Votam pela tolerância e pela liberdade de consciência e de decisão ou votam pela hipocrisia.
A opção do PCP, dos deputados comunistas é inequívoca. Optamos por uma maternidade consciente, votemos peio direito de viver, fazemos justiça à mulher.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. José Gama (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito. Sr. Deputado?

O Sr. José Gama (CDS): - Para um protesto. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, já não é a primeira vez que V. Ex.ª e outros membros do seu partido fazem insinuações injustas, pelo facto de não haver mulheres sentadas nas bancadas do CDS. Não reconhecemos a V. Ex.ª qualquer autoridade para se pronunciar, entrando em lucubrações estéreis e injustas sobre este facto. E não lhe reconhecemos autoridade, porque - e convido-a a regressar ao X Congresso do Partido Comunista Português, celebrado em 18 de Dezembro último no Porto - nesse congresso foi eleito, à boa maneira do Partido Comunista, o seu secretariado político permanente, que tem 5 membros, com 5 homens e zero mulheres. Foi eleito o seu comité central, que tem 9 membros efectivos.

Vozes do PCP: - O comité central não tem só 9 membros, Sr. Deputado!

O Orador: - ... 9 homens e zero mulheres.

Vozes do CDS: - Muito bem! Risos e protestos do PCP.
Entre os 2 membros suplentes do comité central apenas existe uma mulher, Luísa Araújo.

Vozes do PCP: - Olhe que não, Sr. Deputado!

O Orador: - A sua comissão política tem 18 membros efectivos e apenas 2 senhoras que são suplentes.
Quer dizer, no secretariado político permanente do comité central não há mulheres, no comité central não há mulheres e na comissão política não há mulheres.
Quero concluir com isto que, realmente, o Partido Comunista Português tem mulheres apenas aqui sentadas nesta Assembleia. E tem-nas aqui, talvez porque - como todos sabemos- para o Partido Comunista Português, o Parlamento tem pouca importância. E se tivermos dúvidas disto, basta ver que não está aqui presente o Dr. Álvaro Cunhal para discutir um projecto sobre um assunto tão importante para os Portugueses, como é o do aborto.
Esta é que é a grande realidade! Esquecem as mulheres naquilo que para o vosso partido é importante e depois, demagogicamente, insinuam que os outros partidos, nomeadamente o CDS, desconsiderara as mulheres portuguesas.
Em segundo lugar, quero repudiar as insinuações feitas pelo facto de na bancada do CDS se sentarem ex-membros do governo de antes do 25 de Abril.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É mentira?!...

O Orador: - Isso acontece na bancada do CDS, do PSD e do PS. Srs. Deputados. Eles estão aqui pela voz da democracia e porque foram eleitos pelo povo. Não são, portanto, as insinuações e os desvios de intenções que a Sr.ª Deputada Zita Seabra quer dar aos seus discursos que lhes retira qualquer legitimidade de estarem aqui sentados.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, há mais inscrições para pedidos de esclarecimento, pelo que gostaria de saber se V. Ex.ª deseja responder já ao Sr. Deputado ou só no fim.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado José Gama, reconheço que o Sr. Deputado tem toda a razão, conseguiu desmentir-me em dois pontos fundamentais: na bancada do CDS há mulheres e não se senta aí nenhum membro do governo do tempo de Marcelo Caetano e de Salazar. Acho que basta olhar para a vossa bancada para se ver isso ...
A sua contabilidade sobre as mulheres no PCP está toda errada, Sr. Deputado.

O Sr. José Gama (CDS): - Aonde?

A Oradora: - Mas também não vale a pena pegar nisso. Vale a pena dizer que os senhores, mais uma vez, desviam a discussão para questões de ordem política, em vez de discutirem aquilo que é objecto do nosso debate.
Pelo nosso lado, queremos discutir seriamente aquilo que vai ser discutido. Chega de chicana parlamentar, já levaram a manhã toda nisso, vamos ao trabalho, Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Ouvi a exposição da Sr.ª Deputada Zita Seabra e, pela minha parte, devo-lhe dizer que nunca considero as mulheres assassinas, mas os políticos, às vezes, são-no. E eu não queria ser um político assassino.

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As mulheres, às vezes, podem ser infelizes, podem ter momentos de desorientação, pelo que a sociedade deve ajudá-las nesses momentos, sem sombra de dúvida.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Ai que simpático!

O Orador: - Alguém me dizia há algum tempo que hoje as mulheres reivindicam os direitos dos homens, os direitos próprios das mulheres os privilégios das senhoras. Não vou negar nenhum destes atributos. Não tenho nenhuma dúvida em que gozem dos direitos dos homens, em manter-lhes os privilégios das senhoras e ainda em lhes garantir os direitos específicos da mulher. Mas também sinto a obrigação de defender o primeiro dos direitos das crianças: o direito de nascer.
Porque, Sr.ª Deputada, quando fui ministro dos Assuntos Sociais aprendi a conhecer muito de perto o País nas suas realidades sociais mais trágicas. Palmilhando, o País, de lês a lês, encontrei-me com deficientes, aqueles, que são os seres mais desfavorecidos, mais longe do que é a pessoa normal, e ao olhar para esses seres humanos encontrei sérias razões para que eles vivam e para que lhes seja garantido o direito à vida, o direito a nascerem.
Encontrei nesses seres humanos pessoas que não são inferiores a nós em nada. Encontrei nalguns seres humanos com deficiências de natureza motora e mental, condições para, apesar de tudo, serem seres humanos dignos de toda a consideração. Não vejo porque deva recusar-lhes o direito a nascerem, por muitos sacrifícios que isso implique para os pais.
Ainda ontem, na manifestação contra o aborto que aqui se fez, vi vários pais com filhos deficientes. E pergunto se algum pai de um filho deficiente se recusa a aceitar hoje o seu filho ou se pelo contrário, não lhe tem um amor, por vezes, mais forte, do que aos outros que os sente, naturalmente, mais independentes.
Portanto, Sr.ª Deputada, teremos de defender os direitos das mulheres, mas temos de perguntar quem é que nesta Assembleia vai defender os direitos das crianças. E o primeiro dos direitos é o direito de nascer.
Apenas mais uma questão, Sr.ª Deputada V. Ex.ª falou de estatísticas e referiu alguns números. É conhecido em todo o mundo a fornia como os defensores da legalização do aborto utilizam e manuseiam as estatísticas a seu bel-prazer.
A Sr.ª Deputada referiu que em Portugal se faziam entre 100000 e 200000 abortos. Acho que a variação é demasiadamente ampla para merecer a mínima confiança.
Todos sabemos que os números estatísticos têm sido manipulados neste domínio, é uma técnica conhecida em todos os países do mundo onde a legalização do aborto tem sido conseguida.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Qual é a sua?!

O Orador: - Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que considero que esses números não têm nenhum fundamento, não tem nenhuma base. É evidente que existem abortos, mas falar de 100000 ou 200000 é atirar para o ar números que, não tendo nenhuma base, são, portanto, puramente falsos.
Uma última questão, Sr.ª Deputada. Perguntou se o aborto tinha acabado em Portugal. Não acabou, é certo - e é pena! O que lhe pergunto é se o roubo acabou em Portugal e se não há também quem roube por condições económicas deficientes. Vamos por essa razão despenalizar também o roubo, como se quer despenalizar o aborto?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Para um protesto em relação ao que acaba de ser dito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado fica inscrito. Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, qualquer que seja o destino deste debate, quero prestar-lhe, antes de mais nada, a minha homenagem porque o seu nome ficará irremediavelmente ligado à defesa da causa abortista em Portugal. Isto porque com o partido atrás de si ou pela sua própria coragem como mulher, deputada e política interessada na defesa das mulheres trouxe pela segunda vez a esta Câmara a gravíssima questão da interrupção da gravidez.
O Partido Comunista mantém exactamente o mesmo projecto que apresentou no ano passado; traz como porta-voz a mesmíssima deputada que trouxe no ano passado; mas, coisa curiosa, não traz hoje para o debate nenhum argumento de fundo a não ser o faits divers que trazia no ano passado.
Quero dizer com isto que o Partido Comunista se convenceu que, com o desenrolar de l ano, caíram pela própria resposta popular muitos dos seus argumentos e vê-se hoje obrigado a agarrar-se ao faits divers, para fazer a defesa do aborto. Talvez com a consciência plena de que o seu projecto vai naufragar - não tem agora os votos do PS - ou porque pensa que estes argumentos virão naturalmente numa segunda fase quando, uma vez aprovado o projecto do PS, estiver aberto caminho, a avenida, para aprofundar cada vez mais a, liberalização e a legalização do aborto com todas as suas consequências.
É uma questão de estratégia que nós compreendemos. O Partido Comunista não quer hoje neste debate gastar os argumentos de fundo, porque os gastou no ano passado e porque, neste momento, o que pretende é ver aprovado o projecto do PS. Uma vez aberta a porta, ficar-lhe-á aberto o caminho para, depois, avançar cada vez mais com novos argumentos até conseguir obter aquilo que, efectivamente, pretende, isto é, a legalização total do aborto pelas razões que no ano passado apresentou e que não são originais nem são as únicas que o Partido Comunista pretende aqui para Portugal, pois há outros partidos que, não sendo comunistas, já as apresentaram noutros países.
Ë esta a razão pela qual lhe pergunto se, efectivamente, é essa a finalidade do Partido Comunista. Digo que os vossos argumentos são faits divers por uma razão muito simples: à Sr.ª Deputada Zita Seabra sabe que, juntamente com a derrota do projecto de lei do aborto, esta Câmara ...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradecia que terminasse, uma vez que já ultrapassou os 3 minutos.

O Orador: - Sr.ª Deputada, queria ainda dizer-lhe que foi o Partido Comunista que boicotou na Comissão o exame na especialidade dos outros dois projectos de lei - com constantes ausências dos seus deputados durante todo o ano -, pelo que eles não foram discutidos e caíram por ter caído, também, o governo da AD. Mas antes da queda da AD foram os deputados comunistas que sem a sua presença na comissão não permitiram a discussão dos 2 projectos que tinham sido aprovados.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É falso!

O Orador: - Em segundo lugar, a Sr.ª Deputada Zita Seabra sabe que os governos da AD e a maioria AD produziram 2 diplomas legais para a protecção da maternidade. Eram eles a «lei Bagão Félix» que agora muita gente precipitadamente designa por outros nomes - da segurança social e a lei de bases da família.
Foi exactamente porque o Partido Comunista e o Partido Socialista não quiseram discutir, oportunamente e tempestivamente essas leis, antes da queda do governo AD, que elas não foram para a frente. No entanto, elas mostram um esforço do CDS e do PSD de então, em partindo da discussão que aqui houve, lançar no País e nesta Câmara 2 diplomas legais que não liberalizariam o aborto nem dariam satisfação a todas as reivindicações do Partido Comunista, mas que de qualquer modo, mostraram um esforço para entrar na senda da discussão da legislação sobre estes problemas.
Em terceiro lugar, causou-me pena ouvir a Sr.ª Deputada dar aqui o exemplo do juiz a quem a parteira diz que «fiz um aborto à sua mulher». Quando eu andava na Universidade havia várias anedotas sobre os juízes. Por exemplo, quando um réu aparecia perante o tribunal dizendo «nós semos homosexuais», o juiz dizia-lhe «semos não, somos» e o homosexual perguntava «então o Sr. Dr. Juiz também é?».
São anedotas de garotos que não ficam bem na sua boca e que não correspondem à elevação que o Partido Comunista devia dar a este debate, mas que nós pretendemos dar. Não fica bem na sua boca nem ao Partido Comunista. Deixemo-nos deste tipo de argumentos e em vez disso, vamos ver verdadeiramente qual é a política criminal, quais são as soluções do Direito positivo, o que é que podemos fazer e em que termos o podemos fazer para remediar grandes males como são as circunstâncias preocupantes do aborto.
Finalmente, quero dizer-lhe que em relação à tal estatística sobre o aborto - sobre quantos morrem na verdade, questão que nos preocupa a todos nós -, penso que a Sr.ª Deputada também devia trazer aqui os números das mulheres que não abortam, das que não vão para as parteiras, das que não vão para Londres nem para Nova Iorque, das que têm os seus filhos e tomam a responsabilidade de os terem, e que são milhões neste país. Por isso mesmo, a Sr.ª Deputada também devia trazer este número para aqui contrapor ao número das que vão às parteiras, pois só assim a discussão ganharia voo e sentido, ganharia, realmente, mais elevação, que é a que nós queremos imprimir.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Solicito à Mesa um esclarecimento sobre qual o critério que a Mesa está ou pensa utilizar na atribuição de tempos aos deputados que intervêm. Faço esta pergunta pela simples razão de que nos debates em que tem havido atribuições de tempo, tem sido entendido que os 3 minutos que cada deputado tem para pedir um esclarecimento é uma limitação meramente indicativa, na medida em que o tempo que ele usa é descontado no seu tempo global. No caso concreto, o CDS recusou-se a aceitar uma limitação de tempo e entendeu cingir-se rigorosamente às normas regimentais. Aceitamos que na atribuição do tempo haja um certo liberalismo e que não haja um rigor em relação aos 3 minutos. Mas entre os 3 minutos e o triplo do período regimental há uma certa distância, que já é mais do que uma liberalização do entendimento sobre o tempo atribuído. Isso é legítimo, penso, quando se desconta no tempo, mas quando se exige a aplicação rigorosa das regras regimentais, então aplicam-se as regras regimentais, concedendo-se os 3 minutos com aquela maleabilidade mínima aos deputados que pedem esclarecimentos.

Aplausos da UEDS, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra pediu também a palavra?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, queria de imediato responder aos Srs. Deputados do CDS que me pediram esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr.ª Deputada, estão inscritos outros Srs. Deputados.

O Sr.ª Zita Seabra (PCP): - De qualquer forma, gostaria de responder já aos 2 Srs. Deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Com certeza.
No entanto, se me permite, responderei primeiro à interpelação do Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso sabe que o Regimento limita, realmente, o tempo de intervenção para pedidos de esclarecimento e protestos. Contudo, tem sido norma nesta Casa não cortar a palavra aos Srs. Deputados na expiração desse tempo regimental. Daí que eu tenha chamado a atenção do Sr. Deputado Narana Coissoró para o facto de ter esgotado o tempo e não lhe tenha cortado a palavra. Talvez o Sr. Deputado Narana Coissoró tenha exagerado um pouco na concessão do tempo, mas eu, como compreendo que o debate é importante, achei que não devia cortar liminarmente a palavra.
Este é o método que tem sido adoptado, penso que é o melhor, desde que os Srs. Deputados tenham, como espero, a consciência de que se trata de uma faculdade extra que se lhes dá.
Para responder, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Começando por responder ao Sr. Deputado Luís Barbosa, dir-lhe-ei desde logo que a sua linguagem mostra bem em que conceito tem as mulheres. Começou por nos passar, com uma certa elegância, um atestado de menoridade para dar a entender que nós, mulheres, como seres inferiores que somos, apesar de tudo, podemos ter «momentos de desorientação».

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sic!

A Oradora: - Estou a citar. Sr. Deputado, que forma de encarar as mulheres!.... Nós já não precisamos disso. Felizmente já não está em vigor o código do Seabra! Já estamos em 1984,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ... já conquistámos, não por condescendência do Sr. Deputado, mas pela luta que travámos, o direito à igualdade.
E olhe que essa de dividir, na sua linguagem, as mulheres entre «as senhoras» e «as mulheres» também tem «água no bico», Sr. Deputado.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da ASDI e de alguns deputados do PS.

Desculpe que lhe diga, mas essa é de homem da CUF. Ou nos trata, a todas, pôr senhoras, ou nos trata, a todas, por mulheres. Tratar umas por senhoras e outras por mulheres é inaceitável nesta Assembleia da República.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da ASDI e de alguns deputados do PS.

O Sr. Deputado também veio aqui falar das crianças deficientes, como se a legalização do aborto implicasse que se tivesse que matar essas crianças. É o que está inerente à sua intervenção.
É sabido que nascem em Portugal, por ano, cerca de 11 600 crianças deficientes. Somos o país da Europa onde nascem mais crianças deficientes. E isto porquê? Por má assistência no parto, por más condições de assistência à grávida. Bastava melhorar as condições de assistência à grávida, bastava melhorar as condições dê assistência nos hospitais onde nascem os nossos filhos, para descer astronomicamente o número de crianças deficientes que nascem em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A política, Sr. Deputado, não pode. reduzir-se a «puxar ao choradinho» e dizer: «coitados, são deficientes». É preciso que, como políticos, tomemos responsabilidades para obviar a isso.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Deputado já foi Ministro da Saúde e em vez de tomar medidas agravou a situação.

Aplausos do PCP.

Lembro-lhe que foi no tempo em que o senhor era Ministro da Saúde que acabou a valência materna nos centros de saúde, uma das conquistas que se conseguiu ainda no tempo do fascismo e que mais veio beneficiar a mulher durante a gravidez e no parto, assim como também acabou a saúde infantil nos centros de saúde. Que autoridade tem o Sr. Deputado para nos vir falar das crianças deficientes?

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Falou também na estatística. Ê verdade que o aborto é clandestino e, por isso, não se sabe se são 100 000 ou 200 000 o número de abortos que se fazem. O que se sabe - e os Srs. Deputados do CDS não são incapazes de negar isso - é que há uma lei que proíbe o aborto, mas ele continua a fazer-se; há uma lei que proíbe o aborto, mas essa lei não é cumprida; há uma lei que proíbe o aborto e que dá cobertura a um negócio sórdido, que é o negócio do aborto clandestino.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A única coisa que conseguiriam, se a discussão e a votação não viesse a realizar-se, era manter esse negócio tal como hoje existe.
Diga então, tal como eu fiz na minha intervenção, quantas prisões quer que se construam? Ou não quer que a lei se cumpra e defende esse negócio sórdido do aborto clandestino?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ou, afinal, defende que as mulheres continuem a entrar, como acontece diariamente, nos hospitais e se feche os olhos a isso?
A questão é que mesmo com a proibição do aborto, com penas de 8 ou 3 anos de cadeia, o aborto clandestino continua a ser uma realidade que faz mover milhares de contos.
O Sr. Deputado comparou ainda o aborto com o roubo e, mais uma vez, fez o favor de comparar as mulheres com os ladrões.
Da outra vez comparou-nos com o estacionamento de automóveis, agora compara-nos com os ladrões ...

Risos do PCP.

É impossível, Sr. Deputado, comparar uma coisa com a outra.
É que quando uma mulher se encaminha para uma parteira ou quando entra, vinda do drama, que é o aborto clandestino, para o hospital, ela teve razões muito fundas que a levaram a fazer isso.
Basta dizer isto, Srs. Deputados: não há ladrões que entrem a morrer nos hospitais, enquanto que há mulheres que entram a morrer nos hospitais por fazerem abortos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É tal o insulto que faz nessa comparação que basta ver o seguinte: se o vizinho que mora ao lado de qualquer um de nós roubar, nós vamos a correr à esquadra da polícia e denunciamo-lo se a vizinha que mora ao lado de qualquer um de

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nós fizer um aborto, nós não vamos a correr h esquadra denunciá-la. Em Portugal ninguém faz isso, nem mesmo depois de o projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez que o PCP apresentou em 11 de Novembro de 1982 ter sido rejeitado.

Aplausos do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez o Barbosa!

A Oradora: - O Sr. Deputado Narana Coissoró fez diatribes sobre a minha intervenção. Na verdade, nós não estamos a começar o debate, pois isso já o fizemos há 2 anos. Nós partimos agora do princípio de que o País já ouviu, sabe o que quer, conhece os argumentos, já optou e formou uma opinião.
Srs. Deputados, as sondagens, e para vocês elas contam tanto - e olhe que nenhuma delas é de um jornal de esquerda, afecto ou próximo do PCP; essas sondagens são da televisão, são do Expresso, são do Semanário, são sondagens de jornais muito mais próximos de vocês do que de nós -, dão maioria àqueles que pretendem a legalização do aborto.
Disse também o Sr. Deputado Narana Coissoró que os outros 2 projectos de lei que o PCP apresentou em 1982 estiveram em Comissão e não saíram da especialidade graças ao PCP. Isso é falso, Sr. Deputado. Em 11 de Novembro de 1982, depois de esses 2 projectos de lei terem sido votados, baixaram à Comissão de Saúde e Segurança Social, onde se formou uma subcomissão para a qual foram indicados 3 deputados: os Srs. Deputados Verdasca Vieira, do PS; Vidigal Amaro, do PCP, e Jaime Ramos, do PSD. O CDS nunca indicou um deputado para fazer parte dessa subcomissão, no sentido de discutir os projectos de lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O CDS não só faltou sempre, como nem sequer indicou o nome do deputado para fazer parte dessa subcomissão para discutir os projectos de lei.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma vergonha!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nem era preciso!

A Oradora: - Se quiser traga as actas e desminta o que estou a dizer.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, pretendendo apenas dar um esclarecimento, peço a palavra para fazer um protesto, pois essa é a única figura regimental que me resta.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito. Sr. Deputado.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Presidente, peço também a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Fica também inscrito, Sr. Deputado.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, ao ouvir desta vez a sua intervenção -e embora não sendo nessa altura deputado acompanhei os debates da última vez que aqui se discutiu o projecto de lei de legalização do aborto - reparo quão diferente é o tom usado por V. Ex.ª hoje e em 1982. Há 1 ano, V. Ex.ª usou naquela Tribuna um tom insinuante, procurando a comoção, apelando ao sentimento, trazendo aqui os casos, instrumentalizando o sofrimento, procurando, no fundo, colocar os deputados perante casos dramáticos que acabassem por fazê-los esquecer as verdadeiras questões de fundo que estavam em jogo. Hoje, o conforto que lhe dá as posições já assumidas pelo Partido Socialista permitem-lhe a arrogância, o desafio político ao CDS nesta matéria. Ainda bem que assim é!
Talvez estas 2 bancadas possam, uma de um lado e outra do outro, ser os verdadeiros intérpretes daquilo que está em causa. O resto parece ser assistência, ora num plano ora noutro.
Mas, Sr.ª Deputada, a verdade é que essa sua arrogância não a fez esquecer a questão de fundo e, mais uma vez, veio aqui trazer o debate desta matéria como se fosse uma opção inócua, indiferente ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não, não!

O Orador: - Sr.ª Deputado, ainda não acabei.
Como estava a dizer, inócua, indiferente, entre aborto clandestino e aborto legal. Isto é, discutindo a questão da vida V. Ex.ª deu imediatamente como adquirido que não sabe quando começa a vida. E como não sabe, não se preocupa em saber e como não se preocupa em saber, vai apenas curar das consequências. Para si, no fundo, não interessa saber se está ou não em causa, na vida intra-uterina, vida humana. Por isso transforma isto numa questão de saber se é um negócio clandestino ou se é um negócio legal. No fundo, ao fazer a opção entre aborto clandestino e aborto legal e ao preocupar-se tanto - e tem toda a razão para o fazer com essa questão dos negócios, a Sr.ª Deputada esquece que está apenas a colocar a questão entre o negócio clandestino e o negócio legal. Pelos vistos, para si a questão não e mais do que isto.
Achei grave que hoje, nesta sua intervenção, apenas o plano político e apenas a instrumentalização a tenha levado a esquecer o que é essa verdadeira realidade. Pode ter a certeza de que somos extremamente sensíveis e não esquecemos, o que é o sofrimento, mesmo daquelas que fazem e das que não fazem abortos, porque se, por vezes, é necessário um acto de desespero para pôr fim à vida de um filho, também é preciso, muitas vezes, muita coragem para levar até ao fim a gestação de um filho próprio.
O sofrimento é algo com que se não pode brincar politicamente, Sr.ª Deputada. Portanto, julgamos que devemos colocar aqui, neste plano, a questão de saber se aqui estamos ou não a inferir as regras morais e políticas, constitucionais e legais, sobre a existência ou inexistência da vida, para que, nesse plano, possamos definir uma verdadeira política penal, uma política que possa ser moderna, que possa atender às realidades e que não procure levantar em 1984, uma questão que, eventualmente pelo atraso científico então existente, há muitos anos se colocou em muitos

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países e hoje, como sabe, há uma regressão sensível e notória em muitos planos dessa matéria.

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Aonde?!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para, simultaneamente, fazer um protesto e pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Não sei se o Sr. Deputado, com esse pedido, pretende usar da palavra durante 5 minutos. É isso?

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, Sr. Presidente. Serei breve, não utilizarei os 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra por 5 minutos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A Sr.ª Deputada Zita Seabra queixou-se de que estávamos a desviar as perguntas e os protestos para questões de ordem política conexionadas com o debate - o debate é, ele mesmo, profundamente de natureza política - e que não entrávamos no fundo da questão. Diria à Sr.ª Deputada que a responsabilidade é sua, porque introduziu questões conexas com o debate, fez insinuações graves e, por isso, suscitou protestos e pedidos de esclarecimentos nesse sentido.
Há uma questão que pessoalmente queria esclarecer, de uma vez por todas, nesta Câmara.
Eu fui um secretário de Estado do Governo anterior ao 25 de Abril; mais propriamente, era Secretário de Estado no dia 24 de Abril.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Subsecretário de Estado!

O Orador: - Está enganado, Sr. Deputado. Eu era Secretário de Estado nessa altura. Fui Subsecretário de Estado e depois Secretário de Estado.
A minha bancada não tem o privilégio nem o monopólio de ter membros do Governo de antes do 25 de Abril. Mas já parece ter o privilégio e o monopólio de responder para os defender.
Pessoalmente, queria dizer-lhe que fui sujeito à verificação de uma comissão de reclassificação e de investigação, à investigação de comissões de trabalhadores e ao veredicto do povo português que me elegeu para estar aqui. E nenhum deputado nem V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, nem ninguém da sua bancada ou de outra- pode questionar a minha presença aqui. Isto que fique claro.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS e do PSD.

Falou V. Ex.ª de negócios e de negociatas em termos que não se traduziram numa acusação directa mas, pelo menos, numa insinuação. V. Ex.ª disse que os partidos que atacavam a despenalização do aborto poderiam estar a defender redes de negócio ligadas ao aborto clandestino. É grave essa acusação,...

O Sr. José Gama (CDS): - Leviana!

O Orador: - ... é leviana. Atinge partidos e entidades, acima de toda a mácula, que atacam a despenalização do aborto.
Gostaria de lhe fazer 2 perguntas. Em primeiro lugar, conhece as redes de negócio e de indústria que se constróem em volta do aborto legalizado, designadamente para negociação e exploração industrial dos fetos, produtos de aborto?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, ser-nos-á permitido então insinuar que quem defende a despenalização do aborto está a pretender fazer proliferar este tipo de negócios?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada, não faço essa insinuação e a senhora também não a deve fazer.
Mais: o seu grande argumento e este: «vocês são hipócritas porque não eliminam o aborto clandestino e a chaga que é o aborto». E a despenalização do aborto elimina, porventura, a chaga do aborto clandestino? A Sr.ª Deputada tem elementos, pelo menos semelhantes àqueles que lhes fazem brandir estatísticas de 100 000 a 200 000 abortos, que lhe permitam falar sobre a eliminação do aborto clandestino nos países que despenalizaram o aborto?
Sr.ª Deputada, as estatísticas que nos chegam desses países dizem-nos que, na realidade, o aborto clandestino não diminuiu nesses países.
Eram estas as perguntas que lhe queria fazer e que nos parecem importantes.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, serei muito breve porque o tempo urge. Dir-lhe-ei somente 2 coisas.
A primeira, é que na conferência de imprensa em que foi apresentado o projecto de lei do Partido Socialista sobre esta matéria tive ocasião de afirmar o seguinte: «quando se admitem causas de exclusão da ilicitude do aborto - e é possível praticar em causas limitadas esse aborto sem a sanção da lei -, então é possível punir o aborto clandestino». Foi isso o que disse e está dentro de muitas coisas que a Sr.ª Deputada disse. Obviamente que não foi isso que veio transcrito nalguns jornais, talvez por deficiência de expressão minha. Não discuto, admito isso perfeitamente. Homens perfeitos tínhamos um, mas morreu há muitos anos ...
Em segundo lugar, gostava de dizer que, sobre esta matéria, me interrogo, como Edouard Herriott, sobre quem serve melhor o país: se aquelas pessoas que são prudentes e gostam de dar passos sérios e prudentes, ou aquelas pessoas que gostam de andar depressa de mais.
Este debate sobre o aborto permitiu-nos verificar que não há textos para sempre nem há textos intocáveis.
Já aqui tivemos ocasião de chamar a atenção para certos textos ditos intocáveis, que não são intocáveis, oriundos do quadrante de pensamento representado

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pelos nossos colegas do Centro Democrático Social, e vou agora ler um texto oriundo do quadrante de pensamento representado por V. Ex.ª:

O pequeno burguês - escreve Lenine - desespera do seu futuro e procura a salvação na limitação dos nascimentos.
O operário sabe que a classe operária triunfará e é também um inimigo absoluto do «neo-malhusianismo». Luta para que os seus filhos sejam mais felizes e com os seus combates prepara a sua vitória.

Não há textos sagrados, Sr.ª Deputada, não há textos eternos, são os homens que fazem a história, e a bipolarização que o Sr. Deputado Azevedo Soares prevê ou vê aqui é, afinal, a bipolarização negativa, a bipolarização daqueles para quem a terra não se move e a bipolarização daqueles que encerrados, como VV. Ex.ªs, no bunker da história não compreendem que cá fora já faz sol.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões agora colocadas, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Respondendo a algumas das questões que me foram agora colocadas, começo por constatar que o Sr. Deputado Azevedo Soares veio comparar os 2 debates, veio comparar o tom e o estilo das 2 posturas face ao debate.
Creio, Sr. Deputado, que há uma coisa que é clara: nós, PCP, não mudámos de posição, não mudámos de argumentos, não mudámos de texto de projecto de lei. Por isso mesmo estamos aqui na mesma atitude, na mesma posição, com os mesmos argumentos e com mais aqueles que colhemos e que o tempo e a vida nos vieram mostrar, com os muitos testemunhos de mulheres que nos escrevem e nos procuram para relatar a razão de ser dos seus dramas, no fundo a razão de ser de todo este debate que estamos aqui a travar.
Mas o Sr. Deputado disse uma coisa que e grave: falou em «brincar-politicamente com "esta questão». Nós tratámo-la sempre, desde o primeiro momento, como uma questão séria que diz respeito à vida de todos nós e creio, Sr. Deputado, que quem brinca politicamente é quem é capaz como, por exemplo, uma organização que, certamente não o rigor, é afecta ao CDS, a Confederação de Famílias de distribuir pelas escolas secundárias um panfleto que se intitula assim: «Não mates o Zezinho». Isto, sim, é brincar com uma questão muito seria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E na terceira ou quarta página desse folheto de banda desenhada diz-se a certa altura: «a mãe prepara o assassinato do Zezinho» - lá está o tal insulto, de dedo apontado, às mulheres como assassinas. E quando o Sr. Deputado diz «temos uma compreensão perante os dramas das mulheres», eu pergunto-lhe, Sr. Deputado: que compreensão é essa se querem manter uma lei que, se fosse cumprida, as levaria para a cadeia 3 anos ou 8 anos - no caso concreto, agora, 3 anos - sem ter nenhuma consideração efectiva pelos seus reais e verdadeiros dramas.
E mais: é que não é só a ameaça de repressão; é que esta lei é em si profundamente repressiva, porque ao proibir o aborto como proíbe, mesmo perante tais dramas por que diz ter compreensão, a mulher é obrigada a ir a uma parteira ou a uma «curiosa» e a ir depois parar ao hospital, como nós sabemos que diariamente sucede.
E esse é o aspecto mais grave e mais dramático de toda esta legislação.
Falou ainda em política moderna e disse que há uma recessão a nível da legislação internacional - também ó Sr. Deputado Nogueira de Brito pegou nesta questão -, e realmente, olhando para a Europa, o Sr. Deputado só pode ir buscar o exemplo da Irlanda do Norte, porque de resto estão isolados na Europa. Depois do debate havido em Espanha só falta Portugal e a Irlanda do Norte, mais nenhum país.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - E a Bélgica!

A Oradora: - A Bélgica fecha os olhos, Sr. Deputado. Aí há uma situação diferente que não se pode comparar com a situação repressiva que existe em Portugal.

Risos do CDS.

Mesmo assim, Srs. Deputados, dou-lhes de mão barata a Bélgica porque sobra-nos a França, a Inglaterra ... Reparem que só 8 % dos países do Mundo têm o aborto completamento proibido, portanto, dou-lhes de mão barata a Bélgica, fiquem com ela que nós ficamos com o resto do Mundo e não ficamos nada mal acompanhados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito ficou muito ofendido por eu referir aqui que se sentavam na vossa bancada alguns ministros e secretários de Estado de antes de 25 de Abril. Ora eu queria antes de mais; relembrar em que contexto é que eu disse isso e aqui coloco 2 questões nunca esqueceremos que estão aí sentadas pessoas que estiveram em governos de ditadura durante a qual muitos dos meus camaradas de bancada estavam presos exactamente por serem contra ela. Isso não podemos esquecer nem deixar de lembrar aqui.

Aplausos do PCP.

Mas também é importante, Sr. Deputado, relembrar o momento em que eu lhe disse: Que moralidade pode ter um homem que esteve sentado num governo que conduziu uma guerra - a guerra colonial -, guerra injusta, onde se morria dos dois lados, para vir agora aqui falar do direito à vida?
Levantaram nessa altura uma dedo para defender a vida dos jovens portugueses que morriam, para defender a vida dos patriotas dos movimentos de libertação?

Aplausos do PCP e protestos do CDS.

Ou será que, nesse caso, a vida já não contava e só conta quando se trata de. mexer nesta questão? Será

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que a vida dos jovens portugueses que então morriam já não era vida? Era deixá-los crescer para depois os queimar?!...

O Sr. Manuel Queirós (CDS): - E as bombas de fósforo no Afeganistão?!...

A Oradora: - Por último, Sr. Deputado, a questão do negócio. Esta é uma questão importante, porque o facto de o aborto ser legal ou clandestino não é só uma questão de passar o negócio clandestino para negócio legal. Os senhores falam disso porque, na verdade, não têm nenhuma mulher que se sente na vossa bancada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Ê só por isso, porque, na verdade, encaminhar-se para uma parteira ou para uma «curiosa», fazer um aborto por 30 contos ou empenhar os brincos, como sucede hoje, porque se vive numa barraca, não é, na verdade, igual a encaminhar-se para um hospital público. Portanto, não comparem duas coisas que são completamente diferentes.
É a proibição que faz o negócio, Srs. Deputados, ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ... esse negócio que dá, na verdade, milhares de contos e que ninguém ignora que existe. Tal como não se ignora que algumas dessas boas clínicas são de alguns médicos que subscrevem a «Luta contra a legalização do aborto».
Perguntava, aqui há tempos, a um meu camarada médico por que é que esses médicos que têm essas boas clínicas são contra a despenalização, se com esta lei eles podiam legalizar as suas clínicas para fazer a interrupção da gravidez. E ele dizia-me e bem: «É por causa do imposto. É que a partir do momento em que ele seja legal passa, inclusive, a ter de pagar imposto». E agora foge aos impostos e tudo, Sr. Deputado.
Mas é que essas clínicas são só para as «senhoras finas» que têm 30 contos para pagar pelo aborto, ao passo que as outras -usando agora a linguagem do Sr. Deputado Luís Barbosa -, as «mulheres», essas têm de se encaminhar para as parteiras onde por vezes perdem a vida. E têm de o fazer em condições dramáticas, tão dramáticas que não há aqui ninguém que o negue, porque se é verdade que não há estatística do aborto clandestino, há estatística de quantas mulheres entram nos hospitais diariamente. Se não sabem vão à Maternidade de Magalhães Coutinho e vejam o banco por onde entram as mulheres que vêm de praticar o aborto, ou o do Hospital de Santo António, do Porto, ou aqui, às outras maternidades, ou ao Hospital de Santa Maria, e vejam como são centenas as mulheres que vêm desses meandros horríveis do aborto clandestino.
Claro que o Sr. Deputado diz que nos países onde foi legalizado não desapareceu o aborto clandestino, mas eu digo-lhe que diminuiu e diminuiu enormemente, Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Mostre lá!

