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DIÁRIO da Assembleia da República

I Série - Número 76

Sexta-feira, 17 de Fevereiro de 1984

III L E G I S L A T U R A

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE FEVEREIRO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Na ordem do dia teve lugar a interpelação do PCP ao Governo com vista à abertura de um debate de política geral centrando-o predominantemente nos salários em atraso como manifestação mais característica e chocante de toda a política social do Governo.
Após a abertura do debate pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, Ilda Figueiredo, António Mota e João Amaral, do PCP, intervieram, a diverso titulo, além dos Srs. Ministros do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo) e das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) e do Sr. Secretário de Estado da Formação Profissional e Emprego (Rui Amaral), os Srs. Deputados José Vitorino e Rocha de Almeida (PSD), Sottomayor Cardia e Marcelo Curto (PS), Carlos Brito (PCP), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Bagão Félix (CDS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Hasse Ferreira (UEDS), Octávio Teixeira, Carlos Carvalhas e Ilda Figueiredo (PCP), Basílio Horta (CDS), Vítor Hugo Sequeira (PS), Nogueira de Brito (CDS), João Amaral e Dias Lourenço (PCP), Jorge Lacão (PS), Rúben Raposo (ASDI), João Lencastre (CDS), Oliveira e Costa (PSD), César Oliveira (UEDS), António Taborda (MDP/CDE) e Joaquim Gomes, Manuel Lopes e Maia Nunes de Almeida (PCP).
A encerrar o debate, intervieram o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) e o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 30 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Abílio Henrique Nazaré Conceição. Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Agostinho de Jesus Domingues. Alberto Manuel Avelino. Alberto Rodrigues Ferreira Camboa. Alexandre Monteiro António. Almerindo da Silva Marques. Amadeu Augusto Pires. Américo Albino da Silva Salteiro. Aníbal Coelho da Costa. António da Costa. António Domingues Azevedo. António Frederico Vieira de Moura. António Gonçalves Janeiro. António José dos Santos Moira. Avelino Deleciano Martins Rodrigues. Beatriz Almeida Cal Brandão. Bento Elísio de Azevedo. Bento Gonçalves da Cruz. Carlos Augusto Coelho Pires. Carlos Cardoso Lage. Carlos Justino Luís Cordeiro. Dinis Manuel Pedro Alves. Edmundo Pedro. Eurico Faustino Correia. Ferdinando Lourenço Gouveia. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Fradinho Lopes. Fernando Henriques Lopes. Francisco Augusto Sé Morais Rodrigues. Francisco Igrejas Caeiro. Francisco Lima Monteiro. Francisco Manuel Marcelo Curto. Frederico Augusto Handel de Oliveira Gaspar Miranda Teixeira. Gil da Conceição Palmeira Romão.

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Henrique Aureliano Vieira Gomes. Hermínio Martins de Oliveira. João de Almeida Eliseu. João do Nascimento Gama Guerra. João Luís Duarte Fernandes. Joel Maria da Silva Ferro. Joaquim José Catanho de Menezes. Joaquim Leitão Ribeiro Arenga. Jorge Alberto Santos Correia. Jorge Lacão Costa. Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda. José António Borja S. dos Reis Borges. José Augusto Fillol Guimarães. José Barroso Mota. José Carlos Pinto Basto Torres. José da Cunha e Sá. José Joaquim Pita Guerreiro. José Luís Diogo Preza. José Manuel Nunes Ambrósio. José Manuel Torres Couto. José Maria Roque Lino. José Martins Pires. José Maximiano Almeida Leitão. Juvenal Baptista Ribeiro. Leonel de Sousa Fadigas. Litério da Cruz Monteiro. Luís Abílio da Conceição Cacito. Luís Silvério Gonçalves Saias Manuel Alfredo Tito de Morais. Manuel Fontes Orvalho. Manuel Laranjeira Vaz. Maria Ângelo Duarte Correia. Maria do Céu Sousa Fernandes. Maria da Conceição Pinto Quintas. Maria Helena Valente Rosa. Maria Luísa Modas Daniel. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Nelson Pereira Ramos. Paulo Manuel de Barros Barral. Raul d'Assunção Pimenta Rego. Raul Fernando Sousela da Costa Brito. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz. Rui Fernando Pereira Mateus. Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves. Rui Monteiro Picciochi. Silvino Manuel Gomes Sequeira. Teófilo Carvalho dos Santos. Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues. Abílio Mesquita Araújo Guedes. Adérito Manuel Soares Campos. Agostinho Correia Branquinho. Amadeu Vasconcelos Matias. Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Maria de Ornelas Ourique Mendes. António Nascimento Machado Lourenço. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. Arménio dos Santos. Carlos Miguel Almeida Coelho. Cecília Pita Catarino.

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Cristóvão Guerreiro Norte. Daniel Abílio Ferreira Bastos. Domingos Duarte Lima. Eleutério Manuel Alves. Fernando José Alves Figueiredo. Fernando José Roque Correia Afonso. Fernando dos Reis Condesso. Francisco Antunes da Silva. Francisco Jardim Ramos. Guido Orlando Freitas Rodrigues. Jaime Adalberto Simões Ramos. João Domingos Abreu Salgado. João Evangelista Rocha de Almeida. João Luís Malato Correia. João Maria Ferreira Teixeira. João Maurício Fernando Salgueiro. João Pedro de Barros. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. Joaquim dos Santos Pereira Costa. José Adriano Gago Vitorino. José de Almeida Cesário. José Angelo Ferreira Correia. José Augusto Santos Silva Marques. José Bento Gonçalves. José Luís de Figueiredo Lopes. José Manuel Pires das Neves. José Mário de Lemos Damião. José Silva Domingos. José Vargas Bulcão. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro Almeida. Licínio Moreira da Silva. Luís António Martins. Luís António Pires Baptista. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Moreira. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Mariana Santos Calhau Perdigão. Marília Dulce Coelho Pires Raimundo. Mário Martins Adegas. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Pedro Augusto Cunha Pinto. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Manuel de Oliveira Costa. Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio Higino Gonçalves Pereira. Vítor Manuel Ascensão Mota.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço. António Guilherme Branco Gonzalez. António José de Almeida Silva Graça. António José Monteiro Vidigal Amaro. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Domingos Abrantes Ferreira.

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Francisco Manuel Costa Fernandes. Francisco Miguel Duarte. Georgete de Oliveira Ferreira. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João António Torrinhas Paulo. João Carlos Abrantes. Joaquim António Miranda da Silva. Joaquim Gomes dos Santos. Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Manuel Santos Magalhães. José Rodrigues Vitoriano. Lino Carvalho de Lima. Manuel Correia Lopes. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Luísa Mesquita Cachado. Maria Margarida Tengarrinha. Maria Ilda Costa Figueiredo. Maria Odete Santos. Octávio Augusto Teixeira. Octávio Floriano Rodrigues Pato. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira. Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António Gomes de Pinho.

António José de Castro Bagão Félix. Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Francisco António Lucas Pires. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Henrique José Pereira de Moraes. Henrique Manuel Soares Cruz. Hernâni Torres Moutinho. Horácio Alves Marçal. João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre. João Gomes de Abreu Lima. José António de Morais Sarmento Moniz. José Luís Nogueira de Brito. José Miguel Anacoreta Correia. Luís Filipe Paes Beiroco. Manuel António de Almeida Vasconcelos. Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão. Manuel Jorge Forte Goes. Manuel Tomás Rodrigues Queiró. Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca. Helena Cidade Moura.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira. António Poppe Lopes Cardoso. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

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Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Rúben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Iniciamos os nossos trabalhos com quase 1 hora de atraso, o que poderá significar um prolongamento dos mesmos à noite.
A ordem do dia fixada consta de uma interpelação ao Governo requerida pelo PCP, que irá desde já intervir neste período de abertura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em 3 de Novembro do ano passado o Grupo Parlamentar do PCP apresentou nesta Assembleia um projecto de lei que propunha um programa de emergência para atender aos dramas económicos e sociais provocados pelos salários em atraso.
Estavam em causa mais de 100 000 trabalhadores. Eram cerca de 300 empresas nesta situação.
O projecto não passou. Teve o mérito de alertar a consciência moral dos democratas, de sensibilizar a opinião pública e os órgãos da comunicação social, impediu o isolamento da luta e da resistência dos homens e mulheres a quem se negava uma das expressões mais significativas do direito à vida. Mas o projecto não passou devido aos votos contra do PS/PSD em consonância com o CDS.
Na bancada do Governo, o Ministro do Trabalho e da Segurança Social, dando orientações aos deputados do PS e do PSD para votarem contra, disse umas coisas, deu umas provas do seu conhecido bom humor, e fez duas afirmações concretas (vale a pena reler o Diário da Assembleia da República na reunião plenária de 3 de Novembro):

... o Governo está atento aos problemas e está a tomar medidas tendentes a resolvê-lo ...

e mais adiante:

... o Governo está atento aos problemas dos salários em atraso e está a procurar resolvê-lo atacando as suas causas mas não deixará de tomar medidas que forem possíveis e convenientes para o atacar também por outras vias.
O português não é brilhante mas percebe-se a ideia!
O Sr. Damião Lemos (PSD): - Registe-se!

O Orador: - Passaram mais de 100 dias.
Rejeitaram o nosso projecto.
E então? E agora? Hoje?
Qual é o quadro da situação? Foi ou não aprovado? Qual a tipificação dos casos?
Defenderam outras medidas. Quantas entidades patronais foram ou vão ser incriminadas?
Há planos e programas concretos? Quanto tempo leva a situação a normalizar?
Passados 106 dias, a crueza dos números fala por si. Hoje são já mais de cerca de 150 000 trabalhadores, de cerca de 450 empresas com salários em atraso. Esta

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é a realidade objectiva. O drama crescente dos homens e mulheres acossados pela fome demonstra que em 3 de Novembro alguém enganou alguém. Demonstra que o Ministro do Trabalho enganou a Assembleia adiando e agravando de uma forma consciente a procura das soluções. 100 dias. Sem nenhuma medida de fundo.
Ou antes, em 100 dias o Governo, a partir do conhecimento desta interpretação, fez umas quantas promessas propagandeadas em quantidades industriais nos órgãos da comunicação social, até deu mais uns empréstimos esta semana, fez apressadamente um despacho onde se atribui o equivalente ao subsídio de desemprego aos trabalhadores das empresas totalmente paralisadas há mais de 30 dias, liquidou a GELMAR, declarou a SETENAVE em situação económica difícil para despedir 1000 trabalhadores e mandou carregar à bastonada e à coronhada sobre milhares de trabalhadores da indústria naval e de outros sectores da Margem Sul que, pública e pacificamente, manifestavam as suas justas reclamações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Orador: - Quanto ao despacho normativo, diga lá Sr. Ministro! Quantas empresas, quantos trabalhadores são abrangidos por esta medida?
Mais. O despacho tem como objecto pagar salários em atraso, ou na prática irá contribuir para o encerramento definitivo de algumas empresas? Se empresas existem a laborar parcialmente, que avançam 3000$ ou 5000$ por mês, o despacho não é um convite à paralisação definitiva? Esta é uma nova cambiante do lay-off?
Mas a questão de fundo não pode ser torpedeada. E os outros? Os outros mais de 100 mil trabalhadores que trabalham e não recebem, e não são abrangidos pelo despacho? Resolve-se o problema com mais desemprego, com a política do deixa andar, com mais algumas bastonadas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqueles que sentados aí na fila da frente, alertados pela sua consciência moral, já entenderam porventura que, para além dos dramas humanos e sociais, provocados pelos salários em atraso são já as linhas de defesa do regime democrático que estão em causa. Mas vão afirmar que apontamos mal as baterias na medida em que, na sua opinião, os responsáveis são única e exclusivamente o grande capital e uma certa faixa do patronato que não respeita sequer as regras da economia capitalista. Houve mesmo quem esboçasse um gesto corajoso de trabalhar numa iniciativa legislativa que por razões desconhecidas foi travada. Será que hoje levarão mais algum recado de outro ministro?
Testemunharão que houve uma inflexão no discurso governamental se nos situarmos nas afirmações de autêntico passa culpas então produzidas pelo Sr. Ministro Almeida Santos, no debate do Orçamento do Estado.
Teoricamente abandonou o seu papel de Pilatos, mas fê-lo, não por vontade própria, mas antes pressionado pelas circunstâncias. A marcação desta interpelação do PCP, a denúncia, e a preocupação das instituições e das forças democráticas e até de alguns sectores da igreja, a surpresa de organismos internacionais perante

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o escândalo do não pagamento dos salários em atraso, levaram a que o Governo surja num posicionamento aparentemente diferente.
Mas na prática e no concreto o governo PS/PSD, apresentando-se aqui nesta interpelação numa posição enfraquecida pelas promessas não cumpridas, não pôde nem quer atender às razões de fundo devido à sua natureza de classe; não quer dar combate firme a esta situação dos salários em atraso por saber que ela é a manifestação mais chocante da sua política económica e social, geradora da dialética entre a causa e o efeito.
E nem se diga que é um mero aprendiz de feiticeiro que inadvertidamente desencadeou forças incontroláveis. Muito menos se afirme que isto é apenas uma manobra do patronato contra o Governo. Amigo não ataca amigo e há razões fundas para afirmar que a tese é demasiado simplista.
É ou não verdade que se prepara uma nova ofensiva contra o sector público e nacionalizado tentando inculcar no espírito dos trabalhadores e do povo português a ideia de que é ele o factor maléfico gerador da crise económica em que vivemos?
É ou não verdade que no mesmo sector se tentam executar milhares de despedimentos?
É ou não verdade que o Governo tenta impor, de facto, tectos salariais que ficam muito aquém da inflação e do aumento do custo de vida previstos para 1984, por imposição do Fundo Monetário Internacional?
É ou não verdade que essa chaga social dos contratos a prazo, que já abrange cerca de meio milhão de trabalhadores, passou para uma segunda linha de preocupações face à questão candente dos salários em atraso e ao volume do desemprego?
É ou não verdade que o Governo quer retomar parte substancial do pacote laboral da extinta AD, avançando já com um decreto-lei, que violentou a Lei n.º 46/79, e a sua própria autorização legislativa, no capítulo dos gestores eleitos pelos trabalhadores?
É ou não verdade que se forjam alterações à Lei da Greve e dos Despedimentos a par do anúncio da criação de órgãos e de medidas viradas para a repressão do movimento operário e popular?
É ou não verdade que o patronato desfruta de uma escandalosa impunidade, e a justiça do trabalho continua a ser o parente enjeitado da justiça portuguesa?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo do PS/PSD sabe que no quadro desta virulenta ofensiva contra os trabalhadores, os salários em atraso funcionam como cutelo suspenso sobre a cabeça dos trabalhadores na mira de alcançar a passividade, o conformismo, a insegurança e o medo.
É isto que se pretende? Jogar com a fome de alguns para instalar o medo generalizado nos restantes?
15to não pode ser. O não pagamento dos salários a quem trabalha é a maior das violências sociais que só por si condenam um governo que se arroga, ainda por cima, de socialista e social-democrata. Haverá economia que aguente esta situação por muito tempo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um conselho de gerência de uma empresa nacionalizada onde o Estado se prepara para

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sacar 32 milhões de contos em 1984, afirmava aos directores, em estilo de voz do dono, o seguinte:

É necessário informar os trabalhadores que hoje em Portugal receber salários é um privilégio.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um escândalo!

O Orador: -- Esta nota de serviço interno, servia de pano de fundo a uma contra- posta de 16 % de aumento salarial na revisão do ACT.

Na QUIMIGAL, na CP, na metalomecânica pesada e indústria naval proclama-se o anúncio de «alterações estruturais, racionalização, redimensionamento, etc.», enquanto se ensaia por uma ou duas semanas o atraso no pagamento de salários. Amanhã viriam os despedimentos em massa, o desmembramento e a liquidação de muitas empresas contando com o enfraquecimento e a desarticulação da luta dos trabalhadores pressionado pelo atraso nos salários.
Admirar-se-ão os Srs. Deputados que o grande capital e uma larga faixa do patronato estiquem a corda até poder?

Se não lhes acontece mal nenhum, se o Governo ajoelha às suas reivindicações quanto mais cresce a avalancha dos salários em atraso, por que carga de água hão-de pagar salários?
Descobriram um chorudo negócio em que se locupletaram já com milhões de contos. A nível de empresa, adiando o pagamento dos salários, limitam a capacidade reivindicativa dos trabalhadores, espezinham as leis da República, retomam uma nova ofensiva repressiva dirigida essencialmente sobre dirigentes, delegados e activistas sindicais e membros de comissões de trabalhadores.
A CIP e o CDS encarregam-se de transmitir ao Governo que o mal está nas leis laborais, nas nacionalizações e na Reforma Agrária, atrevendo-se já a exigir a revisão da própria Constituição da República.
O CDS, a CIP, alguns ministros e sectores do PSD, em coro de carpideiras choram a fome dos trabalhadores com salários em atraso, sonegando as causas e os responsáveis para pressionar e apressar o assalto às leis laborais e ao sector público e nacionalizado.
As forças mais reaccionárias da sociedade portuguesa também aprenderam com a história. Sabem que a fome, o desespero e o medo nem sempre significam desenvolvimento da consciência de classe. Por isso procuram usá-los como ariete político, aguardando debalde um qualquer bater de panelas vazias que servissem de requiem à democracia portuguesa.
Desiludam-se! O Governo parece estar disposto a fazer-lhes o frete. Mas a maioria desses homens e mulheres acossados pela fome ,quantas vezes endividados ao merceeiro, ao senhorio e aos amigos, com ordem de despejo ou com processos em tribunal pela letra do andar que não pagaram, incapazes de enfrentar o filho que teve de deixar a creche ou a escola, não estão contra as nacionalizações, a Reforma Agrária e as liberdades fundamentais alcançadas em 25 de Abril de 1974!

Aplausos do PCP, MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

A sua luta, as suas palavras de ordem são dirigidas contra esta política sem horizonte, contra aqueles que

sem princípios e até por razões eleitorais que se aproximam, optam por servir a direita e os interesses do grande capital, fechando os caminhos rasgados por Abril.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consciência moral dos democratas não pode ficar limitada ao seguidismo partidário e muito menos sujeita às orientações de um governo que se corresponsabiliza com uma situação que tem tanto de chocante como de original na Europa e até no mundo.

No momento em que tudo aumenta, em que o custo de vida se torna insuportável para a maioria dos trabalhadores portugueses, no momento em que se degradam as condições de habitação e da saúde e aumenta o desemprego, é possível adiar e agravar os problemas psíquicos, humanos, económicos e sociais dos trabalhadores com salários em atraso?
Vão lá ver! Vão ali ao Tramagal, a Valongo, à Fontela, à Covilhã, à Marinha Grande, a certas zonas do Ribatejo e Algarve onde predomina a monoindústria, e verão as populações de localidades inteiras a viver em situações indiscritíveis com famílias a lutar, já não pela subsistência, mas pela própria sobrevivência.
Vão lá ver, vão lá constatar realidades chocantes e impensáveis em qualquer regime democrático. Os que ainda não estão empedernidos pela governamentalização iriam compreender que, quando o Governo manda carregar à bastonada e à coronhada homens e mulheres com fome, trabalhadores encostados à parede e sem saber o que fazer à vida, toma-se uma grave opção política, vincadamente classista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os que violam uma das expressões mais significativas do direito à vida recebem benesses e a total impunidade. Os trabalhadores com salários em atraso, violentados no plano moral e humano, violentados nos seus direitos constitucionais, quando procuram alertar a opinião pública são considerados de agitadores, sabotadores e criminosos. Ninguém calou a fome à bastonada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E um escândalo!

O Orador: - Mau e preocupante é que o Governo receba o aplauso de jornais fascistas e fascizantes.
A criação de mecanismos repressivos, ou um tenebroso serviço de informações que traz no bojo perspectivas de má memória passadista, não impedirão a luta, a resistência e o protesto dos trabalhadores com salários em atraso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Somos dali. Da corda de Vila Franca e Loures, da terra dos homens, a quem o fascismo negou o direito à infância, porque a fábrica ou a construção civil bem cedo esperavam por nós. Acreditámos que depois de Abril não seríamos mais da terra dos homens que nunca foram meninos.
Ao longo da estrada por onde caminharam tantas vezes homens e mulheres em luta contra a fome e o fascismo surgem de novo as bandeiras negras nas fábricas que não pagam salários.

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Num pano já velho alguém escreveu: «Com o Governo do Mário/Nem nos pagam o salário!» As palavras serão esbatidas pelo tempo. Mas as marcas e o julgamento político ficarão na memória dos homens.
É um libelo acusatório daqueles que por vezes desesperam, mas que rejeitam viver num país de homens com fome e com medo. Eles sabem que a resolução dos seus problemas, dos grandes problemas nacionais só são possíveis com outra política e com outro governo. Esta política de dois pesos e duas medidas, este governo sem horizonte não servem as aspirações populares, mas como responsáveis, devem ser obrigados a discutir e encontrar as soluções para esta situação dos salários em atraso.
Este é o valor desta interpelação.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda (Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O drama dos salários em atraso é a questão mais saliente e escandalosa de uma situação económico-social fortemente recessiva e de uma política de autêntica rapina e delapidação das estruturas produtivas e riquezas nacionais em benefício de uns quantos grupos económicos e das multinacionais enquanto prossegue a deterioração das condições de vida de centenas de milhar de trabalhadores, em muitos casos para níveis inferiores aos mínimos de subsistência.
O escândalo dos salários em atraso desenvolve-se no quadro de aprofundamento de uma política restritiva e monetarista com aumento do desemprego para números incomportáveis e queda vertiginosa dos rendimentos reais.
Lado a lado com o não pagamento de salários subsiste o agravamento da carga fiscal, o galopar diário dos preços e a subsequente redução dos salários reais, contraindo drasticamente o consumo popular e o mercado interno, com consequências desastrosas no plano económico e social.
Em certas regiões de empresas com salários em atraso os pequenos comerciantes encontram-se numa situação de desespero tornando-se mais rapidamente aliados dos trabalhadores em luta pela remuneração do seu trabalho.
Já no fim do ano, e na sequência do famigerado imposto de 28 % sobre o 13.º mês, os comerciantes viram as vendas tradicionais da época sofrerem quebras na ordem dos 30 % a 40 % o que, por sua vez, se reflecte numa quebra de encomendas à indústria nacional, diminuindo a utilização da capacidade produtiva instalada com sérias consequências no desemprego!

O Sr. João Amaral (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Não se compreende como é possível o Ministro do Trabalho não ter em conta que a política económica assumida pelo governo PS/PSD de quebras no investimento e na produção e de contracção da procura à custa da redução de consumos populares, partia já atrás de níveis de desemprego muito elevados (cerca de meio milhão) como demonstram dados recentemente tornados públicos pelo INE. Como pode ser

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escamoteada a gravidade de uma situação em que um milhão de trabalhadores se encontrava à procura de emprego por estar, ou no desemprego, ou numa situação de trabalho incerto e inseguro (contratos a prazo), ou ainda porque recebia salários muito baixos? É inadmissível não reconhecer que neste momento mais de 1 milhão de trabalhadores está à procura de emprego e que, seguramente, a maior parte se encontra no desemprego, ou numa situação equiparada, por não pagamento de salários!
Quando se sabe que os rendimentos disponíveis da população continuam a baixar, que os salários reais da maioria dos trabalhadores sofreram num só ano quebras superiores a 13 %, que o índice de preços no consumidor entre Dezembro de 1983, relativamente a igual período do ano anterior, subiu 34 %, que a média de vigência das tabelas salariais rondou os 13/14 meses e os aumentos salariais raramente ultrapassaram os 20 %, tem de se concluir que mesmo os trabalhadores sem salários em atraso estão com um nível de vida muito deteriorado. Por outro lado, muitas empresas, embora mantendo aparentemente os salários em dia, não cumprem as tabelas salariais, não pagam retroactivos e ou subsídios e complementos salariais.

Encontram todo o apoio numa política de acumulação e centralização capitalista, cega, indiferente e insensível à autêntica tragédia de milhares de famílias a passar fome responsável por um nunca mais acabar de aumentos de preços, derivados em grande parte da febre liberalizadora do Governo que, através do Ministro do Comércio, procede a um completo desmantelamento dos chamados organismos de coordenação económica e das empresas públicas de importação de cereais, ramas de açúcar e oleaginosas para entregar de mão beijada às multinacionais e a 3 ou 4 grupos industriais um comércio altamente rendoso envolvendo cerca de 160 milhões de contos por ano.
Sucedem-se os aumentos de preços dos bens alimentares de primeira necessidade: desde o pão, ao açúcar, passando pelos óleos alimentares, massas e farinhas, seguindo-se a carne, os ovos e o leite. O aumento brutal de 36 % dos preços dos bens alimentares ultrapassam a própria subida média do índice de preços e é muito superior ao aumento dos rendimentos disponíveis. Esta situação particularmente grave dado o peso das despesas com a alimentação no orçamento familiar dos trabalhadores leva à degradação da alimentação, contribui para a diminuição do rendimento escolar das crianças, para o aumento dos acidentes de trabalho, o aparecimento de doenças e a expansão de outras como é o caso da tuberculose, que de novo volta a atingir imensos trabalhadores.
Não é necessário evidenciar que a situação se tende a agravar. Por que fome existe, Srs. Deputados! Por que a possibilidade de alimentar os filhos é a angústia diária de milhares de famílias! É incompreensível que nesta situação se vá entregar a importação de cereais e oleaginosas a empresas industriais aliadas a multinacionais do comércio alimentar, facilitando ainda mais o aumento dos preços.
E como se pode entender que o Governo acabe com os subsídios e indemnizações compensatórias aos bens alimentares e serviços públicos essenciais, enquanto prevê atribuir este ano em benesses e incentivos ao capital privado mais de 55 milhões de contos?
Como se pode aceitar que cerca de 150 000 trabalhadores continuem com salários em atraso quando o

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Governo recusa qualquer combate ao esbanjamento de capitais, às transferências ilícitas para o estrangeiro e à importação de bens supérfluos e de luxo, e quando a fuga ao fisco ultrapassa os 100 milhões de contos anuais?
Só uma política enfeudada aos interesses do grande capital e de costas voltadas para os trabalhadores e outras camadas da população permite explicar que o Governo diminua as receitas fiscais em 24 milhões de contos, pelo corte na sobretaxa de importações, o que, aliado à anunciada liberalização de importações, é mais um grave atentado às pequenas e médias empresas nacionais produtoras de bens similares aos importados, contribuindo simultaneamente para a diminuição da produção nacional, o agravamento do desemprego e do défice da balança de transacções correntes que o Governo diz combater. É escandaloso que o Governo afirme não haver verbas para resolver o problema dos trabalhadores com salários em atraso, quando é sabido que, este ano, as receitas do Fundo de Desemprego rondarão os 48 milhões de contos e apenas estão previstos 14 milhões para pagamento do subsídio de desemprego.
Não é possível aceitar que nesta situação dramática de salários em atraso e desemprego sejam transferidos 14 milhões de contos do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado, quando os benefícios fiscais às empresas ultrapassam os 25 milhões de contos, os chamados incentivos financeiros ultrapassam os 30 milhões de contos e são de muitos milhões as indemnizações aos ex-monopolistas, que novamente são co-responsáveis por uma boa parte dos salários em atraso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O drama dos salários em atraso assenta raízes profundas na política governamental que, enfeudada aos interesses das multinacionais e sob a batuta do FMI, prossegue a destruição do sector empresarial do Estado. É a retirada de partes rentáveis a algumas empresas públicas e a sua entrega ao grande capital. Ê o não cumprimento ou recusa de assinatura dos acordos de saneamento económico e financeiro. É a política de sabotagem dos planos de desenvolvimento e o não pagamento das dívidas do Estado. Ë a recusa em proceder aos aumentos de capital indispensáveis ao desenvolvimento da sua actividade. Ê a prática de actos discriminatórios das empresas públicas em favor das empresas privadas que actuam em concorrência, ou a facilitação da sua instalação de que é exemplo a política de crédito caracterizada pela concessão de bonificações e incentivos ao capital privado e aos especuladores, enquanto o sector nacionalizado é descapitalizado, asfixiado e arruinado. Ë a declaração posterior de muitas dessas empresas em situação económica difícil, geralmente acompanhadas de situações de salários em atraso, como na CP, na MOMPOR, EQUIMETAL, CTM, CPP, EPNC, SETENAVE e tantas outras, tentando abrir caminho à sua extinção e encerramento como na SNAPA e na GELMAR, com o consequente lançamento de milhares de trabalhadores no desemprego.
Ou seja, o Governo assume o exemplo do não cumprimento do direito constitucional dos trabalhadores ao salário e ao trabalho. É um escândalo, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo.
Como pode o Governo, e nomeadamente o Ministro do Trabalho, manter-se quedo e mudo perante a situação de milhares de trabalhadores do sector empresarial do Estado que estão com salários em atraso e vivem a angústia da ameaça de desemprego, nalguns casos já anunciado publicamente, como acontece com os 1000 trabalhadores da SETENAVE?
A injustiça social assume foros de escândalo que indigna e repugna a cada vez mais largos extractos da população. A instabilidade social que o Governo promove tende a intensificar-se. O descontentamento popular alastra. A austeridade não é para todos!
Da asfixia das pequenas e médias empresas comerciais e industriais, do seu encerramento e falência renascem grupos económicos e intensifica-se a corrupção.
Era bom, por exemplo, que o Sr. Ministro do Trabalho aqui explicasse o que se passa com a política de subsídios da Secretaria de Estado do Emprego, nomeadamente quanto ao controle dos milhões de contos do Fundo de Desemprego atribuídos a empresas como «apoio à criação, manutenção e recuperação dos postos de trabalho», como apoio a empresas declaradas em situação económica difícil ou apoios em articulação com a PARAEMPRESA, e desse contas do chamado plano de emprego para o Alentejo que não passa da atribuição de subsídios aos agrários.
Enquanto a recessão alastra e as taxas de juro se mantêm elevadas não atingindo o crédito bancário sequer os plafonds determinados pelo Governo, o grande patronato lança mão de todas as formas de financiamento gratuito. São os milhões de contos de salários em atraso, os mais de 60 milhões de contos de dívidas à segurança social, as benesses fiscais e financeiras, os milhões de subsídios do Fundo de Desemprego.
É assim que enquanto a situação social se degrada, os dinheiros e recursos públicos estão a servir para fortalecer as grandes empresas industriais, os grupos económicos, como é o caso da Sociedade Portuguesa de Investimentos e da Mello-Deutsh-Morgan.
É sintomático que no recente despacho do Governo apenas tenha sido contemplado um número muito restrito de trabalhadores com a concessão do subsídio de desemprego, que se destina somente aos trabalhadores de empresas paralisadas. Não é pois a dramática situação dos trabalhadores com salários em atraso que preocupa o Governo e o Ministério do Trabalho! Senão, vejamos: que medidas foram tomadas para verificar os casos de corrupção e de sabotagem económica? Quantos casos já foram detectados? Porque continuam paralisadas empresas como a CIFA? Porque se permite que milhares de trabalhadores com salários em atraso do grupo de empresas ligado à MelloDeutsch-Morgan se mantenha com salários em atraso? Quantos casos foram enviados a tribunal por não se pagarem salários quando existe descapitalização fraudulenta de empresas que praticam sobre e subfacturação e colocam milhões de contos no estrangeiro?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com esta política económica não há economia que resista. Hoje são 150 000 trabalhadores com salários em atraso

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e mais de 1 milhão à procura de emprego. Hoje é a destruição da malha industrial e da estrutura económica.
Amanhã é o caos.
E para impedir que se chegue a tal situação que insistimos na resolução deste autêntico flagelo social e económico. É por isso que apresentámos há 3 meses um projecto de lei sobre salários em atraso, que realizamos hoje esta interpelação e que iremos insistir na alternativa através da adopção de medidas urgentes até que os trabalhadores vejam reconhecidos os seus direitos constitucionais, e o próprio direito à vida.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Ministro do Trabalho no dia 3 de Novembro quando da discussão do nosso projecto de lei n.º 14/III, sobre salários em atraso veio aqui, de mãos vazias reclamar do PCP o fornecimento de dados para poder agir.
Como na altura lhe dissemos, isto não é uma posição responsável de quem ocupa a pasta do trabalho. Hoje o mínimo que podemos exigir é que o Governo nos forneça esses dados com um mínimo de rigor, que dê uma evolução da situação nestes últimos 3 meses. Ficaremos a aguardar.
Na altura o Governo aconselhou a sua maioria a votar contra a iniciativa do PCP. Assumiu essa responsabilidade. Na altura, os dados conhecidos apontavam para 120 000 trabalhadores com salários em atraso em 300 empresas.
Hoje os números apontam para mais de 150 000 trabalhadores nesta situação em cerca de 450 empresas segundo dados do Movimento Sindical Unitário. Aliás estes números não andarão longe de dados que o próprio Governo provavelmente terá.
Trazemos a esta Assembleia alguns exemplos, e ao fazê-lo queremos sublinhar a omissão a que o Governo se encontra perante a Assembleia da República e o País.
A chaga é tão grande que as excepções a nível de sector de actividade se podem contar pelos dedos da mão.
No sector têxtil conseguimos reunir dados de 82 empresas que englobam mais de 20 000 trabalhadores. Neste sector no 1 º semestre de 1983 a dívida aos trabalhadores cifrava-se em cerca de 500 000 contos, englobando 17 000 trabalhadores. Hoje, segundo afirmam as organizações sindicais, a dívida quase subiu para o dobro envolvendo mais de 20 000 trabalhadores.
Vejamos alguns exemplos concretos que pelo escândalo que envolvem merecem especial referência.
No Grupo Mondego, propriedade dos Mellos há indícios de recebimento de 170 000 contos da Secretaria de Estado do Emprego. Este dinheiro que foi levantado antes da data do processamento tem estado até hoje a render juros na banca sem que os trabalhadores dele tenham tirado qualquer benefício. É escandaloso Srs. Deputados.
O Grupo Wandsleiger recebeu mais de 50 000 contos do Estado para pagamento de salários e no entanto as dívidas aos trabalhadores continuam elevadas.

Na CIFA dos Mellos os trabalhadores estão há 12 meses sem salários sendo a dívida para estes de mais de 300 000 contos. A situação é grave, é de autêntica miséria tendo grandes reflexos em Sobrado onde se situa a empresa para o pequeno comércio que está também com a corda na garganta.
Em relação ao sector metalúrgico conseguimos apurar que existem cerca de 100 empresas onde laboram mais de 45 000 trabalhadores com salários e subsídios em atraso. Também aqui o regabofe campeia e vale a pena citar alguns exemplos.
Na J. Gonçalves Teixeira, empresa de pratas e casquinha, com 120 trabalhadores, há dívida de salários e subsídios num montante de 9800 contos.
O patrão criou outra firma, a ARTIC, gerida pelo filho que comercializava os produtos da firma do pai. Havia fuga de matéria-prima da J. Gonçalves Teixeira. O filho do patrão gestor da ARTIC foi preso há poucos dias pela Polícia Judiciária acusado de crimes de falsificação e burla num montante que ultrapassa os 45 000 contos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Na EFI a entidade patronal deve aos 625 trabalhadores mais de 45 000 contos, segundo nos é referido pelas estruturas dos trabalhadores.
O próprio Secretário de Estado Rui Amaral afirmou à CT que os subsídios da Secretaria de Estado do Emprego tem servido para tudo menos para pagar os salários em atraso. E que fez o Governo para alterar a situação?
É importante que esta Câmara o saiba.
A MEGOBAL com 90 trabalhadores deve-lhes 7500 contos. Em tempos foi concedido um empréstimo bancário de 100 000 contos. Há indícios que parte deste dinheiro não foi canalizado para a empresa apesar de alguns investimentos.
Os trabalhadores acusam o patrão de ter construído uma grande vivenda no Mindelo que terá orçado em 15 000 contos. Há pouco tempo o patrão afirmou em plenário de trabalhadores que alguém da SEPE lhe teria garantido o desbloqueamento de um empréstimo desde que a entidade patronal lhe retirasse 10 % do montante emprestado para «luvas». Não acha o Sr. Ministro que esta afirmação é grave num país que se reclama de Estado de direito? Mais uma vez perguntamos o que tem a dizer?
A Alberto Marinho, em Amarante, com 120 trabalhadores a maioria contratados a prazo, deve 2000 contos. O patrão com uma impunidade total chega ao ponto de ter duas empresas na mesma instalação para manter indefinidamente os contratados a prazo. Na maioria dos casos os trabalhadores que são forçados a mudar de empresa continuam nos mesmos postos de trabalho.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Mais um escândalo que o Governo vai ter de esclarecer.
A Metalúrgica da Longra com 350 trabalhadores deve 32 000 contos. O patrão não aparece nas instalações desde Janeiro de 1983. Esta empresa é praticamente a única grande empresa na zona da Longra. Dela dependem economicamente milhares de pessoas,

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trabalhadores, pequenos comerciantes e industriais. Tem uma excelente carteira de encomendas. A situação degrada-se sem que sejam tomadas medidas.
A JOTOCAR com 283 trabalhadores deve 3000 contos tendo pago somente 7000$ do salário de janeiro.
A administração deslocou trabalhadores para uma espécie de armazéns de almofadas não lhes distribuindo trabalho, enquanto noutras secções a mão-de-obra escasseia e são exigidos ritmos de trabalho muito intensos. Percebe-se a manobra. Pretende criar problemas psíquicos aos trabalhadores para que se despeçam, como tem vindo a acontecer.
Na VIMA com 65 trabalhadores onde pontifica o presidente da Associação dos Industriais da Metalurgia do Norte, as dívidas aos trabalhadores ascendem a 1200 contos.
Na Fábrica Leão com 300 trabalhadores o montante da dívida é de cerca de 45 000 contos. Recentemente a administração propôs aos trabalhadores uma adenda ao contrato individual de trabalho onde, entre outras coisas, determinava que a empresa pagaria a dívida aos trabalhadores após 31 de Dezembro de 1992, caso se verificasse a recuperação final programada para esta data.
A empresa exige ainda que os trabalhadores fiquem sem trabalho durante o ano de 1984 sem qualquer regalia.
Posteriormente escolheria 150 trabalhadores sendo os restantes 150 atirados para o desemprego.
Mas há mais exemplos.
Na OLAVO CRUZ com 160 trabalhadores são devidos 4 meses de salário num montante de 1100 contos.
Na NUTRIPOL com 260 trabalhadores os salários estão em atraso desde Janeiro de 1983 e o montante ronda os 22 500 contos.
Na SOREFAME num total de 4000 trabalhadores não são pagos os vencimentos desde Novembro.
A Casa Capucho não paga os salários desde Maio e deve 25 % do subsídio de Natal.
Em Trás-os-Montes a empresa VICOMINAS com 142 trabalhadores deve salários há mais de 3 meses com situações dramáticas para quem lá trabalha.
Outro sector duramente atingido pela praga dos salários em atraso é a indústria hoteleira.
Segundo dados que nos chegaram, desde a Madeira passando por Lisboa, Cascais, Braga, Figueira da Foz, Marinha Grande, Faro, acabando em Bragança, são 23 as empresas envolvendo 4575 trabalhadores aos quais são devidos salários no montante de mais de 570 000 contos.
Há casos verdadeiramente escandalosos. A Clínica das Amoreiras com 60 trabalhadores deve 13 meses de salários num total de mais de 14 000 contos.
O Restaurante Noite e Dia deve 12 meses a 20 trabalhadores num total de 4800 contos.
O Hotel Atlantis na Madeira deve a 198 trabalhadores 7 meses de salários superior a 32 000 contos.
Srs. Deputados, os exemplos poderiam multiplicar-se em relação a sectores como os da cerâmica, vidreiros, construção civil, conservadores, alimentação, englobando mais de 400 empresas em que laboram cerca de 150 000 trabalhadores.
Segundo o que pudemos recolher a partir de um inquérito que realizámos junto do movimento sindical o panorama a nível distrital sobre os salários em atraso

era o seguinte: no distrito de Lisboa 143 empresas envolvendo mais de 27 000 trabalhadores.
No distrito do Porto, 78 empresas num total de mais de 15 000 trabalhadores.
No distrito de Setúbal, 66 empresas com mais de 22 000 trabalhadores.
No distrito de Leiria, 36 empresas envolvendo cerca de 10 000 trabalhadores.
No distrito de Santarém, 13 empresas com mais de 2000 trabalhadores.
No distrito de Braga, 44 empresas com mais de 7000 trabalhadores.
No distrito de Aveiro, 13 empresas com o total de 1070 trabalhadores.
No distrito de Castelo Branco, 26 empresas com o total de 2850 trabalhadores.
No distrito de Coimbra, 11 empresas com o total de mais de 1200 trabalhadores.
No distrito de Viseu, 3 empresas com o total de 92 trabalhadores.
No distrito de Leiria, 36 empresas englobando mais de 9500 trabalhadores.
No distrito de Évora, 33 empresas com mais de 1400 trabalhadores.
No distrito de Beja, 10 empresas com cerca de 500 trabalhadores.
No distrito de Viana do Castelo existem mais de 200 trabalhadores com salários em atraso o mesmo sucedendo no distrito de Portalegre.
E trata-se de dados obtidos através de resposta a inquérito por nós organizado, voltamos a frisá-lo.
Que contas tem o Governo a dar sobre isto?
É importante que, mais uma vez, o Governo não nos deixe sem uma resposta.
Os casos e exemplos que aqui trouxemos são por si só um requisitório contra o Governo.
Em 3 meses o Governo nada fez.
Mas qual é o papel do Sr. Ministro do Trabalho?
O Sr. Ministro tem medo dos patrões? Por que não age? Está tolhido por alguma pinça?

Vozes do PCP - Responda, Sr. Ministro, não se se faça distraído.

O Sr. João Amaral (PCP): - É verdade, Sr. Ministro?

O Orador: - O que diz o Sr. Ministro do caso TOBOM em que o indivíduo consegue desviar 40 000 contos de um subsídio estatal destinado a manter os postos de trabalho. Encerra a empresa, segundo informações bastante rentável, aliena os bens da empresa, não cumpre as obrigações fiscais, não paga à previdência, alcança créditos bancários, de forma irregular e tem o despudor de afirmar que tem as autoridades na mão.
É verdade Sr. Ministro? Que medidas tomou o Governo? Continua a dar-lhe subsídios? A banca continua a conceder-lhe créditos?
Como é possível situações destas desafiando as leis do País? Quem o defende? Gostaríamos de saber. Não é único neste país mas é demasiado escandaloso para passar em claro.
Pelo que deixámos atrás escrito é por demais evidente que a situação tem que merecer uma grande reflexão de todos nós. Mas é pertinente perguntar ao

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Governo como funcionam os organismos como a Inspecção de Trabalho que devia fiscalizar e punir tais actos.
É platónico, é lírico, é poético, são palavras do inspector-geral do Trabalho. Pensar que a Inspecção de Trabalho pode desempenhar tais tarefas com a exiguidade dos meios que dispõe para as levar a cabo.
E nós perguntamos: que fez o Governo para melhorar as condições em que a IT se vê forçada a funcionar?

Vozes do PCP: - Nada!

O Orador: - A lei diz que os agentes da IT devem actuar por iniciativa própria, ou a pedido dos interessados ou em resultado de denúncia. Mas o que se passa é bem o contrário desta obrigação. Demora meses a actuar e em alguns casos nunca actua.
A lei prevê que os agentes da IT se façam acompanhar por representantes das associações de classe. No entanto só muito raramente isto acontece. Recusam-se não só à presença dos interessados na Inspecção, como à dos dirigentes e delegados sindicais.
É pouco frequente participarem às organizações sindicais as inspecções que fazem apesar de serem pedidas.
E mais uma vez questionamos: que tem o Governo a dizer sobre isto? Que medidas tomou para alterar a situação?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante isto como é possível semelhante aberração como aquela que se passa no Porto onde nenhum agente levanta qualquer auto às empresas que não paguem salários.
Como é possível isto, Sr. Ministro?
Como é possível o que se passa nesta delegação, a Inspecção recusar-se a ir a qualquer parte por falta de verba para combustível. É de facto muito pouco esta delegação ter somente 5 carros e 9000$ por mês para combustível para cada viatura.
O que diz a isto o Governo? O que diz a isto o Sr. Ministro do Trabalho?
O que nós dizemos é que é um escândalo num Estado de direito.
Razão tínhamos nós quando fizemos a proposta durante a discussão do OE de um reforço de verba de 60000 contos para a IT, proposta rejeitada por iniciativa do Ministro.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Claro!

O Orador: - Estimula-se na IT a compreensão pelas razões aduzidas pelos empregadores pela responsabilização por eventuais infracções. Generaliza-se a punição dos infractores pelos mínimos legais. Que tem a dizer sobre isto o Governo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Trouxemos casos concretos sobre a dramática situação que atinge cerca de 150 000 trabalhadores com salários em atraso.
Sabemos que este Governo e esta política ao serviço do grande capital não irá resolver tais situações dramáticas antes irá agravá-la.
Mas o Governo não se pode eximir das responsabilidades que lhe compete à frente dos destinos do nosso país.
Tem que responder com clareza sobre as razões porque não toma medidas atempadamente, e quais os planos que tem para o futuro.
As soluções são possíveis e necessárias.

Os trabalhadores e o povo assim o exigem.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os factos que trouxemos ao conhecimento da Assembleia, as perguntas que eles suscitam e que formulámos, as acusações que naturalmente decorrem da dramática situação vivida por dezenas e dezenas de milhares de trabalhadores - tudo isso bastaria por si para nos dar razão na necessidade imperiosa de interpelar o Governo da República sobre a gravíssima, escandalosa e aberrante questão dos salários em atraso.
Ela aí está, a situação, a demonstrar que não são razões de partido que levam a dizer que esta solução governativa não conduz à resolução dos problemas nacionais e que este Governo não serve.
Ela aí está, a brutal situação dos salários em atraso, como uma grande acusação a demonstrar que é por razões ético-sociais, é para defesa do regime democrático e da constituição, é por imperativo nacional que se torna absolutamente urgente mudar o Governo e mudar a política.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Querias!?...

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Orador: - Da nossa parte, entretanto não nos ficamos pela descrição dos factos, pela formulação de perguntas ou pela imputação de acusações.
Fácil seria, Srs. Deputados, considerar a questão como objecto de guerrilha política, eventualmente a negociar no quadro das contradições existentes no seio da coligação governamental.
As dificuldades políticas que a questão suscita são óbvias. Só que - que isso fique bem claro - essas dificuldades impõem-se e aparecem, não só porque o Governo esteja hoje aqui interpelado, mas porque o País generalizadamente se interroga e interroga os responsáveis governamentais, porque são necessárias - e todos o sabemos - soluções urgentes, porque uma situação como esta é incompatível com as regras básicas do regime democrático instituído no Portugal de Abril, precisamente modelado na vontade e na força dos trabalhadores vítimas ou ameaçados pela falta de salários.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os ideais de liberdade e democracia porque nos batemos ao longo dos anos serão inexoravelmente esmagados se uma componente determinante do regime -os direitos fundamentais dos trabalhadores - fosse postergada, rasgada e liquidada.
O que é fundamental é, pois, a busca de soluções, a aplicação das alternativas, a resolução do problema.

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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No regime democrático português, a solução não pode estar, não estará nunca, na aplicação de medidas económicas restritivas impostas por fora numa política deliberada de reconstituição do grande capital.
A solução não poderá nunca ser encontrada com atitudes de hostilidade e guerra aberta contra as organizações representativas dos trabalhadores, atitudes que impedem o conhecimento das realidades, inviabilizam as medidas necessárias e arredam a força determinante da actividade produtiva.
A solução passa, Srs. Deputados, por olhar de frente, apoiar e mobilizar o País real que somos, o aparelho produtivo que temos, a capacidade de realização dos trabalhadores, a força incomensurável de um povo que soube em 25 de Abril tomar o seu destino nas suas mãos.

Vozes do PCP E do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - A solução está em garantir os direitos dos trabalhadores para defender as empresas e a economia, e em apoiar e dinamizar as empresas e a economia para concretizar as aspirações, os interesses e os direitos dos trabalhadores e do povo em geral.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São duas faces da mesma moeda, das quais decorrem as linhas do combate de emergência necessário para liquidar a praga dos salários em atraso.
Primeiro, o levantamento completo, rigoroso e devidamente classificado e ordenado da situação. Porquê tanto atraso na execução do que deveria ter sido feito de imediato, logo que o Governo tomou posse?
Segundo, a organização de meios administrativos, inspectivos e judiciais de actuação. O que é que pode justificar o adiamento sucessivo das medidas necessárias, deixando degradar serviços e estruturas decisivas para combater este flagelo insuportável?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Terceiro, o combate a todas as formas de corrupção, fraude e negligência que estão na base de tantas situações. Porquê, Srs. Deputados, atrasar mais e mais a criminalização da falta de pagamento de salários? Porquê essa hostilidade à institucionalização de um direito penal laboral, tanto mais chocante quando contraposto ao vezo repressivo e criminalizador das legítimas acções de protesto dos trabalhadores?

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Quarto, a adopção legislativa de formas de adiantamento dos salários devidos como forma de corresponder directamente às dramáticas situações vividas pelos trabalhadores. Porquê, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, adiar esta medida indispensável para a solução de problemas dramáticos vividos pelos trabalhadores. Porquê, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, adiar esta medida indispensável para a solução de problemas dramáticos vividos pelos trabalhadores e pelas famílias?

Querem a paralisação da vida económica? Querem a quebra no pagamento das rendas, os despejos, a falta de pagamento de prestações, as dívidas aos comerciantes, os filhos sem acesso à escola e ao material escolar, a não utilização dos meios de assistência médica e medicamentosa, e por último, a fome nas casas do nosso país?
E esta é a questão. Não estamos hoje a interpelar o Governo sobre a sua política económica e financeira. Não esperamos que mude essa política - ela mudará quando mudarmos de Governo. Aquilo com que o Governo, nesta interpelação, é confrontado, é com a expressão e consequência mais brutal da política que assumiu. Que atinge os trabalhadores - mas não só. Atinge os comerciantes, atinge a produção nacional, atinge a economia, atinge a sobrevivência de vilas inteiras.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - 15to foi bem medido, Srs. Membros do Governo?
O que é fundamental para o Estado, e esse é o quinto ponto, é assim, viabilizar as empresas, intervir de forma decidida para que isso suceda a curto prazo, buscar com os trabalhadores e as suas organizações as soluções adequadas para impedir a degradação e o afundamento da economia a níveis que representam no presente e representarão no futuro sacrifícios incomensuráveis para o nosso povo.
Como responde o Governo?
Com o enunciado mais ou menos tosco dos resultados do inquérito à situação das empresas, feito por uma Inspecção de Trabalho a que nega meios?
Com um despacho normativo que nada tem a ver com uma política de recuperação das empresas, que deixa de fora a maioria das dezenas de milhares de trabalhadores sem salários, que aplicado de certa forma acaba por ser um incentivo à paralisação de empresas precisamente porque beneficia os trabalhadores que estão parados e nada atenda à situação dos que estão a trabalhar?
Virá o Governo dizer outra vez que o caminho destas empresas é a falência?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Um tratadista espanhol, Srs. Membros do Governo, escreveu recentemente o seguinte:

Os sistemas de falência enquadram-se precisamente nos princípios da economia liberal, na medida em que consideram que a acção do Estado só existe para, através de eliminação da empresa insolvente, consagrar no plano formal os efeitos de uma selecção natural.

Noutros termos: Adam Smith com toques de Darwin! É uma combinação que teve época e história. Posta hoje em prática, feita objectivo de política em 1984 em Portugal, é uma aberração sem nome, que dá o real sentido de classe do Governo: o serviço da concentração e acumulação do grande capital!
O Governo reclama-se do socialismo e da social-democracia para conformar a sua política.
Mas onde está o socialismo e a social-democracia em quem pretende enfrentar a crise da empresa através da sua liquidação?

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Onde está o socialismo ou a social-democracia em quem diz que o Estado nada tem a ver com as responsabilidades do patronato para com os trabalhadores e acrescenta que uma coisa é o «plano da doutrina e outra é o plano da prática política»?

O Sr. José Magalhães (PCP): - A doutrina ficou na gaveta!

O Orador: - Talvez isso seja uma confissão, sem grande pudor, das opções de fundo e dos métodos de actuação de alguns. Mas o facto é que, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, estas afirmações, produzidas aqui na Assembleia da República e registadas no jornal oficial, documentam tudo o que está definitivamente errado nas concepções com que o Governo tem tentado justificar a falta de medidas e inoperância do aparelho do Estado.
O Estado é efectivamente responsável pela concretização do direito ao salário. Há muito, Srs. Deputados, que foram abandonadas concepções de matriz liberal que faziam dos créditos dos trabalhadores créditos em tudo idênticos aos que assistem aos restantes credores.
O que por toda a parte se sublinha hoje é não só o valor alimentício do salário - constatando ser afinal uma expressão do direito à vida -, como o carácter irrecuperável do trabalho prestado, que o torna absolutamente irrestituível.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O salário tem de ser pago - e ao Estado cabe tutelar o cumprimento desse direito fundamental dos trabalhadores.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Governo, por intermédio do Sr. Ministro do Trabalho, afirmou aqui, no dia 24 de Junho de 1983, durante a discussão do seu Programa: «se há trabalhadores sem salário, a política do Governo dirigir-se-á precisamente a resolver esse problema».

Voz do PCP: - Nota-se!

