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17 DE FEVEREIRO DE 1984

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sacar 32 milhões de contos em 1984, afirmava aos directores, em estilo de voz do dono, o seguinte:

É necessário informar os trabalhadores que hoje em Portugal receber salários é um privilégio.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um escândalo!

O Orador: -- Esta nota de serviço interno, servia de pano de fundo a uma contra- posta de 16 % de aumento salarial na revisão do ACT.

Na QUIMIGAL, na CP, na metalomecânica pesada e indústria naval proclama-se o anúncio de «alterações estruturais, racionalização, redimensionamento, etc.», enquanto se ensaia por uma ou duas semanas o atraso no pagamento de salários. Amanhã viriam os despedimentos em massa, o desmembramento e a liquidação de muitas empresas contando com o enfraquecimento e a desarticulação da luta dos trabalhadores pressionado pelo atraso nos salários.
Admirar-se-ão os Srs. Deputados que o grande capital e uma larga faixa do patronato estiquem a corda até poder?

Se não lhes acontece mal nenhum, se o Governo ajoelha às suas reivindicações quanto mais cresce a avalancha dos salários em atraso, por que carga de água hão-de pagar salários?
Descobriram um chorudo negócio em que se locupletaram já com milhões de contos. A nível de empresa, adiando o pagamento dos salários, limitam a capacidade reivindicativa dos trabalhadores, espezinham as leis da República, retomam uma nova ofensiva repressiva dirigida essencialmente sobre dirigentes, delegados e activistas sindicais e membros de comissões de trabalhadores.
A CIP e o CDS encarregam-se de transmitir ao Governo que o mal está nas leis laborais, nas nacionalizações e na Reforma Agrária, atrevendo-se já a exigir a revisão da própria Constituição da República.
O CDS, a CIP, alguns ministros e sectores do PSD, em coro de carpideiras choram a fome dos trabalhadores com salários em atraso, sonegando as causas e os responsáveis para pressionar e apressar o assalto às leis laborais e ao sector público e nacionalizado.
As forças mais reaccionárias da sociedade portuguesa também aprenderam com a história. Sabem que a fome, o desespero e o medo nem sempre significam desenvolvimento da consciência de classe. Por isso procuram usá-los como ariete político, aguardando debalde um qualquer bater de panelas vazias que servissem de requiem à democracia portuguesa.
Desiludam-se! O Governo parece estar disposto a fazer-lhes o frete. Mas a maioria desses homens e mulheres acossados pela fome ,quantas vezes endividados ao merceeiro, ao senhorio e aos amigos, com ordem de despejo ou com processos em tribunal pela letra do andar que não pagaram, incapazes de enfrentar o filho que teve de deixar a creche ou a escola, não estão contra as nacionalizações, a Reforma Agrária e as liberdades fundamentais alcançadas em 25 de Abril de 1974!

Aplausos do PCP, MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

A sua luta, as suas palavras de ordem são dirigidas contra esta política sem horizonte, contra aqueles que

sem princípios e até por razões eleitorais que se aproximam, optam por servir a direita e os interesses do grande capital, fechando os caminhos rasgados por Abril.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consciência moral dos democratas não pode ficar limitada ao seguidismo partidário e muito menos sujeita às orientações de um governo que se corresponsabiliza com uma situação que tem tanto de chocante como de original na Europa e até no mundo.

No momento em que tudo aumenta, em que o custo de vida se torna insuportável para a maioria dos trabalhadores portugueses, no momento em que se degradam as condições de habitação e da saúde e aumenta o desemprego, é possível adiar e agravar os problemas psíquicos, humanos, económicos e sociais dos trabalhadores com salários em atraso?
Vão lá ver! Vão ali ao Tramagal, a Valongo, à Fontela, à Covilhã, à Marinha Grande, a certas zonas do Ribatejo e Algarve onde predomina a monoindústria, e verão as populações de localidades inteiras a viver em situações indiscritíveis com famílias a lutar, já não pela subsistência, mas pela própria sobrevivência.
Vão lá ver, vão lá constatar realidades chocantes e impensáveis em qualquer regime democrático. Os que ainda não estão empedernidos pela governamentalização iriam compreender que, quando o Governo manda carregar à bastonada e à coronhada homens e mulheres com fome, trabalhadores encostados à parede e sem saber o que fazer à vida, toma-se uma grave opção política, vincadamente classista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os que violam uma das expressões mais significativas do direito à vida recebem benesses e a total impunidade. Os trabalhadores com salários em atraso, violentados no plano moral e humano, violentados nos seus direitos constitucionais, quando procuram alertar a opinião pública são considerados de agitadores, sabotadores e criminosos. Ninguém calou a fome à bastonada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E um escândalo!

O Orador: - Mau e preocupante é que o Governo receba o aplauso de jornais fascistas e fascizantes.
A criação de mecanismos repressivos, ou um tenebroso serviço de informações que traz no bojo perspectivas de má memória passadista, não impedirão a luta, a resistência e o protesto dos trabalhadores com salários em atraso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Somos dali. Da corda de Vila Franca e Loures, da terra dos homens, a quem o fascismo negou o direito à infância, porque a fábrica ou a construção civil bem cedo esperavam por nós. Acreditámos que depois de Abril não seríamos mais da terra dos homens que nunca foram meninos.
Ao longo da estrada por onde caminharam tantas vezes homens e mulheres em luta contra a fome e o fascismo surgem de novo as bandeiras negras nas fábricas que não pagam salários.