A Oradora: - Calma, Srs. Deputados, que já lhes fornecemos as estatísticas.
Por exemplo, a aplicação da Lei Veil, em França, teve esse resultado.
Srs. Deputados, a verdade é que os senhores não conseguem perceber que uma mulher, perante uma situação dessas, se se puder encaminhar para um hospital não se vai encaminhar para uma «curiosa».
Considerar isso, é passar novamente o tal atestado de menoridade às mulheres, é dizer que elas, mesmo perante o aborto legal, preferem encaminhar-se para uma «curiosa» do que encaminhar-se para um serviço de saúde, podendo com isso, inclusive, morrer.
É óbvio e evidente que não é assim? porque se fosse, Srs. Deputados, todos os outros países da Europa que legalizaram o aborto - mesmo ficando os senhores com a Bélgica e a Irlanda do Norte- já o teriam proibido, porque os políticos desses países não são criminosos nem assassinos, não são retrógrados e recuados. Bem pelo contrário, se o legalizaram e mantêm as leis - e até a legalização tem sido no sentido de dar mais direitos e garantias à mulher, como agora sucedeu na França e na Grécia -, isso é exactamente porque a prática demonstra que é preciso caminhar para aí.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por último, Sr. Deputado José Luís Nunes, ainda bem que V. Ex.ª não disse exactamente aquilo que eu citei e que vinha nos jornais! ...
A questão fundamental é esta: é que com o texto subscrito pelo Partido Socialista a larga maioria dos abortos clandestinos que hoje se fazem continuarão a ser clandestinos porque, na verdade, a grande maioria resulta de razões de ordem económica e social. São mulheres que vivem em barracas, são mulheres que estão no desemprego, são mulheres sós, são jovens - prostituição aumenta assustadoramente em todo o País e isso é visível pelas estradas nacionais e não só nos meios urbanos. São essas situações dramáticas que nós temos de resolver e esses casos estão excluídos do projecto de lei do PS.

A solução será proibir e reprimir? Quanto a nós,...

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - A Sr.ª Deputada recorda-se que no último debate que aqui fizémos sobre esta questão nós pusemos variadíssimas reservas, nomeadamente nesses pontos, e V. Ex.ª manifestou abertura para que as mesmas fossem consideradas em sede de Comissão se o projecto de lei passasse.

A Oradora: - Sim, Sr. Deputado, mas nós vamos ter oportunidade de aqui, numa breve intervenção, relembrar, citando a principal intervenção que fizeram através de um deputado que hoje é ministro, o então Sr. Deputado Almeida Santos, que uma das condições que o PS considerava mais importante na legalização do aborto eram as razões de ordem económica e social.
E nós vamos ter a oportunidade de citar exactamente as palavras, aliás muito bonitas, na altura ditas pelo então deputado e actual Ministro Almeida Santos.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Moreira, poderá informar a Mesa das razões por que pediu a palavra?

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - É para pedir esclarecimentos. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, V. Ex.ª deveria ter-se inscrito durante ou no fim da intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - E inscrevi, Sr. Presidente. Mas se não quiser que o incomode...

O Sr. Presidente: - Sr, Deputado, como não existe referência a que V. Ex.ª se tenha inscrito na altura própria, agora só lhe posso conceder a palavra para um protesto.
Se assim o entender, inscrevê-lo-ei para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Eu não posso rejeitar a cortesia do Sr. Presidente... e transformo o pedido de esclarecimento num protesto.

O Sr. Presidente: - Não é por cortesia, Sr. Deputado. O Regimento é que manda assim.
Para um protesto, tem agora a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de iniciar o meu breve protesto queria dizer que perante um debate desta matéria, matéria tão importante seja qual for o ponto de vista que cada um de nós perfilhe, deveremos actuar com total serenidade, com profundidade, mas dentro de normas que dignifiquem este Parlamento.
E aproveito para fazer um apelo a todos os companheiros deste Parlamento no sentido de que demos a este debate a importância que ele impõe, seja qual foi efectivamente a nossa maneira de sentir e pensar o problema, sem aproveitamentos de qualquer natureza.
Aliás, 6 neste sentido que vai o meu protesto.
Protesto em relação a afirmações feitas pela Sr.ª Deputada Zita Seabra, que começaram pela referência que fez ao programa do PSD. Devo dizer-lhe Sr.ª Deputada, que ao PSD, e só a ele, incumbe interpretar o seu próprio programa. Mas se V. Ex.ª o leu devidamente há-de ter verificado que lá não se fala, em local algum e ao contrário do que V. Ex.ª disse, em despenalização do aborto. Fala-se, sim, em revisão das leis de incriminação desse e de outros crimes, revisão essa, aliás, que já foi feita, porque se compararmos o actual Código Penal com o anterior verificamos profundas diferenças nessa como noutras matérias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é boa! As mulheres é que não dão conta!...

O Orador: - Também nós não fazemos interpretações das linhas programáticas de qualquer outro partido, pois consideramos que o problema é de cada um.
Quanto à referenda que pretendeu fazer pelo facto de o actual vice-presidente do meu partido, o professor Mota Pinto, ter sido subscritor de uma proposta de lei apresentada pelo IV Governo de iniciativa presidencial, devo lembrar-lhe, bem como a toda a Câmara, que o Sr. Prof. Mota Pinto nesse momento não era militante do meu partido.

Vozes do PCP e do CDS: - Ah!!...

O Orador: - E, como todos sabem, quando se resolve aderir a um partido aceita-se a filosofia e a doutrina desse próprio partido, daí que se compreenda ... Aliás, nem a Sr.ª Deputada nem ninguém, com certeza, sabe qual foi a sua posição aquando da apreciação dessa proposta de lei na sede própria em que foi debatida.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas estava assinada por ele e quem assina toma a responsabilidade.

O Orador: - Estava assinada porque tinha de estar e ele era o Primeiro-Ministro.

Risos do CDS.

Para terminar, direi à Sr.ª Deputada e à Câmara que não há o «PSD de então» e o «PSD de agora». É o «PSD de sempre», que nesta matéria ainda não encontrou razões para modificar a sua posição. E quem conhecer os nossos documentos públicos sabe que desde 1976 há posições tomadas neste mesmo sentido da não legalização do aborto.
Defendemos esta posição, dizemo-lo claramente e participaremos no debate perfeitamente conscientes de que ainda não existem motivos para alterarmos a nossa posição.
O meu protesto era este, com o apelo de que debatamos o assunto em si mesmo e não ladeemos as questões fugindo do problema central.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Prescindo, Sr. Presidente...

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Ferraz de Abreu?

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - É para pedir esclarecimentos à Sr." Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - A Sr.ª Deputada Zita Seabra defendeu, com inteligência e vibração, os pontos de vista do seu partido e talvez, por excesso de vibração, tenha feito algumas considerações sobre o projecto de lei do PS, que não traduzem uma ideia correcta do que propomos.
Em relação ao aborto por causas económicas, temos pontos de vista completamento diferentes. Nós somos contra o aborto e queremos, de facto, eliminá-lo, mas pensamos que a melhor maneira de extinguir o aborto

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derivado de causas económicas, sociais, etc., é levando uma educação sexual e um planeamento familiar ao conhecimento de todos os portugueses, porque, na realidade, o despenalizar o aborto ou não ter a penalização nestes casos terá - penso - os mesmos resultados. A verdade é que aquilo que actualmente reina no nosso país é uma autêntica despenalização, na medida em que o Código Penal não é aplicado e os abortos continuam a repetir-se e a multiplicar-se com as taxas e as cifras que a Sr.ª Deputada indicou.
Também falou sobre o problema dos atestados médicos dizendo que, segundo o nosso projecto, se traduziria em «passar» um atestado de menoridade às mulheres.
Gostava que a Sr.ª Deputada ficasse com a ideia de que nós pretendemos, realmente, dignificar e elevar a mulher; reconhecemos que a mulher tem os mesmos direitos que o homem.
Não está implícito no nosso projecto, nem na nossa ideia, que os atestados deverão ser caros e que, portanto, só as mulheres ricas é que poderão ter acesso a eles. Naturalmente que também consta do nosso projecto a ideia de que as mulheres terão acesso aos serviços dos hospitais, possam ter consultas nos seus médicos de família, etc., e essas consultas, embora não sendo totalmente gratuitas, são efectuadas mediante uma pequena taxa moderadora.
Creio também que em relação aos atestados sobre o estado psíquico tenha a Sr.ª Deputada alguma razão para pensar que há médicos venais: há-os! Estamos totalmente de acordo consigo. Mas o que não se pode é admitir ou pensar que toda a classe médica é susceptível de ser venal. A maioria dos médicos é séria e naturalmente não terá pejo em «passar» atestados nos quais apenas se lhes pede o reconhecimento de situações de doença extremamente grave e que põem em risco a vida da mulher se ela levar a sua gravidez avante. Certamente que um médico sério não passará o atestado apenas porque a mulher diz ter problemas psíquicos vagos ...
Julgo que com isto terei alertado a Sr.ª Deputada para uma leitura mais serena do nosso projecto, o qual, acreditamos, virá contribuir bastante para solucionar o problema do aborto clandestino no nosso país.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Abecasis pede a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Zita Seabra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado. A Sr. Deputada Zita Seabra pede a palavra?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sim, Sr. Presidente. Gostava de responder a estes 2 pedidos de esclarecimento acabados de produzir.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada. O Sr. Deputado Nuno Abecasis pedirá esclarecimentos logo a seguir.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Marques Mendes, creio que estamos todos de acordo em como não deve haver aproveitamento político desta questão, e não temos sido nós quem tem ameaçado sair da coligação, vir dos Estados Unidos para sair da coligação, fazer cair a coligação! Aí é que está o aproveitamento político da questão, Sr. Deputado!

O Sr. António Lacerda (PSD): - A senhora é que nunca viria dos Estados Unidos! Viria da União Soviética!

A Oradora: - Se o fazem lá fora e aqui dentro não o fazem, isso já é da estratégia do PSD e eu não a julgo. Deixe-me é ajuizar das tomadas de posição políticas que têm sido produzidas pelos vários membros do PSD candidatos às mais variadas coisas.
O Sr. Deputado disse que em relação a este problema havia uma profunda diferença entre o anterior Código Penal e o Código Penal depois de revisto. Penso que a mais profunda, do ponto de vista das mulheres, é que a pena baixou de 8 para 3 anos! E dizem os Srs: Deputados que as mulheres portuguesas ficaram profundamente agradecidas: em vez de terem uma ameaça de 8 anos de cadeia passaram a ter uma ameaça de apenas 3 anos! Só que a questão não é essa, porque os 8 anos não são cumpridos, tal como os actuais 3 anos não o são igualmente!
Ainda há dias estive a debater com uma professora de direito penal na Faculdade de Direito de Lisboa, Teresa Beleza, que me dizia isto que me tocou profundamente: «a verdadeira penalização que este Código estabelece não é os 3 anos de cadeia, é a saúde da mulher, é a vida da mulher, é o facto de ela entrar nos hospitais a morrer».
É nas mãos das parteiras que é cumprido este Código Penal, e não nas mãos da justiça, Srs. Deputados.

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado Lopes Cardoso (UEDS).

Depois referiu a questão do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e presidente do PSD levantou uma intrigante questão, uma intrigante dúvida: afinal, ele, no fundo da alma, é a favor da despenalização do aborto. Então por que é que anda a fazer tantas fitas?!

Risos do PCP e da UEDS.

Essa é a minha grande questão. Se se diz que ele aderiu ao PSD mais tarde e que agora deve acatar a disciplina partidária está a lançar-se esta dúvida muito importante: para o Sr. Vice-Primeiro-Ministro trata-se de uma questão meramente de chantagem política sobre a coligação e não das questões de fundo que estão em discussão. O condicionamento da consciência do Vice-Primeiro-Ministro é, portanto, a dúvida que ressalta da intervenção do Sr. Deputado.

.Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença. Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - A Sr.ª Deputada interpretou exactamente ao contrário o que acabei de dizer; interpretou, aliás, no sentido que lhe convém para lançar a confusão.

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A Oradora: - Então qual é a outra interpretação? É a de que ele aderiu de alma às posições que o Sr. Deputado diz serem as posições do PSD?
Afinal, o professor Mota Pinto foi, em termos de Assembleia da República, um dos pioneiros da despenalização do aborto ao apresentar aqui as alterações correspondentes ao Código Penal! Esse mérito não lhe tiramos e a história também não o pode fazer!

Aplausos do PCP.

Quanto ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu, devo dizer que estamos inteiramente consigo de que só há uma maneira de combater eficazmente o aborto clandestino: através do planeamento familiar e da educação sexual. Essa é. na verdade, a única forma séria e eficaz de acabar com o aborto clandestino. Penso que, estando hoje o PS com responsabilidades governativas e tendo nós a questão aqui na Assembleia, devemos fazer todos os esforços para que rapidamente saia uma lei, porque essa é, realmente, a única maneira séria e eficaz de resolver "b problema.
Em relação aos atestados, devo dizer que não ataquei a classe médica nem a deontologia posta pelos médicos ao passarem um atestado. A questão também não é a dos atestados serem ou não serem caros. O problema é o seguinte: se uma mulher vai a um serviço público e, em sua consciência, diz que está lúcida, que não tem qualquer problema de saúde, física ou psíquica, mas que já tem 5 filhos com fome, razão por que a gravidez não pode ir para a frente, não estaremos perante um gravíssimo problema de consciência e deontológico para o médico? Ê' que ele terá de passar o atestado com base em perturbações psíquicas porque só essas são previstas no projecto do PS.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Dá-me licença. Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Nós não pretendemos de maneira nenhuma que isso se passe e esperemos que o médico seja honesto e sério e não minta nesse atestado. Não há razões deontológicas para que ele minta num atestado. Nesse caso, portanto, não será legítimo a mulher recorrer ao aborto.
Este é o nosso ponto de vista, e se não fosse esta a nossa posição então admitiríamos o aborto por razões económicas, culturais, etc.

Aplausos de alguns deputados do PS.

A Oradora: - Mas, Sr. Deputado) o que se passa é que essa mulher, que não 'aceita uma lei que lhe imponha a gravidez - porque a maternidade não é isso, não só para nós, mas também para a larga maioria das mulheres -, e como já tem filhos com fome, faz o que sempre fez na vida: vai à parteira e se corre mal lá está o médico a atendê-la no serviço de saúde pública, muitas vezes já ela está em perigo de vida. Esta é a realidade!
Mas como é verdade aquilo que diz sobre p significado do projecto do PS -é um passo em frente -, nós anunciámos que o iríamos votar favoravelmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, penso que as pessoas devem estar perplexas ao verem esta Assembleia cheia de tantos inimigos do aborto.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Quais pessoas?

O Orador: - Gostava de aqui afirmar que o aborto é um mal em si, seja lícito ou clandestino; o aborto é um atentado à saúde da mulher, sendo-o quanto maior a frequência com que for praticado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que grande novidade!

Veio ele da Câmara para dizer isto!

Risos.

O Orador: - Depois de se ter dito aqui com tanta vivacidade, com tanta crueza e tanta verdade o que é esse fenómeno atroz para tantas famílias e tantas mulheres - o aborto -, fico a perguntar-me como é que se tem coragem de vir pedir a esta Assembleia da República a legalização de tal mal social e de tal mal para a Humanidade.
Não é verdade, Srs. Deputados, estar-se a dizer que este debate é em favor da mulher. A despenalização do aborto, só por si, não viria a evitar a sequência de abortos que a tal mãe com 5 filhos com fome se poderia ver forçada a fazer ao longo dos anos.
E o que é curioso. Sr.ª Deputada Zita Seabra, é que se tenha ouvido falar muito na despenalização do aborto e se tenha ouvido falar muito pouco, mesmo no decurso deste debate, na defesa da maternidade, no planeamento familiar, no facilitar da adopção de crianças, no eliminar das condições económicas que geram esse mal social. Penso que seríamos bem mais construtivos, que defenderíamos bem melhor a dignidade da mulher e a sua capacidade de decisão se antes da votação por esta Assembleia da despenalização do aborto ela tivesse votado e experimentado leis de protecção da família, leis de planeamento familiar, leis que facilitassem e não fizessem prolongar por 3 anos a adopção de crianças que tantas famílias querem adoptar!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - São retrógrados!

O Orador: - Este é que é o real problema, Srs. Deputados.

Sr.ª Deputada Zita Seabra, o aborto não é um problema religioso, é um problema de dignidade humana.
E a dignidade humana começa e pressupõe, antes do mais, o direito à vida.
A Sr.ª Deputada disse que depois do debate aqui efectuado há 2 anos não foi reduzido o número de abortos e acrescentou que não foram tomadas medidas. Nesse aspecto estou plenamente de acordo consigo e envergonho-me que neste país não tivesse havido a coragem de enfrentar os problemas e de tomar as medidas que deveriam ser tomadas. Mas isso não é desculpa porque também posso perguntar e se

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tivesse sido adoptado essa lei teria diminuído o número de abortos, legais ou clandestinos, em Portugal? Penso que não!
Para finalizar, queria dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que nem o CDS nem eu nunca chamámos assassinas e criminosas às mulheres que se vêem muitas vezes forçadas a praticar o aborto nas condições imorais e indignas em que ainda muita gente é forçada a viver neste país. Mas o que digo, sim - e diz o meu partido -, é que criminoso e assassino é um Estado que não põe termo a essas condições. E mais criminoso e mais assassino será ele se desta Assembleia, em vez de saírem as leis de fundo que podem vir a resolver este flagelo sem problemas para a consciência nacional e das pessoas, vier a sair a lei fácil da legalização do aborto, que deixará tudo na mesma.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Fraquito!

O Sr, Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, este foi o último pedido de esclarecimento, mas ainda há alguns Srs. Deputados inscritos para protestos.
Deseja responder já ou apenas no fim?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Gostaria de responder já. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então faça favor.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Tenho ideia de que para fazer esta intervenção não valia a pena ter vindo da Câmara Municipal de Lisboa, Sr. Deputado, ...

Risos do PCP.

... tanto mais que é presidente de uma Câmara onde há problemas tão graves!
Mas, Sr. Deputado, há aqui 2 ou 3 questões que penso serem importantes para acabarmos com uma certa hipocrisia. E uma dessas questões é esta: só se lembram do planeamento familiar e da protecção à maternidade quando estamos a discutir a questão da legalização da interrupção voluntária da gravidez ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ... porque, de resto, enquanto estão no Governo, quando têm a responsabilidade das misericórdias, quando têm os meios para o poder fazer, não o fazem; antes pelo contrário fizeram recuar o planeamento familiar.
O Sr. Deputado deve saber que a cidade de Lisboa é a zona do País que está pior coberta pelo planeamento familiar exactamente porque os centros de planeamento familiar desta cidade dependem da Misericórdia de Lisboa, à frente da qual esteve um membro do seu partido durante vários anos, que acabou com as consultas de planeamento familiar ou que as reduziu a praticamente nada.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Tomem!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - A Sr.ª Deputada sabe que isso não é verdade!

Risos do PCP.

A Sr.ª Deputada sabe - como sabe o povo de Lisboa - que nesta cidade a responsabilidade do planeamento familiar não depende só da Misericórdia. O Movimento de Defesa da Vida, a própria CNAF e tantos outros movimentos ligados à Igreja assumiram também a responsabilidade de planeamento familiar e da educação sexual! A Sr.ª Deputada sabe isto e usa argumentos fáceis, como seja o de que para dizer isto eu não precisava de vir da Câmara de Lisboa para aqui Sr.ª Deputada, não lhe admito que se considere representante da consciência nacional! A Sr.ª Deputada não pode esquecer que entraram ontem nesta Assembleia mais de meio milhão de assinaturas ...

Vozes do PCP: - Só?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - ... e que já hoje deram aqui entrada mais de 12000 cartas escritas e assinadas por pessoas!

Vozes do PCP: - Só?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - O PCP não é a consciência nacional, como a Sr.ª Deputada também não é!

Aplausos do CDS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O CDS ainda e menos!

A Oradora: - Sr. Deputado, pelo menos temos mais alguns deputados que o CDS!
Pegando agora nas questões concretas, direi que se a Confederação Nacional de Família, se o Movimento Pró-Vida, se todos esses movimentos privados afectos ao CDS fazem planeamento familiar lá em casa não temos nada com isso, porque não é um planeamento familiar para o povo!
Nos serviços públicos, naqueles serviços a que a maioria dos portugueses tem acesso, ou deviam ter, os senhores acabaram com as consultas de planeamento familiar, ...

Vozes do PCP: - Aí é que está!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - É mentira!

A Oradora: - ... nomeadamente na cidade de Lisboa, onde praticamente não existem consultas de planeamento familiar, ...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Ê mentira! Vozes do PCP: - É uma vergonha!

A Oradora: - ... onde os serviços da Misericórdia acabaram com o planeamento familiar e nalguns casos proibiram, inclusive, a liberdade de escolha dos métodos de planeamento familiar.

A Oradora: - Com certeza.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - É mentira!

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A Oradora: - Mais, Sr. Deputado: o CDS, que agora, pela boca do Sr. Deputado, veio aqui falar em planeamento familiar, na anterior legislatura votou contra os projectos de lei do PSD e do PCP sobre este mesmo assunto e defendeu aqui as teorias do ex-deputado João Morgado, que ficou célebre em todo o País!
De qualquer modo, já evoluíram qualquer coisa, Sr. Deputado!

Aplausos do PCP.

Pelo menos já aprenderam qualquer coisa e tenho ideia de que na próxima isto já irá melhor para o CDS!

Vozes do CDS: - Para a próxima! Para a próxima!

A Oradora: - O Sr. Deputado disse também que não chamam assassinas e criminosas às mulheres que fazem abortos, mas há bocado invocou a Confederação Nacional de Famílias que, na verdade, as chama. Os papéis da Confederação Nacional de Famílias dizem, por exemplo: «A mãe prepara o assassinato do Zezinho!» Ora, uma mãe que prepara o assassinato do Zezinho é uma assassina! É isso que está escrito nos panfletos divulgados pelo Sr. Deputado e pela Confederação de Famílias!
Mais: se não é crime fazer um aborto, para que é que querem a lei? Se não a querem cumprir, para que é que a querem? Afinal é só fachada, é só hipocrisia, para manter o negócio clandestino!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado disse que não chamam de assassinas ou criminosas às mulheres que fazem abortos, que os Estados é que o são. Realmente, estamos num mundo de Estados assassinos e criminosos!... A Europa está polvilhada de Estados assassinos e criminosos!... Mas como é que os senhores podem defender a entrada na CEE se ela é constituída por Estados assassinos e criminosos?! Que incoerência, Sr. Deputado!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha, para protestar em relação à intervenção do Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ouvimos a intervenção de um antigo Ministro dos Assuntos Sociais, onde ele nos disse que tinha palmilhado o País e que tinha visto situações horríveis. Acredito, porque é verdade que se vêem situações horríveis! Simplesmente, como Ministro, o Sr. Deputado e o viu as que quis, ou esqueceu-se dos óculos!...
Falo na minha qualidade de médico de crianças e de reanimador de recém-nascidos desde há 15 anos. Foi esta a minha função específica no hospital onde trabalhei no estrangeiro e é a minha função no hospital onde actualmente trabalho.
A minha função é ensinar às crianças a respirar, e ensinar-lhes a sorrir, é garantir-lhes uma qualidade de vida que permita que os pais vivam com prazer a sua vida com elas.
O prazer que tenho com isto ninguém mo tira e é por isso mesmo que digo que, muitas vezes, viver uma vida como muitas crianças vivem talvez ponha questões de consciência a muita gente, se se pensar bem naquilo que se fez nesse período fundamental da vida da criança, que é o nascimento.
O Sr. Deputado não viu, porque não estava lá, nos dias em que como chefe da equipa de urgência do Hospital de Santo António começo a receber, às 2 horas da madrugada, as mulheres que vão acabar o aborto que começaram em casa!
O Sr. Deputado não teve que assinar as tabelas, como eu tenho que fazer, das mulheres que morreram durante o seu internamento porque chegaram ao hospital demasiado tarde e infectadas!
O Sr. Deputado não teve que ouvir os pais das crianças que nascem em sofrimento grave e que nos dizem: Sr. Doutor, por favor, deixe morrer o meu filho! Nós é que ouvimos isso, Sr. Deputado! Nós é que passamos por essa situação dramática, nós é que temos que tomar a decisão de carregar no botão de uma máquina que pára de ventilar um cidadão que ainda está vivo!
O Sr. Deputado não ouviu os pais dessas crianças pedirem-nos: Sr. Doutor, por favor, faça uma autópsia para ver se da próxima gravidez podemos ter um filho normal! O senhor não ouviu isso, nós ouvimo-lo. E dizer que se é pela vida quando se sabe que dentro de uma mulher está a crescer um filho mal formado, obrigá-la a suportar 9 meses de gravidez que vai terminar na morte de um feto mal formado, é, pelo menos crueldade Sr. Deputado!

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Há muito tempo que não tínhamos uma manifestação da maioria de esquerda!

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para responder. Sr. Deputado?

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sim, Sr. Presidente. Eu gostaria de, responder ao Sr. Deputado Octávio Cunha, mas recordo que tinha também pedido a palavra para um protesto relativamente à intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado protestar agora em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra altera a ordem das inscrições. Portanto, peço-lhe que agora responda apenas ao Sr. Deputado Octávio Cunha e oportunamente poderá produzir o protesto que pretende.
Tem a palavra, Sr.ª Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Luis Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, ouvi-o com uma enorme tristeza, repito, com uma enorme tristeza.
Devo dizer-lhe que, enquanto Ministro dos Assuntos Sociais, nunca me ouviu fazer um queixume em relação à classe médica, um único que fosse, mas rinha milhões para fazer, se quisesse!

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E se quiser acusar aqui alguns membros da classe médica posso fazê-lo, mas não o faço ...

Uma voz do PS: - Faça!

O Orador: - ... porque os serviços de saúde, apesar de tudo, precisam de todos os médicos dignos e conscientes dos seus deveres que existem neste país.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Memórias e tragédias de um ministro demitido!...

O Orador: - Aquilo que o Sr. Deputado defende não sei se. realmente, é deste mundo. A sua linguagem lembra-me coisas esquisitas, de outras eras que não desta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por onde é que terá andado?!

O Orador: - Não sei se o Sr. Deputado defende o purismo da raça, não sei se está contra todos os seres que não nascem perfeitos, se não quer que os portugueses sejam louros e bem formados ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Olha quem fala!

O Orador: - Parece-me esquisita a sua linguagem, e peço desculpa mas não consigo manter um diálogo com o Sr. Deputado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito. Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Para exercer o direito de defesa porque me sinto atingido na minha pessoa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado considera-se ofendido?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Profundamente ofendido. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Luís Barbosa, não defendi aqui nenhuma teoria. Referi a realidade, aquilo que me dizem os pais das crianças e sobre esse aspecto talvez o Sr. Deputado sé devesse ter informado melhor quando tinha a responsabilidade do Ministério dos Assuntos Sociais.
De facto, se alguém tem lutado - e o actual Ministro da Saúde ainda há pouco tempo nos escreveu a mim próprio e ao grupo em que trabalho uma carta de louvor -, se alguém tem trabalhado em prol da defesa da criança, seja ela mal formada ou bem formada, feia, bonita, preta ou amarela somos nós e não o senhor enquanto Ministro.
Estou ao lado de todas as crianças que nascem, mal ou bem, estou até mais ao lado das crianças que nascem mal, porque essas precisam mais de mim.
A sua intervenção é falaciosa, o senhor é hipócrita!

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Peço a palavra para utilizar o direito de defesa. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode usar da palavra para responder ao Sr. Deputado Octávio Cunha mas não para usar o direito de defesa. Se deseja responder, faça favor.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - O Sr. Deputado mudou de linguagem, agora usou outra completamente diferente da que tinha usado na sua primeira intervenção e desta vez gostei de o ouvir.

Risos do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Queira especificar o tipo de hipocrisia!?

O Orador: - Os senhores riem-se, mas é por causa destes risos que esta instituição se vai tornando cada vez menos credível aos olhos dos portugueses, e é pena!

Vozes de protesto do PCP.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Luís Barbosa para não fazer afirmações dessa natureza porque elas não correspondem à verdade.

Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.

Protestos do CDS.

Vozes inaudíveis do Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Presidente: - Não consigo ouvir o que o Sr. Deputado Luís Beiroco está a dizer mas não posso admitir que nesta Casa se presuma que esta Instituição não é conceituada como devia ser! Nem sequer posso admitir que isso se presuma e creio que o Sr. Deputado Luís Barbosa não teve intenção de o fazer!
Sr. Deputado Luis Barbosa, desculpe a interrupção e faça favor de continuar.

O Orador: - Sr. Deputado, pelas primeiras palavras que disse na sua segunda intervenção, perdoo-lhe o ter-me chamado hipócrita. Aliás, isso não me faz grande diferença.
Mas aquilo que lhe quero dizer é que não vi tão pouco como pensa vi muito mais.
Vi, por exemplo, uma obra onde me indicaram uma criança, filha do avô e outra filha de um tio. Segundo o projecto que o PS apresenta, essas crianças hoje estavam abertas não existiam, se a mãe assim o entendesse. Mas eu vi-as e eram crianças normais alegres, vivas. Estavam lá e ao vê-las comovi-me porque, há de facto, um drama por detrás disto sem sombra de dúvidas.
Visitei uma instituição no Norte, de que não vou, citar o nome para não fazer propaganda, onde os defi-

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cientes, alguns deles com deficiências extremas, se ajudam uns aos outros, sem necessidade de mais ninguém, e o director dessa instituição, homem inteligente e firme, diz que cada ser humano tem sempre utilidade, por muito deficiente que ele seja.
É nesse auxílio que nós apostamos, não nas pieguices ou na condução das pessoas para o caminho da irresponsabilidade, aceitando que o prazer é válido mas não se assumindo depois responsabilidades. O nosso objectivo é tomar a sociedade mais responsável - aqui e na Europa - porque o problema não é como a Sr.ª Deputada o quer pôr: de um lado estão os que defendem o progresso e o modernismo e do outro lado estão os retrógrados, que até têm entre si membros de um governo do passado!
O problema não é este mas outro, é um problema de consciência, é um problema imperativo de nós próprios perante a concepção que temos da vida. E mais: é saber o que é efectivamente um aborto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já sabemos!

O Orador: - Convido os Srs. Deputados a verem um filme que por aí tem passado em que se vê com realismo o que é o aborto, o que é o sofrimento do feto - porque não é só o sofrimento da mãe, é também o sofrimento do feto! - para que se tenha a noção daquilo que se rejeita ou se aprova.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Quero perguntar a V. Ex.ª com base em que disposição regimental ou legal é que o Sr. Presidente se permite agora valorar afirmações de deputados? Isto é, se o Sr. Presidente não considera que está constitucionalmente garantido aos deputados a total independência sobre os juízos que façam no exercício das suas funções, como aconteceu com os juízos emitidos pelo meu colega Luís Barbosa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Custa-me a acreditar que o Sr. Deputado Luís Barbosa quisesse, com a sua intervenção, desprestigiar esta Câmara, e não a fez com certeza com essa intenção, contudo, as palavras que proferiu poderiam dar lugar a essa interpretação. Daí que tenha pedido ao Sr. Deputado Luis Barbosa para não continuar a sua intervenção naqueles termos e sempre que algum deputado aqui quiser desprestigiar esta Câmara ou fizer afirmações no sentido de que esta Assembleia não está prestigiada no País ou interrompê-lo-ei.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço desculpa de ter impedido a continuação do debate. Simplesmente está-se a aproximar a hora do intervalo e aquilo que tenho a comunicar parece-nos grave, pelo que não gostaria de o fazer depois do intervalo.
Procurei, dentro do possível, não interromper o debate, mas não podemos esperar mais.
O nosso colega Dr. António Galhordas entrou nesta Assembleia da República pelas 15 horas e 30 minutos com 2 papéis que lhe foram entregues na rua e o que acontece é que esses 2 comunicados lhe foram apreendidos pela polícia à porta do Palácio de S. Bento.
Ora, eu desejava perguntar ao Sr. Presidente se V. Ex.ª deu ordens nesse sentido e, a ser assim, que fizesse o favor de explicar à Câmara as razões de tal procedimento.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, os serviços de segurança têm instruções para não deixar entrar papéis na Assembleia da República. Aliás, a Sr.ª Deputada sabe muito bem o que à vezes aqui tem acontecido por abusos dessa natureza. É claro que se vinha um Sr. Deputado com 2 papéis, não penso que os serviços de segurança devessem intervir. Julgo que deve ter havido com certeza alguma má interpretação, que não creio que possa agora levantar problemas dessa natureza, mas a Sr.ª Deputada o dirá.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, antes de mais quero explicar que o Sr. Dr. António Galhordas veio a esta Assembleia na condição de visitante, visto que não é deputado.

Vozes do PSD: - Ah! ...

O Sr. Presidente: - Então isso muda um pouco o problema, Sr.ª Deputada.
É que é evidente que temos que manter a serenidade nesta Assembleia da República, que as pessoas que foram convidadas para assistirem a estes debates não podem manifestar-se, e tem a plena consciência desse facto, e que não poderemos consentir que se repitam alguns factos que são reprováveis, tal como a distribuição de papéis ou outros objectos provenientes das galerias.
A Sr.ª Deputada está com certeza de acordo comigo em que se devem evitar esses procedimentos. Daí o terem sido dadas instruções no sentido de que não seria permitida a entrada de pessoas portadoras de papéis que eventualmente desejariam espalhar pela Assembleia, manifestando vima falta de respeito por este órgão de soberania. E foi com certeza nessa qualidade que se verificou à ocorrência que á Sr.ª Deputada referiu.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas permitir-me-ia pedir ainda mais alguns esclarecimentos. É que o Sr. Dr. António Galhordas dirigiu-se, pela porta principal, na direcção do gabinete do Grupo Parlamentar, do MDP/CDE. É o vice-presidente do nosso partido e tem direito de entrar na Assembleia da República nessa qualidade. Dirigiu-se à porta do Palácio, foi identificado, foi revistado e depois foram-lhe apreendidos 2 papéis que lhe tinham sido entregues fora da área da Assembleia da República.
Ora nós consideramos isto uma prepotência e uma má interpretação das ordens que V. Ex.ª deu.