O Orador: - Hoje, quase 8 meses passados, o que se pergunta, é onde estão as medidas, Srs. Membros do Governo?
O que se pede hoje dos Srs. Membros do Governo não é que façam artes de magia aqui no Plenário da Assembleia, não é que discursem, mais ou menos, bem ou mal, com mais ou menos aplausos.
O que se reclama são acções concretas, que tenham em vista o respeito dos direitos dos trabalhadores, a recuperação das empresas, a dinamização da economia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Obviamente, Srs. Deputados, o interpelado hoje e aqui é o Governo da República. Esse é o objectivo destas reuniões plenárias previstas na Constituição.
Mas, a questão sobre a qual, hoje e aqui, nos debruçamos não é uma questão que se circunscreva às relações entre a Assembleia da República e o Governo.

E todos entendemos isso: é uma questão cujo acento tónico está nas responsabilidades do Estado para com a sociedade e os cidadãos em geral. Mais ainda: está nas responsabilidades do Estado perante os que só têm para si, para a sua subsistência, um bem criador e inestimável, que é a sua força de trabalho!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Interpelámos o Governo - no uso dos nossos direitos constitucionais - mas com isso, Srs. Deputados, não esquecemos nem sonegamos as responsabilidades que a Assembleia da República, nesta matéria, deve assumir.
Demonstrámos que a situação é insustentável. Demonstrámos que existem meios de a combater.
Não demos aval ao Governo para a resolução da questão. Fizemos aquilo que impõe a consciência ética dos portugueses: reclamar deste Governo, seja qual for a sua filosofia política, seja qual for a sua opção, quaisquer que sejam os seus compromissos, que assuma as suas responsabilidades no quadro de um país democrático, que inscreveu na Constituição da República direitos fundamentais com alcance social que têm o direito ao trabalho e o direito ao salário.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Governo fica perguntado.
E da vossa parte, Srs. Deputados? Se o Governo continuar, como está agora, a deixar apodrecer a situação e a cruzar os braços?
Nessa altura, vão os Srs. Deputados confrontados com a realidade dramática dos salários em atraso, continuar a submeter os valores democráticos, sociais e éticos que presidem hoje à sociedade portuguesa às promessas não concretizadas, às frases pomposas ou arrogantes, aos paliativos que são em si mesmos alimento e fonte de injustiças insuportáveis?
Temos ouvido com atenção e máximo interesse a expressão pública das preocupações que inquestionavelmente avassalam muitos de vós. A força posta na palavra tantas vezes gritadas «trabalhar sem receber, isto não pode ser», havia de ser ouvida na Assembleia, como foi ouvida e entendida pelo pais.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Temos notícias que falam de um projecto de lei da autoria de deputados do Partido Socialista. Vimos declarações sobre os salários em atraso, onde a pergunta crucial está feita: «este não é um problema do Estado»?
Então por que se espera?
O nosso projecto de lei n.º 14/III, foi rejeitado. Falemos lealmente: foi rejeitado porque vinha do Partido Comunista e «coligação obriga», foi rejeitado porque foram feitas promessas de solução do problema; foi rejeitado porque muitos acreditaram que alguma coisa ia mudar.
Mas hoje, não é altura de se actuar? Apresentem o vosso projecto, Srs. Deputados do Partido Socialista. Da nossa parte, iremos examiná-lo com toda a atenção e com vontade real de encontrar soluções. Faremos isso. Mas por isso mesmo, com legitimidade apelamos aos deputados do PS (e não só) para que

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se estudem e examinem com o mesmo espírito o projecto que, anuncio-o desde já, hoje mesmo vamos apresentar na Mesa da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não é um desafio. Como também o não é esta interpelação.
Não bastam promessas, Srs. Membros do Governo.
A interpelação é-vos dirigida.
O País não espera as habilidades de quem tem mais ou menos traquejo parlamentar para adiar mais uma vez as soluções.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se iluda o problema.
A chaga monstruosa está à vista e os senhores são responsáveis. Consequência de uma política desastrosa e antidemocrática de ataque aos direitos dos trabalhadores para proveito, benefício e reconstituição do grande capital, ela torna evidente aos olhos dos portugueses que é necessário executar urgentemente a sentença condenatória e mandar o Governo embora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As medidas que, partindo da análise da situação, respondam aos problemas dos trabalhadores e à necessidade de viabilização das empresas têm de ser tomadas de imediato.
Ainda Governo, este governo responde por elas.
Essa é a reclamação do País, dos trabalhadores.
Repetimo-lo: trata-se de defender e garantir um direito fundamental, uma das expressões mais significativas do direito à vida.
Que respondem, Srs. Membros do Governo?

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Durante a intervenção assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitorino.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Ministro do Trabalho (Amândio de Azevedo): Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros e Srs. Deputados: O problema dos salários em atraso - disse-o já nesta Assembleia - é um problema complexo. E seria demasiado simplista pensar-se, como pensa o partido interpelante, que a responsabilidade na resolução deste problema cabe exclusivamente ao Governo.
A realidade, a meu ver, é completamente diferente.
Em primeiro lugar, há que afirmar que o problema dos salários em atraso é um problema das empresas, um problema que tem que ser resolvido com uma boa e moderna gestão das empresas. E, como é evidente, não cabe ao Governo a responsabilidade pela gestão das empresas. Cada empresa, através dos seus órgãos de gestão, é que tem que tomar as medidas indispensáveis ou necessárias em cada momento, de acordo com a realidade que a rodeia, para enfrentar e resolver os seus problemas e solver pontualmente os seus compromissos. Entre eles deve destacar-se, como compromisso primeiro, o de pagar pontualmente os salários. E isto não apenas por razões de ordem social - que são prementes- porque os trabalhadores vivem do seu salário e é imperioso que, numa sociedade que se quer organizada e pautada por ura mínimo de princípios éticos, se proporcione a cada ser humano os meios de que carece para atender às suas necessidades fundamentais. E esses provêm, no essencial, dos salários, como compensação pelo trabalho realizado.
Há que ter em conta, no entanto, como disse, que não é só por razões sociais que os empresários têm vantagem em pagar pontualmente os seus salários: é também por razões económicas. Qualquer pessoa compreende que uma empresa com salários em atraso entra necessariamente num período de grave perturbação que vai acarretar por certo consequências muito graves na própria produção da empresa.
Mas se assim é, não é só à empresa que cabe a responsabilidade na criação de condições para o pagamento dos salários. O Governo tem consciência plena de que tem também responsabilidades e está disposto a assumi-las plenamente, como tem feito até aqui. O Governo tem responsabilidades na medida em que lhe cabe definir uma política económica e criar condições globais para que as empresas encontrem condições e meios indispensáveis para poderem enfrentar os problemas com que se deparam e resolvê-los da melhor maneira, por forma a não serem colocadas em situações de impossibilidade de pagamento dos salários aos trabalhadores.
Note-se que do facto de da política do Governo, nomeadamente da política sectorial, resultarem dificuldades para as empresas, não pode concluir-se que essa política é errada. As políticas sectoriais têm que se subordinar, necessariamente, a uma política global e ao Governo compete resolver os problemas do País, de todos os cidadãos e não tem que se preocupar, exclusivamente, com os problemas das empresas ou com os problemas que essa política, correcta em geral, pode acarretar para as empresas do nosso país.
Sobre isso irá falar, com mais propriedade e mais desenvolvimento, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano. Pela minha parte gostaria de realçar o papel que cabe - ou penso caber - ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, na criação das condições desejáveis para que as empresas possam estar à altura de responder às dificuldades que se lhes deparam, de maneira a poderem criar a riqueza suficiente para poderem pagar pontualmente os salários aos trabalhadores.
O Ministério do Trabalho e Segurança Social está consciente, claramente consciente, de que tem feito tudo o que está ao seu alcance, dentro das suas competências e das suas possibilidades, para criar às empresas um quadro que lhes permita enfrentar as graves dificuldades com que se defrontam neste momento que, aliás, não são específicas do nosso país, pois existem em todos os países da Europa, mesmo nos mais desenvolvidos, com estruturas económicas e empresas bem mais sólidas do que aquelas que existem em Portugal.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Salários em atraso?

O Orador: - Em primeiro lugar, o Governo sente que é da sua responsabilidade criar um quadro legal

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que permita às empresas encontrarem os meios indispensáveis para enfrentarem os seus problemas de gestão, sem com isto deixar de ter na devida conta o objectivo primeira da defesa adequada dos direitos dos trabalhadores.
O Governo anunciou por isso um plano de revisão de toda a legislação laboral, à excepção da lei da Greve, que tem exactamente como objectivo dotar o nosso país de uma legislação adequada ao nosso tempo, à nossa realidade económica e social, e que possa adaptar-se ao modelo das legislações dos países da CEE, tendo em conta, naturalmente, as especificidades do nosso país. No desenvolvimento deste plano, foram já publicados dois decretos leis sobre a suspensão e redução do contrato de trabalho e sobre o trabalho suplementar. Será, submetido, em breve, à apreciação do Conselho de Ministros, em decreto-lei sobre o contrato de aprendizagem e está elaborado o anteprojecto de regulamentação do direito à greve e do lock-out que está dependente de autorização legislativa que foi pedida à Assembleia da República.
Assim se completa, dentro dos prazos e de acordo com o programa estabelecido, a primeira fase da revisão da legislação laboral. Muito em breve será anunciado um novo conjunto de matérias que nos meses mais próximos vão constituir o objecto das preocupações do Governo, no sentido de proceder, igualmente, à sua revisão.
Dentro desta mesma orientação e assumindo as responsabilidades que lhe são próprias, o Governo proeurou definir, e definiu, uma nova política de apoio à manutenção e criação de postos de trabalho, ficando os apoios financeiros a conceder às empresas subordinados aos seguintes critérios: as empresas têm de ser necessariamente integradas em processos que conduzam à efectiva viabilização económica das empresas; todas as partes directamente interessadas - os titulares da empresa, a banca, o sector público estatal, trabalhadores e credores mais significativos - devem dar o contributo exigível, em conjunto com a Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, para a viabilização das empresas, cujos processos são submetidos à apreciação do Governo os detentores do capital das empresas devem, designadamente, proceder ao aumento do capital social julgado necessário ao equilíbrio da estrutura financeira das mesmas empresas; devem sempre respeitar-se as prioridades definidas pelo Governo e que são, como é sabido, relativas às empresas do sector agrícola, às empresas do sector das pescas, às empresas exportadoras, às empresas de construção civil, às empresas significativas em termos de emprego, a nível nacional ou regional e às empresas significativas em termos sectoriais.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - E ao artesanato.

O Orador: - Verifica-se, assim, que se dá grande relevância aos critérios económicos, aos quais devem subordinar-se os critérios meramente financeiros.
Quando este governo iniciou funções existiam nos diferentes serviços da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional (SEEFP) cerca de 1800 processos relativos a apoios financeiros, número que se elevava a cerca de 2000 em 31 de Dezembro de 1983.
Na sequência de um trabalho que exigiu um esforço extraordinário, subordinado a critérios previamente definidos, e que foi levado a cabo pela SEEFP - tra-

balho que muito me apraz registar e encarecer - foi possível despachar todos estes processos, dos quais 315 foram deferidos, atingindo o montante global dos apoios concedidos 4 032 030 contos em benefício de 43 631 trabalhadores. Dos restantes, 1192 foram indeferidos, estando pendentes de pareceres ou decisões de outras entidades 233 processos, que respeitam a 19 200 postos de trabalho e atingem a verba global de 2 400 000 contos, e de uma mais cuidada apreciação da SEEFP 260 processos, respeitantes a 34 000 trabalhadores e atingindo a verba global de 3 200 000 contos.
A partir deste momento, a SEEFP poderá garantir que os pedidos de financiamento serão decididos no prazo máximo de 53 dias, prazo que se afigura razoável e que representa um progresso e uma melhoria digna de realce em relação ao passado.
Entre as acções do Ministério do Trabalho com forte repercussão nas empresas e na melhoria das condições de vida dos trabalhadores, ocupam um lugar muito especial as acções de formação e reconversão profissional, na medida em que os trabalhadores qualificados e devidamente preparados têm acesso mais fácil ao emprego, contribuem para o aumento da produtividade, criando condições para o investimento e para a elevação do nível dos salários e para o seu pagamento pontual.
Apesar das dificuldades financeiras de todos conhecidas, mantém-se e desenvolve-se, em bom ritmo, o programa de construção de 25 centros de formação profissional, estando garantido o arranque, ainda este ano, da construção de 10, co-financiados pela CEE e, com toda a probabilidade, de mais 5, co-financiados pelo Fonds de Réetablissement do Conselho da Europa e pelo Banco Mundial.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP) - É um fartote!

O Orador: - Entretanto, desenvolvem-se desde já e multiplicam-se, as acções de formação profissional apoiadas pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional em centros oficiais já existentes ou em escolas de entidades oficiais ou privadas, abrangendo as mais variadas actividades económicas e profissões e estendendo-se a actividades de outra natureza, designadamente de carácter social.
Ainda neste fim-de-semana foi noticiada a assinatura de um protocolo de cooperação entre a Secretaria de Estado do Emprego e o Centro de Formação de Jornalistas do Porto que envolve, só neste ano, a concessão de um subsídio de 4000 contos, para além de apoios de outra natureza.
Todas estas acções de formação profissional têm uma influência directa na situação das empresas e quando se lhes proporciona condições de rentabilidade, condições de viabilidade económica, está-se, por esta via, a assegurar que nessas empresas serão pagos pontualmente os salários.

Uma voz do PCP: - Vê-se!

O Orador: - Para se ter uma ideia do esforço que o Governo está a fazer este ano no domínio da formação profissional - que é justamente uma das vias consideradas por todos os países como das mais eficazes para o combate ao desemprego e às dificuldades das empresas -, basta que se diga que o Orçamento,

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nesta parte, subiu de 5,6 milhões de contos em 1983 para 8,5 milhões de contos em 1984.

No que respeita mais directamente ao problema concreto dos salários em atraso, há que reafirmar, à partida, que o Governo não pode substituir-se às entidades empregadoras no cumprimento das suas obrigações, sob pena de se comportar como agente gravemente descaracterizador da estrutura económica e gerador de situações de clara concorrência desleal, beneficiando, em última análise, os prevaricadores, que assim encontrariam um meio fácil e automático de se furtarem às suas responsabilidades e de, por esta via, obterem avultados meios financeiros para as suas empresas.

De resto, gostaria de lembrar a esta Assembleia que um dirigente sindical - o vice-presidente da Confederação dos Sindicatos Noruegueses que recentemente esteve no nosso país- mostrou que também da parte sindical este problema pode ser encarado com realismo e não demagogicamente como tem sido timbre do PCP. Diz este dirigente sindical que as medidas para solucionar o problema dos salários em atraso terão que passar por uma rigorosa análise do sector empresarial, «avaliando, caso a caso, a capacidade de sobrevivência das empresas, como já aconteceu noutros países que se defrontaram com problemas semelhantes». E afirmou-se a favor do encerramento das empresas não viáveis, o que considerou «melhor do que a sua manutenção, pondo todas as restantes em perigo».

Esta tem sido, exactamente, a política do Governo. Uma política que tende a, o mais brevemente possível, e indo tão longe quanto permitem as suas disponibilidades financeiras, contribuir para a viabilização de empresas e a aceitar, como um mal menor, o encerramento daquelas que não têm qualquer espécie de viabilidade. E o Governo está a analisar, por uma forma bem mais expedita do que a utilizada com os critérios usados no passado - nomeadamente através de intervenção directa de membros do Governo, ao nível das secretarias de Estado -, está a analisar, dizia, importantes empresas que se debatem com crises graves que as impedem de solver pontualmente os seus compromissos perante os seus trabalhadores.

Um exemplo de esforço coroado de êxito nesta linha é dado pelas empresas MESSA que consumiram já ao erário público, largas centenas de milhar de contos, sem que os trabalhadores tivessem, até ser tomada esta decisão pelo Governo, uma expectativa de resolução definitiva dos seus problemas.

Sacrificando quantias muito importantes, aliás consideradas justificadas porque estão em causa cerca de 1000 postos de trabalho, o Governo acaba de tomar uma deliberação que permite celebrar um acordo com a CENTREL, através do qual serão viabilizadas as empresas MESSA e assim salvaguardados cerca de 1000 postos de trabalho.

Mas o Governo também não hesitou, assumindo exactamente as suas responsabilidades, em aceitar o encerramento da GELMAR porque concluiu que não havia medidas possíveis, dentro do que é viável no nosso país, para revitalizar essa empresa e garantir que fossem mantidos os postos de trabalho.
A solução dos nossos problemas não está, seguramente, em manter empresas que não são viáveis, que consomem verbas avultadas e que têm que ser repetidas para se manter os postos de trabalho. É pre-

ferível, crê-se, que os recursos financeiros, que são sempre escassos, sejam aplicados de uma maneira rentável e reprodutiva, é não apenas em meras acções que os consomem desde logo, embora tenham o efeito útil do pagamento dos salários.
Ainda aqui há que ter em conta que o Governo não pode desenvolver uma política que, objectiva e materialmente, signifique a criação de clara injustiça, porquanto empresas não viáveis sustentadas à custa dos subsídios significa que o Estado, em relação a certos trabalhadores, lhes paga praticamente a totalidade dos seus salários enquanto que em relação a outros se limita a pagar-lhes o subsídio de desemprego. O Estado deve apoiar empresas viáveis mas não pode consumir os recursos em empresas não viáveis. É esta, exactamente, a política que tem sido desenvolvida.
Mas esta política não tem eximido o Governo de assumir plenamente a gravidade da actual situação dos salários em atraso e de desencadear todas as acções possíveis para prevenir, combater ou atenuar as consequências altamente perniciosas que desta situação resultam para os trabalhadores.
Desde logo, dando instrução à Inspecção-Geral do Trabalho (1GT) para visitar as empresas com salários em atraso, averiguar as causas desta situação e tomar medidas convenientes para lhe pôr termo, desencadeando nomeadamente a aplicação das sanções adequadas quando verificar a existência dos pressupostos para tanto necessários.
O trabalho já feito e os resultados alcançados constituem a demonstração mais evidente da injustiça das críticas e acusações de toda a ordem que têm sido dirigidas a este serviço do Ministério do Trabalho. Tendo em conta a escassez de meios humanos e materiais e as condições em que desenvolvem a sua actividade - que vão ser melhoradas sensivelmente com a implementação do novo estatuto em que o Governo está fortemente empenhado - os funcionários da IGT merecem que lhes deixe aqui uma palavra de justo reconhecimento e louvor pela quantidade e qualidade do trabalho realizado, que terá de continuar até que o problema esteja completamente resolvido.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É asqueroso!

O Orador: - Este trabalho traduziu-se, até agora, num primeiro levantamento, concluído em 15 de Outubro de 1983, com referência a 30 de Setembro de 1983, número de trabalhadores com salários em atraso, que se elevaram a 93 870, em 425 empresas.
Destes números dispunha o Ministério do Trabalho antes daqueles que divulgou o PCP e revela-se, mais uma vez, que o PCP procura exagerar nas suas estatísticas, embora, porventura, conhecendo as suas fontes.
Novo levantamento, mais aperfeiçoado, relativo a 30 de Dezembro de 1983, que acusou 94 897 trabalhadores com salários em atraso em 419 empresas.
Novo levantamento ainda, relativo a 30 de Dezembro de 1983, concluído em 10 de Fevereiro de 1984 e que conduziu os seguintes resultados: das inspecções realizadas resultou que foi possível conseguir que 149 empresas tivessem pago os salários atrasados, atingindo o montante global de 134 895 334$70 de que beneficiaram 9462 trabalhadores.
Além disso, a Inspecção-Geral do Trabalho levanta autos a 86 empresas, abrangendo 1275 trabalhadores

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com salários em atraso no montante global de 59 712 892$60, tendo-se entendido que não havia fundamento nos restantes casos para aplicação de sanções ou que deviam continuar as diligências tendentes a conseguir que os salários fossem efectivamente pagos.

Foram igualmente dadas instruções à Direcção-Geral das Relações Colectivas de Trabalho para que, através dos seus serviços regionais e dentro da sua competência específica, acompanhe a situação das empresas com salários em atraso, propondo as soluções que entender convenientes para a resolução ou atenuação deste problema.

Foi ainda solicitado à Direcção-Geral do Trabalho que elabore um estudo, a concluir em breve prazo, sobre as medidas legislativas ou de outra natureza a adoptar para que sejam devidamente tutelados os direitos emergentes das relações individuais ou colectivas de trabalho, com especial relevo para as primeiras, tendo presente as recomendações e convenções da OIT e a lição do Direito Comparado, especialmente da dos países com mais afinidade com Portugal.

No que diz respeito mais especificamente à protecção directa dos trabalhadores com salários em atraso, importa referir o despacho recentemente publicado no Diário da República que equipara os trabalhadores de empresas paralisadas com salários em atraso há mais de 1 mês aos trabalhadores involuntariamente desempregados, habilitando-os assim a receberem, se preencherem as demais condições exigidas para a atribuição do subsídio de desemprego, uma importância mensal equivalente a este subsídio a título de adiantamento pelos salários que lhes são devidos, devendo adiantar-se que será brevemente posto à discussão pública um projecto de decreto-lei destinado a transformar o subsídio de desemprego em seguro de desemprego, melhorando assim significativamente a situação dos trabalhadores desempregados.

Há que acrescentar não ter sido ainda possível ao Governo, depois de uma análise cuidada do problema, ir mais longe do que a consagração da solução que acaba de ser referida deste despacho normativo.

Se porventura se alongasse a equiparação a trabalhadores de empresas em actividade, criar-se-iam largas distorções nas actividades económicas, criar-se-iam condições de concorrência desleal e promover-se-ia o uso e abuso de fraudes.

Porque se entende que as empresas paralisadas que não são encaminhadas para a falência por haver uma esperança de que possam ser tomadas medidas conducentes à sua viabilização é que se pensa que há uma situação real, de facto, de equiparação às situações de desemprego, sendo, por isso, inteiramente justo que aqui sejam aplicados os esquemas de protecção dos trabalhadores que a lei contempla, exactamente, para os casos de desemprego real.

Importa ainda referir neste domínio que está em estudo a constituição de um fundo de garantia salarial, à semelhança do que existe nos países da CEE e de acordo com uma directiva das Comunidades, destinado a pagar um número limitado de meses de salários atrasados, devidos por empresas em situação de falência ou de insolvência.
Penso apresentar este problema para uma primeira abordagem já na próxima reunião do Conselho Permanente de Concertação Social.

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Este fundo de garantia não pode nem deve ser criado à custa de mais impostos estabelecidos pelo governo mas pode e deve sê-to através de uma acção concertada em que intervenham o Governo e os parceiros sociais que têm assento no Conselho atrás mencionado.
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, todo um conjunto de medidas e acções que o Governo tem desencadeado, traduzindo, a meu ver, a assunção das responsabilidades a que a ele cabem nesta matéria de salários em atraso.
Gostaria, porém, de acrescentar que este problema, sendo em primeira linha um problema das empresas, e também do Governo, é, em meu entender, um problema de todo o país, em especial dos partidos políticos, das organizações de trabalhadores e destes próprios em cada empresa.
Todos têm responsabilidades neste campo, ninguém as pode alijar.
As empresas conseguem produzir em termos de pagar pontualmente os salários se os trabalhadores cumprirem os seus deveres, se trabalharem e souberem, em períodos de crise, dar um contributo que também lhes é devido, exactamente para que a empresa consiga ultrapassar as suas dificuldades.
Mas se quisermos passar para o plano das responsabilidades a nível moral, de modo a saber quem é o culpado pela situação, pode verificar-se, pelas estatísticas que há pouco indiquei, que tal como afirmei em debate anterior, na generalidade dos casos os salários não são pagos porque as empresas não estão em condições possíveis de o fazer, por razões de vária ordem. Apenas em casos muito restritos há, efectivamente, falta de cumprimento com culpa das empresas, o que naturalmente dará lugar a aplicação das sanções legais.
Mas não terão responsabilidades aqueles que negam ao Governo o dever de criar um quadro legal que proporcione às empresas os meios de ultrapassar as suas dificuldades e que em cada momento procuram criar um clima que torne impossível a própria aplicação das medidas previstas na lei tendentes a permitir às empresas que ultrapassem as suas dificuldades?
Nesta matéria, e em termos de responsabilidade, creio que o partido interpelante não é o que as tem em menor grau. Pelo contrário, penso sinceramente, atendendo ao seu passado, ao modo como se comporta e influencia o desenvolvimento das actividades económicas, que é, talvez, aquele dos elementos com responsabilidades que as tem mais pesadas.
As empresas poderão pagar pontualmente os salários quando tiverem uma gestão adequada, quando conseguirem processos de produção com rentabilidade suficiente para remunerar o capital e os seus trabalhadores, quando viverem num clima em que seja perfeitamente aceitável que uma empresa sem capacidade para manter todo o seu volume de emprego possa recorrer a medidas de redução desse mesmo volume, seja a título temporário seja a título definitivo.
Portugal não é um país com mais possibilidades nesta matéria do que outros países, nomeadamente da Europa, mais avançados e progressivos que o nosso.
Qualquer de nós pode ler todos os dias, em órgãos de comunicação social, que em Espanha, em França, na Alemanha ou na América do Norte as empresas são por vezes obrigadas a adoptar medidas bem drás-

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ticas, lamentáveis mas necessárias, para não terem de ser colocadas em situação de impossibilidade de pagamento dos salários em atraso.

É indispensável, do ponto de vista do Governo, que, em Portugal, haja essa mesma possibilidade, que haja um regime equilibrado nas leis laborais, de modo a permitir às empresas gerirem-se convenientemente e adoptarem as medidas indispensáveis para que as dificuldades que se lhes deparam possam vir a ser ultrapassadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na perspectiva do Ministério do Trabalho e Segurança Social é este o caminho adequado para resolver por forma definitiva e estrutural o problema dos salários em atraso. Esta é a meu ver Sr. Presidente e Srs. Deputados, a forma não demagógica da abordagem deste problema, pois todos nós, e o Ministro do Trabalho em primeiro lugar, temos consciência da gravidade do problema e pessoalmente nenhum de nós pode deixar de se sentir incomodado pelo facto de haver trabalhadores com salários em atraso.
A política, porém, não se faz com sentimentalismos nem com demagogia. Faz-se, sim, com a cabeça fria, com a adopção de medidas e comportamentos racionais.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sotto Mayor Cardia pretende interpelar a Mesa?

O Sr. Sotto Mayor Cardia (PS): - Queria fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Presidente:- Muito bem, Sr. Deputado. Fá-lo-á no fim, após o Governo esgotar o tempo que lhe é atribuído nesta primeira parte.
Os pedidos de esclarecimento serão feitos nessa altura.

O Sr. Sotto Mayor Cardia (PS): - Peço-lhe então o favor de me inscrever.

O Sr. Presidente: - Está inscrito, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Carlos Brito, pretende fazer alguma interpelação à Mesa?

O Sr. Carlos de Brito (PCP): - Sim, Sr. Presidente.
A questão da metodologia a seguir no debate não foi considerada na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares.
Após as intervenções de fundo com que se inicia a interpelação há um período de pedidos de esclarecimento, mas, segundo a última doutrina realizada em conferência de grupos parlamentares, não deveria ser assim.
Claro que qualquer Sr. Deputado se pode inscrever e falar 2, 3 ou 5 minutos, se quiser. Interpela o Governo, faz-lhe perguntas, se assim o entender, mas na altura do debate generalizado.
Esta foi a última doutrina que se fez em conferência de líderes.
Estamos abertos a considerar outra modalidade, não temos esta por rígida. Foi, porém, a que se fez e

parece ser a que conduz a um debate melhor, mais esclarecido desenvolvendo-se de um modo mais racional.

Em todo o caso, estamos dispostos a abordar e considerar outra.

Se há pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social tanto eu como, pelo menos, os meus 5 camaradas da bancada da frente também nos inscrevemos.
Pela nossa parte preferiríamos, talvez, o outro método - generalizar o debate após estas intervenções de fundo e nesse debate generalizado entrarem, então, as intervenções interrogativas que os Srs. Deputados quisessem fazer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o entendimento da Mesa era o de que, terminada a abertura do debate, seguir-se-ia um período de pedidos de esclarecimento aos oradores que entretanto tivessem produzido intervenções e nesse sentido há já aqui algumas inscrições.
Gostaria de saber se já não é esse o entendimento da Câmara.

Pausa.

Bom, vejo o PS e o PSD dizerem ser esse o entendimento.

O Sr. Carlos de Brito (PCP):- Sr. Presidente, de facto, nas últimas interpelações não foi esse o entendimento. Depois de experiências feitas chegou-se à conclusão de que esse método não era o melhor.
De qualquer modo não temos nada contra e aceitamos que seja assim.
Pela minha parte inscrevo-me para fazer perguntas ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema que hoje constitui objecto de trabalho da Câmara, ou seja, o problema dos salários em atraso, é uma situação anómala e intolerável, porque viola princípios e regras fundamentais da inserção do trabalhador na comunidade social.
Esta situação anómala não surgiu agora nem sequer desde a tomada de posse do Governo. Não surgiu sequer em 1983.
Basta recordar, nos últimos anos, casos como os da indústria de construção naval, da comunicação social e de algumas empresas na metalurgia ou na metalomecânica.
Quer isto dizer que a situação existia antes da política necessária que o Governo pôs em vigor e está a implementar, antes da política de estabilização financeira prosseguida pelo governo.
Aliás, essa situação anómala constitui um dos sintomas da doença, do mau funcionamento da economia portuguesa. Essa doença, essas dificuldades, essa crise, exigiram a adopção da política de estabilização que estamos a prosseguir.
Houve com efeito a tentação de associar levianamente a actual política conjuntural à falta de cumpri-

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mento dos deveres das empresas para com os seus trabalhadores.
A este respeito há que chamar a atenção para o facto, que há pouco referi, da marcação dos tempos entre a situação real e a política económica, da procedência no tempo da situação anómala de salários em atraso e do facto de que uma política que, porventura, em hipótese extraordinária tivesse seguido uma orientação de carácter expansionista estaria apenas a alimentar a continuação de situações anómalas como aquela a que nos estamos agora a referir.
Com efeito, é preciso termos presente que a verificação simultânea, como aconteceu na economia portuguesa, de uma conjuntura relativamente expansionista, com o aparecimento físico, real, de situações de ruptura nas empresas como aquelas que hoje são objecto de debate, são a prova de que havia desequilíbrios fundamentais a desenvolverem-se na economia e que o sistema económico não estava em condições de poder funcionar num ritmo descontrolado da sua exposição.
Quer isso dizer que aquilo a que se pode chamar a vertente microeconómica da crise, porque esta não é apenas um fenómeno global da economia, não é um fenómeno recente. De certo modo habituámo-nos, e mal, a viver com ela e o aspecto microeconómico da crise tem de ser encarado seriamente também em termos de política económica.
Aliás, essa própria dimensão da crise no plano microeconómico é precisamente mais uma razão que julgamos decisiva para justificar o conteúdo e a firmeza da actual política económica que está legitimada desde logo e em primeira instância pelos níveis a que chegaram os défices em termos de transacções correntes e o endividamento externo.
Ora, não era possível um sistema económico a funcionar nessas condições.
Quais são, então, os factores em jogo do ponto de vista da política económica geral, nesta matéria? Em primeiro lugar a situação económica geral quer internacional quer interna. E há um aspecto que não podemos deixar ficar em segundo plano, sendo necessário retomar e repetir para dele termos consciência - estamos a viver a maior crise em termos económicos, desde o pós-guerra e têm de se fazer os ajustamentos de todas as economias.
O que o Governo escolheu foi fazer o ajustamento de forma controlada, criando condições para a recuperação e para o futuro da economia. Trata-se de um primeiro ponto de enquadramento e um ponto central dos problemas que temos de enfrentar.
Um segundo aspecto é a existência de factores estruturais de fragilidade de várias empresas, designadamente o facto de muitas delas funcionarem com uma pequena proporção de capitais próprios e para agravar essa situação grande parte dos capitais alheios são capitais de endividamento a curto prazo.
Um terceiro elemento é a existência de factores de rigidez na estrutura económica portuguesa e da consequente dificuldade de ajustamento às variações de enquadramento, designadamente, às variações em termos internacionais. Daí algumas dificuldades sérias em termos de reestruturação de empresas que temos de enfrentar e do ajustamento do nível de emprego ao nível da procura.
Aliás, o problema dos salários em atraso está necessariamente articulado com o problema do nível de

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desemprego. Temos de ter a consciência clara de que, perante a necessidade de enfrentar as dificuldades com que a economia portuguesa se defronta, há que ter presente esta articulação entre duas variáveis, não sendo possível fazer a quadratura do circulo. Esta, em matéria de emprego, pode significar a situação aberrante a que se chegou de haver trabalhadores que estão empregados e que não recebem o salário.
Como deve então ser encarado o problema dos salários em atraso em termos de política global?
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social já referiu em pormenor a questão no seu âmbito concreto e especializado, mas gostaria de salientar - e essa é matéria da responsabilidade do Ministério das Finanças - que o problema dos salários em atraso não tem possibilidade de ser resolvido, de ser enfrentado, em termos isolados. Também não pode ser encarado adulterando as responsabilidades efectivas do Estado e dos empresários. O Estado tem responsabilidades e os empresários têm responsabilidades nas empresas.
Quer isto dizer - e aliás, o Sr. Ministro do Trabalho já há pouco referiu - que não compete ao Estado ser o responsável pela gestão das empresas, ser o responsável pelo funcionamento concreto de cada empresa. Compete ao Estado (tem essa responsabilidade) criar as condições de enquadramento de política económica geral e sectorial que permitam às empresas funcionar, que permitam à economia ter as bases sadias para se desenvolver. Em suma, para tudo dizer numa palavra: compete ao Estado fazer a política conjuntural e de correcção dos défices e dos desequilíbrios e a política de recuperação financeira e económica.
Quer isto dizer também que há aqui um articulado de elementos que devemos ter presentes ao abordarmos, em termos políticos, o problema que é o tema desta interpelação.
Por um lado, a situação económica geral interna e externa, articulada com as fragilidades de carácter estrutural que originam situações como aquela que estamos a discutir, de salários em atraso e ou de desemprego, implica medidas de política económica, de trabalho e de emprego de modo a corrigir-se a situação de partida. Significa isto que o essencial se pode sintetizar em duas ideias básicas: enfrentar cruamente as realidades e aplicar uma política económica e social correcta.
Quanto às realidades, a situação com que nos defrontamos pode, sumariamente, definir-se da seguinte maneira: temos uma economia com profundos desequilíbrios internos e externos a que estamos a ocorrer. A existência dos salários em atraso, mostra, aliás, a própria profundidade dessa crise. Gostaria, se me permitirem, de trazer a esta Câmara alguns aspectos da evolução conjuntural mais recente.
Temos um comportamento favorável em duas grandes variáveis, designadamente em matéria de comércio externo, que, entre 1982 e 1983, tem a evolução em dólares de um aumento de 9,5 % nas exportações e uma redução de 13,7 % nas importações.
Temos também um comportamento favorável em matéria de défice da balança de transacções correntes, que, em comparação com um resultado de 3,2 milhões de dólares de défice em 1982, deverá apresentar para 1983 um défice na ordem de 1,72 ou 74 ou mesmo 1,8 biliões de dólares. Trata-se de valores ainda na base de uma mera estimativa.

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Temos a existência de tensões inflacionistas na economia portuguesa que, no período de Dezembro de 1983 em comparação com Dezembro de 1982, assumiu um valor elevado de 33,9 % e que na mesma base, de comparação, tomando como referência o mês de Janeiro (Janeiro de 1982 a Janeiro de 1984), tem um comportamento mais favorável de 30,7 % com uma certa quebra de índice de preços.

Numa análise mês a mês, há uma evolução favorável no mês de Janeiro, onde mostra um aumento de 1,5, que é o mais baixo desde meados do ano passado. Há também uma queda na produção do sector industrial, dentro do quadro de política geral que o Governo tem vindo a prosseguir, e que os indicadores disponíveis aponta, designadamente em matéria de consumo de energia eléctrica, para quebras de 2,4 %, 3,9 % e 0,8 %, respectivamente em Novembro, Dezembro e Janeiro passados. Finalmente, há ainda que apontar que há uma quebra em termos dos rendimentos reais disponíveis em função dos objectivos da política económica que estão a ser prosseguidos e que, de um modo geral, estão a permitir assegurar a gestão a curto prazo, da economia.

Há que ter presente, ao referir a situação do quadro geral em que a política económica se situa, a importância determinante da gestão do défice da balança de transacções correntes e do endividamento externo. Não podemos, e não devemos, deixar-nos arrastar por uma falsa sensação de segurança ao ver os números que há pouco referi, em matéria de redução do défice dessa balança.
Atingir-se os objectivos para o défice da balança de transacções correntes ao longo do ano de 1984 é uma meta exigente e fundamental para o funcionamento da economia portuguesa. Aliás, gostaria de renovar, perante esta Câmara, a importância que o Governo atribui à necessidade absoluta, repito, à necessidade absoluta de salvaguardar a capacidade readquirida de acesso ao crédito externo, por parte de Portugal. E isto consegue-se, antes de mais, gerindo bem a política de conjuntura e, em particular, gerindo bem a matéria de défice da balança de transacção correntes e mantendo uma linha segura de orientação da política económica de curto prazo.

A alternativa para gerir bem aquilo que acabo de dizer é posta em evidência quando se mostra as necessidades de importação por parte de Portugal em matéria de petróleos, em matéria de cereais - designadamente trigo e milho - em termos de importação de matérias-primas e de bens de equipamento necessários para o funcionamento da indústria.

Daqui decorre a necessidade de manter a gestão rigorosa da conjuntura e, em paralelo, a possibilidade de haver uma melhoria em termos do funcionamento do conjunto da economia e de algum esforço de relançamento da economia ao longo do ano de 1984, na viragem do 1.º para o 2.º semestre.
Neste quadro, que é o quadro efectivo das realidades com que temos de nos defrontar, como se põe a actuação política em termos do problema que hoje nos ocupa?

Essa actuação política situa-se a dois níveis: primeiro, ao nível da fiscalização do comportamento concreto nas empresas; em segundo, ao nível da política macroeconómica.

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No que respeita ao primeiro dos níveis referidos, há que pôr claramente em primeira linha a actuação quer da Inspecção do Trabalho, quer da inspecção de empresas, quer da Inspecção-Geral de Finanças. Trata-se aqui de identificar, quando for caso disso, e de punir o eventual aproveitamento de uma situação difícil por parte de, porventura, alguns empresários, que poderão protelar o pagamento de salários com fundamento em alegadas dificuldades de tesouraria. Em muitos casos essas dificuldades poderão resultar de uma descapitalização das empresas, porventura, com uma motivação intencional.
Estas situações, evidentemente, só podem ser detectadas casuisticamente e é esse o papel das inspecções.
Ao nível de política económica geral, o Governo está a implementá-la em termos que estão muito para além do curto prazo. Daí a necessidade de referir os esforços que estamos a fazer em termos de recuperação financeira e económica.
Num primeiro comentário é de lembrar que, naturalmente, sempre que um novo governo toma posse todo o País sente a necessidade de um esforço de recuperação financeira e económica, sente essa necessidade de uma forma muito vincada nos primeiros meses e tende, naturalmente, a pensar que um governo que entre em funções resolve nos seus primeiros 2 ou 3 meses os problemas que se foram acumulando ao longo de anos e que sucessivos governos não resolveram.
Sem volver qualquer espécie de crítica, julgo que este tipo de reacção, sendo compreensível, não corresponde em nada à realidade e os problemas não são tratados dessa maneira porquanto, a ser assim, já teriam sido resolvidos muito antes.
Compete uma tarefa particularmente pesada a este governo, em matéria de recuperação da economia portuguesa, e eu abordaria hoje 3 dos pontos mais importantes.
Desde logo, o esforço que está em curso em matéria de racionalização do sector empresarial do Estado.
À luz do que acabámos de ver em termos de situação económica geral do País, à luz do que é o registo histórico do funcionamento deste conjunto de empresas nos últimos anos, é claro que não é possível manter o arrastar de situações como aquelas com que o Governo se defronta, neste momento. Quer isso dizer que o Governo tem perante si a responsabilidade e o carácter indispensável de enfrentar o conjunto dos problemas de restruturação do sector empresarial do Estado. E podemos acrescentar que há uma espécie de limitação no tempo. Não é que haja necessidade de uma actuação precipitada, o que há é que ter a consciência - e peço aos Srs. Deputados que sejam sensíveis a esse aspecto - de que não é possível protelar o enfrentar dos problemas do sector empresarial do Estado, designadamente em matéria do seu financiamento, porque se os problemas não forem enfrentados não há possibilidade de financiar.
Estamos a fazer, no quadro do Governo, um esforço sério para enfrentar os problemas de reestruturação do sector empresarial do Estado; é um trabalho de articulação entre todos os ministérios envolvidos que terá de dar os seus resultados dentro de poucos meses, sob pena de não ser possível gerir o conjunto do financiamento global da economia portuguesa.
Um outro aspecto, com outras origens, com outro tipo de dificuldade, com outro tipo de abordagem,

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é o problema das estruturas empresariais, designadamente das estruturas empresariais privadas.
Temos problemas sérios de recuperação, viabilização ou inviabilização de empresas. Temos problemas que devem ser enfrentados de uma forma directa, indo ao coração deles.
O Governo entende que não é possível manter uma atitude passiva, uma atitude de arrastamento dos problemas em relação ao larguíssimo número de empresas que estão em situação de extrema dificuldade de funcionamento.
Por estas razões, o Governo pôs de pé, há vários meses, uma metodologia mais pragmática e mais directa para enfrentar o problema de empresas concretas.
Primeiro que tudo, uma preocupação de rapidez no diagnóstico da situação da empresa - que não é uma tradição corrente na economia portuguesa; segundo, a definição clara de medidas de viabilização financeira e económica, para o caso concreto. Não se trata de um simples exercício financeiro - esses exercícios já foram demasiadamente feitos e demasiadas vezes sem resultado -, o que está em causa é a capacidade económico-financeira de viabilização da empresa. Uma viabilização tem de partilhar os 5 vectores vitais que caracterizam a própria existência de uma empresa e a própria gestação de uma situação difícil, que são o Estado, a banca, os trabalhadores e os empresários.
Na abordagem que estamos a fazer, caso a caso, em relação a cada uma das empresas em situação difícil, cujo arrastamento significa o desaparecimento das empresas e, como aqui se disse, a própria situação anómala dos salários em atraso, está-se a resolver
situação de cada empresa concreta. E essa resolução não tem outras vias por onde passar senão duas: é possível, é desejável, há condições para dar nova possibilidade de vida à empresa e recuperá-la e a banca, o Estado, os trabalhadores e os empresários fazem esse esforço, e então salva-se a empresa, cria-se condições para progredir, designadamente pela reconversão ou abertura para exportações; ou se não há condições económicas e financeiras não é possível manter-se a ficção e a aberração do salário em atraso, da empresa que não paga ao Estado, da empresa que não paga à Previdência, da empresa que não é uma empresa mas um fantasma, para não dizer um fantoche.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Estado não pode - e o Governo não o irá fazer - pactuar com estas situações de arrastar os problemas concretos em que, cada dia que passa, os trabalhadores perdem mais. Os trabalhadores em empresas nestas situações, à medida que passa o tempo, perdem porque a empresa não tem futuro e o Estado não tem capacidade para pagar artificialmente subsídios e benesses que não tem possibilidade de assumir em termos financeiros. Quer isto dizer que, em termos de viabilização económico-financeira das empresas, o Governo está empenhado num trabalho de longa duração de abordagem concreta de cada caso.
Não é possível ultrapassar a situação da economia portuguesa, que, aliás, em nada difere - senão no grau estrutural de desenvolvimento - doutros países, designadamente dos países da Europa Ocidental e Oriental, sem termos capacidade de viabilizar o tecido fundamental da economia portuguesa. Caso contrário

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a economia portuguesa, dentro de alguns anos, será ingovernável, porque não são apenas os défices do fundo de abastecimento, não são apenas os défices do fundo de garantia dos riscos cambiais, não são apenas as dívidas à Previdência, não são apenas os créditos mal parados, mas um conjunto de múltiplas incapacidades que se autoalimentam e que alguém tem de cortar.
O Governo está na disposição de caminhar para esse problema e de cortar, de alguma forma, o nó crónico dos défices, dos prejuízos e das acumulações de incapacidade que se alimentam uns com os outros.
Quer isto dizer que, em matéria do tema em debate, o essencial pode ser reduzido a 3 palavras claras.
A primeira será a fiscalização e a punição dos comportamentos irregulares deliberados.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - É o simples respeito da legalidade e as empresas têm responsabilidades como o Estado tem responsabilidades.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Em segundo lugar - e não se trata de simples exer-
cício jurídico ou de autoridade - é a viabilização séria e efectiva das unidades económicas que são viáveis. 15to implica necessariamente - e quero dizê-lo para que não haja a mais pequena ilusão, nessa matéria, e para que estejamos lucidamente a perceber qual é o peso do problema - a articulação do problema salários em atraso e desemprego. Não é possível viabilizar empresas se não houver flexibilidade e lucidez na gestão dos respectivos níveis de emprego.
15to é uma verdade que não tem rigorosamente nada a ver com a situação geográfica em Lisboa ou em Trás-os-Montes. É uma verdade que tem a ver com o funcionamento de qualquer economia.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É falso!

O Orador: - V. Ex.ª sabe que não é verdade o que está a dizer, pelo que lhe responderei depois.
A terceira ideia chave, que é aquela que culmina e que tem a ver com o olhar de esperança e o olhar para o futuro, é o esforço de recuperação da economia. Não se trata apenas de resolver o problema dos salários em atraso; não se trata apenas, e muito menos, de limitar a política económica à gestão da conjuntura. Nunca foi essa a posição do Governo, nunca foi desde antes do dia 9 de Junho.

O Sr. João Lencastre (CDS): - Muito antes.

O Orador: - O que é facto é que o Governo tinha, teve e fez o esforço de enfrentar uma situação de emergência e continuará, porque é essa a sua obrigação, a prosseguir uma política conjuntural de rigor, mas, em paralelo e em simultâneo, está a lançar condições para a recuperação da economia e para criar condições minimamente sadias para que as empresas funcionem e para que haja condições de criação de emprego. Não se cria emprego mantendo empresas incapazes de concorrer em termos de mercado internacional.

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Daqui as 3 palavras ou ideias chaves: a fiscalização e a punição dos comportamentos irregulares deliberados, a viabilização séria e efectiva das empresas que são viáveis e a recuperação da economia.
São estas as linhas elementares do funcionamento da política económica do Governo, no caso concreto da interpelação de hoje. É esta política económica, articulada em todas as suas componentes, que permitirá - e é esse o nosso desejo - recuperar a economia portuguesa e desenvolvê-la. Essa é a nossa responsabilidade, não só, nem tanto, perante nós próprios mas a nossa responsabilidade perante os nossos filhos.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suspendo agora os nossos trabalhos, que recomeçarão às 15 horas.

Eram 13 horas.
A seguir à interrupção, reassumiu a presidência e Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa teve conhecimento do falecimento da mãe do Sr. Deputado Lopes Cardoso. Julgo interpretar o sentir desta Assembleia apresentando ao Sr. Deputado as nossas condolências.

Pausa.

O Sr. Deputado José Vitorino tinha-se inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
Tem a palavra.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, efectivamente inscrevi-me para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, mas também, ao mesmo tempo, mas em geral, a todas as intervenções produzidas pelo Partido Comunista.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - A questão dos salários em atraso, aqui hoje suscitada, bem como situações de desemprego, são, como todos sabem, um flagelo social e económico dos dias de hoje não só em Portugal, conforme o Governo reconheceu.
Obviamente que o Partido Social-Democrata sente este problema com consternação e associa-se à dor e até ao desespero daqueles que, querendo alimentar as suas famílias, não têm meios económicos para o fazer.
Sentimo-nos, pois, revoltados com esta situação pelas pessoas afectadas, pela sociedade no seu conjunto e ainda porque o 25 de Abril fez-se para se dar mais a quem menos tinha e não para agravar as situações dos que já pouco tinham.
Naturalmente que também admitimos que havia há empresários que, de uma forma pouco correcta, fazem desviar fundos, que serviriam para pagar os salários dos trabalhadores, para outros fins que não os da vida empresarial na sua perspectiva económica

e social, como centro de vivência do dia a dia e com reflexos nas famílias que vivem do trabalho produzido nessas mesmas empresas. Mas também se sabe que grande parte das empresas e dos empresários que hoje não pagam os salários resulta de situações de manifesta impossibilidade de se assumirem esses compromissos.

A pergunta que se põe antes de mais é: onde começam de facto os problemas? Porquê esta situação?

Julgo não ser correcto ficarmos apenas pelas consequências. Deveremos ir mais ao fundo. Os 50 anos antes do 25 de Abril foram uma causa real e o que aconteceu depois dessa data, sobretudo em 1975, são também uma causa que convém não esquecer.

Como é sabido, em economia os efeitos dos actos que se cometem ou não cometem não se fazem sentir no momento imediatamente subsequente. É das regras!

Nós, Partido Social-Democrata, dissemos que pelo caminho que se tinha seguido em 1975, com uma intervenção revolucionária de estatização de grande parte da economia, era fatal que mais tarde ou mais cedo as consequências aí estivessem à vista. Alguns não acreditaram; outros sabiam que elas iriam ocorrer, mas desde logo se prepararam para apanhar e aproveitar o próprio ricochete da onda, isto é, provocar a situação e depois protestar pela situação que eles próprios provocaram.

E a questão que hoje estamos a tratar é profunda e provém de uma profunda contradição: o Partido Comunista feriu de morte - pelo menos pretendeu de forma brutal, o sistema da economia de mercado com a sua acção em 1975. Agora, o Partido Comunista acusa o sistema de economia de mercado de não resolver os problemas dos cidadãos por causa de uma situação que ele próprio criou. E como dizia o nosso ex-deputado Pedro Roseta: «faz o mal e a caramunha».

O Partido Comunista pensa que - e aqui coloca-se a profunda divergência- se se tivesse nacionalizado mais e se agora se mantivesse o que está nacionalizado e ainda se nacionalizasse mais os problemas se resolveriam. Nós, Partido Social-Democrata, e o Governo pensamos que o caminho a seguir é no sentido de se liberalizar mais do que aquilo que está estabelecido.
Passo a colocar duas questões muito concretas ao Partido Comunista.

Primeira: falou na brutalidade policial. Obviamente não é agradável, não é salutar qualquer política de agressão, seja em relação a quem for. De qualquer forma, a pergunta que se põe é se, de facto, embora reconhecendo o direito àqueles que são atingidos pelo não pagamento de salários de protestarem, de reivindicarem, de usarem formas de luta que a democracia permite - e foi por isso que houve o 25 de Abril -, se apesar disso e se por via disso, se deve permitir que se entre noutros domínios, designadamente em termos de pôr em causa a ordem pública.
A segunda questão é a seguinte: depreende-se que se o Partido Comunista fosse Governo - não é e não virá a ser, temos a certeza que não, lutaremos para que isso não aconteça - pagava - vamos fazer um exercício teórico -- os salários em atraso, as empresas continuavam em crise e o Partido Comunista continuava a pagar os salários em atraso. O que é que aconteceria a essas empresas em termos de propriedade? Obviamente que passariam para a propriedade do Estado! Era isso que o Partido Comunista pretendia.

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A solução que o Sr. Ministro do Trabalho aqui referiu há pouco de se atribuir um subsídio de desemprego a quem está há mais de 1 mês sem receber salário é uma medida positiva mas com riscos porque vai haver aproveitamentos indevidos dessa situação caso não seja devidamente fiscalizada, impedindo que os empresários deixem de pagar os salários contando com o subsídio que o Governo vai pagar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, ele não percebeu a sua medida!

O Orador: - A solução não é a que o Partido Comunista propõe, a solução não é o Estado substituir-se aos empresários, a solução é revitalizar-se o sistema económico, é corrigir aquilo que o PCP distorceu em 1975 e que, por razões de ordem diversa, ainda não foi possível corrigir.
Estamos associados à dor dos trabalhadores, mas não estamos com as soluções do Partido Comunista.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Nota-se!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Perdeu uma boa oportunidade para estar calado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Sr. Deputado José Vitorino, tal como eu tinha dito na minha intervenção, veio aqui constatar que os salários em atraso são um flagelo social.
Disse que se associa à dor e ao desespero dos trabalhadores que se encontram nessa situação e afirmou que está revoltado contra esta situação para depois concluir que o mal está nas nacionalizações, nas transformações sócio-económicas operadas a partir do 25 de Abril.
E disse esta coisa espantosa: «o PCP feriu de morte o sistema de economia de mercado em 1975».
Não, Sr. Deputado. Foi o povo português, foi o 25 de Abril que feriram de morte o grande capital monopolista que durante 48 anos atirou Portugal para a cauda da Europa em termos culturais, económicos, políticos e sociais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Essa é que é a questão de fundo que os senhores procuraram escamotear porque são esses mesmos monopolistas, é esse mesmo grande capital que este Governo tenta proteger e relançar.
Ó Sr. Deputado, vem falar-me em 1975! Estamos em 1984 e já desde 1979 que os senhores têm grandes responsabilidades no Governo, embora já em 1975 tivessem. Não me diga que daqui a 20 anos ainda continua a falar de 1975, Sr. Deputado?!
E depois diz isto: «nós pensamos que não é agradável bater nos cidadãos mas, enfim, eles até provocam a desestabilização, fazem desordens na ordem pública ... ».
Ó Sr. Deputado, não é moral nem constitucional bater em homens com fome a quem violentaram os seus direitos fundamentais e constitucionais! 15so é ilegal!

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Dizia-me num outro dia um trabalhador, que se encontrava frente à Assembleia da República: «olha lá Jerónimo, que legalidade democrática é esta de eu chegar a casa e só ter sopa para dar ao meu filho, de ter uma ordem de despejo da minha casa? Que raio de legalidade democrática é esta? Então que a GNR me bata para mostrar que este Governo não é nem socialista nem social-democrata! »
Existe fome, Sr. Deputado! Existe uma situação de injustiça social que tem de ser resolvida.

Srs. Deputados, não se trata de uma questão em que cada um procura recolher benesses em termos de opinião pública; trata-se de um problema nacional, sobre o qual esta Câmara se deveria pronunciar procurando uma solução para os 150 000 trabalhadores com salários em atraso.

Vamos fazer isso, Sr. Deputado, se realmente está revoltado com esta situação! Mesmo não acreditando neste governo, nós pensamos que são possíveis medidas e soluções porque se trata de um problema de justiça social, humano, de um drama que tem de ser resolvido no Portugal de Abril.
Quanto ao despacho normativo, devo dizer que o Sr. Deputado não percebeu o que o Sr. Ministro do Trabalho disse. Ele ficou preocupado, mas com certeza que lhe irá explicar. E nós voltaremos à carga com isso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD):- Sr. Deputado, uso da palavra só para lhe prestar alguns esclarecimentos adicionais.
O Sr. Deputado referiu que eu teria esquecido que um dos grandes responsáveis pela situação que hoje se vive em Portugal foi o período de 50 anos anteriores ao 25 de Abril.

Eu disse-o expressamente! Sou dos que comungam desse ponto de vista, e até aí concordo consigo.
Pergunta porque não mudaram as coisas entre 1973 e 1984! O Sr. Deputado sabe que não mudaram porque os normativos constitucionais e outro tipo de soluções políticas que se verificaram até agora não possibilitaram essa mudança, e também sabe que o Partido Comunista fez tudo para evitar essas mudanças. Nós esforçámo-nos para as conseguir. Não se conseguiu nessa altura, procurar-se-á conseguir agora e no futuro.

Portanto, se não se conseguiu que as coisas mudassem não foi porque nos tivéssemos esquecido. 15so está expresso através de formas muito diversas.

Em relação às cargas policiais, à fome e ao desespero também já disse o que tinha a dizer.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - São dois pesos e duas medidas!

O Orador: - Não são não, Sr. Deputado!
O que eu penso é que pelo facto de os trabalhadores deverem reivindicar e lutar para que tenham o mínimo de sustento que lhes permita viver não se pode permitir, a quem quer que seja, designadamente aos trabalhadores, que a ordem pública seja posta em causa.

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Não está em causa o direito de reivindicar, de protestar e de lutar, mas sim pôr em causa a ordem pública. Esta é que é a questão e não mais nenhuma! É preciso que nos debrucemos com rigor sobre cada uma.
Soluções para o caso: nós pensamos -os Srs. Ministros do Trabalho e das Finanças referiram-no - que se devem encontrar. Mas penso não ser solução - e o Sr. Deputado não respondeu a isso - o Estado substituir-se ao empresário porque a empresa vai continuar em crise, acabando o Estado por nacionalizar a própria empresa. Pensamos não ser essa a solução do país da liberdade que o povo quer.
Não é o País que o Partido Comunista gostaria de ter! Tem esse direito! Mas o povo quer outro país, em que o Estado não se substitua aos empresários.

O Sr. Gaspar Martins (PCP): -Meteu os pés pelas mãos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, se deseja contraprotestar faça favor.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):-Sr. Presidente, não é por falta de respeito pelo Sr. Deputado José Vitorino - mas a nossa interpelação é dirigida fundamentalmente ao Governo e o tempo é escasso - que irei responder-lhe de uma forma muito sintética.
Sobre a questão do carregar sobre os trabalhadores, gostaria de perguntar quantas vezes se prendeu ou se carregou sobre um patrão que viola uma das expressões mais significativas do direito à vida, Sr. Deputado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se um dia quiser, Sr. Deputado, muito amigavelmente, vamos à Marinha Grande, vamos ao Tramagal, vamos a Valongo, vamos à sua zona do Algarve, vamos conhecer as realidades objectivas e talvez o senhor compreenda quanto é injusto carregar sobre homens com fome, à coronhada e à bastonada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro do Trabalho estão inscritos os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia, Guido Rodrigues, Marcelo Curto, Carlos Brito, Ilda Figueiredo, João Amaral, António Mota, João Corregedor da Fonseca, Manuel Lopes, Jerónimo de Sousa e Helena Cidade Moura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Rocha de Almeida (PCP): -Sr. Presidente, desejava fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD):- Quando os Srs. Deputados do Partido Comunista usaram da palavra, eu tinha-me inscrito para fazer um pedido de esclarecimento, como a minha inscrição está a ser preterida, presumo que a Mesa não se tenha apercebido do meu pedido.

O Sr. Presidente: - Com efeito o Sr. Deputado não está inscrito. A Mesa, certamente, não se apercebeu do seu pedido.
Desejava fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa?

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Era essa a minha intenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado realmente se inscreveu e a falta foi da Mesa, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Efectivamente, inscrevi-me, Sr. Presidente. Lamento que este incidente se tenha gerado e agradeço a compreensão da Mesa.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, V. Ex.ª já disse que o seu partido está com muito pouco tempo e não pode responder tanto quanto gostava. Esse é, evidentemente, um problema que ultrapassa o Sr. Deputado, mas não pode ser impedimento para mim de lhe dirigir a pergunta.
A pergunta, Sr. Deputado, é esta: tenho levantado sempre aqui a minha voz, no sentido de desdramatizar os problemas que afectam os trabalhadores portugueses, quando postos por qualquer bancada, seja ela qual for - há uns tempos a esta parte têm vindo da bancada do Partido Comunista- e quando estes são utilizados com intenções políticas escondidas, para, a coberto dos problemas dos trabalhadores, se fazer política que nada tem a ver com o regime democrático.
É porque na parte final da intervenção o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa - se bem a leu ou se eu bem a entendi- referiu que isto é um libelo acusatório daqueles que por vezes desesperam, que rejeitam viver num país de homens com fome e medo e eles sabem que a resolução dos seus problemas passam por dois aspectos essenciais, que são estes: outra política, outro Governo.
Presumo que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, ao trabalhador português, nosso concidadão, quando se acercou de si -como há pouco teve a oportunidade de relatar - o senhor lhe respondeu que a única solução é deitar o Governo abaixo para ficar com a barriga cheia.
Sr. Deputado, acho que se queremos ser minimamente sérios no debate que aqui hoje trouxe o Partido Comunista, não podemos isolar o problema de l, 2 ou 1000 trabalhadores mas discutir o problema geral e nacional.
A minha pergunta, que de resto já aqui foi apontada, é esta: o Sr. Deputado não entende que a resposta do Sr. Ministro das Finanças foi concreta quando, na parte conclusiva da sua intervenção, disse que se devia fiscalizar de facto aquelas empresas que de má fé têm sido lançadas para uma situação de falência em que as formas não são as correctas, nem as legais? O Sr. Deputado não entende que o segundo ponto é a viabilização das empresas que possam constituir-se em locais de trabalho, locais em que os trabalhadores possam receber o seu salário? E porque estar a subsidiar salários, sem perspectivas futuras de se poder produzir, penso que não é manter um posto de trabalho, é manter um posto de desemprego.
Finalmente, a terceira parte é a recuperação económica, que tem que ser englobada numa perspectiva geral, conjugada com toda a crise interna e externa.

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Assim pergunto-lhe, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, se não entende que o debate, mais do que trazer aqui casos pontuais de firmas, de trabalhadores sem salários - e numa intervenção que irei fazer futuramente demonstrar-lhe-ei que também tenho conhecimento desses casos -, não deveria servir para, aqui na Assembleia da República, com o Governo à nossa frente para responder aos problemas, ir ao encontro de soluções universais, genéricas, não para que isto não aconteça nesta ou naquela empresa mas para que não aconteça em todo este país, tendo o cutelo sobre muitos trabalhadores hoje e ainda sobre aqueles que poderão vir amanhã a estar.
Independentemente de trazermos a política, Sr. Deputado fazia-lhe também um apelo: deixemos esses casos - que eu também irei depois referir - e vamos procurar soluções, conjuntamente com as perguntas que fizermos ao Governo, no sentido de que este flagelo social que agora caiu sobre a nossa sociedade e a de todos os países em que nós nos integramos em termos políticos, isto é, para encontrar uma forma que possa minimizar, e mais do que isso, superar de uma vez por todas situações gravíssimas que hoje pendem sobre os trabalhadores portugueses.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Que miséria!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, apesar da falta de tempo, julgo que o Sr. Deputado merece também uma resposta sintética, telegráfica, que me é imposta, como já disse, pela limitação de tempo.
O Sr. Deputado afirmou que eu teria dito ao trabalhador sem alternativa, encostado à parede, com quem falei, que a solução é Governo abaixo para depois terem a barriga cheia. Se o Sr. Deputado quer saber a resposta que dei a esse trabalhador eu digo-lhe qual foi. O que eu lhe disse foi que no quadro da legalidade democrática, no quadro constitucional, há formas de continuar a desenvolver a luta, porque não estão sozinhos. Foi esta a resposta que dei a esse trabalhador.
O Sr. Deputado pode saber que estes trabalhadores, apesar de muitas vezes desesperados, continuam a respeitar a legalidade democrática. Muitas vezes quando se concentram ou publicamente se manifestam, têm o objectivo de sensibilizar a opinião pública e os sentimentos democráticos do povo português. De facto, muitas vezes esses homens não têm outra alternativa porque as portas dos ministérios se fecham sem sequer apresentarem alternativa às suas situações.
Quanto à questão das soluções apresentadas pelo Sr. Ministro das Finanças, lá iremos. Vamos levantar-lhe questões, vamos responder-lhe e com certeza o Sr. Ministro não necessita de advogados de defesa. O Sr. Ministro teve uma vantagem: apresentou-se como um homem que «corta a direito», mas sem alma! Disse que a política não se faz com o coração. Mas a política também não se faz com fome, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado confirmou a existência dos casos que o meu camarada António Mota aqui provou e apelou a soluções. Estamos de acordo, vamos a elas, a nossa bancada tem alternativas, apresentou uma

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iniciativa legislativa e espera que o Sr. Deputado e alguns da sua bancada estejam de acordo em discuti-la e em apresentar soluções melhores para que este drama social tenha término.
Por último, o Sr. Deputado não percebeu a parte final da minha intervenção. De facto, Sr. Deputado, quando nós aos 12 anos íamos para a empresa «vergar a mola» - como lá dizemos na fábrica - líamos o Soeiro Pereira Gomes, líamos o Alves Redol, escritores e companheiros que nos ensinavam - apesar de só termos a 4.ª classe - a escrever e a acreditar - na minha terra acreditámos - que depois do 25 de Abril deixaria de haver um país em que os homens nunca foram meninos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Eu disse, Sr. Deputado, que à frente de uma empresa estava uma palavra de ordem que era: «Com o governo do Mário/Nem sequer nos pagam salário». Pensamos que quem se identifica como socialista deve, pelo menos, ter consciência e atender a este grande drama social que são os salários em atraso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Também telegraficamente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, gostaria de lhe dizer que enquanto V. Ex.ª com 12 anos lia isso, eu lia também isso e outras coisas.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - A Bíblia!

O Orador: - Mas não fui só eu, outros trabalhadores o fizeram também. E depois do 25 de Abril os trabalhadores - de quem eu proeuro ser também aqui o defensor e porta-voz - leram um documento do meu partido em que se defende a co-gestão nas empresas, para que não se verifiquem certas situações.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Defende no papel, mas na prática não.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sotto Mayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros do Trabalho e das Finanças, Srs. Deputados: Apraz-me felicitar V. Ex.as, Srs. Ministros, pelo brilho das intervenções que produziram perante esta Assembleia.
Como os Srs. Membros do Governo sabem e sentem melhor do que eu, a questão dos salários em atraso constitui uma ferida grave na sociedade portuguesa.
Será uma situação inovadora no vastíssimo universo das patologias sociais? Ignoro. Em todo o caso, não surpreenderá que em breve os mais respeitados centros e departamentos que entre nós se dedicam à investigação na área das ciências sociais comecem a produzir eruditas, e obviamente contraditórias, dissertações sobre os variados aspectos sectoriais do tema.
A competência desta Assembleia é contudo bem diversa: é uma competência política. A questão, felizmente, ainda é política.

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Permito-me por conseguinte formular 4 breves observações e correspondentes pedidos de esclarecimento.
Primeira: a situação do assalariado não remunerado ou não atempadamente remunerado é mais dramática do que a do desempregado. Aquele trabalha e não recebe ou quase não recebe; este não trabalha mas pode receber subsídio de desemprego.
Admite o Governo, sem quebra do pensamento económico e social que o orienta nesta matéria, a possibilidade de combater eficazmente o fenómeno não apenas nas causas mas também na neutralização dos efeitos em tempo humanamente útil?
Segunda: há empresas que não pagam aos seus trabalhadores porque isso se lhes tornou impossível. Umas estão tecnicamente falidas e implacavelmente condenadas. Outras carecem de reorganização que os seus accionistas não podem introduzir. Tenciona o Governo propor a esta Assembleia modificações legislativas do chamado processo de falência no sentido de o simplificar e abreviar no tempo? E no sentido de reforçar a posição dos trabalhadores como credores privilegiados?
Terceira: parece haver fundados motivos para admitir que empresas há que não pagam por desnecessária e evitável deliberação dos responsáveis pela respectiva gestão. É exacta a informação? Se é exacta, e traduz por consequência uma nova modalidade de crime, que providências considera o Governo adequadas à prevenção e repressão do ilícito?

Vozes do PS e do deputado Hasse Ferreira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Quarta e última: além de injusta, a situação revela-se perigosa. Perigosa para a autoridade e prestígio do Estado, eventualmente perigosa para o normal funcionamento das instituições democráticas, perigosa para a economia de mercado que queremos apoiar e promover. Em linhas gerais, a que ordem de prioridades obedece a acção do Governo no combate a este estado de coisas?

Aplausos do PS, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder o Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Agradeço as suas palavras amáveis, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, e vou tentar dar-lhe uma resposta tão breve e clara quanto possível.
Na primeira pergunta, V. Ex.ª comparou a situação do trabalhador desempregado com a do trabalhador que tem salários em atraso. Permita-me que discorde levemente da sua posição, na medida em que ter emprego, sempre é um benefício neste país e a esperança de que se ultrapasse a situação dos salários em atraso em tempo não muito longo sempre é mais confortável do que as dúvidas que hoje existem, realmente, sobre a possibilidade de se encontrar um novo emprego.
Gostaria de lhe dizer relativamente a essa primeira questão que o Governo está, naturalmente, empenhado em combater as causas que lhe dão origem, mas está também empenhado em neutralizar os seus efeitos imediatos. O que acontece é que numa e noutra destas situações o Governo não é capaz de resolver a situação sozinho. Há que fazer uma pedagogia e convencer tudo e todos de que esta situação não deve manter-se. E quem quer que tenha um mínimo de possibilidades de a combater deve dar o seu contributo. O Governo está, evidentemente, empenhado em dar o seu contributo, nomeadamente através da superação da crise das empresas. Fá-lo-á tão depressa quanto possível, não se pense sequer que as decisões tardam apenas por causa do Governo, pois o Governo actua sobre propostas, sobre planos de viabilização e de recuperação das empresas e é das próprias empresas que têm que partir essas propostas e esses planos de recuperação.
Na segunda pergunta pretende saber se efectivamente o Governo está a pensar em modificar o. processo de falência, no sentido de simplificar e abreviar no tempo este processo. Dir-lhe-ei que efectivamente o Governo está a pensar nisso e até estão já em curso no Ministério da Justiça alguns trabalhos, segundo informações que tenho do titular deste Ministério.
À terceira pergunta, sobre se há casos em que a situação dos salários em atraso se deve a atitudes reprováveis, condenáveis, puníveis dos empresários, dir-lhe-ei que penso que sim. Nesta como noutras matérias há sempre quem cumpra e quem não cumpra. Penso que aqui se verificarão as percentagens que se verificam noutros domínios. Os empresários são uma classe, há empresários bons, que todos nós devemos elogiar, há empresários menos bons, há empresários médios, há empresários maus, há empresários honestos e há empresários desonestos. A classe em si mesma é uma classe como todas as outras que eu não queria aqui, de maneira nenhuma, colocar em situação diferente.
Penso que em alguns casos -a meu ver excepcionais- haverá efectivamente crimes e faltas puníveis, que devem punir-se e punir-se rigorosamente. O Governo aprovou recentemente, um decreto-lei, que pune mais rigorosamente delitos antieconómicos e em todos os diplomas recentes do Ministério do Trabalho há a punição mais rigorosa das faltas e das violações das normas laborais.
Finalmente perguntou-me quais são as prioridades que o Governo tem. Creio que resulta da minha intervenção que o Governo deve simultaneamente atacar as causas de fundo que criam esta situação e deve, tão rapidamente quanto possível, evitar a situação em que se encontram os trabalhadores. Devo dizer que as medidas já enunciadas representam um esforço do Governo na via do possível e, porque considero que o problema está sempre em aberto, não descansarei enquanto não encontrar as soluções adequadas para esta situação que todos nós lamentamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD):-Sr. Ministro do Trabalho, congratulamo-nos com a sua explicitação sobre a nova legislação de apoio às empresas ora anunciada, que o mesmo é dizer à manutenção dos postos de trabalho e à garantia dos salários. E congratulamo-nos por vermos que se está no bom caminho, que os apoios do Estado às empresas industriais serão atribuídos no âmbito estrito das regras da economia de mercado, o que consideramos fundamental.

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Não podemos, de forma alguma, admitir que se mantenham artificialmente postos de trabalho. As empresas economicamente viáveis poderão e deverão ser apoiadas, mas nunca poderemos admitir que situações de inviabilidade total sejam mantidas artificialmente.
Por outro lado, quero salientar que alguns apoios à manutenção dos postos de trabalho implicam uma coordenação global das várias entidades, nomeadamente da banca. O Sr. Ministro do Trabalho explicitou essa circunstância com a qual nós nos felicitamos. Para além da banca, é também indispensável que os capitais próprios das empresas sejam adequadamente dimensionados pelo que os empresários terão que colaborar intrinsecamente nesse projecto de recuperação das empresas. 15to é o que é, efectivamente, a economia de mercado.
Além disso, na criação de postos de trabalho, nos financiamentos para criação de postos de trabalho, é também inadmissível que, nalguns casos, os financiamentos sejam superiores ao próprio investimento realizado. Essas circunstâncias terão que ser também contempladas e congratularam-nos com a explicitação que sobre as mesmas o Sr. Ministro do Trabalho fez.
Ainda consideramos importante que esses financiamentos sejam empregues na execução de alterações estruturais às empresas. Em grande número de casos esses financiamentos são utilizados para a superação de situações de ruptura momentânea de tesouraria e não são aplicados nas reestruturações fundamentais que se impõem.
E aqui fica a minha pergunta ao Sr. Ministro do Trabalho: como é que o Sr. Ministro pensa que se vai fazer a verificação, o acompanhamento da utilização desses financiamentos privilegiados às empresas, sempre no âmbito da economia de mercado? Esta é uma pergunta fundamental que lhe queria pôr.
É para mim óbvio que os apoios até agora prestados às empresas, ao abrigo da legislação existente de apoio à manutenção de postos de trabalho e à concessão de emprego cujo balanço o Sr. Ministro apresentou a esta Câmara, constitui um esforço significativo do Estado para o apoio à actividade industrial e ao emprego, mas, por outro lado, ouvimos da bancada do Partido Comunista Português um ataque acérrimo, uma ataque significativo, com e indicação de algumas pretensas utilizações indevidas destes financiamentos, não referindo, na realidade, a importância e o valor dos mecanismos da legislação de apoio e da actuação real, efectiva, que o Ministério do Trabalho tem vindo a desenvolver.
Esta actuação do Partido Comunista Português é, quanto a mim, evidentemente demagógica e de crítica por crítica e não de interpelação real ao Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro deseja responder já?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria agradecer ao

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Sr. Deputado Guido Rodrigues o apoio que expressamente dá à política do Governo em matéria de apoios financeiros e dizer-lhe que, de facto, essas palavras confortam-nos e animam-nos a prosseguir nessa linha.
Realmente, faz parte da nossa política o acompanhamento da utilização dos financiamentos que concedemos às empresas, não apenas pela Secretaria de Estado do Emprego - através naturalmente dos seus quadros - mas também por intermédio da banca e de outras entidades governamentais, nomeadamente pelo Ministério da tutela. Atendendo a que os apoios são dados exactamente numa avaliação conjunta de vários departamentos do Estado - isto, pelo menos, no que diz respeito às empresas mais significativas - esse acompanhamento deve ser feito sobre o mesmo esquema e dentro do mesmo critério, para que haja a segurança de que os apoios financeiros são efectivamente aplicados de acordo com as finalidades para que foram concedidos.
Efectivamente, indicam-se casos de aproveitamento indevido dos financiamentos, porque, afinal, é sempre possível haver abusos. Mas, o que quero aqui dizer com toda a clareza é que no Ministério do Trabalho e da Segurança Social, neste ou noutros campos, não existem casos dignos de sanção que, sendo do conhecimento do Ministro ou de qualquer membro do Governo integrado neste Ministério não provoquem de imediato o desencadeamento dos mecanismos necessários para fazer a respectiva averiguação e punição.
Neste momento, há processos na Polícia Judiciária resultantes de suspeitas - já havendo mesmo fundamentos de que houve desvios ou má aplicação de fundos - e onde quer que surjam notícias de casos dessa natureza, seguir-se-á sempre o mesmo caminho disciplinar ou penal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social, ouvi atentamente a sua intervenção e embora não tenha tirado notas porque estava, entretanto, a preparar a intervenção que eu próprio vou fazer sobre esta matéria, julgo ter ouvido da boca do Sr. Ministro que «só ao Governo e a mais ninguém competiria definir o quadro legal que viria a disciplinar esta questão dos salários em atraso». De qualquer modo, o que interessa é que ouvi esta expressão «só ao Governo e a mais ninguém» e, como pressuponho que o Sr. Ministro conhece o quadro constitucional que nos rege, entendo que naturalmente haverá qualquer acordo no âmbito da coligação para que seja o Governo e não os deputados, através dos seus grupos parlamentares, a tomar qualquer iniciativa legal em relação a este ponto.
Se é assim, gostaria que me esclarecesse, porque, na verdade, não tenho conhecimento disso e convinha que esta Câmara soubesse se o Governo tem alguma medida legal de fundo que ataque o problema nas suas raízes, isto é, a crise das empresas e não propriamente o pagamento de salários em atraso ou o voltar a uma espécie de «bodo aos pobres».
O Sr. Ministro afirmou também que o Estado não pode consumir os seus recursos em empresas inviáveis.

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Estamos absolutamente de acordo, mas há situações do conhecimento deste grupo parlamentar em que já não se trata propriamente de conseguir a viabilização das empresas, mas sim de ter em conta situações de carência alimentar - para não lhe chamar fome, porque às vezes penso que é mesmo de fome que se trata.

Tendo conhecimento desse contexto e também de que a segurança social estará a obviar a esse problema considerando essas situações de salários em atraso como situações de doença ou equivalentes a doença - e, nomeadamente, isto passa-se no Tramagal em relação aos trabalhadores da Metalúrgica Duarte Ferreira - perguntar-lhe-ia, Sr. Ministro, se tem conhecimento desses casos e se há alguma acção de segurança social sistematizada para obviar a estas situações de grave carência das famílias e dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Deputado Marcelo Curto, não tenho ideia de ter feito a afirmação que me atribui de que «só ao Governo competiria» tal tarefa. A minha linha de raciocínio foi a de que ao Governo cabe necessariamente uma responsabilidade nesta matéria, que é, exactamente, a de definir o quadro legal da política económica - entre outras - em que se movem as empresas e que, naturalmente, pode ter influência sobre a forma como elas enfrentam as dificuldades que se lhes deparam.

Evidentemente que a Assembleia da República tem iniciativa e não me passava pela cabeça negá-la. Aliás, o quadro em que se movem as empresas não é definido só pelo Governo, mas também por outras forças sociais e políticas a que fiz referência na intervenção que produzi. A ideia que desenvolvi é a de que o Governo tem responsabilidades nesta matéria e que não alija essas responsabilidades.

Quanto ao problema da aplicação dos recursos de que o Governo dispõe e que não devem, naturalmente, ser aplicados em empresas não viáveis, o Sr. Deputado pôs a questão dos problemas sociais, etc. Bom, Sr. Deputado, infelizmente vivemos numa sociedade em que existem variadíssimos problemas sociais que não somos capazes de resolver, a questão, porém, é que temos de obedecer a certas regras.

Nós estamos a pagar pensões que, se não existissem outros recursos, faziam morrer as pessoas à fome. E, apesar disso, nem toda a gente tem direito a pensões ou a subsídio de desemprego e nem toda a gente tem emprego. Há mil carências dos cidadãos que não são cobertas pelo Estado, porque não o podem ser, mas há um esquema de protecção dos cidadãos que tem de ser aplicado de acordo com aquilo que determina a lei, sob pena de o Governo estar a proceder por uma forma não democrática.

Entendo que os problemas das empresas com salários em atraso devem ser resolvidos rapidamente, pois é necessário acabar com situações de dependência que nunca mais acabam, e creio que este Governo tem, corajosamente, assumido as suas responsabilidades aceitando publicamente que uma das soluções pode ser mesmo a do encerramento das empresas em situações desesperadas, porque não é solução manter uma

empresa «morta» a fazer que funciona, só para que os trabalhadores recebam salários.
Nessas circunstâncias a justiça manda que os trabalhadores desempregados tenham todos um tratamento igual, mas isso não impede também que a segurança social possa, dentro das suas competências próprias, dar assistência a qualquer cidadão seja qual for a sua situação ou a causa da mesma, desde que ele tenha carências em matéria essencial.
Devo dizer-lhe, todavia, que não é da responsabilidade da segurança social, constituindo antes uma fraude, que penso dever ser punida severamente, o facto de haver pessoas que recorrem ao expediente de dar baixa por doença para receber subsídio por doença quando não podem receber pontualmente os salários.
Humanamente esta situação pode ser compreensível, Sr. Deputado, mas não é correcto, e é uma fraude! E se é mesmo uma fraude não podemos tolerá-la, embora possamos ter em relação a essa situação, como aliás tem sido a nossa atitude, alguma compreensão. Mas isso não é maneira de resolver o problema. Pelo menos nunca será por essa via que pretenderei resolver o problema e não deixarei de aplicar sanções, embora com compreensão, a quem recorra a mecanismos dessa natureza, pois trata-se de um acto que não pode constituir a forma de ultrapassar essas dificuldades.
Entendo que quem tem dificuldades não tem legitimidade para as resolver de qualquer maneira, pois há meios lícitos e meios ilícitos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social: Teremos ocasião, no decorrer da interpelação, de contestar de uma maneira mais cabal a sua intervenção, mas queríamos, entretanto, colocar-lhe já algumas questões.
Primeiramente, queria registar uma notória mudança de tom da parte do Governo na abordagem deste problema. Este tom não tem nenhuma equivalência com aquele que, por exemplo, o Governo adoptou quando aqui debatemos, em Novembro, o nosso primeiro projecto de lei nesta matéria ou mesmo aquando dos debates aqui realizados durante a discussão do Orçamento do Estado.
Creio também que é de registar, desde já, o reconhecimento por parte do Governo do quadro que temos vindo a apresentar sobre a dimensão deste flagelo social. Os números são bastantes coincidentes no que toca ao número das empresas, e embora relativamente ao número de trabalhadores haja alguma discrepância, isso é mais do que compreensível pois basta uma «CP» estar sem pagar salários e entretanto vir a pagá-los, para que os números registados entre um e outro momento sejam profundamente diferentes.
Mas o quadro está configurado e é um drama, pois, se trata apenas de alguns casos isolados, respeita a 400 empresas - exactamente 425 empresas -, cerca de 100 000 trabalhadores, com todas as suas famílias, e isto tem um grande peso social. Ora, o Governo acaba de reconhecer este quadro.
Entretanto, e da parte do Governo, o Sr. Ministro reafirma a ideia - e espanta-nos que depois não actue de acordo como ela - de que o primeiro dever social

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é pagar o salário a quem trabalha; por outro lado, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano diz que isso é uma anomalia intolerável. Bem, nós não estamos aqui numa academia de filósofos; estamos numa Assembleia política, como já foi dito, e estamos a falar com o Governo, com o Executivo. Importa saber, portanto, como é que o Governo parte destas considerações gerais para a sua acção governativa e como interpreta os deveres do Estado em relação a uma questão tão importante, como é este direito fundamental dos trabalhadores.
Relativamente aos apoios financeiros o Sr. Ministro referiu-os vagamente, citou números, mas o que lhe gostaria de perguntar era o seguinte: quais são os critérios de atribuição destes apoios financeiros?
Depois teremos ocasião de trazer para a discussão uma série de casos que configuram situações suspeitas de fraude, de grave negligência ou até de corrupção. Será que o seu Ministério não tem nenhuma notícia destas coisas? Como é que o Ministério acompanha a utilização dos apoios financeiros que tem atribuído?
Não estamos aqui a acusar os empresários como os principais culpados, até porque para nós o culpado principal é o Governo! É esse o caso, pensamos que há um grande número de empresários que não estão a cumprir com as suas obrigações contratuais por grave negligência ou até por dolo! O Sr. Ministro das Finanças e do Plano falou mesmo de descapitalização voluntária das empresas e todos sabemos que assim é, pois conhecem-se muitos casos. Pergunto-lhe, quais são as actuações do Governo, neste domínio, que é conhecido pela opinião pública, no sentido de fazer a incriminação e a punição de quem atenta contra os direitos dos cidadãos de uma maneira tão grave?
Depois, e para terminar em estilo telegráfico, uma vez que estou a chegar ao fim do meu tempo, gostaria ainda de referir que, da intervenção do Sr. Ministro do Trabalho assim como da intervenção do Sr. Ministro das Finanças, decorre um pouco esta ideia de que os despedimentos são uma alternativa fundamental para os salários em atraso. Seria bom que os Srs. Membros do Governo esclarecessem esta questão.
Relativamente ao despacho normativo, pergunto-lhes: quantas empresas contempla, das 425 que têm salários em atraso?
Finalmente, Sr. Ministro, depois do que disse à Câmara e ao País, qual é a esperança que este Governo transmite aos 100 000 ou 150000 trabalhadores que têm os salários em atraso e às suas famílias? Quanto tempo vão esperar para que a situação se normalize? O que é que o Governo responde a esta questão crucial? Como é que o Governo vai fazer respeitar os direitos desses cidadãos e como é que vai dar provimento às necessidades, às carências absolutas de que esses cidadãos padecem?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Deputado Carlos Brito, começou V.Ex.ª por registar algumas mudanças na atitude do Governo, mas devo dizer-lhe que não há mudança absolutamente nenhuma nessa atitude. Nomeadamente, aquilo que eu disse no debate que teve lugar nesta Assembleia

sobre um projecto de lei que VV. Ex.as apresentaram, disse-o também hoje, embora por palavras diferentes. Não há mudança absolutamente nenhuma, repito!

Sempre reconheci que o problema era grave e não contestei os números apresentados pelo PCP, embora soubesse que eles não eram inteiramente exactos. Disse, também, que era necessário enfrentar o problema e tomar as medidas necessárias à sua resolução, afirmação essa aliás citada numa intervenção de um dos seus camaradas.

Não há, portanto, qualquer posição diferente por parte do Governo e ela é sempre a mesma. O problema é grave: é inaceitável a manutenção de uma situação em que os trabalhadores não recebem pontualmente os seus salários, simplesmente, o que é profundamente demagógico é pensar que o Governo por si só pode resolver este problema.

O Governo tem a sua parte das responsabilidades e procura corresponder-lhes mas - já o disse- não é ao Governo, sequer, que cabe a principal responsabilidade pelo pagamento dos salários, pois esse é um problema da gestão das empresas e não um problema do Governo. E falo aqui em responsabilidades em termos de dever, e não em termos de culpa, no sentido de que cabe às empresas adoptar as medidas necessárias para poderem pagar pontualmente os seus salários.

Quanto ao que aqui se disse, não se trata de pura filosofia, porque é necessário fazer também uma acção pedagógica. E quem tem as responsabilidades de um membro do Governo deve proclamar bem alto que as empresas têm que tomar as disposições necessárias para cumprir aquele que é o primeiro dos seus deveres fundamentais: pagar pontualmente os salários aos seus trabalhadores. O Governo tem a obrigação de dizer isto, e di-lo, daí ser por vezes criticado pela forma frontal quando faz esta afirmação.

Relativamente aos critérios de atribuição dos apoios financeiros, eles já foram focados. Há apoios financeiros quando eles se justificam para assegurar a viabilização de uma empresa, naturalmente na base de um estudo da própria empresa e das conclusões dos peritos nesta matéria, em conjunto com outras entidades, nomeadamente a banca e o sector estatal.

Quando o Sr. Deputado diz que para o Partido Comunista o principal responsável é o Governo, aqui é que noto já uma grande alteração da nossa posição. E isto porque no primeiro debate o PCP fez uma diatribe tremenda contra o patronato que «propositadamente queria lançar os trabalhadores para a fome, etc., etc.», ficando o vosso partido muito escandalizado quando eu disse que a minha convicção era a de que as empresas não tinham pago os salários em geral porque não podiam, e não porque os empresários quisessem propositadamente colocar-se nessa situação.
Aqui houve, e ainda bem, uma modificação da posição do Partido Comunista acerca desta matéria, começando já a deslizar para o terreno onde admite que são, realmente, as dificuldades das empresas que impedem o pagamento pontual dos salários.
Quanto às medidas de fiscalização, Sr. Deputado, elas são aquelas que o Governo tem ao seu dispor.
Posso, por exemplo, facultar-lhe uma informação que obtive em relação ao caso da TÓBOM que é a de que está já em curso uma inspecção do Ministério

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das Finanças e já foram detectados elementos que levam a crer que há aí matéria para procedimento criminal.
Finalmente, gostaria de lhe dizer que o despedimento não é, nos termos em que o disse, um remédio para combater o problema dos salários em atraso. O que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano disse, e muito bem, é que muitas vezes - infelizmente, muitas vezes - a viabilização das empresas passa pela redução do seu volume de emprego e, portanto, pelo despedimento.
E, se assim for, o Governo assume, uma vez mais corajosamente, uma posição que naturalmente lhe desencadeará críticas e más vontades, dizendo que é preferível sacrificar alguns postos de trabalho, do que deixarmos correr as coisas até que eles fiquem todos sacrificados!
Pergunta-me o Sr. Deputado que esperança poderemos dar. Penso que o povo português pode ter esperança num governo que faz uma política de verdade e de coragem, mas não pode ter esperança em quem usa critérios e processos demagógicos, como é o caso do PCP, ou quem deixa correr as coisas para um afundamento, susceptível de encapotar as situações durante algum tempo, mas que termina necessariamente numa catástrofe a ser paga por todos os portugueses.
Este Governo não pretende, de maneira nenhuma, deixar os problemas actuais para os que vêm depois, e temos por isso de os enfrentar corajosamente, pagando o custo que for necessário para a sua resolução.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, certamente que para um protesto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é de facto para um protesto, visto que o nosso tempo é pouco.
Sr. Ministro do Trabalho, não há nenhuma inflexão na forma como colocamos o problema, pois sempre considerámos o Governo como o principal culpado.
O Sr. Ministro do Trabalho, talvez até para alívio da sua consciência e também por facilidade de argumentos, é que sempre nos acusou a nós de acusarmos, antes de tudo, os empresários. Mas nós não desculpamos os empresários. Há empresários que têm pesadas culpas neste cartório, como tive ocasião de salientar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E aqui há uma grave responsabilidade do Governo, que é a omissão de não agir como lhe compete, com a incriminação desses empresários e com a sua penalização, como era dever e obrigação do Governo, até pelas suas responsabilidades tutelares nesta matéria. Esta é uma questão fundamental.
Nós atribuímos-lhe, Sr. Ministro do Trabalho, a si, pessoalmente, graves responsabilidades nesta questão. Quando aqui discutimos, em princípios de Novembro, o nosso projecto de lei o Sr. Ministro disse «o Governo vai tomar medidas, o Governo tem soluções». O Sr. Ministro enganou a Assembleia e até enganou a maioria, incitando-a a votar contra o nosso projecto. Agora estão passados meses sobre a data em que o nosso projecto podia ter sido aprovado e podia ter sido alterado, e

naquela altura a Assembleia da República podia ter tomado uma provisão útil. Não a tomou, e neste caso concreto o Sr. Ministro do Trabalho tem responsabilidades pessoais, além das graves responsabilidades que pertencem ao Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há novidades, mas não deixo de dar uma resposta muito breve.
Em primeiro lugar, não enjeito as minhas responsabilidades. Assumo-as plenamente. As propostas feitas pelo Partido Comunista são puramente demagógicas e em vez de resolverem o problema complicam-no.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - 15so é que é demagogia!

O Orador: - Eu não disse que ia resolver o problema. Disse que o Governo ia fazer - e está a fazer e fez - aquilo que é possível e que lhe compete para resolver este problema.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Vê-se! ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não pode fazer mais, porque o grande capital não deixa!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Em vésperas desta interpelação, o Sr. Ministro emitiu o Despacho Normativo n º 35/84, que equipara à situação de desemprego involuntário determinadas suspensões de contrato de trabalho sem garantia salarial quando perdurem para além de 30 dias. O referido despacho não é uma medida inovadora, pois limita-se a reformular um despacho de Maio de 1977, da autoria do actual Presidente da Assembleia da República, Tito de Morais.
Na verdade, Sr. Ministro, este despacho aplica-se apenas aos trabalhadores das empresas que se encontram paralisadas, mas não reconhece a maioria das situações criadas pelas empresas que continuam em laboração sem pagar os salários.
Considera, Sr. Ministro, que este despacho vem resolver a situação dramática dos muitos milhares de trabalhadores que têm salários em atraso? Em que medida vai solucionar esses casos?
Não considera, também, o Governo, de franca utilidade, colocar as empresas que não pagam salários e que se mantêm em actividade sob controle do Estado, até ser superada a situação, e com a participação na sua gestão de um representante dos trabalhadores?

O Governo não considera, Sr. Ministro, que o reforço do controle de gestão por parte das organizações dos trabalhadores e do reforço da fiscalização do Estado às empresas faria diminuir os casos de não pagamento de salários?
O Sr. Ministro, quando de manhã fez a sua intervenção, falou na eventualidade de se constituir um fundo de garantia de salários. Esse fundo será financiado pelo patronato para pagamento de dívidas aos

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trabalhadores em caso de falência ou insolvência das empresas ou é o Estado que vai assumir esse fundo?
Uma outra questão, já aqui falada em Novembro de 1983, refere-se à retirada de verbas do Fundo de Desemprego, que este ano se prevê que sejam de 14 milhões de contos, para o Orçamento do Estado. Gostava de saber, Sr. Ministro, quais as verbas retiradas ao Fundo de Desemprego e canalizadas para investimentos que, como o Sr. Ministro aqui disse na altura, «fossem investimentos capazes de gerar postos de trabalho para evitar mais desemprego». Que investimentos foram esses, Sr. Ministro?
Ainda em relação à sua intervenção desta manhã, o Sr. Ministro falou nos diversos levantamentos feitos e referiu o levantamento concluído em 10 de Fevereiro de 1984, mas esqueceu-se de referir quais são os resultados desse levantamento. Por isso, pedia-lhe que me dissesse quais são os números do último levantamento.
Sr. Ministro, havendo um despacho normativo que permite ao Secretário de Estado do Emprego atribuir apoios financeiros a unidades produtivas com salários em atraso - é o Despacho n.º 375/79 -, perguntava-lhe quantos apoios já foram concedidos pela actual Secretaria de Estado, ao abrigo do citado despacho.
Já agora, Sr. Ministro, sendo de 20 000 contos a competência legal do Secretário de Estado para despachar despesas, como se justifica que o Secretário de Estado despache apoios financeiros de montantes superiores, que já tem alcançado valores de 95 000 contos. Se isto corresponde à verdade, gostaria de saber quais os critérios adoptados e que estudos de viabilização foram feitos para atribuição de tais verbas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: O despacho deste Governo, a que o Sr. Deputado se referiu, é mais lato do que o anterior, porque não exige as condições que o outro exigia e foi tão longe quanto se julgou possível, dentro dos critérios definidos, e já aqui anunciados, de apoios financeiros às empresas.

Não é possível ir mais longe, isto é, pagar subsídios a trabalhadores de empresas que estejam em laboração.
É que não se compreende que uma empresa em laboração e que está a produzir para o mercado esteja a ser colocada em situação de privilégio em relação a outras empresas. Uma empresa que trabalha e que labora deve, no mínimo, pagar os salários aos trabalhadores. E se há uma situação passageira de dificuldades ela tem de ser resolvida por outra forma, que não através de pagamento de salários por parte do Estado ou de financiamentos do Estado só concedidos para esse efeito.
Não penso que deva abrir-se uma excepção para as empresas que têm gestores de Estado, porque o facto de uma empresa ter gestores do Estado, isto é, ser uma empresa pública, não significa, a meu ver, que o Governo tenha que assumir, só por esse facto, a responsabilidade do pagamento dos salários.
As empresas públicas devem ter critérios de gestão paralelos aos das empresas privadas. Quando prestam serviços, se efectivamente os preços dos bens que

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produzem são mais baixos do que os que praticariam normalmente, nesta altura o Estado deve dar a compensação, mas no resto a empresa deve ser auto-suficiente, deve pautar a sua gestão de acordo com as suas disponibilidades, tal como acontece em relação a qualquer outra empresa. Entendo que deve haver regras sãs de concorrência entre as empresas do sector público e as empresas do sector privado.
Quanto ao modo de financiamento do fundo de garantia, é uma pergunta prematura, o assunto será estudado e o Sr. Deputado terá possibilidade de consultar os elementos que existem em relação a iguais fundos constituídos no estrangeiro. Se não os tiver, terei muito gosto em fornecer-lhos porque existem no Ministério do Trabalho.
Quanto à verba do Fundo de Desemprego para o Orçamento do Estado, é um problema que está super-abundantemente discutido. O Governo entendeu que era desejável, para evitar uma quebra excessiva no investimento, que o Fundo de Desemprego apoiasse o investimento, transferindo 14 milhões de contos para o Orçamento do Estado. Pensa-se, exactamente, com essas verbas apoiar o desemprego e aplicá-las em investimentos intensivos em matéria de postos de trabalho.
Quanto ao levantamento, ele não se refere a números. Refere-se, mais propriamente, às empresas que estão numa situação de salários em atraso, por responsabilidade e com culpa por delitos dos próprios empresários e, por isso, a seguir se mencionam os números das empresas onde foram levantados auto de notícia e daquelas onde não foram levantados quaisquer autos.
Quanto ao despacho sobre os salários em atraso, ele está em contradição com a política do actual Governo e, portanto, nenhum subsídio ou apoio financeiro foi concedido exclusivamente para pagamento de salários em atraso. Mas já agora deixe-me adiantar-lhe, Sr. Deputado, que no caso da Messa foi considerada a situação dos salários em atraso e o subsídio dado pelo Ministério do Trabalho para a viabilização da empresa considera essa situação e os trabalhadores vão ser naturalmente beneficiados a partir do momento em que a empresa se mostre viável e eles colaborem na sua recuperação, suportando também alguns sacrifícios.
Portanto, no quadro da viabilização considera-se o problema dos salários em atraso. Independentemente da viabilização, a nossa política é de não pagar salários em atraso.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca deseja fazer um protesto?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): É claro, Sr. Ministro, que em relação ao despacho de segunda-feira, ele melhora, na nossa opinião, apenas num aspecto, na medida em que se suprime um dos pressupostos para a sua aplicação, quando diz que «os trabalhadores afectados tenham fundada expectativa de poderem vir a ser reintegrados a curto prazo no seu posto de trabalho».
É evidente que, em certa medida, esse despacho poderia vir a abranger um maior número de trabalhadores que o despacho anterior.
Já agora gostaria de saber se, realmente, isto vai ter alguma viabilidade, e para fazermos um certo juízo

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de valor seria interessante saber a quantos trabalhadores se aplicou, em cada ano, desde a sua entrada em vigor, o despacho anterior.
Já agora gostaria de fazer uma pergunta, se o Sr. Ministro tiver tempo para me responder.
Como não me deu uma resposta muito concreta, completava a pergunta que há pouco fiz. Não acha acertada, Sr. Ministro, para a solução deste problema e para a clarificação da situação, a criação de um serviço público com a possibilidade de analisar e inspeccionar todos os aspectos respeitantes à situação económica e financeira das empresas, para proceder ao levantamento dos problemas e das causas que provocaram o não pagamento de salários?
Um serviço desta natureza, Sr. Ministro, poderia ser constituído por representantes da Inspecção de Trabalho, da Inspecção-Geral de Finanças, do Ministério da tutela e presidida por um juiz do Ministério Público.
Pergunto-lhe se um serviço desta natureza não seria útil para ajudar a clarificar as situações.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Embora não se trate de um protesto, mas de uma nova série de perguntas, desde que na Assembleia isso é permitido, terei muito gosto em responder.
Não lhe posso dizer qual é o número de trabalhadores abrangidos nem isso é o elemento essencial do meu despacho. Felizmente o Ministério do Trabalho dispõe de recursos com alguma maleabilidade para atender às situações.
O que posso dizer, que me lembre, é que em relação ao despacho anterior foi concedido apoio dessa natureza aos trabalhadores da Fontela. Foi a única empresa que, nestes 8 meses, foi contemplada com subsídios de desemprego.
Quanto à proposta que faz, parece-me que é uma proposta como tantas outras. Em princípio, não sou muito favorável à criação de novos organismos e creio que ninguém está contente com o trabalho de uma empresa constituída para esse efeito. O Governo tem que actuar por meios mais expeditos, tem-no feito, o que é preciso é pôr as coisas a funcionar e realizá-las e não constituir novas comissões. Esta é a minha opinião.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - A questão que queria pôr ao Sr. Ministro do Trabalho é muito concreta e tem a ver com a possibilidade da execução do Despacho Normativo n.º 35/84 - e não vou agora analisar a correcção ou incorrecção deste despacho.
Penso que se do ponto de vista social é um passo que me parece positivo, no entanto, é mais uma vez tentar resolver o problema pelos sintomas e não propriamente pelas causas.
De qualquer maneira, a pergunta muito concreta que lhe gostaria de lhe fazer é a seguinte: vamos supor, por hipótese - é um exercício que podemos fazer -, que dos cerca de 100 000 trabalhadores que o Sr. Ministro referiu como tendo os salários em atraso cerca de 50 000 estarão em condições de poder usufruir da aplicação do Despacho n.º 35/84. Se estiverem 50 000 trabalhadores nestas circunstâncias, teremos um en-

cargo anual de cerca de 11 milhões e 400 000 contos. Como a verba inscrita para transferência do Fundo de Desemprego para o orçamento da segurança social é de 14 milhões de contos, como aquilo que se pagou em 1983 de subsídios de desemprego foi de cerca de 7 milhões de contos, significa isto que, em circunstâncias perfeitamente estáticas de não aumento do desemprego, teríamos um excesso sobre a verba prevista de cerca de 10 milhões de contos. Como também parece suficientemente claro que a produtividade financeira do Fundo de Desemprego e da segurança social está, por razões endógenas e exógenas, a diminuir em termos marginais, na medida em que as dificuldades de cobrança estão acrescidas, pergunto muito concretamente ao Sr. Ministro do Trabalho como entende financiar esta verba: é pela via de um aumento da despesa pública ou por expansão da massa monetária? É pela via do aumento de impostos? Enfim, como é que se vai resolver o problema deste défice que é clandestino?

É evidente que o Sr. Ministro do Trabalho poder-me-á responder que se trata de um adiantamento e não de uma verba a fundo perdido. Bom, mas nós sabemos perfeitamente que esta situação se arrasta e isto é uma forma clara de estarmos aqui perante um défice clandestino.

Ora, como é que, com todas estas condicionantes de ordem financeira - e estou apenas a pôr o problema neste contexto, porque me parece que é com esta seriedade que o temos que tratar aqui, para sabermos de facto qual é a viabilidade e o pragmatismo das medidas tomadas -, ainda é possível implementar em 1984 o seguro de desemprego, que como sabe tem um fortíssimo acréscimo de encargos e que, de um modo geral, hipotecará entre 3 % a 4 % do total dos 7,5 % das contribuições para o Fundo de Desemprego.

O Sr. Presidente: -- Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança social: Sr. Deputado Bagão Félix, agradeço-lhe o reconhecimento que fez de que este despacho, apesar de tudo, representa um passo positivo na resolução do problema, mas chamo a sua atenção para o facto de que a não existência não significa que não se faça uma ideia. Bom, e o Sr. Deputado parte de uma hipótese que não passa pela cabeça de ninguém, perdoe-me a força da expressão.

É mais do que evidente que não passa pela cabeça de ninguém que haja 50 000 trabalhadores de empresas totalmente paralisadas. É completamente impossível.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Então, nesse caso o Sr. Ministro do Trabalho, reconhece que este despacho, não tem, mesmo do ponto de vista meramente social, qualquer efeito prático. Quase reconhece isso ...

Risos do PCP.

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O Orador: - Não reconheço, Sr. Deputado. Se não é 50 000, também não é zero - posso afirmar-lhe isto com a mesma segurança.
Nunca afirmei que isto era a panaceia que resolvia o problema, é sim um contributo, é o ir tão longe quanto possível, numa linha que é a do Governo, no sentido de atender e resolver os problemas sociais dos trabalhadores com salários em atraso.
Quanto ao resto, Sr. Deputado também labora em erros de vária ordem.
Como sabe - creio que sabe - não é a segurança social que custeia o pagamento do subsídio de desemprego. O Sr. Deputado referiu-se aos problemas do orçamento da segurança social, que não há aumento de verbas, etc. Ora, as verbas que pagam os subsídios de desemprego ou as quantias a que têm direito aqueles que são equiparados a desempregados saem do Fundo de Desemprego que terá de dar o necessário à segurança social, que é apenas um mero serviço de pagamento.
Portanto, isto não tem nada que ver com o orçamento da segurança social, tem que ver com o orçamento do Fundo de Desemprego.
Admito, perfeitamente, em teoria - por enquanto não tenho dados nenhuns nesse sentido - que as verbas do orçamento do Fundo de Desemprego possam vir a considerar-se insuficientes. Mas, Sr. Deputado, para isso é que existem as alterações ao Orçamento e que são perfeitamente possíveis. Se for necessário o Governo adoptará as medidas convenientes, porque eu disse aqui no debate do Orçamento que há uma coisa que se me afigura perfeitamente impossível: é que a certa altura falte o dinheiro para pagar o subsidio de desemprego a quem a ele tem direito. O Governo há-de resolver o problema de qualquer maneira. Estou absolutamente convencido disso e afirmo-o, sem receito de que haja qualquer quebra de solidariedade da parte dos meus colegas do Governo.
Portanto, as adaptações que forem necessárias serão feitas em tempo oportuno. Mas não penso, neste momento, que seja necessário fazer adaptações.
Posso também sossegá-lo quanto ao facto de termos estudos devidamente feitos, da responsabilidade da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e da Secretaria de Estado da Segurança Social, quanto à existência de recursos suficientes no Orçamento deste ano para poder transformar o subsídio de desemprego em seguro de desemprego. 15so será realizado, uma vez que o diploma se encontra na última fase da sua elaboração e brevemente será submetido a discussão pública.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Muito obrigado, Sr. Ministro, pelas suas explicações.
De qualquer maneira, queria dizer-lhe que quando referi a verba que está no orçamento da segurança social, obviamente estava a referir-me à sua globalidade, pois como sabe há uma verba que é transferida do Fundo de Desemprego para o orçamento da segurança social e é essa que vai, em principio, pagar estes adiantamentos, digamos assim, segundo o despacho.
Sr. Ministro, fiz o exercício com 50 000 trabalhadores, mas podemos fazê-lo com 25 000 e neste caso o défice será de 5 milhões de contos. Pareceu-me

implícito nas palavras do Sr. Ministro que reconhece, à partida, que isto vai gerar mais um défice na execução do Orçamento do Estado para 1984. Ora, isto vem apenas evidenciar aquilo que o CDS vem dizendo desde o debate do Orçamento para 1984, de que vamos no final deste ano ter um défice muito mais elevado do que aquele que estava previsto, financiado através da comissão de massa monetária ou de mais um pacote fiscal.
Pensamos que era importante dimensionar esta questão em todas essas medidas e, Sr. Ministro, permita-me este desabafo, fico bastante surpreendido com a falta, minimamente concreta, de elementos quantitativos para analisar este problema, quando não está em causa um problema sectorial e analisado estritamente no plano do Fundo de Desemprego, mas um problema mais vasto que o Sr. Ministro das Finanças referenciou várias vezes, isto é, um problema de interligação entre a política conjuntural e a política estrutural do ponto de vista económico e financeiro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro, para contraprotestar.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Gostaria de dizer muito rapidamente, como afirmei há pouco, que o orçamento do Fundo do Desemprego é um orçamento com alguma maleabilidade. 15to porque no domínio do social não pode haver o mesmo rigor que há noutros domínios.
Posso assegurar-lhe que temos um orçamento que nos dá a possibilidade de as coisas correrem de uma forma que não é totalmente previsível. Basta que lhe diga que só para subsídios de desemprego a verba inscrita no Orçamento deste ano é de 14 milhões, enquanto no ano passado ela foi de 8 milhões de contos.
Portanto, temos já uma previsão bastante folgada para ocorrer a necessidades a que damos a primeira prioridade. E que o dinheiro pode faltar para tudo, não pode é faltar para os desempregados.