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O Sr. Presidente: - Foi possivelmente um excesso de zelo, Sr.ª Deputada.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu pedi a palavra, mas diria que V. Ex.ª acabou de me tirar as palavras da boca. Penso, de facto, que o mínimo que se pode considerar em relação àquilo que se passou é que se tratou efectivamente de um excesso de zelo. Não há qualquer paralelo entre entrar aqui um cidadão com uma resma de papéis, que eventualmente pode utilizar para distribuir de forma indevida nesta Assembleia, ou qualquer cidadão, seja ele vice-presidente de um partido ou de um cidadão anónimo, com 2 papéis na mão que lhe foram distribuídos à entrada.
O excesso de zelo nas medidas de segurança é por vezes extraordinariamente perigoso e pode levar-nos demasiado longe. Penso, no entanto, que esta questão terá talvez melhor cabimento numa reunião de representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares para, de uma vez por todas, se definirem regras que ponham cobro àquilo que, no mínimo, é um excesso de zelo, no meu entender inadmissível.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou a hora do nosso intervalo.
Convoco uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares a realizar imediatamente.
Ficam inscritos, para formularem protestos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Luís Barbosa, Adriano Moreira, Azevedo Soares, Nogueira de Brito e Nuno Abecasis.

Está suspensa a sessão por 30 minutos.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor. Sr. Deputado!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, na parte da manhã tentei colocar na tribuna destinada à imprensa internacional uma pessoa das minhas relações pessoais. No entanto, o funcionário disse-me que ela não poderia ser ali instalada em consequência dos critérios determinados por V. Ex.ª.
Perante este caso concreto não me pareceu que se tratasse de um excesso de zelo do funcionário e menos ainda das instruções de V. Ex.ª Sei que nestas circunstâncias qualquer instrução é difícil e discutível, mas inclinei-me mais para a aceitabilidade e pus de lado a discutibilidade.
Porém, relativamente ao incidente ocorrido com o Sr. Dr. António Galhordas, V. Ex.ª qualificou-o de excesso de zelo. Aqui surgiu a dúvida. sobre a idoneidade de alguém que estava no exercício das suas funções. Daí que eu interpele V. Ex.ª no sentido de saber se se verificou excesso de zelo com o funcionário que aplicou as suas instruções ou se o ocorrido dizia realmente respeito às instruções do Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, as tribunas destinadas aos jornalistas, quer internacionais, quer nacionais estão já definidas e é, portanto, para os jornalistas que essas tribunas estão reservadas. Se o Sr. Deputado queria trazer alguém a assistir ao debate, como certamente sabe, o seu grupo parlamentar recebeu uns cartões que poderiam ser distribuídos para o efeito e a pessoa deveria assistir à sessão no local destinado às visitas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, permita-me a interrupção, mas é que não foi sobre essa questão que o interpelei. Fi-lo no sentido de saber se quando V. Ex.ª emitiu um juízo de valor acerca do incidente ocorrido com o Sr. Dr. António Galhordas, qualificando-o de excesso de zelo, se estava a referir à actuação do agente da polícia ou às suas instruções.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, eu expliquei à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura que tinham sido dadas instruções no sentido de não deixarem entrar pessoas portadoras de papéis ou outros objectos que perturbam a ordem e o andamento dos nossos trabalhos.
Agora, é evidente que o caso de uma pessoa que traga um ou 2 papéis dentro do bolso não será de considerar. Não se tratava de instruções dadas nesse sentido, de que ninguém pudesse entrar com um papel dentro do bolso.
Por outro lado, parece-me que o que se verificou foi que realmente foram detidos à entrada muitas centenas de papéis e que, portanto, havia necessidade de tomar essas precauções, a fim de não sermos perturbados nos nossos trabalhos.
Quando qualifiquei a presente situação de excesso de zelo foi partindo da hipótese de que se tratava de 1 ou 2 papéis que o Sr. Dr. António Galhordas trazia no bolso.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para protestar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que um protesto feito 3 horas depois da intervenção sobre a qual se queria protestar não tem o mesmo vigor nem o efeito que se pretende obter nos trabalhos parlamentares. Mas, mesmo assim, gostaria de dizer 2 coisas à Sr.ª Deputada Zita Seabra: primeiro, verifico que a Sr.ª Deputada escolheu não responder às minhas perguntas, o que é nela absolutamente excepcional.
Referiu um ponto secundário ao dizer que um deputado do CDS não tinha comparecido na subcomissão e que foi por essa razão que esta não se reuniu,
quando está farta de saber que nas subcomissões, de acordo com os costumes parlamentares, não há uma apresentação formal de um deputado, que quando esta
reúne o deputado participa nos debatesse que, naturalmente, podem até mudar os deputados que a constituem, conforme os artigos ou a matéria que se está a discutir no momento.

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Por isso se o deputado do CDS não compareceu é porque sabia que a subcomissão não estava a funcionar porque o PCP estava a boicotar o seu trabalho.
Mas não é este o problema principal.
A questão fundamental é esta: toda a sua intervenção deste ano versa sobre os considerandos do articulado que depois desenvolve e não há uma única palavra para justificar este articulado. Isto, é a Sr.ª Deputada não apresentou, num preâmbulo, as considerações gerais ou as razões justificativas que justifiquem aquele articulado. É que o articulado pode não justificar e era esta a questão que lhe tinha posto tudo aquilo que disse.
Porque o problema que se põe e a diferença está entre aquilo que V. Ex.ª criticou e aquilo que o PS defende - é que a questão do aborto pode ser tratada de várias maneiras. Não há a chamada legalização do aborto. Aquilo que o PCP pretende é a não incriminação do aborto e nós não chamamos legalização a tudo o que não é incriminado. Não há crime, é um acto normal, é um acto de que ninguém st lembra, é um acta que desapareceu da tutela penal e por isso mesmo não há que falar em legalização. Ele passou a ser um acto normal como o respirar, o viver, o correr e não há discriminação entre o correr, beber, etc.
Agora, quando se fala de despenalização ou de legalizar há que fixar necessariamente as condições e a verdade é que há pelo menos 3 caminhos. Aliás, está sentado ao seu lado um eminente jurista que lhe há-de «soprar» qualquer coisa quanto a esta matéria, e digo isto porque se trata de questões técnicas.
Como dizia, há 3 caminhos, que são os seguintes: pela via da licitude, como um direito de necessidade, como faz o PS, pela suposição dos interesses em jogo; pela atenuação e isenção da culpa, isto é, uma despenalização da culpa por via judicial; e directamente retirando do Código Penal todos os artigos.
Ora, o que lhe perguntei era exactamente isto: tudo aquilo que a Sr.ª Deputada disse na sua intervenção não justifica a não incriminação do aborto e não justifica também a largueza com que o projecto do seu partido trata este problema. Por isso pergunto: porque é que o PCP nem no ano passado nem este ano justificaram o seu projecto, ficando sempre pelas considerações preambulares.
O meu protesto vai neste sentido, ou seja, trata-se mais de um pedido de esclarecimento ao abrigo desta figura regimental.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa, também para um protesto.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Como a Sr.ª Deputada sabe. a minha especialidade não é a habilidade das palavras. Portanto, apesar de há pouco ter falado de «senhoras» e de «mulheres», devo dizer-lhe que não faço nenhuma distinção, nem tenho preconceitos de classe e, realmente, devo dizer-lhe que tive na minha família mulheres muito humildes que sempre considerei senhoras!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Afinal sempre faz a distinção!

Risos do PCP.

O Orador: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu que, durante a fase em que fui Ministro dos Assuntos Sociais, tínhamos acabado com os cuidados materno-infantis -ou próximo disso, pois julgo que não usou exactamente esta designação- ao nível dos centros de saúde. Isso não corresponde à verdade, pois ao nível de cada concelho existe hoje um centro de saúde com cuidados materno-infantis e com um serviço de planeamento familiar. Ainda há bem poucos dias, num programa feminino na Televisão, se falava sobre a utilização de contraceptivos e de planeamento familiar, dando-se indicações de vários centros de saúde em certas áreas onde esses serviços de planeamento familiar estavam à disposição e, de facto, eles existem, com alguma rara excepção que possa porventura verificar-se em todo o País. Portanto, alguma coisa se fez nesse sentido. Colocaram-se médicos ao nível de todos os concelhos, e de tal forma que o actual Governo já considera que não precisa de mais médicos, pois entende que o País está totalmente coberto.

O Sr. Ferraz Abreu (PS): - Não senhor, isso não é verdade!

O Orador: - Portanto, dizer-se que não existem estruturas médicas para cobrir o problema no que respeita à clínica geral e à prestação de cuidados materno-infantis não é verdade.
Depois, a Sr.ª Deputada falou muito de negócios! E, a este propósito, talvez seja interessante referir outro aspecto de negocio que é importante ter em conta: algumas pessoas que defendem acuradamente a utilização de contraceptivos e que nós sabemos que são pagas por laboratórios fornecedores desses contraceptivos. De tudo se faz negócio, na defesa do aborto e do uso de contraceptivos ou até, se calhar, no seu ataque. O problema, porém, parece-me estar fora disso e tem que ver com outros aspectos éticos muito mais profundos.
Mas a intervenção da Sr.ª Deputada foi muito útil num aspecto: é que quando falou do projecto apresentado pelo Partido Socialista disse que haveriam razões físicas a considerar e também psíquicas, e disse que «cabe lá tudo»! Essa é uma verdade que, naturalmente, a Câmara lhe fica a dever desde já.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Creio que esta Câmara nunca discutiu um problema eticamente tão grave e que faça um tal apelo ao sentido de responsabilidade de cada deputado como aquele que está hoje em debate. E esta circunstância devia ser suficiente para que, concentrados na tremenda responsabilidade da decisão que está em causa, pudéssemos ser dispensados de ter qualquer intervenção que tivesse de longe a menor relação com qualquer um de nós.
Tenho pessoalmente a paciência suficiente para proceder assim e, naquilo que me respeita, continuarei a proceder. Mas acho que a Sr.ª Deputada excedeu hoje os limites, porque não me ofendeu a mim não pode! - mas conseguiu ofender uma grande parte deste país que ainda está vivo ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - A outra está morta?

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O Orador: - ... e se o quer reformar, em primeiro lugar tem de o amar, porque só se reforma aquilo que se ama. Quando a Sr.ª Deputada põe de lado uma parte do País que está vivo, confessa que não o ama, por isso não pode participar da reforma.

Aplausos do CDS.

Queria dizer-lhe também que eu, pessoalmente, já fui julgado por um órgão da soberania - o Conselho da Revolução. Leia o acórdão, Sr.ª Deputada, e verá que todas as acusações que lá estavam minuciosamente enumeradas num longo caderno foram consideradas improcedentes. Isso chega! Mas aquilo que não me chega -e isso tenho de repeti-lo hoje - é que estamos aqui a perder tempo com o vosso projecto e estamos apenas a proporcionar um comício. Porque o único projecto que aqui está sério, para estadistas, que tem de ser meditado e que pode ter viabilidade de passar é o do Partido Socialista. E, como o País não tem tempo a perder, é esse o projecto que temos de estudar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto é que é um estadista!

O Orador: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, isto é o mínimo que lhe posso dizer neste tempo que me é concedido. Mas permito-me fazer uma observação final. É que, quando se trata desta questão nós estamos a tratar do problema mais sensível do futuro de qualquer comunidade, e a primeira coisa que os senhores fazem, porque são um partido passadista ...

Protestos do PCP.

... porque não conseguem dizer uma palavra sem invocar o passado ...

Protestos do PCP.

Os senhores são hoje o único partido salazarista que há em Portugal! Se um dia lhes tiram o passado ficam sem projecto para falar!

Aplausos do CDS. Protestos do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Por isso é que vocês nos metiam na prisão!

Vozes do PCP: - É preciso ter lata!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia-lhes silêncio para continuarmos os nossos trabalhos.

O Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Teófilo Carvalho dos Santos (PS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Em relação à intervenção do Sr. Deputado que acabou de falar?

O Sr. Teófilo Carvalho dos Santos (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado. Dar-lhe-ei a palavra a seguir aos outros Srs. Deputados que estão já inscritos para protestar relativamente a outras intervenções anteriores.
Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, tinha há pouco registado uma certa diferença, mas V. Ex.ª não resistiu ao impulso inicial e ao seu impulso natural. Assim, mais uma vez proeurou colocar esta questão que aqui nos traz a debater num plano que não é o verdadeiro plano das questões em causa. E agora, em respostas a pedidos de esclarecimento da minha bancada, proeurou mais uma vez considerar esta questão do aborto como uma questão das mulheres.
Não nego a participação essencial e prioritária da mulher na questão da maternidade e na questão da própria gestação do ser. Mas a Sr.ª Deputada não pode, de maneira nenhuma, à luz da protecção de direitos da mulher, querer fazer esquecer ou inferiorizar outros valores e outros direitos. Não é possível procurar com paixão, com entusiasmo, defender direitos da mulher, esquecendo nisso todos os outros direitos que estão em causa, nomeadamente o direito à vida do feto. E, Sr.ª Deputada, depois da intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha agrava-se ainda mais a nossa preocupação, porque já e tal a confusão, já é tal a paixão com que se procura discutir estas matérias que já vi palmas entusiásticas do Partido Socialista e do Partido Comunista a posições que por virem de quem vive diariamente o drama - e por isso a atenuo - no fundo já não estão a discutir a questão de interromper a gravidez. As palmas veementes do PS e do PCP à intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha que, repito, desculpo por virem de quem diariamente se confronta com o drama - e só nesse plano - já não se referem a esse aspecto. VV. Ex.ªs aplaudiram freneticamente o direito, o dever, de interromper a própria vida, Srs. Deputados!

Vozes do PS: - Não foi nada disso!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recorro apenas à figura do protesto para não me acusarem de uma utilização «latifundiária» das figuras regimentais.

Risos do CDS.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não lhe ficava mal!

O Orador: - Queria dizer que não me vou novamente desviar do tema central e, abordando-o, uma coisa é certa, Sr. Presidente e Srs. Deputados: todos os deputados desta Câmara são claramente contra o aborto clandestino - dizem que são todos contra o aborto clandestino! O CDS é claramente contra o aborto clandestino ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

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O Orador: - ... por maioria de razão, porque o CDS é contra o aborto! :

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães faz algumas expressões de exclamação mas, Sr. Deputado, a maior parte das intervenções da bancada do seu partido são no sentido de confundirem as pessoas no que respeita à posição do CDS. E essa é a razão do meu contraprotesto.
O CDS contraprotesto porque na realidade não pode admitir que a sua posição seja aqui compreendida como uma posição, minimamente que seja, de apoio ao aborto clandestino. O CDS é, mais do que qualquer outro partido aqui, contra o aborto clandestino!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É como a avestruz!

O Orador: - Não é não, Sr. Deputado, esteja descansado!
Depois, há enormes confusões que se querem fazer. É uma permanente confusão que se quer lançar neste debate! Por um lado, diz-se: «para quê penalizar o aborto? Os tribunais não chegam a pronunciar-se, senão uma vez por ano!» E passado um «segundo», no período seguinte da exposição, diz-se: «coitadas das mulheres, perseguidas pelos tribunais recorrem ao aborto clandestino!» Em que é que ficamos? Talvez nos tenhamos esquecido de dizer que os dispositivos que actualmente a lei penal consagra na parte geral do Código Penal, como há pouco o meu colega Narana Coissoró salientou, são em si suficientes para tratar, justa e dignamente, os casos graves que podem na realidade conduzir ao aborto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Nós realmente não classificamos de assassinas as mães que fazem o aborto. Compreendemos as decisões dos nossos tribunais que consideram sem culpa as mulheres que fazem o aborto em certas circunstâncias. O que exigimos é que essas circunstâncias sejam apreciadas caso a caso e na base da exclusão ao culpa! É isso que nós exigimos!
Outra enorme confusão quê se faz liga-se àquilo que a Sr." Deputada chamou de hipocrisia da nossa posição. Mas que enorme hipocrisia há na vossa posição! Dia a dia, a propósito de imensos temas que aqui discutimos", W. Ex:" criticam as estruturas de saúde e de segurança social do País, dizendo que elas são incapazes para atender os doentes que temos neste país, e de repente, como por milagre, em consequência da aprovação da vossa despenalização, elas passam a ser capazes de acolher todas as mulheres que pretendam fazer abortos. 100 000 ou 200000 mulheres vão encontrar atendimento capaz, seguro, eficiente nas estruturas de saúde que, em alguns outros dias de debate, são consideradas incapazes e insuficientes.

O Sr. Presidente: - Agradecia que terminasse, Sr.. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, obedeço ao apelo de V. Ex.ª e termino, aliás ao tempo, dizendo que era este o sentido do meu contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Muito obrigado. Sr. Presidente.

A Sr.ª Deputada Zita Seabra, quando acabei o meu pedido de esclarecimento de há pouco, permitiu-se dizer que de facto não valia a pena eu ter vindo da Câmara Municipal de Lisboa para dizer o que disse.
Queria esclarecer a Sr.ª Deputada Zita Seabra que não vim da Câmara Municipal para reforçar o meu partido ou a minha bancada, pois esta já demonstrou suficientemente que não precisa de reforços. Vim aqui por um imperativo de consciência, Sr.ª Deputada. Vim aqui, porque desde 1976 sou sucessivamente eleito deputado, e por duas vezes eleito Presidente da Câmara de Lisboa, e porque entendo que uma das obrigações de consciência que o eleitorado me conferiu - e a mais importante - é defender o direito à vida.
É por isso que estou aqui como português, como homem, como pai, como cristão e como deputado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Cunha pediu a palavra para que efeito?

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, acontece que o meu camarada Octávio Cunha está a dar uma entrevista à Rádio neste instante.

O Sr. Presidente: - Eu passo adiante, Sr. Deputado. Muito obrigado!
Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei brevemente, porque o que se verifica agora é uma repetição dos argumentos, por parte do CDS, que já não consegue inventar nada de novo.
Ao Sr. Deputado Narana Coissoró não vale a pena responder, uma vez que repeliu o que já tinha dito. O máximo que lhe posso fazer é oferecer-lhe os 2 discursos de apresentação do nosso projecto de lei que fiz. O resto está dito.
O Sr. Deputado Luís Barbosa pelos vistos continua a insistir nas demarcações. Para o Sr. Deputado as mulheres dividem-se em mulheres e senhoras, sendo pois consideradas caso a caso. Algumas das mulheres da sua família é quereriam senhoras ... Acabe com isso, Sr. Deputado! Deixe-nos falar de mulheres em termos de igualdade, deixe-nos falar para todas as mulheres e não estabeleça essa demarcação, tão de classe, entre as mulheres e as senhoras. Mas, depois de ter ouvido o Sr. Deputado referir a felicidade das crianças que nascem do crime de incesto, já nada me espanta na sua boca. Quanto às consultas de planeamento familiar, quando o Sr. Deputado era Ministro dos Assuntos Sociais, só em Lisboa e em Setúbal o número dessas consultas desceu 10 %.
O Sr. Deputado Adriano Moreira veio, muito indignado, protestar. Disse, por exemplo, que era perder tempo discutir o projecto de lei do PCP. Admito perfeitamente que seja um grande sacrifício para o Sr. Deputado discutir qualquer projecto do PCP. Admito mesmo que seja para o Sr. Deputado um grande sacrifício ver-nos aqui, em frente de si.

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2910 I SÉRIE - NÚMERO 67

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Porque, Sr. Deputado, viu-nos durante anos fechados nas cadeias, enquanto era ministro do governo de Salazar. E os governos onde o Sr. Deputado rinha assento mataram alguns.

Aplausos do PCP.

Deixe-me recordar-lhe, por exemplo, de entre os muitos nomes que lhe poderia recordar, o nome do general Humberto Delgado.
Terminou chamando ao PCP o único partido realmente salazarista. Proferida pela boca de um homem que foi, neste país, durante muito tempo, o delfim de Salazar, esta afirmação é, pelo menos, uma ironia do destino. Certamente que há 20 anos atrás o Sr. Deputado nunca pensaria poder vir a produzir uma afirmação assim e nesses termos. Imagine-se o que havíamos de ouvir aqui, em 1984, a um delfim, a um ex-ministro, de Salazar - e isto não podemos esquecer, porque sofremo-lo na pele. O Sr. Deputado vem aqui dizer, mas também renegar, aquilo que fez durante toda a sua vida, mas que custou vidas.

Voz do CDS: - Não percebeu nada!

A Oradora: - Custou anos de vida a muitos dos meus camaradas, que estiveram muitos anos presos.
Por isso, quando estamos a discutir, não podemos esquecê-lo. E de si - desculpe que lhe diga - não recebemos nenhuma lição de eriça, porque para se ter ética é preciso ter uma vida coerente, e o Sr. Deputado tem a vida que merece.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado Azevedo Soares refere-se a outras ideias e direitos da mulher. É evidente que também discutimos outros direitos da mulher. Aliás, somos o único partido que tem a preocupação de apresentar, nesta Assembleia, projectos de lei que defendem os direitos da mulher: temos estes 3 hoje em debate, 2 pendentes em Comissão e outros 2, que vamos entregar ainda durante este debate para defender outros direitos da mulher. Essa é uma das nossas preocupações, não só no plano concreto, relacionado com a maternidade, que estamos a discutir agora, mas em todos os outros aspectos da vida política, da vida cívica, da vida sindical, da mulher e da criança.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, o que eu disse é que não pode tornar absoluta na sua óptica a defesa dos direitos da mulher, esquecendo e minimizando outros direitos, como seja o direito à vida do próprio feto. Há que fazer a comparação, e a Sr." Deputada esquece esses direitos. Não estou a discutir a quantidade ou a qualidade dos direitos da mulher. O que não pode é arvorar-se aqui na defesa intransigente dos direitos da mulher, esquecendo os outros. Tem de haver o justo equilíbrio em todas estas matérias, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Deputado, eu anotei esse aspecto e já o ía focar. Espere só um pouco, porque quando responder ao Sr. Deputado Nuno Abecasis responderei a essa questão.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito diz que ninguém é mais contra o aborto clandestino do que o CDS. Sr. Deputado, a realidade é outra. O CDS tem de dizer claramente o seguinte: ou quer legalizar o aborto, defender o planeamento familiar, a educação sexual e os direitos da maternidade, ou o CDS, objectivamente, está a defender o negócio do aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Porque os senhores sabem, tão bem como nós, que não é uma lei que reprima, uma lei que não é cumprida, que impede a existência de aborto clandestino em Portugal. Mais: sabem, tão bem como nós, que neste momento ele está a aumentar em razão do agravamento das condições económicas e sociais das portuguesas. De tal maneira que, quando há dias visitámos um dos serviços de saúde de Lisboa que atende as mulheres que praticam aborto clandestino nos disseram o seguinte: é nos fins de mês, a partir do dia 25, que entram mais mulheres que vêm do aborto clandestino. Isto demonstra bem a realidade existente. E não é uma que o proíba que impede que o aborto clandestino se pratique.
O Sr. Deputado disse que, então, não haveriam hospitais que chegassem, questionando-nos como é que faríamos isso nos hospitais. Sr. Deputado, preferimos construir hospitais do que construir cadeias para meter as mulheres. E se os senhores querem uma lei que reprima, ou é uma hipocrisia perfeita, porque então a lei não é para cumprir, mas para salvar um negócio clandestino, ou é uma lei para cumprir e, neste caso, digam então os senhores quantas cadeias querem construir, de quantos polícias precisam, quantos juízes querem, digam claramente se, em vez de construírem hospitais, querem construir cadeias.
Há um estudo sério realizado pelo Dr. Albino Aroso, médico do PSD, publicado na Revista da Associação de Planeamento Familiar, que mostra que hoje o Estado Português gasta mais dinheiro, nos hospitais que temos, a tratar mulheres vindas do aborto clandestino do que gastaria legalizando o aborto. E esse estudo está feito, publicado e assinado, podendo ser levado ao conhecimento dos Srs. Deputados. Porque hoje - não me venham com essa hipocrisia há hospitais, como o Hospital de Santa Bárbara, que só servem para atender os casos derivados dó aborto clandestino; há hospitais inteiros com um só banco para atender os casos de aborto clandestino. O que é que os Srs. Deputados pretendem? Colocar um polícia à porta desses bancos para punirem as mulheres que lá vão? Sentá-las no banco do réu? É aqui o Sr. Deputado entra em contradição com tudo o que diz b CDS.
Depois, diz que em certas circunstâncias será admissível. Anotei as suas palavras; «em certas circunstâncias, a justiça decidirá». Então, aí já não conta o direito à vida, o tal argumento supremo que usam? Isto é, no fundo, o que os Srs. Deputados querem é sentar as mulheres no banco dos réus, que arrisquem a vida nas parteiras e nas curiosas, que entrem nos hospitais e que, depois o juiz as amnistie e as mande para casa, porque estariam a agir em estado descul-

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pante. Então, e a tal vida de que falam já não começa na concepção? É que os senhores não têm argumentos e usam argumentos que se dirigem contra vocês próprios, como este que o Sr. Deputado acaba de usar.
Aqui, se não há hipocrisia, só existem 2 hipóteses: ou há uma lei que reprime - e é para cumprir - ou há uma lei que, afinal, os senhores não querem que se cumpra, querendo antes manter as parteiras, as clínicas - e boas clínicas existem por todo o País -, toda esta situação hipócrita, que toda a gente conhece. Todas as pessoas sabem onde se faz, como se faz. como se entra nos hospitais e, até, como se vai a Londres - tenho aqui propaganda das boas clínicas de Londres, onde vão abortar as senhoras finas deste país.

Vozes do CDS: - Elas lá sabem!

A Oradora: - Por último, vou responder aos Srs. Deputados Azevedo Soares e Nuno Abecasis. Ambos falam do direito à vida de um feto. O CDS vem aqui defender, como um bem supremo, o direito à vida de um feto, esquecendo-se completamente do direito de viver das crianças, do direito de viver feliz, do direito de ser desejada. Quanto a nós, o primeiro direito de uma criança é exactamente o direito a ser desejada pelos pais. Mas o Sr. Presidente é presidente da Câmara Municipal de Lisboa, onde há milhares de barracas, de crianças com fome e de crianças totalmente abandonadas na mitra, misturadas com adultos, o que, neste momento, é uma vergonha - basta ir à mitra para ver o que lá se passa. Aí já não conta o direito à vida?

Aplausos do PCP.

Permita-me que saliente aqui as palavras de Maria António Fiadeiro, uma das mulheres que tem intervindo nesta questão. Diz ela, com muita força, que o direito à vida é diferente do direito de viver. E, quanto a nós, uma mulher que decide, em última instância, que não pode ter um filho, porque não vê condições para o criar, para lhe dar pão e para o fazer feliz, tem, até à 12." semana de gravidez, o direito de decidir, de optar, em sua consciência. Os Srs. Deputados falam nisso, mas depois esquecem-se exactamente do direito de viver dessas crianças e da diferença entre viver feliz e ser desejada e ter uma vida como têm muitas das crianças portuguesas.
Quanto a nós, é preciso solucionar este problema nos seguintes aspectos: melhorar a maternidade e por isso apresentámos o projecto de lei de defesa da maternidade -, garantir o planeamento familiar - seriamente, e não nos termos em que os Srs. Deputados o preconizam, porque estamos a falar de coisas diferentes garantir a educação sexual como verdadeira solução para este problema e como verdadeira protecção para a criança, e por último garantir o direito à interrupção da gravidez dentro das normas e das condições estabelecidas pelo nosso projecto de lei. Só assim acabaremos com a hipocrisia presente e com esse negócio sórdido, que é o aborto clandestino em Portugal, que mata e que deixa a saúde de muitas mulheres em perigo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Adriano Moreira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - É para utilizar a figura regimental do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Nuno Abecasis pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - É para um contraprotesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode utilizar essa figura regimental, Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Nesse caso, desejo utilizar o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado sente-se ofendido?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Com certeza que me sinto, Sr. Presidente, e demonstrarei porquê.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, uso apenas a palavra «mulheres», mas consigo fazer a distinção entre as mulheres que usam as palavras que utiliza e aquelas que não as usam, consigo distinguir entre a boa educação e a irresponsabilidade. E aquilo que acaba de dizer é de uma tal irresponsabilidade que vai absolvida por falta de culpa.

Risos do PSD.

O que tenho de salientar-lhe é que, quando usei da palavra não foi por minha causa mas pela ofensa que fez a um Portugal que está vivo e que não está aqui para se defender.
A Sr.ª Deputada não tem aqui apenas antigos membros do Governo, tem quem esteve nessa guerra de África porque supunha que cumpria o seu dever, tem no exército milhares de oficiais e de soldados que supunham que cumpriam o seu dever e que a Sr.ª Deputada tem de respeitar porque não tem o direito de os ofender na ausência deles. Isto é um direito que não assiste a ninguém, e só foi em nome deles e desse Portugal que está vivo, das famílias que perderam e que choram os filhos, mas que pensaram que morreram no cumprimento de um dever que eu falei.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Que os senhores mataram!

Vozes do CDS: - Mataram?!

O Orador: - Finalmente, digo-lhe que não me incomoda que os senhores estejam aí. A minha piedade é enorme e a esperança da conversão ilimitada. Chego a felicitar-me de nunca ter havido, neste país, uma lei que me privasse talvez da oportunidade de lhes dar esta resposta.

Aplausos do CDS.

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O Sr. Presidente: - Para se defender, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não trouxe para esta Assembleia a minha qualidade de presidente da câmara que aqui foi referida. Mas uma vez que foi referida e que foram produzidas afirmações falsas tenho de dizer nesta Assembleia que não admito que a bancada do PCP, que a câmara municipal se opôs sozinha, entre todas as forças políticas representadas nesta Câmara, a que fosse para a frente um projecto como o do Alto do Lumiar, venha acusar-me de que sou o responsável pela existência de condições de vida degradadas na cidade de Lisboa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada devia saber que isso é mentira e que se alguma coisa caracterizou o meu mandato e a minha presença na câmara municipal foi a luta sem tréguas contra as condições de vida degradadas. Todo o País o sabe, os senhores não o saberão. Mas isso não tira valor nenhum a uma verdade.
Além disso, Sr.ª Deputada Zita Seabra, quero dizer-lhe que na Câmara Municipal de Lisboa esteve presente o cuidado de apoiar todas as crianças que podiam ser indesejadas. E posso dizer que hoje não há em Lisboa uma única instituição de crianças deficientes a que a Câmara não tenha prestado apoie Sr. Presidente, isto não tem a ver com esta Assembleia, mas tem que ver com a verdade. E mais uma vez quero dizer que não admito que o PCP ou a Sr.ª Deputada Zita Seabra se arme aqui na consciência nacional, caluniando todas as pessoas que não concordam com ela. É perfeitamente intolerável que homens livres e eleitos pelo povo que compõem esta Assembleia, que têm o direito de ter ideias -e ideias fulcrais, como é a ideia da vida - e que não podem ser acusados quando as defendem, sejam acusados de estar com compadrios, com negociatas, que nós próprios reprovamos.

Uma voz do PCP: - Está a perder a cabeça!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Adriano Moreira, referi-me aos políticos responsáveis pela ditadura, aos políticos responsáveis pela guerra colonial, aos ministros que estavam em governos que eram responsáveis por essa guerra colonial, e não aos militares que viraram as espingardas e acabaram com essa ditadura. A estes, Sr. Deputado, presto a minha homenagem.
O Sr. Deputado Nuno Abecasis diz que todo o país sabe. Pois sabe! Tanto que sabe que o CDS perdeu 14 deputados desde as últimas eleições: O País está cada vez a saber mais e, portanto, nas próximas eleições o CDS vai perder ainda mais deputados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado disse ainda que somos uma Assembleia de homens livres. Embora lhe custe, Sr. Deputado, deixe-me só fazer um pequeno acrescento: somos uma Assembleia de homens e mulheres livres. Embora as mulheres estejam ausentes da sua bancada, permita-me que saliente que, felizmente, não estamos numa Assembleia só de homens livres; estamos numa Assembleia de mulheres livres. Por isso mesmo, temos aqui o direito de falar, de defender os direitos da mulher e de defender esse bem mais supremo que pode fazer a felicidade e que marca a vida de uma mulher, que é o direito a ser mãe e a desejar o seu filho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo de que fórmula. Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu não tenho fórmula, Sr. Presidente.

Risos.

O Sr. Presidente: - Então não pode usar da palavra Sr. Deputado. Peco-lhe desculpa, mas se realmente V. Ex.ª não pode invocar nenhuma figura regimental, não lhe posso conceder a palavra.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, então peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A interpelação que desejo fazer à Mesa é no sentido de saber se esta não poderia interrogar a Sr.ª Deputada Zita Seabra sobre se ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, respondo-lhe já que não pode.

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, fico esclarecido que estou impedido de responder e esclarecer a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr.ª Presidente: - Terá outra ocasião, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Neste momento é que seria útil, Sr. Presidente.

O St. Teófilo Carvalho dos Santos (PS): -Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Teófilo Carvalho dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou a pensar na forma como me hei-de dirigir todos os presentes porque sinto que todos ficaram admirados de eu ter pedido a pa-

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lavra nesta ocasião e quer uns quer outros, julgaram mal.
A figura do professor Adriano Moreira é a que neste momento me interessa, porque ela vem sendo atacada e desfavorecida de tudo aquilo a que o seu talento e o seu comportamento lhe dão direito.
O professor Adriano Moreira é hoje a figura política que foi antes do 25 de Abril. Não o nega! Não o negou! Portanto, para que se esclareça ou se principie a esclarecer a sua figura, permito-me roubar um minuto à Câmara para citar meia dúzia de factos em relação a alguns dos quais eu sou, mais do que declarante, testemunha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O professor Adriano Moreira praticou actos a favor de muita gente da oposição. Dizia eu há pouco, que é preciso referir alguns outros actos para completar essa figura e fica bem que a Assembleia os saiba para melhor poder raciocinar: o professor Adriano Moreira acolheu sempre os antifascistas por forma a tirá-los de situações difíceis; conseguiu tirá-los da cadeia na época do general Delgado. Dessa época, muitos foram presos e ele conseguiu tirá-los directamente da cadeia.

Vozes do PCP: - E outros ficaram Já!

O Orador: - Ao negro de Moçambique ele deu o direito de cidadania, o que, como todos sabem, é de alto alcance. Portanto, estabeleceu iguais direitos para brancos e para negros.
O que dói a muitas pessoas que pretendem denegrir, o que é e o que pode representar o professor Adriano Moreira é que ele tem qualidades, condições de vida e, melhor dizendo, capacidade de realização que não é fácil encontrar. É fácil encontrar, isso sim, um ataque de ocasião, palavras a que a multidão da normalmente o seu acordo.
O professor Adriano Moreira foi várias vezes convidado para fazer parte da União Nacional, da Acção Nacional Popular, da Legião. No entanto, nunca aceitou entrar em qualquer destas instituições.
O professor Adriano Moreira manteve sempre as melhores relações com os homens da oposição.
Mais haveria a dizer, mas o tempo de que disponho não me permite.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS e do PSD.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, entre outros pontos, o Regimento da Assembleia da República sublinha que nesta Câmara não devera ser feitos ataques pessoais. Penso pois, que situações como aquelas que se têm levantado até aqui se evitariam se reciprocamente os Srs. Deputados se abstivessem de ataques pessoais e nos debruçássemos sobre a questão que aqui nos trouxe.