Penso que isto é uma evidência e todos os dados que temos - não vamos antecipar problemas - apontam no sentido de não haver qualquer previsão ou necessidade de vir a alterar o orçamento do Fundo de Desemprego.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Ministro do Trabalho, a pergunta que lhe pretendo fazer relaciona-se com a profissionalização.
Este Governo tem o manto luminoso da profissionalização por sua conta. A verdade, porém, é que no contexto económico que estamos a viver, com o bloqueio do mercado de emprego e, mesmo, o seu enfraquecimento, a profissionalização é considerada nos países da Comunidade como forma de mascarar o emprego e de preparar os profissionais para postos de trabalho exercidos em condições de não ajustamento. Quer dizer, a profissionalização é superior ao posto de trabalho que é oferecido, facto que se traduz numa perda de dinheiro e numa selectividade do trabalhador.
Neste momento, o Sr. Ministro da Educação parou com a escolaridade obrigatória, que continua a não avançar. Do mesmo modo, pararam a pré-escolar e

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avança-se na profissionalização acima do 9. º ano de escolaridade. Por várias vezes, V. Ex.ª, Sr. Ministro, referiu-se à profissionalização feita pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social, questão esta que noutra ocasião lhe colocarei com mais tempo.
Gostaria, para já, que o Sr. Ministro me dissesse qual a política de profissionalização, de um modo muito claro, compatível com este quadro económico em que estamos inseridos. Ou será que esta é mais uma forma de desbaratar os dinheiros públicos em nome de um slogan a que os governos se agarram.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, fico um pouco perplexo com a sua pergunta porque a política deste governo, que tem tido um forte acento quanto à importância da formação profissional, acaba de ter uma consagração unânime na recente Conferência dos Ministros da OCDE, que se realizou em Paris. Todos os países da OCDE realçaram a importância fundamental de que se reveste a formação profissional, precisamente neste momento em que há dificuldades de emprego, como uma das formas privilegiadas de combate ao desemprego.
Aquilo que a Sr.ª Deputada disse é uma possibilidade. Pode fazer-se uma formação profissional errada. Mas porque é que não se há-de fazer uma formação profissional certa? A nossa experiência diz-nos que há escolas em todos os que acabam os cursos são disputados nas ofertas de emprego, como sucede, por exemplo, com a Escola Hoteleira.
Já foi super-abundantemente explicado qual é o esquema de formação profissional, que, aliás, desenvolvi na minha intervenção. Há todas as razões para crer que as acções de formação profissional, com os investimentos importantes que este governo está a fazer neste domínio, dá e pode dar um contributo muito importante não só para o combate ao desemprego, mas também para uma melhor capacidade das empresas para enfrentarem e resolverem os seus problemas.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Ministro do Trabalho, V. Ex.ª não respondeu ao essencial da minha pergunta.
Quanto aos relatórios enviados à Conferência da OCDE, posso dizer que tenho muitos anos de leituras de relatórios distribuídos lá fora e de vivência dos problemas de educação em Portugal. Portanto, sei bem o que eles representam e como eles expressam a realidade do País.
Continuo a não entender como é que se continua a preparar profissionais especializados para um mercado de emprego fechado. Ainda há pouco o Sr. Ministro disse que ter hoje emprego em Portugal é um privilégio. Como é que se vai fazer essa análise? Que profissionais é que se estão a formar? Para que empregos? Não há uma única das profissionalizações que esteja em ligação, por exemplo, com o Plano Tecnológico Nacional.

15to é realmente um felling do Governo, é um sentimento. Mas, como a política não se faz com sentimentos, como o Sr. Ministro disse, há que explicar concretamente as razões técnicas deste problema.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, eu não tinha a consciência de não lhe ter respondido.
Quero apenas acrescentar o seguinte: a Sr.ª Deputada tem as convicções que entender, acredita no que quiser - tem para isso toda a liberdade -, mas eu continuo a afirmar que está enganada. Na verdade, quando a Sr.ª Deputada diz que se está a fazer formação para um mercado de emprego fechado está errada. Posso dizer-lhe que numa enorme percentagem de centros de formação profissional, nomeadamente nos centros de formação protocolares isto é, quando há acordos entre a Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e entidades privadas e outras empresas o que acontece é que na generalidade dos casos ficam empregados 100 % dos trabalhadores formados.
Esta é que é a realidade. Se a Sr.ª Deputada não acredita, o problema é seu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano os Srs. Deputados Hasse Ferreira, Octávio Teixeira, Corregedor da Fonseca, Carlos Carvalhas, Bagão Félix, Ilda Figueiredo, Carlos Brito e Basílio Horta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - O Sr. Ministro das Finanças e do Plano referiu na sua intervenção inicial uma quebra verificada na produção industrial, sem no entanto - segundo suponho - a ter quantificado. Gostaria que V. Ex.ª, caso fosse possível, fornecesse elementos sobre essa quebra.
Do mesmo modo, tendo o Sr. Ministro referido uma quebra nos rendimentos reais, de acordo aliás com os objectivos políticos que aqui exprimiu, designadamente por altura da discussão do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano, gostaria que V. Ex.ª nos fornecesse dados actualizados sobre essa quebra de rendimentos reais.
Gostaria ainda de lhe perguntar quando pensa V. Ex.ª alterar ou inflectir a sua política económica e financeira? Quando pensa que será travada essa quebra do Produto Interno Bruto e que era um dos seus objectivos iniciais? Quando propõe que termine esse decréscimo dos rendimentos reais médios?
Faço-lhe estas perguntas agora porque penso que o debate do Orçamento e do Plano não foi nesse aspecto suficientemente clarificador, bem como porque esta pergunta está ligada com a problemática da resolução de fundo dos salários em atraso, pelo menos, na concepção que V. Ex.ª e o Sr. Ministro do Trabalho aqui apresentaram.
Pergunto-lhe isto porque não queria perguntar se o Sr. Ministro espera que sejam outros a realizar essa política. No quadro vigente, parece que o natural

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será que seja esta coligação a governar. O que pode é não ser este governo ou ser este governo remodelado.
Portanto, a minha pergunta é esta: Sr. Ministro, pensa vir a inflectir a sua política? Em caso afirmativo, quando?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, há mais oradores inscritos para lhe pedirem esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ao Sr. Deputado Hasse Ferreira ou prefere responder globalmente a todos os interpelantes?

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, penso que, havendo vários interpelantes, se poupará algum tempo se responder globalmente no final.

O Sr. Presidente: - Certamente que se poupará algum tempo, Sr. Ministro.
Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano: A situação anómala e intolerável a que o Sr. Ministro se referiu - os salários em atraso - é, na realidade, um sintoma de doença que ataca toda a economia portuguesa. Não é, porém, menos verdade que essa doença se está a tornar cada vez mais crónica, de prognóstico cada vez mais reservado e ameaçando mesmo entrar em coma.
Por outro lado, o Sr. Ministro disse que a situação dos salários em atraso não surgiu agora, com este governo. É verdade, já existiam situações dessas com governos anteriores, designadamente com os governos da AD.
Mas o problema - e aqui o Governo não desmente - é que essa situação foi fortemente agravada. 15to é, confirma-se mais uma vez aquilo que temos vindo a dizer há algum tempo: a natureza da política prosseguida pelo governo é a mesma política prosseguida pelos governos da AD, só que muito mais aprofundada e com resultados muito mais gravosos. Essa é que é a questão fundamental e a questão de fundo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, a resolução dos problemas globais, incluindo o problema dos salários em atraso, só se resolve com o esforço de recuperação da economia. Estamos, neste aspecto, totalmente de acordo, tal como o temos dito várias vezes.
Mas a questão de fundo é esta: com este governo não se vê esse esforço. É contra a ausência desse esforço de recuperação da economia que nós nos batemos e é contra ela que nós protestamos.
Como é que se pode falar em viabilizar empresas que estão fortemente descapitalizadas, que têm deficiências estruturais e organizativas enormes? Como se pode falar em viabilizar empresas com a acção determinada do Governo para a liberalização das importações? Como se pode viabilizar financeiramente empresas com as taxas de juro que existem e com uma concorrência acrescida de empresas externas?
Finalmente, Sr. Ministro, dentro de todo este contexto, coloco-lhe a seguinte questão: não é verdade

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que os critérios que o Sr. Ministro aponta para a determinação da viabilidade das empresas vai levar à inviabilização de muitas empresas e, mais do que isso, à inviabilização de sectores completos, com efeitos cada vez mais nefastos no emprego, nos salários em atraso e em toda a situação económica do país?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): O Sr. Ministro das Finanças e do Plano começou por referir que a existência de empresas que laboram e não pagam aos obreiros da sua produção não é recente, não surgiu com este governo em funções e é até anterior ao início do ano transacto.

É uma verdade que ninguém põe em causa.
Outrotanto já não se poderá dizer sobre a sua afirmação de que a situação que hoje se vive não seja um resultado da política do Governo.
É que, como também acertadamente disse, este problema não é resolúvel isoladamente. Diríamos, mesmo, que tal problema não se pode analisar isoladamente, isto é, abstraindo das coordenadas fundamentais da política económica prosseguida pelo governo e que, no seu entendimento, visa criar condições para a recuperação futura da economia.
Só que, como referiu a Associação Industrial Portuguesa no seu documento «proposta para uma acção concreta de desenvolvimento económico global», corre-se o risco de, quando essas condições se criarem, já nada haver para recuperar.
E este governo não é, de facto, responsável pelas primeiras situações de salários atrasados e se, como disse, isto constitui sua preocupação desde o início da actividade governamental o que é que se fez até agora para combater tal situação que o próprio Sr. Ministro classificou de anómala e aberrante? -
Não será grande a quota-parte de responsabilidade do Governo pelo agravamento de tal situação que, ninguém o nega, ocorreu depois da tomada de posse deste governo?
Não tem o Governo consciência de que a sua política económica agudiza as condições de funcionamento das unidades económicas inviabilizando algumas que, noutras condições, teriam possibilidade de se manter?
É que, Sr. Ministro, a viabilidade ou a inviabilidade das empresas não pode ser vista de uma maneira estática, isolada, mas tem de se observar inserida na realidade económica que a circunda e de atender às condições que, na maior parte dos casos, não dominam, mas constrangem a sua actividade. Porque aquilo que é viável hoje, pode não o ser amanhã se as circunstâncias se alterarem, e nem as empresas nem, muito menos, os trabalhadores que neles laboram, têm culpa de que por exemplo, a taxa de juro suba, ou de que a sua actividade estiole por falta de investimento.

Mas o Governo não terá culpa? Por exemplo: não terá responsabilidades no facto de as autarquias e os próprios ministérios não solverem antecipadamente os seus compromissos com fornecedores e empreiteiros criando situações gravíssimas a muitas empresas?
Disse o Sr. Ministro que se está a fazer um trabalho inédito e inovador (pelo menos em termos de metodo-

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logia) para análise da viabilidade das empresas. Tratando-se, como disse, de um trabalho de longa duração, que se fará entretanto? É que o doente pode não resistir durante tão prolongado período de diagnóstico e a maleita tem tendência a agravar-se contínua e aceleradamente.
Por último, há que salientar a responsabilidade do Estado no que concerne às empresas do seu sector empresarial. O esforço de racionalização que o Sr. Ministro referiu, designadamente em matéria do seu financiamento, não será suficiente se não for acompanhada de medidas que forcem à correcção da maneira como estão a ser geridas estas empresas, como aliás, deixamos bem claro durante o debate do nosso projecto de lei sobre o afastamento de gestores por conveniência de serviço.
Sr. Ministro: compete ao Estado a responsabilidade, não só em matéria de financiamento, mas também no que diz respeito à própria gestão destas empresas. Por isso se pergunta que medidas encara o Governo adoptar neste domínio?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª disse que eram necessários três vectores para resolver esta questão: fiscalizar e penalizar, viabilizar as empresas que sejam viáveis e recuperar a economia.
Relativamente à Inspecção de Trabalho, gostaria que o Sr. Ministro nos indicasse um caso de uma empresa que tenha sido fiscalizada e penalizada por ter salários em atraso.
Quanto às empresas viáveis, gostaria de saber quais são essas empresas, Sr. Ministro. Serão aquelas que actuam nas esferas especulativas, aquelas que têm as benesses da banca? Ou será que, com a política seguida - altas taxas de juro, desvalorização do escudo, contracção do crédito -, há empresas viáveis economicamente, mas que se encontram inviáveis no plano financeiro e que, por se encontrarem descapitalizadas no plano financeiro se vão degradando no plano económico, nomeadamente as pequenas e médias empresas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à recuperação da economia, onde é que ela está? Mesmo os índices que V. Ex.ª apresentou apontam para o descalabro, para a paralisação da economia. Por haver paralisação da economia e da actividade produtiva é que o défice da balança de transacções correntes tem diminuído, como V. Ex.ª sabe. Certamente que o Sr. Ministro não se encontra reconfortado pelo facto de o Financial Times vir com palavras simpáticas retribuir a profusa publicidade da banca nacionalizada - Sotto Mayor, Espírito Santo, Banco de Portugal, etc. -, o que é uma vergonha.

Desculpe-me que lhe diga, mas é uma vergonha. 15so
não o pode reconfortar.

Economistas de vários quadrantes e mesmo das bancadas da maioria têm interrogações à sua política. Portanto, não havendo fiscalização, não havendo viabilização economicamente rentáveis, pois isso significa pura e simplesmente que o problema dos salários em atraso se vai agravar.

Diz ainda o Sr. Ministro que temos de gerir a economia na totalidade e que o Governo está preocupado com a questão da política externa, tendo ainda referido os cereais. Sr. Ministro, é com o desmembramento da EPAC e com a entrega da importação de cereais às multinacionais que se gere a importação de cereais?
Diz o Sr. Ministro que é preciso gerir a banca. Mas, Sr. Ministro, é com a entrega de capitais a juros bonificados à Mello-Deush-Morgan, à Sociedade Portuguesa de Investimentos - que é um escândalo - que se gere a banca?
Por último, Sr. Ministro, a questão não está na dicotomia, que nos pareceu querer inculcar, dos despedimentos ou dos salários em atraso. A dicotomia existente é ou a continuação da sua política económica, com a continuação dos salários em atraso e com a degradação do poder de compra dos trabalhadores, das camadas médias e da economia portuguesa, ou uma política económica e financeira totalmente contrária à sua. Esta é que é a dicotomia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - O Sr. Ministro das Finanças e do Plano produziu uma intervenção que, salvo devido respeito, se traduziu numa mera adição de proposições de bom-senso ou, do ponto de vista económico, meramente tautológicos. Quem hoje o ouviu e quem há 9 meses, na discussão do Programa do Governo, teve também oportunidade de o escutar, não vislumbra nenhuma evolução no seu discurso, nem o menor grau de detalhe do que o Governo, em concreto, se propõe encetar no plano económico e financeiro. É certo que continuando a acentuar a prioridade do ataque à conjuntura vem falando, agora também da necessidade de medidas estruturais e profundas, sem no entanto as especificar minimamente agora que se aproxima o termo do prazo para apresentação do chamado Pano de Recuperação Económica e Financeira. Chega-se, assim, ao fim da sua intervenção com uma sensação de frustração para quem esperava ouvir da parte do responsável pela Pasta das Finanças a explanação clara de opções que pudessem proporcionar aos portugueses o elemento fundamental para qualquer recuperação económica e social e que dá pelo nome de confiança.
Sr. Ministro, salvo o devido respeito, penso que não é com este discurso que os agentes económicos se sentem estimulados a incentivar, a poupar, a trabalhar e a desenvolver o País.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano nada nos diz, no plano das medidas concretas - repito, -, sobre algumas causas estruturais que estão subjacentes à questão que hoje está aqui a ser discutida. Assim, meramente a título de exemplo, vou citar três: Quanto ao sistema fiscal, o que é que já se fez para alterar o nosso sistema fiscal no sentido de aliviar a actividade económica de uma carga excessiva de impostos, de modo a alterar os preços relativos e a incentivar a oferta agregada, de modo a premiar o trabalho, a poupança, o investimento, a actividade, e a castigar o absentismo, o lazer, o consumo, os intermediários e a inactividade?

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O que é que já se fez para, definitivamente, se deixar de qualificar como realidades aceitáveis no nosso país a empresa pública ou privada deficitária, o trabalhador que não trabalha, o empresário que não investe, o igualitarismo medíocre e uniformizante? E, pelo contrário, que condições se criaram para, sem traumas revolucionários, se incentivar o trabalho, o mérito, a responsabilização e o lucro, como factores que podem - esses sim - proporcionar mais investimento, mais postos de trabalho, mais poupança, logo mais consumo, mais desenvolvimento económico e social?

Falando-se agora tanto de empresas públicas e sabendo-se do desequilíbrio global do financiamento da nossa economia entre o sector público administrativo e empresarial e o sector privado, que medidas concretas se vislumbram neste campo para além do chamado milagre da multiplicação das agências noticiosas?

Sr. Ministro das Finanças e do Plano, não basta fazer um diagnóstico da situação, em que se apresentam como resultados positivos a melhoria do défice da balança de pagamentos e das nossas trocas comerciais, a diminuição do consumo de energia eléctrica e a diminuição dos rendimentos reais disponíveis, ignorando alguns aspectos importantes que têm muito mais a ver com a confiança dos agentes económicos, como seja, por exemplo, a preocupante descida em termos reais dos depósitos a prazo.
Não basta fazer uma profissão de fé injustificada no «activismo» do Governo de que é exemplo as reuniões dos Secretários de Estado para, nos gabinetes, resolver os problemas de recuperação ou inviabilização das empresas juntamente com os diversos interessados, curiosamente hierarquizados como Estado, banca, trabalhadores e empresários - foi esta a ordem que o Sr. Ministro referiu - quando nada se fez para incentivar o grande factor de progresso que é o risco, que é o activismo económico e social, e não se passa do mero jogo de palavras relativamente ao fortalecimento da economia de mercado.
No Governo agora todos fazem diagnósticos. No entanto, não basta que o Governo seja um bom gabinete de estudos. É preciso ser concreto, claro e tomar opções.

É disto que estávamos à espera de ouvir na sua intervenção, Sr. Ministro das Finanças e do Plano, porque é aqui que está a possibilidade e a sede de resolução ou não do problema concreto dos salários em atraso que hoje estamos a tratar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª falou há pouco no problema dos salários em atraso e referiu-o em conjunto com a questão do desemprego. Assim, fazendo uma análise à sua intervenção, conclui-se que enquanto o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social não consegue fazer a alteração da legislação laboral que prevê e que aqui anunciou, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano pretende apressar as falências e assim o despedimento mais rápido dos trabalhadores.

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Mas, então, Sr. Ministro, e os elevados níveis de desemprego que já existem no nosso país não o preocupam? V. Ex.ª não sabe que há cerca de 1 milhão de trabalhadores que já há vários meses - e os dados do INE confirmam-no - estão à procura de emprego, porque mais de metade se encontram no desemprego e porque muitos outros estão ameaçados de se virem a encontrar nessa situação? É esta situação de desemprego e de insegurança no emprego que atinge cerca de 25 % da população activa do nosso país que o Sr. Ministro não tem em conta e que quer continuar a aumentar?
V. Ex.ª referiu-se também à gestão das empresas e disse que era necessário tomar medidas em relação a esse problema, nomeadamente à sua reorganização. Será que o Sr. Ministro se está a referir ao combate à subfacturação e sobrefacturação que as grandes empresas exportadoras estão a praticar, colocando no estrangeiro milhões de contos? Ou estar-se-á a referir ao combate à autêntica sabotagem económica que está a ser praticada por algumas empresas, como a Mello-Deush-Morgan, que recebe dinheiro a taxas de juro bonificadas da banca e que depois nem sequer paga os salários aos trabalhadores, e como acontece com a CIFA, que, embora seja o caso mais escandaloso, não é o único? Ou será que V. Ex.ª, Sr. Ministro, se quer referir ao problema da gestão das empresas públicas?
Mas se as empresas públicas têm problemas, se a gestão é má - e tanto os trabalhadores como nós já o dissemos várias vezes -, quem é que, afinal, nomeia os gestores das empresas públicas? Porque é que a sua gestão não é alterada? Porque é que não são tomadas medidas e não são aí colocados gestores eficientes? Porque é que se põe em prática e se publica um diploma governamental que, na prática, impede a entrada em funções dos gestores eleitos pelos trabalhadores?
Não é isto um autêntico combate às empresas públicas? Não são estas medidas que os senhores têm tomado que permitem que as empresas públicas se afundem cada vez mais? Não são estas medidas que contribuem cada vez mais para que depois apresentem esse facto como razão para a necessidade de encerrar empresas, a necessidade de despedir mais e mais trabalhadores e de agravar para números incomportáveis o desemprego no nosso país?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª veio a esta Assembleia fazer um discurso de princípios, quase que diria um discurso de moral, e com isso não podemos deixar de estar de acordo.
Contudo, Sr. Ministro, não creio que seja com esse discurso e com os princípios que lhe estão subjacentes que a escandalosa situação dos salários em atraso vai ser resolvida, ou sequer que se abram perspectivas para essa situação vir a ser resolvida. É que, Sr. Ministro, para isso é sem dúvida necessário ter coragem e dedicação - e esses atributos exornam V. Ex.ª-, mas é também preciso ter coerência, coerência pessoal, e viver-se num ambiente de coerência. E entendo que

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é esse ambiente que V. Ex.ª não vive a nível político. V. Ex.ª vive rodeado de políticos que ainda há bem pouco tempo eram socialistas e queriam fazer o socialismo, e hoje são liberais e querem fazer o liberalismo - e são os mesmos, Sr. Ministro! Ora, há qualquer coisa de incongruente nesta posição que certamente vai dificultar o discurso da esperança que V. Ex.ª tarda em fazer perante esta Câmara e perante o País.
Sr. Ministro, V. Ex.ª focou fundamentalmente 3 aspectos. Um deles creio que é irrelevante, que é o de dizer que o Governo vai cumprir a lei. Ora, isso é irrelevante porque o Governo é obrigado a cumprir a lei, e se há situações de ilegalidade, elas já deviam ter sido combatidas e, consequentemente, já deviam ter desaparecido.
As outras 2 soluções têm a ver com a viabilização das empresas e com a recuperação da economia. Quem não está de acordo com isso? Quem pode não estar de acordo em viabilizar as empresas e recuperar a economia?
Mas como é que V. Ex.ª vai viabilizar as empresas? Diga-nos. Em relação às empresas privadas, quais as que vão ser escolhidas e de acordo com que critérios? Que meios vão ser colocados ao serviço dessa viabilização? Era isso que nós aqui e os empresários lá fora gostaríamos de conhecer e de ouvir.
Quanto às empresas públicas, como é que elas vão ser viabilizadas? Qual o limite do sector público? Ao menos responda-nos a esta pergunta. Porque é que não se define de uma vez por todas qual o limite do sector público e aquilo que fica fora desse limite não é imediatamente reprivatizado? Essa é uma resposta que tarda a ser dada.
Não chego a dizer que as empresas públicas que não são rentáveis se fecham. Para isso é preciso ter coragem, mas é preciso não ter imaginação nenhuma. É necessário que elas passem de mão, é necessário que elas possam ser rentabilizadas por quem as queira e por quem as possa rentabilizar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mandar para o desemprego centenas e centenas de milhares de pessoas não pode ser solução para nenhum governo, muito menos para um governo que se reivindica do socialismo e da social-democracia.
Creio que devemos recuperar a economia, mas com mais liberdade e com mais mercado. Não chega falar em menos Estado. Se calhar é necessário - e aí estamos de acordo - menos Estado em muitos sectores, mas, se calhar, é necessário mais Estado em muitos outros sectores, e é bom dizer onde é necessário menos Estado e onde é necessário mais Estado. É preciso dizer que para haver liberdade é necessário haver mercado, para haver mercado é necessário haver oferta, produção, empresários e investimento.
Então, o que é que V. Ex.ª pensa fazer para que isso aconteça, para que essas condições se criem? É apenas liberalizar os preços, Sr. Ministro? É apenas acabar com alguns monopólios do Estado? E neste sentido pergunto-lho o seguinte: V. Ex.ª libertou alguns preços. Então porque é que a inflação subiu mais do que em qualquer outro governo?
V. Ex.ª libertou alguns monopólios do Estado - estamos de acordo em relação ao princípio da con-

corrência - mas quantas empresas nacionais apareceram a concorrer nas faixas de mercado que foram libertadas? Quais são essas empresas? Onde está a concorrência de empresas nacionais?
Não se está a correr o risco da lógica do 11 de Março, de tudo pelas empresas estrangeiras e nada pelas empresas nacionais? Quais as condições que as empresas nacionais vão ter em face das empresas estrangeiras? É isso que queremos que V. Ex.ª aqui nos diga porque a resolução dos problemas dos trabalhadores e dos empresários passam por essa definição prévia,
Sr. Ministro das Finanças e do Plano, se me permite, gostaria de lhe fazer uma última advertência: suponho que inflação e desemprego nesta medida são uma mistura explosiva, suponho que as crises que são económicas e sociais podem rapidamente transformar-se em crises de regime. Ora, nós estamos interessados em que isso não aconteça e estamos atentos e colaborantes para que todas as medidas que neste domínio da liberdade e da economia de mercado venham a ser tomadas possam, a curto prazo, ser implementadas.
Sr. Ministro, o discurso da esperança tarda. Faça V. Ex.ª esse discurso porque assim resolverá a situação escandalosa que neste momento estamos a viver.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a aproximar-nos da hora regimental do intervalo e o Sr. Ministro das Finanças e do Plano dispõe de cerca de 20 minutos para responder.
Assim, se a Câmara estiver de acordo, fazemos imediatamente o intervalo e o Sr. Ministro usaria depois da palavra para responder. No entanto, se o Sr. Ministro pretende responder imediatamente, adiaremos o intervalo até final da intervenção de V. Ex.ª

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, deixo ao bom entendimento da Câmara e de V. Ex.ª a escolha que me foi colocada.

O Sr. Presidente: -- Sr. Ministro, a Mesa não escolhe. No entanto, parece-me que a opinião dos Srs. Deputados é de que V. Ex.ª responda já e que se faça o intervalo depois.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Se é essa a opinião dos Srs. Deputados, é também a minha, Sr. Presidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Então tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou começar por abordar os pontos que o Sr. Deputado Hasse Ferreira levantou e que têm alguns elementos comuns aos de outros Srs. Deputados.
Referi há pouco e posso agora completar - aliás, está nos papéis que apresentei - que quanto à quebra na produção industrial não temos dados seguros e recentes em termos do índice da produção industrial. Por isso, os números que há pouco poderia ter

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citado - e não sei se os citei ou não directamente, mas creio que lhes fiz uma referência muito simples são relativos a um indicador indirecto, que é o de consumo de energia eléctrica. Assim, posso repetir mais pausadamente os números que referi, a não ser que os Srs. Deputados já os tenham. Devo no entanto, dizer que é um indicador indirecto, na medida em que não temos uma indicação directa sobre esse ponto ...

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro, apenas lhe quero dizer que, de facto, tomei nota desses números e fiquei assustado com esse indicador. Por isso, se o Sr Ministro dispõe de indicadores directos quanto à descida da produção industrial, gostaria que os anunciasse.

O Orador: - Então não é preciso estar a repetir os indicadores indirectos visto V. Ex. ª já os possuir. Quanto aos indicadores directos, devo dizer que não tenho nenhuma indicação nesse sentido.
Depois, o Sr. Deputado, em matéria de quebra de rendimentos reais pergunta-me quando é que vai haver uma inflexão da política económica e financeira e quando é que se trava a quebra do produto interno bruto. Este é um dos primeiros pontos que julgo merecer algum tratamento e que aborda alguns temas que outros Srs. Deputados também suscitaram.
Ora, há aqui uma pergunta sobre o problema temporal que tem algum sentido, embora, em minha opinião, tenha sido colocada de uma forma que não será a mais correcta.
Antes de mais, Sr. Deputado, devo dizer que não se faz uma política económica por medida temporal - não é uma espécie de casaco feito à medida. A política económica resulta, antes de mais, de um acompanhamento cuidadoso da evolução da situação e, em termos da situação que o Governo encontrou e que tem de defrontar, não era possível prosseguir outra política em termos de gestão conjuntural que não aquela que estamos a prosseguir. Aliás, isto tem a ver com algumas perguntas que foram feitas por outros Srs. Deputados quanto à política de conjuntura no que respeita ao desejo de haver alargamento da produção.
Gostava de chamar a atenção da Câmara para as realidades concretas da economia portuguesa no que respeita a uma eventual política de expansão da produção neste momento. Se continuássemos a fazer uma política de deslizar permanente da despesa, se continuássemos a fazer uma política de necessidade de importações em termos de resposta às necessidades de procura interna, poderíamos continuar por mais alguns meses - e creio que já tive oportunidade de o dizer anteriormente nesta Casa - a seguir essa política na certeza, porém, de que Portugal se encontraria num futuro próximo numa situação ingovernável em termos económicos.
A sua pergunta concreta, Sr. Deputado, sobre quando inflectir a política económica, permite alguns comentários adicionais. Em primeiro lugar, não se trata de falar em termos de calendário. 15to não é um exer-

cício de operação política no sentido puro e estrito da palavra, nem muito menos um exercício em termos de mera calendarização. Em todo o caso, com estas ressalvas, podemos admitir - e é essa a posição do Governo - que ao longo de 1984, se continuarmos a obter os resultados que esperamos obter em matéria de gestão da conjuntura, será possível inflectir alguns elementos da própria política económica e relançar prudentemente a actividade económica em Portugal.

E quero sublinhar estes dois termos «relançar prudentemente». Já vários de nós -e nós somos os portugueses - relançámos, e com demasiada imprudência, a economia portuguesa em termos de má gestão da vida económica do País. Quando falo em «relançar prudentemente» a economia, quero significar que, retomando ideias que pude explicar anteriormente nesta Câmara, não é possível a Portugal - e quero repeti-lo- viver naquilo a que nós chamamos, infelizmente com experiência, «o ciclo infernal do stop and go a médio prazo». A economia portuguesa já passou várias vezes por esta experiência, e convém que não volte a encontrar esse tipo e situações.

Não vale a pena estar a repetir o que já referi da parte da manhã, mas não é injectando mais recursos na economia para produzir salários em atraso passados alguns trimestres que se faz a gestão da política económica. Daí falar-se numa atitude prudente de retoma da actividade económica em Portugal ao longo deste ano, quando essas condições estiverem minimamente asseguradas.

Aliás, julgamos que esse momento não estará muito longe da viragem do 1.º para o 2.º semestres. Por altura do 3.º trimestre do ano podemos programar nesses termos. 15so conduz-me directamente a uma pergunta que o Sr. Deputado fez sobre se o Governo continuaria com os mesmos membros ou se seria remodelado.

Devo dizer-lhe que há um ponto de trabalho que me parece razoável lembrar. Para usar uma expressão de um deputado de uma bancada que não daquela onde V. Ex.ª se senta - é uma máxima que julgo ser útil e que proeuro implementar -, direi que entro de manhã no meu gabinete como se fosse por um período muito longo e saio todos os dias como se tivesse sido o último dia. A questão que V. Ex.ª suscitou, primeiro que tudo, deve pôr-se neste termos.

Mas põe-se também noutros termos mais importantes: é que a tarefa que esta coligação tem para desempenhar em termos de futuro do País é uma tarefa fundamental, decisiva mesmo, para o futuro de Portugal, e julgo que nesta Câmara a maioria dos presentes tem consciência disso e sabe o que representa, primeiro, em termos políticos, segundo, em termos históricos, a existência desta coligação para o futuro de Portugal.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Se bem percebi a sua pergunta, Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, quanto aos dois problemas suscitados, aqui tem senão uma resposta ao menos um comentário.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira começou por referir aquilo que eu, hoje de manhã, disse na minha intervenção, ou seja, a situação, anómala e intolerável, dos salários em atraso. E verdade que essa situação

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é anómala e intolerável e penso que não vale a pena, V. Ex.ª quer eu, repetirmos o que já hoje foi dito de manhã, pelo que passo adiante.

Mas dizia ainda o Sr. Deputado Octávio Teixeira que esta situação dos salários em atraso é a mesma da dos governos AD, embora com resultados mais gravosos. É uma opinião que o Partido Comunista já exprimiu aqui tantas vezes que basta que façam um sinal para logo compreendermos o que querem.

Risos do PS.

É uma opinião que está amplamente repetida ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Comprovada!

O Orador: - ... e sobre a qual eu já tive oportunidade de me pronunciar, pelo que não quero cair no mesmo método de repetir as coisas indefinidamente. Uma vez que em relação a essa matéria, em ocasiões anteriores, já tive oportunidade de responder, penso que não vale a pena estar a repetir.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Diz depois o Sr. Deputado que não vê esforço por parte do Governo para a recuperação da economia.

Muito bem, se não vê, talvez seja porque não está a acompanhar, com o cuidado que se justifica, a acção do Governo. O primeiro trabalho indispensável que o Governo está a fazer em termos de recuperação da economia, quer concorde quer não, quer aprecie ou não - e certamente muitos de nós não apreciamos esses custos -, é precisamente o de implementar a política de recuperação dos equilíbrios fundamentais. Não há política, não há declaração pública, não há exercício verbal que substitua a realidade do funcionamento dos mecanismos económicos.
Quando se refere à ausência de esforço por parte do Governo na recuperação da economia, Sr. Deputado Octávio Teixeira, suponho que V. Ex.ª quer dizer que não vê o Governo a fazer investimentos que, em vez de produzirem riqueza e lucros, produzem prejuízos, que não vê o Governo a criar défices para encontrar soluções que não tenham futuro económico e que não vê o Governo numa atitude de, por pura demagogia política, favorecer o funcionamento, em más condições, da economia.
Suponho que não vê estas três coisas ..., e eu explicitar-lhe qual é a razão. É que o Governo não tem um comportamento primário, elementar, superficial, demagógico, perante os problemas, mas um comportamento em termos do interesse do País, em termos do futuro dos portugueses, e por isso aplica as medidas de política económica que são indispensáveis à gestão da economia portuguesa. Neste sentido, não há aquilo que poderia parecer uma pseudo-recuperação de que a história portuguesa recente tem alguns casos. Aliás, o resultado desses comportamentos fáceis, agradáveis, demagógicos, baratos, o resultado dessas pseudo-recuperações, desses pseudo-relançamentos da economia, tem, várias vezes, sido discutido neste Parlamento a partir do momento em que este governo aqui se apresentou para VV. Ex.as apreciarem o seu programa.

E uma pequena parte do resultado dessa política económica fácil, bonita e simpática, talvez não ande muito longe dos nossos trabalhos de hoje: chama-se salários em atraso. É uma pequena parte do resultado de uma política económica agradável e fácil, num momento de crise internacional.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - A responsabilidade é sua também!

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca diz que a afirmação de que a situação que hoje se vive não é o resultado deste governo é falsa. Peço-lhe imensa desculpa, Sr. Deputado, mas é muito difícil culpabilizar o Governo de uma situação que, no caso concreto dos salários em atraso, existia antes de este governo tomar posse.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas que se agravou!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, suponho que nunca o interrompi quando estava no uso da palavra.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas estas interrupções são permitidas!

O Orador: - Eu sei que elas são permitidas.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Fazem parte do jogo democrático, Sr. Ministro!

O Orador: - Diz que quando houver condições de recuperação da economia já não há nada para recuperar. Julgo que é um exercício lógico, mas falacioso.
O Sr. Deputado fez a seguinte afirmação: «quando houver condições para a recuperação da economia». Ora, V. Ex.ª concordará comigo quando digo que o problema não se põe nesses termos. Penso que devemos deixar bem claro que não se trata de aplicar conceitos, em termos estanques, em diferentes momentos. Não se trata de fazer a recuperação da economia como se fosse um golpe de mágica; a recuperação, tal como já referi, é um exercício importante em termos de política económica, mas parece-me que é talvez uma análise superficial tirar a conclusão de que já não há nada para recuperar. Sr. Deputado, se o que V. Ex.ª diz tivesse algum conteúdo prático, este problema aplicar-se-ia à quase totalidade dos países da Europa e não só, também em muitos países do Mundo.
O que o Governo quer evitar, em termos sérios e de rigor da política económica, é precisamente que se chegue, através de sucessivas derrapagens, a um momento em que o próprio conceito de recuperação já não venha a ser possível.
Quanto à pergunta sobre o que é que o Governo fez para combater esta situação anómala, suponho que V. Ex.ª ouviu, não apenas a intervenção do Ministro das Finanças - intervenção que sobre esta matéria era mais de carácter complementar -, mas também a intervenção e as respostas do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, pelo que limitar-me-ei a assumi-las em termos de solidariedade governamental.
Ainda quanto às perguntas que fez, que eram mais um comentário do que perguntas, dizia numa delas que a viabilidade é dinâmica e apontava-me o caso de uma situação de uma empresa viável, num certo mo-

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mento, que deixaria de o ser se porventura houvesse uma alteração das taxas de juro que a inviabilizavam.
Que a viabilidade é dinâmica, todos nós sabemos, Sr. Deputado. Por exemplo, empresas que num quadro foram viáveis deixaram de o ser por alterações tecnológicas ou por erro, puro e simples, na selecção dos investimentos.
Deixo à imaginação do Sr. Deputado alguns exercícios nesta matéria com a vantagem de, em matéria de grandes projectos, não se tratar de investimentos de centenas de milhar de escudos. Não são centenas de milhar de escudos que estão em causa nos grandes projectos em que se fazia o relançamento da economia, em que se criava emprego, em que se fazia todo aquele conceito global de relançamento forçado da actividade económica, geralmente com projectos com uma componente importada, com uma pequena diferença: faz-se o projecto, faz-se a inauguração, faz-se o show off político da abertura, faz-se o contrato de empréstimo, mas só passados 5 ou 6 anos é que se pagam as primeiras amortizações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E a verdade é que nós estamos agora a pagar amortizações de grandes projectos de investimentos que, e retomando o comentário de V. Ex.ª, porventura foram viáveis - e digo porventura porque não sei se alguma vez o foram - e que dinamicamente deixaram de o ser. Tratou-se de actos de política económica pseudo-relançadores, é o exercício do relançamento, e a única coisa que relançaram foram os encargos de dívida e de juros em termos do exterior, que o País tem que suportar e que agora tem de ganhar as divisas para os pagar.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas retomou os três elementos que referi a que chamou de vectores - a minha pretensão tinha ficado muito aquém da expressão vectores pois para mim eram apenas elementos. Eram eles: fiscalizar e penalizar, viabilizar e recuperar. São estas as três ideias-base.
Em matéria de trabalho da Inspecção-Geral de Finanças, que não é especializada nesta matéria mas que tem intervindo e que continuará a intervir, para além do trabalho da Inspecção-Geral do Trabalho, os elementos de que disponho, e que lhe posso fornecer, é o de que, em 1983, há 384 processos concluídos e 72 em curso.
Em alguns casos, esses documentos passaram pelo meu Gabinete aos quais mandei proceder a inquérito. Poderíamos citar os nomes das empresas que beneficiaram de subsídios do Fundo de Desemprego e em que os sócios levantaram dinheiro dos cofres das empresas depois de terem recebido esses subsídios. Tenho o nome dessas empresas mas entendo que não os devo divulgar por uma questão que facilmente se compreenderá.
Gostava, contudo, de lhe garantir, em primeiro lugar, que alguns destes casos passaram directamente pela minha secretária e fui eu próprio que mandei accioná-los; em segundo lugar, a lei cumprir-se-á.
Peço desculpa ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas mas na perspectiva de poupar algum tempo, direi a um dos Srs. Deputados, já não sei qual, da bancada do CDS, que não é uma fantasia, não é uma tautologia, não é uma brincadeira, o facto de o Governo dizer que vai cumprir a lei.

Era bom que todos os governos anteriores pudessem dizer isso com seriedade. Era bom que fosse uma simples tautologia: cumpre, não cumpre; executa, não executa; tem coragem, não tem coragem. Mas já voltamos a este assunto ...
São, pois, os números que referi aqueles de que disponho em relação a 1983.
Quanto à pergunta que fez sobre a viabilização das empresas, devo dizer-lhe que, com esforço, tento compreender a sua pergunta mas tenho alguma dificuldade.
Falou-me em empresas economicamente viáveis que eram financeiramente inviabilizadas. Julgo que isto é um exercício incompreensível sob o ponto de vista global. V. Ex.ª referia-se certamente aos encargos em matéria de taxa de juro, aos encargos de empréstimos.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Dizem-me que estou atrasado pelo que tenho que acelerar. Não lhe posso, pois, conceder a palavra, Sr. Deputado.
Quando fala na inviabilização financeira, isso resulta, primeiro que tudo, das condições gerais de mercado; segundo, em matéria de juros, estamos também preocupados com o peso do encargo financeiro nas empresas. E é aí que vai também, em termos financeiros e económicos, o processo de viabilização das empresas.
Foi feito um comentário que, confesso, quero repudiar in limine porque não me passava pelo espírito que fosse possível ouvi-lo e por isso limito-me a rejeitá-lo. Referiu-se a qualquer coisa a respeito da publicidade no Financial Times.
Mal tive tempo para olhar para esse ...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Mas é verdade. Quem é que deixou passar as divisas?!

O Orador: - Suponho que é verdade porque é normal e corrente haver publicidade neste tipo de suplementos, digamos assim.
Por decisão minha, não há um anúncio ...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, esgotou os 20 minutos de que dispunha para responder. Contudo, o Governo tem ainda na globalidade 16 minutos. V. Ex.ª regulará o tempo como quiser.
Faça favor de continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, em geral é da sina dos Ministros das Finanças darem recursos aos outros ministros. Por sua vez, o Ministro das Finanças pede um pouco de recurso no que se refere a tempo ao Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.
Por sua vez, não será o Ministro das Finanças a dar os recursos mas a receber uns minutos para poder acabar a intervenção.
Vou, contudo, fazer um grande esforço no sentido de um não desbaratamento de recursos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - 15so vai custar caro!

O Orador: - Queria, portanto, rejeitar o seu comentário. Devo dizer que não sei quem fez os anúncios e que não há possibilidade de fazer uma relação entre a existência do anúncio e o conteúdo do texto, que ainda não li.

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Em relação ao Sr. Deputado Bagão Félix, tomei algumas notas da sua intervenção e confesso que fiquei com a impressão de que ela tem uma característica interessante: é que aquilo que disse retrata o conteúdo das suas afirmações. 15to é, fazendo um exercício de comentário à minha intervenção desta manhã, senti-me a ler o comentário à sua intervenção.
Quanto a pontos concretos, diz que não há confiança, que as afirmações ou eram de bom senso ou tautológicas e pergunta-me o que é que se faz em matéria de sistema fiscal e em matéria de empresas públicas. Muito bem, o teor da sua intervenção pareceu-me rigorosamente bem retratado, sobretudo na parte inicial.
Quanto ao conteúdo da política num quadro geral, que não o das empresas com salários em atraso, suponho que, por iniciativa não do Governo mas que este agradece, teremos oportunidade de, dentro em breve, falar sobre isso.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo repescou a relação que há - e é uma relação inevitável - entre salários em atraso e nível de desemprego e perguntou-me se não me preocupavam os níveis de desemprego na economia portuguesa. Sr.ª Deputada, é evidente que sim e, em termos comparativos, o número que citou parece-me que não está muito correcto. O número que dispomos, e que é comparável com o de outros países, é de 9,8 %, digamos, 10 % ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Em Julho do ano passado!

O Orador: - É o número de que dispomos. Se V. Ex.ª fez um inquérito por conta própria, muito bem, tem o direito de o fazer.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É fácil. Basta fazer as contas de acordo com as previsões das Grandes Opções do Plano para este ano!

O Orador: - Sr.ª Deputada, em termos de percentagem da população activa desempregada, o número de que dispomos não me enche de satisfação e preocupa-me, como bem pode calcular. Mas este número comparado com os da generalidade dos países, e refiro apenas os países da zona da OCDE, que são os que têm as publicações comparáveis mais facilmente acessíveis, está muito abaixo.
Acrescento ainda que é previsível, e é um dado com que temos de contar em termos de realidade, que este número de 9,8 % do desemprego venha a ter algum incremento nos próximos meses ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Agravamento!

O Orador: - Minha senhora, escolha a palavra que achar mais adequada, mas trata-se, em suma, de uma subida.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É uma questão de sensibilidade perante o problema!

O Orador: - Com certeza. Eu diria que é uma questão de responsabilidade perante o problema.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Quem se lixa é quem trabalha!

O Orador: - Por exemplo, o Ministro das Finanças.

Risos do PS e do PSD.

É que há pessoas que vivem exclusivamente do rendimento do trabalho. É uma chatice!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Há outros que nem isso!

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Ministro vai para Bruxelas e os outros ficam no desemprego!

O Orador: - O Sr. Deputado Basílio Horta fez também uma intervenção que eu diria de ordem qualitativa. É dificílimo discutir os problemas de ordem qualitativa que apresentou com as restrições quantitativas a que tenho de fazer face em termos de tempo.
Quando V. Ex. ª, em termos de princípio, me diz que o discurso que fiz da parte da manhã era um discurso de princípios e moral, confesso que não o acompanho e nem sequer percebo a sua intervenção nesta matéria. Mas enfim! ...
Abordou depois um problema muito parecido com um outro que o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira levantou em matéria de coerência. Consequentemente, uma vez que teve a amabilidade de não pôr a questão em termos de coerência pessoal, sobre este ponto, eu não me iria referir, porque suponho que já respondi.
Fez-me também uma afirmação em forma de apelo que gostaria de retomar.
Disse o Sr. Deputado que tarda em se fazer nesta Câmara um discurso de esperança. Não conte com o Ministro das Finanças para fazer discursos de esperança nos termos que pede. Peço-lhe que conte com o Ministro das Finanças para fazer tudo o que é possível - mas não só, também com o Governo e a coligação -, na prática e não nos discursos, para dar lugar à esperança a fim de que os portugueses tenham um futuro melhor.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Mais, devo dizer-lhe que se fizéssemos o discurso sem coerência - para usar as mesmas palavras do Sr. Deputado - estaríamos certamente a repetir actos de outras ocasiões, estaríamos a não servir o futuro de Portugal.
Posso garantir-lhe que o Governo não fará o simples discurso em termos da esperança, o Governo fará tudo para que a esperança tenha lugar na vida dos portugueses, não só em termos económicos como em termos sociais, culturais, em termos do conjunto da vida da nação.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - 15so é que é discurso!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, eu diria antes que isto é uma resposta. Foi isso que me pediram.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Mas o Ministro das Finanças e do Plano tem obrigação de ser concreto!

O Orador: - Creio que, em matéria de concretização, suponho que VV. Ex.as devem ter acompanhado algumas das medidas que foram tomadas e julgo que não é propriamente em termos de discussão na Assem-

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bleia da República que as questões se devem pôr no que respeita ao concreto. á sim que tratar aqui hoje dos problemas no quadro político geral e é para isso que, de facto, estamos hoje a fazer este debate.
Em síntese, e para terminar esta minha intervenção, parece-me que há dois ou três aspectos que se justifica salientar em termos do conjunto das perguntas que foram feitas.
Em primeiro lugar, o essencial em termos concretos de operação no terreno em matéria de salários em atraso é assegurado pela actuação directa do Ministério do Trabalho sobre as empresas e julgo que a intervenção do Sr. Ministro do Trabalho cobriu e justificou esse terreno.
A segunda conclusão importante do quadro de perguntas feias tem a ver com a problemática do conjunto da recuperação da vida económica portuguesa, designadamente no que diz respeito à recuperação das empresas que estão em dificuldade e do conjunto do tecido económico em Portugal, nomeadamente as empresas com problemas de salários em atraso, mas não apenas essas. Trata-se de um trabalho de longa duração e não imediato, no qual estamos totalmente empe- nhados, mobilizando todos os recursos disponíveis quer em termos de Estado, quer da banca, quer da actuação dos trabalhadores e empresários.
Finalmente, em matéria de ordem geral e em termos políticos, julgo que podemos concluir que nesta questão concreta dos salários em atraso - como mais geralmente em termos do conjunto da política económica e mais geralmente ainda em termos da política geral do País - o que ressalta como evidente e se impõe em termos políticos fundamentais e de análise lúcida da realidade é o carácter necessário e a função histórica que esta coligação tem e deve desempenhar neste momento.
São estos os pontos fundamentais que me parece ressaltarem das perguntas que foram feitas e das necessárias resposta a elas.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, a forma como a política financeira tem sido desarticulada da política laboral - ia a dizer liberal, mas é laboral que queria dizer - far-me-ia pensar que se está a fazer um exercício académico e não a trabalhar num país real.
Mas vamos ao concreto: prevêem os documentos do Plano e Orçamento do Estado aqui aprovados uma quebra do Produto Interno Bruto em 1984. Por outro lado, fala-se no Programa do Governo, também aqui aprovado, em vir a haver um relançamento da economia e uma expansão moderada.
Daí a razão da pergunta formulada em termos cientificamente simplificados mas acessíveis a quem leia ou acompanhe os debates. E a pergunta, perdoe-me que lhe diga, que formula o português médio com quem falamos na rua, que nos elegeu e por ordem de quem estamos aqui.
Mas o meu protesto não tem a ver com o facto de V. Ex.ª se ter procurado escudar atrás do patrio-

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tismo da maioria e da coligação, buscando alguns aplausos. A minha questão dirige-se ao responsável da área económico-financeira, Sr. Ministro, e se a sua política é incorrecta e a coligação é tão importante eu diria que não se deve escudar na coligação, mas sim, permita-me que lhe diga, defender a sua política. É que a política económica - e aqui está a razão do meu espanto e do meu protesto - não é apenas o acompanhamento nem a gestão da conjuntura; admito ter sido um lapso a frase que pronunciou e é isso que tem sido o cerne da sua política, Sr. Ministro.
Aquando dos debates do Programa do Governo e do Plano e Orçamento, a minha modesta bancada dirigiu-lhe esta crítica: o que falta na sua política, Sr. Ministro, é aquilo que não tem faltado nem a Miguel Boyer em Espanha nem a Delors em França, ou seja, uma clara estratégia económica a médio prazo que inspire confiança aos agentes económicos privados e aos trabalhadores e que permita perceber o que se pretende efectivamente.
É isso que tem faltado, Sr. Ministro!
Esta tem sido uma política de acompanhamento da conjuntura e quanto a isto já uma vez tive oportunidade de dizer, em resposta ao Sr. Primeiro-Ministro, que considero que a preocupação de reequilibrar as contas externas foi patriótica. Mas não fiquemos pelo reequilíbrio das contas externas, pois não é só isso que falta.
Não iria protestar em nome de anteriores Ministros da Economia e Finanças que não estão aqui, mas a realidade é que não entendi se a crítica quanto ao relançamento imprudente - e considero necessário começarmos a clarificar esta questão, se não aqui pelo menos noutro forum - se referia ao professor Cavaco e Silva no governo de Sá Carneiro, ao meu amigo e camarada Mário Murteira no IV e V Governos de Vasco Gonçalves, ou até ao primeiro governo de Mário Soares.
Termino referindo-me à sua máxima temporal, embora calcule que já tenha pouco tempo para responder, mas creio que poderá fazê-lo noutro forum (que não seja militar porque aí só com convite é que entro).
V. Ex. ª disse que entrava no seu gabinete de manhã como se o Governo fosse durar uma eternidade e que saía à noite como se fosse o último dia. Moralmente parece-me de elogiar. Congratulo-me por estarmos aqui a esta hora da tarde que é certamente a hora a que V. Ex.ª terá a perspectiva temporal correcta.

Risos da UEDS e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, estão outros Srs. Deputados inscritos e, portanto, gostaria de saber se deseja responder já ou só no fim.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, também para um protesto.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Ministro, ouvi atentamente as explicações que me deu e que agradeço.
Acontece que tenho de lhe fazer uma ligeira rectificação. É que eu não disse que o problema dos salários

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em atraso nasceu com este governo, disse, isso sim, e continuo a dizer, que até prova em contrário ele se agravou com este governo.
Em relação àquilo que eu disse de que nada se fez para combater a situação, o Sr. Ministro das Finanças remeteu-me para o Sr. Ministro do Trabalho e é evidente que ele deu as explicações que entendeu. Contudo, pensamos que esta situação pode ser dissociada da política económica e financeira do Governo e, portanto, apesar das respostas do Sr. Ministro do Trabalho, impõe-se respostas mais claras e precisas da parte do titular da pasta de Economia e Finanças.
Quanto ao problema da viabilidade estática ou dinâmica, não nos referimos a grandes projectos megalómanos desinseridos das realidades. Creio que já sofremos bastante com os vários show off anteriores.
Entendemos que se impõe, pelo menos, uma explicação - que já tarda - de como se irá relançar, como V. Ex.ª disse mesmo que prudentemente, a actividade económica do País. O Sr. Ministro disse apenas que esse relançamento acontecerá na viragem do 2.º para o 3.º trimestre, mas não explicou como.
Será que, apesar de tudo, não se impõe uma actuação mais dinâmica para se evitar um maior agravamento das nossas estruturas económicas, que acaba por conduzir a problemas tão graves como é o dos salários em atraso em centenas de empresas, problema que mostra tendência para se agudizar?
O Sr. Ministro disse que o Governo está a implementar uma política económica global que não se limita ao curto prazo. Disse que voltará a este assunto brevemente aqui na Assembleia da República. Folgo com isso mas, já agora, pergunto ao Sr. Ministro se não quer levantar um pouco do véu que esconde essa política global.
Finalmente, o Sr. Ministro parece ter ficado muito sentido com a minha frase de que não há nada para recuperar.
O que eu fiz foi uma citação, que exprime uma opinião que corroboro, da Associação Industrial Portuense num documento em que se propunha uma acção concreta de desenvolvimento económico global.
Parece-me que estamos a correr um risco, Sr. Ministro, mas, já agora, agradeço as informações que V. Ex.ª entender dar.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª deseja responder?