Aplausos do PS, do PSD do CDS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto em relação às palavras proferidas pelo Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Cunho (UEDS): - Sr. Deputado Azevedo Soares, tinha de V. Ex.ª a impressão de que era uma pessoa civilizada e inteligente. Talvez eu tenha de rever o conceito, porque ou não entendeu o que eu disse ou então não quer entender.
O Sr. Deputado manipulou as palavras e, pior do que isso, manipulou as ideias. Sr. Deputado, vou-lhe explicar novamente aquilo que referi. Portanto, ouça bem para ver se desta vez compreende: um recém-nascido com uma hemorragia cerebral grave, provada por aparelhos que possuímos nos hospitais, que não tem viabilidade reconhecida por uma equipa de médicos constituída por 1 anestesista, 1 pediatra, 1 generalista e 1 neurologista, ou 1 cidadão adulto que tem um acidente de viação grave, com uma hemorragia cerebral maciça, que é ligado a uma máquina de ventilação assistida e que, depois de observado por esta mesma equipa, se considera que não tem viabilidade, o respeito que temos pela vida e pela dignidade do homem exige que o desliguemos dessa máquina que o mantém ligado a este mundo, mas mais nada.
Se o Sr. Deputado chama a isto eutanásia, então devo dizer que praticamos eutanásia nos hospitais deste país praticamo-la no Porto, em Lisboa, em todos os sítios.
Depois de reunidos os critérios que esta equipa de médicos considera válidos, é com angústia que temos de a praticar. E o Sr. Deputado não pense que estas situações são fáceis; estas situações são extremamente responsáveis, mas essa responsabilidade que assumimos tem a ver com o respeito que temos pela pessoa humana. O Sr. Deputado acha digno ter uma pessoa que está morta ligada a uma máquina só porque a máquina a faz respirar?

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou estar aqui a preocupar-me com a inteligência e a civilidade do Sr. Deputado Octávio Cunha, pois não perco tempo com isso.
No, entanto, Sr. Deputado gostaria de lhe referir que alertei a Câmara para os perigos que advinham da paixão com que o Sr. Deputado, por contactar diariamente com situações desse tipo, pode vir a introduzir no debate. Mas, já que reafirma aqui que pratica a eutanásia, gostaria de lhe perguntar se o agrupamento parlamentar que integra, ou o Sr. Deputado a título individual, pensam apresentar nesta Câmara algum projecto de lei no sentido da legalização desses actos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto na medida em que o Sr. Deputado Azevedo Soares pôs em causa o meu agrupamento parlamentar.

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O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Não pus em causa!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Pôs indirectamente!

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Azevedo Soares interrogou o meu camarada Octávio Cunha no sentido de saber se ele, individualmente, ou o meu agrupamento parlamentar não teríamos nos nossos propósitos apresentar um projecto de lei legalizando a eutanásia no nosso país.
Sr. Deputado, estamos a discutir algo que é profundamente sério, e é lamentável que V. Ex.ª tenha utilizado um trocadilho para fazer afirmações que são de extrema gravidade e extremamente ofensivas para a honra de qualquer deputado.
O Sr; Deputado entendeu perfeitamente aquilo que o meu camarada disse. Ele disse que se porventura as práticas que relatou eram consideradas como eutanásia pelo Sc» Deputado, então no seu entendimento seriam eutanásia. Portanto, Sr. Deputado, reconheça que isto é muito diferente daquilo que afirmou, ou seja, de que o meu camarada tinha confessado que era partidário e que defendia a eutanásia.
Penso, pois, que são afirmações demasiadamente graves para que se possam fazer por um simples jogo de palavras sem as medir. Assim, peco-lhe, Sr. Deputado, que tenha o bom senso de reflectir sobre elas e de as colocar no seu devido plano porque são ofensas inaceitáveis.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lopes Cardoso: Tenho por hábito ponderar as palavras que digo. Talvez por isso normalmente intervenho com um ar e um tom sereno nestes debates.
A gravidade desta questão não está naquilo que eu disse, mas sim nas afirmações proferidas pelo Sr. Deputado Octávio Cunha, seu colega de bancada.
Na verdade, eu procurei alertar para o perigo que advém de discutirmos estas questões nestes termos, sob pena de não ter mais fim as etapas por onde se pode caminhar. Portanto, foi o Sr. Deputado quem jogou com as palavras e pretende agora discutir o que é e não é a eutanásia.
O que eu perguntei foi se o Agrupamento Parlamentar da UEDS ou o Sr. Deputado Octávio Cunha tencionavam apresentar um projecto de lei legalizando os actos praticados e que foram invocados pelo Sr. Deputado Octávio Cunha, actos esses de extrema gravidade. Como tal, a gravidade do problema está aí, ou seja, nas extrapolações que se fazem, está na emoção que com essa invocação se procura introduzir na discussão da interrupção da gravidez. Simplesmente, aquilo a que o Sr. Deputado Octávio Cunha se referiu foi a interrupção da vida extra-uterina, que é já uma fase posterior.
A questão é esta: não seria com o meu silêncio que passaria em claro essa abusiva passagem. Ora, foi precisamente para alertar para esse perigo, uma vez que já se fala aqui com toda a naturalidade e com emoção na interrupção da vida, que protestei. É isto também, Sr. Deputado, que está em causa quando se discute a interrupção da gravidez.
Pondere o Sr. Deputado as suas palavras, pese a gravidade das suas emoções e, então sim, poderemos discutir estes assuntos na sua sede própria e na sua verdadeira dimensão.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - O Sr. Deputado Azevedo Soares não compreende. Talvez algum colega da sua bancada que seja médico possa explicar-lhe durante o intervalo o que se passa num serviço de urgência.

Protestos do CDS.

Talvez assim o Sr. Deputado consiga entender quais são os verdadeiros problemas com que nos debatemos e que temos de resolver em trabalho de equipa. Mas isto ultrapassa seguramente o seu entendimento.
Quanto à emoção que referiu, pois é evidente que vivemos todos estes aspectos com emoção. Vivemos com emoção a nossa profissão de médicos, muito particularmente como médicos de crianças e médicos reanimadores, que mais ninguém pode avaliar, a não ser que esteja enfiado nesses problemas. Por vezes estão nas nossas mãos por questões de segundos a vida e mais do que esta a qualidade de vida, que é aquilo que os Srs. Deputados não entendem.
Dou-lhe mais um exemplo dramático nascem crianças sem cérebro, que sobrevivem por uns dias ou meses, embora não se alimentem por si, pelo que teremos de ser nós a alimentá-las. Nós não praticamos a eutanásia. Simplesmente, no momento em que elas vão morrer não vamos nós ventilar com um aparelho estas crianças apenas pelo prazer de as termos vivas ligadas a um aparelho. É isto o que o Sr. Deputado tem de entender, embora não queira.
Mais uma vez, o Sr. Deputado manipulou as palavras e as ideias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, de acordo com a vontade expressa pela grande maioria dos seus militantes e apoiantes, considerou um imperativo ético a apresentação do projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude de alguns casos de interrupção voluntária da gravidez.
Fizemo-lo conscientes dos valores éticos, sociais, culturais, religiosos e políticos que se movimentam em torno da temática da interrupção voluntária da gravidez e da grande divergência de opiniões, conceitos e comportamentos, sempre presente perante qualquer proposta de alteração das disposições legais que criminalizam duramente os intervenientes em tal interrupção.

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Mas ao elaborarmos o nosso projecto tivemos em conta o peso de todos os valores em causa e preocupámo-nos em respeitar os direitos e as posições daqueles que, por imperativos conceptuais ou de fé religiosa, sejam adversos a toda e qualquer interrupção voluntária da gravidez.
Esperamos, pois, que a sua leitura, se feita atenta e reflectidamente por todos os Srs. Deputados desta Assembleia, permita um debate sereno e honesto que nos dignifique a todos perante o povo que representamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também esperávamos que o seu anúncio levaria a intervenções de várias entidades, grupos, associações e outras organizações interessadas.
Mas as intervenções a que temos vindo a assistir nos últimos dias, através dos meios de comunicação social, de manifestações de rua, de cartas abertas, comunicados, colheitas de assinaturas, etc., etc., têm-se caracterizado por processos e por um clima emocional tão desmedido que nos tem desiludido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que é evidente a intenção de fazer o seu aproveitamento para fins políticos e confessionais menos respeitáveis, para além da tentativa de roubar ao debate nesta Assembleia a serenidade e a dignidade que o devem revestir.

Aplausos do PS e da UEDS.

Mas se não ignorávamos a carga polémica e divisionista que uma proposta de interrupção de gravidez transporta consigo, por que assumimos como um imperativo ético apresentar o nosso projecto?
É que não desconhecemos a realidade trágica do nosso país, não desconhecemos o sofrimento, as mortes, as mutilações, os traumas físicos e psíquicos, enfim, os graves atentados à saúde das mulheres, provocados pelo aborto clandestino, cuja existência ninguém ignora, mesmo o Código Penal, mas que campeia impune na nossa sociedade, para desgraça de muitas e proveito de poucos.
É que não queremos continuar a ser cúmplices de uma situação degradante para todos nós, que leva todos os anos milhares de portuguesas a supremas humilhações, h exploração e ao risco de morte e doença.
É que reconhecemos a inutilidade e a ineficácia da punição imposta indiscriminadamente a qualquer. caso de interrupção da gravidez pelo Código Penal em vigor, que a outro resultado não leva que não seja incrementar a prática do aborto clandestino.
É que desejamos pôr cobro ao aborto como meio de controle dos nascimentos. E desejamos ainda que para as mulheres, para os casais, o acto tão importante de ter filhos deixe de ser o produto de um acaso e passe a ser um acto voluntário, responsável, um acto assumido em plena liberdade e consciência.
Mas o próprio enunciado destas razões mostra que é essencial e indispensável fazer acompanhar o projecto de lei sobre a ilicitude da legislação adequada, a garantir uma eficaz protecção à mulher grávida, ao nascituro, à mãe, ao pai e à criança e a proporcionar a toda a população uma correcta educação sexual e os meios e as informações necessárias ao planeamento familiar.
Daí a apresentação simultânea e conjunta dos projectos de lei n.ºs 272/III -protecção da maternidade e da paternidade e 267/III - educação sexual e planeamento familiar.
Estes 2 projectos de lei são apresentados por deputados do PSD e do PS, traduzem o consenso de ambos os partidos na matéria e resultam, em grande parte, da reflexão sobre o amplo debate travado nesta Assembleia, na legislação anterior, sobre projectos apresentados então pelo PSD e pelo PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos contra o aborto, mas procuramos assumir em tal matéria um comportamento realista que, sem perder de vista os valores em causa e respeitando a consciência e as motivações dos que não aceitem as nossas opções, visa libertar a nossa sociedade da exploração sórdida, da angústia opressora e do grave risco do aborto clandestino e que permita às mulheres usufruir as alegrias de uma maternidade desejada.
Assim, por sermos contra o aborto, pretendemos criar condições satisfatórias de protecção da maternidade e da paternidade e que uma educação sexual correcta e os meios de planeamento familiar sejam levados a toda a nossa população, de tal modo que quando uma mulher engravida é porque conscientemente deseja conceber e criar o seu filho.
Não somos, pois, a favor da liberalização do aborto, não defendemos a institucionalização da sua prática como uma operação corrente e de somenos importância. Somos contra o aborto e desejamos pôr fim à sua prática.
Por isso dos nossos projectos de lei pomos a tónica e consideramos relevantes aqueles que apresentámos conjuntamente com o PSD, pois que eles correspondem à promulgação de uma verdadeira política de prevenção do aborto, na medida em que eles contêm a eficaz solução para um acto que ninguém defende, mas que se tolera ou se procura ignorar.
Sabemos que na génese da maioria dos abortos praticados estão causas, de natureza social, cultural e económica. É o problema das jovens que têm de enfrentar a família ou o seu meio social é o problema da mãe solteira a ter de assumir, sem qualquer ajuda, os encargos e a criação do seu filho; é o problema dos homens e das mulheres ignorantes da fisiologia sexual e do planeamento familiar é o problema dos casais de recursos modestos e já com vários filhos ou mesmo dos casais que por egoísmo não querem ter filhos, etc. Ora, todas estas situações, com habitual desfecho no aborto clandestino, serão resolvidas e terão tendência para desaparecer, com medidas adequadas que dêem as mulheres as condições necessárias para serem mães combatendo a ignorância pela educação sexual e proporcionando aos casais informações e meios que lhes permitam escolher livremente o momento de ter filhos o seu número e o intervalo entre o seu nascimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Daí a importância do projecto de lei n.º 267/III, que estabelece a obrigação para o Governo de promulgar e pôr em execução uma correcta política

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de educação sexual através das escolas, organizações sanitárias e dos meios de comunicação social e de promover, através dos centros de saúde, centros de atendimento de jovens, consultas hospitalares, etc., uma larga e correcta difusão de meios e técnicas de planeamento familiar - incluindo a esterilização voluntária - e de tratamento da esterilidade - com abertura cautelosa à inseminação artificial.
Daí o projecto de lei n.º 272/III, que contém legislação inovadora sobre a protecção a conceder a ambos os pais e à criança em matéria de saúde, definindo os seus direitos e o modo de actuação da valência materno-infantil a implementar em todos os centros de saúde, sobre a protecção no trabalho e em matéria de segurança social, com destaque para o âmbito de aplicação que agora abrange também o pai, a facultação do regime de trabalho em tempo parcial ou flexível, a licença especial sem vencimento até 1 ano, etc.
Pensamos que tal legislação, se obtiver a aprovação desta Câmara, como esperamos, deve merecer o imediato empenhamento do Governo e a mobilização de todos os recursos necessários, para que não tarde a sentir-se os seus salutares efeitos.

Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.

Mas para além das situações acabadas de citar e onde, como vimos, a prevenção do aborto é possível, existem casos restritos e perfeitamente definidos, que podem surgir dentro ou à margem do planeamento familiar e que, pelas suas circunstâncias e pelo dramatismo em que mergulha os seus intervenientes, devem merecer da sociedade uma atitude de compreensão e de tolerância. Se em tais casos a opção tomada for a interrupção da gravidez, deve esta ser despenalizada e o Estado deve assegurar os meios para que ela seja realizada em condições normais de higiene e de assistência.
Eis a essência do conteúdo do nosso projecto de lei n.º 265/III sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez.
Ê o caso do aborto terapêutico quando está em causa a vida da mãe ou uma ameaça grave à sua saúde; é o caso do aborto eugénico, em que estão em jogo graves taras ou malformações do próprio feto, e é, finalmente, o caso do aborto ético ou sentimental da mulher vítima do crime de violação fecundante.
São, em resumo, os raros casos com situações de conflitos de valores, onde se justifica, em certos termos e dentro de apertados limites, o sacrifício de um valor por outro que jurídica ou socialmente lhe seja sobreponível.
Naturalmente que se exige rigor científico ao fundamentar o conselho ou informação a transmitir à mulher grávida em tais circunstâncias. Mas a medicina moderna permite hoje esse rigor científico, quer no caso do aborto terapêutio, quer no caso do. aborto eugénico. Neste último o progresso da genética permite já o diagnóstico pré-natal de malformações gravíssimas do feto que comprometem a sobrevivência da criança ou diminuem, de maneira atroz, as suas capacidades mental e motora. São os casos das várias trisomias - a mais conhecida é o mongolismo -, a anencefalia e outros defeitos do tubo neural, distrofias musculares, hemofilia, alterações metabólicas genéticas, etc. São sobretudo as mulheres de grande risco genético - mulheres com menos de 15 ou mais de 35 anos, com um filho anterior portador de qualquer anomalia cromossómica ou com taras familiares hereditárias, com abortos repetidos e expontâneos - que devem sistematicamente sor aconselhadas a procurar o «conselho genético» em centros especializados. Os exames são simples e efectuam-se através do estudo do cariótipo dos pais, do sangue da mãe, da ecografia e asuniocentese, etc., com resultados rigorosos a partir da 14.º semana.
Faço aqui um parêntesis para dizer que o nosso projecto de lei, por gralha, menciona para estes casos o período de 12 semanas, quando pretendemos que seja despenalizado o aborto até à 16.º semana.
Não pretendemos neste momento e em defesa da nossa proposta repetir ou acrescentar seja o que for ao que de uma maneira exaustiva tem sido dito em polémicas um pouco estéreis de natureza teológica, filosófica, científica ou jurídica, a propósito do aborto, sobre a inviolabilidade da vida humana, sobre a possibilidade de estabelecer o momento privilegiado que confere de referente dignidade humana ao feto, nem sobre a veracidade ou possibilidade de existência de uma sensibilidade e sentimento diferentes, no indivíduo comum, à margem de conceitos abstractos, perante um feto de algumas semanas ou de um nascituro já viável.
Isto porque reconhecemos que das considerações filosóficas, científicas, religiosas ou jurídicas utilizadas na defesa da penalização ou da despenalização do aborto emerge o princípio de que a interrupção da gravidez é, em todos os casos, intrinsecamente um mal. No entanto, as mesmas considerações perante certos valores éticos envolvidos, certas motivações e realidades sociais, levaram a aceitar a descriminalização e a despenalização de tal «mal» na grande maioria das legislações dos países ocidentais, para um conjunto de indicações bem definidas e que abarcam as que são objecto do nosso projecto de lei.
A nossa proposta não constitui, pois novidade em matéria jurídica. Não se trata nem de liberalizar ou legalizar o aborto, nem de tornar este um direito. Trata-se apenas de levantar a ilicitude de suprimir a pena, em casos em que a mulher ou o casal se vêem envolvidos em situações dramáticas e perante dilemas cruciais.
Entendemos que em tais circunstâncias lhes deve caber a decisão, devem assumir livremente, sem qualquer coacção, a atitude que entendam mais conveniente e de acordo com o seu quadro de valores e o seu sentido de responsabilidade.
A sociedade deve inclinar-se perante o drama de uma mãe que reflecte se deve ou não sacrificar a sua vida perante a angústia de um casal que deverá assumir ou não as pesadas consequências de um filho portador de grave malformação perante a mulher violada que hesita em aceitar um filho que não lhe permitirá mais esquecer a humilhação sofrida e lhe poderá despertar a todo o instante a revolta e a vergonha.
Entendemos que em todas estas situações a consciência social .deve ceder o lugar à consciência individual.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - A sociedade deverá aguardar e respeitar a decisão tomada e deverá abster-se de aplicar aos intervenientes quaisquer sanções para além daquela que porventura a própria consciência lhes traga.

Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com muito interesse a intervenção do meu colega Ferraz de Abreu, que me suscita algumas dúvidas.
O Sr. Deputado falou no aborto clandestino, no imperativo ético de um debate sereno e honesto, na limitação da natalidade, afirmando que era contra o aborto.
Ora, em primeiro lugar queria que esclarecesse o seu ponto de vista, uma vez que em minha opinião e na opinião de muita gente o projecto de lei do PS não acaba com o aborto, mas vai permiti-lo de uma forma mais ou menos encapotada ou velada, o que o torna muito mais perigoso neste aspecto do que o projecto de lei do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É incrível!

O Orador: - Queria ainda que me esclarecesse quanto à exploração que referiu. Nós sabemos que é muito fácil, principalmente para os ginecologistas, detectar com toda a segurança uma gravidez ectópica e nestes casos há que actuar. Mas, de tudo o que temos lido sobre as técnicas de exploração, como a ecografia, a amniocentese, a fotoscopia e a punção da placenta - e sei que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu tem lido muito sobre isto -, não há nestes campos diagnósticos de certeza. Alguns autores afirmara mesmo que há nestes diagnósticos uma falibilidade de cerca de 50%.
Portanto, se o PS defende o eugenismo, baseando-se na aplicação destas técnicas e noutras que se aplicam pelo mundo fora, pergunto: se há uma fabilidade de, pelo menos, 50 % nesses diagnósticos - o que pode levar em alguns casos o médico especialista a ficar na dúvida sobre se o feto é ou não normal -, o PS mantém o seu projecto de lei, embora como médicos não possamos deixar de levantar estas dúvidas e que a todos nos preocupam?
Por isso, o meu grupo parlamentar e eu próprio consideramos que o projecto de lei apresentado pelo PS é muito mais perigoso do que o do PCP, pois que vai liberalizar, de um modo encapotado, o aborto em Portugal.

O Sr. Presidente: - Também, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Tomás Espírito Santo.

O Sr. Tomás Espírito Santo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sou médico nem jurista. Sou um militante familiar e, por isso, há muito tempo tenho acompanhado a problemática da família em todos os seus aspectos e, em particular, o problema do aborto.
O meu colega de bancada Sr. Deputado Horácio Marçal diz que o projecto de lei apresentado pelo PS é mais perigoso do que o projecto de lei do PCP, o que é verdade. Com efeito, com todas as palavras aqui usadas para descrever este projecto de lei há, no fundo, a aceitação do aborto, ainda que se diga que ele é um mal.
Aponta-se o aborto com um meio de controle da natalidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Asneira!

O Orador: - Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu se tem conhecimento do que se passa noutros países, em particular na Roménia, na Hungria e na União Soviética, relativamente à utilização do aborto como um método de controle da natalidade.
Será que o ser humano que está em gestação não é uma vida? Será que esse ser humano não é uma vida como a própria mãe? Por que razão pomos a mãe a decidir da vida de um ser que é independente, que e um indivíduo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As famílias de Portugal esperam qualquer coisa de positivo desta Assembleia, mas nunca a aprovação do aborto, que é reconhecido por todos os presentes como um mal que é preciso evitar. Eu concordo, mas para isso temos de recorrer ao planeamento familiar e à educação sexual. Isso sim, vamos trabalhar para a defesa desta gente.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não vamos permitir que se mate, não legalizemos o assassínio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. .Luis Barbosa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que é possível travar uma discussão calma, nos termos em que o Sr. Deputado Ferraz de Abreu fez a sua intervenção nesta matéria, julgo que com essa discussão calma serviremos melhor o País.
Antes de mais, gostaria de ler o que está escrito no Boletim da Ordem dos Médicos, de Dezembro, acompanhado de imagens sugestivas. Diz esse artigo:
Como é possível pensar em prazos quando a vida é um todo contínuo. Embrião, feto, criança, adulto, meros estádios de um desenvolvimento. Aborto e eutanásia, dois extremos de uma violação do direito à vida. Quem poderá duvidar que o feto é já um ser humano?
Este é um artigo publicado no Boletim da Ordem dos Médicos. Isto significa que a opinião médica está extraordinariamente repartida a este respeito? Possivelmente. O seu orgão mais representativo, a instituição que mais representa a classe, pensa e publica o que acabei de ler.
No que respeita ao projecto de lei apresentado pelo PS, julgo que o PS tem em si um pecado quase permanente, ou seja, o de seguir algumas boas ideias que idealmente poderão ter um certo atractivo, mas esquecer o que na prática resulta dessas mesmas aproximações. Por isso tantas vezes o .socialismo cai no utopismo.

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Pegando no projecto queria referir a emenda ao artigo 140.º: «segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina». O que se entende por isto?
No fundo é o drama que há bocado o Sr. Deputado Octávio Cunha, da UEDS, focava: desliga-se a máquina ou não?
Isso tem que ver com os conhecimentos e a experiência da medicina. Um 'médico pouco experiente pode desligar a máquina e matar alguém e um médico muito experiente pode encontrar soluções. A nossa medicina não é igual. A medicina que se pratica ao nível da clínica geral está com certeza bem longe do que se faz no hospital central e infelizmente longe do que se faz nalguns centros estrangeiros.
O que se faz hoje em defesa da vida é extremamente relativo consoante o local onde cada doente é atendido.
Penso, aliás, que a intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha - e peço desculpa por voltar um pouco atrás - merece muitos cuidados. Embora compreenda de certa maneira a sua posição, julgo que é algo em que o Sr. Deputado terá que pensar, ao pronunciar-se publicamente, com grandes cuidados, porque facilmente se deriva de uma coisa para outra e julgo que não é essa a sua intenção, apesar de tudo.
Por outro lado, gostaria de chamar a atenção do Sr. Deputado Ferraz de Abreu para outro aspecto que levantou, que é o problema da saúde físico-psíquica da mulher grávida.
O próprio Partido Comunista já o disse: na saúde psíquica cabe tudo! Mesmo na saúde física cabe muita coisa!
Não podemos esquecer a experiência das 400 000 pessoas que recebem pensões de invalidez neste país.
São duas, aprovadas medicamente, as grandes causas disto: primeira, a espondilose; segunda, a depressão nervosa.
Aqui, com aprovação médica e até, em vários casos de juntas médicas, cabe tudo.
Assim caímos em 400 000 pensões de invalidez, das quais sabemos que a sua maior parte não corresponde a verdadeiros graus de invalidez. Portanto, este problema constitui outra ilusão, outra porta que se abre sem que se saiba onde se vai parar.
Finalmente, queria pôr outra questão: fala-se de prazos de 12 semanas e de sérios indícios de violação. Não há nenhum advogado nesta Câmara que não saiba que é impossível a um tribunal definir com rigor qualquer sentença de violação dentro deste prazo aqui concebido.
Julgo, Sr. Deputado, que as ideias ou a defesa de alguns princípios nem sempre conduzem a realidades que sejam aceitáveis.
Por isso considero, realmente, que este projecto optem em si elementos extremamente perigosos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, não desconheço, naturalmente, que V. Ex.ª não é jurista e, por isso. mesmo, não espero de si aquele brilho nas respostas que poderá dar ao meu colega médico devido à sua formação profissional.
Mas como V. Ex.ª foi porta-voz do articulado que o seu partido apresentou não posso deixar, desde já, de colocar algumas questões para que os juristas do seu partido, que depois farão naturalmente intervenções sobre esta matéria, as tomem em consideração porque são perguntas que nos têm preocupado bastante.
Já aqui foi dito pelos meus colegas que este projecto de lei do PS é algo diferente e mais perigoso do que o do Partido Comunista.
Aliás, devo dizer que este projecto do Partido Socialista vem na linha traçada sobre esta discussão desde 1852.
Foi o jurista Pascoal de Melo Freire, em 1852, que, em comentário ao Código Penal, levantou pela primeira vez o problema do aborto terapêutico, do aborto eugénico, do aborto ético (também chamado «aborto sentimental), do aborto consensual e do aborto privilegiado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nessa altura o CDS contestava!

O Orador: - Exactamente! Muito obrigado! Era nosso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vocês estavam do outro lado!

O Orador: - Depois de Melo Freire, através de todo o século XX, esta discussão tem-se naturalmente mantido: Alcides de Almeida, Ary dos Santos e agora, nos nossos tempos, Eduardo Correia, Figueiredo Dias e a própria comissão revisora do Código Penal em 1967, etc.
Por isso todas as soluções que o Partido Socialista aqui tem dado, salvo o devido respeito e sem querer tirar importância a este articulado, não trazem rigorosamente nada de novo porque constituem uma opção, ou algumas opções, entre várias alternativas sobre estes problemas que se discutem neste país há já um século e meio.
Por isso mesmo a nossa responsabilidade é ainda maior em fazer passar assim, com uma marcação da ordem do dia rápida, um problema que está a ser discutido pelos juristas há mais de um século. E perguntava o seguinte: a opção que o Partido Socialista fez, em primeiro lugar, de se pôr atrás de conceitos vagos é ou não propositada?
Isto é, qualquer jurista sabe -e isto sempre foi discutido- que os conceitos como, por exemplo, «estado de conhecimentos e experiência de medicina» é um juízo que para ser territorialmente válido na lei penal só pode ser do julgador e não de um juízo subjectivo de cada médico. Isto é, para este juízo ter relevância erga omnes, vinculativa a todos, não pode pertencer a cada médico, tem que partir de órgãos de soberania que, neste caso, é o poder judicial.
Outro ponto: por exemplo, quando se diz «único meio de remover a grave e irrelevante lesão física e psíquica», quem e que nos garante que esse é o meio? Quem é que nos diz que é grave, irreversível e psíquica.
Todos os dias estes problemas dividem juristas e advogados, como, por exemplo, quando se fala em sevícias graves, injúrias graves. A palavra grave está cheia de gravidades.
Por outro lado, diz-se que este projecto de lei «se mostra indicado para evitar o perigo de morte».
Quem é que diz isto?

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Os seguros motivos, os sérios indícios, etc., etc., são conceitos jurídicos que terão, naturalmente, que ser subsumidos não pelos médicos, mas por uma autoridade munida do valor real da sua interpretação e aplicação de leis.
Pergunto agora: vamos, ao fim e ao cabo, cair à barra do tribunal?
Se o ministério público vem dizer, afinal, que aquele meio não era idóneo, que o indício não era seguro, que não havia naquele caso verdadeira boa terapêutica, a mulher irá cair, naturalmente, naquilo que se quer evitar. Quer dizer, faz-se entrar pela janela aquilo que se expulsa pela porta.
Isto é, faz-se sentar a mulher no banco dos réus através da via de excepção em vez da via de acção.
Queria ainda perguntar se o Partido Socialista toma como presunção júris et de jure, isto é, inabalável, inatacável, irrespondível, os atestados médicos.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra, com aquela franqueza e frontalidade que a caracteriza, disse que o Partido Socialista se queria meter no negócio sujo e sórdido dos atestados.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não disse sujo e sórdido!

O Orador: - Assim, a mulher vai dizer: «tenho verdadeiramente razões económicas e culturais, mas, por favor, dê-me um atestado que tenho um problema psíquico irreversível e só assim é que vou ao hospital».
V. Ex.ª respondeu que nesse caso o médico socialista (entre parênteses) não passará este atestado. Quem nos diz isso?
Se há médicos sórdidos que acompanham as curiosas e as parteiras nos vãos das escadas, não haverá os mesmos médicos que passem atestados desta natureza? Não serão os mesmíssimos médicos que montarão esta indústria de passagem de atestados?
Tinha ainda muito mais para dizer, mas deixarei para amanhã.
Para já queria que os juristas do seu partido pensassem bem para trazerem as respostas certas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, há ainda outros senhores deputados inscritos para lhe pedirem esclarecimentos, mas se preferir responder já eu dou-lhe a palavra.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, preferia responder já para não me perder com as outras perguntas.

O Sr. Presidente: - Então tem V. Ex.ª a palavra. Faca favor.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Fico um pouco surpreso com os ataques que são aqui produzidos contra os médicos e fico ainda mais surpreso por eles partirem de um colega.
De facto, quando o Sr. Deputado Horácio Marçal fala numa maneira «encapotada» de promover o aborto está naturalmente a prever que os médicos vão passar atestados falsos.
Bom, é claro que há médicos falsos, mas também há economistas falsos que até vão para a cadeia, há testemunhas falsas cujos testemunhos são aceites pelos
juristas nos tribunais, e isso não invalida nem a justiça dos tribunais, nem a seriedade dos economistas, nem a seriedade dos médicos.
Naturalmente, tudo pode ser falível.

Aplausos do PS.

Peço que deixem de atacar a classe médica. Os ataques à classe médica também foram feitos no meu partido, mas acho que seria bom que deixássemos os médicos em paz.
Se há médicos que, efectivamente, prevaricam, se há médicos que não mereciam ter, de facto, a honra de pertencer à classe médica, a grande maioria desempenha cabalmente as suas funções.
O Sr. Dr. Luís Barbosa, que passou pelo Ministério dos Assuntos Sociais e que teve ocasião de conhecer muitos médicos, sabe que isto é verdade. Pode, naturalmente, ter conhecido um ou outro que se portou mal e que não cumpria, mas penso que isso não é razão para estar a pôr aqui em dúvida e anular um projecto de lei porque pode haver atestados falsos.
Quanto â fiabilidade do diagnóstico genético isto não é o local mais adequado para fazer uma discussão deste género. Em todo o caso não seria nada estranho porque os senhores juristas aproveitaram esta mesma Câmara para fazer aqui discussões na especialidade durante quase uma semana. Nós, médicos, também podíamos ter esse direito de fazer o mesmo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso queria dizer que a fiabilidade dos 50 % existe quando os exames e os testes são feitos antes da 12.ª ou da 14.ª semana.
Acabo de ler livros publicados já em 1983 e por isso tivemos o cuidado de emendar o que estava no nosso projecto e passar da 12.ª para a 16.ª semana.
Além disso, métodos mais recentes - e o Sr. Dr. Marçal sabe - dizem que a ecografia dá sinais muito precoces e pode-se diagnosticar uma anencefalia e até mesmo o mongolismo na fase inicial da gravidez.
Mas sabe, V. Ex.ª, que os exames genéticos não se limitam a isso. Há exames genéricos feitos através dos próprios estudos dos cariótipos dos pais que fazem prever a possibilidade de anomalias.
Sabe ainda o Sr. Deputado que naqueles casos que citei de mulheres que devem ser submetidas de preferência ao conselho genético há razões sérias que hoje são científicas, mas ainda há pouco tempo eram baseadas nas leis da hereditariedade e que eram, de facto, bastante fiáveis.
Todos os deputados da bancada do CDS reconheceram que o nosso projecto de lei era mais perigoso. Pergunto agora: porquê?
Vou responder: É porque é aquele que vai passar! É porque é aquele que a população inteira deste país vai aprovar! Por isso é que ele é mais perigoso!

Aplausos do PS.

Também o Sr. Deputado Luís Barbosa falou no triste futuro reservado ao socialismo e à opinião dos socialistas.
Só queria perguntar ao Sr. Deputado Luís Barbosa se a Simone Weil é socialista. Ela defendeu um pró-

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jecto mais avançado que o nosso, Sr. Deputado, e toca mais perto de si do que de nós.
O Sr. Deputado fez também muitas considerações sobre a saúde física e a saúde psíquica. Na realidade todos sabem medicina. Mais uma vez se verificou aqui que toda a gente sabe medicina, toda a gente procura fazer afirmações e juízos sobre a medicina.
Sr. Deputado Luís Barbosa, quando no nosso projecto se diz que são razões de ordem psíquica ou de ordem física, naturalmente que se trata de razões de ordem psíquica ou física muito graves. Não é por uma mulher vir dizer que anda muito perturbada, que não dorme bem - a tal détresse que aqui no nosso projecto não aceitamos, mas que, repare, a França aceita -, que isso é causa para interrupção voluntária da gravidez.
Quanto à vida do feto, não sei se me hei-de regozijar ou não pelo alto valor científico em que o Sr. Deputado Luís Barbosa coloca a Ordem dos Médicos. Já ouvi dizer muito mal da Ordem dos Médicos, já o ouvi bater muito na Ordem dos Médicos, e fiquei cheio de curiosidade ao vê-lo rapar do Boletim da Ordem dos Médicos.
Afinal o Sr. Deputado procura ler aquilo que o Boletim da Ordem dos Médicos escreve. Ficou, com certeza, com um certo amor àquela Ordem.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado, posso-lhe garantir que nunca me ouviu dizer mal da Ordem dos Médicos. Nunca confundi médicos com a Ordem dos Médicos, nem a Ordem dos Médicos com o presidente da Ordem dos Médicos.

Risos do PS e do PCP.

O Orador: - É esse presidente que escreveu isso nessa revista!

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Isso não está em causa, Sr. Deputado.

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Narana Coissoró, devo dizer que, na realidade, a minha formação jurídica é nula.
Em todo o caso quero dizer-lhe uma coisa: se o nosso projecto não traz nada de novo, não. sei por que é que o Sr. Deputado esteve a perder tanto tempo com ele, porque eu disse que não trazíamos novidade nenhuma.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que de há um século para cá tem havido 2 correntes: os abortistas e os não abortistas nestes casos restritos. V. Ex." enfileira-se na corrente abortista e nós na tradição secular não abortista, e estamos a defender-nos da corrente abortista.
Portanto, temos que discutir. Não estou a dizer que isto não tem valia, estou a dizer que isto não trás nada de novo e temos que retomar aqui a discussão secular sobre estes problemas.