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, foram feitos dois protestos e confesso que, olhando para o relógio e para a gestão do tempo do Governo, entendo que é melhor não apresentar nenhum contraprotesto, pelo menos neste momento.

O Sr. Presidente: - Para que os Srs. Deputados fiquem informados vou referir o tempo que cada grupo parlamentar e o Governo ainda dispõem.
Assim, nesta altura do debate o Governo dispõe ainda de 7 minutos, o PS de 55, o PSD de 48, o PCP de 44, o CDS de 37, o MDP/CDE de 14, a UEDS de 16 e finalmente a ASDI de 20 minutos.
Srs. Deputados, vou suspender a sessão, por 30 minutos para recomeçarmos às 18 horas e 35 minutos.
Está, pois, suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema dos salários em atraso é grave sintoma da desregulamentação económica, da confusão de valores, do desequilíbrio social e do trágico cenário de inversão de funções e de atitudes que cabem a um governo. Um regímen democrático não pode viver sem regras democráticas. A relação entre o Estado e os trabalhadores tem normas e valores que não podem ser desprezados e, muito menos, traídos.
Nenhuma regra, nenhuma lei, nenhuma ciência pede começar por destruir o tecido social, no objectivo de o fortalecer e de o dinamizar.
O nosso país morre neste momento, porque os trabalhadores vendem a mobília para comer, porque a tuberculose galga a imunidade das vacinas, porque nas escolas há crianças desnutridas, porque na esperança de se não perder o pão de cada dia, o trabalhador trabalha mesmo sem salário.
Esta situação levou a que padres e bispos de Setúbal ao reflectirem sobre «a difícil situação dos trabalhadores» recorressem à frase bíblica para poderem expressar toda a força do seu protesto «tal como 15aías ... devemos gritar (dizem): Por amor não me calarei nem descansarei enquanto a justiça não brilhar como a aurora».
E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque (explicam) « na diocese de Setúbal há mais de 13 000 trabalhadores com salários em atraso», «os serviços assistenciais, sem verbas, não subsidiam os muitos desempregados que, cada vez em maior número, vão às igrejas solicitar ajudas pontuais, em muitos casos para adquirir alimentos para os filhos» e porque «tal situação repercute-se não só nas famílias, mas também nos pequenos comércios, dada a diminuição do poder de compra».
São estes mesmos trabalhadores sem salários que foram alvo da repressão repugnante e da carga brutal da GNR.
Interpretar o desespero e quem trabalha com fome, tendo presente a imagem angustiada da família, com festiva manifestação política, manipulada partidariamente, inversão já feita nesta Câmara representa para além de uma insensibilidade humana perigosa para os valores colectivos, um vício de perspectiva que cumpre evitar a todo o custo.
O MDP/CDE entende que tal atitude é socialmente irresponsável e conduziu já a uma situação anticonstitucional que põe em perigo o direito ao trabalho e à liberdade, à dignidade e à inviolabilidade da pessoa humana.
Nenhuma teoria económica, nem mesmo nenhuma mera estratégia, dita de recuperação económica pode justificar tal actuação.
Foi um político da AD, que do alto do seu estatuto ousou, pela primeira vez depois do 25 de Abril, acusar, nesta Assembleia, os trabalhadores e erguer como valor político o ódio àqueles que são, irremediavelmente, pela simples forma como existem, o espelho dos seus

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erros. O seu ódio não foi recompensado, a sua táctica não foi eficaz, porque desde então não tem deixado de se afundar a nossa economia e deteriorado a vida das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o primeiro episódio de uma sequência que a RTP tem vindo a apresentar e que conta histórias de uma jornalista, locutora da televisão, trouxe uma mensagem clara e incisiva do problema das relações de trabalho.
Tratava-se de um trabalhador sem salário e da responsabilidade social que o seu desespero envolvia - a mensagem vem da América, país reconfortante para alguns deputados desta Assembleia.
Contava-se o caso de um trabalhador, bloqueado no seu sentimento de indignidade, obrigado, apesar de ser um técnico especializado e de grande experiência profissional, a viver à custa da mulher por estar ele próprio desempregado.
Enlouquecido pela situação de injustiça e de desespero, toma como reféns os filhos e ameaça, numa agressividade à beira do crime, a mulher que amava e a sociedade que desprezava.
Foi o sentimento apaziguador da locutora, disposta a partilhar e a dar voz à sua luta, que lhe devolveu a capacidade de controle; e a sua justificação é tão complexa e tão existencialmente vivida que põe em causa toda uma teia de relações e de estatutos normalmente privilegiados numa sociedade como a americana.

Ele fala do desespero, da ingratidão perante o seu esforço, da indignidade e da situação humilhante em que se encontra. Ele tem sobretudo, um revoltante sentimento de injustiça que lhe advém da certeza de sempre ter trabalhado bem de forma competente, a certeza de não ter falhado no seu trabalho e a certeza de que foram aqueles que geriram a empresa que não o souberam fazer com eficácia; esses, sim, trabalharam mal e fracassaram. Ele não foi cúmplice desse fracasso.

O MDP/CDE tentou, a semana passada, fazer passar nesta Assembleia um simples projecto de lei que repunha um decreto-lei do PS, destruído pelo governo Mota Pinto, reposto pelo governo Maria de Lurdes Pintassilgo e de novo destruído pelo governo AD.

Tratava-se muito simplesmente de o Estado dar o exemplo da seriedade com que devem ser escolhidos gestores e funcionários superiores da Administração Pública: assegurar a isenção política, evitar o compadrio e tentar critérios de eficácia.
Tratava-se, de facto, de repor a legalidade democrática, de utilizar uma norma constitucional que a revisão da Constituição acentuou. Tratava-se de o Estado dar um exemplo.
E o que nos ofereceu esta Câmara?
A hipótese magnífica de fazermos uma flor de retórica política, obrigando-a a reprovar o nosso projecto de lei.

O MDP/CDE negou-se conscientemente, a que uma assembleia, que pertence ao povo português servisse os interesses e os caprichos de um mero líder partidário de ocasião.
Num momento de graves dificuldades económicas a falta de eficácia dos que dirigem é um verdadeiro crime contra a sociedade e contra a vida de milhares de portugueses.

Nós não confundimos as empresas que com dificuldades reais lutam pela sua sobrevivência e são elas próprias vítimas de uma determinada situação económica com aquelas que fraudulentamente são descapitalizadas e destruídas nas suas possibilidades produtivas.
Mas cabe ao Governo tomar a responsabilidade de umas e de outras, porque pior do que deixar deteriorar o parque produtivo é destruir a força do trabalho.
Em declaração política, o MDP/CDE alertou, anteriormente, para as consequências sociais não imediatamente visíveis, e em si mesmo incontroláveis, a que pode levar tal actuação.
A situação de desemprego colectivo tem sido alvo de estudos sociológicos que revelam a sua gravidade. E esses estudos têm sido feitos em países com estruturas sociais de apoio aos trabalhadores, com subsídios de desemprego que asseguram um nível de vida mínimo.

No nosso país o trabalho caminha nos limites da miséria e a segurança social iguala-se à insegurança.
Para além desta diferença fundamental, o desemprego pode nesses países abrir para certa mobilidade social, enquanto que entre nós o salário em atraso é uma forma humilhante de trabalho sem pagamento, é uma forma de explorar a esperança dos trabalhadores e abre apenas para a fome e para a miséria mais completa.
Para além disso, o operário sente-se marginalizado e o patrão tem uma tal visão da sua actividade - bem como o Governo - que lhe impossibilita entender a concepção que o trabalhador tem do trabalho que executa.

A empresa é, apesar de tudo, um lugar de existência comum. Por isso, ao sentir-se à beira do desemprego, o trabalhador sente-se marginalizado. Começa por não acreditar que isso vai acontecer, fica depois surpreendido e pensa como é possível que o seu trabalho não seja necessário. Ao analisar afunda-se na decepção, para depois se recuperar na revolta, na melhor das hipóteses.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, a parte mais importante de uma prática são os seus homens, o secretário-geral do Partido Socialista sabe isso e assim sempre acena com a concertação social.
Acontece, porém, que «concertação» e a «abrangência» são conceitos incompatíveis. Na concertação exigi-se o respeito pelos direitos, o diálogo e o assumir democraticamente as diferenças. A abrangência é um polvo imenso, é uma mancha de óleo que alastra sobre o mar.

Os trabalhadores querem trabalhar, o trabalho é necessário à recuperação da nossa economia.
O trabalho é, para além de tudo, condição indispensável ao nosso equilíbrio social.
O trabalho sem salário só é possível num país que foi teatro da Inquisição e que atravessou 50 anos de obscurantismo cultural, de privação social e de repressão fascista, mas não pode existir no Portugal depois do 25 de Abril.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira.

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O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao flagelo que socialmente vem atingindo centenas de milhares de trabalhadores portugueses, desemprego e decréscimo das condições e qualidade de vida acresce, de há meses a esta parte, uma inconcebível conduta de alguns empresários, que em muitos casos, de fácil comprovação, premeditada e criminosamente vêm fomentando a fome, a doença, a miséria e a inquietude social, através do não pagamento dos salários.

Mais de 100 000 trabalhadores, nos quais se integram por certo em maioria muitos chefes de família, encontram-se desta forma impedidos de usufruírem da única fonte de rendimento que representa a subsistência do seu agregado familiar, pelo que não andaremos muito longe da verdade dos números se estimarmos em cerca de 400 000 as pessoas, adultos e crianças, que são vítimas desta situação.

Não temos dúvidas em afirmar hoje perante este quadro que, depois da passividade manifestada pelos vários governos perante as dívidas à segurança social, ao Fundo do Desemprego, ao Estado e aos sindicatos, um patronato retrógrado e uma direita saudosista prossegue na sua cavalgada de atropelos e violações, e não já apenas para pôr em causa o actual quadro económico constitucional ou para tentar impor a revisão da legislação laboral, mas pôr em causa o próprio regime democrático, que começa seriamente a ficar ameaçado.
Em 10 de Novembro de 1983 o Grupo Parlamentar do PCP, partido que não está isento de responsabilidades pela degradação contínua desta situação, apresentou a esta Assembleia para discussão um projecto de lei que visava instituir um fundo de garantia para pagamento dos salários, o qual foi, a nosso ver, bem derrotado!
O projecto do Grupo Parlamentar do PCP, que pretendia resolver este flagelo fundamentalmente através do Orçamento do Estado, representava, pois, um convite implícito às demais entidades patronais que vinham satisfazendo regularmente o pagamento das remunerações para deixarem de o fazer.
Porém, a não adopção de quaisquer medidas, nomeadamente por parte do Governo, de carácter desincentivador desta conduta, gera involuntariamente, quer se queira quer não, o mesmo convite implícito às restantes entidades patronais para que se dispensem de processar regular e atempadamente o pagamento dos vencimentos aos seus trabalhadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A não intervenção do Governo através dos instrumentos de que dispõe, nomeadamente inspecção de trabalho, fiscalização das finanças, polícia judiciária, ministério público e outros, representa, a nosso ver, uma grave permissividade a que urge pôr cobro.
Há que dar imediato combate a este verdadeiro cancro social, cujas dimensões e repercussões são já demasiado grandes e graves para que a nossa consciência e deveres possam continuar a ignorar.
Os elementos que detemos em nosso poder, apesar de pecarem por defeito, permitem-nos descrever em traços gerais a caótica situação que a nível nacional, o «fenómeno» dos salários em atraso vem produzindo.

Assim, no distrito de Braga há 40 empresas com salários em atraso, abrangendo 8499 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 146 189 contos; no distrito de Bragança, há uma empresa com salários em atraso, abrangendo 900 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 12 000 contos; no distrito de Vila Real há 4 empresas com salários em atraso, abrangendo 143 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 4530 contos; no distrito do Porto há 51 empresas com salários em atraso, abrangendo 10 730 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 48 936 contos; no distrito de Aveiro há 31 empresas com salários em atraso, abrangendo 3072 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 106 365 contos; no distrito de Viseu há 13 empresas com salários em atraso, abrangendo 709 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 30 485 contos; no distrito da Guarda há 5 empresas com salários em atraso, abrangendo 176 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 8722 contos; no distrito de Coimbra há 27 empresas com salários em atraso, abrangendo 2851 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 320 860 contos; no distrito de Castelo Branco há 38 empresas com salários em atraso, abrangendo 2203 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 41 724 contos; no distrito de Leiria há 35 empresas com salários em atraso, abrangendo 4263 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 289 350 contos; no distrito de Santarém há 34 empresas com salários em atraso, abrangendo 2740 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 127 045 contos; no distrito de Portalegre há 7 empresas com- salários em atraso, abrangendo 379 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 13 797 contos; no distrito de Lisboa há 110 empresas com salários em atraso, abrangendo 64 614 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 584 114 contos; no distrito de Setúbal há 26 empresas com salários em atraso, abrangendo 10 404 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 1 096 896 contos; no distrito de Évora há 23 empresas com salários em atraso, abrangendo 702 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 16 251 contos; no distrito de Beja há 1 empresa com salários em atraso, abrangendo 34 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 760 contos; no distrito de Faro há 17 empresas com salários em atraso, abrangendo 1288 trabalhadores, com uma dívida de salários em atraso no valor de 115 238 contos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Constituição da República e a Convenção n.º 95, bem como a Recomendação n.º 85 da OIT respeitantes à protecção dos salários, estão a ser desrespeitadas. Pesa sobre todos os órgãos de soberania o dever de zelar e o imperativo de fazer respeitar as leis e normas de conduta que neste caso dizem concretamente respeito a deveres inalienáveis de cidadãos trabalhadores e à própria vida humana.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Cabe aqui um parêntesis para dizer que não deixa de ser curioso que no respeitante à

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vida humana e ao profundo apego humanista que ainda à escassas semanas neste hemiciclo aquando da discussão e votação do projecto de lei do Partido Socialista sobre a interrupção voluntária da gravidez tenhamos ouvido da parte de tantos senhores deputados do CDS as mais fervorosas intervenções, mas não escutámos em parte alguma qualquer intervenção contra quem atenta contra a vida humana ao negar-lhes os mais elementares direitos de subsistência.

Aplausos do PS e da UEDS.

Será que o CDS, em que politicamente se retractam muitos dos nossos empresários retrógrados ....

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - ... ignora, neste caso, doutrina católica, em nome do liberalismo doutrinário?

Permito-me lembrar que para a doutrina católica, entre os chamados pecados que «bradam aos céus» - e que são homicídio voluntário, pecado sensual contra a natureza, opressão dos pobres, órfãos e viúvas, e não pagar o salário a quem trabalha está contemplada precisamente esta situação, tal é o seu conteúdo social, humano e religioso.
De facto, não pagar os salários é pecado que brada aos céus!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Esta intervenção é um aborto!

O Orador: - Eu já sabia que os Srs. Deputados não gostavam.

Protestos do CDS.

Srs. Membros do Governo, em primeiro lugar e na vossa mão, por certo, estão o dever e os instrumentos de intervenção em ordem a obviar este grave problema.
Bem sabemos que a situação de grave crise económica impede as melhores e mais rápidas soluções. Contudo, alguma coisa, por certo, está ao alcance do Governo fazer.
O Governo tem que saber separar o trigo do joio, o mesmo é dizer, distinguir as empresas que em comprovada situação económica difícil não comportam o pagamento dos salários das empresas que encontrando-se em normal, ou quase, laboração criminosamente os proprietários se furtam a esse pagamento.
E se em relação às primeiras a situação de insolvência em parte se deve a problemas estruturais da nossa economia, que a política de conjuntura financeira apenas fez antecipar o colapso, em relação às segundas são chocantes os sinais de riqueza exterior dos seus detentores.
Assim, gostaríamos de sugerir no Governo, sob a forma de pergunta: está ou não o Governo disposto a uma actuação rigorosa e imediata, através da intervenção conjunta das Inspecções de Trabalho e das Finanças, junto das empresas com salários em atraso, para repor a legalidade das relações de trabalho?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Detectando-se e comprovando-se ilicitudes de carácter criminal, vai ou não o Governo accionar os mecanismos da estrutura judicial para punição dos culpados?
Para as empresas que possuam condições de viabilidade, pensa ou não o Governo conceder apoios especiais, nomeadamente subsidiando os salários através do Fundo de Desemprego por período adequado à sua recuperação, em ordem a obstar um desenfreado aumento do volume do desemprego?
Para protecção dos trabalhadores, nos casos de falência e de insolvência das empresas, está o Governo disposto a proceder de acordo com a directiva do Conselho da Europa de 20 de Outubro de 1980, que preconiza a criação de um fundo de garantia de salários?
É ou não aconselhável, em algumas regiões do País, porque mais fortemente atingidas pelo drama social dos salários em atraso, como a zona do Tramagal ou os vidreiros da Marinha Grande, por exemplo, o Governo compará-las a áreas de calamidade nacional e adoptar medidas concretas, nomeadamente através de subsídios especiais do Fundo de Desemprego, para obviar tão chocante e dramática situação?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: muitas centenas de milhares de trabalhadores votaram em 25 de Abril nos partidos que actualmente em coligação constituem o actual Governo.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Estão bem enganados!

O Orador: - Por certo muitos milhares deles incorporam a legião de trabalhadores com os salários em atraso.
Para que a desestabilização social, que o não pagamento dos salários visou gerar, não crie raízes de irreversibilidade, para que o rigor e a austeridade dos últimos meses não tenham sido suportados em vão, para que os desempregados e os jovens que hoje procuram o primeiro emprego se possam ocupar amanhã, para que o regime, ao invés de ser posto em causa, se consolide, para que Portugal não seja amanhã um parceiro pobre e envergonhado do Mercado Comum, vamos resolver no presente, o problema dos salários em atraso.
Aqui fica a exigência e o desafio!

Aplausos do PS, da UEDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira passou perante nós mais um episódio da guerra entre as centrais sindicais. A CGTP adiantou-se nesta questão dos salários em atraso e a UGT, para não ficar atrás, veio ao Parlamento, traçou um panorama negro e ofendeu gratuitamente o CDS.

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O CDS nunca deixou de se escandalizar com a situação dos salários em atraso. O CDS apontou e sublinhou a gravidade da situação, traduzida nos salários em atraso.
O que gostaríamos de saber é se o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira tem algumas soluções a propor a esta Câmara para a resolução do problema dos salários em atraso.
O Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira falou do fundo de garantia dos salários, mas esqueceu-se de nos apresentar algumas sugestões sobre o modo de alimentar esse fundo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E esqueceu-se também de nos dizer se esse fundo de garantia dos salários não viria a ser alimentado por mais contribuições a recair sobre as empresas ou até sobre os trabalhadores.
Esqueceu-se ainda de nos dizer se as empresas que têm salários em atraso, ou muitas dessas empresas, como foi aqui reconhecido, estarão em condições de suportar mais algum encargo.
O Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira falou depois de subsídios especiais em algumas zonas. Em relação a essa questão, e tal como disse o inspector-geral do Trabalho em relação à possibilidade de pôr a Inspecção-Geral do Trabalho a fiscalizar mais aturadamente este problema, direi que a ideia é simplesmente poética, é uma utopia.
O que é que são subsídios especiais, Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira? Quem paga esses subsídios especiais? Donde é que eles vêm?
O que queríamos é que nos apontassem aqui algumas soluções!
Pela nossa parte, temos apontado algumas soluções, ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - É a revisão da Constituição económica!

O Orador: - ... que vão fundamentalmente no sentido da recuperação da economia, do retomar de condições de confiança aos agentes económicos, soluções que permitiriam acabar com problemas escandalosos como este dos salários em atraso.
Era isto que lhe queria dizer, Sr. Deputado. Não aceitamos os seus remoques!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Uma vez que há mais inscrições, gostaria de saber se o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira deseja responder já a este protesto ou apenas no fim?

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª disse que, através desta minha intervenção, eu havia transportado para o hemiciclo a questão da guerra sindical.
Penso que o que está na base da dificuldade de o Sr. Deputado compreender o sentido da minha inter-

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venção é que, de facto, também em termos de reconversão do pensamento dos trabalhadores o CDS é difícil. Daí as suas dificuldades naturais em perceber o verdadeiro sentido da minha intervenção.
Diria que, no fundo, o Sr. Deputado Nogueira de Brito, limitou-se aqui, através da figura do protesto, a fazer uma defesa acérrima do liberalismo total, completamente despido de qualquer sentido social.

Protestos do CDS.

Diria mesmo, Sr. Deputado, que é um daqueles protestos que também «bradam aos céus».

Aplausos do PS.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - O CDS resolve tudo com a revisão da constituição económica, não é?
Revê-se a Constituição e no dia seguinte há um milagre!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, obviamente que a sua intervenção mereceu toda a atenção da nossa bancada.
Neste momento não está em questão discutir consigo a apreciação que fez do nosso projecto de lei. Rejeitou-o na altura, penso que integrado na sua bancada, pelas razões que aqui aduziu.
Mas o facto é que foram feitas promessas, eu pergunto-lhe se essas promessas de actuação neste domínio foram cumpridas.
O Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira citou uma gama de números, naturalmente com muito interesse. Suponho que esses números não são os mesmos dos do Sr. Ministro Amândio de Azevedo.
O Sr. Deputado não os somou, mas gostava de saber se me pode dar o cômputo global.
Por outro lado, com a análise que fez dos números que averiguou através dos meios que tem ao seu dispor, é ou não um facto que a situação se foi agravando ao longo do tempo deste governo?
A terceira questão, para a qual lhe peço a máxima atenção porque é a questão central, é esta: o Sr. Deputado propôs uma série de medidas que, no fundo, se traduzem na ideia de que é necessário uma intervenção da Inspecção-Geral do Trabalho e da Inspecção-Geral das Finanças, que é necessário um subsídio para as empresas que têm viabilidade, que é necessário um fundo de garantia dos salários e que é necessário actuar judicialmente contra os empresários que não respeitam a lei. E eu pergunto-lhe: então, e se o Governo continuar a cruzar os braços?
Neste campo o Sr. Deputado deixou claro que as responsabilidades principais eram do patronato, mas que o Governo também tinha aqui responsabilidades - não será esta exactamente a nossa opinião, mas foi a que o Sr. Deputado expendeu. Nesse caso, se o Governo cruzar os braços, não será altura de actuarmos aqui, na Assembleia?
E mais, Sr. Deputado, sendo certo que a penalização da falta de pagamento de salários não existe hoje na lei portuguesa e que só a Assembleia tem competência constitucional para o fazer, então não será necessário que exista uma iniciativa legislativa e que ela seja

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aprovada para que seja realmente penalizado o crime de
falta de pagamento de salários?
Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, porque espera-
mos? Vão apresentar a vossa iniciativa?
Pela nossa parte já dissemos que vamos encará-la
e examiná-la com toda a atenção. Vão os Srs. Depu-
tados ter a mesma atitude em relação à iniciativa legis-
lativa, que, como anunciámos, apresentamos hoje?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vítor Hugo Se-
queira, há mais um orador inscrito para pedir escla-
recimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - No fim, Sr. Pre-
sidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos,
tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.
O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Deputado
Vítor Hugo Sequeira, antes de fazer um pedido de
esclarecimento sobre a sua intervenção - que será
muito curto - queria deixar aqui registado, por parte
da minha bancada, sem querer tomar a defesa de
ninguém porque não temos o direito de o fazer, que
não vimos com muito agrado uma citação da doutrina
da Igreja ser glosada, ainda que a respeito de um
partido com assento na Assembleia. Não gostamos
de ver isto e era apenas este o reparo que lhe queria
fazer.
Quanto à pergunta que lhe queria fazer, ela é a
seguinte: está o Sr. Deputado de acordo com a política
a seguir pelo Governo e que foi apresentada aqui pelos
Srs. Ministro do Trabalho e Segurança Social e das
Finanças e do Plano?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra
o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Começarei por

responder ao Sr. Deputado João Amaral dizendo que,

no meu entendimento, o Sr. Deputado interpelou-me
como se eu fosse membro do Governo e, obviamente,
não sou eu que tenho que responder a algumas ques-
tões concretas que me colocou. Na verdade, ao longo
desta interpelação o Governo tem dado resposta a
essas e a outras questões que têm sido formuladas.
Pergunta-me o Sr. Deputado João Amaral se depois
das exigências que formulei não se constatarem por
parte do Governo iniciativas conducentes à ultrapas-

sagem desta grave e dramática situação, se, efectiva-
mente, vamos cruzar os braços.
Ora, penso que não é de esperar de nenhum

deputado da bancada do PS um comportamento dessa
natureza e, nomeadamente em relação a este problema
concreto, se as medidas adoptadas pelo Governo não
se revelarem eficazes, obviamente que o Grupo Parla-
mentar do PS, se necessário, estará na disposição de
apresentar aqui uma iniciativa legislativa que res-
ponda cabalmente a este problema.
O Sr. Deputado Rocha de Almeida, do PSD, per-
gunta-me se, efectivamente, estou ou não de acordo
com parte das intervenções dos Srs. Ministros do
Trabalho e das Finanças e do Plano.

Sr. Deputado, obviamente que estou de acordo cora aquilo que, a meu ver, elas contêm de positivo. Porém, afigura-se-me que, perante esta situação dramática de volume à escala nacional que o problema dos salários em atraso representa neste momento para todos nós, essas medidas podem ser ainda insuficientes.
Sei, e disse-o na minha intervenção, que a presente situação de crise económica não vai permitir ao Governo a adopção de medidas que seriam muito mais do nosso agrado, mas penso também que o Governo tem o dever e a obrigação -- e reconheço que tem em si mesmo investida competência - de dar uma resposta concreta a este grave flagelo.
Acredito que, de facto, com esta interpelação e com o alerta que, nomeadamente das bancadas da maioria, já foi feito ao Governo, ele esteja sensibilizado para, a partir de agora, em relação a uma certa posição de permissividade que durante algum tempo caracterizou a sua actuação, poder utilizar eficazmente os instrumentos de que dispõe no sentido de contrariar esta situação, nomeadamente através de algumas das medidas hoje aqui enunciadas, que, a meu ver, embora não dêem resposta e satisfação global ao problema, são já um princípio que se me afigura positivo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida, para protestar.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, estou de acordo com a sua intervenção e, efectivamente, quando lhe pus a minha questão fiquei eu próprio com a dúvida de que V. Ex.ª poderia não partilhar das palavras dos senhores ministros que referi.
Mas já agora utilizo esta figura regimental para lhe perguntar se a iniciativa legislativa que referiu partiria do PS ou da maioria, como referiu também e com o que estarei de acordo.

Uma Voz do PCP: - Quem é o pai e quem é a mãe?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Deputado, obviamente que entendo ter perfeito cabimento que a iniciativa parta da maioria.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Lourenço.

O Sr. Dias Lourenço (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não sabemos se o drama pungente do não pagamento de salários em atraso e a profunda inquietação em que vivem milhares de famílias, se as sentidas reclamações de muitos milhares de operários para que o patronato pague o que deve de trabalho e mais-valia produzidos e não pagos e para que o Governo tome, como lhe compete, as medidas atinentes à reposição da legalidade no mercado do trabalho, não sabemos - dizíamos - se tudo isso se integra nas insólitas palavras do último

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«comunicado» do Conselho de Ministros quando de maneira intencional, cito, «exprime o repúdio firme das acções concertadas de desestabilização política, actos de sabotagem, manifestações de violência, alterações de ordem pública» e outras liberdades literárias.
Ouvimos o Sr. Ministro do Trabalho contestar números e até razões aqui trazidas pelos deputados do PCP.
Mas a interpelação do PCP é feita com conhecimento directo dos factos que a informam e vistos com a sensibilidade humana e de classe que é a nossa, para esse verdadeiro drama dos trabalhadores portugueses na hora actual que é o não pagamento dos salários em atraso.
A situação que me proponho abordar é a que se vive na vila operária do Tramagal.
Na freguesia do Tramagal - a segunda do concelho de Abrantes, com mais de 5000 habitantes e mais de 2500 famílias constituídas -, nas 3 empresas mais importantes que garantem a subsistência da maioria da população trabalhadora local, a situação assume aspectos pungentes.
Nas 3 empresas, 2 têm unidades fora do distrito: a Metalúrgica Duarte Ferreira, com cerca de 2400 trabalhadores e unidades no Porto e em Lisboa, e a SOMAPRE, onde laboravam 117 trabalhadores com outra unidade em Alverca do Ribatejo. A terceira - Neo-Cerâmica - é apenas local, com os seus 40 trabalhadores.
Na MDF, uma das maiores empresas metalúrgicas do País, há 4 meses que não são pagos salários. 200 trabalhadores da unidade de Lisboa já receberam aviso de despedimento, 300 vão ser compulsivamente reformados e projecta-se o despedimento de mais 500 para reduzir de 200 000 contos a massa salarial como condição admitida pela administração para a viabilização da empresa.
Na unidade do Porto os 470 trabalhadores receberam apenas 10 contos relativos ao mês de Outubro, nada receberam em Novembro e Dezembro e de Janeiro é-lhes ainda devido 30 % do salário.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - Na SOMAPRE não são pagos os salários há 8 meses, a administração impôs condições de remuneração inaceitáveis e, em consequência, vários dos 117 operários debandaram em busca de trabalho em qualquer lado.
Na Neo-Cerâmica os 40 trabalhadores também não recebem salários há 3 meses.
Pelos vistos, na opinião do Sr. Ministro do Trabalho isto é demagogia do PCP ...
Os deputados comunistas pelo distrito de Santarém têm procurado acompanhar de perto a situação destes trabalhadores, têm chamado para eles a atenção do Governo nas diversas formas regimentais desta Assembleia da República.
No caso da MDF, sendo verdade que se verifica uma má gestão da administração, casos que o Sr. Ministro do Trabalho justamente refere, cabe, porém, ao Governo as maiores responsabilidades e é preciso que as assuma.
No último fim de semana, convidado, como o foram os deputados dos outros partidos com representação parlamentar pelo distrito de Santarém, dos quais apenas compareceu 1 deputado do PS, participámos

numa sessão pública de iniciativa das organizações representativas dos trabalhadores das empresas do Tramagal, onde foi feita uma informação da situação dramática existente na localidade.
Pelos vistos, outra demagogia do PCP ...
O desespero começa a invadir os lares com a miséria e a fome. Fome mesmo, Sr. Deputado Marcelo Curto!
O que ouvimos é profundamente angustiante. Os pequenos comerciantes do Tramagal - que acusam a queda brusca do poder de compra da população local e a quem os fornecedores só fornecem a dinheiro - não fiam já artigos que são essenciais ã alimentação, principalmente das crianças, como o pão e o leite.
Nas famílias operárias do Tramagal são já visíveis as marcas da miséria e da fome.
O Sr. Ministro do Trabalho sacudiu a água do capote quanto à parte do Governo, que consideramos fundamental nas responsabilidades pela situação criada.
Por exemplo, no caso concreto da Inspecção do Trabalho poderíamos talvez questionar o Sr. Ministro do Trabalho sobre se se inspecciona a Inspecção do Trabalho da responsabilidade do seu Ministério.
Conhecem-se casos em que os inspectores do Ministério do Trabalho têm feito o levantamento das situações existentes e das suas causas, mas não se conhecem, porém, quaisquer sanções aplicadas no Tramagal contra verificadas transgressões aos contratos de trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O tempo de que dispomos não nos permite alongar mais esta intervenção. Mas perguntamos:
Por que foi retirado à MDF o fornecimento ao Exército português de camiões de todo-o-terreno e dado posteriormente à empresa holandesa DAF?
Porquê o Governo, tão pródigo a abrir linhas de crédito a governos de certos países fascistas - como o do Chile, por exemplo -, recusa abrir ao Governo da República Popular de Angola uma linha de crédito para execução do titulado «Projecto Malange», que garantiria trabalho, entrada de divisas a médio prazo e o alívio imediato da situação de centenas de famílias operárias do Tramagal?
Porquê o Governo não encara medidas enérgicas contra as administrações das empresas MDF e SOMAPRE, onde se verificam graves problemas de gestão, indo, se for necessário, até ao restabelecimento da intervenção do Estado?
Porquê o Governo não faz intervir de maneira responsável na discussão de todo o processo do pagamento dos salários em atraso e da gestão das empresas nos organismos representativos dos trabalhadores do Tramagal? Não formal, como é óbvio, mas de maneira efectiva?

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS):- Sr. Deputado Dias Lourenço, referiu-se o Sr. Deputado a uma reunião na povoação de Tramagal em que ambos tivemos oportunidade de participar juntamente com os trabalha-

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dores da empresa Metalúrgica Duarte Ferreira, e não só, e com algumas organizações representativas dos trabalhadores.
A Metalúrgica Duarte Ferreira, como é do conhecimento da Câmara, é uma empresa que se encontrava em situação tecnicamente falida já no 25 de Abril, foi posteriormente submetida a um período de intervenção e foi desintervencionada por um governo que não tinha nada a ver com o PS, tendo-lhe depois sido prometido um contrato de viabilização por govemos que, entretanto, não assumiram as suas responsabilidades, e isto tanto no momento da desintervenção como depois. Ora, Sr. Deputado omitiu tudo isto na sua intervenção e veio dizer que as maiores responsabilidades da situação em que se encontra a empresa são deste governo!
Pergunto ao Sr. Deputado Dias Lourenço como é que pode sustentar que as maiores responsabilidades, no caso da MDF, sejam deste governo quando diz que o Governo retirou à MDF o contrato para fornecimento de camiões militares, que foi adjudicado a uma empresa holandesa? Desconhece o Sr. Deputado que o concurso e a adjudicação foi feito por um governo anterior?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz que este governo não abriu uma linha de crédito ao Governo Angolano para viabilizar o anunciado projecto da empresa em questão. Pergunto ao Sr. Deputado se o entendimento que tem de uma salutar cooperação entre o Estado Português e outros Estados - designadamente os de expressão portuguesa - se refere apenas a uma forma de cooperação unilateral, onde esses Estados não participem com qualquer cooperação positiva relativamente ao Estado Português?
Numa perspectiva de defesa do interesse nacional, entende V. Ex.ª que, apesar do endividamento do Estado Português que é conhecido, este pode limitar-se a abrir linhas de crédito a outros Estados sem cuidar de outras formas de cooperação positiva, que no caso concreto e até ao momento não foram oferecidas pelo Governo Angolano?
Em conclusão, pergunto-lhe se, perante estas realidades, o Sr. Deputado ainda ousa afirmar que as maiores responsabilidades são deste governo? Afinal de contas não será justamente o contrário? Se o governo tem responsabilidades no caso da MDF, elas são as de tudo estar fazendo em concreto para encontrar todos os factores possíveis de viabilização da empresa MDF do Tramagal!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Lourenço.

O Sr. Dias Lourenço (PCP): - O Sr. Deputado Jorge Lacão esteve nessa reunião comigo e ao ouvi-lo agora fiquei à espera que pronunciasse uma palavra de solidariedade, de compreensão quanto ao drama dos trabalhadores do Tramagal. Mas não se ouviu uma única palavra nesse sentido e eu tenho que registar esse facto!

Aplausos do PCP.

Por outro lado, o Sr. Deputado diz que a situação da MDF não é da responsabilidade do Governo. É claro que há uma situação que se arrasta e que não

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é apenas da responsabilidade deste governo, é também da responsabilidade de governos anteriores.
Por exemplo, quanto à desintervenção da MDF - que o Sr. Deputado quer imputar ao governo de Maria de Lurdes Pintassilgo -, o Sr. Deputado ouviu nessa reunião, como eu ouvi, que era um processo que estava em curso desde um governo anterior, embora se tenha concretizado no dia seguinte à tomada de posse do governo de Maria de Lurdes Pintassilgo.
É sabido que estamos contra essa desintervenção e pensamos que os trabalhadores da MDF fizeram um esforço notável para viabilizar a empresa, mas o regresso da antiga administração, com a sua má gestão - e o Sr. Deputado conhece algumas facetas dessa má gestão -, criou as condições para a empresa chegar à situação difícil em que está.
Quanto à questão da DAF, o contrato é anterior, mas quem o decidiu foi este governo e não o anterior! Foi este governo que viabilizou o concurso, que estava suspenso!
A encomenda ainda não estava feita e o Governo podia não a ter feito a uma empresa estrangeira, ainda que esta produza mais barato - os carros são efectivamente mais baratos -, pois ela resolveria o grave problema social do Tramagal em geral e da MDF em particular. O Sr. Deputado estava nessa reunião como eu e ouviu os argumentos dos trabalhadores presentes!
Quanto ao «Projecto Malange», ele também não é deste governo, mas este governo nada fez para o pôr em curso. De facto, a questão relativa a este projecto não estava decidida, mas o actual governo também nada fez para o viabilizar!
Sr. Deputado, na verdade, posso ter opiniões diferentes das suas sobre as questões que neste momento dificultam a cooperação com o Governo da República Popular de Angola - e essas questões não se podem tapar com fraseado -, como é o caso da forma como o Governo Português tem actuado relativamente à República Popular de Angola ... Mas não vamos entrar por aí! Há muita coisa que é fachada, mas a verdade é que no plano concreto não se está a trabalhar activamente para a cooperação com esse país!
Quanto à viabilização das empresas, as medidas que o Sr. Deputado diz que o Governo vai tomar, pelo menos aquelas que já se conhecem, não as viabilizam efectivamente.
O decreto de que agora se fala para as empresas que estão em dificuldades, que atribui ao Fundo de Desemprego a solução do problema, não resolve nada. O Fundo de Desemprego está a pagar 10 % de subsídios ao total dos empregados e isso não resolve o problema! 15so é atirar os trabalhadores para uma situação que não dá!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para um curto protesto que se centra em 3 afirmações.
Em primeiro lugar, protesto contra a intervenção do Sr. Deputado Dias Lourenço na medida em que ele não conseguiu provar aqui que o Governo não tenha curado de defender os interesses nacionais rela-

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tivamente ao caso das viaturas para o Exército português.
Em segundo lugar, protesto porque o Sr. Deputado Dias Lourenço não conseguiu demonstrar que tenha havido até ao momento qualquer contrapartida positiva por parte do Governo de Angola, dentro de um sistema de salutar cooperação entre 2 Estados, no âmbito do respeito integral pelas respectivas soberanias e no respeito integral pelos interesses dos 2 povos.
Finalmente, protesto pela demagogia do Sr. Deputado Dias Lourenço quando veio aqui registar que, na pergunta que lhe fiz anteriormente, não tive nenhuma manifestação de solidariedade para com os trabalhadores do Tramagal.
Quero dizer ao Sr. Deputado Dias Lourenço que a minha manifestação de solidariedade para com os trabalhadores do Tramagal é estar presente em todos os sítios e em todos os momentos em que entendo poder tomar atitudes positivas para a solução concreta das suas dificuldades, não é vir para a Assembleia da República instrumentalizar as dificuldades dos trabalhadores para tirar ilações políticas que em nada servem os seus interesses concretos!

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Fazer demagogia dessa nunca fiz, nem no Tramagal nem na Assembleia da República! Não a faço agora, nem nunca o Sr. Deputado me verá fazê-la em parte nenhuma!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Dias Lourenço.

O Sr. Dias Lourenço (PCP): - O Sr. Deputado está a falar, mas esquece-se de tudo aquilo que os operários que estavam nessa reunião lhe disseram a si, como representante de um partido do Governo!
O Sr. Deputado esteve nessa reunião como deputado de um partido do Governo e ouviu coisas que era melhor não ter ouvido!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Raposo.

O Sr. Ruben Raposo (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Iniciou-se nesta Câmara um debate parlamentar sobre os salários em atraso.
Infelizmente são hoje muitas as empresas que vêm atravessando graves dificuldades financeiras, penalizando os seus trabalhadores pelos atrasos no recebimento dos salários.
Esta omissão de remunerar a tempo não é, excepto em situações pontuais, uma omissão deliberada. E a consequência da baixa conjuntura, da quebra de encomendas, da retracção de consumo, da degradação do tecido produtivo.
São hoje cerca de mais de 100 000 os portugueses, muitos deles chefes de família, que vêm recebendo os salários com atraso.
A nível de sectores industriais, esta situação verifica-se, por ordem decrescente de importância, nos

sectores dos transportes, o têxtil, a metalurgia, a construção civil, a reparação naval, a indústria cerâmica, a indústria vidreira.

Todos os distritos industrializados vêm conhecendo este drama.

Assim, nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Castelo Branco, respectivamente 70 %, 80 % e 75 %
dos trabalhadores com salários em atraso pertencem ao sector têxtil, que é indústria maioritária em termos de emprego nas regiões assinaladas.

No Porto, distribuem-se pela metalúrgica e sector têxtil.

Em Aveiro, os sectores mais atingidos são a metalurgia, a cerâmica e a indústria das madeiras.
Em Coimbra e Leiria, são a indústria vidreira e os têxteis.
No distrito de Santarém, é a metalúrgica, que representa 60 % dos trabalhadores com salários em atraso.
Em Setúbal, é a indústria naval, a metalurgia e a indústria eléctrica e electrónica.
Por último, no distrito de Lisboa, são os transportes, a construção civil e a indústria metalúrgica.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O salário, a retribuição, é um dos elementos fundamentais do contrato individual de trabalho.
Ou, dito de outra forma, trata-se da principal obrigação que recai sobre a entidade patronal, através do contrato de trabalho, aparecendo como contrapartida dos serviços prestados ou da disponibilidade da força de trabalho obtida durante certo lapso de tempo.
O salário não é a mesma coisa para o trabalhador e para o empresário.
Para o trabalhador é meio de subsistência e correlação entre a penosidade do trabalho e o grau de satisfação de necessidades pessoais e familiares.
Para o empresário, ao invés, o salário é um preço que se incorpora nos custos de produção.
Assim, para o trabalhador o salário constitui um crédito a que tem todo o direito. Para o empresário, o salário comporta-se como um preço de um factor produtivo, que não pode ser sonegado ao trabalhador.
O salário é um dos elementos fundamentais do contrato individual de trabalho.
Daí que toda a forma de trabalho gratuito seja afastado do âmbito do contrato individual de trabalho.
Daí as medidas de protecção ao salário insertas na Ordem Jurídica Portuguesa, recentemente alargadas com a ratificação da Convenção n.º 95, de 1949, da OIT, relativa à protecção de salários. Convenção que foi ratificada pelo Decreto-Lei n.º 88/81. Convenção da Organização Internacional de Trabalho, na qual se pode ler, no seu artigo 6.º:

É proibido à entidade patronal limitar, seja de que maneira for, a liberdade de o trabalhador dispor do seu salário conforme a sua vontade.

E mais adiante, no artigo 11.º:

Em caso de falência ou de liquidação judicial de uma empresa, os trabalhadores nela empregados terão a categoria de credores privilegiados, quer para os salários que lhes são devidos a título de serviços fornecidos durante um período anterior à falência ou à liquidação, e que será

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prescrito pela legislação nacional, quer para os salários que não ultrapassem um montante prescrito pela legislação nacional.

No artigo 12.º, dispõe-se ainda que «o salário será pago com intervalos regulares».
Estas algumas citações de artigos desta Convenção da OIT, relativa à protecção do salário.
Dela resulta que quer a regulamentação internacional, quer a legislação nacional, se obrigam à protecção de salários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Recentemente foi publicado um despacho normativo que prevê a equiparação à situação de desemprego involuntário de determinadas suspensões de contrato de trabalhadores, sem garantia salarial, quando perdurem para além de 30 dias.
A esses trabalhadores ser-lhe-á aplicado, com as devidas adaptações, o regime geral do subsídio de desemprego.
Apesar de todas as críticas, porventura a de que os trabalhadores sem salários passem a pressionar as empresas a que estão ligados para paralisar completamente, atendendo a que esta situação lhes garantiria maior protecção económica, apesar de todas as críticas, dizíamos, consideramos esta medida governamental muito positiva, pois é um princípio de solução para a situação vertente.
Como é também positiva a afirmação produzida nesta Câmara pelo Ministro do Trabalho da criação de um fundo de garantia de salários.
Iniciativa que está de acordo com a directiva do Conselho da Europa de 20 de Outubro de 1980, para protecção de trabalhadores nos casos de falência e de insolvência das empresas.
Nesta questão, o que importa distinguir é se o não pagamento dos salários aos trabalhadores, pelas empresas, é devido por impossibilidade objectiva de os pagar ou se estas o fazem por fraude.
O que importa, pois, dilucidar é se as empresas não têm capacidade para pagar ou se, tendo-a, alegam que não possuem, com manifesto dolo ou negligência grave. Só a Inspecção de Trabalho o pode determinar.
Por isso importa que a Inspecção de Trabalho continue a desenvolver as suas atribuições, visitando as empresas, investigando, levantando os autos, cumprindo a sua missão.
A haver dolo, os responsáveis têm de ser severamente punidos.
Se, pelo contrário, as empresas não satisfizerem os seus compromissos com os trabalhadores devido a razões objectivas importa averiguar se a empresa é viável ou não. A ser viável importa que sejam canalizadas todas as ajudas necessárias, de forma a ser recuperada.
Gostaríamos de ver institucionalizado para essas empresas, a exemplo do que se fez para a Messa, o princípio do pagamento, pelo Fundo de Desemprego, de um subsídio reembolsável, por trabalhadores, nos casos de reconhecida viabilidade da empresa e por um período adequado à sua recuperação.
Se for de todo em todo inviável, a empresa terá de ser encerrada, sendo os trabalhadores credores privilegiados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Este debate tem o mérito de chamar a atenção para a necessidade de o Governo controlar me-

lhor, com mais eficácia e firmeza, os meios públicos facultados às empresas, os subsídios, os contratos de viabilização.
Vivemos hoje em crise. Crise que se reflecte na quebra de encomendas, na retracção de consumos, no desemprego. Crise esta que é também reflexo da crise mundial. Crise esta que importa não o olvidar, foi acelerada nos anos de 1974 e 1975, com as dificuldades crescentes registadas na generalidade das empresas.
Dificuldades essas de que o partido interpelante não pode afastar a responsabilidade, pelos acontecimentos então verificados na generalidade do nosso tecido produtivo.
Concordamos que é socialmente inaceitável que o trabalhador esteja sem receber o seu salário, quando deste depende a sua sobrevivência e a de sua família.
Contudo, a omissão do dever de remunerar a tempo não é, muitas vezes, uma omissão deliberada. Tão-só radica na crise económica geral verificada em muitas empresas.
A garantia do direito ao salário terá de ser conseguida através de medidas tomadas pelo Governo, tendentes a assegurar o mercado de trabalho, proporcionando a estabilização, comercialização dos produtos, viabilizando as empresas.

Aplausos da ASDI e de alguns senhores deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Vamos agora interromper os trabalhos, para recomeçarmos às 22 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas.

Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitorino.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.

O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Queria dizer, em primeiro lugar, que o CDS considera também um verdadeiro escândalo o problema dos salários em atraso. Aliás, como o meu colega Nogueira de Brito teve oportunidade de dizer. Como igualmente considera que o Governo, se «lavar as mãos», será culpado de incoerência e negligência grave. Como considera que o Partido Comunista, ao vir, mais uma vez, denunciar o problema, dá provas da sua habitual hipocrisia.
Vou explicar porquê. Para isso terei de recordar muito brevemente um pouco da nossa história recente.
Principalmente a partir de 11 de Março de 1975, o Partido Comunista e as forças que nele se integravam, na sua ânsia de instaurar em Portugal uma «democracia popular», proeurou destruir o tecido económico português.

Protestos do PCP.

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Compreendo que os deputados do PC não gostem do que estou a dizer.
O pretexto: a destruição dos monopólios, das chamadas grandes famílias. Os meios: as nacionalizações selvagens, as ocupações das empresas, a intimidação dos empresários, o congelamento de preços e aumento desproporcionado dos salários, os empréstimos bancários sem qualquer racionalidade económica. Os resultados foram o prejuízo e o endividamento progressivo das empresas públicas e privadas.
A partir de fins de 1975, falhada a sua tentativa de apropriação política do 25 de Abril, o Partido Comunista concentrou as suas forças na defesa do statu quo, do que chamou as «conquistas irreversíveis», como sempre com pouca originalidade, traduzido em segunda-mão do francês.
«Conquistas irreversíveis» não dos trabalhadores, como queria fazer crer, mas do Partido Comunista. Porque o Partido Comunista sabia bem que o modelo que tinha introduzido «o ódio de classes, a estatização e burocratização de largos sectores da economia, a instrumentalização dos sindicatos para a luta política, a inviolabilidade das leis laborais como não há em parte nenhuma do mundo - O PC sabia bem que só podia conduzir à ruína das empresas, à ruína dos trabalhadores e à ruína do País.
Digo que o PC sabia bem porque nele militam pessoas inteligentes, embora de mentalidade retrógrada, obscurantista e dogmática.
O PC sabia bem que, no mundo concorrencial em que vivemos, a baixíssima produtividade das empresas, a gigantesca despesa pública, havia mais dia, menos dia, de levar ao estado de endividamento externo e interno em que o País se encontra, a alta do custo de vida, a falência das empresas, ao desemprego e ao não pagamento dos salários aos trabalhadores. Tudo para quê? Para, como bons capitalistas que são, o PC capitalizar o descontentamento dos portugueses e poder assim ter melhor aceitação para o seu modelo de sociedade.
Só que os portugueses, por muito simples que sejam, têm o bom senso necessário para não se deixarem enganar. Já o demonstraram várias vezes e temos a certeza que o demonstrarão de novo, se for necessário.
O PC fez o mal e tenta fazer a caramunha.
Voltemos um pouco atrás na história, a 1976. Vimos como o Partido Comunista, derrotado no seu objectivo político imediato, se entrincheirou na defesa das «conquistas irreversíveis». E que fez o actual partido maioritário, o Partido Socialista?
O Partido Socialista, que, em 1975, se bateu na primeira linha pela defesa das liberdades, revelou, no entanto, um notável falta de visão no que se refere ao modelo político-económico para Portugal.
Vítima de preconceitos ideológicos antiquados, o PS, enquanto governo e depois, enquanto oposição, defendeu «à outrance» as «conquistas irreversíveis», no fundo o modelo burocrático-estatizante que tinha herdado dos comunistas. Fora e dentro desta Assembleia defendeu, com uma lamentável cegueira, o modelo que nos havia de levar ao ponto onde hoje estamos. Nesta Assembleia ainda em 1950, aquando das várias tentativas da AD para libertar o Estado de responsabilidades que não deviam ser as suas e abrir a economia às empresas privadas, os seus mais ilustres tenores como o Dr. Almeida Santos e o Dr. Vítor

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Constâncio falavam de transição para o socialismo, da tarefa fundamental do Estado de socializar os meios de produção, dos preços sociais do sector público.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Saudades do 24 ...!

O Orador: - O resultado, como já dissemos, foi o endividamento progressivo do Estado e das empresas públicas, foi a fuga para a frente, o que permitiu, enquanto durou, fazer crer, do ponto de vista económico, que as coisas não iam mal.
O resultado aí está à vista. Como consequência, temos a actual política de recessão que nos foi imposta de fora, em nome dos credores. É preciso pagar a conta.
Mas atenção! Como diria Pangloss, filósofo optimista da minha preferência, as mesmas causas têm necessariamente as mesmas consequências. É certo que o Governo aparece agora envolto em roupagens de «liberalismo socialista» ou «socialismo liberal». Nado temos a opor. Acolhemos com espírito cristão os pecadores arrependidos.

(Risos.)

Mas o que eu gostaria de ouvir, e sobretudo de ver, da parte do Governo, eram as medidas concretas que levarão ao restabelecimento da confiança dos trabalhadores e dos empresários, à diminuição do desemprego, ao investimento, à redução da inflação e das taxas de juro, ao crescimento da nossa produção - enfim à melhoria das condições de vida dos portugueses.
Não basta falar da situação pavorosa das despesas públicas, dos seus 1000 milhões de contos de dívidas, dos 200 milhões de contos de investimentos mal feitos, como diz o Sr. Ministro Veiga Simão. É preciso que o Governo não se fique nos sintomas, que vá ao fundo e que actue. Porque se chegou a esta situação? 200 milhões de contos de investimentos mal feitos? 200 milhões. Mas isso é dinheiro dos portugueses. Não hasta mencionar incantatoriamente os factos. 200 milhões de contos não é uma abstracção. São hospitais, escolas, estradas que não se fizeram, são impostos a mais que se pagaram, são preços mais altos que se desembolsaram da electricidade, do telefone, de transportes colectivos.
Quem é responsável? Onde estão os responsáveis?
Basta de impunidade, basta de responsabilidades colectivas e diluídas.
Vamos saber, vamos inquirir, doa a quem doer.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O CDS vai dentro de poucos dias fazer uma interpelação ao Governo, sobre a deterioração das condições de vida dos portugueses.
Desde já vos anuncio que nós entendemos que não se sairá da gravíssima situação que atravessamos se não mudarmos em profundidade o actual sistema que nos rege.
Não precisamos de mais excepções e adaptações, mas sim de uma nova regra, de uma nova mentalidade, de uma nova organização, o que só uma revisão económica da Constituição permitirá.
Para isso propusemos a revisão da Constituição a que agora parecem aderir outras forças. Com isso nos congratulamos.

Aplausos do CDS.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Costa.