O Orador: - Sr. Deputado, o aborto não se discute de há 100 ou 200 anos para cá. Discute-se praticamente desde os primórdios da Humanidade.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não sei ler os hieróglifos!

O Orador: - Ainda sobre o problema do feto, na minha intervenção disse que não iria pegar em polémicas que considero estéreis. Julgo que foi o Sr. Dr. Luís Barbosa que, a propósito da Ordem dos Médicos, me falou nisto, ou seja, que o feto tem vida, etc., etc., etc.
Poder-lhe-ia responder que no debate aqui travado há 2 anos a deputada Natália Correia citou a opinião de 2 ilustres biologistas, Prémios Nobel, os quais deram respostas adequadas a esta pergunta. Não vamos aqui discutir o sexo dos anjos, porque esse problema não tem nada a ver com aquele que aqui colocamos. Nós não discutimos certos valores e aceitamos que estejam em causa neste problema valores éticos, morais e religiosos. Temos a consciência disso e aceitamos as diferentes opiniões, que consideramos respeitáveis. O que apontámos aqui foi um caso concreto, porque se a vida de um feto é extremamente importante a vida de uma mulher é ainda mais importante.

Vozes do CDS: - Isso aí ...

O Orador: - No entanto, nós não vamos decretar que essa mulher vá abortar, como se tem feito ver à população.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O problema é dela, pela decisão que tem de tomar. Nós limitamo-nos a aguardar serenamente e a dizer à nossa sociedade que não a vamos punir mais.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, queria pedir-lhe alguns esclarecimentos sobre a intervenção que fez e quanto aos projectos de lei em discussão, muito embora me fixe, principalmente, no n.º 265/III.
Não sei se o Sr. Deputado aceita o número que a Sr.ª Deputada Zita Seabra tem apresentado a esta Câmara, o qual oscila entre 100 000 e 200 000 abortos clandestinos por ano. Não sei se aceita, não estou a fazer nenhuma afirmação nesse sentido, mas estou só a perguntar ao Sr. Deputado se o Partido Socialista ponderou devidamente em relação a esse número, que é hipotético, sem base estatística correcta, pela própria natureza do fenómeno a que se refere, qual o peso

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destas circunstâncias, que considera susceptíveis de excluir a ilicitude nesse tal número catastrófico de 100 000 ou 200 000, ou se, por acaso, o Partido Socialista tem outros números que possa trazer aqui para nosso melhor esclarecimento e que acabem de vez com esta fantasia dos 100000 ou 200000 abortos clandestinos por ano.
E isto era para saber qual o verdadeiro significado e alcance do vosso projecto de lei. Suponho que o Partido Socialista, entre estes 2 debates, principalmente depois dai discussão do projecto de lei n.º 7/III, apresentado pelo Partido Comunista, sofreu uma curiosa evolução, que já hoje aqui foi salientada. Isto é, aprovou na generalidade o projecto do Partido Comunista, idêntico em tudo ao projecto de lei n.º 7/III, e em intervenções que aqui fez, através de deputados da sua bancada, não exclui a justificação desse projecto de lei, idêntico ao projecto de lei n.º 7/III, em relação a circunstâncias que não eram estas, mas outras, as quais estarão, porventura, na origem de muitos dos abortos clandestinos que acontecem em Portugal.
O que queria perguntar ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu é se para irradicar o mal do aborto clandestino - V. Ex.ª mostrou-se muito preocupado com essa circunstância, como, aliás, estamos todos nesta Câmara - confia no planeamento familiar, na educação sexual e na defesa da maternidade e da paternidade. Pensa que isso vai resolver o problema das tais cifras de 100 000 ou 200 000? E estes casos ficam, apenas, para resolver alguns problemas de consciência social?
Quando o Sr. Deputado disse, na sua intervenção, que desejava pôr cobro ao aborto como método de controle dos nascimentos, estava aí a referir-se aos outros projectos de lei ou a este? Onde é que se situam estes vossos objectivos? Sr. Deputado, estas observações, que foram feitas pelo meu colega de bancada Narana Coissoró, são observações muitíssimo razoáveis. Elas têm a ver com a vaguidade dos conceitos que VV. Ex.ªs utilizam neste projecto de lei. Por isso, os meus colegas falam de projecto de lei mais perigoso.
Nós admitimos uma coisa: VV. Ex.ªs fizeram uma evolução que consideramos altamente positiva e que registamos. Aguardamos que VV. Ex.ªs expliquem essa, evolução, mas o vosso projecto tem de perigoso o seguinte: é que a vaguidade destes conceitos e o facto de eles serem confiados a profissionais, que não aprenderam a profissão para fazerem este tipo de juízos, mas para outras finalidades, poderá ser extremamente grave; é a tal porta aberta para a despenalização, em termos tão amplos como o Partido Comunista defende.. O problema é esse, Sr. Deputado.
Há ainda outro problema: nós não conseguimos medir o alcance da apresentação do vosso projecto de lei. Se VV. Ex.ª dizem que ele não é mais do que a tradução das decisões jurisprudências dos nossos tribunais, nós perguntamos porque o apresentaram. Quando VV. Ex.ªs consagram estas circunstâncias como causas que excluem a ilicitude, em termos gerais e abstractos, estão a fazer uma hierarquização de valores e estão a afirmar, em todos estes casos, que os, bens jurídicos, que VV. Ex.ªs pretendem aqui defender - num caso é a vida da mãe, noutro é a existência de uma pessoa que não seja normal, noutro é o equilíbrio psíquico da mulher violada -, que esses bens jurídicos e os valores que lhe são inerentes são superiores ao bem jurídico e ao valor que lhe é inerente, que é a vida intra-uterina. Isso é que é grave no vosso projecto de lei, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Tive esta manhã a ocasião de chamar a atenção da Mesa para o facto de estarmos condicionados em particular o CDS, porque assim o desejou - pelas estritas regras do Regimento. Assim, elas deveriam ser cumpridas, nomeadamente nó que se refere ao uso da palavra para pedidos de esclarecimento. Já passaram muitas horas e a Mesa tem usado, sistematicamente, de uma grande liberdade em relação aos pedidos de esclarecimento formulados pela bancada do CDS, o que tem levado ao arrastar deste debate.
Correndo o risco de não corresponder, mais uma vez, à elegância com que as minhas intervenções são entendidas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, dir-lhe-ei que, a continuar-se neste caminho, o único entendimento é que há aqui uma manifesta vontade de arrastamento e protelamento do debate e da votação dos projectos de lei que estão em causa. Por isso mesmo, solicito, Sr. Presidente, o cumprimento, não rigoroso, mas dentro das habituais normas de maleabilidade que o Sr. Presidente tem usado com o acordo desta Câmara, e muito bem -, das figuras regimentais e dos tempos fixados pelo Regimento.

O Sr. Presidente: - Não posso deixar de dizer que, em termos regimentais, o Sr. Deputado Lopes Cardoso tem toda a razão. Mas há só duas coisas que posso fazer, ou seja, cortar a palavra ao deputado que excede o tempo regimental ou solicitar que se limitem ao tempo que, para o efeito, está estipulado no Regimento. Dirijo este pedido especialmente aos Srs. Deputados do CDS que, na realidade, tem excedido em muito os tempos regimentais.
Para que efeito deseja usar da palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Para protestar quanto à intervenção.

O Sr. Presidente: - Não houve intervenção, por isso não lhe posso dar a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Protesto quanto à fala do Sr. Lopes Cardoso porque ela ofendeu o meu grupo parlamentar e eu vou dizer porquê, seja como esclarecimento, seja como intervenção, seja como for.. O Sr. Presidente dá-me licença que continue?

O Sr. Presidente: - Não ouvi, da parte do Sr. Deputado. Lopes Cardoso ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas ouvi eu! E o Sr. Presidente depois de ouvir mudará de opinião.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lopes Cardoso permitiu-se dizer que nós estávamos aqui a gastar tempo para arrastar desnecessariamente este debate.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso sabe que nós temos feito perguntas concretas e rigorosas. Desde manhã até agora, quando se começou com as intervenções de fundo, temos feito perguntas concisas, concretas, precisas, com textos na não. E por causa do Regimento e das chamadas de atenção temos prescindido de perguntas importantíssimas que poderíamos fazer. Não temos tirado tempo nenhum ao Agrupamento Parlamentar da UEDS, até agora não prejudicámos nenhuma intervenção da UDES e até tivemos a bondade de ouvir aqui a defesa do infanticídio e da eugenia. O que acontece é que os partidos têm estado calados e o diálogo tem-se travado unicamente entre o PCP e o CDS, como agora está a ser travado entre o apresentante do PS e a oposição do CDS. Se os outros não têm nada para dizer a culpa não é nossa. Nós, com ou sem Regimento, haveremos de dizer tudo quanto tivermos para o fazer.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Lá chegará a nossa vez.

O Sr. Presidente: - Queria no dizer-lhe que dos 12 deputados inscritos para este debate ainda só falaram 2.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Vou apenas usar 30 segundos, Sr. Presidente, para responder à fala do Sr. Deputado Narana Coissoró.
Se calhar o que ele queria era que perdêssemos mais tempo. Mas nas cascas de banana escorrego quando não as vejo, e esta é demasiado grande para que não me aperceba dela.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, dividiria as minhas perguntas em 2 grupos, dado que a sua intervenção me suscita algumas questões prévias, de natureza não directamente ligada aos textos em discussão.
Parece-me ser difícil passar este debate sobre uma afirmação de V. Ex.ª, na qual se insurgia contra movimentações sociais e contra posições tomadas. fora desta Assembleia, como se a exclusividade da discussão política em Portugal fosse a Assembleia da República. Não há essa exclusividade. Isso parece-me levar o parlamentarismo ao absurdo e julgo que, tratando-se essencialmente de uma questão desta natureza, a própria sociedade, na sua vitalidade, tem todo o direito de se manifestar. Julgo, mesmo, que V. Ex.ª, que tem desfrutado de longuíssimos minutos para expor a sua posição e a do seu partido através da televisão, não tem legitimidade para se insurgir aqui contra a manifestação de outros a quem é coarctado, exactamente, o mesmo direito de informar.
Em segundo lugar, advogou aqui que é melhor um pequeno passo do que um passo de gigante. Mas a gestão é esta: o ano passado votaram e apoiaram entusiasticamente o projecto do Partido Comunista.
Temos, mais uma vez, dois pesos e duas medidas, consoante o PS está no Governo ou está na oposição. Na oposição vota tudo de qualquer maneira, mas chega ao Governo e acaba por ter algumas cautelas. É mais uma razão para vermos onde é que essa questão se coloca.
Mas se o Sr. Deputado se insurge contra o facto de se ter aqui discutido durante 5 dias o estatuto da Ordem dos Advogados, pois discutamos, se for necessário, durante 5 dias, 10 dias, ou mais, os projectos de lei aqui presentes, para que todas as questões que são levantadas que o Sr. Deputado sabe que são questões sérias - possam ser devidamente esclarecidas e para que não haja um único canal de comunicação e de informação sobre esta matéria. Finalmente, colocava a seguinte questão: o Sr. Deputado falou nas alegrias da maternidade desejada. Fez grandes dissertações sobre esta matéria, procurando no fundo justificar com isso o salto qualitativo para a moralidade e a necessidade da própria despenalização do aborto. É esse salto que não é possível, Sr. Deputado.
Estamos todos de acordo em que a defesa da alegria da maternidade, da eliminação do sofrimento de todos os dramas subjacentes ao aborto clandestino, é uma preocupação fundamental, mas o que não se pode dar é esse salto qualitativo para a legalização ou despenalização do aborto. É esta pequena questão, que sendo tão pequena que pode passar despercebida na sua intervenção, que, no fundo, é o cerne, a questão de fundo, que estamos aqui a discutir.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Horário Marçal pede a palavra para que efeito?

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - É para um protesto. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, visto desejar responder já aos pedidos de esclarecimento colocados.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Nogueira de Brito faz-me uma pergunta a que tenho dificuldade em responder e que se relaciona com o problema da estatística dos abortos.

Voz do CDS: - Que não há!

O Orador: - De resto, o próprio Partido Comunista Português quando admite números variáveis de abortos é porque, naturalmente, também não tem números exactos para poder referir. Mas há na realidade um certo número de indícios: pelo movimento dos hospitais quem tem andado debruçado sobre o assunto pode, por interpolação, pensar no número de abortos feitos, face àqueles que deram complicações porque são esses que vão ter aos hospitais, e que devem ser muitos milhares por ano.
Também pôs o problema de utilização do aborto como método de controle dos nascimentos ser para todos os casos de aborto ou não. Parece-me que fui claro, na minha exposição não defendemos o aborto, isto é, a interrupção da gravidez, senão em casos raros, casos esses que foram especificados, e não nos casos como

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os que o Partido Comunista Português defende, que se prendem com razões económicas, culturais, sociais, etc. Naturalmente que grande número de abortos são efectivamente praticados por estas causas; também dissemos isto na nossa exposição, e nisso estamos de acordo com o Partido Comunista Português.
É por isso que jogamos no planeamento familiar, na educação sexual, na protecção à maternidade e à paternidade.
Estamos crentes que se muitas destas situações que levam ao aborto forem resolvidas muitos dos pais que o estão praticando agora não o farão depois.
O que é fundamental, e quisemos afirmá-lo, é que não há nenhum conceito de demografia ao falarmos no aborto como controle de nascimento. Não estamos a pensar em reduzir ou aumentar a população em conceitos maltusianos ou não maltusianos quando falamos nisto. O que queríamos apenas dizer era que pensamos no casal que quer controlar o seu número de filhos, e isto é uma atitude generalizada das famílias em Portugal - não estou a dizer que todas as famílias o façam, mas é uma atitude generalizada o facto de todas as pessoas quererem planear o seu número de filhos. É nesse controle da natalidade que estamos a pensar. Quando as famílias planeiam a sua família e limitam a um determinado número os seus filhos estão, de facto, a contrariar o crescimento da população do País.
Quanto à vida do feto, o Sr. Deputado Nogueira de Brito exprimiu o seu conceito, que está num determinado quadro de valores e está no seu pleno direito de o dizer. Comecei por dizer que respeitava todas as posições tomadas sobre este assunto e poderíamos envolver-nos em discussões que não chegariam a nenhumas conclusões porque as pessoas que têm um conceito essencialmente teológico, religioso, deste problema aceitam que há vida no feto. E isso aceitamos todos que existe a partir de que há um ovo, e até há vida no espermatozóide e no óvulo - mas no ovo está contido todo o programa de desenvolvimento, todo o esquema genético que há-de vir a desenvolver um ser humano.
Mas isso também existe no ovo das plantas, no dos animais. O grande problema que sempre foi discutido através dos séculos é o de saber qual o momento em que esse feto, esse embrião, adquire dignidade humana é o velho problema de saber quando é que passa a ter alma, porque aí é que se levanta o problema religioso. Como vêem, Srs. Deputados, há ainda outros problemas, visto que ninguém ainda aqui tinha referido o problema da alma.
Ao Sr. Deputado Azevedo Soares quero dizer que quando falei em «manifestações» disse que esperava que as houvesse e quero que o povo se manifeste, que tome parte nos problemas que lhes dizem respeito. O que não esperava é que elas tivessem atingido as características que atingiram. O Sr. Deputado não sabe, mas digo-lhe, por exemplo, que recebi cartas em minha casa que me diziam: «Se a sua mãe tivesse abortado, seu malandro, você andava agora a defender o aborto?»; e são essas reacções que me deixam ficar profundamente desiludido. Penso, portanto, que se gerou um clima emocional excessivo que terá outras finalidades que não seja a de defender o próprio tema em questão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao problema da televisão, devo dizer ao Sr. Deputado que apareci lá duas vezes: uma foi aquando do debate aqui feito sobre o Orçamento do Estado, outra foi agora e apenas apareci lá 1 minuto. Repito: 1 minuto!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vá lá, não é muito!

O Orador: - Não sei se é muito, se é pouco, mas sei que apenas apareci lá 1 minuto.
De resto, devo dizer-lhe que não tenho grande interesse em ser estrela da televisão nem tenho muito jeito, para isso.
Quanto à votação actual, podia dar-lhe muitas respostas/Em primeiro lugar, li o debate que se travou aqui em 1982 e li, há poucos momentos, a intervenção do nosso camarada Almeida Santos, que aprovou, na generalidade, o projecto de lei do Partido Comunista, mas que lhe fez muitas ressalvas para a especialidade, precisamente neste caso do aborto por razões económicas, culturais e sociais. Não há, portanto, como vê, grande diferença no nosso comportamento de hoje e no de ha 2 anos.
Em segundo lugar, até poderia haver, Sr. Deputado, visto que a Câmara tem neste momento um grupo parlamentar socialista que não é o mesmo que estava cá na legislatura anterior. E temos liberdade de voto, Sr. Deputado ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Nós também!

O Orador: - ... pelo que podíamos até ter aceite o projecto de lei do Partido Comunista ou até não incluir nenhum projecto de lei nosso. Mas foi o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que decidiu apresentar este projecto de lei.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa, para um protesto.

Pausa.

Desculpe, Sr. Deputado, mas antes de fazer o seu protesto o Sr. Deputado Manuel Alegre deseja interpelar a Mesa.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, inscrevi-me para um protesto antes do Sr. Deputado do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre deseja fazer um protesto em relação a afirmações de senhores deputados de que não detenho agora os nomes, mas, de qualquer forma, teremos que terminar primeiro as interpelações em relação à intervenção do Sr. Deputado Ferraz de Abreu para que depois lhe possa dar à palavra.
Neste, sentido, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, a sua intervenção deixou-me francamente desiludido, porquanto encarou as minhas relações com essa Ordem - o que para aqui nem vem ao caso -

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e não deu resposta ao que efectivamente aqui está em causa que é a. sua concordância ou discordância com o que está no Boletim da Ordem dos Médicos. E é isso que interessa para este debate, e não o de saber se as minhas relações com aquela Ordem eram boas ou más.
Outro aspecto que o Sr. Deputado frisou foi o do problema dos atestados, a que não me referi visto ter-me referido às pensões de invalidez. Esse é um aspecto extremamente importante, porque o que está aqui em causa e não falo por mim, mas pelos médicos, incluindo o ex-Secretário de Estado da Saúde com quem estive no final da semana passada - é que este projecto tende a retirar à sociedade civil, ao Estado e aos seus órgãos as suas respectivas responsabilidades para as transferir para o médico. O médico é que vai ser o juiz de todas as situações. Refiro que chegámos a 400 000 pensionistas de invalidez e não digo que os médicos julgaram esses casos no intuito de prejudicar o Estado ou quem quer que seja julgaram-nos generosamente, com critérios de relatividade.
Portanto, não estou aqui a discutir medicina com o Sr. Deputado, porque não sou médico, mas estou a discutir os termos de uma lei que é vaga e ambígua, e são os próprios médicos que o reconhecem, bem como o facto de toda a responsabilidade ir recair sobre eles. É no seu julgamento que vai estar a decisão final de morte ou de vida dos tais seres mais ou menos evoluídos como fetos ou até mesmo já na vida extra-uterina.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal, para um protesto.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Colega e ilustre deputado Ferraz de Abreu, ouvi com muita atenção as suas palavras, mas quero-lhe dizer que defendeu conceitos com os quais não podemos estar de acordo.
Como sabe, a Organização Mundial de Saúde define o aborto da seguinte maneira: «Extorsão do produto de concepção, de peso inferior a 500 g; neste peso inclui-se o fecto; a placenta e o líquido amniótico.»
Para nós, CDS, o conceito de vida é o de que ela começa com a fecundação. Portanto, há aqui diferenças entre o nosso conceito e o do Partido Socialista. O Sr. Deputado Ferraz de Abreu concordou com aquilo que eu tinha dito das técnicas de exploração clínica de serem falíveis em 50 %, e são-no, mas antes das 12 semanas. Mas o que quero referir é que se ao fim deste prazo ela se aproxima dos 100%, e se se vir que uma criança é normal pode-se, segundo as teses do Partido Socialista, fazer o aborto. É por isso que digo que com os 3 casos referidos no vosso projecto de lei - o eugénico, o terapêutico e a violação - abre-se um caminho altamente perigoso para que se possa vir a liberalizar o aborto em Portugal. Chamo a atenção que mesmo no caso terapêutico nós, médicos, sabemos que uma senhora amiudadas vezes sujeita à prática do aborto diminui extraordinariamente a sua resistência física e pode vir a adquirir doenças genitais muito graves, muitas delas irreversíveis, pelo que temos de ter isso em conta em defesa da saúde da mulher.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Nas parteiras é melhor, não?

O Orador: - A Sr.ª Deputada Zita Seabra deseja dizer alguma coisa?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Era só um aparte, Sr. Deputado. Estava a dizer que nas parteiras são muito mais garantidas as condições para que a saúde da mulher não tenha essas tais doenças a que se refere!...

O Orador: - Ainda lá não cheguei, Sr.ª Deputada. Amanhã, se desejar ouvir, referir-me-ei a esse facto.
Quanto à parte da violação, que é mais um dos casos em que o Partido Socialista considera que se deve permitir o aborto, quero referir que em São Paulo em 3500 casos de violação não houve um caso de gravidez e na Checoslováquia em 86 000 casos de violação registaram-se 22 casos de gravidez.
Para acabar, Sr. Deputado, digo que o vosso projecto é semelhante ao projecto espanhol. Há pouco a Sr.ª Deputada Zita Seabra disse que na Europa só há 3 casos, que são a Irlanda do Norte, Portugal e Bélgica, onde a legislação ainda não permite o aborto. Dado o vosso projecto ser semelhante ao espanhol, parece-me ir permitir o aborto também em Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu, para responder.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dizer ao Sr. Deputado Luís Barbosa que as minhas palavras não tiveram qualquer intuito de o melindrar ou ofender. Quis apenas fazer um pouco de humor, porque de facto tive ocasião de assistir a alguns diálogos entre o Sr. Dr. Luís Barbosa e a Ordem dos Médicos.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Com a Ordem dos Médicos não, com o respectivo presidente.

O Orador: - Ele representa a Ordem dos Médicos. Ele é a Ordem dos Médicos, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Se me permite, Sr. Deputado, e visto que. está de humor, diria também: quão longe vão os tempos do seu colega António Arnaut.

O Orador: - Vão longe os tempos, Sr. Deputado. Mas é sempre bom que se evolua, que se retome o bom caminho. Talvez tenha feito bem aos médicos as críticas que foram feitas na altura, mas penso também que se foi um pouco longe demais e que estamos sempre a tempo de corrigir os erros.
Mas também em relação aos módicos e às estruturas oficiais, quero dizer que - e isso talvez esteja um pouco na explicação do problema das excessivas pensões de invalidez que temos - os médicos sempre foram marginalizados pelos gestores dos serviços em Portugal. Nunca um gestor dos serviços médicos, que são normalmente economistas, juristas e administradores, se preocuparam em fazer chegar ao médico certas informações. Os gestores sempre tiveram um soberano desprezo pela intervenção do médico na gestão dos serviços e esqueciam corri frequência e esquecem ainda hoje - que administram o dinheiro, mas quem emite os cheques são os médicos, com as assi-

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naturas nas receitas, nas radiografias, etc. Se informassem melhor os médicos e os mantivessem permanentemente informados sobre os custos dos serviços e até talvez sobre os exageros de alguns gastos, talvez este problema das reformas estivesse hoje em melhor situação.
Acho muito bem que se faça uma campanha informativa junto dos médicos porque estes têm, de facto, bom coração - não quero que tenham tanto quanto a Sr. Deputada Zita Seabra disse há pouco esperar que eles tivessem - e acabam por ceder, arranjando a pensão ao. indivíduo que se apresenta. Se estivessem devidamente informados não aconteceriam esses erros.
Em relação ao Sr. Deputado Marçal, quero dizer-lhe que não compreendo como é que o nosso projecto de lei leva ao risco generalizado de abortos. O nosso projecto de lei é essencialmente destinado a impedir o aborto e eu quis dar ênfase a que ele prevê, na realidade, a prevenção do aborto e, portanto, à tal educação sexual, o planeamento familiar, etc. Esses é que são os verdadeiros projectos que acalamentamos irem resolver o problema. Reservámos o aborto para 3 casos específicos, e são 3 casos profundamente dramáticos, humanos.
Penso que qualquer deputado ao decidir isto, em vez de estar a pensar em todos os conceitos abstractos deve pensar é no verdadeiro drama em que muitas pessoas se vêem de repente envolvidas e para onde são arrastadas. Esta é, de facto, a nossa ideia. Temos a nossa opinião sobre o assunto, mas conhecemos que possam ter uma opinião diferente.
Também não percebo porque é que o problema que citou - o das violações levaram a poucas gravidezes - tem a ver para o assunto, óptimo isso só quer dizer que vamos utilizar muito poucas, vezes a interrupção voluntária da gravidez nesses casos.

Aplausos de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Tose Luís Nunes pede a palavra para que efeito? ...

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Sr. Presidente, creio, que já deu entrada na Mesa um requerimento em que se solicita o prolongamento da sessão até que um deputado de cada partido que ainda .não tenha intervindo possa usar da palavra.
Suponho que esse requerimento já está na Mesa,, pelo que peço a V. Ex.ª, que de conhecimento dele.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pretende usar da palavra?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, não damos p nosso acordo a. esse requerimento,. e interrogo a Mesa sobre se esse requerimento, que o Sr. Deputado José Luís Nunes diz já estar na Mesa, deu entrada antes das 9 horas, às 9 horas ou depois das 9 horas. É que é tal a vacuidade do que foi afirmado pelo Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chegou mesmo, às 9 horas! Pelo relógio desta Sala.

Vozes do CDS: - Oh!

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Olhe que não! Eu vi-o subir as escadas!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes deseja intervir?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, queria esclarecer duas coisas.
Era primeiro lugar, o requerimento chegou à Mesa pelas 9 horas, tempo de meridiano de Greenwich!
Em segundo lugar, gostaria de esclarecer o Sr. Deputado Nogueira de Brito que depois de termos ouvido da parte da sua bancada tantas referências à discriminação que tem sofrido e à dificuldade que tem demonstrado em desenvolver as suas ideias, esse ponto de vista nos tocou, pelo que pensamos que o debate não pode terminar hoje com opiniões unilaterais, isto é, sem que os Srs. Deputados tenham oportunidade de falar.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Azevedo Soares pede a palavra? Faço notar que estamos a prolongar a sessão para além das 21 horas, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Não, Sr. Presidente. Estamos é a discutir se é ou não extemporâneo o requerimento apresentado.
E perante a interpelação do Sr. Deputado José Luís Nunes, gostaria de saber o que é que o faz correr para que se tenha de prolongar este debate? Isto tem que ser discutido tudo de uma só vez? Por que é que os Srs. Deputados do PS ou de qualquer outro partido se mostram agora, às 9 horas, tão interessados em intervir? Querem intervir pela calada da noite, apressadamente?

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, estamos habituados a ouvi-lo intervir à luz do dia e sei que intervirá, neste ou em qualquer debate, à luz do dia. Por isso não percebo esta pressa. Por que é que havemos de continuar hoje a debater, a prolongar, a discutir? Até que horas, Sr. Presidente? Querem i constranger o CDS a não fazer todos os pedidos de esclarecimento e protestos que entender, perante as intervenções que provavelmente vão fazer o MDP/CDE, o PSD, o CDS, a ASDI (esta, pelos vistos, também se pauta pelo meridiano de Greenwich e já se foi embora!)?
Por que é que havemos de continuar hoje à noite o debate? Ê para registar no Diário? Querem este debate unicamente para que haja discursos que constem do Diário? É este o objectivo desta discussão?
Sr. Presidente, apelo aos Grupos Parlamentares do PS e do PSD para que se faça uma discussão normal. Já se prolongou até às 9 horas - e ainda bem que tal foi feito,. porque se permitiu esgotar o tratamento da intervenção do Sr. Deputado Ferraz de Abreu. Vamos j agora, atabalhoadamente, às escuras, procurar fazer rapidamente o debate?

Aplausos do PS e da UEDS.

Vozes: - Às escuras? Há muita luz! ...

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O Orador: - Sr. Presidente, apelo para que se pondere esta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iria sugerir que se desse a palavra apenas aos senhores deputados já inscritos para intervir em relação à exposição do Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
Mas em face deste requerimento, que não admite discussão, não tenho mais do que pô-lo à votação da Câmara.

O Sr. Deputado José Luís Nunes pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Para dizer exactamente aquilo que V. Ex.ª acaba de referir ...

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Risos.

O Sr. Deputado Fernando Condesso pretende intervir?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - O Sr. Presidente tem razão, mas como foi feita uma afirmação que põe em causa o meu grupo parlamentar pretendo usar do direito de defesa.
Foi dito que quem subscreveu o requerimento pretenderia usar da palavra na calada da noite. Isto é grave, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordámos com as outras forças políticas aqui presentes em que este debate fosse até às 9 horas, e demos esse acordo na perspectiva de que isso daria tempo a que todas as forcas políticas pudessem marcar a sua posição.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não o CDS, logicamente, porque o CDS tem marcado a sua posição ao longo de todo o debate -e não direi que o tenha feito a despropósito, já que tem marcado essa posição num sentido construtivo.
Assim, o CDS não necessita, provavelmente, dessa intervenção, mas nós, PSD, que temos estado aqui numa postura serena - contrariamente às insinuações de alguns deputados do CDS, que dizem que se estamos calados é porque queremos-, não temos nada a esconder, a nossa posição tem sido pública, condenámos estas iniciativas do PS, na medida em que não concordamos com elas, não obstante sermos parceiros de coligação (é evidente que não podemos impedi-las), e temos condenado também o projecto do PCP.
Simplesmente, aguardamos o nosso momento para intervir e para fazê-lo numa postura que é de ordem científica, de ordem histórica do meu partido e também de ordem política. Foi porque os expedientes usados - que não condenamos, porque legítimos - estavam a fazer com que a voz do PSD fosse a única a ser postergada no sentido de ser ouvida hoje, que subscrevemos este requerimento.
Também acho que ele foi tempestivo - tem V. Ex.ª toda a razão, Sr. Presidente. Devemos, então, votá-lo e, a seguir, quem não quiser não fala. Nós queremos falar e usaremos da palavra para que hoje mesmo, conforme é nosso direito, possamos dizer de nossa justiça.

Aplausos do PSD, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou por à votação o requerimento redigido nos seguintes termos:
Os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento da sessão até que possa falar um deputado de cada partido que pretenda ainda usar da palavra na sessão de hoje e que ainda não tenha feito qualquer intervenção.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a lavor do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez e votos contra do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Gomes de Pinho pede a palavra para que efeito?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, programámos os nossos trabalhos de acordo com uma deliberação da conferência dos líderes parlamentares, no sentido de que eles deveriam terminar às 21 horas.
A Assembleia decidiu agora, por maioria, prorrogar o período de funcionamento desta sessão sem limite de tempo, uma vez que nos parece imprevisível a definição de um termo para este debate, dado que se admite que nele possa intervir um deputado de cada um dos partidos aqui representados, o que, do nosso ponto de vista, pode prolongar este debate por várias horas.
Uma vez que o requerimento está votado e não o ponho em causa, interrogo a Mesa sobre se não seria razoável fazermos agora um intervalo para jantar e recomeçarmos o debate depois.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, interpreto o requerimento que foi aprovado pela Câmara neste sentido: terá o direito de usar da palavra, ainda nesta sessão, o Sr. Deputado Manuel Alegre, que está inscrito em sequência da intervenção do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, e posteriormente poderá usar da palavra um deputado de cada partido que ainda não tenha feito nenhuma intervenção na sessão de hoje e a queira fazer.
Como o PSD, o MDP/CDE, a ASDI, a UEDS e o CDS ainda não intervieram hoje, um deputado de cada um destes partidos poderá usar da palavra, desde que se inscreva.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, poderemos adoptar como critério razoável - porque com certeza não vamos desprivilegiar as próximas intervenções -, para medir o tempo que se gastará com as intervenções que se vão fazer, o tempo que demorámos com as intervenções que foram feitas.

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Com este critério, pergunto ao Sr. Presidente se os ilustres subscritores do requerimento que foi aprovado têm consciência da hora a que poderá terminar esta sessão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, têm com certeza porque senão não tinham apresentado o requerimento. O requerimento foi aprovado e é assim que vamos proceder.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Portanto, V. Ex.ª não considera razoável que se faça uma interrupção para jantar e se continue o debate depois?

O Sr. Presidente: - Não sou eu que não considero razoável o intervalo para jantar. Por acaso até me apetecia ir jantar ...

Risos.

... mas o requerimento tem um sentido diferente, foi aprovado e será. nos seus termos que vamos continuar os nossos trabalhos, ainda que com sacrifício de nosso jantar!
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre, para um protesto.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Os Srs. Deputados Horácio Marçal e Tomás Espírito Santo afirmaram que o projecto do PS é ainda mais perigoso do que o do PCP. Esta afirmação não nos assusta, mas ela tem uma finalidade política evidente e é contra isso que quero protestar.
O projecto de lei do PS não é perigoso, como aliás não é perigoso o projecto do PCP. São projectos diferentes e os senhores sabem tão bem como nós que o nosso é mais limitado e mais restritivo.
Portanto, porquê a afirmação de que o nosso projecto é mais perigoso, ou melhor, o que é que é mais perigoso? O que é perigoso, Srs. Deputados, é, em matéria desta natureza, tentar deturpar a verdade, é tentar fazer deste problema um problema confessional, é que haja um partido - neste caso o CDS - que pretenda, abusiva e exclusivamente, arvorar-se em porta-voz político, temporal e parlamentar das posições da igreja! Isso é que é perigoso!

Aplausos do PS, do PCP e da UEDS. Protestos do CDS.

Mas, então, porquê esta afirmação, Srs. Deputados? Ê que os senhores sabem que não vamos ceder à coacção política e moral que está a ser feita. Não trocamos convicções por votos e até estamos convencidos que a coerência nesta matéria nos vai dar votos, fazendo-os perder a quem tenta exercer essa coação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o nosso projecto vai ser aprovado, o que vai ser um sinal de mudança, que é o que os senhores não querem!

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Em relação a quê, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Em relação ao protesto que acabou de ser feito, ou melhor. Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, VV. Ex.ªs não queriam prolongar a sessão mas se estão a utilizar processos desta natureza, realmente, não vamos jantar! ...

Pausa.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Peço a palavra para contraprotestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, vou ser muito breve -aliás, como somos conterrâneos pode ser mal interpretado este processo de protesto e contraprotesto- e só quero dizer-lhe duas coisas: primeiro, nunca foquei aqui o nome da Igreja; segundo, aquilo que eu disse foi por convicção.
Há dados técnicos e médicos que me levam a concluir aquilo que eu disse e foi apenas por isso que os referi. Aliás, penso que o meu colega Narana Coissoró, embora se referisse ao Direito, queria dizer a mesma coisa.
Portanto, queria apenas dizer que aquilo que disse é minha convicção e é também a posição do meu partido.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Tenha V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, poderia dizer-lhe que as razões que me levam a tomar as posições que tenho tomado neste debate não têm que ver com convicções religiosas nem sequer com princípios filosóficos. Tem, única e simplesmente, que ver com o facto de eu, quando Ministro dos Assuntos Sociais, ter encontrado por esse país fora muitos seres cuja condenação à morte aqui se pretende consagrar nesta altura.