O Sr. Oliveira e Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para além do desemprego, que infelizmente grassa em Portugal, e de uma perda do poder de compra, com o consequente decréscimo das condições de vida dos trabalhadores, vemo-nos neste momento confrontados com um novo flagelo social, que é o aumento substancial do número de trabalhadores com salário em atraso.
Trata-se de um autêntico cancro social, que se instala malevolamente na sociedade portuguesa. E todos não seremos demais para, de uma forma pragmática e realista, lhe darmos resposta, de preferência sem
demagogia, mas com firmeza.
Anteriormente, por parte de algumas empresas, tínhamos as famosas dívidas à segurança social, dívidas ao Fundo de Desemprego, ao Estado e também aos sindicatos, dentro das quotizações que as empresas retinham de salários dos trabalhadores.
Neste momento, para além de tudo isto, que nalguns casos infelizmente se mantém, temos também, como novidade, mais uma infeliz originalidade do nosso «processo», os salários em atraso.
De facto, infelizmente, algum patronato continua a pretender empurrar trabalhadores deste país para um clima de insurreição, de contestação.
O Partido Comunista Português, que interpela o Governo, tem também a sua grande quota parte de responsabilidade.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O PSD não tem nenhuma ...!?

O Orador: - Apresentou aqui em Novembro um projecto de lei, que visava constituir um fundo de garantia para pagamento dos salários, mas que visava, tão só, que fosse o Estado a pagar esses salários. E o Estado é, obviamente, todos nós. Seriam os contribuintes que iriam pagar esses salários. Não propunha nenhuma medida a não ser que o Estado se substituísse às entidades patronais e pagasse os salários.

Uma voz do PCP: - Não é verdade!

O Orador: - Seria um fundo de garantia, sim, para algum patronato, que obviamente continuaria a não pagar os salários, porque havia quem pagasse parte deles.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A maioria, e bem, rejeitou esse projecto de lei.

O Sr. João Amaral (PCP): - E o CDS?

O Orador: - Uma maioria alargada, Sr. Deputado.
Mas a não adopção de medidas é grave, podendo também, se nada se fizer, gerar um convite ao patronato, se este não for punido pelas suas irregularidades. A legalidade democrática terá que ser levada também a quem prevarica numa matéria que tem esta acuidade, que tem a ver com os trabalhadores e com famílias, que tem a ver directamente com o povo português.

A legalidade democrática tem que ser utilizada no seu todo e não em parte, e, neste caso, deve ser levada até às últimas consequências.

Dado que o Governo tem instrumentos, pode e deve utilizá-los. Reconhecemos que a grave crise económica impede soluções óptimas, mas algumas são, com certeza, possíveis.

Algumas já foram tomadas pelo governo, as quais apoiamos, nomeadamente, o Despacho Normativo n.º 35/84, em que os trabalhadores de empresas paralisadas passam a poder receber o subsídio como se fossem trabalhadores despedidos, porque, de facto, no que concerne ao salário, são-no.

Temos que dividir as empresas que não querem pagar e as empresas que não podem pagar.
Obviamente, por uma questão de justiça social, não se compreende que se não houver salários em todas elas para os trabalhadores, possam estar a ser pagos vencimentos a administradores. Todos nós teremos que reconhecer que, independentemente da situação das empresas - há as que podem pagar e não o fazem malevolamente e há as que não podem de facto -, em nenhum caso é admissível que não haja salários para os trabalhadores e os administradores possam receber qualquer de vencimento. E teremos que verificar empresas que não querem pagar. Entendemos que o Governo pode e deve, caso se comprovem esses comportamentos ilícitos, accionar judicialmente para punição dos culpados.
O Governo tem ao seu dispor - e caiamos certos que não deixará de os utilizar - mecanismos, como a Inspecção do Trabalho e como a fiscalização das Finanças. Estamos em crer que em todos esses casos o Governo pode e vai, com certeza, actuar.
Por outro lado, nas empresas que são viáveis, entendemos que o Governo deve - e a intervenção que o Sr. Ministro das Finanças aqui fez a nosso ver apontou nesse sentido - conceder apoios especiais, tendo em vista obstar a um crescimento do desemprego para que ele não possa atingir níveis que se tornem incomportáveis para uma situação democrática. O Governo disse claramente que, as empresas que foram viáveis, concederá apoios especiais para que o desemprego não aumente para níveis socialmente não suportáveis.
Para terminar, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, há que, fundamentalmente, fiscalizar mediante os mecanismos que o Governo tem ao seu alcance - a fiscalização do trabalho, fiscalização das finanças e outros - e punir as irregularidades.
Por outro lado, há que apoiar séria e efectivamente as empresas viáveis para que este cancro social, que é o aumento constante dos trabalhadores com salários em atraso, não crie problemas mais graves e mais feridas na sociedade portuguesa.
Só assim o futuro será melhor. Os trabalhadores merecem-no, a salvaguarda da democracia exige-o.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Sr. Ministro do Trabalho afirmou aqui esta

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manhã que «a política não se faz com sentimentalismos». Pois não, Sr. Ministro.
Mas muito grave é para um povo e para um país quando os governantes (e muito particularmente um Ministro do Trabalho) se revelam tão distanciados e tão pouco sensíveis às dramáticas situações vividas por 150 000 trabalhadores.
O Sr. Ministro contestou os números que apresentámos. Depois de ouvi-lo, acho perfeitamente natural, ou antes: ainda acho mais compreensível que não conheça nem se dê ao trabalho de procurar conhecer os números exactos.
Os números que nós apresentámos, Sr. Ministro, são resultado de um inquérito realizado em contactos directos com as empresas e os trabalhadores.
Só no Algarve - e aqui permito-me corrigir os números do Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira há cerca de 9000 trabalhadores com salários em atraso. Temos os números, temos os resultados do nosso inquérito, que vos podemos proporcionar.
Dos encontros que ali efectuei, seleccionei 3 casos concretos que apresento, porque me feriram particularmente a sensibilidade - porque a sensibilidade também é precisa para a política - e também pela gravidade e pelos aspectos escandalosos que assumem.
Trata-se das empresas conserveiras EMBAMAR, CONCENTRAL e ALINCO. No total, cerca de 200 trabalhadores. São poucos? Mas cada um deles vive a sua própria angústia, a insegurança do dia de amanhã.

Ao ouvir há pouco o Sr. Ministro do Trabalho afirmar que quando o Governo proporciona condições de rentabilidade económica às empresas está a criar condições para que sejam pagos os salários, pareceu-me importante expor exactamente o caso destas 3 empresas. Elas exemplificam que não basta que sejam proporcionadas condições de rentabilidade, porque se exige também gestores competentes e não corruptos, gestores que não sejam meros liquidatários das empresas, como alguns que o IPE mandou para empresas com capital maioritário estatal. Bastou ouvir o Sr. Deputado João Lencastre, ex-presidente do IPE, para perceber porque é que isso aconteceu.

A EMBAMAR, única empresa do sector público com capital estatal maioritário (o IPE datem 75 %
do capital), é um dos mais flagrantes exemplos da política de destruição das empresas maioritariamente participadas pelo Estado. Os trabalhadores não recebem salários há 10 meses, nem subsídio de férias, nem de Natal. Apresentam-se diariamente na empresa, embora tenham recebido circular de despedimento colectivo. No portão de entrada um edital anuncia a hasta pública para o dia 22 de Março.

Situação tanto mais aberrante porquanto esta foi uma das empresas mais importantes do Algarve no ramo conserveiro, com centenas de trabalhadores, com uma marca de reconhecida qualidade (La Rose) e a maior capacidade de frio do Barlavento Algarvio.
Hoje essa capacidade de frio tem, por aluguer, algum pernil de porco da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.

Como a EMBAMAR, também a CONCENTRAL e a ALINCO têm à porta editais anunciando hasta pública para 14 e 20 de Março, por dívidas à previdência de 5800 e 3500 contos, respectivamente. Empresas estas que receberam avultados subsídios do VI Governo Provisório - quando era Secretário de

Estado o Dr. Pedro Coelho - para modernização e concentração da indústria conserveira, sem que tivesse sido exercido qualquer controle ou fiscalização da aplicação dessas verbas nem do investimento com elas praticado.
O que prova, Sr. Ministro, que não basta criar condições de rentabilidade económica para garantir o pagamento dos salários numa empresa.
Perguntamos, quanto a estas empresas - EMBAMAR, CONCENTRAL e ALINCO, com editais para hasta pública para o mês que vem -, que vai fazer o Governo? A Inspecção-Geral já actuou? Já foram averiguadas as formas que tomou a evidente má gestão destas empresas? Verificaram se houve casos de fraude?
Sublinho que, numa delas pelo menos, há fortes indícios de haver sobrefacturação.
Vão procurar averiguar se os processos de hasta pública, por dívidas irrisórias à previdência, não terão por detrás objectivos de especulação imobiliária, como consta no Algarve? E, finalmente, que vai fazer o Governo para salvaguardar os direitos dos trabalhadores atingidos?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amadeu Pires para uma intervenção.

O Sr. Amadeu Pires (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ume grande parte da minha vida profissional tem sido dedicada ao estudo e análise de empresas e respectivos sectores de actividade, fundamentalmente empresas privadas do sector industrial. No exercício dessas funções, quer como técnico quer como dirigente, actuei sempre através de instituições especializadas da Administração Pública, tendo assegurado contactos muito diversificados com empresários e trabalhadores de muitas centenas de empresas, e com as mais diversas entidades relacionadas com a actividade dessas empresas.
Poderei pois afirmar, sem que isso seja novidade para os Senhores Deputados, que o nosso sistema produtivo é, de um modo geral, tecnologicamente pouco evoluído, que «sobrevivem» muitas centenas de empresas obsoletas, ou em situação da falência técnica, que não investem e, em muitos casos, não pagam normalmente aos seus trabalhadores e fornecedores, que a produtividade média é cerca de 1/3 a 1/4 da que se verifica nos países europeus mais desenvolvidos. A situação não é só de hoje.
Pude igualmente acompanhar o que se passava em diferentes países europeus, designadamente no que respeita à natureza das organizações e dos mecanismos utilizados para estimular e corrigir o desenvolvimento económico e empresarial - quer por entidades públicas quer privadas - e as políticas e programas que tem sido implementados, designadamente para a reestruturação dos sectores tradicionais e para o apoio ao investimento em novas áreas tecnológicas.
Encaro as empresas essencialmente como unidades viáveis de produção de bens ou serviços, geradores de riqueza que deve ser equilibradamente repartida, independentemente do tipo de estatuto que possuem: empresa privada, cooperativa ou pública. Aceito e defendo que as empresas que não satisfaçam as condições

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básicas de viabilidade não devem ser mantidas artificialmente.
Aprecio os criadores de empresas, pela sua capacidade de iniciativa, de criação de emprego, de desenvolver ideias e assumir riscos para as concretizarem; mas também a capacidade imaginativa, o rigor de execução de tarefas e o esforço tantas vezes realizado em deficientes condições de produção pelos trabalhadores portugueses, que têm sido o nosso maior factor de competitividade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabe-se como é adverso o ambiente em que têm de se desenvolver e competir as empresas nacionais - são deficientes as infra-estruturas existentes, o mercado é reduzido, a mão-de-obra é pouco qualificada, a burocracia é enorme, os equipamentos são mais caros pois tem que ser normalmente importados, há interesses comerciais que privilegiam as importações, etc. Mas também o contexto político-social, dada a instabilidade governativa dos últimos 10 anos e a existência de diferentes projectos em confrontação, criou condições desfavoráveis à modernização tecnológica do aparelho produtivo, muito envelhecido como já referi, mal estruturado e, em certos casos, cone grandes empresas desajustadas da nova conjuntura internacional, designadamente do lado do Sector Empresarial do Estado.
A situação em que se encontrava, em Junho de 1983, uma grande parte das empresas era, pois, de forte degradação económica e financeira, em consequência, nomeadamente:

Existência de regras complexas de funcionamento do sistema económico que têm impedido o saneamento normal do aparelho produtivo.

O problema hoje em debate relativo aos salários em atraso em mais de 400 empresas é de facto um fenómeno patológico, inaceitável e sintomático da confusão que se pretende criar na aplicação das regras do jogo económico. Não pode no entanto ser apreciado isoladamente.
Partindo da situação difícil em que uma grande parte das empresas já se encontrava quando se iniciou a aplicação do Plano Conjuntural de Emergência, como disse, era de prever logicamente, a dissolução de um grande número de unidades e, consequentemente, o aumento do desemprego, mas com essas situações bem clarificadas.
Por outro lado, a quebra do investimento, não permitiria criar novos postos de trabalho e foram-se ainda reduzindo, na prática, os subsídios às empresas para manutenção de postos de trabalho.
Assim, do conjunto das empresas que não pagam salários, as que são efectivamente inviáveis economicamente terão mesmo que aceitar as consequências do seu encerramento, recebendo os trabalhadores o subsídio de desemprego; quem pode estar interessado em manter a funcionar empresas falidas à custa de subsídios do Estado e do aumento das suas dívidas a muitos credores públicos? Não são certamente os trabalhadores.
Por outro lado há que precaver contra os casos de actuação fraudulenta de administrações de empresas que eventualmente se estejam aproveitando da globa-

bilidade da situação de crise não cumprindo deliberadamente as suas obrigações para com os trabalhadores (e fornecedores) na mira de impunidade futura e na expectativa de intervenção supletiva do Estado. Aqui impõe-se uma rigorosa e permanente fiscalização, com penalização gravosa dos infractores. Como detectar eventuais fugas de capital para actividade económica paralela? Que acções exemplares pode o Governo fazer neste campo?
Há finalmente os casos de empresas com sérias dificuldades financeiras mas economicamente viáveis, de acordo com padrões de referência objectivos, as quais podem ser viabilizadas através de uma acção conjugada de ajudas técnicas e financeiras. Estas situações podem ser contempladas com subsídios da SEEFP para manutenção de postos de trabalho e receber assistência técnica para adaptação estrutural por parte dos institutos para o efeito vocacionados, podendo recorrer-se a investimentos de modernização, a operações de cisão ou fusão de empresas, à pesquisa de novos produtos que permitam diversificar a produção ou as vendas. Também os bancos têm que colaborar positivamente nestes casos.
0 Despacho Normativo n.º 35/84, recentemente publicado pelo Ministério do Trabalho, permite agora aplicar uma solução transitória para a situação dos trabalhadores cujas empresas se encontram paralisadas, mas impõe-se uma melhor definição das regras de aplicação do Fundo de Desemprego no que respeita a actuações de apoio à viabilização de empresas e à criação de postos de trabalho.
Importa no entanto ir ao encontro de medidas possíveis que permitam reanimar a actividade económica, no quadro de uma estratégia que privilegie a recuperação e o desenvolvimento das empresas mais válidas e facilite a reestruturação dos sectores tradicionais:

Decidir com urgência alguns dos grandes projectos (Plano Siderúrgico e reapetrechamento da Marinha Mercante, por exemplo) que permitiriam melhorar a carga de trabalho na metalomecânica pesada e nas empresas de «engineering», o que traz repercussões em outras empresas a curto prazo. Não será isso possível?;
Idem no que respeita a obras públicas fundamentais num óptica reestruturante da economia, como o desenvolvimento da via rápida Porto-Bragança (tão falada); um empréstimo obrigacionista a colocar junto dos emigrantes?;
Forte apoio às PME em todos os sectores, em particular as viradas para a exportação e as que mais contribuam para o desenvolvimento da zona interior do País. Definir incentivos adequados e reestruturar os institutos especializados neste domínio dando-lhe maior capacidade de intervenção, mas também reestruturar o sistema de crédito dando-lhe maior racionalidade e eficácia;
Desenvolver ideias de investimentos viáveis e promover activamente a criação de novas empresas, apoiando o aparecimento de novos empresários. Ver o exemplo do concurso de projectos de CGD e do IAPMEI, e estimular outras iniciativas equivalentes;
Definir um conjunto de medidas de emergência para defesa da indústria nacional (comprar do sector público; regime de compensação para

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aquisição de bens no exterior; ou melhorar o planeamento ao nível do Sector Empresarial do Estado;
Criar incentivos que permitam às empresas lucrativas adquirir empresas em situação financeira degradada mas com viabilidade económica, promovendo assim a racionalização de empresas e sectores industriais. (Por exemplo: dedução nos lucros da empresa adquirente, dos prejuízos dos últimos 3 anos da empresa adquirida);
Saneamento financeiro das empresas públicas e privadas com maior importância no plano do emprego e da captação de divisas, dando publicidade aos casos resolvidos;
Reprimir a fuga de capitais e dar maior rigor ao controle/fiscalização das declarações para efeito do fisco, criando condições para eventualmente baixar as respectivas taxas no próximo ano;
Incentivar o auto financiamento das empresas;
Criar condições para melhorar a participação dos trabalhadores na vida das empresas.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - O agravamento do desemprego e a rigidez das condições que o determinam aconselham e impõem o lançamento de medidas inovadoras tendentes a combater tal situação, no sentido de se encontrarem soluções eficazes e de efeitos de curto prazo, através de uma conjugação de esforços entre o Estado, as autarquias locais e agentes económicos visando criar empregos.
As PME, no momento actual, constituem um meio privilegiado para essas soluções pois são um campo propício à criação de postos de trabalho e dinamização da economia desde que adequadamente apoiadas, visando quer a criação de novas unidades quer a expansão e modernização tecnológica das já existentes.
Neste sentido, urge também criar incentivos que estimulem quadros técnicos e outros trabalhadores qualificados, com larga experiência profissional, e com vocação empresarial, no sentido de criar novas empresas ou retomar empresas para as viabilizar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para além de apoios financeiros seriam facultadas licenças sem retribuição por período máximo de 2 anos, sem perdas de quaisquer direitos, excepto o recebimento das remunerações.
Igualmente se considera ser desejável interessar empresas industriais e comerciais a participar no capital de PME, ou simplesmente através de ajudas técnicas, em particular no interior do País, podendo mesmo em muitos casos ceder equipamentos subutilizados e transferir algum pessoal para essas em-
presas.
Há experiências interessantes de criação de emprego em pequenas empresas, em muitos países europeus e nos EUA, conduzidas por grandes empresas que tiveram que proceder a reajustamentos dos seus efectivos de pessoal.
O desemprego é hoje um problema que não pode deixar de constituir a forte preocupação quer para os governantes quer para os agentes económicos e o encontro de soluções concretas e realistas é certamente

o desejo de todos nos une. Espero por isso que deste debate possam resultar ideias e sugestões concretas pare a preparação de um plano nacional de apoio à criação de emprego efectivo, suportado em iniciativas empresariais válidas, que permita atenuar graves situações sociais que se vão avolumando, dando particular ênfase ao emprego aos jovens que terminam os estudos.

Aplausos do PS e do PSD.

No final do 1.º semestre vai ter lugar uma iniciativa designada Forum das PME/1.º Salão dos Criadores de Empresas, que o Governo se propõe já apoiar activamente, cujo objectivo é contribuir para o encontro de soluções concretas para a revitalização da actividade económica através do desenvolvimento e modernização de PME e da criação de novos postos de trabalho.
Desejaria ver surgir outra iniciativa com idênticos motivação e objectivo, centrada na capacidade e potencialidades que o Sector Empresarial do Estado poderia também oferecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta interpelação constituiu para nós, deputados socialistas, ensejo, por um lado, para uma reflexão não só sobre a dramática situação de mais de 100 000 trabalhadores que vivem na angústia não só da eventual perda do emprego, mas pior do que isso, o receio de não encontrar outro; por outro lado, permitiu-nos também definir algumas ideias sobre políticas de criação de novos pastos de trabalho e para a necessária recuperação e desenvolvimento da economia portuguesa.
Verificamos que, da parte do Governo, existem idênticas preocupações.
Espero que com esta intervenção tenha deixado algumas contribuições, embora modestas, para se encontrarem soluções para os graves problemas com que nos defrontamos e que tão fortemente afectam uma grande parte dos trabalhadores portugueses, que confiam que 2 partidos de ideologia socialista e social-democrata tenham como compromisso essencial a realização das suas aspirações e dos seus direitos!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira, para uma intervenção.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No quadro de uma economia dominada por uma política profundamente recessiva, em que à estagnação económica e à quebra do produto interno bruto (anunciado como objectivo e cumprido na prática), se associa o decréscimo do investimento, o problema dos salários em atraso assume de facto uma gravidade, como violação que é dos direitos dos trabalhadores e configura unia situação anómala, como muito bem recordou no inicio da sua primeira intervenção o Sr. Ministro das Finanças, ou um fenómeno patológico ou de patologia social como bem referiram os Srs. Deputados Sottomayor Cardia e Amadeu Pires. Só que é uma anomalia que se difunde, já não é unta doença de certas empresas, é sim uma epidemia que alastra, um surto de incumprimento do contrato de trabalho por parte de certo patronato, que não é mais admissível.

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Porquê este fenómeno, ou melhor, porque ocorrerá com esta amplificação um problema habitualmente circunscrito a um número reduzido de empresas, porquê este surto, epidémico de atrasos salariais, porquê esta mancha de vergonha que alastra?

Ora aí, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, não nos restam dúvidas de que a política económico-financeira deste governo, Sr. Ministro das Finanças, tem desenvolvido as condições mais favoráveis, tem criado o caldo de cultura propício para o desenvolvimento desta praga.
Efectivamente, quando sobe o preço do dinheiro, ou seja, as taxas de juro, quando a previdência e as finanças apertam as tesourarias das empresas, quando a banca (por instruções governamentais ou pela discutível aplicação de critérios) é implacável, e vem debitando juros e dificultando créditos às empresas, numa situação sócio-laboral pantanosa como a que vivemos, é uma tentação para os gestores e para os donos das empresas, deixarem preferencialmente de cumprir os seus compromissos em relação àqueles que têm menos força, nesta conjuntura, ou seja, os trabalhadores de cada empresa. Dai que haja efectivamente em nosso entender, uma responsabilidade indirecta do Governo, no que concerne aos salários em atraso, nas empresas privadas, conjugada com uma responsabilidade directa no que respeita às unidades do Sector Empresarial do Estado.
Ora bem, é a essa responsabilidade governamental, directa num caso indirecta noutro, que a correspondência tem sido tardia.

Justiça seja feita, o Grupo Parlamentar do PCP levantou aqui o problema nesta Assembleia há alguns meses, apresentou uma proposta que aliás os deputados da UEDS votaram favoravelmente, na generalidade, pelas razões que oportunamente o meu camarada César Oliveira expôs. Vem agora o Sr. Ministro do Trabalho dizer-nos que está em estudo a constituição de um fundo de garantia salarial.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Julgo que é necessária a mesma determinação para resolver os problemas de relevância social, como este aqui hoje discutido, que a manifestada pelo governo, e designadamente, pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano no combate aos desequilíbrios financeiros, nomeadamente das nossas contas com o exterior. O rigor no plano económico-financeiro ainda que baseado, em meu entender, numa mistura de algumas premissas certas com outras erradas, terá que ser acompanhado por uma política dinâmica e interveniente no plano social, sem o que o julgamento dos trabalhadores deste país será certamente muito severo.
Por isso, dizemos que tardam as medidas governamentais. Não basta dizer que as empresas devem pagar os salários, quando o estrangulamento de muitas empresas provém mesmo da actuação da banca, de credores de sector público, da própria previdência, para já não falar dos casos das empresas pobres com patrões ricos, já aqui referidas por alguns colegas.

Tardam as medidas governamentais, mas Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, não transformemos este debate, como outros, num ressuscitar das guerras santas de fronteiras, entre sector público e sector privado, bem característico de um país como o nosso em que, perdoem-me que o diga, o atraso atinge o próprio debate ideológico.

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Se temos, em Portugal, uma burguesia razoavelmente incapaz e um sector privado em que são numerosas as unidades de difícil viabilidade e deficiente a formação e competência de muitos empresários, também dispomos de um sector público de dimensão média à escala europeia com fortes incapacidades, agravadas pela gestão calamitosa dos governos da Aliança Democrática, designadamente do último.
Quanto às propostas do nacionalismo liberal elas seriam politicamente irrelevantes. Mas o que acontece é que dentro da própria maioria, no que se poderá considerar a ala modernista do PPD, surgem vozes a pregar o liberalismo económico como panaceia. Ou teremos compreendido mal o que foi dito esta tarde?

O Sr. Malato Correia (PSD): - Compreendeu mal!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nós não negamos a necessidade de se vir a proceder a políticas de reconversão dos sectores industriais, a uma política de racionalização do sector empresarial do Estado. Pessoalmente, até acho que tem tardado e que falta também a este governo, na área económico-social, a capacidade de atempada decisão que, discutíveis que sejam algumas das medidas propostas e adoptadas, por exemplo, nos governos de Felipe Gonzalez, e no 2.º Governo de Pierre Mauroy têm revelado em países vizinhos e amigos, no que concerne às medidas de indispensável reconversão industrial.
Mas o que acontece neste momento no nosso país é que nesta área os horizontes se fecham. Não há política de reconversão industrial expressa com clareza, a selectividade dos créditos é discutível, a generalidade das empresas públicas e privadas mantém estruturas financeiras fortemente desequilibradas e cada vez um maior número de trabalhadores têm salários em atraso.
Por isso a política económico-financeira deste governo, já tive ocasião de o dizer, é uma política sem esperança porque não rasga horizontes. Mas a política social aqui expressa não parece vir a resolver nenhum dos problemas graves gerados por aquela política económico-financeira.
Que nos resta aqui neste Parlamento senão apelar para a revisão desta política e defender todas as alterações que vão no sentido, já não apenas de viabilizar as empresas mas de viabilizar economicamente o próprio país. E isso não será possível com as velhas receitas liberais mas apenas com a aplicação de políticas de reformas que visem transformações estruturais.
Às pastas das Finanças e do Trabalho, não faltará firmeza. Poderá faltar audácia, ou até compreensão dos problemas, pelo uso do que eu penso serem, perdoem-me a ousadia, impróprios métodos de análise. Mas o que falta de certeza é uma concepção social-democrata e reformista da política que nos era lícito esperar deste governo.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, também para uma intervenção.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Rui Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção vai ser muito breve e

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destina-se a esclarecer algumas questões aqui levantadas hoje de manhã por alguns Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PCP e que não obtiveram nas intervenções do Governo, designadamente dos Srs. Ministros das Finanças e do Plano e do Trabalho e Segurança Social, a resposta possível.
Esta resposta é feita neste momento porque nos parece que nalguns desses casos, algumas afirmações produzidas não poderiam, pela sua gravidade, ter outro comportamento por parte do Governo que não fosse o respectivo esclarecimento. Refiro-me, fundamentalmente, a algumas afirmações constantes das intervenções da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e do Sr. Deputado António Mota.

Ficámos hoje cientes, de acordo com as exposições dos Srs. Ministros, hoje de manhã, que existe, para nós governo, uma óbvia relação entre as dificuldades financeiras das empresas e o problema dos salários em atraso.

Também ficou claro, da exposição do Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social, quais são os critérios que foram imprimidos, desde alguns meses a esta parte, à nova política (e chamando-lhe nova porque é francamente diferente da que era seguida anteriormente) de concessão de apoios de natureza financeira a empresas públicas e privadas.
Essa nova política baseou-se fundamentalmente na análise que resultou da apreciação do que vinha sendo a prática nos últimos anos.
Concluímos que, de um modo geral, a terapêutica puramente financeira e isolada do contexto de outros instrumentos de actuação financeira, quer do Estado quer da banca, era uma política completamente inadequada à resolução dos problemas de natureza financeira das empresas porquanto esses problemas têm, normalmente, na sua esmagadora maioria, razões de natureza estrutural e económica, cujo sintoma mais viável são naturalmente os problemas de natureza financeira.
Ora uma terapêutica puramente isolada e de natureza financeira assemelha-se um pouco à terapêutica de tratar um doente com uma doença grave dando-lhe qualquer analgésico para resolver as dores que ele eventualmente possa ter. Conduz quase sistematicamente a soluções de agravamento dos males profundos, favorecido inclusivamente por um certo ar de bem estar que temporariamente foi transmitido a essas empresas.
A experiência da análise feita, revela com frequência que empresas que foram objecto de subsídios em anos passados regressam mais tarde pedindo novos subsídios e em situação económica substancialmente degradada.
Um dos aspectos que aqui foi referido pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e que presumo com perfeita pertinência, tem que ver com o problema da fiscalização dos subsídios dados, através do Ministério do Trabalho e Segurança Social, pela Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional.
Posso anunciar que os subsídios dados a partir do final do ano passado, já que eles foram praticamente congelados, justamente para esta análise, durante os primeiros meses do Governo, vão ser acompanhados sistematicamente, não através dos mecanismos normais da Inspecção do Trabalho ou na Inspecção-Geral de Finanças, mas sim através de um processo de acompanhamento e de fiscalização que tem em vista não só a detecção oportuna e atempada de quaisquer desvios

ao programa previamente estabelecido, quer eles se encontrem justificados por agravamento de situação, justificando naturalmente uma reanálise da situação no imediato, quer esses desvios resultem de um comportamento menos legítimo por parte dos empresários.
Uma outra questão foi levantada pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo e a respeito dessa manifesto alguma perplexidade.
Em determinado momento, a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo refere-se de modo extremamente crítico àquilo a que chama «Plano de emprego para o Alentejo que não passa da atribuição de subsídios aos agrários».
Posso tranquilizar a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo dizendo que o chamado «Plano de emprego para o Alentejo» foi suprimido em 1984, por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque tratando-se de um plano de emprego dirigido a trabalhadores rurais e a combater os males do desemprego laboral na agricultura, não se compreende e era inaceitável que se aplicasse meramente aos trabalhadores rurais do Alentejo.
Em segundo lugar, porque não nos parecia que o mecanismo utilizado fosse o mais adequado para resolver esses problemas. Surpreende-me porém - e é isso que me deixa um pouco perplexo - a atitude da Sr.ª Deputada ao dizer que esses subsídios são atribuídos aos agrários, porquanto há poucas semanas em reunião que tive em Évora com o conselho consultivo da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo e onde estavam presentes inúmeros presidentes das câmaras dos vários distritos do Alentejo, que, como é sabido, são em grande número eleitos pela APU, vários deles me manifestaram as suas preocupações quanto à necessidade de ser retomado este ano o programa de emprego no Alentejo.
Em que ficamos: nas palavras da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, segundo as quais o processo se dirige aos agrários, ou nas palavras dos autarcas do Alentejo do PCP?
Um terceiro grupo de questões que aqui foi levantado, diz respeito à intervenção do Sr. Deputado António Mota.
O Sr. Deputado António Mota fez um conjunto de considerações concretas a respeito de um conjunto de casos de empresas que passo a citar: falou no «Grupo Mondego, propriedade dos Mellos onde há indícios de recebimento de 170 000 contos da Secretaria de Estado do Emprego».
Não foram seguramente subsídios atribuídos por este governo. No entanto, desejava que o Sr. Deputado pudesse concretizar que «Grupo Mondego» é este, porque não conheço nenhuma empresa ou grupo de empresas, nem no presente nem no passado recente, que tivesse uma designação genérica deste tipo.
Referiu-se a seguir, em crítica do mesmo teor, àquilo a que chamou «Grupo Von Schlagen» que terá recebido mais algumas dezenas de milhar de contos que não estão aqui rigorosamente precisadas.
Sr. Deputado, nos anais da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, não existe nenhuma empresa com esta designação. Não terá eventualmente coincidido a designação da empresa com esta designação, mas não há nenhum subsídio atribuído.
Falou o Sr. Deputado no problema da CIFA. A CIFA é uma empresa que está a ser objecto de cuidada

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atenção por parte dos Ministérios das Finanças e do Plano, da Indústria e Energia e do Trabalho e Segurança Social, na tentativa de encontrar uma solução para a situação - que consideramos extremamente grave - de uma empresa, com um elevado número de trabalhadores, sita numa região onde não abundam oportunidades alternativas de emprego. Em conjugação com os Ministérios que referi, a relativamente curto prazo, espero poder encontrar uma solução para esta empresa.
Falou também o Sr. Deputado numa empresa chamada J. Gonçalves Teixeira. A este propósito, gostaria de dizer que não há sequer conhecimento de nenhum requerimento de algum subsídio, embora o Sr. Deputado tenha aqui afirmado que esta empresa tem problemas de subsídios no montante de 9800 contos.
Falou também no problema de uma outra empresa - a ARTIC -, em associação com a anterior. Não há também, na Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional - e gostaria de sublinhar uma vez mais -, nenhum requerimento feito jamais por uma empresa com esta designação.
Falou na Eduardo, Ferreirinha & Irmão.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP) : - Também não há!?

O Orador: - E a este respeito gostaria de dizer que também neste caso - mas já de forma conclusiva- os Ministérios da Indústria e Energia, das Finanças e Plano e do Trabalho e Segurança Social assentaram num programa de viabilização, que irá para a frente no mais curto prazo possível.
Falou ainda o Sr. Deputado na empresa MEGOBAL (cito) «com 90 trabalhadores». Cito algumas das suas palavras: «em tempos, foi concedido um empréstimo de 100 000 contos; há indícios de que parte deste dinheiro não foi canalizado para a empresa apesar de alguns investimentos». Há pouco acrescentava que o patrão afirmou, em plenário de trabalhadores, que alguém da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional - SEPE, antiga designação da Secretaria de Estado da População e Emprego - lhe teria garantido o desbloqueamento do empréstimo, desde que a entidade patronal lhe retirasse 10 % do montante emprestado para «luvas». Gostaria de esclarecer que, de facto, esta empresa formulou um pedido há alguns meses atrás que o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional o indeferiu, não havendo portanto motivo, neste caso, para algum receio quanto a problemas de corrupção.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Neste caso, disse bem! O pior são os outros!

O Orador: - Falou também na empresa Alberto Marinho, em Amarante, relativamente à qual se levantam problemas do mesmo tipo. Gostaria de acrescentar que não há também nenhum pedido entrado, por parte de uma empresa com esta designação.
Falou na Metalúrgica da Longra, empresa que, em conjunto com os Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia, o Ministério do Trabalho e Segurança Social não considera de viabilidade possível e que, apesar do impacto que tem, não tendo viabilidade possível, provavelmente tenderá para um processo de extinção, a mais ou menos curto prazo.

Falou ainda na JOTOCAR. Gostaria de dizer que, de facto, a JOTOCAR já foi objecto de um apoio dado em Novembro de 1982; neste momento, não tem também nenhum processo pendente em análise.

Risos do PCP.

Falou numa empresa chamada VIMA. Não existe também, nos arquivos da Secretaria de Estado do Emprego, nenhuma referência a esta empresa.

Risos do PCP.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Os seus arquivos estão muito mal!

O Orador: - Falou na Fábrica Leão - presumo que se referiu à Fábrica de Fogões Leão. A este respeito, gostaria de dizer sensivelmente aquilo que disse para a Metalúrgica da Longra: trata-se de uma empresa que, do nosso ponto de vista, não é uma empresa viável.
Falou na empresa Olavo Cruz. Aqui sim. Neste caso, há de facto um pedido de subsidio, que está a ser analisado, embora não haja ainda nenhuma decisão entretanto tomada a esse respeito.
Falou na SOREFAME. Relativamente a esta, não existe de facto nenhum pedido de apoio por parte da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional formulado por esta empresa.

Risos do PCP.

Não vejo motivo para tanta hilariedade por parte dos Srs. Deputados. Seguramente que ela não se dirige a mim, mas sim a quem produziu um tão vasto conjunto de afirmações, sem nenhum fundamento, conforme se está aqui a provar.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É a ignorância!

O Orador: - Falou-se também na Casa Capucho. Srs. Deputados, também não há, nem houve, nenhum requerimento desta empresa.
Falou-se também na VICOMINAS. Passa-se aqui precisamente o mesmo.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Também não existe?

O Orador: - Abstenho-me de prosseguir, ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Já chega!

O Orador: - ... porque haveria ainda mais 3 ou 4 empresas a referir. Não falo no Hotel Atlantis, da Madeira, porque, como é sabido, em matéria de emprego e formação profissional, as competências do Governo estão regionalizadas. Mas ainda se pode referir o caso do restaurante «Noite e Dia», que não tem também entregue, até este momento, nenhum pedido de financiamento por parte da Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional.
Finalmente, Srs. Deputados, cumpre fazer referência a um caso que foi também objecto da mesma intervenção do mesmo Sr. Deputado António Mota. A fim

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de relembrar aos Srs. Deputados o que se disse, cito palavras suas: «o que diz o Sr. Ministro do caso TÓBOM, em que o indivíduo consegue desviar 40 000 contos de um subsídio estatal destinado a manter os postos de trabalho, encerra a empresa - segundo informações, bastante rentável -, aliena os bens da empresa, não cumpre as obrigações fiscais, não paga à previdência, alcança créditos bancários de forma irregular e tem o despudor de afirmar que tem as autoridades na mão?». Pergunta o Sr. Deputado: «É verdade, Sr. Ministro? Que medidas tomou o Governo? Continua a dar-lhe subsídios? A banca continua a conceder-lhe créditos?».

A resposta é a seguinte: é parcialmente verdade. E vou esclarecer essa verdade com detalhe. Com efeito, em 26 de Maio de 1982, foi concedido a esta empresa um subsídio de 45 000 contos, dos quais a empresa levantou em Junho desse ano, uma tranche de 40 000 contos. Por decisão unilateral da administração, a empresa suspendeu a laboração em 30 de Setembro de 1982, invocando o contencioso existente entre a TÓBOM e a Secretaria de Estado do Comércio. Por despacho do Sr. Ministro do Trabalho de então, de 17 de Dezembro de 1982, foi concedida aos trabalhadores da empresa TÓBOM - que se mantém ainda a sua equiparação a desempregados, uma vez que era, e continua a ser, ponto de vista do Ministério do Trabalho que se tratava de um caso de lock-out. Mais tarde, em Março de 1983, foi determinado o vencimento imediato da divida e a sua cobrança coerciva, encontrando-se o processo a decorrer os seus trâmites no tribunal de execuções fiscais. Por outro lado, em Maio de 1983, por iniciativa dos sindicatos e de acordo com orientações recebidas no Gabinete do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, foram entregues, nos tribunais, participações-crime contra o proprietário desta empresa, na base da alegação de lock-out nesta empresa.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que, com esta explicação, pudemos responder àquilo que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano e o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social não puderam responder. Penso que era útil fornecer estas informações, que constituem meramente uma amostra daquilo que algumas pessoas afirmam, nesta Assembleia e fora dela, com alguma falta de fundamento, conforme aqui acaba de ser referido.

Termino esta minha breve intervenção acrescentando que é intenção da Secretaria de Estado do Emprego e da Formação Profissional divulgar sistemática e regularmente, junto dos parceiros sociais - ou seja, junto da opinião pública -, todos os subsídios concedidos, os seus destinatários, o momento em que foram concedidos, os respectivos montantes e o número de postos de trabalho em causa, quer para manutenção, quer para criação, para que todo o País, e não só os Srs. Deputados, possam aferir do comportamento do Estado nesta área.

O Sr. João Amaral (PCP)-: O estado do Governo!

O Orador: - A seguir a este anúncio - que se vai tornar realidade nos próximos 10 dias, para os primeiros casos -, além da coerência e do rigor significativos das intervenções dos Srs. Ministros das Finan-

ças e do Plano e do Trabalho e Segurança Social, acrescentarei, se me permitirem os referidos Srs. Ministros, que também este governo, além da coerência e do rigor, utiliza a transparência dos métodos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Secretário de Estado do Emprego, não sei bem se V. Ex.ª produziu uma intervenção ou se uma resposta elaborada, completa e exaustiva aos Srs. Deputados António Mota e Ilda Figueiredo. Mas como presumo que se tratou de uma intervenção, quero pedir-lhe um esclarecimento.
Penso que também V. Ex.ª podia ter elaborado uma lista dessas intermináveis empresas que referiu, distribuindo-a pelos Srs. Deputados interpelados - neste caso, os Srs. Deputados António Mota e Ilda Figueiredo - e por todos os restantes Srs. Deputados, para nosso conhecimento. Mas cada um utiliza o método que entende.
V. Ex.ª disse, por 3 vezes, que estava perplexo. Confesso que também fico perplexo. Esta tarde ouvimos aqui o Sr. Ministro das Finanças e do Plano dizer que este governo cumpre a lei e que há governos - anteriores, obviamente - que não podem fazer e dizer o mesmo: logo, houve governos anteriores que não cumpriram a lei. É grave, é lamentável que assim seja. Agora, V. Ex.ª vem dizer, pelo contrário, que sempre esteve em desacordo com as terapêuticas (cito) «puramente financeiras».
Sr. Secretário de Estado, quando é que esteve em desacordo? Agora ou quando essas terapêuticas financeiras foram aplicadas pelos governos da AD - porque julgo que é a esses que se refere?
Tenho estado a assistir calado a toda esta discussão e, de facto, ela deve causar grande perplexidade às pessoas que a ouvem, porque afinal há alguém que tem a culpa, mas nunca se diz quem a tem.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano assacou responsabilidades a outros ministérios, mas não indicou quais são. Disse apenas que houve governos que não cumpriram a lei, mas não sabemos quais foram. Acho que os deputados têm, pelo menos, o direito de saberem a quem é que são dirigidas as afirmações e as acusações produzidas pelos membros do Governo. Agora, V. Ex.ª vem dizer que sempre esteve em desacordo com as terapêuticas financeiras. Vi-o - todos o vimos - aqui, neste Plenário, defender, com convicção e galhardia, o Sr. Ministro Cavaco e Silva e o Sr. Ministro João Salgueiro.
Afinal, Sr. Secretário de Estado, em que ficamos? Quando é que V. Ex.ª não concordou com as terapêuticas financeiras: agora ou há 2, 3 ou 4 anos, visto que há tanto tempo que o Sr. Secretário de Estado apoia governos, o PSD é o partido que, neste país, há mais tempo é poder; provavelmente, nunca saiu do poder.
Então, V. Ex.ª vire-se para o interior do seu próprio partido e ataque, pois deve ser o partido que mais responsabilidades de poder tem neste país. Torne o debate minimamente claro, para que todos fiquemos a saber quem são e quem não são os responsáveis,

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porque não há julgamento político que possa escamotear a responsabilidade deste país pela situação em que estamos.
De facto, toda a gente se lamenta e chora lágrimas de crocodilo a propósito dos salários em atraso, mas ninguém pede responsabilidades a ninguém. Ninguém acusa ninguém e toda a gente acusa todos, nas entrelinhas, vindo cobardemente dizer, ao fim e ao cabo, que a culpa é de todos e que não se sabe de quem é a culpa.
Afinal, de quem é a culpa dos salários em atraso? Quem são os responsáveis por esta situação? Ê esta a pergunta que pretendia formular, visto que foram aqui produzidas acusações que não obtiveram resposta Isto é fundamental que se saiba, Sr. Secretário de Estado.

Vozes da UEDS e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Sr. Deputado César Oliveira, quero dizer-lhe que procurei que a minha intervenção muito breve, que o deixou tão perplexo, fosse uma intervenção esclarecedora. E, quer queiramos quer não, foi de facto esclarecedora.

Risos do PCP e da UEDS.

Levantaram-se aqui várias questões, que foram respondidas. Mas há questões que o Sr. Deputado agora levantou e que não são chamadas ao caso, pelo simples facto de que não disse que sempre estive em desacordo com as terapêuticas financeiras. O que eu disse foi que, feita uma análise, depois de ter estado no Governo, àquilo que foi a política nos últimos governos, desde 1976 para cá, em matéria de subsídios a empresas, e tendo concluído que essa política era marcada por uma terapêutica de natureza financeira e, conforme pude aqui demonstrar de forma breve, completamente inútil na maioria esmagadora dos casos, n minha alternativa, como membro do Governo, não podia deixar de ser outra que* não fosse a de corrigir - como fiz - essa política. Não está em causa fazer nenhuma avaliação ou desavaliação de vários governos, desde 1976 até 1983, e, portanto, aquilo que se fez foi apenas corrigir completamente essa política, porque creio que estava demonstradamente errada.

O Sr. João Amaral (PCP): - Está errada, está!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS):-Sr. Presidente, costuma dizer-se meio protesto ou protesto breve, pelo que agora podia dizer que isto ia ser um protesto-desabafo. Mas não: é apenas um protesto.
Sr. Secretário de Estado, o que me impressiona é que, ao fim e ao cabo, nada vem ao caso para ninguém.
Vivemos em Portugal uma situação cuja análise mais fria e mais serena leva à conclusão de que, de facto, corremos o risco de a democracia estar em perigo.
Ora, uma das razões por que a democracia está em perigo deve-se à prática sistemática, adoptada por muitas pessoas, de dizerem uma coisa quando estão na oposição, dizerem outra quando estão no Governo e de quando saem do Governo virem desdizer o que disseram quando lá estavam.
Isto pode ser - e é o alerta que faço a toda a gente - a grande cova que nós todos cavamos (e aqui também terei a minha responsabilidade nisso) para a democracia em Portugal.
O que peço é que, numa discussão tão importante como e esta, nós «chamemos os nomes aos bois» (isto diz-se na minha terra e espero que ninguém leve a mal este dito popular), que digamos quem tem responsabilidades e sobre o que tem responsabilidades, deixando as evasivas, chamando criminosos aos que são criminosos, louvando os que têm que ser louvados, não fugindo, sistematicamente, com o «rabo à seringa».
Foi isto, afinal, que V. Ex.ª acabou de fazer ao dizer que esta matéria não vem ao caso, porque, de facto, vem cabalmente ao caso.
Se houve gente que teve responsabilidade, foram exactamente aqueles que apoiaram as políticas de terapêutica puramente financeira. Esses é que são os responsáveis.
Ora, se o Sr. Secretário de Estado chegou agora à conclusão de que ela é errada, tanto é responsável quem a aplicou como V. Ex.ª que, da bancada do PSD, apoiou sem rebuço a «política terapêutica puramente financeira», em relação à qual V. Ex.ª, agora que chegou ao Governo, vem dizer que verifica ser errada!
Só espero que o Sr. Secretário de Estado, quando deixar de pertencer ao Governo e passar para as bancadas do Parlamento, não diga que, afinal, a «política terapêutica puramente financeira» parecia estar errada e que devia ser outra a «política terapêutica puramente financeira» a ser aplicada!

Risos.

Enquanto subsistir o sistema eleitoral em que nos baseamos, segundo o qual toda a gente pode impunemente, sem qualquer responsabilidade, dizer aquilo que lhe vem à cabeça, visto que os eleitores não têm possibilidade de os sancionar positivamente, continuaremos a cavar o progressivo lodaçal que há-de destruir a democracia em Portugal.
Pode haver muita gente que não se importe com isso. Eu importo-me, e muito.

O Sr. Presidente: - Se desejar responder, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Sr. Deputado César Oliveira, penso que quem tem legitimidade para fazer o juízo - e não tem deixado nunca de o fazer, com perfeita legitimidade e sempre com grande serenidade - é o povo português, nos momentos adequados.

Vozes do PCP: - É, é!

O Orador: - Tem-no feito a respeito de todos os partidos, quer sejam os partidos maiores, quer sejam os partidos mais pequenos.

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Daí pensar que não nos compete, enquanto representantes (também sou deputado, como V. Ex.ª sabe), mais do que ser a expressão, embora limitada, desse juízo que o povo, periódica e soberanamente, faz.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Só espero que o Governo cumpra aquilo que prometeu nas «100 medidas»!

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Para protestar, já que não vale a pena perguntar nada ao Sr. Secretário de Estado, visto que não vai responder.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - De facto, Sr. Secretário de Estado, não vale a pena fazer-lhe perguntas, pois os seus arquivos são tão maus, a sua informação é tão cega que V. Ex.ª nem conhece as grandes empresas do Porto, apesar dos seus complexos portuenses.

Risos do PCP.

Daí que eu queria referir-lhe algumas informações acerca do que V. Ex.ª disse desconhecer.
Por exemplo, o Secretário de Estado não sabe que o grupo «Mondego» é constituído pelas empresas Mondex, Calcex e Ritex, fica em Rio Tinto e pertence actualmente, ao Grupo «Mello-Deutsch-Morgan»? Se o Sr. Deputado Luís Barbosa aqui estivesse podia dar-lhe informações sobre esse grupo!

Risos do PCP.

Gostava de dizer, por outro lado, que o grupo «Wandschneider» é constituído também por 3 empresas: uma, na Maia, a Têxtil da Maia, outra a São Caetano e outra a ex-Fiação de Crestuma. Esta última, que foi declarada em falência pelo II Governo, do Dr. Mário Soares, recebeu 50 000 contos e, apesar disso, continua a pagar salários com bastante atraso, devendo muitos milhares de contos aos trabalhadores.
Será bom que o senhor ponha em ordem os seus arquivos para que possa, de facto, dar algumas informações correctas a esta Câmara. Neste momento, não vale a pena perguntar-lhe nada.
Queria ainda dizer que, relativamente ao «Plano de emprego para o Alentejo», o que houve, na realidade, foi um chamado «Plano de emprego para o Alentejo».
O que os trabalhadores e as autarquias pretendem não é esse chamado «Plano de emprego para o Alentejo», facto que o senhor sabe muito bem, pelo que não vale a pena vir para aqui tentar confundir as pessoas e dizer que estamos a afirmar coisas que, afinal, são contrárias às que os outros afirmam. De que se tratava é que eram concedidos subsídios aos agrários, os quais podiam ter os trabalhadores a trabalhar porque quem lhes pagava era a Secretaria de Estado do

Emprego. Quem recebia esse dinheiro eram os agrários e não os trabalhadores.
O senhor sabe que isto se passava assim e também sabe que não é isto que se pretende: o que se pretende é um plano de apoio à criação de empregos, é um plano de combate efectivo ao desemprego no Alentejo, como aliás em todo o País. O que se pretende, ao fim e ao cabo, é um apoio à Reforma Agrária e o cessar dos ataques tremendos que a ela têm estado a ser feitos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação a outras afirmações que produziu, por exemplo quanto à Metalúrgica da Longra, é grave que a Secretaria de Estado do Emprego defenda a posição de encerrar uma empresa com 300 e tal trabalhadores, numa zona onde não há qualquer alternativa de emprego, como sabe ou deveria saber.
Também é grave que, relativamente à JOTOCAR, não saiba que recebeu 50 000 contos da Secretaria de Estado do Emprego e que neste momento está com salários em atraso; é grave que não saiba que a VICOMINAS está neste momento a ser alvo, tal como a MILENORTE, da cobiça de uma multinacional - a DERBY - que diz ter excelentes instalações e que pretende, inclusivamente, controlá-la. Neste momento, no entanto, os patrões não pagam salários nestas empresas.
Era bom que, a partir de agora, o Sr. Secretário de Estado tentasse informar-se melhor do que se passa e depois respondesse às imensas perguntas que aqui lhe colocámos, como por exemplo: quais foram as medidas tomadas para verificar os casos de corrupção e de sabotagem económica? Quantos casos já foram detectados? Porque continuam paralisadas empresas como a CIFA? Porque se permite que milhares de trabalhadores do grupo «Mello-Deutsch-Morgan» continuem com salários em atraso, apesar de o Estado, através da Secretaria de Estado do Emprego e da banca, continuar a conceder financiamentos e crédito bonificado?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Então agora não se riem?!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, se pretende responder, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Gostava de reiterar todas as afirmações que produzi na tribuna, na medida em que a
Sr.ª Deputada não contestou nenhuma ...

Risos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ainda por cima ouve mal!

O Orador: - Reitero aquilo que disse em relação ao grupo «Mondego», não obstante ter ficado a saber quais eram as empresas pertencentes a esse Grupo Mondego.

Vozes do PCP: - Não sabia?!

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A Sr.ª Ilda figueiredo (PCP): - Olhe que tem 2000 trabalhadores!

O Orador: - Como a Sr.ª Deputada está, & este respeito, mais bem informada do que eu, posso assegurar-lhe, a si e ao seu grupo parlamentar, que fornecerei informações detalhadas sobre as empresas que constituem este grupo quando me der o rol dessas empreses!
Em segundo lugar, referiu o grupo «Wandschneider», em relação só qual não falei e que também não conheço...

Vozes do PCP- Também não conhecei?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É uma vergonha!

O Sr. João Amaral (PCP): - É preciso ser-se atrevido!

O Orador - Aliás, o Sr. Deputado António Mota também não falou no grupo «Wandschneider», mas sim no grupo «Wandscheiger. Pelo menos é isto que conste do texto da intervenção do Sr. Deputado António Mota.
Ora, julgo que «Wandscheiger» é uma coisa muito diferente de «Wandscheiner»...

Risos do PCP.

Aquilo que disse claramente foi que não sabia se há algum grupo «Wandscheiger» em Portugal. Mas «Wandscheiger» é uma coisa e «Wandschneider» é outro bastante diferente!
Na mesma linha, também estarei disponível para informar o Grupo Parlamentar do PCP sobre o que se passa com as empresas desse novo grupo «Wandschneider», o qual, aliás, não foi alegado pelo Sr. Deputado António Mota. A este respeito, prestarei, portento, as mesmas informações que prestei a respeito dos outros casos.
Quanto ao «Plano de emprego para o Alentejo», reitero as informações que aqui dei, porque a reunião não foi só comigo, e, na reunião que tenciono ter no próximo mês de Março com o conselho consultivo da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, comunicarei sós autarcas do Alentejo que a Sr.ª Deputada lida Figueiredo entende suão ser de repetir o «Plano de emprego para o Alentejo», o qual era desejado por esses autarcas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral! (PCP): - Sr. Presidente, era para pedir esclarecimentos, mas, pelas respostas dadas pelo Sr. Secretário de Estado, acho que isso seria perfeitamente inútil, parque decerto que irá dizer que não sabe ou que é uma outra ideia que tem sobre a questão. Daí que prescinda da palavra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Mota pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Mota (PCP): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente. - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. António Mota (PCP): - O Sr. Secretário de Estado tentou dar uma ideia de erudito, mas, na verdade, mostrou uma grande ignorância, não conhecendo a situação dos trabalhadores e das empresas do nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Gostava de dizer que V. Ex.ª confundiu a minha intervenção, já que referi 2 casos distintos: um, os pedidos de subsídio feitos à Secretaria de Estado do Emprego, o outro, as empresas com salários em atraso. Foram duas situações totalmente diferentes que o Sr. Secretário de Estado baralhou totalmente.
Para além disso, não referiu aquilo que eu disse acerca da EFI. É verdade ou não que o Sr. Secretario de Estado afirmou à respectiva comissão de trabalhadores que uma parte do dinheiro da EFI tinha sido para tudo menos para pagar salários?
Não é um crime a «Alberto Marinho» ter, dentro das mesmas instalações, duas empresas e mudar os trabalhadores de uma empresa para a outra, sem as mudar do posto de trabalho?
Aquilo que perguntámos foi quais as medidas que o Governo vai tomar em relação às denúncias que aqui fizemos.
O que os trabalhadores querem saber e o que o meu grupo parlamentar quer saber é que medidas e que acções vai o Governo tomar.
Foi isto que o Sr. Secretário de Estado não disse, mas era isto que deveria ter dito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Secretário de Estado desejar responder, tem a palavra.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Presumo que a intervenção do Sr. Deputado António Mota está, como é normal, è disposição de todos os Srs. Deputados e da opinião pública em geral. A minha intervenção, a partir de amanhã, estará igualmente ao dispor de todos. Nessa altura, tanto os Srs. Deputados como a opinião pública formularão os juízos que entenderem adequados a respeito das tais confusões.
Quanto às perguntas que do meu ponto de vista, foram muito claras e concretas e às afirmações feitas pelo Sr. Deputado António Mota, que aqui tenho escritas, aliás em papel com timbre do Grupo Parlamentar do PCP, as respostas foram dadas e reitero-as completamente.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Que falta de substracto ...!

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Gomes.

O Sr. Joaquim Gomes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em vista

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a várias empresas do distrito de Leiria pude ficar com uma ideia, ainda que só aproximada, da trágica situação que estão vivendo milhares de famílias atingidas por uma crise gravíssima que se alarga praticamente a todos os ramos da indústria.
Efectivamente, o desemprego em crescimento constante, os salários em atraso, cobertos por uma política que os incentiva, a fuga ao cumprimento e à actualização da contratação colectiva, numa palavra, a cobertura dada pelo governo a todo o tipo de acções e traficâncias que facilitam a mais desenfreada exploração, tudo isto criou uma panorâmica degradante e insólita por todo o distrito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: E perfeitamente conhecido desta Câmara a situação trágica em que se encontram os trabalhadores da indústria do vidro, que afecta especialmente a cristalaria, mas também a indústria de embalagens. São bastantes as empresas encerradas, total ou parcialmente, tanto no distrito como fora dele tais como a FONTELA, LABAL, FAVILDA, MOLEIRINHO, INGRIDHUTT, etc., que deixaram no desemprego largas centenas de trabalhadores.
São milhares os trabalhadores a quem o patronato está a dever centenas de milhares de contos. Estão nestas condições os trabalhadores da CIVE a quem o patronato deve cerca de 75 000 contos.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - A Manuel Pereira Roldão cuja dívida atinge cerca de 50 000 contos. A Damaso Luís dos Santos 45 000 contos, etc.
Outras empresas importantes estão em situação que começa a roçar o ponto de rotura e também elas vão acumulando dívidas de salários em atraso. Estão nesta situação a IVIMA, com 1200 trabalhadores, a Ricardo Galo com 550 trabalhadores, a J. Ferreira Custódio com 280 trabalhadores, etc.
Como já foi referido, a crise no distrito de Leiria atinge com gravidade outros ramos industriais, tais como a cerâmica e empresas de materiais de construção, como por exemplo a Olaria de Alcobaça com 12 meses de salários em atraso, a cerâmica do LIZ, VALARTE, Gomes e Cordeiro, Pedro Cardoso, NOVOBRA, FACIL, LECABETÃO e muitas outras.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação basta lembrar que somente no respeitante às empresas abrangidas pela Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro há cerca de 8400 trabalhadores com salários em atraso a quem o patronato deve 1 127 500 contos!
Porém o mais grave é que a crise ultrapassa em muito os sectores mencionados.
O sector têxtil e de confecções atravessam igualmente uma situação desesperada. Há empresas encerradas e outras com salários em atraso. A Fiação de Alcobaça, MIREX, Lanifícios do Outeiro e outras, enfrentam situações complicadas.
Nos plásticos e indústria química, há também várias empresas encerradas ou com situações extremamente difíceis, casos da PLASTIGUEL, Plásticos Mundial, SOVIRCAL e outras.
Além disso a crise atinge gravemente a construção civil, bem como empresas metalúrgicas e de transportes, de madeiras, de rações, de alimentação, etc.

Também numerosas empresas comerciais e agro-industriais têm salários em abraso.
E por último o caso concreto da Euro-Audio que em si mesmo é um espelho da política rastejante deste governo e dos anteriores, perante as multinacionais, para quem as leis do País pouco contam, que espezinham os mais elementares direitos dos trabalhadores. Desde há algum tempo acontece esta situação caricata. Os trabalhadores não sabem muito bem quem são os patrões. Sabem, sim, que lhes devem 15 meses de salários, ou seja cerca de 85 000 contos.
Não obstante a gravidade da situação, até agora o Governo não tomou qualquer medida para esclarecer as coisas e defender os trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Leiria, como por todo o País, os trabalhadores sabem que o sistema capitalista está em crise, mas eles também sabem que a crise se combate mobilizando e pondo ao serviço do povo e do País os recursos nacionais, coisa que não pode acontecer com um governo que está por inteiro ao serviço de interesses completamente alheios ao povo e à Nação Portuguesa.
Os trabalhadoras não aceitam que pela impunidade e conivência do Governo se institucionalize o roubo dos salários, se deixe ao patronato menos escrupuloso, aos empresários incompetentes e corruptos o direito de decidirem se devem ou não pagar os salários. Os trabalhadores demonstraram vezes sem conta que são capazes de recuperar empresas em dificuldades e defender postos de trabalho ameaçados.
Os trabalhadores exigem uma política de viabilização das empresas em dificuldades, mas exigem também o direito de controlar a aplicação dos empréstimos ou subsídios, de modo que as verbas atribuídas não sejam desviadas dos fins para que foram destinadas como agora acontece em muitos casos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como noutras zonas e distritos, a crise não afecta somente aqueles que mais directamente são atingidos por ela. Em todo o distrito de Leiria a crise na maioria das indústrias tem reflexos gravíssimos noutras camadas laboriosas.
Os pequenos e médios comerciantes e industriais, bem como os pequenos e médios agricultores vivem situações dificílimas. As falências sucedem-se, muitas pequenas e médias explorações vão sendo abandonadas. Enfim, milhares de famílias vão sendo atingidas duramente por uma política ruinosa e um governo que protege os traficantes e corruptos, reprime e condena à miséria e à fome os que vivem honradamente do seu trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas minhas andanças pelo distrito vi em alguns rostos desânimo, descrença e até desespero. Mas o que vi mais e com mais força foi a certeza de que pela luta este governo e esta política vão ser derrotados.

Aplausos do PCP e do Deputado Independente António Gonzalez.

Neste momento reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

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O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tem estado esta Câmara ocupada com a análise de uma questão a que comummente chamamos de «salários em atraso». Melhor seria, contudo, que ao problema nos referíssemos como trabalho não remunerado, «tout court», ou, pelo menos, trabalho não remunerado atempadamente. E isto pela razão não despicienda de que, se precisarmos os conceitos, provavelmente melhor nos entenderemos sobre o que está em causa.

Com efeito, a gravidade do problema, cujas implicações de natureza social a minha colega de Partido, Helena Cidade Moura, já aqui colocou, ultrapassa até as próprias fronteiras do nosso país para, porventura, se vir a transformar numa questão que obrigue ao estudo da comunidade internacional e à decisão de instâncias especializadas das Nações Unidas para a matéria, isto é, da Organização Internacional do Trabalho, se este governo a não quiser resolver.

É que a regra sagrada para todos os sistemas de organização económico-social existentes depois do sistema feudal no que respeita às relações de trabalho, era, até ao advento em Portugal, da política dos governos da ex-AD que o actual continuou, a trabalho prestado corresponder sempre, obrigatória e atempadamente, o recebimento do respectivo salário.

A prática, desde então seguida, representa, no entendimento do MDP/CDE, uma gravíssima ruptura dos princípios de base que regem as relações jurídico-laborais, consagradas na Constituição da República Portuguesa, na lei ordinária do nosso país, nos princípios éticos e nas normas sociais pacificamente aceites pelo povo português.
Esta ruptura é geradora e fortemente potenciadora de instabilidade, tem em vista vergar pela falta de meios materiais de subsistência a capacidade de luta dos trabalhadores e das suas organizações representativas, está a configurar a criação de uma situação de terror organizado, psicológico e físico, que é objectivamente atentatório da vivência democrática. E o que já muitos empresários auto-intitulam, arrogantemente, o seu «PREC» de sinal contrário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A prática do não pagamento dos salários ofende frontalmente, como todos nesta Câmara saberão, a Convenção n.º 95, relativa à protecção do salário, da Organização Internacional do Trabalho, aprovada em 1952 e ratificada por Portugal através do Decreto-Lei n.º 88/81, de 14 de Julho, bem como as Convenções n.º 81 - Convenção Concernente à Inspecção do Trabalho na Indústria e no Comércio que entrou em vigor em 7 de Abril de 1950 e ratificada pelo Decreto-Lei n.º 44 184, de 6 de Janeiro de 1962, a Convenção n.º 87 - Convenção Concernente à Liberdade Sindical e à Protecção dos Direitos Sindicais, que foi ratificada pela Lei n.º 45/77 de 7 de Julho; que entrou em vigor em 4 de Julho de 1950, a Convenção n.º 98 - Convenção Concernente à Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Colectiva, ratificada pelo Decreto-Lei n.º 45 758, de 12 de Junho de 1964, e ainda a Convenção n.º 135 - Convenção Concernente à Protecção dos Representantes dos Trabalhadores na Empresa e Facilidades a Conceder-lhes na sua Acção, aprovada em 1971, e ratificada através do Decreto n.º 263/76, de 8 de Abril.

As explicações dadas pelo governo sobre esta matéria não tocam nas questões essenciais, ou desvirtuam-nas.

A prática do não pagamento atempado dos salários, que se pretende fazer explicar com a crise económica é, ela também geradora de crise. Dela se ressentem os pequenos e médios empresários, comerciantes e agricultores que vivem momentos cada vez mais difíceis por falta de poder de compra dos trabalhadores.

Para tal prática contribui directamente a política deste governo, nomeadamente, quando, aceitando a nosso ver de forma humilhante, as imposições do Fundo Monetário Internacional, desenvolveu uma política económica de recessão. Quem, dos pequenos e médios empreendedores, pode suportar as elevadíssimas taxas de juro e ainda os critérios selectivos de concessão de crédito?

A quem cabe a responsabilidade da má gestão das empresas públicas se é o próprio Governo quem fomenta e dirige a denominada dança dos gestores?

Sabe ou não o Governo que na base de muita falta de pagamento de salários está o não cumprimento da Lei das Finanças Locais, o que origina o endividamento de muitos empreiteiros?

Estabelece o Decreto-Lei n.º 445/80, de 4 de Outubro, uma série de medidas no campo da promoção do emprego e sua manutenção, que incumbem ao Instituto de Emprego e Formação Profissional promover.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional desactivou os serviços competentes do IEFP e criou uma estrutura paralela sem definição muito clara e sem um estatuto próprio, constituído por pessoas algumas delas procedentes do exterior, estrutura essa para atribuição de apoios financeiros.

Que critérios presidem actualmente a tais atribuições?

Sabe-se que os assessores do Gabinete do Sr. Secretário de Estado aconselham os interessados em recorrer ao apoio para criação de postos de trabalho [hoje um direito na forma de prémio de emprego (Decreto-Lei n.º 416/80) e só utilizável em investimentos] em transformar esses pedidos em apoio para a manutenção dos postos de trabalho (Despacho Normativo n.º 316/78, de 30 de Novembro tem sido muitos vezes utilizado como fundo de maneio.
Quais as acções efectuadas para combater os indícios de corrupção de que alguns órgãos de comunicação se fazem eco?
Tal combate tornou-se num processo transparente ou bloqueou-se ainda mais com a proibição de dar informações aos interessados sobre a situação em que se encontram os processos?
Que tem sido feito para fazer cumprir a alínea e) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 445/80, que prevê o acompanhamento, por parte das organizações representativas dos trabalhadores desde o início das acções de formação de emprego?
Por outro lado, em Abril de 1983 a Inspecção-Geral de Finanças, a pedido do MT, realizou um inquérito a várias empresas vidreiras que tinham recebido apoios financeiros da Secretaria de Estado de Emprego.
Que trajectória levou o relatório efectuado pela Inspecção-Geral de Finanças?

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Foram detectados desvios no cumprimento dos despachos de concessão dos apoios financeiros concedidos a essas empresas?

Foi feita alguma participação à Polícia Judiciária?

O anterior Ministro de Trabalho, na sequência do referido relatório teria mandado accionar os mecanismos de cobrança coerciva, em relação a apoios financeiros concedidos a algumas dessas empresas. Quais os critérios que presidiram, então por parte do actual Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional para a atribuição de apoios financeiros a pelo menos, duas dessas empresas sujeitas a cobrança coerciva em 30 de Dezembro de 1983 de 2 empréstimos a cada uma, concretamente 2 empréstimos de 45 000 contos à IVIMA e 2 empréstimos de 15 000 contos à Manuel Pereira Roldão?

E em relação à IVIMA, simultaneamente, com os 2 empréstimos de 45 000 contos foram concedidos em 30 de Dezembro de 1983, ou melhor perdoados, 239 362 contos de dívida à segurança social e 27 441 contos de juros de mora, relativos à mesma dívida.

É aqui que se insere o problema mais vasto de se ter criado um clima psicológico de que é possível, impunemente, violar todas as regras no campo do trabalho e da segurança social sem que o Governo, a quem compete em última análise defender o Estado de Direito Democrático em que deveríamos viver, tenha tomado medidas drásticas para inverter este estado de coisas.

Se hoje é óbvio que a falta de pagamento atempado de salários e de pagamento à segurança social se deve quase exclusivamente a crises artificialmente criadas nas empresas para, dolosamente, se esquivarem a tais pagamentos, estamos então em face de uma atitude concertada contra as leis em vigor a que o Governo tem estrita obrigação de pôr cobro, implementando, os mecanismos necessários para que seja reposta urgentemente a legalidade democrática e a paz social.
Caso contrário será legítimo pensar que este Governo não quer defender o Estado de Direito Democrático e estará, por omissão, também ele a concorrer para o clima de instabilidade social que se vive.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nos últimos meses tem-se verificado, com algum grau de generalização, que várias empresas não pagam os salários aos seus trabalhadores.
As consequências sociais e económicas desta situação quando prolongada por vários meses, constituem um grave flagelo social, além de reflexos importantes no campo da saúde e da educação, entre outros.
Há, porém, que atacar decididamente as causas de tal situação.
Na verdade, não basta transferir para o Estado os eventuais encargos financeiros dos salários em atraso, deixando continuar a degradação estrutural de muitas empresas, públicas e privadas, nem muito menos se pode tolerar que a incúria e eventual má fé de alguns

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empresários agrave, impunemente, a situação social dos trabalhadores e a crise económica portuguesa.

É certo que a crise recessiva da economia se passa à escala mundial e se reflecte fortemente em Portugal, onde os seus efeitos são acrescidos pela falta de capacidade de resposta da nossa deficiente estrutura produtiva.

Mas tal realidade não pode levar-nos a cruzar os braços, antes, pelo contrário, deve servir de estímulo à criação de medidas que permitam, por um lado, impedir o agravamento do desemprego e, por outro, regenerar a reorganizar as unidades produtivas em crise grave.

Do que se trata, em primeiro lugar, é, pois, tentar dinamizar acções de regeneração e reorganização de empresas com salários em atraso.

Neste contexto julga-se necessário assegurar 2 objectivos estreitamente relacionados: a extinção de empresas senis, combinada com a mobilidade dos trabalhadores e dos investimentos para áreas que garantam o desenvolvimento económico, e a projecção e ligação, em termos equilibrados, da nossa economia com a economia mundial.

Estas alterações de fundo para as empresas com salários em atraso terão de ser acompanhadas por medidas cada vez mais urgentes e, nomeadamente, a revisão das leis comerciais portuguesas, a preparação do Código das Sociedades, a revisão de institutos processuais, como o da falência, entre outras.

Entretanto, e enquanto estas medidas não entram em vigor e não são aplicadas, não se pode deixar degradar a vida das pessoas sem procurar a resolução de situações de sobrevivência dos trabalhadores e suas famílias.
Esta responsabilidade é de todos os cidadãos, mas é também do Estado, pois só o Estado tem capacidade para mobilizar as vontades a nível nacional e impor colectivamente as medidas que a passividade e o particularismo tantas vezes impedem.
O Estado não pode, pois, pactuar com situações mal definidas, com a incerteza nas perspectivas de futuro, com a exploração demagógica de certos grupos políticos, com eventuais fraudes e desvios egoístas de alguns que recusam o seu contributo de solidariedade para com os seus concidadãos e o Estado.
E assim, perante as lutas e contradições sociais económicas, o Estado tem o dever de não se eximir ao exercício da sua função estabilizadora e pacificante junto dos agentes económicos e na sociedade em geral, seja qual for a orientação política que, em determinado momento, exerça o poder político legítimo. O que importa procurar realizar é a segurança das pessoas e bens e solucionar pacificamente os conflitos de interesses num quadro legal legitimado pelo reconhecimento da sua bondade e necessidade.
A solução, quanto a nós, tem, pois, de se encontrar no diálogo, no assumir de responsabilidades do Estado, dos credores da empresa, da própria empresa e dos seus trabalhadores. É numa conferência de interessados, de todos estes agentes económicos, que a solução se encontrará. Por isso apreciamos devidamente a declaração do Sr. Ministro das Finanças hoje aqui feita, a qual só pecou por não enunciar como chegar ao resultado: regeneração da empresa, fusão, cisão ou, no limite, a falência?

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O Estado, nestes casos, não pode e não tem sequer possibilidades de impor uma solução, salvo se for credor, e só nessa qualidade, mas a sua responsabilidade e os seus meios superiores e presumivelmente melhores impõem que, pelo menos, se não limite às análises e aos planos, mas leve à prática as acções de regeneração e reorganização das empresas com salários em atraso, exigidas pelo mais elementar sentido da justiça social.
Como se vê, o PCP levantou aqui uma questão importante, mas que não surgiu agora como surge um cogumelo.
Para o PCP, as causas desta situação encontraram-se numa entidade «demoníaca» chamada governo PS/PSD.

O tom que o PCP utiliza nesta intervenção é miserabilista e incriminatório, deslocando as causas, o eixo da questão e a sua solução.
Teve, porém, o mérito de a levantar, na lógica da sua acção política, mas, acrescente-se, com alguns receios.

Senão veja-se: no texto que pede a interpelação proliferam as expressões incriminatórias, tais como «a impunidade do grande patronato e das adminis- trações», «actividades ilegais e repressivas do grande patronato», entre muitas outras.
Impunidade quer dizer que alguém que comete crimes não é punido criminalmente. Actividades ilegais e repressivas podemos concebê-las no âmbito do direito do trabalho, mas podem ser actividades penalmente puníveis.
E o deputado João Amaral fala ainda na necessidade da criminalização da falta de pagamento dos salários.

Não serei eu a afirmar o contrário. Só anoto que o PCP tem, ou deve ter, dados concretos para afirmar que o grande patronato pratica crimes e está impune.

E, na verdade, o deputado António Mota, do PCP, relatou aqui factos que, a provar-se serem verdadeiros, constituem ilícitos penais, crimes que devem ser punidos. Eu requeiro, desde já, ao Presidente da Assembleia da República que, recolhidos os indícios e eventuais provas dos crimes que o deputado António Mota aqui imputou a alguns empresários, se faça participação-crime contra esses patrões.
Da minha parte não posso deixar passar em claro essas acusações. A nossa consciência moral e a ética política exigem que esses actos, se foram praticados, sejam investigados e eventualmente punidos.
Outro tipo de linguagem incriminatória do PCP é dirigida contra o Governo. E essa é, de todo em todo, demagógica e politicamente oportunista.
Exemplos: «política de autêntica rapina e delapidação das estruturas produtivas» (deputada Ilda Figueiredo); «destruição do sector empresarial do Estado» (mesma deputada);«orientações de um governo que se corresponsabiliza com uma situação que tem tanto de chocante como de original, na Europa e até no Mundo» (deputado Jerónimo de Sousa).
Passando por alto que situações como a portuguesa se verificaram já em França, por exemplo, o certo é que as «acusações» que o PCP assim faz ao Governo são meros chavões de retórica, nem mesmo marxista - talvez leninista -, pois que eu, como marxista de formação que sou, considero que há uma lingua-

gem marxista ou oriunda do marxismo que não é a do PCP. E, ou pode ser, uma linguagem agressiva, mas faz análises concretas de situações concretas, ou seja, não diz, por exemplo, que o Governo rapina ou delapida as estruturas produtivas, porque não é sério, porque é um chavão grosseiro, enfim, porque é falso e não corresponde a qualquer situação concreta. No fim de contas é uma análise idealista da acção do Governo nesta matéria.
Não me cabe, nem estou sequer a defender o Governo, mas tão-só a dizer que embora a iniciativa do PCP seja oportuna e importante, ela escamoteia as origens, as responsabilidades e as formas de resolver as situações das empresas e dos trabalhadores, contributo que cabe a todos os partidos e aos deputados nesta Câmara, face a tão grave problema social e económico.
Dir-se-ia que, com os termos que emprega, o PCP pretende afinal provocar indignação e comiseração, mais do que atacar as raízes do problema e exigir e apresentar medidas para a sua solução.
Quanto aos receios do PCP, cumpre dizer o seguinte: o Deputado Jerónimo de Sousa, a p. 8 da sua intervenção, afirma:

[... ] «as forças mais reaccionárias da sociedade portuguesa também aprenderam com a história. Sabem que a fome, o desespero e o medo nem sempre significam desenvolvimento da consciência de classe».

Segue-se a referência a eventual requiem da democracia portuguesa.
O que resulta do passo citado e de outros mais atenuados, em outras intervenções do PCP, é o modo como o PCP manifesta que a consciência de classe seja, vamos lá, obliterada pelas dificuldades, pela fome, pelas carências que provocam, não o reforço do ânimo de luta e reivindicação dos trabalhadores, mas sim a sua diminuição, se não mesmo a sua capitulação.
Ora a verdade é que a política restritiva se destina a viabilizar a democracia, e o flagelo social dos salários em atraso é um aspecto que esperamos conjuntural, ultrapassável e até um alerta para o desenvolvimento necessário da nossa capacidade produtiva.
A verdade é que a consciência de classe dos trabalhadores é hoje muito diferente da que era há 100 anos, pois as classes já não são o que eram e a proletarização progressiva, bem como a pauperização do proletariado, profetizados por Marx, não se verificaram realmente. Nenhuma habilidade estatística poderá negar esta realidade.
Significa isto que a burguesia ganhou? Em minha opinião, a criação e o alargamento da classe média e o consenso social alargado que se criou modificaram os dados relativos às classes sociais.
Fazer hoje essa análise, como fez Marx há 100 anos ou mesmo como fez Cunhal há 20 anos, é um erro grosseiro, mas revela também a rigidez e o dogmatismo do PCP, que afinal se reflecte no passo da intervenção do citado deputado Jerónimo de Sousa:

As forças reaccionárias não têm, em Portugal, a força que tinham em 1926, nem mesmo nos anos 70, e a consciência de classe dos trabalhadores é porventura mais forte e mais ampla do

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que nessa época. Os salários em atraso não o impedem e a consciência de classe dos trabalhadores e as forças democráticas não permitirão que os salários em atraso possam significar o requiem da democracia».

Tudo isto não invalida a necessidade de acção responsável e rápida do Estado no sentido de viabilizar as empresas com salários em atraso ou, em último caso, de as fazer declarar falidas. É melhor que as coisas se esclareçam e que se utilize o bisturi em vez das aspirinas que não evitam a morte e dão a ilusão da vida.
O essencial está nas empresas e a macroeconomia arrisca-se a dar doses de cavalo onde se exige a microcirurgia.
Terminamos como começámos: analisar em diálogo a situação das empresas com salários em atraso, promover soluções de viabilização, com meios humanos e financeiros adequados e adaptados à integração da nossa economia no plano internacional.
Racional e ponderadamente, mas com rapidez.
É a nossa democracia e a esperança de Abril que o exigem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral, para pedir esclarecimentos.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado Marcelo Curto citou-me, referindo a questão da criminalização das entidades patronais que não pagam os salários.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente, tal como eu, que essa criminalização não existe e que se toda a questão está em criminalizar a falta culposa de pagamento de salários, é esta Assembleia o único órgão de soberania competente, no sistema constitucional português, para produzir essa criminalização.
O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é que sabido que há casos de fraude e sabido que é opinião do Sr. Deputado - como o escreveu nos jornais - que o Estado deve intervir, se não acha que esta Assembleia deve produzir essa legislação.
Pergunto-lhe ainda, Sr. Deputado, sabido que é que tem anunciado que tem um projecto de lei sobre esta matéria, o que é que espera para o entregar na Mesa da Assembleia da República, com a certeza, Sr. Deputado, que da nossa parte terá toda a análise e consideração que ele poderá merecer, se de facto, visar e se destinar a resolver esta situação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Eu já estava desabituado às tácticas das RGAs, especialmente quando iam para as assembleias dos metalúrgicos e, agarrando numa frase, isolando-a, distorcendo-a, conseguem fazer crer o que não está cá, o que não foi dito.
Eu passo a ler aquilo que está cá e que V. Ex.ª omitiu:

As forças mais reaccionárias da sociedade portuguesa também aprenderam com a história. Sabem que a fome, o desespero e o medo nem sem-

pre significam desenvolvimento de consciência de classe que, por isso, procuram usá-los como aríete político, aguardando debalde um qualquer bater de panelas vazias que servisse de requiem à democracia portuguesa.

Voz do PSD: - 15to já vai de balde!

O Orador: - Sr. Deputado Marcelo Curto, eu esperava mais do seu discurso porque, de facto, sem querer ofendê-lo, ele foi o que se chama entrada de leão e saída de sendeiro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado João Amaral, não concordo consigo quando diz que a incriminação dos empresários que com fraude não pagam salários não esteja prevista ou tipificada no Código Penal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Onde, Sr. Deputado?

Voz do C(r)S: - Mistério da Agatha Christie!

O Orador: - A falta de pagamento de salários quando implica um abuso ou desvio de fundos está prevista no Código Penal. O Sr. João Amaral é jurista, sabe perfeitamente que está.
Há, aliás, uma nova tipificação criminal no Código Penal que permite incriminar os gestores que gerem as empresas através de actos que possam ser qualificados de ilícitos penais.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, só queria perguntar a V. Ex.ª qual é concretamente o artigo, e de que código, que incrimina a falta culposa do pagamento de salários. Seria uma boa contribuição da sua parte para a jurisprudência dos tribunais e para os tribunais, que não incriminam ou punem criminalmente a falta de pagamento de salários, limitando-se, antes, a considerá-la como transgressão, que é como é prevista actualmente no ordenamento jurídico português.

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, eu falei muito a sério e as críticas que fiz ao PCP fi-las noutra base. O que me impressionou foi não só a afirmação do Sr. Deputado de que seria preciso haver uma incriminação das entidades patronais que não pagam salários, mas, e principalmente, a intervenção do Sr. Deputado António Mota, que cita com nomes, quantias e actos concretos actividades de empresários neste país.
Esta Assembleia não pode ignorar esses factos e essas acusações. É necessário que eles sejam minimamente averiguados e punidos. Eu não tenho nenhum delírio prossecutório, mas presumo - e não considero, como já ouvi aqui, hoje, que estamos num lodaçal de corrupção e actos ilícitos - que há grandes crimes. E considero que se há um desvio culposo como disse o Sr. Deputado -, a sua qualificação como

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crime é possível, por exemplo, pelo abuso de confiança. Não vejo, Sr. Deputado, que seja preciso criar um novo tipo de crime para incriminar os gestores que não pagam os salários e não vejo necessidade que a Assembleia produza essa legislação.
Quanto ao projecto de lei que o Sr. Deputado qualificou como sendo o meu projecto, gostaria de lhe dizer que não tenho nenhum projecto meu; o projecto a que alude não foi só redigido por mim; eu e outros deputados do meu partido apresentámo-lo ao grupo parlamentar, em conjunto, para ser discutido. E se estamos numa coligação e temos um governo que tem de ser consultado sobre a conveniência política de se apresentar determinado tipo de projecto de lei, é necessário que o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD também conheçam - como já conhecem - e discutam tal projecto.
Se virmos que é necessário apresentá-lo, será apresentado.

O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, tem pelo menos de confessar que na frase «a fome, o desespero e o medo nem sempre significam desenvolvimento da consciência de classe e, por isso, procuram usá-los como aríete político, aguardando debalde [...] este «debalde» é uma qualificação que aqui não tem qualquer importância.

O que aqui está anunciado é que a fome, o desespero e o medo, e toda a dramatização excessiva desta questão, segundo o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, que tem isso no seu horizonte, pode provocar um requiem da democracia portuguesa. 15to é que é um facto. O Sr. Deputado diz que é debalde, mas eu digo que «de balde» ou «sem balde» é o que aqui está anunciado.

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - É de caixão à cova!

Risos.

O Orador: - O Sr. Deputado tem isso na sua cabeça, é um facto.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Há poucos dias, integrado numa delegação do Grupo Parlamentar do PCP visitei várias empresas do concelho de Almada, onde contactei com trabalhadores, com as suas organizações representativas e com administrações.
O que se passa no concelho de Almada não é mais que uma imagem real e dramática da situação no distrito de Setúbal e em todo o País.
Da indústria naval à têxtil, das pescas à metalomecânica, o traço é comum: salários em atraso, ameaças de despedimento, degradação económica e financeira das empresas.
Mas vamos a alguns factos.
Na LISNAVE e volto a falar na LISNAVE porque penso que esta é uma empresa que o Sr. Secretário de Estado do Emprego, conhecerá os antigos monopolistas Mellos continuam a pôr e dispor, apesar de serem accionistas minoritários, actuando para a degra-

dação da empresa, entregando os sectores mais rentáveis a novas empresas em formação onde têm interesses.

O Governo permite, assim, a fuga de capitais da LISNAVE e o seu desmembramento.
A empresa, que chegou a ter 10 000 trabalhadores - altura em que a administração dizia que havia 2000 a mais -, tem hoje 6100 trabalhadores e os Mellos pretendem despedir mais 2000.
Há 3 meses o estaleiro teve uma carga em navios que ocupou cerca de 70 % da sua capacidade, obrigando a horas extraordinárias, trabalho aos fins-de-semana e à utilização de empreiteiros.

Então, Srs. Membros do Governo, apoiam a ideia da administração de que há trabalhadores a mais?
Os salários estão em atraso há 4 meses. Os subsídios não são pagos. A dívida aos trabalhadores, incluindo reformados e pensionistas, aproxima-se de 1 milhão de contos. As dívidas à Previdência ascendem a cerca de 2 milhões de contos.

Os trabalhadores já solicitaram à delegação do Ministério do Trabalho, a actuação da Inspecção de Trabalho, assim como uma auditoria financeira por parte do Ministério das Finanças e do Plano e do Ministério da tutela.

Até hoje nada! Porquê Srs. Ministros? Para permitir que tudo continue à medida dos Mellos e do grande capital?

Que medidas vai o Governo tomar? Que resposta tem da PARAEMPRESA em relação ao tão falado contrato de viabilização?
Também os trabalhadores da Parry & Son esperam medidas do Governo.
657 trabalhadores têm os salários em atraso desde Maio de 1983.

O contrato de viabilização e as propostas de recuperação e desenvolvimento não têm resposta.
O Governo, em vez de viabilizar a empresa, defendendo os postos de trabalho, os salários e a economia nacional, entrega-a aos Mellos. A concentração monopolista é real. O Estado, que possuía 86 % do capital, está neste momento reduzido à participação de 42 %, porque as vendeu aos Mellos.

Neste momento assiste-se a uma coisa que era bom os Srs. Membros do Governo poderem responder: a administração da LISNAVE pretende encerrar a Parry e integrar os seus 657 trabalhadores na LISNAVE. Pergunta-se, havendo neste momento 2000 trabalhadores a mais, por que é que querem mais estes 657? 15to é público e foi já dito pela administração da LISNAVE.

O grande capital pretende a integração dos trabalhadores na LISNAVE.

Que vai fazer o Governo para defender os postos de trabalho e garantir o pagamento dos salários em atraso? Será que o Governo apoia o encerramento da Parry & Son?

A Companhia Portuguesa de Pesca, empresa de pescas e com estaleiro de reparações em Olho de Boi, Almada, com 650 trabalhadores, tem os salários em atraso desde Maio de 1983. A dívida aos trabalhadores é de 110 000 contos líquidos.
23 navios e traineiras, propriedade da empresa, continuam fundeados, a apodrecer, e as oficinas bem apetrechadas não têm utilização.

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A Inspecção-Geral de Finanças não aprovou as contas de gestão de 79/80/81, elaborando um relatório onde se referem várias anomalias.
O Governo permite que os navios continuem parados, os trabalhadores sem salários, enquanto se importam milhões de contos de peixe, com a consequente saída de divisas é uma empresa nacionalizada.
Impedirá o Governo a venda da frota em hasta pública, com o encerramento da empresa e o despedimento dos trabalhadores?
Também os 370 trabalhadores da Sociedade de Reparação de Navios têm 3 meses de salários em atraso.
Além de não receberem o salário, os trabalhadores deixaram de ter seguro contra acidentes de trabalho por dívidas à empresa seguradora.
Vai o Governo viabilizar a Sociedade de Reparação de Navios, garantindo os postos de trabalho e a segurança dos trabalhadores e suas famílias?
A casa Capucho, empresa metalomecânica, com 200 trabalhadores, não paga salários desde Maio de 1983.
O contrato de viabilização firmado em Março de 1978 e reformulado em Julho de 1980 não é aplicado.
PARAEMPRESA, depois de aprofundado estudo, chegou à conclusão que seria possível a viabilização da empresa, já que esta possui um dos mais modernos parques de máquinas do País. A capacidade produtiva está por utilizar. Os trabalhadores estão numa situação de subemprego.
Face à inoperância do Governo e à falta de apoio da banca, a gerência diz que a solução está na venda da firma.
Permitirá o Governo que seja feita a venda da empresa sem a garantia dos direitos dos trabalhadores? Será esta a qualidade de vida tão apregoada pelo Governo?
Os 109 trabalhadores da Lundberg & Wester, L.da, empresa de confecções, está paralisada desde Março de 1983 e os trabalhadores não recebem salários desde Abril.
A situação é de tal maneira grave que por uma acção de despejo a empresa deixou de ter instalações.
A gerência pretende que os trabalhadores rescindam os contratos para permitir que alguns integrem numa nova empresa do mesmo ramo. (A Stefeson - Confecções, L.da)
Que medidas vão ser tomadas para recuperar os postos de trabalho e o pagamento dos salários em atraso?
A estes exemplos de empresas nacionalizadas, participadas e privadas com salários em atraso juntam-se ainda, no Concelho de Almada, os casos da Vansul, Francos, Levytex, Vice-Versa Confecções, Fersel, Bernardino e Livramento, Saul F. Lopes, Serra & Irmãos, ENI, Alves Ferreira, Metalúrgica Gaivota, Empresa Industrial do Frio.
Mais de 10 000 trabalhadores do concelho têm os salários em atraso. A situação é dramática. O Governo, na prática, não reconhece um direito fundamental, como é o direito ao salário.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quando os trabalhadores propõem medidas, o Governo não se interessa. Quando os trabalhadores denunciam a fraude e a corrupção, o Governo não actua. Mas quando os trabalhadores,

há meses sem salários, se manifestam para que estes sejam pagos, então o Governo, de imediato, faz actuar as forças policiais.
Apesar da fome atingir milhares de famílias, o Governo não conseguirá quebrar a vontade de luta e unidade dos trabalhadores.
A luta continuará pelo pagamento dos salários, pela garantia dos postos de trabalho, pela recuperação das empresas, por um Governo com uma nova política ao serviço dos trabalhadores, do povo e do País.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Salgueiro.

O Sr. João Salgueiro (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já aqui o dissemos noutras ocasiões e já aqui o provámos hoje.
Os salários em atraso não são uma questão meramente casuística, mas sim um grave e sério problema sócio-económico que só com outra política pode encontrar solução.
As causas desta terrífica situação são profundas e não podem ser por isso escamoteadas.
Em muitas empresas há reais dificuldades financeiras provocadas pela política económica dos sucessivos governos desde 1976, mas a verdade é que este governo não pára de as agravar.
Alguns patrões e gestores, por incapacidade, por fraude e por motivações políticas, deixaram muitas empresas em situação catastrófica.
Em muitos casos os patrões e os gestores das empresas públicas não pagam os salários para tentarem travar reivindicações, ou então para prepararem o terreno para procederem a despedimentos colectivos, fazendo do desemprego uma autêntica chantagem sobre os trabalhadores ou tentando colocar-lhes a «corda na garganta».
Em quantos e quantos casos o não pagamento atempado dos salários mais não é do que um pretexto para ir ao Fundo de Desemprego buscar chorudos subsídios que são postos a render a juros ou aplicados noutros fins.
O Governo, com as suas atitudes no sector público, com a impunidade que permite e cria, tem que aqui ser acusado de dar cobertura a todo este escândalo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Logo que apareceu a grave situação dos salários em atraso, o movimento sindical unitário não só a denunciou e combateu como pressionou para que fossem utilizados os mecanismos legais e constitucionais de modo a pôr cobro ao problema.
Pelo conhecimento que tenho, a CGTP-IN, em todas as reuniões que até ao momento teve com o Governo, colocou sempre a solução deste problema como aquela que mais urgia.
Até hoje sempre este governo, sempre estes ministros, fizeram «ouvidos de mercador» e não tomaram medidas.

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Não são agora as afirmações do Sr. Ministro do Trabalho que alteram a situação. Senão vejamos:

Desde Julho que o movimento sindical, em reuniões com o Governo, insistiu neste problema. O Governo nada fez;
Em 3 de Novembro o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Assembleia da República um projecto de lei e foi recusado;
Em Dezembro, perante a inoperância e a inércia da Inspecção do Trabalho, foram apresentados 417 pedidos de intervenção em outras tantas empresas. O Governo ainda não respondeu, nem há notícia de que algum caso tenha sido resolvido por sua iniciativa;
Em Janeiro, de novo, a CGTP-IN insiste com propostas junto do Sr. Ministro do Trabalho.

Mas estas, como vêm da Central dos Trabalhadores, não são considerados pelo Governo, numa demonstração cabal de que os apelos ao diálogo, afinal, trazem no bolso o presente envenenado da conversa estéril que sirva de mera cobertura a uma política virada contra os interesses dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi neste contexto que a CGTP-IN decidiu, no passado dia 13, tornar públicas um conjunto actualizado de medidas que de forma responsável e realista contribuam para a superação da crise.
Em primeiro lugar, visa-se a responsabilização das entidades patronais, desencentivando e reprimindo as condutas ilegais.
Em segundo lugar, visa-se que o Governo assuma o conhecimento concreto das situações ilegais e tome as medidas necessárias de modo a que seja garantido o emprego e a manutenção dos postos de trabalho.
É necessário que o Governo garanta os meios de subsistência dos trabalhadores sem salários; a clarificação das situações existentes; garanta os direitos dos trabalhadores e das suas organizações; tome as medidas económicas e financeiras que levem à superação da situação, defendendo o direito ao trabalho, o respeito pelos direitos dos trabalhadores, os interesses da economia nacional e as incidências de carácter social que cada um dos casos envolve, quer na região, quer no sector.
Pelo conteúdo da proposta apresentada, pela disponibilidade para o estudo de outras alternativas desde que sejam salvaguardados os interesses dos trabalhadores, nenhuma razão pode justificar que o Governo venha ignorá-la.
No entanto, a prática política do actual executivo não tem sido de molde a criar grandes expectativas aos trabalhadores.
É caso para perguntarmos ao Governo que resposta vai dar, se é que vai dar resposta?
Ou tudo o que sejam propostas desta Central Sindical são para silenciar?
Ponhamos a situação de uma forma mais clara. Até esta interpelação o Governo nada fez para pôr termo à prática dos salários em atraso. Não só esteve contra as iniciativas, quer dos trabalhadores e suas estruturas, quer do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, na Assembleia da República, como reincidiu, actuando ilegalmente em ca-

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sos de empresas públicas, como a CP, a QUIMIGAL, e EPNC, etc.
No entanto, e o Governo sabe, ninguém suporta muito tempo um clima de incerteza no futuro e de insegurança no presente.
E é por isso, porque esta interpelação teve lugar e também por que hoje o problema começa a ser sentido nas bancadas da maioria governamental, que hoje o Governo aqui vem carpir lágrimas de crocodilo, como o fez o Sr. Ministro do Trabalho e o Sr. Ministro das Finanças, reconhecendo, mas só teoricamente, estar preocupado e disposto senão a pôr termo, a minorar a grave e injusta situação que a sua política económica e social criou para mais de 150 000 trabalhadores.
Mesmo o despacho normativo publicado no Diário da República não pode ser invocado como elemento positivo pelo Governo. Não só é altamente restritivo e, como tal, vai abranger muita pouca gente, como é incentivador e exige mesmo a paragem completa das empresas que, embora com capacidade reduzida, ainda hoje se encontram em laboração.
As palavras não matam a fome. São necessárias soluções. Vir aqui dizer que é preciso fiscalizar e punir os infractores, quando a Inspecção de Trabalho está paralisada, quando os tribunais de trabalho são lentos e morosos, quando até o argumento da falta de meios para a gasolina existe, reconhecemos que é muito pouco.
O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social falou aqui de números, mas não disse de que empresas. Por que não fornece à Assembleia o nome das empresas inspeccionadas e qual o andamento dos processos?
Vir aqui dizer que é preciso viabilizar as empresas viáveis, quando o que até agora se tem feito é impedir o viável por falta de resposta e distribuir benefícios a quem os desbarata ou utiliza indevidamente, não convence.

Sr. Ministro das Finanças, Sr. Ministro do Trabalho, porque continua o Governo a pretender ignorar o controle dos trabalhadores nos empréstimos feitos às empresas, sejam para a criação de postos de trabalho, sejam para a viabilização das mesmas?
Vir aqui apregoar a recuperação da economia, quando hoje até os economistas da área dos partidos governamentais não acreditam na política até agora efectuada e, pelo contrário, vaticinam o descalabro do País, permitam-me, Srs. Ministros, que duvide das vossas intenções.
É ou não verdade que a continuar esta política económica o número de salários em atraso e o número de desempregados vai aumentar?
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano já hoje aqui o confirmou.
Entretanto, os trabalhadores e as suas organizações não deixarão de continuar a luta pela solução dos salários em atraso.
Fazem-no com a consciência de que não são eles os causadores do descalabro que as empresas e o País atravessam, como o Sr. Ministro do Trabalho hoje aqui insinuou.
Fazem-no com a certeza de que a situação do não pagamento de salários a quem trabalha é caso sem paralelo num país democrático.
Salários em atraso e imoralidades como esta têm tanto de original como de chocante.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta política de retrocesso e sem horizontes em cada dia que passa agrava os problemas dos trabalhadores, do povo e do país. Por isso os trabalhadores e cada vez camadas mais vastas do nosso povo tudo farão para impedir que este governo degrade ainda mais a situação económica e social do nosso país. Nessa luta estarão decerto os homens e mulheres com salários em atraso.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando Figueiredo, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado poderá fazer o pedido de esclarecimento se assim o entender, mas o Sr. Deputado do Partido Comunista já não tem tempo para lhe responder.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - De qualquer maneira, queria deixar aqui feito o pedido de esclarecimento.

O Sr. João Amaral (PCP): - No tempo do Sr. Deputado João Salgueiro?

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Sr. Deputado Manuel Lopes, ouvi com a maior atenção a sua intervenção e penso que deu a sensação ao ouvinte menos atento que a preocupação sobre os salários em atraso seria apenas o exclusivo de uma central sindical. Não é verdade. É de todos os sindicalistas responsáveis deste país, porque é um problema que a todos aflige e o qual todos os responsáveis sindicais têm a maior preocupação e o maior cuidado em tentar solucionar.
Só lamento, Sr. Deputado, que não tenha apontado soluções; limitou-se apenas a exigir que a solução venha da parte do Governo, que seja o Governo a garantia do pagamento dos salários, que estude alternativas, mas, infelizmente, essas alternativas não foram apresentadas e limitou-se a uma crítica destrutiva, quando eu esperava do Sr. Deputado uma crítica construtiva.
Tenho, pois, pena que não pudesse ter feito essa crítica construtiva e apresentar as soluções que todos nós buscamos e que achamos extraordinariamente importantes, não só o Sr. Deputado, mas todos aqueles que representam - e que procuram fazê-lo com dignidade - os trabalhadores do nosso país.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mando-lhe já a cópia do projecto de lei!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rocha de Almeida pede a palavra para que efeito?

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - É também para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente, sabendo embora da impossibilidade de o Sr. Deputado Manuel Lopes me poder responder.
O meu grupo parlamentar não quer deixar de registar, através desta figura, algumas observações ...

O Sr. Presidente: - Bom, Sr. Deputado, como o seu grupo parlamentar ainda tem tempo disponível, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, queria ainda pedir que, dentro da figura do pedido de esclarecimento que vou utilizar, o tempo que fosse ultrapassado ficasse descontado no tempo de que dispõe o meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado quer dizer que dá o tempo do seu grupo parlamentar ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista?

O Orador: - Não, Sr. Presidente, queria dizer apenas e peço desculpa se não me fiz entender bem, que talvez o tempo que me é permitido no uso da figura regimental que vou utilizar não seja suficiente para aquilo que quero dizer. No entanto, como o meu grupo parlamentar ainda tem tempo que chegue e talvez sobre para eu intervir, pedia que esse tempo suplementar me fosse descontado no tempo do meu partido.

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - É claro que será descontado, Sr. Deputado. O que lhe agradecia é que, apesar de ultrapassar os 3 minutos, não o fizesse demasiadamente.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas por que é que o Sr. Deputado Rocha de Almeida não se inscreve para uma intervenção?

O Sr. Malato Correia (PSD): - É que aqui, no nosso grupo parlamentar, quem manda somos nós!

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Deputado Manuel Lopes, há muito tempo - e este muito tempo refere-se à legislatura anterior e a outras sessões desta Assembleia - que a bancada do Partido Comunista se vem aqui sempre referindo, com uma certa acintosidade, a essa classe de trabalhadores do Ministério do Trabalho e da Segurança Social que constitui a Inspecção-Geral de Trabalho. Dá a impressão, até, que é pela fiscalização e pela punição das faltas que os problemas deste país se resolvem.
Tenho sempre referido que a Inspecção-Geral de Trabalho, mais do que uma função fiscalizadora, deve ter, no meu entendimento e no do meu partido, uma função moralizadora. E isto porque se da parte dos diversos componentes sociais - trabalhadores e empresários - não houver um sentido de compreensão da legislação para o seu cumprimento efectivo, tanto de um lado como doutro, de nade valerá o levantamento de autos por parte dessa Inspecção, pois esses autos vão sempre esbarrar com a burocracia e com as dificuldades dos tribunais de trabalho ou com as dificuldades das comissões de conciliação e julgamento para sanarem os problemas dos trabalhadores.
O meu grupo parlamentar não esconde, e eu próprio o posso referir como deputado pelo distrito de Aveiro - respondendo, assim, ao Sr. Deputado que nos acusa de não referir as empresas -, que, por exemplo, nesse distrito, há 31 empresas com salários em atraso, a que corresponde hoje um número de 3062 trabalhadores que estão sem os receber, perfazendo um valor próximo dos 106 365 contos.

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Refiro o caso de Aveiro, como poderia indicar o de outros distritos, pois o que acontece aí, acontece um pouco, ou muito, por todo o país.
Entendemos, entretanto, Sr. Deputado, que temos de ser realistas e não nos podemos deixar levar pelos sentimentos que muitas vezes obstam a que uma reflexão consciente e responsável se possa fazer. Há que analisar com frieza as causas destas situações, usar de verdade e destemidamente apontar as razões que levam a este estado de coisas. E, no entender do PSD, estas razões são profundas, são velhas e já começam a ser históricas.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, para o Partido Social-Democrata, uma das razões fundamentais desta situação entronca num regime proteccionista e corporativo que dominou este país durante cerca de 40 anos. Regime este que funcionou como base de controle do nosso sector empresarial, não facilitando as boas relações entre o capital e o trabalho e que sempre apresentou o trabalhador como o inimigo e como uma classe inferior que merecia ser tratada com subalternização e controle, através, inclusivamente, dos seus próprios sindicatos.
Em segundo lugar, para o meu partido, a razão de ser do estado actual das empresas e da situação a que se chegou está também na partidarização por parte do Partido Comunista após o 25 de Abril ....

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... que lançou os trabalhadores para lutas de forma incontrolada e arregimentadamente, para saneamentos e para o controle excessivo nos órgãos de gestão das empresas, exigindo tão-somente que esses trabalhadores fossem a voz, o querer e a acção dos chefes e os mentores da ideologia comunista.
Ficará para sempre na história, para lhe lembrar, a legislação do Sr. Costa Martins e do seu gabinete. A legislação sobre a unicidade sindical, para não referir o célebre dia de trabalho nacional, num também célebre domingo de Outubro, em que nunca ninguém soube qual foi o dinheiro obtido e que ainda hoje ninguém sabe para onde ele foi ter.

Protestos do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas o que é isso? Quem é o senhor?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah, ele estava lá!

O Orador: - Sr. Deputado João Amaral, não sabia que o Sr. ficava tão ofendido com isto. Peço-lhe desculpa, mas estava a falar do seu partido e não do Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Tenha juízo! Já tem idade para isso!

O Orador: - E o Sr. Deputado também tem idade para outras coisas, mas o meu amigo ainda lá não chegou!
Em terceiro lugar, a situação económica geral, quer interna, quer externa, que nos anos do pós-guerra atingiu todos os países. É que, Sr. Deputado, quando se é rico até as extravagâncias têm um sentido patusco. Mas

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quando um país saído de uma guerra colonial sem jeito, de uma descolonização mal concebida, entra numa fase de instabilidade social e política como o nosso país entrou, então aí, mais cedo ou mais tarde, soará a hora de se ter de pagar o «folclore» e a irresponsabilidade!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, a fragilidade dos alicerces em que assentam grande parte das nossas empresas, a facilidade com que se conseguiu ser patrão neste nosso país, a inoperância de certos serviços que se demitiram de exercer as funções que lhes eram cometidas e que redundaram necessariamente na fragilidade da estrutura dos tribunais.
Hoje, o problema dos salários em atraso e do desemprego são fruto das brechas estruturais em que o sistema empresarial do Estado, público e privado, deixou permitir que se criassem.
Em quinto lugar, Sr. Deputado, a inflexibilidade da nossa estrutura económica, que não permitiu o ajustamento das empresas à realidade no campo do seu desenvolvimento, assim como na área sindical e laboral. E aí temos a triste verdade de hoje nos sentirmos confrontados com situações socialmente gritantes e humanamente degradantes.
Resta perguntar, então: que solução?
A solução não está aqui nem é para amanhã. Há que nos convencermos que a solução está na mão de todos nós; está repartida por cada um de todos os portugueses: no Governo, nas empresas, nos trabalhadores, nos partidos, nos sindicatos, na UGT, na Intersindical.
Aquele que neste momento não aceitar sentar-se à mesa para dialogar e contribuir está a fugir às suas responsabilidades e está a assumir a culpabilidade pelo problema que entendemos hoje ser necessário discutir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A solução não estará na intervenção da Inspecção-Geral de Trabalho, como não estará na intervenção da Inspecção-Geral de Finanças. Estes são serviços que terão forçosamente que fazer o levantamento das situações para que todos, em conjunto, lhes possam atalhar.

Nozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A solução começa a estar no despacho recente que equiparou os trabalhadores desempregados a trabalhadores de empresas paralisadas com salários em atraso há mais de 1 mês; estará na transformação do subsídio de desemprego em seguro de desemprego; estará na constituição de um fundo destinado a pagar, em número limitado de meses, os salários atrasados e devidos pelas empresas em situação de falência ou insolvência; estará também na constituição de um conselho permanente de concertação social.

Protestos do PCP.

A solução estará na desconcentração da segurança social, uma vez feita a descentralização. A solução está na boa vontade de todos e principalmente na responsabilidade de cada cidadão que ocupe um lugar interventor nesta conjuntura.

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O PSD, com toda a sua riqueza e força, na consciência dos seus militantes, na responsabilidade que assume como grande partido, com tarefas no Governo, nas autarquias, na juventude e no sindicalismo e nas empresas, diz que está aqui e em todos os lados onde responsavelmente se joga a solução deste grande e trágico problema que afecta milhares de trabalhadores e seus familiares, manifestando-lhes, desde já e aqui, a sua inteira solidariedade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa considerou aquilo que fez como uma intervenção, para a qual o seu grupo parlamentar tinha tempo disponível. Por isso, podia ter-se inscrito logo nessa qualidade.
O Sr. Deputado Manuel Lopes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - O Sr. Deputado Rocha de Almeida disse que me ia pedir um esclarecimento, mas estou de acordo com o Sr. Presidente quando diz que ele fez uma autêntica intervenção e não pedidos de esclarecimento. Limitou-se, aliás, a debitar um conjunto de ideias.
Em qualquer dos casos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas o seu grupo parlamentar já não tem tempo.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, peço-lhe apenas 1 minuto.