Protestos do PCP.

Foi realmente por encontrar esses seres humanos vivos, muitas vezes lutando com enormes dificuldades, que não considero que haja o direito de os condenar à morte. Ê esse p problema, Sr. Deputado! É um problema de consciência bem sério, se não dermos ao cuidado de os irmos visitar!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço & palavra para um contraprotesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dos projectos de lei cuja discussão hoje se inicia nesta Câmara, são, sem dúvida, o projecto de legalização do aborto, apresentado pelo

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Partido Comunista, e o de despenalização do aborto, apresentado pelo Partido Socialista, aqueles que maior polémica suscitam pelo confronto dos valores moral, ético, jurídico e sociológico a que eles próprios obrigam.
Ao participar no debate e exactamente sobre este tema, confesso que não consigo dissociar a minha qualidade de médico da de deputado social-democrata. Ê que o humanismo, que deve informar o médico e informa a social-democracia é um expressivo denominador comum.
Daí que a defesa do homem no seu todo, nas suas múltiplas facetas e componentes, deva ser assumida, sem tibiezas e com toda a frontalidade por quem o respeita na verdade.
Mas este homem a que me refiro, não é um valor abstracto, é um ser que também tem um ciclo biológico próprio, que hão sofre qualquer metamorfose, antes pelo contrário, a partir do ovo, desenvolve-se rápida e gradualmente. É bom lembrar, porque embora todos o saibam muitos o querem sonegar ou menosprezar, que TO semanas após a concepção, todos os órgãos estão formados e em funcionamento. É claro que o seu aperfeiçoamento há-de processar-se ao longo dos anos e o próprio esqueleto só por volta dos 17 ou 18 anos de idade, atinge o pleno desenvolvimento.
Aos 17 dias existem glóbulos vermelhos e brancos impulsionados por um coração primitivo que às 6 semanas já permite um traçado electrocardiográfico. O tecido nervoso forma-se também precocemente, conseguindo já hoje detectar-se um esboço de electroencefalograma. Para que tudo isto aconteça é preciso haver vida, apenas vida biológica, responderão alguns.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a existência de vida biológica é um facto irrefutável, se o embrião ou feto que se desenvolve em meio intra-uterino é um embrião ou feto humano, então a vida, dita biológica, nele materializada é, logicamente, uma vida humana.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E este feto humano vivo, porque se morresse havia um aborto espontâneo, com vida autónoma da mãe, é possuidor de toda uma carga genética que o torna diferente de todo e qualquer outro feto, o mesmo é dizer que tem uma individualidade própria.
O estudo aprofundado da embriologia humana conduziu a um tal aperfeiçoamento, que já hoje se conseguem tratar, durante o período de gestação, muitas doenças. Então, o que é que se está a tratar ou a operar senão uma pessoa, um ser humano?
Porque este ser humano no seu estádio fetal tem vida e a vida é uma só - desde o embrião, à criança, ao adulto e ao velho, sem solução de continuidade - é que ela deve ser respeitada e defendida.
E tanto deve sê-lo a vida intra-uterina, do ser humano em evolução, que ainda não sabe que existe, como a vida vegetativa do ser humano que, por acidente, doença ou senilidade, já não sabe que existe. Ou será que está a preparar-se um projecto de lei que contemple a legalização da eutanásia?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 'Não pode, legalmente, o grupo etário representado pelos adultos em plena posse das suas faculdades, dispor da vida humana, tanto na sua fase evolutiva como involutiva.
Isto mesmo é reconhecido na Constituição Portuguesa no seu artigo 24.º; na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu artigo 3.º.
No Pacto Internacional de Direitos Económicos, Socicais e Culturais de 16 de Dezembro de 1966, na parte m, artigo 6.º e na Declaração Universal dos Direitos da Criança - num dos considerandos do preâmbulo que passo a citar:
Considerando que a criança, por motivo da sua feita de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados especiais, nomeadamente de protecção jurídica apropriada, tanto antes como depois do nascimento, e também nas suas bases IV e V.
Não só, mas também, baseado nestes princípios e apoiado por estes diplomas, não pode o meu partido concordar com a legalização, mais ou menos permissiva, do aborto provocado.
Conhecendo o Partido Comunista e o Partido Socialista o repúdio da esmagadora maioria dos portugueses pela palavra aborto, ligada, indubitavelmente, à ideia de crime, tiveram o cuidado de dar aos seus projectos de lei o suave e aparentemente inofensivo título «Interrupção voluntária da gravidez» que mais não é do que a interrupção voluntária da vida de um ser humano no seu período de vida intra-uterino.
Tenham coragem, Srs. Deputados e saibam assumir-se, tratando as coisas pelos seus nomes, e não só no título. Quando o Partido Comunista se refere ao acto abortivo na clandestinidade, para dramatizar, chama-lhe sempre aborto clandestino, ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: -... mas ao mesmo acto criminoso, praticado como defende, em departamentos de saúde, com cobertura legal, passa a chamar-lhe pomposamente «Interrupção voluntária de gravidez».

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Não, Srs. Deputados, não usem subterfúgios, chamem-lhe mesmo aborto provocado porque realmente é esse o nome, independentemente do local onde seja praticado ou da cobertura legal que possua!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É o nome da lei em todos os países!

O Orador: - Sr.ª Deputada, já que não tem respeito, pelo feto, tenha pelos seus colegas deputados! Mas ultrapassemos estes aspectos e entremos propriamente no documento do Partido Comunista. Dos considerandos apresentados para justificar o articulado, permito-me fazer referência a alguns, pelas análises que merecem. Começarei pela estatística do aborto clandestino.
Ninguém ignora, nem ninguém mais do que o meu partido lastima, o número elevado de abortos praticados no nosso país. Mas também ninguém ignora a falta de credibilidade que merecem as nossas estatísticas, sobretudo em matéria de saúde, ainda por cima tratando-se de um acto clandestino.
Facilmente se chega à conclusão que é difícil apresentar qualquer casuística digna de crédito. O próprio

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documento o reconhece, mas não se coíbe de avançar com números, necessariamente altos, tão altos que, pela quantidade, possam justificar a necessidade da sua legalização.
Quero dizer-lhes, Srs. Deputados, que durante 6 anos fiz serviço de urgência no Banco de S. José, aos sábados, dia da semana em que era admitido o maior número de abortos em evolução ou complicados, e mesmo assim não entrava nada que se parecesse com um aborto de meia em meia hora que o projecto de lei aponta. Tal exagero leva-me a suspeitar que, qualquer dia, a mulher portuguesa nem tempo tem para engravidar, só tem para abortar...

Risos do CDS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que piada!

O Orador: - Por outro lado, tecem-se considerações sobre o sórdido e florescente negócio que constitui o aborto clandestino, ao flagelo social que constitui a prática do aborto nas piores condições humanas de higiene, saúde e segurança.
É triste mas é verdade: o que preocupa o Partido Comunista é o alto preço, o negócio sórdido e florescente e as más condições de toda a natureza em que a mulher se submete à prática abortiva!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aborto legalizado pode ser mais barato ou até gratuito, a marquesa onde se realizar pode ser estofada e cómoda, a sala de aborto pode ter ar condicionado e a técnica utilizada pode ser a mais sofisticada e indolor, mas mesmo assim é e será sempre um crime por morte voluntária e premeditada dum ser humano.
Alude-se mais adiante ao aborto como um direito do foro íntimo da mulher e à liberdade que ela deve ter para decidir do número de filhos que quiser e quando os desejar, admitindo o aborto para eliminação dos «intrusos».
Só pode defender estes princípios, deste modo, quem tem da vida um conceito puramente materialista e egoísta.
Também o Partido Social-Democrata considera que a mulher deve gozar da liberdade de ter ou não os filhos que entender, mas através dum planeamento familiar e educação sexual adequados, que a possam tornar responsável pelos actos que pratica.
Para o PSD, a liberdade de quem quer que seja termina onde começa a liberdade de outrém, neste caso, a liberdade de viver dum ser humano no seu estádio embrionário ou fetal.
Mas o Partido Comunista também optou pelo sistema de prazo para a mulher poder abortar, estabelecendo o prazo limite de 12 semanas, acrescentando tratar-se do limiar a partir do qual o risco de complicações e sequelas (esterilidade, prematuridade) aumenta sensivelmente. Daqui se depreende que, se num futuro próximo, a ciência conseguir eliminar os riscos de complicações e sequelas, o Partido Comunista poderá alterar o prazo até momentos antes do parto ... é que não se faz a mínima referência à vida do feto e se ela não merece qualquer respeito até às 12 semanas, não o merecerá aos 7 ou aos 8 meses! É impressionante, mas é verdade!
De resto, por extrapolação, o PC é coerente...
Milhares de mulheres têm abortado, mas pergunto quantas delas têm pedido para ver ou já viram o produto resultante do aborto - os restos do seu filho em gestação.
Há um provérbio que diz: Mal que se não vê, é mal que se não sente. Pois estou plenamente convencido de que se isso fosse obrigatório, o aborto diminuiria substancialmente, porque sou dos que acreditam sinceramente nos sentimentos humanos.
Li com atenção as intervenções dos vários deputados na última sessão legislativa aquando da discussão deste tema. Li algumas de médicos defensores do aborto que aqui falaram da angústia de muitas mulheres que se encontravam grávidas, sem querer, das suas perturbações psíquicas, das miseráveis condições físicas de mulheres que chegam aos serviços de urgência com gravíssimas complicações post-aborto. Concordo que são situações dramáticas, chocantes e que urge evitar. Mas também me choquei porque em nenhuma dessas intervenções li a mínima referência ao feto abortado.
Pois, como médico, também lhes quero deixar aqui o meu depoimento. Há mais de 23 anos que trabalho em serviços de urgência dos hospitais, tenho tido necessidade de tratar centenas de complicações post-aborto, como úteros perfutrados com ansas intestinais saindo pela vagina, curetas partidas e perdidas no abdómen, situações de facto que não se podem admitir. Mas também vi mulheres chorarem convulsivamente, com profundos traumatismos psíquicos por terem provocado o aborto, traumatismos psíquicos esses bem superiores àqueles que são por vezes provocados por uma gravidez não desejada. Retirei, quantas vezes com pinças, de dentro do útero, restos de pequenos braços e pernas, pequeninos corpos mutilados; restos de crâneo que continham ou tinham contido pequenos cérebros, muitos deles podendo vir a ser bem mais inteligentes, se os tivessem deixado viver, do que os cérebros adultos que alguém permitiu que vivessem e hoje defendem o aborto.
E pergunto: o que são estes restos de pequenos corpos que se retiram de dentro do útero senão restos de corpos humanos num determinado estádio de evolução?
Não obstante tudo o que se disse e o que ainda há para dizer, o aborto provocado existe, é uma realidade.
O Partido Social-Democrata tem consciência disso e condena-o, abertamente.
Mas não se limita a isso. Por essa razão subscreve também um projecto de lei sobre planeamento familiar e educação sexual que, bem implementado, como se pretende, poderá reduzir virtualmente a 0 o número de abortos praticados.
E que hão venham os Srs. Deputados que defendem o aborto de uma forma mais ou menos liberalizada, acusar-nos de mentalidade retrógrada, do tempo da pedra lascada. Não, esta é exactamente a acusação que faz o PSD! Não se esqueçam que o aborto é o mais antigo e primitivo método de controle da natalidade que se conhece mesmo antes da pedra lascada - e é este método que hoje se pretende legalizar duma maneira mais clara, ou encapotada, só porque ;a sua execução é mais perfeita e indolor.
O PSD opõe-se-lhe com métodos científicos, modernos que controlam a natalidade sem sacrifício de qualquer vida.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciou-se hoje nesta assembleia o julgamento, para condenação à morte, do embrião humano.
Considero um julgamento ilegal porque o acusado nem sequer foi ouvido para o acto de que foi gerado.
Poderei não ter sido o seu melhor advogado de defesa, porque apenas me preocupei em considerá-lo, sob o ponto de vista da ciência médica, um ser humano.
Como jurado, na devida altura votarei pela sua absolvição e comigo a bancada do Partido Social-Democrata.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com este discurso o PSD acaba de revelar que tem no seu seio todas as teorias possíveis nesta matéria desde o discurso despenalizador do ex-Ministro Mota Pinto e actual Vice-Primeiro-Ministro, ao discurso despenalizador do Sr. Deputado Costa Andrade, que não se encontra presente neste momento, ao discurso cavernícula e verdadeiramente arrepiante sob todos os aspectos, inclusivamente sob o aspecto jurídico, do Sr. Deputado Malato Correia, que nos vem aqui reivindicar que se exiba às mulheres os horrores de encarar o feto, como ele o descreveu horripilantemente, qual descrição que leio em todos os panfletos distribuídos pelo movimento Pro-vita e quejandos.
Infelizmente, ou felizmente diria eu, a questão que nos está aqui submetida deve ser discutida noutros termos. O legislador não pode encarar nesses termos o problema, que é o de fixar se, sim ou não, deve ser possível a interrupção voluntária da gravidez. E creio que nesta matéria é mais sensato, em vez de ler esse panfleto distribuído por esses movimentos ianques, ler aquilo que foi a sentença do Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América que o Sr. Deputado desconheceu quando foi confrontado com esta questão. Ê que são mais sensatas essas palavras.
O Supremo Tribunal confrontado com a questão de decidir o momento do começo da vida disse apenas: «Não nos cabe decidir esta difícil questão, quando os especialistas de diversas ciências, médicos, filósofos e teólogos, se revelam incapazes de chegar a um consenso. Os tribunais nesta etapa de desenvolvimento do conhecimento humano não devem responder à questão com uma especulação» - e eu diria: menos ainda com uma penalização cega e indiscriminada.
Porque em termos jurídicos, como o Sr. Deputado se poderá aperceber, sempre se distinguiu o tratamento entre a vida intra-uterina e a vida dos seres humanos desenvolvidos, após o nascimento. Não se põe nos mesmos termos o homicídio e o aborto. Por exemplo, o homicídio de uma grávida não é duplo homicídio, é, na melhor das hipóteses; um homicídio e um aborto.
O Direito não pode punir de forma igual fenómenos que são realmente distintos.
Nestes termos, sendo impossível traçar o início da vida, dizer que o Direito deve punir, e punir indiscriminadamente, a mulher é um absurdo. Não se diga aqui que se trata de fazer o elogio e a defesa à outrance dos direitos da mulher; trata-se, sim, de obter uma solução equilibrada que defenda os direitos da mulher e que não a submeta a uma gravidez compulsiva.
O PSD nesta matéria não tem critério, exibiu-nos um discurso em que os direitos da mulher são reduzidos a coisa nenhuma, fazendo um elogio absurdo e com aspectos de agravo da própria condição feminina nos seus pontos mais elementares. É um discurso lamentável, um discurso terrorista ...

Vozes de protesto do PSD.

... um discurso de emoção e um discurso que não distingue, mas confunde penalmente - senão pergunte aos penalistas da sua bancada.
Em todo o caso teremos ocasião de continuar a discutir a matéria.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Malato Correia deseja responder imediatamente ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Malato Correia (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer 3 perguntas muito concretas e directas ao Sr. Deputado Malato Correia do PSD.
Mas, antes de mais, quero dar-lhe um esclarecimento: é que o tal número dos 100000 abortos que por nós tem sido referido é da responsabilidade de um membro do PSD, o ilustre Dr. Albino Aroso, que ao fazer um despacho criando o planeamento familiar em Portugal escrevia que existem neste país 100000 abortos clandestinos. Está escrito no diploma legal que ele publicou quando era Secretário de Estado.
A questão que gostaria de lhe colocar é esta: o Sr. Deputado Malato Correia diz que a vida começa na concepção, e afirma-o em nome de uma ciência de pacotilha. Mas se formos levar esse argumento ao extremo, se a vida começa na concepção, como é que o Sr. Deputado admite no projecto de lei do PSD os métodos científicos de planeamento familiar que actuam após a concepção. Refiro-me aos chamados métodos abortivos, como por exemplo o dispositivo intra-uterino que, como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu, actua após a concepção, assim como a própria pílula que, em muitas das suas versões, actua igualmente após a concepção.
Isto é, devem ser criminalizadas todas as mulheres que usam esse tipo de planeamento familiar? Não é isto que está previsto no diploma do PSD? Ou então a vida não começa afinal aí, mas talvez uns dias depois?! ... Ou começa para umas coisas, mas para outras já não?! ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O folheto americano não explicava isso!

A Oradora: - Uma outra questão. O Sr. Deputado referiu aqui que atendeu muitas mulheres que vinham das sequelas do aborto clandestino. E eu pergunto-lhe

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agora muito concretamente: acha o Sr. Deputado que devem ser presas? Acha o Sr. Deputado que devem ser sentadas no banco dos réus e condenadas a 3 anos de cadeia? O Sr. Deputado denunciou-as? Então, para que é que quer uma lei repressiva?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Então o Sr. Deputado deu cobertura a um negócio sórdido, que é o negócio do aborto clandestino?!

Aplausos do PCP e da UEDS.

Afinal, o Sr. Deputado deve ser preso, porque foi cúmplice de criminosas que lhe passaram pelas mãos, se a lei for exactamente executada tal qual é!

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

A Oradora: - Ou então, Sr. Deputado, estamos na tal hipocrisia, isto é, querem uma lei que proíba e que reprima, mas que, afinal, a única penalização que faz às mulheres é remetê-las para o aborto clandestino.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E foram as camponesas e as operárias que lhe passaram pelas mãos nos hospitais, porque as burguesas, quem tem dinheiro, não lhe passou pelas mãos no banco de S. José, foram às boas clínicas, foram a Londres.
É este o único efeito da lei. Mas então diga aqui, claramente, se quer uma lei que penalize as mulheres com 3 anos de cadeia, se acha que elas deviam ser presas, além dessa pena macabra que o Sr. Deputado acabou de referir.
Ê isto que tem de dizer com clareza, porque se não quer mandá-las para a cadeia, então vamos alterar a lei. De contrário, não estamos num Estado democrático.
Uma última consideração: falou o Sr. Deputado no planeamento familiar e na educação sexual. Que hipocrisia também nesta matéria, Sr. Deputado Malato Correia! É que ainda há dias estive nos Açores e o Vice-Presidente da Assembleia Regional dos Açores, que é militante e Deputado Regional pelo PSD, tinha convocado uma reunião de pais de um estabelecimento de um ensino secundário do Faial, porque considerava um escândalo que os livros de Biologia do 7.º ano de escolaridade obrigatória trouxessem um desenho dos aparelhos reprodutores do homem e da mulher, considerando-o uma pornografia. E nesse sentido fez uma reunião da associação de pais para obrigar os professores a mudar o referido livro escolar para um livro sem desenhos.
São estes os conceitos de educação sexual que os Srs. Deputados têm?

No fundo, o que está aqui em causa, e tem de o, dizer com clareza, é isto: V, Ex.ª quer o cumprimento da lei, ou quer uma lei hipócrita que não é cumprida?

Aplausos do PCP.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Peço, a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - É para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado José Magalhães pediu um esclarecimento, o Sr. Deputado não lhe pode agora, por sua vez, pedir esclarecimentos.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, se não posso utilizar a figura regimental do pedido de esclarecimento, queria fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Então fica inscrito, Sr. Deputado.

O Sr. Deputado César Oliveira pede a palavra para que efeito?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Presidente: - Mas, como sabe, o Sr. Deputado deveria ter-se inscrito durante a intervenção do Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Mas eu inscrevi-me, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Como diz?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Inscrevi-me. Sr. Presidente. Eu por acaso sou fiel cumpridor do Regimento da Assembleia da República.

Risos gerais.

O Sr. Presidente: - Ainda bem, Sr. Deputado. Não quero dizer que seja uma excepção, mas ainda bem. Fica inscrito, Sr. Deputado César Oliveira, e ser-lhe-á dada a palavra na devida altura.
Entretanto, e para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Malato Correia: Ouvi com a atenção que me merecia a sua intervenção, embora confesse não ter tido possibilidade de a perceber em muitas das suas passagens, pois colocou-se a níveis técnicos e científicos nalgumas delas que a minha: ignorância em matéria clínica me impediu de acompanhar totalmente. E isto não é mais um expediente - conforme referiu o seu colega de bancada Sr. Deputado Fernando Condesso -, pois não estamos aqui com expedientes, mas sim a travar um debate político que queremos que se faça à volta de uma questão que é para nós essencial e que, por ser essencial implica, que não abdiquemos de usar de todos os meios para tentar esclarecer, para tentar inverter posições, para tentar que, no fundo a nossa maneira de encarar este problema possa fazer vencimento.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Mesmo pela calada da noite, Sr. Deputado?

O Orador: - Pela calada da noite anda o Sr. Deputado!

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Parece-me, já que estamos a falar na «calada da noite», que o Sr. Deputado Malato Correia deu um tom dramático a esta questão. Colocou-a de uma forma veemente, forte, vigorosa, como se ela fosse, também para o Grupo Parlamentar do PSD, uma questão essencial, de enorme profundidade e gravidade. Julgo que assim será, pois estou habituado a ver essa posição no PSD e, por isso, não me admira que a mantenham.

Vozes do PSD: - E é!

O Orador: - E agora, Sr. Deputado?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Vão sair do Governo ou não?

O Orador: - Se se trata de uma questão tão grave, tão delicada, pergunto: qual o verdadeiro posicionamento do PSD? Vai só tentar esclarecer, tentar desmistificar muitas das questões que hoje durante todo o dia aqui foram trazidas, trabalho esse em que o CDS acabou por estar sozinho, desmistificando muita da demagogia e da hipocrisia a que hoje aqui assistimos - e estivemos sozinhos na desmontagem dessa hipocrisia? Que consequências, se a questão é assim tão grave, tão delicada, tão profundamente sentida pelo Grupo Parlamentar do PSD? Como é que agora. Sr. Deputado Malato Correia, se consubstanciam as ameaças, como é que a gravidade deste problema tem tradução no plano político? Porque, Sr. Deputado, estamos aqui a discutir no plano político; trata-se de um combate político, temos todos de saber quais são os limites desse combate, quem se empenha nele, quem não o encara a sério e quem tira dele todas as suas consequências.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para um pedido de esclarecimento. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Malato Correia, a sua intervenção foi esclarecedora e fundamentada, pois o Sr. Deputado teve o cuidado de invocar textos internacionais onde se consagra, sem margem para dúvidas, a tese da vida intra-uterina e onde se protege expressamente o direito a essa vida após a concepção. Isso é importante, porque a certa altura, com o tipo de intervenções que aqui, foram feitas, com as acusações de obscurantismo e de tentativa de imposição e de defesa de verdades ditas de puramente religiosas e de posições confessionais que sobre nós foram lançadas, poderíamos ser levados a concluir que nenhum desses textos - o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e políticos de 1966, a Carta de S. José da Costa Rica, a Declaração Internacional dos Direitos da Criança - se atreveriam a penetrar em questões digamos, .metafísicas ou religiosas e, realmente, definir a vida como existente dentro do útero. Mas, realmente, assim não acontece e foi muito vantajosa a sua intervenção! Simplesmente, no que respeita à posição que tomou em relação ao
projecto de lei n.º 265/III e ao projecto de lei n.º 7/III, não lhe vou fazer quaisquer perguntas, pois elas são de carácter político e já foram feitas pelo meu colega de bancada Azevedo Soares. Mas ia-lhe perguntar, Sr. Deputado Malato Correia, como é que V. Ex.ª concilia as posições que defendeu com o facto de ter subscrito, sem qualquer observação, o projecto sobre planeamento familiar e educação sexual em conjunto com o Partido Socialista. Que me diz o Sr. Deputado do seu pendor estatista - já que nenhum de nós põe em causa a questão do planeamento familiar e da educação sexual - e como é que concilia as suas posições com o pendor estatizante desse projecto que subscreveram em comum com o PS e com as soluções aí consagradas? Como é que responde à observação feita pela Sr.ª Deputada Zita Seabra, designadamente como é que entende o avanço cauteloso para a inseminação artificial de que nos falou o Sr. Deputado Ferraz de Abreu?
Eram estas questões muito concretas que gostaria de deixar à sua ponderação neste momento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Eurico Figueiredo pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Malato Correia. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado, pois tinha de se inscrever durante a intervenção do Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Eu pedi a palavra em devido tempo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É que realmente não foi visto, Sr. Deputado, e durante a intervenção não se tomou nota do seu pedido de palavra.
Entretanto, o Sr. Deputado Nuno Abecasis pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Para um pedido de esclarecimento. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Deputado Malato Correia, permita-me que lhe diga que apreciei muito a sua intervenção.

Vozes do PCP: - Claro!

O Orador: - E apreciei muito a sua intervenção porque penso que ela veio no momento oportuno e veio desfazer e centrar este debate. De facto, não estamos aqui a discutir se o aborto pode ou não ser feito mais tarde ou mais cedo, estamos aqui a discutir o direito à vida. E, sob esse aspecto, o Sr. Deputado pôs o problema com a exactidão da ciência. Ê a isso que me quero referir agora.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Da falsa ciência!

O Orador: - ... e, ao mesmo tempo, assinalar a coragem de um médico que igualmente assiste a situações dramáticas, como disse.

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Queria-lhe dizer que o fez com tanto êxito que levou o Partido Comunista a invocar aqui o horripilante exemplo dos EUA, só para conseguir fazer passar essa lei de despenalização do aborto que apadrinha.
Não foi bem uma interrogação que lhe fiz Sr. Deputado, mas, de facto, sentia que em consciência devia-lhe prestar esta homenagem.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O Malato Correia, ainda ganhas a medalha da Câmara Municipal de Lisboa!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa registou como o último Sr. Deputado que pediu a palavra em relação à intervenção do Sr. Deputado Malato Correia o nome do Sr. Deputado César Oliveira. Posteriormente aparece na Mesa a inscrição do Sr. Deputado Octávio Cunha, Horácio Marçal e, finalmente, do Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
Acontece, porém, que a Mesa não se apercebeu que estes Srs. Deputados se tinham inscrito durante a intervenção do Sr. Deputado Malato Correia.
Perguntava, por isso, ao Sr. Deputado Octávio Cunha se realmente se inscreveu durante a referida intervenção e se é para um pedido de esclarecimento que a quer fazer.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Inscrevi-me sim, Sr. Presidente, e para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Cunha, inscreveu-se durante a intervenção do Sr. Deputado Malato Correia?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, eu e o meu camarada César Oliveira pedimos, simultaneamente, a inscrição.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Horácio Marçal inscreveu-se durante a intervenção do Sr. Deputado Malato Correia?

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Inscrevi-me, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Eurico Figueiredo também se inscreveu nessa altura?

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Não, Sr. Presidente, inscrevi-me depois.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou usar da palavra para prestar uma homenagem, para tirar dividendos políticos ou para colocar questões que são simples sob a forma erudita, como fez o Sr. Deputado Azevedo Soares.
Apenas desejo que o Sr. Deputado Malato Correia leia uma passagem da sua intervenção, em que procura misturar os cérebros que arrancou não sei de onde com os cérebros que hoje defendem o aborto. Tenho a impressão de que essa passagem da sua intervenção foi pouco apreciada pela Câmara e porque ela demonstra um tom miserabilista, emocional e contém apelos sentimentais, que colocam V. Ex.ª - se ouvi bem - formalmente bastante à direita de outros que aqui representam a direita, gostava que o Sr. Deputado lesse a referida passagem, para não ter dúvidas.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Começo por dizer, nesta altura, que tenho muita pena de não poder ceder o meu lugar a uma mulher que vejo acolá a assistir a esta sessão: a Sr.ª Natália Correia. Com certeza que ela diria, melhor do que eu, aquilo que eu sinto, mas que talvez não saiba exprimir pelas mesmas belas palavras que ela aqui disse, da última vez que se discutiram estes problemas. Cito algumas das suas palavras, proferidas nessa altura:
A prestigiada revista católica Espril, de França, tomou - como de certo sabe - posição favorável na campanha que fez, nesse país, sobre a legalização do aborto. E defendeu a ideia de que a personalidade do feto só é adquirida quando existe uma relação afectiva entre a mãe e o ente que está a gerar, porque só nesta relação do feto com os que o cercam - é que ele adquire humanidade.
E também, como referi nessa altura no mesmo debate, Monot, Prémio Nobel da Medicina, Minkowski, chefe do serviço de Neonatologia de Por Royal, Madame Veil, Natália Correia, Zita Seabra, Teresa Ambrósio, todos nós, homens e mulheres que lutamos pela, nossa dignidade, não somos criminosos nem infanticidas. Como não são criminosos a Sr.ª Tatcher, que não aboliu a lei em Inglaterra, o Presidente Mitterrand, que não aboliu a lei em França, ou Gonzalez, em Espanha, que a fez aprovar. Não somos efectivamente criminosos nem infanticidas. Não podemos ser metidos no saco onde nos quer meter o Sr. Deputado do PSD.
Dir-lhe-ia mais, a título de informação. Os peritos calculam que uma em cada 4 gravidezes termina com uma interrupção voluntária. A nível mundial, isto corresponde-a mais de quarenta milhões de interrupções voluntárias de gravidez por ano. Actualmente, os países sobre os quais se dispõe de informação segura onde a interrupção voluntária da gravidez é ilegal são a Birmânia, a Colômbia, a República Dominicana, o Egipto, a Indonésia, as Filipinas, a Formosa, o Zaire, a Irlanda, a Bélgica e Portugal. A população destes países representa 9 % da população mundial. Os países onde a interrupção voluntária de gravidez é livre representam 61 % da população mundial. Nos 30 o restantes, a interrupção voluntária de gravidez pratica-se com indicação médica. Em Portugal, como repetidamente tem sido aqui afirmado, em 1981, em 1982 e em 1983 foram interrompidas 100000 a 200000 gravidezes por ano nestas, 100000 a 200000 interrupções da gravidez muitas, mulheres, acabaram por morrer ou por ficar com sequelas graves.
Aquilo que quero dizer é que 91 % da população mundial que aceitou a interrupção voluntária da gra-

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videz não constitui seguramente aquela coorte em que o Sr. Deputado Malato Correia nos quer colocar de criminosos, de infanticidas e outras coisas do género.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr: Deputado Malato Correia, ouvi com muita atenção a sua intervenção. Na generalidade, concordo com as suas afirmações, mormente nas de aspecto técnico. Mas gostava que me esclarecesse o seguinte pormenor: da experiência que tem das doentes que viu no hospital depois de terem praticado o aborto, queria que me dissesse, no caso das mulheres que praticaram abortos repetidos, como é que sentem esse facto no futuro nas suas defesas físicas, nos seus órgãos pélvicos, isto é, se se ressentem ou não depois de terem praticado vários abortos.

Vozes do PCP: - Está a fazer uma consulta!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães teceu críticas em relação às várias opiniões que o PSD tem manifestado durante a discussão deste assunto. É verdade, Sr. Deputado. E não compreende isso porque o nosso partido não é um partido monolítico, nem fazemos lavagens ao cérebro aos nossos deputados e aos nossos militantes.

Risos e protestos do PCP.

É que no seu partido ninguém pode dizer aquilo que o Sr. Álvaro Cunhal não deixa dizer. Mas no meu partido isso faz-se.

Risos e protestos do PCP.

E o que tem interesse, hoje e aqui, é a posição oficial do PSD. E esta foi aqui tomada por maioria, foi aqui trazida hoje pela minha voz, amanhã será por outros colegas meus, que vão tomar posições semelhantes. Isto é que interessa. Aí, mesmo que alguém da bancada do seu partido fosse discutir lá fora uma coisa dessas, era com certeza proibido e erradiado do partido.

Protestos do PCP.

Srs. Deputados, deixem-me falar, tenham consideração pelos deputados.
O Sr. Deputado invoca também os Estados Unidos da América e os «Yankees». Ê estranho. Quando noutras alturas, nesta Câmara, se tratam de assuntos em que, por analogia, se vão buscar exemplos passados no estrangeiro - os casos do Afeganistão, da Polónia, etc.-, imediatamente o PCP vem defender que não estamos a tratar da Polónia, do Afeganistão, etc., mas sim do nosso país. Então, os «Yankees» são para invocar quando convém e não são para invocar quando não convém? Vamos lá a ver se há coerência também da sua parte, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - Quanto às opiniões dos cientistas, dos filósofos, de um certo número de individualidades com todo o prestígio, entendo que não são opiniões dogmáticas. Eles têm a sua opinião; nós, PSD, temos a nossa, e é essa posição que nós defendemos.

Protestos do PCP.

Ê evidente, Sr. Deputado, que há questões ainda em discussão em relação ao início da vida: se é no espermatozóide, se é no óvulo, se é no ovo. Digo-lhe, muito sinceramente, que nunca vi nenhum espermatozóide de barbas nem nenhum óvulo de saias.

Risos e protestos do PCP.

Também fez referências aos direitos da mulher. Mas quem é que vai contra os direitos da mulher? A mulher tem os seus direitos; o homem também tem os seus. Simplesmente, o filho que está em gestação não depende exclusivamente da mãe - e isto também serve de resposta à Sr.ª Deputada Zita Seabra. Quero dizer-lhe que, do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e da Declaração Universal dos Direitos da Criança, consta uma norma, aqui invocada, que é muito importante. É que, mesmo em países em que a pena de morte não tenha sido abolida, é proibido matar qualquer mulher grávida. Por alguma razão existe esta norma: é porque, além de merecer o direito de mãe, tem também direito a que se defenda a vida do filho que está num estádio intra-uterino.
A Sr.ª Deputada colocou-me também o problema dos métodos contraceptivos no planeamento familiar. Falou do meu conceito de métodos contraceptivos, se as mulheres devem ser presas ou condenadas. É evidente que não, Sr.ª Deputada. Não afirmei minimamente, nem deixei subentendidas entrelinhas na minha intervenção, que se devia condenar as mulheres, ou que elas deviam ser presas ou abatidas, ou outra coisa do género.

Vozes do PCP: - Então acabe com a lei!

O Orador: - Apenas disse que tinha presenciado muitas situações dramáticas pelo aborto provocado, quer clandestino, quer não, porque as situações são sistematicamente as mesmas. Mas o que é verdade é que se deviam criar condições para que estas situações não se verificassem e fossem reduzidas virtualmente a 0. Foi esta a expressão que utilizei.
Nunca condenaria isso. Mas acho fundamentalmente estranho que a Sr.ª Deputada tenha dito que eu teria incorrido numa falta por ter tratado doentes com complicações pós-aborto. Isto não é mais do que uma profunda ignorância acerca da actividade do médico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que se vivêssemos num país comunista, invertendo a posição, talvez o médico fosse condenado. Mas o médico tem que tratar toda e qualquer pessoa que se encontre numa situação que necessita de cuidados médicos. É por isso que também temos de tratar do feto e do uterino, porque também

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é uma pessoa num estado de evolução. Nunca se poderia deixar de tratar de um doente, seja por que causa for.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A lei actual é que o condena!

O Orador: - Quanto ao planeamento familiar dos Açores, devo dizer que recuso discutir neste momento as opiniões de uma pessoa que não se encontra aqui para se defender. A posição do Partido Social Democrata é a de implementar um bom planeamento familiar com a educação sexual. Se aqui estivesse o responsável pelos Açores, certamente que ele responderia por si e não teria qualquer rebuço em o fazer, porque gago também não é, Sr.ª Deputada.
O Sr. Deputado Azevedo Soares fez referência à gravidade e ao dramatismo que pus na minha intervenção, e assumiu para si a liderança deste processo. Sr. Deputado, estivemos calados até esta altura para expor, de uma maneira diferente da do CDS, as opiniões do meu partido. O CDS - e desculpe-me a expressão - foi aos «bochechos», foi-se manifestando repetitivamente, invocando um certo número de argumentos que da primeira ou da segunda bancada eram sempre os mesmos. No entanto, gostaria de dizer que quando este projecto de lei for votado, ele vai ser vetado por 30 deputados do CDS, e por 75 deputados do PSD, ou seja, por um número muito maior de votos do que os do CDS.

Protestos do CDS.

Ao CDS custa ouvir isso, mas é verdade. O CDS está menos representado neste Parlamento porque não teve a expressão eleitoral que teve o Partido Social-Democrata.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Porque o CDS não enganou o eleitorado!

O Orador: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito também fez algumas referências ao planeamento familiar, às posições, etc. Sr. Deputado, há uma coisa que lhe quero dizer: o PSD demarca-se certamente do CDS. Nós não podemos advogar com o planeamento familiar o copo de água nem antes de, nem depois de, mas em vez de termos o nosso projecto.
Poderá haver coisas com que possam concordar mais ou menos, más temos alterações a propor na especialidade, onde poderemos manifestar a nossa posição.
Sr. Deputado Nuno Abecasis, gostaria de lhe agradecer os elogios que fez em relação à minha intervenção. Penso que V. Ex.ª teve uma posição coerente e de acordo com a que nós aqui assumimos. Devemos ser realistas! Agradeço-lhe, pois, ter reconhecido que a posição do Partido Social-Democrata, hoje expressa por mim, teve o mérito de, pelo menos, estar sintonizada com a sua maneira de. pensar, Sr. Deputado.
Sr. Deputado César Oliveira, se V. Ex.ª quiser repito o que li. Contudo, quero dizer-lhe que nunca poderia ter havido da minha parte qualquer intuito de ofensa aos deputados aqui presentes ou a alguém lá fora que defenda à penalização do aborto, a despenalização do aborto ou a legalização do aborto. No entanto, temos de reconhecer que aqueles que defendem a liberalização do aborto não são os mais inteligentes que até hoje se fabricaram e que daqui para a frente se vão fabricar. A fábrica está lá, continua. Portanto, é natural que tenhamos tido oportunidade de ver cérebros que, se crescessem, seriam mais inteligentes do que as pessoas que defendem o aborto.

Aplausos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Deputado Octávio Cunha, meu ilustre colega, fez referências a Monot e a um certo número de individualidades com credibilidade em certos meios, a cientistas de renome mundial, etc. Porém, volto a dizer o mesmo que disse há pouco: são posições que não são dogmáticas, são conceitos de vida, defendem princípios que não se identificam com os que defende o Partido Social-Democrata e a sua maneira de estar no mundo. Portanto, esta é uma posição irresolúvel. O Sr. Deputado tem razão em aderir ao projecto que eles defendem, mas eu tenho outras razões para defender o humanismo que neste momento o meu partido defende e que, creio, continuará a defender.
Também não chamei de criminosos nem de assassinos às pessoas. Na minha intervenção não há nenhuma passagem que queira penalizar as pessoas que praticam ou que colaboram na prática do aborto.
Sr. Deputado, não conheço pessoalmente o seu serviço, mas sei que é um serviço de pediatria e de recuperação de recém-nascidos, com renome, e que V. Ex.ª marcou positivamente a sua posição pessoal e certamente a dos seus colaboradores de serviço. Contudo, dentro do conceito humanista que também tenho, devo dizer-lhe que não posso aceitar que, mesmo com diagnósticos intra-uterinos de determinadas afecções e de determinadas enfermidades, se matem as pessoas. Senão, teria que pedir aos defensores desta teoria que afirmassem muito claramente aos deficientes que hoje nos ouvem que no tempo em que eles estiveram para nascer, se a vossa lei estivesse aprovada, os tinham condenado à morte e não os tinham deixado viver.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perguntem aos cegos se, mesmo sendo cegos, não são felizes neste mundo. Perguntem aos deformados fisicamente se preferiam ter sido abortados pela mãe do que existirem hoje. Cada um tem direito à felicidade da maneira como se conhece neste mundo.
Se infelizmente nascem seres deficientes, não podemos permitir que o Estado -e até posso dizer o meu partido, que já esteve e continua a estar no Poder- não tenha sido capaz de resolver inteiramente os seus problemas. Isto é um desafio para ele para o futuro no sentido de que colabore activamente na possibilidade de dar a esses deficientes condições dignas para viver.
Também não posso conceber que por razões simplesmente económicas ou de comodidade da mulher se possa praticar todo o tipo de crime. Planeie-se, faça-se uma educação sexual a sério e não se permita que para comodidade de uns se matem outros. A nossa liberdade deve parar onde começa a liberdade dos outros. E a liberdade de viver de quem quer que seja deve ser assumida por todos nós, com toda a clareza.

Aplausos do PSD.

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Ao meu ilustre colega e amigo de velhos tempos, Horácio Marçal, quero dizer-lhe que da experiência que tenho - infelizmente larga, para responder ao Sr. Deputado Carlos Brito quando há pouco troçava da minha experiência profissional pois sou cirurgião, não tenho um conhecimento profundo no seguimento de tratamentos pós-aborto. No entanto, tive conhecimento de mulheres que tinham abortado 34 vezes, nas quais verifiquei uma grande degradação física.
Peço desculpa de entrar neste campo, mas foi um colega que mo pediu.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - De as explicações em casa!

Vozes do PCP: - Uma consulta!

O Orador: - Não é nenhuma consulta porque o Sr. Deputado Horácio Marçal não precisa que lhe dêem consultas. Contudo, quero dizer que a situação uterina dos órgãos anexos e mesmo todo o estádio dos órgãos sexuais estava profundamente traumatizado e alterado.

Aplausos do PSD.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - É só para dizer que esperava, efectivamente, este tipo de intervenção da parte do PSD.
E já agora aproveito para dizer que o CDS este ano - até hoje pelo menos, não o fez, mas não sei se amanhã muda o estilo - não usou o tom miserabilista que V. Ex.ª usou em várias partes da sua intervenção. Por isso, digo que esperava este tipo de intervenção da parte do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Dá-me licença. Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente.- o Sr. Deputado Octávio Cunha já fez, há bocado, um protesto. Das duas figuras regimentais que o Sr. Presidente lhe sugeriu pedido de esclarecimento :ou protesto- ele optou pelo protesto. Aliás, o Sr. Presidente disse: «Tem 2 minutos para um protesto.»

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem razão. Sr. Deputado tem razão. Peço desculpa, mas não me tinha apercebido disso. Assim, o Sr. Deputado Octávio Cunha não pode usar da palavra para protestar.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Presidente desculpar-me-á, mas entendo que o Sr. Deputado do PSD não tem razão e, consequentemente, a Mesa também não.
O meu camarada Octávio Cunha pediu há pouco a palavra para protestar em relação à intervenção do Sr. Deputado Malato Correia e pediu agora a palavra para protestar em relação às afirmações que, posteriormente, foram proferidas por aquele Sr. Deputado nas respostas que deu às interpelações a que tinha sido sujeito, pelo que tem, em absoluto, o direito de o fazer.

O Sr. Presidente: - Não vou agora discutir com o Sr. Deputado a interpretação do Regimento, mas o facto é que aqui na Assembleia nunca assim se fez.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Presidente desculpar-me-á, mas quando tiver oportunidade de consultar o Diário da sessão de hoje verificará que nesta sessão se fez isto com frequência, que houve múltiplos protestos e esclarecimentos dados. Hoje mesmo isto se passou e, repito, o Sr. Presidente terá ocasião de o verificar lendo o Diário desta sessão.

O Sr. Presidente: - Só por inadvertência da Mesa, Sr. Deputado, é que assim aconteceu.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Malato Correia, as nossas perguntas ficaram sem resposta e o Sr. Deputado agravou aquilo que já tinha afirmado antes.
Primeiro, refiro que é lamentável o facto de ter invocado instrumentos internacionais, que geralmente são conhecidos pelos cidadãos - como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os pactos celebrados no âmbito da ONU e a Declaração Universal dos Direitos do Homem- para sustentar e extrair desses instrumentos a proibição da interrupção voluntária da gravidez. Isso é um absurdo. Esses instrumentos são subscritos por dezenas e dezenas de países, onde na maior parte dos casos a IVO é legal, por vezes em condições abertíssimas e larguíssimas, que excedem tudo o que nós propomos e que é proposto pelo PS. E o Sr. Deputado vem dizer a esta. Câmara que pretende que levemos a sério que o aborto é proibido, porque estes instrumentos diriam uma. coisa que o Sr. Deputado diz que dizem e que, obviamente, não dizem. É um contrasenso e uma mistificação grosseira e indigna desta Câmara.
O segundo aspecto, lamentável, da sua intervenção é a hipocrisia e a incoerência. O Sr. Deputado diz: «Não, não, eu não quero que as mulheres sejam condenadas.» Mas então não quer que as mulheres sejam condenadas o Sr. Deputado até diz que as trata - e, no entanto, mantém uma proibição legal que implica que elas não só venham a ser condenadas como as empurra para os meandros do aborto clandestino, com as consequências que o Sr. Deputado descreveu com esse ar caritativo e condoente! Nós bem mais gostaríamos de ver esse ar traduzido na aprovação de uma lei que alterasse esta situação.
Finalmente o Sr. Deputado diz que não é dogmático. E então assume a sua posição com base científica larguíssima, genuína, potente, que podemos ouvir como incontestável, e diz a vida começa aqui ou ali, o aborto é proibido e isso tem consequências dramáticas ...

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E o Sr. Deputado, depois de ter inventado uma pena aberrante, que é a contemplação compulsiva do feto pela mãe, que é uma das invenções mais abstrusas e tolas que já ouvi, e que é censurável e muito grave ...

O Sr. Malato Correia (PSD): - Desculpe, não ouvi ...

O Orador: - A contemplação compulsiva do feto! É aquela parte da sua intervenção, particularmente repugnante, em que descreve o feto cortado aos bocados, e em que diz que a mulher que já sofreu a violência do aborto devia ser forçada a contemplar - não sei se obrigada pelas suas mãos esse feto no estado residual. Isso é algo profundamente repugnante.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - E eu pergunto: que diabo de humanismo é este que condena a mulher, não só a esta pena bárbara e degradante, como pretende arvorar como caminho ético a construção de mais prisões para levar lá para dentro as mulheres portuguesas? E pergunto mais: que novo dogmatismo e humanismo é esse que se traduz, afinal, na mais bárbara condenação e perseguição da mulher?
O Sr. Deputado diz que não. É pura hipocrisia! Em todo o caso é lamentável.

Aplausos do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Malato Correia, é sempre fácil recorrer a contagens numéricas nesta matéria, mas a questão é outra, Sr. Deputado. O Sr. Deputado parece entender a vida parlamentar, o debate na Assembleia, como um desfile de afirmações de discursos em que se diz aquilo que se pensa e em que depois vamos todos para casa. Mas não é esse o entendimento que tenho e que o CDS tem do debate parlamentar e do debate político. Porque se é para aqui virmos todos, cada qual com o seu discursozinho, chegar ali, registar e irmo-nos embora, não valeria a pena estarmos aqui 250 deputados. Diz-se quem é que vem cá no dia X, os outros assinam a folha e podemos ir todos embora.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o que o CDS quer!

O Orador: - Isto, Sr. Deputado, é um debate político e a questão que lhe levanto é esta: O PSD apresenta uma posição de princípio correcta, com a qual, estou inteiramente de acordo e faço-lhe aqui um elogio mas; quer vir aqui apenas, lavar as mãos sobre esta questão, utilizando uma linguagem militar? O PSD parece estar a seguir uma política de discussão, mas fica com os mísseis no bolso!
O PSD vem apenas aqui escondidamente, faz uma, pequena intervenção num areópago. E eu pergunto: O PSD está disposto a instalar na Europa os mísseis. Pershing 2 sobre esta matéria? Está disposto a levar até ao fim a sua política de dissuacão? Está disposto a ser coerente nesta política com a política de defesa que prossegue? Porque só se o fizer é que posso entender que a estratégia do PSD, neste momento, neste Parlamento, seja uma estratégia de alto alcance, porque até à data, não posso deixar de lamentar que o PSD não nos tenha acompanhado no combate político que aqui temos tecido com o PS, com o PCP, cora todos, pela defesa dos mesmos valores que vi defender. Estivemos sozinhos na defesa desses valores Sr. Deputado e a questão é esta até onde é que vai a utilização, pelo PSD, da sua política de discussão contra o aborto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é que é defender a vida!
Neste momento, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para um protesto.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero protestar porque o meu amigo Malato Correia foi muito simplista na resposta que me deu.
Em relação às fórmulas de contraceptivos, aos tipos, só insisti que o Sr. Deputado Malato Correia respondesse à pergunta da Sr.ª Deputada Zita Seabra. Quanto ao mais, Sr. Deputado, não lhe falei nos tipos de contraceptivos nem lhe indiquei qual a política do CDS nessa matéria.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Pergunte ao Sr. Deputado Morgado!

Risos.

O Orador: - O que lhe perguntei, Sr. Deputado, era o que me tinha a dizer quanto ao pendor estatizante do diploma respeitante ao planeamento sexual.

Risos.

Perdão, ao planeamento familiar e à educação sexual.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este humor também é necessário para amenizar o cansaço em que estamos caídos, mas agradeço o favor de guardarem silêncio porque senão tornamo-nos ainda mais demorados.

O Orador: - Sr. Presidente, devo dizer-lhe que isto é um humor involuntário.
Também queria obter uma resposta do Sr. Deputado em relação, ao avanço cauteloso para a inseminação artificial de que nos falou o Sr. Deputado Ferraz de Abreu. O que é o «avanço cauteloso», Sr. Deputado? Até onde é que vão as cautelas do avanço? Até onde é que se avança nesta matéria?
Foi sobre essa matéria que o Sr. Deputado Malato Correia não me respondeu e sobre a qual fiquei curioso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia para responder a estes protestos, se assim, o desejar.

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O Sr. Malato Correia (PSD): - O Sr. Deputado César Oliveira protestou pelo tom dogmático com que o PSD aqui tinha marcado as suas posições, talvez ainda mais à direita do que o CDS já o teria feito. Ê um tipo de argumento habitualmente utilizado por parte da oposição, pelo que não tenho mais nada a argumentar.
Em relação ao Sr. Deputado José Magalhães, digo-lhe que a minha invocação dos tratados internacionais não foi factor único, exclusivo e determinante na nossa posição, não só mas também baseado nestes princípios.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma asneira!

O Orador: - Asneira, no seu entender. As asneiras do Partido Comunista são reconhecidas pelo povo português, que bem as conhece!
Quanto à condenação da mulher, já está farto de aqui ser dito que ninguém pretende condenar a mulher. Simplesmente tem é que se criar condições para que não haja aborto em Portugal e para que não tenha que se recorrer a esse método primitivo que os senhores querem utilizar.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - A lei existe!

O Orador: - Esta é a nossa opinião, quer os senhores queiram quer não. Vocês têm a vossa, nós temos a nossa, e a nossa posição é, com certeza, expressão de uma grande maioria do povo português.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vê-se!

O Orador: - Quanto ao facto horripilante de eu ter falado nos restos fetais - e isto também em relação aos outros Srs. Deputados que fizeram este protesto - devo dizer que não criei nenhuma obrigação para tornar aquilo um filme de terror da meia-noite.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pior do que isso!

O Orador: - O que disse é que se as mulheres vissem aquilo que lhe é tirado de dentro do útero talvez não cometessem aquele número de crimes que cometem contra a vida humana intra-uterina. Mas não são só as mulheres; também o Sr. Deputado seria capaz de vomitar as tripas se visse.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse argumento é infame!

O Orador: - É infame, mas é verdadeiro!
Também teceu considerações acerca do seu entendimento sobre o funcionamento parlamentar, a atitude que o PSD tem tomado no debate, etc. A estratégia: que o CDS, ou o PSD, ou outro partido tem nesta Assembleia, é da inteira responsabilidade desse partido. O Sr. Deputado já disse há pouco que se repetiram só para ter uma interpelação e para dar a impressão aos órgãos da comunicação social de que os senhores tinham assumido que éramos únicos defensores desta matéria da vida humana e até queriam contrariar que o PSD hoje fizesse aqui uma intervenção para marca posição.
Não estão sozinhos no combate. O PSD está também no combate contra o aborto e é por isso que eu disse há pouco que quando chegar à altura da votação - porque é isso que nos vai interessar fundamentalmente -- os senhores apresentam 30 votos, nós apresentamos 75 votos contra ...

Vozes do CDS: - Ora ainda bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Nogueira de Brito e às considerações que teceu de um planeamento familiar - que chamou por engano planeamento sexual - quero dizer-lhe que se se entende por estatização o pôr-se os métodos ao alcance de todos com uma informação adequada sobre a sua utilização para evitar o aborto, então somos perfeitamente estatizantes nesta matéria.
Quanto à inseminação artificial e para que o Sr. Deputado não venha depois fazer um contraprotesto a dizer que não respondi inteiramente às suas perguntas - amanhã, outro colega da minha bancada fará uma intervenção sobre planeamento familiar e justificará com certeza o que ela significa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado jardim Ramos para um protesto.

Pausa.

Desculpará o Sr. Deputado Jardim Ramos, mas o Sr. Deputado Lopes Cardoso pretende interpelar a Mesa.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, há pouco o meu camarada Octávio Cunha foi impedido de formular um protesto porque a Mesa entendeu que os protestos apenas se poderiam formular em relação às intervenções e não em relação aos pedidos de esclarecimento ou às respectivas respostas que eventualmente fossem formuladas, entendimento esse que vinha ao arrepio de tudo o que se praticava. Não pretendo, por isso, opor-me a que seja dada a palavra ao Sr. Deputado, porque concedendo-lhe a palavra a Mesa continuará na prática que assumiu pelo menos desde o início desta sessão. Agora o que reivindico é que não haja tratamento discriminatório e que seja também dada a palavra ao meu camarada Octávio Cunha.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Sr. Deputado Jardim Ramos: A Mesa considerou a situação e não vai conceder-lhe a palavra. Primeiro, porque importa estabelecer uma certa regra e evitar, tanto quanto possível, perdas de tempo que nos levariam com os protestos, a fugir do elemento fundamental que aqui estamos a discutir. Por uma economia processual entendemos que os protestos só serão possíveis quando resultem das intervenções que foram feitas.
O pedido de protesto que o Sr. Deputado pretendia formular fora em função de um esclarecimento dado e não em resultado de uma intervenção na figura regimental, que temos procurado definir e ainda que não fosse, irias aí cairíamos numa outra figura que não a de protesto. De maneira que nesta linha de pensamento V. Ex.ª não poderá usar da palavra.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Aceito a decisão. Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Muito obrigado.

Tem então a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Queria pedir a V. Ex.ª que, caso não se importasse, consultasse os grupos parlamentares sobre a seguinte questão: esta intervenção do Sr. Deputado Malato Correia demorou l hora e meia; para se cumprir o requerimento apresentado pelo PS e faltando intervir o MDP/CDE, a UEDS, a ASDI e o CDS, dá mais 6 horas, o que, juntando às 10 horas e 30 minutos que já são, significa que só às 4 horas e 30 minutos da manhã poderemos sair daqui, já não para jantar, já não para cear - será para tomar o pequeno almoço!
Assim, pedia ao Sr. Presidente que, admitindo ser este o condicionalismo que se vai verificar, indague junto dos grupos parlamentares se aceitam este regime para o debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acho inteiramente pertinente a questão colocada e vou por pedir aos líderes que me digam o que se lhes oferecer sobre o assunto.
No entanto, tinha pedido a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS) - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Como invoca uma questão prévia, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão prévia prende-se não só com o requerimento, mas também com o objectivo das nossas discussões.
E requerimento, que tive a honra de subscrever juntamente com alguns colegas do PS e do PSD, tem, curiosamente, a mesma natureza que o nosso projecto relativo ao aborto - não obriga ninguém a falar, tal como não obriga ninguém a abortar.

Risos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah!

O Orador: - Os grupos parlamentares que assim o desejarem poderão usar dessa faculdade. Assim, essa consulta é perfeitamente inútil, e se não houver ninguém inscrito para falar nós e o País tiraremos as consequências políticas dó facto, e V. Ex.ª deverá encerrar a sessão.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

Vozes do CDS: - Essa é boa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

Pausa.

Como não está presente, tem a palavra, para uma intervenção, Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vir falar aqui sobre o planeamento familiar, sobre a protecção da maternidade e da infância, sobre a interrupção da gravidez, quando tudo já está dito há algumas dezenas de anos na Europa civilizada, poderia parecer uma perda de tempo. De facto, talvez fosse mais útil utilizar o meu tempo para um espaço de silêncio. Seria importante que cada um pudesse criar, por um instante que fosse, esse espaço de reflexão e de silêncio; que cada um visse por dentro, certo de todas as suas incertezas, e que apesar de tudo fosse capaz de decidir.
É fácil deixar tudo como está. Hipocritamente virar costas a si próprio e à realidade que o rodeia. Mas já não é mais possível.
Têm sido aqui debitadas milhões de palavras. Para muitos dos presentes e infelizmente para muitos mais dos que estão lá fora muito do que aqui é dito não é bem ouvido e muitas vezes nem sequer é sentido.
Esse pequeno espaço de silêncio que gostaria de me conceder teria a pretensão de significar o imenso espaço de liberdade pertença dos homens que decidem por si, não se sujeitando a opções circunstanciais ou a pressões que lhe possam ser impostas seja por quem for.
Esse silêncio pretenderia ter o significado que as palavras ditas e reditas já tem.
Esse silêncio seria também o grito dos milhares de mulheres que ao longo dos anos têm vindo a abortar na clandestinidade.
Esse silencio pretenderia ser o espaço que pertence a todas as mulheres portuguesas que aqui gostariam de vir dizer aquilo que sei, aquilo que pressinto, mas que nunca saberei dizer tão bem como elas.
Esse espaço de silêncio gostaria de o ver preenchido pelas palavras dessa mulher extraordinária que é Natália Correia - onde está você -, mulher feita de palavras vivas que se sentem como nossas, palavras universais - Natália Correia, mulher feita de palavras, mulher de palavra.
E preenchido por si, Teresa Ambrósio, Maria Belo, e por ti mulher de nome mulher a quem ninguém pergunta o que pensas, o que sentes.
Onde estão vocês?
Esse espaço seria ainda a preencher pelas ideias transparentes que atravessam todas as fronteiras obscuras, bafientas, hipócritas que os homens criaram ao longo dos séculos.
Um espaço para Simone Veil, essa mulher da Europa.
Mais pequenino, mas também para vocês mulheres socialistas. Apesar da vossa timidez o tabu está quebrado. Um grande espaço para si, Zita Seabra!
Mas se tantas dessas mulheres aqui faltam estamos cá nós - os homens. Sobretudo muitos senhores. Senhores de si. Investidos do poder farisaico e hipócrita que lhes permite afirmar que a realidade não existe. Que desde a última vez que o problema da interrupção da gravidez aqui foi discutido não se fizeram 200 000 abortos clandestinos e que não morreram dezenas de mulheres. E que ninguém foi violada. E que mulheres não trouxeram dentro de si durante 9 meses fetos mal formados condenados a morrer logo ao nascer. E que crianças normais nascidas da noite não foram atiradas para a lixeira mais próxima. A realidade não existe!
Mas, como dizia, cá estamos nós. Uns poucos - a decidir sobre algo que não deveria sequer ter de ser decidido se não houvesse uma legislação retrógrada, desumana, que é necessário ultrapassar.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E ultrapassá-la será apenas dar a cada indivíduo a possibilidade de agir dentro do contexto espiritual a que adere. O papel da lei a criar, neste domínio onde tão poucas evidências existem, deve consistir essencialmente em permitir que cada um haja com o máximo de responsabilidade - quer dizer, sem abusar da liberdade conquistada. É isso a democracia.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Uma lei ou a inexistência de lei que mantenha tabus e proibições não será cumprida. Será uma lei má. Condenada a ser desrespeitada. Segrega mais hipocrisia. Põe em causa a própria essência do Estado.
Claro que alguns dirão: e nessa lei que se quer criar onde está o respeito pela liberdade de escolha daquele que ainda não é?
Meus senhores: o respeito pela vida não é respeitar o encontro por erro, por esquecimento, por falhanço, pela violência ou apenas por acaso de um espermatozóide com um óvulo. Para nós, o verdadeiro progresso consiste em fazer falhar o falhanço, o esquecimento em reparar o erro.
Para nós, a liberdade começa pelo respeito que a mulher, a portadora da vida se quiserem, nos merece.
Por isso repetimos - o problema da interrupção da gravidez não é uma questão política, nem partidária, muito menos religiosa, ao contrário do que muitos querem.
É só, e chega, uma questão de liberdade individual.

Aplausos cia UEDS, do PS, do PCP e do deputado independente António Gonzalez.

Durante a intervenção, reassumiu a presidência e Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Azevedo Soares, Narana Coissoró, Luís Beiroco, Nuno Abecasis e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, lamento não ter tido oportunidade de ouvir na íntegra a sua intervenção, mas apenas a parte final, e era sobre esta parte final que gostaria de pedir alguns esclarecimentos.
Referiu o Sr. Deputado que a questão da interrupção voluntária da gravidez, vulgo aborto, não é uma questão política, partidária ou religiosa. Estou inteiramente de acordo, Sr. Deputado.
Mas isto não quer dizer que não seja perfeitamente legítimo, natural e desejável que sobre ela se trave um duro combate político e que sobre essa questão a própria igreja católica" não possa defender com veemência os seus próprios pontos de vista.
Aqui, euro exclusivamente do combate político, euro apenas dê combater a sua posição, não num plano de pura política ou de instrumentalização política, não no plano partidário ou dos dividendos partidários, não no plano das minhas convicções religiosas.
O que já me parece possível, Sr. Deputado, é tirar daqui a ilação de que isto é apenas uma questão do foro individual, porque quando V. Ex.ª quer encarar a interrupção voluntária da gravidez como uma questão do mero foro individual, quando a Sr.ª Deputada Zita Seabra encara esta questão apenas como a protecção de direitos da mulher, direitos à qualidade de vida, ao bem-estar, à sua serenidade, ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem é que disse isso?!

O Orador: -... está-se a desvirtuar profundamente o fundo da questão.
Quando o Sr. Deputado diz que isto se pode ficar a dever ao erro, ao engano e que, se assim for, é necessário pôr fim ao erro, essa é, a meu ver, uma posição irresponsável na sua formulação. E porquê? Porque os erros, os enganos devem ser assumidos enquanto tais, a não ser que V. Ex.ª queira negar na vida, quer neste plano, quer em muitos outros, os efeitos do próprio acaso. E se assim for, Sr. Deputado, quantos e quantos filhos não deixariam de nascer por terem sido involuntariamente desejados?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Outro Morgado!

O Orador: - Sr. Deputado, a questão é outra: é a de saber se há ou não necessidade de se fazer um juízo colectivo que possa constituir uma censura e uma prevenção geral em relação a esta matéria. Deve-se ou não se deve encarar a questão do aborto como uma questão de interrupção de vida? Se há vida, se há interrupção de vida, não procuremos apenas esquecer essa questão e cuidar de todas as circunstâncias graves e lamentáveis que rodeiam tantas vezes essas mesmas práticas, esquecendo-nos assim daquela questão de fundo.
Parece-me ser pura cegueira, ser falta de coragem, encarar frontalmente os problemas - todos eles - e dar de barato, esquecer um plano essencial desta discussão, para apenas procurar encontrar soluções para casos e circunstâncias adjuvantes da própria situação concreta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Rica prevenção!

O Sr. Presidente: - O Sr. Octávio Cunha pretende responder já?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, pretendo responder imediatamente, mas antes disso, se V. Ex.ª - e uma vez que voltou a ocupar as suas funções - me permite, dirigia-me a si neste momento. Aliás, gostaria de o ter feito na altura em que iniciei a minha intervenção, até porque foi a minha primeira intervenção nesta Assembleia renovada e não queria deixar passar esta ocasião sem cumprimentar V. Ex.ª e os deputados aqui presentes, bem como os ausentes.
Ao cumprimentá-lo, Sr. Presidente, queria lembrar muito rapidamente que a última vez que tive o prazer de participar numa reunião a que V. Ex.ª presidiu - já lá vão 20 anos - foi numa casa nos arredores de Roma, onde, na altura, organizávamos no estrangeiro a luta antifascista. Ao vê-lo aí a exercer as funções de Presidente da Assembleia da República fico satisfeito e é, também para mim, uma garantia de que um espaço de liberdade neste país está garantido.

Aplausos da UEDS, do PS e do PCP.

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Vou passar a responder às questões levantadas pelo Sr. Deputado Azevedo Soares.

Sobre a igreja católica, o que me admira são as rações por que, de repente, a igreja católica se agita tanto. Penso que a igreja católica - e não vou demorar-me muito sobre este assunto - se agita tanto porque, de facto, o que está em causa para ela é um problema político, isto é, o que está em causa é, efectivamente, um ataque cerrado ao Partido Socialista por razões obviamente políticas.
Em relação ao problema do foro individual de que V. Ex.ª fala, é evidente que o Sr. Deputado nunca perceberá isto nem nunca entenderá o nosso conceito, porque o Sr. Deputado enferma daquilo que é o pecado original. O Sr. Deputado vive, efectivamente, no medo do pecado original. Para si, o fazer amor - e segundo a velha teoria «Morgadiana» exposta nesta Assembleia - tem de acabar mecanicamente na concepção, tem de acabar ao fim de 9 meses numa criança. Para si a concepção do prazer pelo prazer, de fazer amor por amor, parece que não existe. Para nós é extremamente importante.

Risos.

Sobre o juízo colectivo, ele existe, Sr. Deputado! As mulheres abortam apesar da lei. E o que é que acontece? Acontece que a Ordem dos Médicos, que sabe quem é que aborta, cala-se; a polícia não prende; os tribunais não julgam; o Sr. Deputado não faz manifestações de rua contra os médicos que fazem abortos. O juízo colectivo existe, é a própria mulher que está em causa e por isso falo de liberdade individual. É a mulher que decide, efectivamente, sobre si própria e quando o faz está a usar um direito legítimo que eu como homem, uso há séculos e que ela não tem podido utilizar.

Aplausos da UEDS, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado fica inscrito.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Na pequena parte não poética da intervenção do Sr. Deputado Octávio Cunha, que vem na sequência das afirmações feitas hoje à tarde, ficámos inteirados de que o Sr. Deputado se coloca naqueles tempos dos romanos, em que os patrícios faziam amor por amor e quando deste amor por amor nascia um filho tinham o direito de vida e de morte sobre o resultado desses amores.
Também ouvimos aqui defender, da mesma maneira, que o feto não é nada daquilo que os romanos diziam, que é uma parte das vísceras da mãe e, como tal, se atira fora porque o amor por amor está feito e aquilo que saiu não interessa a ninguém. Tudo isto vem na sequência lógica. do progressismo, da liberdade, e de tudo o que aqui ouvimos...
Também ouvimos dizer aqui - esquecendo que o que estamos a discutir é a modificação da lei actual e não quaisquer outros problemas - que todos os juristas que têm contribuído através dos tempos para o Direito que hoje vigora -que não é de 1852, mas sim de há 2 anos atrás - são todos uns hipócritas, uns falhados, uns indivíduos que não merecem a consideração de ninguém.
O que pergunto ao Sr. Deputado Octávio Cunha é se, independentemente das ideias que tem sobre o feto, sobre as vísceras ou não vísceras e sobre a vida - debate que nós, e eu .pessoalmente, não trouxemos para aqui -, está mesmo convencido de que os juristas que estão a debater em Portugal esses problemas a nível universitário, a nível de advogados, médicos e sociólogos e que, bem ou mal,- vazaram em lei as soluções que hoje se pretendem modificar, são realmente uma corja de hipócritas e não indivíduos responsáveis e honestos que, em face do complexo cultural e valorativo desta sociedade, entenderam ser aquelas as soluções que melhor serviam ao povo. Podem estar errados - e por isso estamos aqui a debater se devem ou não ser modificados estes artigos -, mas passar-lhes um atestado de hipocrisia e de irresponsabilidade, não é irresponsabilidade a mais da sua parte?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Está com uma falta de substracto!

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Para protestar contra a última resposta do Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado:

O Sr. Deputado Octávio Cunha, há outros deputados inscritos para pedirem esclarecimentos, pelo que desejaria saber se o Sr. Deputado deseja responder já ou só no fim.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Desejo responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Talvez, Sr. Deputado Narana Coissoró, que os patrícios dessas épocas fizessem amor por amor, mas não sei se sabe que eles proibiam o prazer aos servos.

Aplausos e risos da UEDS, do PS e do PCP.

Sobre os tais magistrados, o Sr. Deputado perguntou se eu achava que eles eram um corja de hipócritas. Eu não utilizo o termo corja, perguntei só se eles eram hipócritas. Pois bem, se a situação na época em que está lei foi criada - a lei que actualmente vigora no nosso país - era idêntica à de hoje, então esses juristas eram, efectivamente, hipócritas.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se a situação era diferente, esses juristas eram, provavelmente, pessoas sérias que tentaram fazer o melhor que estava ao seu alcance.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, para além do recorte literário do seu discurso, há um ponto central da sua intervenção em que o Sr. Deputado não tem de todo razão, isto é, quando diz que a questão da interrupção voluntária da gravidez é uma questão de mera liberdade individual.
Penso que não é assim. O aborto é, por um lado, um problema social grave - e nesse aspecto creio que todos nós nesta Câmara estamos de acordo que é preciso conhecer as causas que levam à existência desse problema -, mas, por outro lado e noutra perspectiva, não é apenas um problema de liberdade individual. E a melhor prova de que não é assim é o próprio projecto do Partido Socialista que estamos a discutir. Se fosse uma questão de mera liberdade individual não era necessário tentar delimitar, como tenta fazer o projecto do Partido Socialista, os casos em que seria permitida a interrupção voluntária de gravidez.
Creio que, ao contrário do que o Sr. Deputado afirmou, o aborto é, também, uma questão de cultura política, isto é, perante situações em que há um claro conflito de valores, qual é a ponderação que se deve fazer desses valores: se se deve valorar sempre, e em absoluto, o direito da mulher ou se se deve valorar mais o direito à vida ou, ainda, se se deve entrar em formas de composição entre estes dois valores. Essa é quê é a verdadeira questão.
Penso que não é uma questão de liberdade individual e, por isso, gostaria de saber se o Sr. Deputado Octávio Cunha nega que isto seja, fundamentalmente, uma questão de cultura política e se nega que uma das vertentes mais importantes da cultura política em que o povo português se insere é o respeito do direito à vida, ainda, que, muitas vezes, com sacrifício de outros valores que também noutras circunstâncias se procura proteger e acautelar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Cunha deseja responder?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, muito obrigado pela sua intervenção. Pelo menos o senhor fala uma linguagem que se entende!
Pergunta-me se é uma questão de liberdade individual e eu dir-lhe-ei que é uma questão de opções. Para si pode não ser, mas para mim é.
Para mim, o problema essencial da interrupção da gravidez diz directamente respeito à mulher e é, eventualmente, um problema do casal que terá que decidir daquilo que vai fazer. Na prática já é isso que se passa. Mas repito, mais uma vez, que o que não queremos é que haja uma lei que condene a mulher, embora essa lei não esteja a ser cumprida - talvez seja por isso mesmo, que nos debatemos com todos esses problemas que já aqui foram falados.
O PS tentou delimitar a questão, é uma opção sua. Pensamos, e dissemo-lo, que o projecto não vai tão longe quanto nós gostaríamos, pois é limitativo e envolve um problema de opção e de ética do PS. Mas ninguém desse partido me perguntou a minha opinião sobre o projecto que apresentaram se o tivessem feito, eu teria, com toda a certeza, dito qual é a minha opinião sobre ele.
No entanto, o projecto do PS tem méritos inconfessáveis. Tem, efectivamente, o mérito de quebrar um tabu e tem o mérito essencial de fazer avançar coisas que para mim são muito mais importantes e que tornam a interrupção da gravidez um problema acessório, que deve desaparecer.
Para mim, o grande mérito do projecto do PS, como o grande mérito da Sr.ª Deputada Zita Seabra - e permitam-se que fale apenas nela é, efectivamente, terem provocado uma reacção da parte dos sectores até agora extremamente conservadores nesse aspecto, o que levará a que o planeamento familiar e a protecção à maternidade e à infância sejam, de facto, praticados. Para nós, isto é de facto essencial e o projecto do PS - se mais não fizer - conseguiu, pelo menos, isto, o que e extremamente importante. É um avanço de séculos!
Pergunta-me também o Sr. Deputado se é uma questão de cultura política. Respondo-lhe que não, que é uma questão de cultura apenas.
É uma questão de informação, de vivência democrática e de diálogo, é uma questão em que o ódio e todo o mal inerente a este problema deve ser, de facto, ultrapassado pelo prazer, pelo prazer de ter uma criança saudável ou pelo prazer que muitos pais têm de ter uma criança deficiente.
Nós, médicos, também tratamos uma criança deficiente com amor e com carinho, apesar das imensas dificuldades com que deparamos. Efectivamente, vivemos num país que não nos fornece os meios indispensáveis para tratar dessas crianças mal formadas como gostaríamos de fazer e para apoiar os seus pais, tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista moral.
Assim, para nós, esta é apenas uma questão de cultura e mais nada!
Relativamente aos direitos da mulher Sr. Deputado, só lhe posso dizer que a mulher existe.
Quando uma mulher chega ao hospital com 28 semanas de gestação e a sua vida está em perigo, porque tem uma tensão arterial muito alta ou porque é diabética, decidimos interromper a gravidez e fazemo-lo, Sr. Deputado! Fazemos aquilo que se chama uma cesariana. Em termos técnicos é uma cesariana mas, em termos práticos, isso corresponde a uma interrupção da gravidez, seja às 28, às 30, às 32, às 34 ou às 37 semanas. E só para além das 37 semanas de gestação é que não lhe chamamos interrupção de gravidez, para os outros casos chamamos-lhes, tão-só, uma cesariana.

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Estas são definições da Organização Mundial de Saúde, que considera que uma criança é de «termo» às 37 semanas. Quando no meu serviço temos que fazer uma interrupção da gravidez às 28 semanas, infelizmente - tenho lutado contra isso e vou continuar a lutar, logo que saia daqui volto para o meu serviço que é onde me sinto bem -, não temos praticamente nada, do ponto de vista tecnológico, para oferecer àquela criança que queremos ver viva, porque a mãe a quis e a quer, porque o pai a quer.
Não temos nada para oferecer àquela criança e ela vai morrer em asfixia, porque os seus pulmões não estão preparados para sobreviver; vai morrer porque não temos um ventilador, não temos meios tecnológicos - embora tenhamos meios técnicos e pessoas com vontade - para manter aquela criança viva o tempo suficiente, para que a maturação dos seus pulmões permita que ela sobreviva com uma boa qualidade de vida.
Por isso, nessas circunstâncias, salvamos a vida da mulher, porque não temos outra opção.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, a sua intervenção teve, de facto, o sabor de uma declaração de voto, que quase faz tábua rasa sobre a opinião de todas as outras pessoas.
Já foi dito aqui, ainda que mal e injustamente, que o CDS se arroga a representação da Igreja neste debate. Isso é mentira, mas parece-me que é excessivo que o Sr. Deputado Octávio Cunha se arrogue da interpretação da posição da Igreja.
Não tenho aqui que defender a posição da Igreja, mas tenho que constatar que ela é uma posição que tem séculos e que mais recentemente foi defendida pela Encíclica Humanac Vitac, que tem vindo a ser confirmada.
Isto devia merecer algum respeito da parte dos Srs. Deputados, porque este problema não tem que ver com questões de natureza religiosa - e a prova que não tem é que, provavelmente, eu não falaria da maneira como vou fazer se me estivesse a cingir exclusivamente a motivações religiosas. Não entendo que possamos pôr aqui este problema numa dicotomia tão simples: ou somos contra a despenalização do aborto e, então, temos que apresentar um orçamento para a construção de prisões, ou somos a favor da despenalização do aborto e, então, temos que apresentar um orçamento para a construção dos hospitais quê faltam. Isto parece-me de um simplismo atroz para um problema tão grave.
Penso que qualquer das hipóteses implica a aplicação de recursos grandes e, depois de ter ouvido as intervenções de todos os Srs. Deputados que intervieram até agora, parece-me que ninguém nesta Casa tem dúvidas que a única forma, moralmente intocável e realmente eficaz de resolver este problema é o desenvolvimento do planeamento familiar, da educação da família e da educação do amor, porque o amor também comporta o tal prazer de que o Sr. Deputado falou ele é mesmo uma componente essencial na doutrina da Igreja.
Por tudo isto, Sr. Deputado, penso que os recursos disponíveis podem ser melhor aplicados, saindo esta
Câmara muito mais dignificada se resolvesse aplicá-los dessa forma.
Aliás, há uma coisa que ainda não entendi, Sr. Deputado. Quando todos os grupos parlamentares dizem que privilegiam o planeamento familiar, a educação, a protecção da maternidade e da paternidade ...

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O CDS não diz isso!

O Orador: - Diz, sim, não diga disparates!
Como eu estava a dizer, não percebo porque é que não começamos exactamente a discutir a questão do planeamento familiar e da protecção à maternidade e à paternidade, porque a nossa posição era muito mais construtiva. Mas, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga que talvez não estejamos em posições tão antagónicas como, aparentemente, pode parecer que estamos. Talvez valha a pena que esta Assembleia faça uma reflexão e pense onde é que deve aplicar os recursos que fatalmente terão que ser aplicados, para extirpar esse mal social que ninguém tem dúvida que é o aborto.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Nuno Abecasis, é evidente que nós somos contra o aborto, fé o temos dito e repetido, pelo que não vale a pena voltar a este assunto.
Foram também já apresentadas as soluções para evitar o. aborto, mas eu responder-lhe-ia, porque às vezes há vozes que aqui não estão e que merecem ser lembradas, citando-lhe Teresa Ambrósio, que disse o seguinte:

Não invoco aqui argumentos de ordem religiosa, moral, filosófica, demográfica, económica ou de oportunidade política. Falo enquanto mulher e mãe para quem o direito à vida não pode deixar de estar ligado ao direito à felicidade. Só a felicidade e a alegria são expressão de vida. O sofrimento e a amargura não são um fim de vida, quanto muito um sinal de morte que há- que vencer em cada momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, eu diria que há nas suas intervenções desta tarde sempre algo de contraditório. O Sr. Deputado tem-nos feito aqui descrições magníficas dos seus esforços como profissional para salvar vidas e manter vivos os recém-nascidos. E agora fez-nos aqui um apelo como médico pela falta de meios no seu serviço e pelo sofrimento que isso lhe acarretava.
Mas, ao mesmo tempo que falou do aborto, da interrupção voluntária da gravidez, o Sr. Deputado Octávio Cunha referiu valores tais como a liberdade individual da mãe e o prazer, do prazer do amor é certo, mas falou-nos do prazer.
V. Ex.ª citou hoje aqui abundantemente várias deputadas e actuais deputadas e eu queria citar precisamente a Sr.ª Teresa Ambrósio que, no ano passado no debate que se fez nesta Casa, disse-nos

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a certa altura das suas preocupações nesse domínio. E disse-nos expressamente:
li fundamental que a opinião pública compreenda que a interrupção da gravidez é um mal social, que desvaloriza a vida humana, que pode encorajar atitudes irresponsáveis no domínio da sexualidade e que cada mulher e que cada casal que recorre a este acto grave não o pode reduzir a uma banal operação cirúrgica para resolver um problema temporário difícil.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não faça manipulações. Leia o resto!

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Essas palavras estão fora do seu contexto!

O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Cunha não é sensível a este tipo de argumentação? E ao ter que hierarquizar valores - e o Sr. Deputado reconheceu a propósito da intervenção do meu colega de bancada Luís Beiroco que este era um problema de hierarquização de bens jurídicos, de valores que estão na base desses bens - V. Ex.ª acha que o valor da vida se deve subordinar aos valores que aqui referiu?
Era esta a pergunta que lhe queria deixar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha,- para responder, se assim o desejar.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - No dia em que eu deixar de me servir da contradição para sobreviver, com certeza que morri. Se os homens deixam de viver na contradição o que é que fazem? Vão à pesca? Não estariam aqui com certeza!
Há contradição nas minhas palavras como, para lhe citar um aspecto que vai ser aqui focado amanhã, há contradição naquilo que V. Ex.ª diz. Quando nos fala do direito à vida e, por exemplo, põe em causa a inseminação artificial V. Ex.ª está a atentar contra a vida. Há mulheres que vivem com um homem de quem gostam e esse homem não pode fazer-lhes o filho que ambos querem. Ora essa mulher pode necessitar de ser inseminada artificialmente com um espermatozóide de outro homem qualquer e ter um filho que é dela e que vai ser alimentado e que vai ter o amor daqueles pais.
Portanto, há também aí contradição quando o Sr. Deputado Nogueira de Brito acusa ou, pelo menos, deixou no ar que a inseminação artificial era uma coisa um pouco bizarra. O facto é que a inseminação artificial é efectivamente um meio de, se quiser, criar vida.
Sobre o que acontece a todas essas outras crianças nascidas de gravidezes não desejadas, gostaria talvez de deixar esse problema para o meu colega Professor Eurico Figueiredo' que talvez melhor do que eu lhe saiba falar sobre o que é gravidez rejeitada e a criança nascida de tal gravidez.
Em relação à citação da Sr.ª Teresa Ambrósio, com certeza que estou de acordo com ela se ler o texto todo do princípio até ao fim. Isso é uma parte do texto, mas ele tem um princípio, um meio e um fim. Quando se apresenta uma parte do texto manipula-se. E a verdade é que o que o Sr. Deputado citou não tem ligação nenhuma com o texto quando solto do seu contexto.
Em relação àquilo que aqui foi afirmado por Teresa Ambrósio no ano passado estamos de acordo. Se isso o sossega, digo-lhe que estamos de acordo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares, para um protesto.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, tenho usado hoje de alguma paciência nas interpelações que tenho tido com V. Ex.ª Mas o Sr. Deputado parece querer abusar um bocado de alguma presunção e com isso tem, sistematicamente, desvirtuado as questões. Eu continuarei, no entanto, a usar o mesmo critério.
V. Ex.ª ou não percebe ou não quer perceber ou está manifestamente numa atitude de processo de intenção, que, aliás, está em contradição com afirmações há pouco proferidas pelo seu colega de bancada César Oliveira.
Pode estar descansado, pois sei muito bem o que é amor, sei muito bem o que é prazer ...

Risos do PS.

No entanto, a questão fulcral que lhe coloquei é a da valoração. É sempre nesse plano que o Grupo Parlamentar do CDS tem intervindo e o Sr. Deputado não pode negar que em todas e em qualquer uma das intervenções de todos os deputados do CDS o Sr. Deputado tem visto sempre colocar esta questão no plano da valoração de bens, de posições e de direitos tal como os direitos da mulher e o direito à vida. Portanto, seja mais cauteloso nessas suas apreciações.
Mas em relação à igreja católica eu próprio tive o cuidado de dizer que aqui devemos cuidar apenas de um combate político. O Sr. Deputado é que, mais uma vez, quis trazer aqui as posições da igreja católica, atribuindo-lhe, ilegitimamente, intenções e posições, que não está no seu direito de fazer.
Aqui devemos circunscrever-nos ao debate político sobre esta matéria. Aquilo que o Sr. Deputado quer imputar à bancada do CDS eu devolvo-lhe por inteiro, porque não ouviu desta bancada uma palavra que fossa no sentido de procurar a identificação e a defesa das posições da Igreja. O Sr. Deputado é que, com a sua intervenção, quis trazer para este Plenário esse problema. A responsabilidade é sua e o Sr. Deputado sabe bem com que intenção é que o fez.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - É muito rápido, Sr. Presidente.

Sr. Deputado Azevedo Gomes, tendo em conta o início do seu protesto, e para não abusar da sua «santa» paciência, dir-lhe-ei que mais vale usar de presunção do que abusar de água benta.

Risos da UEDS, do PS e do PCP.

Uma voz do CDS: - Está muito espirituoso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barbosa.

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O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Octávio Cunha, a algumas das suas afirmações de há pouco, julgo que valeria a pena fazer um breve comentário.
O Sr. Deputado falou de «amor por amor» e não julgo que, em meu entendimento, isso esteja proibido ou fora de causa. Mas também penso que há princípios de responsabilidade que, mesmo em «actos de amor por amor», não podem ser esquecidos. E o que julgo é que nós estamos a tentar criar hoje aqui, nesta Assembleia, um mundo de irresponsabilidades e de irresponsáveis. Porque o amor pelo amor é legítimo, naturalmente, mas o que é preciso saber é se queremos juntar a esse «amor pelo amor» a mais completa irresponsabilidade. E pergunto-me se o senhor doutor não estará na' linha de defender, ao fim e ao cabo, uma sociedade do tipo da do «Admirável Mundo Novo», do St. Huxley, isto é, um mundo sem sofrimentos, onde todas as pessoas são criadas de forma standardizada, em provetas, para serem todos perfeitos, todos iguais, todos sem dificuldades! Um mundo sem sofrimento, um mundo inteiramente medicalizado, tomando comprimidos de tantas em tantas horas para se não sentir infeliz! E até me pergunto, nesta altura, se há falta de podermos proporcionar aos Portugueses um ambiente de alguma esperança e de alguma felicidade, um ambiente de confiança no futuro, se não queremos, ao fim e ao cabo, aumentar-lhes o grau de medicalização, de atordoamento, o grau de uma falsa felicidade que, no fundo, não tem nada que ver com o acto de viver verdadeiramente de um ser humano, a que todo o seu humano tem direito e que tem obrigação de viver.
Portanto, julgo que há de facto uma grande diferença não só nestes princípios, mas também no tipo de sociedade para a qual nos dirigimos, e temo que o Sr. Deputado esteja a defender, ao fim e ao cabo, uma sociedade cada vez menos humana, pretendendo defender direitos, mas, no fundo, pretendendo muito mais anestesiar as pessoas, evitar-lhes desconfortes e responsabilidades, contribuindo, afinal, para que cada ser humano seja cada vez menos um ser humano individualizado, independente, com vontade própria e com um destino próprio também.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Octávio Cunha deseja responder, tem a palavra.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Srs. Deputados, de facto há uma grande novidade que vem da bancada do CDS. Talvez ela se deva à sua renovação, renovação nas idades e nos espíritos - apesar de tudo -, porque deixámos de ouvir daí algumas das intervenções que já tive ocasião de chamar aqui de «morgadianas».

Risos.

... com que nos mimosearam no anterior debate sobre este assunto.
O facto é que talvez os nossos conceitos de liberdade sejam diferentes; talvez tenhamos de aprofundar mais os nossos conceitos de liberdade, mas para nós liberdade pressupõe responsabilidade. E quando alguém conquista uma liberdade essa pessoa é mais responsável e não o contrário, como me fez querer dizer. É isso que eu disse que é a democracia.
Quando a mulher adquire os direitos a que tem direito, e que suo aqueles de que o homem já disfruta há muito tempo, ela apenas assume nas suas mãos a responsabilidade de utilizar essa liberdade. E é por isso que lutarei com elas, sempre, e é nesse sentido que as minhas intervenções me tem levado a dizer que o problema da interrupção da gravidez é um problema menor, se quiser, mas é um problema que deve pertencer à mulher e só ela deve decidir.

Vozes do PCP: - Então o CDS não fala?

O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Não respondeu!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, pedia a palavra para interpelar a Mesa, no mesmo sentido em que o CDS utilizou esse direito numa das últimas sessões em que anunciou que não impugnaria a inconstitucionalidade destes diplomas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito quer dizer alguma coisa?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria dizer apenas que há várias inscrições do CDS que devem estar registadas na Mesa. São várias inscrições que fizémos de manhã, ao todo 6!

Vozes do PCP: - Tsh ...!

O Orador: - Para já!

Risos.

O que acontece é o seguinte: o sentido do requerimento do Partido Social-Democrata já foi esclarecido aqui, através de várias intervenções, pelo que suponho que a Mesa terá de percorrer essas inscrições, porque ainda não houve nenhuma intervenção do CDS, até encontrar alguém inscrito do nosso partido que vá intervir, já que não está cá o nosso colega Sr. Deputado José Gama.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas ele já foi chamado!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito, é que os outros partidos que estavam inscritos prescindiram de intervir...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas nós queremos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza! Se o CDS quer intervir, já que tem realmente deputados inscritos e porque formalmente não usou da palavra ainda para esse efeito - embora tenha feito várias intervenções, enfim, em tempo limitado, mas nós passamos sobre isso -, poderá fazê-lo, de acordo com a requerimento aprovado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, irá intervir pela nossa bancada o Sr. Deputado Hora-

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cio Marçal, que está inscrito e que pretende usar cia palavra agora.

O Sr. Presidente: - Mas o primeiro Sr. Deputado do CDS que está inscrito é o Sr. Deputado José Gama, que não se encontra presente. O segundo e o Sr. Deputado Tomás Espírito Santo, que se encontra presente, de modo que se deseja usar da palavra ...

Vozes do CDS: - Troca com o Sr. Deputado Horácio Marçal, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Deseja então trocar com o Sr. Deputado Horácio Marçal?

Muito bem.

Sendo assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Confrontada esta Assembleia da República com a discussão e votação de 2 projectos de lei de PCP è do PS, sobre a interrupção voluntária da gravidez, aproveito o ensejo que me dá o meu partido, o CDS, para focar, essencialmente, os dados técnicos que elucidarão o Sr. Presidente, todos os deputados deste Parlamento e a opinião pública em geral quanto à falência dos argumentos dos defensores do aborto, no que concerne a - aborto eugénico, aborto terapêutico e violação e incesto.
Problema tão candente e sério tem que ser devidamente aprofundado na sua essência - embora com a limitação, de que o avanço no conhecimento, torna incomensurável o desconhecimento na origem da vida. Segundo a OMS - Organização Mundial de Saúde, aborto é «a expulsão do produto de concepção, de peso inferior a 500 g». Neste peso inclui-se o feto, a placenta e o líquido amniótico. Nos mais modernos conceitos de embriologia, consideram-se 4 os momentos decisivos no processo embrionário:

1.º Fecundação. - Fusão do espermatozóide com óvulo. É o início de uma nova vida com um código genético único e irrepetível;

2º Segmentação. - Até ao 14.º dia após a fecundação, período em que se podem originar os gémeos;

3.º Nidação. - É a fixação do óvulo ao útero, que se dá por volta do 5.º, 6.º dia. Admite-se que em 50 % dos óvulos fecundados não seja viável a nidação - são mecanismos normais de selecção natural que desencadeia o aborto espontâneo;

4.º Formação do «córtex» cerebral. - Por volta dos 4.º, 5.º dias, aparece o primeiro sinal de actividade eléctrica cerebral e ao 12.º dia a estrutura cerebral está já completa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi ao dicionário!

O Orador: - Estes são, sumariamente, os passos da embriogénese humana. Daqui se infere que desde a fecundação há vida humana, pois existem 3 pontos biogenéticos essenciais:

1.º Pertença do concebido à vida humana;
2.º Singularidade do concebido em relação aos progenitores;
3.º Aquisição de um mecanismo de programação do próprio plano de desenvolvimento, desde o momento da fecundação, e que funciona como modalidade autónoma.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Tenho lá um livro do Prof. Celestino da Costa que talvez não fosse mau consultar!

O Orador: - Não preciso que me ensine, obrigado.

De entre as múltiplas afirmações defensoras desta tese, destacamos a de Gebbelli, que diz: «o óvulo fecundado é um ser humano pela sua origem, pela sua invalidade e pelas suas virtualidades ou potencialidades humanas que, enquanto tais, estão completas desde a concepção.»
A criança não nascida é já um ser humano que deve gozar como todos os homens, do direito à vida e, além disso, a sua condição de indefeso confere-lhe o direito a uma protecção especial por parte da lei civil. Se o ser humano só o fosse quando a sociedade diz que é ele ser humano válido, logo está aberta a porta ao infanticídio das crianças defeituosas) à eutanásia dos velhos e dos que vierem a ficar deficientes - dependentes. Neste último caso, se algum de nós, aqui, nesta respeitável sala, onde se vai votar a lei que pode permitir a interrupção de uma vida, eu pergunto: se algum de nós vier a ficar inutilizado para a vida activa e por esse facto inválido e dependente de outrem, qual de nós irá pedir para nos eliminarem da sociedade?

Vozes do PCP: - É ridículo!

O Orador: - Sem pretender criticar o projecto do Partido Comunista, que pela gravidade, radicalismo e imoralidade que encerra está a ser repudiado pela grande maioria do povo português e será seguramente reprovado nesta Câmara, referir-me-ei, concretamente, ao projecto do Partido Socialista, pois, sob a capa do cordeiro, virá a ser, se for aprovado, gravoso para a sociedade portuguesa, pois, além da imprecisão dos conceitos técnicos e deontológicos que enferma, é uma forma encapotada e sub-reptícia da legalização geral do aborto, ao contrário do que os seus responsáveis vêm afirmando, demagógica e erroneamente, nos últimos dias.
A confirmar esta asserção está o facto concreto de o Partido Comunista já ter divulgado que votará o projecto do PS, pois por esta via atingirá o seu objectivo, que é a legalização da interrupção voluntária da gravidez em Portugal, sem que, em caso algum, implique qualquer sanção jurídica.
Defende o PS o aborto eugénico, terapêutico e ético. Em qualquer destes casos teremos que combater as suas teses, porquê? Vejamos:

1 - Aborto eugénico. - Evitar que nasça uma criança deficiente. As anomalias congénitas classificam-se em 3 grupos: alterações dos cromossomas (0,5 %); alterações metabólicas devido a alterações enzimáticas e protecas (0,8 %); dismorfias ou transtornos da morfologia normal, etc. O prognóstico destes problemas move-se num campo que vai desde as consideradas como anomalias genéticas mínimas e outros de máxima gravidade, incompatíveis com a vida, às vezes causa de morte intra-ulterina. Nas anomalias cromossómicas há um grupo das mais graves e que

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são incompatíveis com a vida uterina prolongada, um segundo grupo que são compatíveis com a vida, mas com deficiências mentais. As alterações bioquímicas detectadas no período pré-natal formam um conjunto de maior ou menor gravidade, a cada uma das quais corresponde um defeito enzimático.
Ora todas estas situações, além de outras, se podem apresentar no desenvolvimento da gravidez, mas, segundo Galjaard, professor de genética e biologia celular da Universidade de Roterdão, 50 % de todas as anomalias congénitas seguem-se a uma interrupção espontânea da gravidez, algumas vezes debaixo de uma forma velada de aborto subclínico. É uma selecção natural da espécie humana, pelo que se pode afirmar que só uma minoria desses deficientes podem vir a sobreviver.
Há técnicas de exploração clínica absolutamente ao alcance de qualquer clínico geral que podem detectar, com 100 % de certeza, uma gravidez ectópica, enquanto que nas anemalias cromossómicas só aproximadamente 50 % serão diagnosticadas com certeza, pelas mãos dos especialistas e com meios sofisticados, como:

1.º Ecografia - sonografia ou aplicação de ultrassons que se utiliza para facilitar a localização do lugar da função das bolsas que envolvem o feto para introduzir um fetoscóp;o e para visualizar aquele ou puncionar a placenta;
2.º Aminocentesis - ou função das membranas amnióticas que envolvem o feto, guiada pela sonografia, e que permite o estudo dos produtos químicos e das células flutuantes de descamação fetal contidas no líquido amniótico;

3.º Fotoscopia - visualização do feto;
4.º Punção da placenta - biopsia da pele fetal.

Se foco estas técnicas, certamente fastidiosas para uma Assembleia com cariz político, é para fazer ver aos Srs. Deputados, que estes métodos de exploração clínica são muito sofisticados para o nosso meio rural, pois têm de ser aplicados por especialistas idóneos, que disponham de meios técnicos capazes e acessíveis a toda a população, o que, sejamos realistas, e difícil no nosso país pelas razões expostas e ainda porque a maioria das senhoras não se sujeita a esses exames.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É só para gente fina!

O Orador: - Ora, em primeiro lugar, essa exploração clínica conduz a um diagnóstico com percentagem significativa falível em 50 %, pelo que não é possível fazer um diagnóstico de certeza com a segurança necessária de que se possa afirmar em muitas situações, peremptoriamente, que existe uma deformação ou anormalidade, e daí muitos especialistas recorrerem a critérios de probabilidade e, para não falharem, aconselharem sempre o aborto pela máxima, dentro da teoria que mais vale pecar por excesso do que por defeito. Assim, Srs. Deputados, um médico de consciência tranquila não pode defender profissionalmente a teoria do eugenismo, pois há a probabilidade de se vir a eliminar um ser que se suspeita ser anormal, quando afinal é absolutamente normal.
São razões de peso a que teremos de atender e, por outro lado, podem conduzir, ou, melhor, conduzirão com toda a certeza, à prática indiscriminada do aborto e a dar cobertura legal a esses diagnósticos ou a crimes praticados, conforme se tem provado nos países onde tal prática tem sido sancionada pelos parlamentos. Nesses países, após as decisões de competência dos Srs. Deputados, a prática do aborto aumentou em flecha.
E a finalizar este capítulo, só reafirmo o facto: Hitler tinha uma irmã mongolóide. De acordo com a teoria eugénica tinha-se eliminado a irmã de Hitler, irmã essa que cuidou da mãe até, e tinha-se deixada crescer o considerado para muitos como génio, mas que foi o louco Adolfo Hitler.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aí está um exemplo à altura do CDS!

O Orador:

2 - Aborto terapêutico. - Salvar a mãe matando o filho é, na opinião generalizada de muitos médicos, enganoso. Diz o Dr. Nathanson (EUA):

Hoje o problema da saúde da mãe praticamente não existe devido aos avanços da medicina, pelo que tal argumento e enganoso, simplesmente porque não é certo.
Podemos, pois, afirmar que o progresso da ciência não justifica estatisticamente tal prática, e muito menos eticamente a despenalização do aborto.

3 - Aborto ético ou por violação ou incesto. - Em primeiro lugar há que ter em conta tratar-se de um item estatisticamente não significativo. Em 3500 casos de violação em São Paulo, no Brasil, em 10 anos, não houve um único caso de gravidez! ... Na Checoslováquia, era 86 000 abortos só 22 foram devidos a violação.
Temos que ter em conta que grande número de seres humanos não foram gerados quando os pais desejavam e, se fosse assim, talvez alguns de nós não estaríamos hoje neste mundo. Por outro lado, se a violação é uma violência não pode ser seguida, não só de mais uma violência consciente, que é o aborto, mas ainda de mais outra, que é, seguramente, um traumatismo para a mulher, ter de se sujeitar à prática abortiva, grave prática de violência moral, um acto deliberado de destruição, enfim, um crime.
E ao terminar esta explanação quero aqui referir. Sr. Presidente e Srs. Deputados, essencialmente como médico, só 2 pontos:

1.º O feto no interior do útero materno é um ser humano com todas as suas características e que lhe deve conceder todos os privilégios e direitos de que desfruta qualquer cidadão na sociedade ocidental;
2.º Está comprovado que as mulheres que se sujeitam à prática do aborto diminuem a sua resistência física, ficando mais propensas a doenças dos órgãos genitais, além de virem a ser portadoras de alterações irreversíveis e graves do seu psiquismo. Este facto é muito importante, Srs. Deputados.
Lembro-me daquele caso do dique que separava as águas salgadas do mar dos campos férteis e que um dia abriu uma pequena fenda. A água salgada entrou

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por essa pequena fenda, que se foi alargando. As águas, ao princípio, entraram em pequena quantidade, depois o buraco foi aumentando e aquelas águas alagaram os campos férteis, convertendo-os num pântano estéril, desolador e irrecuperável.
Ora, nos países onde se começou a despenalizar o aborto nos tais casos limites, passado pouco tempo, primeiro na prática, depois nas leis, a despenalização acabou por ultrapassar os casos limites para atingir toda a espécie de situações.
O projecto do Partido Socialista parte do principio de que é possível abrir um buraco num dique e entrar se quiser. Acontece, porem, quo a experiência está demonstrando o contrário. O projecto socialista iria dar, mais cedo ou mais tarde, pela paixão dos interesses, das paixões e da degradação moral provocada, à situação defendida pelo projecto do Partido Comunista. Não tenhamos ilusões. Um governante tem a obrigação de ser lúcido e saber prever, e nós, deputados, temos de proceder de igual modo.
Estas são palavras e alertas realistas, que se orientam pelos princípios éticos e morais do nosso povo. Ora, está documentado que a legalização do aborto, mesmo dentro de determinados parâmetros, tem conduzido, na prática, à sua liberalização, e em países como a França e a vizinha Espanha não se confirmou a diminuição do aborto clandestino, conforme alardeiam alguns pregoeiros, antes pelo contrário. E é por este facto que aqui vim esclarecer e prevenir os Srs. Deputados de boa formação moral, que somos, certamente, todos nós, para os perigos que haverá para a sociedade portuguesa de hoje e do futuro se for aprovado o projecto do PS.
Os arautos desse projecto têm de ter a coragem de desmistificar os seus objectivos, de dizer a verdade e de reconhecer, com frontalidade, perante este Parlamento e o povo português, que o seu projecto não é contra o aborto, e pelo aborto, e que se for aprovado incrementará a degradação moral e a corrupção da juventude portuguesa, que todos nós e o PS, como líder do Governo, deveremos e queremos que seja cada vez mais uma sociedade defensora e seguidora do princípio meus sana in corpore sano.

Aplausos do CDS.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É cavernícolo! ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pede a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É só para pedir ao Sr. Presidente que proceda à contagem dos deputados, a fim de verificar se há quórum.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, parece-me que não vale a pena proceder à contagem, pois, uma vez que não há mais inscrições, irei encerrar a sessão daqui a instantes.
Em todo o caso, antes de encerrar a sessão, vou indicar os tempos gastos por todos os partidos.
O PS gastou 44 minutos, o PSD 40, o PCP 59, o CDS III e a UEDS 24. Os restantes partidos ainda não usaram da palavra.
O Sr. Secretário vai dar conta de algumas comunicações que há a fazer à Câmara.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Encontra-se na Mesa uma petição, de que é primeiro subscritor Manuel Júdice Alper, em nome de mais de meio milhão de portugueses, solicitando a não aprovação dos projectos de lei relativos à interrupção voluntária da gravidez, petição essa que baixou às 2.ª e 12.ª Comissões.
Entretanto, deram entrada na Mesa o projecto de lei n.º 274/III, da iniciativa do Sr. Deputado Silvino Sequeira, do PS criação da freguesia da Fonte da Bica, no concelho de Rio Maior -, que foi admitido e que baixou à 10.ª Comissão, e a ratificação n.º 68/III, da iniciativa do Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 436/83, de 19 de Dezembro, que estabelece disposições relativas à actualização dos contratos de arrendamento para comércio, indústria e exercício de profissões liberais e ainda em todos os contratos de arrendamento para fins não habitacionais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da agenda para a reunião plenária de 26 de Janeiro, que se inicia às 10 horas, sem período de antes da ordem do dia, consta a continuação da discussão dos projectos de lei que estiveram em discussão na sessão de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 25 horas e 45 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Francisco Antunes da Silva.
Garcia Marques Freitas.
Manuel Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
Belchior Alves Pereira.

Centro Democrático Social (CDS):

João António de Morais Silva Leitão

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

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Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
O Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação
Em reunião realizada no dia 25 de Janeiro de 1984, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Socialista:
Dinis Manuel Pedro Alves (círculo eleitoral de Coimbra) por Belmiro Moita da Costa (esta substituição é pedida para os dias 24 e 25 de Janeiro corrente, inclusive).
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa (círculo eleitoral de Lisboa) por José Maximiano Albuquerque de Almeida Leitão (esta substituição é determinada nos termos da alínea d) do artigo 17.° da Lei n.° 5/76, de 10 de Setembro, a partir do passado dia 19 de Janeiro corrente, inclusive).
Carlos Luís Filipe Gracias (círculo eleitoral de Faro) por Ferdinando Lourenço de Gouveia (esta substituição é pedida para os dias 25 de Janeiro corrente a 1 de Março próximo, inclusive).

2) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Rui Manuel de Oliveira Costa (círculo eleitoral de Lisboa) por Garcia dos Santos Marques Freitas (esta substituição é pedida para os dias 25 e 26 de Janeiro corrente, inclusive).
Maria Margarida do Rego da Costa Salema Moura Ribeiro (círculo eleitoral de Lisboa) por Vítor Manuel Dias Pereira Gonçalves (esta substituição é pedida para os dias 25 e 26 de Janeiro corrente, inclusive).
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por João Domingos Fernandes de Abreu Salgado (esta substituição é pedida para os dias 24 a 51 de Janeiro corrente, inclusive).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (círculo eleitoral do Porto) por Serafim de Jesus Silva (esta substituição é pedida para o dia 23 de Janeiro corrente).
Leonel Santa Rita Pires (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís António Pires Baptista (esta substituição é pedida para os dias 23 a 27 de Janeiro corrente, inclusive).
Mário Martins Adegas (círculo eleitoral de Aveiro) por José Augusto Ferreira de Campos (esta substituição é pedida para os dias 25 de Janeiro corrente a 5 de Fevereiro próximo, inclusive).

3) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Leão Rosas Castro Tavares (esta substituição é pedida para os dias 25 a 27 de Janeiro corrente, inclusive).

4) Solicitada pelo Movimento Democrático Português/CDE:
João Cerveira Corregedor da Fonseca (círculo eleitoral de Setúbal) por Eduardo Mário de Araújo Duarte Pedroso (esta substituição é pedida para os dias 25 e 26 de Janeiro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.

Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) — Secretário, Francisco Menezes Falcão (CDS) — António da Costa (PS) — Manuel Fontes Orvalho (PS) — Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) — José Silva Marque (PSD) — José Mário Lemos Damião (PSD) — Manuel Portugal da Fonseca (PSD) — João António Gonçalves do Amaral (PCP) — Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) — Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) — Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) — António César de Oliveira (UEDS) — Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Os Redactores: José Diogo — Ana Maria Marques da Cruz.

Página 2950

PREÇO DESTE NÚMERO 190$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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