O Sr. Presidente: - Mas não pode responder.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Pronto, Sr. Presidente. Nesse caso, eu desejava responder ao Sr. Deputado Fernando Figueiredo.

O Sr. Presidente: - Mas preveni V. Ex.ª de que o seu partido já não dispunha de tempo para responder. O Grupo Parlamentar do PSD ainda tinha tempo para fazer uma intervenção e fê-la, embora a tenha designado, por lapso, por pedido de esclarecimento.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, só desejava que a Mesa registasse que considero um expediente muito baixo e fora da lógica parlamentar o tipo de argumento e de intervenção que o Sr. Deputado Rocha de Almeida fez.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de não continuar.
O Sr. Deputado Rocha de Almeida deseja usar da palavra?

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Queria agradecer ao Sr. Presidente a intervenção que fez e uma vez que ficou meio dito, quero dizer ao Sr. Deputado Manuel Lopes ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não pode, realmente, usar da palavra de nenhuma fórmula regimental para poder exprimir-se dessa natureza. Se o Sr. Deputado deseja fazer uma nova intervenção, vou ver quais são os outros deputados inscritos e, como o seu grupo parlamentar ainda tem tempo, dar-lhe-ei a palavra, se for caso disso.

O Sr. João Amaral (PCP): - As intervenções dele são abaixo de cão. Já não há conta a dar a isto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rocha de Almeida deseja mais alguma coisa?

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, lastimo ter que usar a figura do direito de defesa, porquanto se me permitisse a intervenção não necessitaria de recorrer a essa figura. Não o queria anunciar como tal, mas a isso me vejo forçado, pois não poderei deixar sem resposta a parte final da intervenção do Sr. Deputado Manuel Lopes sem recorrer à figura regimental do direito de defesa, porque me sinto ofendido.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Manuel Lopes não fez intervenção nenhuma. Começou a fazê-la sem ter direito a isso, de maneira que eu interrompi-o.
Se o Sr. Deputado deseja fazer uma nova intervenção inscreve-se para o efeito, mas sem ter em consideração o que disse o Sr. Deputado Manuel Lopes, porque o que ele começou a dizer não terminou, já que não tinha o direito de o fazer.
Daí que eu não veja razão nenhuma para o Sr. Deputado invocar qualquer direito de defesa.
No entanto, como foram proferidas, realmente, 2 ou 3 palavras, se o Sr. Deputado o deseja fazer, faz favor, na certeza de que o Sr. Deputado Manuel Lopes não lhe poderá responder. Peço-lhe, pois, que pense nisto antes de intervir.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ele não pensa!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, um deputado, no caso concreto o meu colega, invocou o direito de defesa. V. Ex.ª teve dúvidas em conceder-lha imediatamente.
No entanto, o Sr. Deputado Manuel Lopes referiu-se ao meu colega, como «tendo utilizado uma baixa forma de intervir». Entretanto, já o meu colega tinha sido acusado por membros da bancada comunista de ladrão, vigarista e outros termos e V. Ex.ª não fez qualquer observação, o que admito, em consequência do ritmo dos debates.
Mas se V. Ex.ª tem dúvidas em conceder a palavra a um deputado para que exerça o direito de defesa, depois de ele ter sido acusado par outro deputado de recorrer a «meios baixos de intervenção», pergunto em que circunstâncias deve ser usado o direito de defesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso, certamente para uma interpelação à Mesa.

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O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, não importa sob que figura, se foi com ou sem tempo, que o Sr. Deputado do Partido Comunista falou.
O que importa é que nas suas palavras protestou contra aquilo que o meu colega havia afirmado.
Portanto, o meu colega, primeiro porque tem tempo e depois porque tem todo o direito a contraprotestar, tem efectivamente direito a usar da palavra.
Não importa, agora, que V. Ex.ª entenda que não pode ser sob a forma do direito de defesa, pois não seja, mas seja a do contraprotesto. Mas o direito de usar da palavra, uma vez que foram proferidas afirmações que têm um conteúdo de protesto àquilo que ele disse, isso tem e V. Ex.ª tem que o reconhecer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço muito as interpelações que fizeram agora à Mesa, mas foram feitas depois de eu ter dito ao Sr. Deputado que se quisesse usar da palavra o podia fazer.
Tem de novo a palavra o Sr. Deputado Fernando Condenso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, não importa se foi depois, se antes. O que importa são os princípios e estes não estavam bem situados por V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É para deixar claro que, caso seja concedida a palavra ao Sr. Deputado do PSD ao abrigo do direito de defesa, tem de ser concedida a palavra - se ela for solicitada - ao deputado que foi acusado de ter dirigido injúrias ou de ter ofendido a honra pessoal do deputado que tiver recorrido ao direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Agradeço muito a informação do Sr. Deputado Jorge Lemos, mas em face do pedido de palavra do Sr. Deputado Rocha de Almeida, eu já tinha comunicado que o Grupo Parlamentar do PSD ainda dispunha de cerca de 20 minutos, bem como que o Sr. Deputado Rocha de Almeida poderia dispor desse tempo conforme entendesse.
Ora, o Sr. Deputado Rocha de Almeida iria fazer ou um protesto ou uma intervenção. Assim, é evidente que, tendo o PCP esgotado o tempo que lhe estava destinado, só lastimo que o Sr. Deputado Manuel Lopes tivesse - depois de eu lhe ter chamado por várias vezes a atenção para esse facto - começado a fazer uma intervenção para a qual sabia não ter tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rocha de Almeida.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em face deste incidente, queria informar, porque nada me garante que da parte do PCP não venha outro insulto, que vou utilizar o direito de contraprotesto e não o direito de defesa.

Risos da deputada Zita Seabra.

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... porquanto as últimas palavras do Sr. Presidente, ao dizer que lastimava que o Sr. Deputado Manuel Lopes tivesse usado da palavra, já repuseram a minha honra na legalidade democrática que esta Assembleia exigia.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro, claro. Vocês chamaram-lhe vigarista e ladrão!

Vozes do PCP: - Está calado!

O Orador: - Verificou-se que mais uma vez o PCP não gosta que as palavras sejam ditas nos momentos certos. O momento que hoje aqui vivemos foi criado pelo PCP. Se o PCP quer vir aqui dizer o que quiser, mas não gosta de ouvir, o problema é do PCP, não é da minha bancada e muito menos será meu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Eu disse na minha intervenção que após o 25 de Abril houve uma partidarização do PCP nos órgãos das empresas estatizadas, em empresas privadas e mesmo dentro de vários Ministérios. Os Srs. Deputados do PCP não gostaram, sentiram-se ofendidos. Mas eu disse que não me esqueceria disso e que havia certas razões profundas que já eram históricas - e a história há-de o dizer, porque histórica foi certa legislação saída do Gabinete do Sr. Costa Martins ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É aqui que o PCP insulta, se sente ofendido, embora não se sinta ofendido por ter saneado trabalhadores sem os ouvirem. Na verdade, os poucos que foram ouvidos foram-nos através de cassetes e nem essas apareceram mais tarde para poderem ser levadas a julgamento.

Aplausos do PSD.

Este facto permitiu que alguns que mereciam ser saneados acabassem ao fim de 3 ou 4 anos por regressar ao serviço de Estado porque não lhes tinha sido concedido o direito à sua defesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PCP ficou muito ofendido porque há aqui outros deputados, com direitos iguais, com o direito de levantar a sua voz e com o direito de chamar à razão, face ao problema que o PCP trouxe, que dizem que uma das causas da situação das nossas empresas é a situação económica criada por muita irresponsabilidade e arregimentamento de trabalhadores.

Na minha primeira intervenção, com o objectivo de solicitar esclarecimentos ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, eu disse precisamente isso. Sempre levantei aqui a minha voz, pelo menos, há 3 anos, com a mesma disposição, ou seja, temer que as dificuldades no mundo laboral e dos trabalhadores sejam utilizadas para partidarização, para apoiar ou para derrubar governos.

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O PCP fica ofendido porque quer. Mas, e o PCP vai desculpar-me, com estas palavras não perco um minuto de sono, porque se o PCP ficou ofendido com isto, da minha parte ouvi-lo-á e nunca mais dormirá.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos, pelo que declaro encerrado o debate.
Vamos, assim, entrar no período de encerramento, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ninguém contestou o mérito da interpelação do PCP. Houve quem divagasse acerca das motivações que levaram o PCP a fazer, precisamente nesta altura, esta interpelação, mas ninguém contestou o seu mérito. Mais: muitos dos Srs. Deputados que intervieram no debate começaram as suas intervenções por dizer «o mérito desta interpelação (...)», facto que considero significativo.
Esta é talvez uma das primeiras interpelações que se faz na Assembleia da República que reúne tanta unanimidade em relação ao seu mérito.
Na verdade, podemos dizer que antes de se iniciar a interpelação algumas modificações se vinham operando relativamente à atitude do Governo, de deputados e de dirigentes dos partidos da coligação governamental - particularmente do PS - relativamente a esta questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi particularmente notória aqui a mudança de tom do Governo. Já antes desta interpelação o Governo fez publicar um despacho normativo que, em nossa opinião, não modifica substancialmente nada nesta questão, não resolve nenhum problema, mas significa que o Governo sente necessidade de mostrar que está a fazer alguma coisa para resolver esta questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É mérito da nossa interpelação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ontem mesmo tivemos notícia de que no Norte houve alguns empresários que pagaram salários - não todos, mas pagaram parte dos salários. Foi também mérito desta nossa interpelação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É verdade que saímos daqui sem que o Governo tenha assumido nenhum compromisso. No que toca a medidas vamos praticamente na mesma. Mas, Srs. Deputados, creio que a condenação que aqui, na Assembleia da República, foi feita da situação dos salários em atraso foi tão vigorosa, à luz dos valores mais universais da justiça, da ética e da política, que a partir de hoje e a partir desta interpelação, o Governo não pode continuar a actuar em relação à situação dos salários em atraso como actuou até agora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em todo o caso, quero dizer que o mérito da nossa interpelação é relativo. A força da nossa interpelação decorre neste momento do facto de ela se inserir no movimento de protesto popular e de luta dos trabalhadores, que se tem vindo a intensificar nos últimos meses. Nós sentimo-nos aqui verdadeiramente como porta-vozes dos operários e dos trabalhadores da construção naval da margem sul do Tejo, dos vidreiros da Fontela e da Marinha Grande, dos trabalhadores da CIFA e de todos os outros, metalúrgicos, têxteis, conserveiros, da indústria hoteleira e de todos os trabalhadores que têm os salários em atraso. Sentimo-nos durante esta interpelação solidários com os dramas que se passam na casa dessas famílias operárias e que conhecemos. Sentimo-nos ao mesmo tempo fortalecidos pelo vigor e pela força das lutas que os trabalhadores estão a realizar em torno do direito à justiça e do direito a receber os salários que lhes são devidos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Temos estado nas concentrações, estivemos aqui na vigília em frente à Assembleia da República, fomos há pouco lá fora ver a manifestação. Sentimo-nos porta-vozes e fortalecidos com essas acções populares. E essas acções populares, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, não representam nenhum perigo de subversão para a democracia portuguesa. Pelo contrário, elas são uma condição de defesa do regime democrático e de salvaguarda dos ideais do 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - E a Polónia!?

O Orador: - Suponho que o Sr. Deputado não usou da palavra neste debate. Provavelmente V. Ex.ª sabe das coisas que se passam na Polónia. Também podemos discutir as coisas da Polónia, mas agora estamos a discutir as coisas de Portugal e o Sr. Deputado não sabe das coisas de Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Outro mérito da interpelação ao Governo foi o facto de, pela primeira vez, se terem traçado os contornos do quadro deste flagelo social e de se ter definido a sua dimensão.

Esta definição é importante porque dá a dimensão deste flagelo.

Como já tive ocasião de dizer hoje, não são uns quantos casos, são numerosíssimas empresas e são dezenas de milhar de trabalhadores. Pode-se oscilar em relação ao cômputo exacto, e já vimos as dificuldades por que isso acontece: basta uma grande empresa estar atrasada ou ter-se actualizado no pagamento de salários para que o número não seja exactamente rigoroso. Vimos que há discrepâncias, por exemplo, entre os números que foram citados da bancada do Partido Socialista e os números que foram citados pelo Governo. Mas a dimensão está feita. São 130 000 trabalhadores com salários em atraso? São 150 000? Qualquer dos números é legítimo. Contudo, é um

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número desta ordem, um número desta grandeza! Esta é a grandeza do fenómeno, esta é a grandeza da omissão das autoridades governamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A definição não é rigorosa porque o Governo não quis contribuir para que o debate fosse mais rigoroso. Por exemplo, discutiu-se a propósito da responsabilidade dos empresários. O Sr. Ministro das Finanças e do Plano adiantou que há descapitalização voluntária de empresas, o que é uma constatação grave. Por sua vez, o Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social disse que «salvo raríssimas excepções, os empresários não são culpados».
Porém, podíamos ir mais fundo nesta situação. Quais são as conclusões da Inspecção-Geral de Trabalho e da Inspecção de Finanças? Será que a Inspecção-Geral de Trabalho apura determinadas conclusões a Inspecção de Finanças apura outras? Por que é que esses dados não vêm para a Mesa? Há casos de dolo? Há casos de negligência grave? Quais são? Quantos são? Esses dados são secretos? Os deputados e a Assembleia da República não podem conhecê-los? Se esses dados viessem, a situação ficaria bastante mais esclarecida. E essa é uma das razões por que dizemos que o Governo é culpado. E não é apenas este Governo, mas também os anteriores. O fenómeno não nasceu com este Governo, tal como foi salientado, mas agravou-se na vigência deste Governo. Até podemos dizer que quase se banalizou na vigência deste Governo. A grande importância do debate que aqui travámos em princípios de Novembro foi a de alertar a opinião democrática, a Assembleia e o País para essa perigosa banalização que se começava a fazer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E posteriormente foram as lutas dos trabalhadores e é hoje a nossa interpelação que impedem que essa banalização com todos os perigos vá por diante - com todos os perigos e com todas as consequências.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E digo isto porque havia empresários - e, como já há pouco referi, quando colocámos esta questão não estamos a fazer uma acusação aos empresários - que já consideravam que não deveriam pagar aos fornecedores e o processo ia em cadeia. Os Srs. Deputados também sabem quais são as reacções internacionais em relação ao estado de um país e de uma economia em que este fenómeno se estava a generalizar em cadeia.
É importante esta interpelação que fazemos ao Governo. E foi não só um imperativo democrático que nos levou a fazê-la mas também um imperativo patriótico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fizémo-la para que se encontrem soluções, para que se trave este processo, para que os trabalhadores não continuem por mais tempo a não receber salários e para que a miséria não invada os seus lares desta

maneira irregular e anómala que não se verifica em nenhum outro país europeu, ao contrário do que aqui foi por vezes insinuado.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano disse a certo momento que este fenómeno dos salários em atraso era uma expressão «microeconómica da crise». Nós dizemos que é essa tal expressão, mas é uma manifestação «macrodramática» da situação em que se encontram os trabalhadores portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, concordamos num ponto. É que na situação dos salários em atraso confluem as mais graves taras da acção governamental do presente Governo e dos governos mais recentes; mostra a que desastre sociais pode conduzir uma política de austeridade que descarrega a crise sobre os trabalhadores e as camadas sociais de mais fracos recursos; mostra qual é o resultado dramático de uma política económica que se propõe atacar a crise pela estagnação e a recessão da economia; mostra o estado de destruição a que é conduzido o aparelho produtivo pela política de restauração monopolista que tem sido seguida por este e pelos anteriores governos, ...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e, finalmente, mostra a que situação pode conduzir uma coligação como esta e um Governo como este, assente num equilíbrio instável e diariamente sacudidos e tolhidos pelas pressões e pelos manobrismos partidários.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Há todas as razões para recear que a situação se agrave. A ausência de quaisquer medidas claras de protecção aos trabalhadores no discurso do Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social e as ideias «gelidamente claras» do discurso da estabilização económica do Sr. Ministro das Finanças e do Plano conduzem a isto.
No plano social, o Governo, sem se comover e às vezes até com um sorriso nos lábios, declara que não está preocupado com a existência de meio milhão de desempregados ou com a situação de 950 000 portugueses andarem à procura de emprego. O Sr. Ministro, quase com um sorriso nos lábios, anunciou-nos que o desemprego vai ser incrementado. Foi corrigida pela minha bancada a desumanidade desta linguagem, mas o Sr. Ministro entendeu que era só uma questão de linguagem.
O Governo está perfeitamente impávido perante as taxas de inflação de 30 %. O Governo assiste embevecido ao empobrecimento dos portugueses que ele provoca aceleradamente.
No plano económico, apesar do desastre evidente, o Governo insiste nas altas taxas de juro, na desvalorização do escudo, na contracção dos créditos, na travagem do investimento. O Sr. Ministro das Finanças e do Plano bate palmas de alegria perante a redução de consumo da energia eléctrica, que este é um sintoma, um indicador importante a demonstrar a baixa de produção. Este é um raciocínio simplista do Sr. Ministro, mas ele não é acompanhado por algu-

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mas das melhores cabeças no domínio das finanças e da economia, mesmo da área da coligação governamental.
As preocupações surgem. Surgiram, por exemplo, nos congressos das federações do PS e surgem um pouco por todo o lado. A verdade é arrepiante. O caminho para o qual o Governo está a arrastar a economia é assustador. A indiferença com que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano reage às preocupações que lhe são manifestadas e a sua determinação no caso concreto não é uma qualidade, é um perigo para o nosso país.

Aplausos do PCP.

No plano do aparelho produtivo, sabemos que se preparam novas demolições -anuncia-se até o encerramento de empresas nacionalizadas e alguns Srs. Ministros têm falado de desnacionalizações de empresas directamente nacionalizadas. São Ministros da República e por isso é legítimo perguntar: com que Constituição pensam desnacionalizar? É com a Constituição da República ou é com a constituição do CDS?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vai ser!

O Orador: - No plano da instabilidade governativa, saído dos poços de ar dos finais de Janeiro e dos princípios de Fevereiro, o aparelho do Governo e da coligação governamental vai entrar numa outra área de convulsões: a aproximação do Congresso do PSD.
E não iremos assistir de novo às pressões e aos manobrismos em que alguns dos aspectos essenciais do interesse nacional parece que são jogados nos regateios de posições? Não é verdade que a imprensa fala - e não é desmentida - que, a troco da posição do Partido Socialista na lei de despenalização do aborto, o Vice-Primeiro-Ministro exige a desnacionalização ou o desmembramento de algumas empresas do sector público? 15to não é motivo de escândalo, mas devia sê-]o!
Os interesses nacionais não podem ser objecto destas disputas partidárias. Tem que haver um certo decoro nisso.

Aplausos do PCP e protestos do PSD.

A coligação governamental não percebe, mas o Governo é frágil por essa razão. Por essa razão, o Governo é presa fácil de determinadas pressões.
Se há grande barão da área da coligação que protege certos empresários cujas empresas têm salários em atraso, o Governo, este Governo tem autoridade para entrar no feudo desse barão? Eu não preciso de responder.
Acima de tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão dos salários em atraso é uma questão de direito dos cidadãos e de um direito fundamental: o direito ao recebimento do salário pelo trabalho que é prestado. Este é, como aqui foi muitas vezes repetido, uma expressão fundamental do direito à vida, é um direito fundamental dos cidadãos. E será que nesta Assembleia onde alguns Srs. Deputados tanto falam - e muitas vezes a despropósito - do direito à vida e do

direito dos cidadãos, nesta questão não se comovem e assistem passivamente à atitude negligente «passa culpas» do Governo a que temos assistido numa área tão essencial?
Em vez do Estado de direito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós temos o «direito da selva». É a situação que se está a consagrar, se a partir de hoje não exigirmos todas as medidas enérgicas para que esta situação não continue.
Acresce que interrogámos o Governo acerca dos critérios que presidem aos apoios financeiros que são concedidos a algumas empresas. Dissemos mesmo que há situações - e apontámos algumas - que indicam casos que podem ser de corrupção e de fraude. Fomos pouco compreendidos pelo Governo, que, como se impunha, não respondeu seriamente a estas questões, tratando-se para mais do uso de dinheiros públicos.
Nós apresentámos 25 requerimentos de empresas que receberam subsídios mas em que os salários estão em atraso. Porquê? O Governo devia responder a esta questão. É uma prática minimamente democrática ter este diálogo sério com a Assembleia da República e não vir aqui com evasivas e com figuras de retórica. Era disto que precisávamos para consolidar o regime democrático.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acresce, no entanto, que o Governo se cala perante esses casos e passa culpas em relação à infracção brutal que é o não pagamento dos salários. E quando os trabalhadores lutam e quando levam mais longe o seu protesto, este governo não hesita em reprimi-los, em espingardeá-los e em bater-lhes com casse-têtes, como recentemente aconteceu na ponte sobre o Tejo.

Mas não podemos aceitar que a democracia esteja - como está - a ser ameaçada, e mais do que isso, que direitos fundamentais dos portugueses não estejam a ser protegidos como deviam.
Sr. Presidente e Srs. Deputados - Srs. Deputados, principalmente -, se não somos nós a tomar a defesa desses direitos então a certa altura perde-se a noção do que é o Estado democrático, do que é o regime democrático e do que é um regime ditatorial em que toda a arbitrariedade e toda a brutalidade são permitidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A nossa Constituição consagra, ainda mesmo depois de revista, grandes poderes para os trabalhadores. Mas está a desenvolver-se uma mentalidade do Estado contra os trabalhadores. Esta é uma acusação fundamental que fazemos a este Governo e a esta coligação. Esta coligação e este Governo permitem que se desenvolva uma mentalidade, um estado de espírito que é contra os trabalhadores e em que os trabalhadores são tomados como inimigos. É isto que não podemos tolerar.

Para mais, a saída da crise não se fará sem os trabalhadores, sem a sua participação activa, sem a sua participação interessada na resolução e na superação dos problemas nacionais.

Aplausos do PCP.

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Ao longo do debate, o Governo proeurou «sacudir a água do capote». Saímos daqui sem nenhuma garantia. Se os trabalhadores tivessem que fiar-se no que foi dito pelos ministros que intervierem no debate, realmente a esperança de verem a sua situação dramática resolvida seria muito pequena, seria nenhuma.

Mas este debate não passa em vão e de qualquer maneira, lá fora, a luta continua; aqui dentro vai continuar também.

E nós vamos carrear mais alguns elementos para esse objectivo: apresentamos hoje, depois da minha intervenção, um novo projecto de lei sobre esta matéria. Ele comporta um verdadeiro plano de emergência para ocorrer a uma situação que é de emergência, de catástrofe. Tem esse espírito: ocorrer a uma situação de catástrofe social.

Os pontos principais do projecto de lei são: o levantamento completo das empresas em situação de atraso no pagamento de salários; a adopção de medidas legislativas, tendo em vista o adiantamento de salários devidos aos trabalhadores para corresponder à dramática situação em que se debatem; a organização dos meios administrativos, inspectivos e judiciais de controle da situação para impedir que ela continue a degradar-se; a viabilização das empresas, com intervenção do Estado de forma a que, de uma maneira decidida, ela se faça rapidamente, inclusive com o recurso à participação dos trabalhadores através do regime de autogestão; e, finalmente, o combate a todas as formas de corrupção, fraude e negligência com a criminalização da falta de pagamento de salários.

Para o levantamento da situação também iremos dar a nossa contribuição. No fim da minha intervenção entregaremos na Mesa 649 requerimentos, ...

Vozes do PS: - Ena tantos!

O Orador: - ... dos quais 25 se referem a empresas que receberam subsídios e onde os salários continuam em atraso.

Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Era quase impossível encontrar uma situação que mais ferisse e mais minasse o prestigio e o crédito das instituições democráticas, do que esta situação anómala e aberrante dos salários em atraso. Era quase impossível encontrar uma situação que gerasse um clima de mais incerteza, maior insegurança e mais intranquilidade do que esta. Era o terreno propícia a acções contra a democracia e contra o regime democrático. Só que os trabalhadores não confundem os culpados e os responsáveis pelos salários em atraso com as instituições e o regime democrático.
A luta dos trabalhadores para pôr cobro a esta monstruosa injustiça social é hoje, por isso mesmo, uma frente fundamental de defesa do regime democrático e do 25 de Abril.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que esta luta é um grande dedo acusador a esta política e a este governo e é uma fonte fundamental da exigência de uma nova política e de um novo governo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Governo, pela voz do Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O tema central da presente interpelação põe em causa duas questões da maior importância. Refere-se a primeira ao papel da oposição democrática no nosso sistema político; diz respeito a segunda ao papel do Estado no nosso sistema económico.

Pouco mais de 1 mês sobre a recusa do seu projecto de lei a tentar co-envolver e co-responsabilizar o Estado na gestão das empresas privadas, eis que o Partido Comunista Português interpela o Governo sobre o mesmo assunto, após todo um programa cientificamente concatenado de acções de rua. Não custa acreditar na sinceridade das preocupações do interpelante. Bastará, para tanto, pensar nas nossas. Do que se duvida, é da genuidade da sua convicção de que esteja seguindo o caminho que melhor conduz às soluções possíveis no quadro do sistema. Não se resiste, de facto, à sensação de que cuida menos de viabilizar o pagamento dos salários não pagos do que inviabilizar o sistema económico e político-social por que nos pautamos, e que o PCP não digere.

Obter o pagamento dos salários seria bom; derrubar o Governo seria melhor. Há depois a suposta bivalência da estratégia: se o Governo paga os salários tem contra si o défice; se não paga tem contra si os trabalhadores. Tudo a calhar, menos a necessidade de encontrar uma boa explicação para o facto de estudantes e trabalhadores não estarem de acordo com isso, reforçarem o voto nos partidos do Governo (as eleições da academia de Coimbra, da TAP, da Lisnave e da Carris, são exemplos) e relegarem o seu defensor oficioso para campos de segunda divisão. Daí que o PCP conceba o seu papel de partido da oposição, não em termos correctivos, mas eliminatórios.

Será esse o papel de uma oposição democrática?
Resistir à integração no sistema e tentar por todos os meios - incluindo alguns de discutível democraticidade - pô-lo em causa em todas as suas afirmações e em todos os seus actos?
Perder o Governo nas umas e tentar ganhá-lo na rua? Decretar-lhe semanalmente a morte apesar de contra ele não poder fazer vingar uma censura? Usar os sindicatos como aríete, o Parlamento como câmara de ressonância, a demagogia como isco e a revolução como programa?
Eu compreendo que possa ser exasperante passar todas as semanas a certidão de óbito a um governo que continua vivo e de boa saúde! Que se tenha apostado no escolho do aborto e perdido a aposta! vogado nas presumíveis dificuldades do Conselho Nacional do PSD e perdido o níquel! Compreendo tudo isso. Mas vai sendo tempo de o PCP se habituar à ideia de coabitar politicamente com os governos que o povo elege, deixando ao povo a tarefa de os apear na altura própria! Ou esqueceu o PCP que é perigoso abusar do «acudam que é lobo» quando não há lobo nenhum?
Integrado no conjunto de oposição ao anterior regime, o PCP travou uma luta histórica contra a ditadura. A democracia deve-lhe esse serviço. Digamos que «borrou a escrita» no pós 25 de Abril.

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Risos do PSD e do CDS.

Mas tudo isso foi de certo modo levado à sua conta de ganhos e perdas.
Estabilizado o novo regime constitucional; retocado na altura própria; decantado por quase uma década de democracia in actu, compreende-se agora menos bem que o PCP continue a repelir a Europa como se fosse um «guetto», a sua organização defensiva como se fosse um Atila, o seu pluralismo como se fosse um erro, o seu capitalismo como se fosse um crime, a sua liberdade como se fosse um resto.
O sistema que combate assegura-lhe o exercício de meios para combatê-lo: a liberdade de opinião e de expressão; a liberdade sindical; a liberdade de organização e acção política; o direito de voto; a protecção dos resultados do sufrágio. E só lhe pede que não negue aos que respeitam esses seus direitos igual respeito quando exercidos por outrem.
O País tem dificuldades que bastam. Quando escolheu viver em democracia foi para vitoriosamente as combater. Não pode, por isso, assistir sem frustração a enquistamentos de duvidosa democraticidade no corpo do sistema. Uma democracia não pode consentir em transformar-se num anticorpo do seu próprio corpo.
É talvez conveniente que, sobre este ponto, de uma vez por todas nos púnhamos de acordo.
Vogam também algumas confusões sobre o papel do Estado no nosso sistema económico. A presente interpelação vive delas, ao mesmo tempo que as alimenta e as reforça.
É conhecido o grau de co-envolvimento do Estado na gestão do sector privado nos idos de í 974 e 1975. Quer por substituição dominial, através das nacionalizações e expropriações, quer por co-responsabilização administrativa, através de actos de intervenção; quer pela prática do subsídio a fundo perdido ou da concessão de crédito de alto risco.
Os resultados são conhecidos, não vale a pena perdermos tempo com eles. Conhecidos no plano do equilíbrio das empresas e não menos no plano do equilíbrio das contas públicas.
Dou por assente -para economizar palavras - que os portugueses já deram sobejas provas de não terem gostado da experiência. Fizemos, a esse respeito, inequívocas sondagens à boca das umas.
Ficámos assim a saber -sem direito a fazer de contas - o papel que o Estado não deve ter na economia: o de gestor de uma economia de mercado, o de empresário de empresas privadas em dificuldades, o de Estado-Providência que tutela amorosamente criações alheias.
Vigora entre nós o princípio da liberdade de empresa. Se o Estado não pode impedir que nasçam, não se lhe deve exigir que a qualquer preço evite que morram. Sobretudo se a operação de salvamento sacrifica maior volume de interesse público do que aquele que salva.
Que reza, a este respeito, a Constituição da República?
Que é garantida a existência de 3 sectores de propriedade dos meios de produção: o público, o privado e o cooperativo.
Que é princípio de organização económico-social a coexistência desses sectores.
Que o sector privado se define por a propriedade e a gestão dos respectivos bens pertencer a pessoas singulares ou colectivas privadas.
Eis, pois, que a Constituição quer que coexistam um sector público, propriedade do Estado, gerido por ele, por outras entidades públicas ou equiparadas, e um sector privado cuja propriedade e gestão pertençam a entidades privadas.
A estas entidades, a Constituição reconhece o direito de livre iniciativa, bem como o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte.
Se o Estado quer intervir, requisitando ou expropriando por utilidade pública, indemniza e paga. Por outras palavras, torna o privado público. Estamos, assim, em presença de um sistema económico misto, em que coexistem a propriedade, a empresa, a iniciativa e a gestão públicas e privadas.
E se por um lado o poder económico privado não pode sobrepor-se - antes deve subordinar-se enquanto poder- ao poder político democrático, por outro lado não deve o Estado interferir directamente na administração e na vida da dimensão capitalista da sua economia. A este respeito, a tendência é para se cavar um fosso entre concepções opostas: a que prescreve ao sector empresarial do Estado dietas de emagrecimento e a que lhe recomenda políticas nutricionistas.
A verdade é que, independentemente do maior ou menor peso relativo do sector público, não faltam hoje ao Estado mais liberal instrumentos de intervenção na actividade económica global, através do controle dos sistemas monetário e fiscal, da gestão dos serviços sociais, do funcionalismo e da dívida, da concessão de isenções e do rateio de subsídios, do controle de câmbios e de preços, da taxa de juro e outros mecanismos de estímulo e desestímulo, enfim da lei, supremo instrumento para apontar direcções e condicionar comportamentos.
Não faltam pois ao Estado mais espectante, instrumentos para, se assim o entender, imprimir uma orientação individualista ou social à economia.
Para além disso, é hoje comummente aceite a conveniência de um sector público empresarial mais ou menos dilatado, bem como a inevitabilidade de uma intervenção estatal nos sectores estratégicos da economia. A questão, verdadeiramente, tem-se posto e põe-se a propósito da dosagem.
É daqui que partem - nem sempre com total sinceridade e muito menos com inteira coerência- os que sempre se empenharam e os que de novo se empenham em combater o sector público da economia, responsabilizando-o, mais a Constituição que o garante, por Sodoma e por Gomorra.
É mais uma manifestação do nosso excesso caracterizadamente peninsular. Quando não temos inimigos combatemos moinhos.
Não que haja constituições perfeitas. Não que esteja fora de hipótese o sobredimensionamento do sector público da nossa economia. Tal como foi gerado, só por milagre o teria sido na dimensão exacta. Mas porque não vale a pena tentarmos iludir-nos com o consolo de alma de que é a Constituição que impede o maná, que é o sector público o réu da crise, e que o sector privado, abandonado sem peias aos equilíbrios naturais do livre mercado, teria superado os choques dos aumentos do preço do petróleo, driblado os rom-

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pantes do dólar, soprado a recessão para as costa da Bretanha.
Tenho para mim que a crise não escolhe sectores - recusando-se a intervir no debate - e que de algum modo o sector público tem funcionado, ao menos na sua dimensão bancária, como «síndico» de numerosas falências não declaradas, do mesmo passo que o sector dos serviços que labora a preços sociais deu significativo contributo para a contenção, abaixo dos níveis do alarme, das taxas de inflação.
O actual governo chegou à tutela da banca no exacto momento em que o País começava a dar-se conta de centenas de milhões de contos de crédito bancário mal parado, porque concedido com margens de risco que jamais teriam sido assumidas por bancos privados. Devedoras desse crédito são, sem distinções que valham, empresas públicas e privadas.
Que seria hoje delas sem as virtudes desse defeito?
Não é à Constituição - mas aos governos - que compete a mais patriótica dosagem entre o público e o privado, entre a dinâmica do lucro e a prevalência das preocupações sociais.
Melhor é pois reconhecermos as culpas que tivemos e não tivemos, antes da actual Constituição e após ela, caindo em nós, de uma vez por todas, para a evidência de que não foi a Constituição que nos impediu de acertarmos mais e sermos melhores. Uso o plural, precisamente para desautorizar os que gostam de imaginar que os culpados são sempre os outros. A este respeito, fico-me par aqui, com alguma delicadeza de espírito.
Mas, prescrita em dado momento a dosagem considerada mais certa, constituiria grave erro armarmo-nos em novos «12 de Inglaterra» pró sector público ou pró sector privado, ao estilo de agora estatizo eu, agora liberalizas tu. A este respeito, algumas recentes profissões de fé liberalizante, a pensar na Sr.ª Thatcher sem a sua relva, a sua City e o seu petróleo, revelam até que ponto somos uns ases a discutir as Índias enquanto o navio se afunda.

Aplausos do PS.

O País, Srs. Deputados, não aguenta mais querelas, mais ideologias, mais polémicas de doutores. Se a Constituição tem defeitos, é sempre tempo de corrigi-los. Somos coerentes mas não somos fanáticos. Infelizmente, não temos esse mesmo tempo de espera em relação a decisões e trabalhos de que depende o amanhã de cada dia.

Temos - bem ou mal dimensionados - um sector público e um sector privado, que devem coexistir e, em certa medida, concorrer. Comecemos já a pôr cada um a render o que pode, em vez de nos envolvermos em deleitosos debates sobre se o público deve engolir o privado, se o privado deve devorar o público - qual o tubarão e qual o peixinho - ou se, por ser misto, o sistema recebe o melhor de ambos ou o pior de cada um.
Abril já ocorreu há tempo bastante para que possamos discretear sem paixão sobre o assunto, por forma a que se não continue a ver num dos sectores da economia, com excomunhão do outro, o elixir da abundância.
Um e outro serviram já de bandeira. Ambos tiveram já o seu decepado. Melhor é que reconheçamos

que é da sua recíproca complementaridade que há-de fiar-se a superação da crise, cabendo admitir que esse objectivo já esteve mais longe.
Vai também sendo tempo de descobrir que a propriedade pública de um sector confinado da economia está longe de ser socialismo, sobretudo quando é evidente que, mesmo as empresas desse sector, laboram - com raras excepções - segundo as regras do mercado e são administradas de acordo com os cânones da gestão capitalista. 15to é assim, goste-se ou não!
Até por isso, não custa concluir que o nosso sistema económico se rege predominantemente, no seu conjunto, pelas leis da concorrência e do mercado, valendo a pena realçar que, após a abertura dos sectores bancário e segurador, além de outros, à iniciativa privada, tende a ser cada vez mais assim.
Ganharíamos, por isso, tempo e paz de espírito, pondo-nos de acordo sobre estas elementaridades. É que não faz sentido o movimento inverso de, hoje a propósito dos salários em atraso, amanhã a propósito de não importa que remada contra a maré, tentarmos uma «guerra do Biafra» entre sectores, agora avançando o público, amanhã progredindo o privado, para além dos limites da fronteira natural de um e outro.

Ao público o que é do público, ao privado o que é do privado. A este, pois, as suas dívidas, o seu responsável por elas, os seus lucros e as suas perdas, os seus êxitos e as suas quebras.
Defendo então, a propósito dos salários em atraso, uma concepção de Estado Pôncio-Pilatos? De modo nenhum! O Governo não deve ser nem é indiferente ao drama de milhares de famílias sem salário. Como não é indiferente a milhares de trabalhadores sem emprego, a milhares de estudantes sem escola, a milhares de doentes sem hospital, a milhares de famílias sem casa e, infelizmente, a algumas bocas sem pão.
Ponto é saber se, condoído embora, está ao seu alcance proporcionar a todos o que lhes falta. É, aliás, de todos os dias, a concessão de subsídios a empresas em dificuldades para manutenção de postos de trabalho, bem como a afectação de crédito de alto risco à viabilização de empresas ou à consolidação do seu passivo. Vêm daí, em parte, a situação das finanças públicas e os incobráveis da banca.
A questão está em clarificar com o realismo mais elementar até que ponto pode o Estado, sem risco de autodestruição, continuar a fazer o que vem fazendo de há muito. Numa abordagem mais próxima do problema em causa, questão é saber se, dilacerado embora, é justo que o Estado pague a alguns um subsídio de desemprego que é de miséria, parque não pode ser maior, e a outros um subsídio de emprego igual ao salário, dando de barato que tenha com quê!
Alega-se que o escândalo - palavra ante a qual não recuo e sobre a qual aqui se fez generalizado consenso - dos salários em atraso, se não repete na generalidade dos países com cujo sistema económico o nosso tem similitudes.
É exacto. Mas não há neles salários em atraso pela simples razão de que há falências em dia.
O instituto da falência, agindo em quase automatismo ao alarme da primeira dívida não paga - de salários ou outra - engrossa o desemprego, mas não deixa esses países passar pela vergonha do trabalho não pago.

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Esta a explicação de a taxa de desemprego em muitos desses países ser superior à nossa (apesar de serem mais ricos e terem mais defesas) do mesmo passo que, entre nós, os salários em atraso, o bloqueamento das falências e a agonia de empresas já mortas, ajudam a explicar a diferença.

Devo dizer que não pude deixar de estranhar a pouca ênfase que neste debate se deu ao facto, particularmente insólito, de ter havido e continuar

haver salários em atraso também em algumas empresas do sector público empresarial.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ouviu mal, Sr. Ministro!

O Orador: - Aí a resposta do Governo é, por um lado, mais embaraçosa e, por outro, mais significativa. Embaraçosa porque, de algum modo, o Estado é patrão. Significativa porque mais convincente da verdade do facto de o Estado não ter meios para suprir, através de verbas do Orçamento, ou que ao Orçamento acabam por se reconduzir, a falta de rentabilidade e os desequilíbrios das empresas.
São, pois, tão reais e tão insuperáveis as dificuldades invocadas, tão imperativa a política traçada, que o Estado não exclui dela as próprias empresas de que ó dono.
Resumindo a explicação causal: há salários em atraso em algumas unidades em situação económica difícil do sector público empresarial do Estado porque o Estado é, ele próprio, uma empresa em situação económica difícil.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É de fresca data - repete-se - a rejeição por esta Assembleia de um projecto de lei do Grupo Parlamentar do PCP que pretendia vincular o Estado ao pagamento de todos os salários em atraso, qualquer que fosse o seu número, de não importa que empresas privadas, bastando para tanto que fossem devidos há mais de 30 dias e que o seu pagamento não fosse imputável ao trabalhador.
Indiferente, pois, às razões determinantes do não pagamento e à saúde da empresa.
Acaba de anunciar o PCP a apresentação de outro projecto sobre a mesma matéria, que faço votos, por razões formais e substanciais, seja suficientemente diferente do outro para que não seja abrangido pela regra da preclusão, da repetição de uma iniciativa dentro da mesma Sessão Legislativa. E bem precisa de ser diferente do outro, porque aquele, a meu ver, não continha soluções realistas que pudessem contribuir minimamente para uma solução do problema.
Subentendia, de facto, alguns enganos: o de que a retribuição do trabalho é um direito em face do Estado e não um direito em face da entidade patronal; o de que o problema se situa no âmbito de uma economia fechada, globalmente planificada e burocraticamente dirigida, e não no domínio de uma economia aberta, concorrencial, de livre empresa, em suma de mercado.
Entre nós, com efeito, as regras são claras e são outras: ao emprego corresponde um salário pago pelo empregador, ao desemprego um subsídio pago pelo Estado. Pagar o salário ao inactivo era estimular a inac-

tividade. Pagar o salário ao activo não pago pela entidade patronal era estimular o não pagamento. Pretender que o Estado supra as deficiências da empresa privada e pague os erros do gestor privado é misturar o não misturável, confundir o distinto, chamar o Estado aonde não é chamado.
Não significa isto - uma vez mais se o diz - que se não seja sensível ao drama social do salário não pago. O Governo encara com a maior apreensão esse grave desregulamento do sistema. Só que o encara com a serenidade bastante, e o sentido de responsabilidade suficiente, para não tentar resolvê-lo criando problemas mais graves.
Não o conforta, como é óbvio, a circunstância de estar aí, à mão dos trabalhadores e outros credores não pagos, o instituto da falência. Bem se compreende que o trabalhador, apesar de o seu crédito ser privilegiado na execução colectiva que a falência é, prefira manter viva a esperança na salvaguarda do seu posto de trabalho - ainda quando só um milagre possa salvá-lo - e pelo preço do adiamento do exercício do seu direito ao subsídio de desemprego.
Menos bem se compreende, apesar de tudo, a resistência dos credores - incluindo os do sector público - em requerer a falência de empresas consabidamente inviáveis, embora por vezes o seu alheamento dimane da antecipada certeza de que a massa falida será totalmente afectada ao pagamento dos créditos privilegiados, nada restando para a satisfação dos comuns.
A passividade dos próprios gestores privados, no mínimo quase sempre culposa, por não acatamento do prazo legal de apresentação à falência, quando não dolosa, explica-se como expediente de fuga à respectiva qualificação penal, dado o curto prazo da prescrição, embora se não compreenda tão bem o desinteresse do Estado em responsabilizar os maus gestores, nessa medida prevenindo futuros casos de má gestão.
Não será, de resto, alheio à motivação causal que se procura, o facto consabido e insólito de um processo de falência em regra demorar anos, em parte porque a tentação burocrática é mais forte do que o empenho na celeridade, em parte porque, com o decurso do tempo, a inflação valoriza o activo e rói o passivo, enfim porque os administradores da «massa» nem sempre têm interesse em dela tirarem as mãos.
Como quer que seja, a verdade é que a falência se vem revelando um expediente cada vez menos atractivo ao ponto de a ausência da selecção natural que apesar de tudo representa, ter conduzido à proliferação de empresas agonizantes, que subsistem para lá da morte natural, deixando de pagar à previdência primeiro, os impostos depois, os salários por fim.
As reservas de energia económica e social gastas com essas unidades empresariais decadentes seriam sem dúvida mais bem aplicadas em novas iniciativas, novas fileiras de produtos e novas tecnologias, em direcção a novos mercados.
Mas não! Recusa-se a evidência das nossas rotinas estruturais e, quando já tudo se exauriu - o equipamento, a técnica, a procura e o crédito - sobrepõem-se falsos empregos ao desafio da renovação, e convoca-se o Estado para que venha olear as máquinas, modernizar as técnicas, acordar os mercados, pagar as contas. Não deixa, aliás, de ser surpreendente a facilidade com que alguns empresários, defensores acérrimos da liberalização da economia na fase das vacas gordas, passam

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a reclamar o Estado para médico à cabeceira, tão depressa as vacas emagrecem. É ver a frequência com que se repete a «ameaça» de entregarem ao Estado a chave da sua fábrica, quando se torna evidente a impossibilidade de entregarem o salário aos seus trabalhadores.
Dir-se-ia que o PCP ouviu compreensivo essa ameaça e pede ao Estado que faça de chaveiro! ...

Alega o Grupo Parlamentar do PCP que o número de trabalhadores sem salário é elevado de mais para que o Estado disso se alheie. Recusa-se assim a compreender que nesse número - infelizmente elevado, embora não tanto como aqui foi dito pelo PCP reside precisamente o maior obstáculo à solução que preconiza.

É fácil e cómodo mandar a factura ao Fundo de Desemprego, ordenar-lhe que pague, e acenar-lhe com a quase escarninha consolação de que ficará sub-rogado nos direitos dos trabalhadores! Só que do Fundo de Desemprego só pode sair o que previamente lá tiver entrado. De onde promanariam os milhões de contos necessários de um aumento das participações dos outros patrões e trabalhadores? do Orçamento do Estado?

Tenha-se, então, a coragem de propor isso mesmo, arcando com as correspondentes responsabilidades! Mas o Grupo Parlamentar do PCP não se fica pela pressuposição de que o Estado não paga porque não quer. Não se contenta em o pintar cruel. Vai ao ponto de o imaginar conivente e de o insinuar tirânico!
Conivente - claro! - com os maus gestores, em cujas fraudes o interpelante põe o ramo da culpa maior.

Tirânico na medida em que, perigosamente esquecido do que seria cruel lembrar-lhe, acusa o Governo de, «para alcançar os seus objectivos, necessitar de um país de homens com medo!»
Cuidado, Srs. Deputados: Lutámos e lutamos por um país de Homens Livres, e um homem livre não tem medo!

A verdade, porém, é que muitos salários continuam por pagar, as respectivas empresas por falir, os seus gestores, quando culpados, por responsabilizar. E se é certo que aos trabalhadores desempregados se paga apesar de tudo o subsídio de desemprego, os trabalhadores com emprego teórico, mas sem emprego e salário real, continuam a trabalhar não se sabe a benefício de quem, em regra não deles próprios, já que, em caso de falência - que na maioria dos casos sobrevirá - o seu privilégio vem depois de tantos que o trabalho não pago por eles prestado aproveitará a outrem que não a eles.

Ora, esta situação merece ser olhada com atenção, e o Governo está a encará-la com realismo, em direcção aos seguintes resultados, entre outros:

Não consentir, passivamente, que situações irreversíveis de não pagamento de salários se arrastem no tempo, agravando tudo sem solução de nada;

Distinguir caso a caso, empresa a empresa, motivo a motivo, separando as empresas recuperáveis das feridas de morte, ajudando a morrer estas e a viver aquelas;

Responsabilizar os gestores que incorram em crime de infidelidade, falência dolosa ou por negligência, favorecimento de credores ou admi-

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nistração danosa de unidade económica do sector público ou cooperativo, ilícitos previstos no Código Penal;
Condicionar o pagamento de ordenados e despesas de representação de gestores, de suprimentos e respectivos juros, a distribuição de dividendos e eventualmente de outros créditos, ao pontual pagamento dos salários;
Rever, se a revisão se mostrar justificada após cuidadosa reflexão - o que não é nada fácil -, os dispositivos legais que escalonam os privilégios de que gozam os diversos créditos, sobretudo aqueles de que goza o Estado;
Conferir celeridade e eficiência ao processo da falência e respectiva qualificação penal, pondo termo ao escândalo judicial de uma falência, em regra, se arrastar por anos;
Chamar a si - através dos departamentos titulares de créditos não pagos, ou do Ministério Público - a iniciativa de declaração da falência das empresas julgadas inviáveis, após adequada inspecção;

Usar com mais frequência a faculdade legal de destacar elementos activos da massa falida de empresas com virtualidades residuais para, a partir deles, e por via de reconversão, poderem ser lançadas novas iniciativas criadoras de riqueza e de postos de trabalho, à semelhança do que, com êxito, acaba de fazer em relação à MESSA;

Cooperar, dentro das forças dos recursos disponíveis, na recuperação ou consolidação de unidades com interesse para a economia nacional e susceptíveis de serem postas a flutuar pelos próprios meios;

Antecipar o mais possível a atribuição do subsídio de desemprego aos trabalhadores sem salário e sem emprego real - ainda que teoricamente empregados - na linha do despacho proferido pelo Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social;

Continuar a conceder às empresas privadas que mostrem ter condições de sobrevivência, constituam unidades de interesse para o conjunto da economia, e careçam de apoio para assegurar a continuidade do seu funcionamento ou para salvaguarda dos seus postos de trabalho, crédito bancário ou subsídios através do Fundo de Desemprego.

Continuar a estudar a situação de empresas em situação económica difícil, para o efeito de, quando tal se justifique, se proceder às necessárias medidas de viabilização económica e de saneamento financeiro, muito provavelmente em moldes diversos dos conhecidos contratos de viabilização, que não têm dado boa conta de si;

Rever o esquema legal da declaração de empresas públicas e privadas em situação económica difícil, na perspectiva do afinamento dos seus efeitos terapêuticos;
Rejeitar soluções em bloco e substituí-las por exames caso a caso, sem prejuízos ideológicos ou preconceituais;
Não recuar perante a redução da actividade ou mesmo a extinção de empresas do sector pú-

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blico, sempre que com isso coincida o interesse nacional, nomeadamente no caso de só poderem manter-se mediante crédito a fundo perdido ou subsídios não reembolsáveis (o Governo já fez isso a propósito da Gelmar);
Actuar a montante, ao nível do emprego, na segura convicção de ser essa a solução final do problema, a verdadeira e única solução do problema em causa. Sobre isso, de resto, já aqui foi dito o bastante!

A ilusão é livre. E nada nos impede de usarmos essa liberdade para ficcionarmos que o problema dos salários em atraso é uma questão isolada, susceptível de tratamento autónomo.
Mas dificilmente trilharíamos caminho mais errado. O não pagamento de salários é apenas uma afloração, entre outras, da mesma realidade: vivemos demasiado tempo acima das nossas possibilidades, endividámo-nos acima do que era permitido pelo mais elementar bom senso, tivemos de travar a fundo para não embater no muro e reagimos aos efeitos da travagem na dinâmica das nossas vidas.
No fundo é isto: o Governo está tendo a coragem necessária para fazer o que deve ser feito, e de há muito devia tê-lo sido, mas não pode evitar aos portugueses o sacrifício de, globalmente, passarem a viver abaixo do seu nível de vida, para nos recompormos dos efeitos perniciosos de, durante anos, termos vivido perigosamente acima.
Que fez este governo, já na iminência da perda definitiva do crédito externo? Tratou de recuperá-lo, dando sinais inequívocos de que os responsáveis por este país haviam começado a ter juízo.
Assim: se gastamos a demasia de 20 em 100, ou bem que produzimos mais, ou bem que gastamos menos, ou bem que conjugamos em termos hábeis esses dois movimentos em direcção ao equilíbrio.
E como não é realista a tentativa de expansão imediata da produção - porque é inconseguível sem perniciosos efeitos de balança - só nos resta um esforço doloroso de contenção dos gastos.
Daí a coragem das seguintes medidas de sentido unidireccional:

Desvalorização do escudo: aumentou a competitividade dos nossos produtos no mercado externo e desestimulou as importações;

Vozes do PCP: - Foi óptimo!

O Orador:

Limitação dos subsídios aos produtos essenciais e aproximação de uma política de preços reais;
Prática pungente, mas realista na circunstância, de uma política transitória de redução dos salários reais;

Vozes do PCP: - Óptimo!

O Orador:

Aumento das taxas de juro e outras medidas de contenção da expansão do crédito;
Contenção do nível do investimento no sector público, designadamente no domínio dos cha-

mados grandes projectos, menos determinados por razões de rentabilidade do que de prestígio, quando não de ostentação ou de fachada, ao jeito do ricalhaço de Chesterton que «comprou um hotel para beber um copo de genebra»;

Rigorosa selectividade na concessão de subsídios a empresas do sector público ou privado, pondo termo ao delírio exauriente do erário público que vinha sendo regra;

Redução a limites geríveís do défice do Orçamento de 1983 - ante a surpresa de um empolamento não previsto da ordem dos 50 milhões - por recurso a medidas de tributação extraordinária;

Proposta a esta Assembleia, para o ano corrente, de um Orçamento à medida da crise, de contenção e de rigor.

É claro que não tardou que aparecesse quem, em face dos primeiros resultados positivos desta política - designadamente no plano do défice das balanças -, começasse a pregar que a coragem foi demais. A dose foi excessiva. O doente vai morrer da cura. Do que o país precisa não é de coragens pontuais mas da coragem global das grandes reformas de fundo, bulir com a estrutura, mudar a Constituição. Alguns que, com a mão nas alavancas, se não atreveram a fazer um gesto, são agora os mais entusiásticos arautos de que se parta a loiça! E muitos que, durante 40 anos, viveram sem sobressalto com uma só constituição que era uma fraude, pulam à ideia de reformar semanalmente a que temos e que é expressão de uma límpida vontade. A mesma irrequietude que nos levou à Índia, ameaça a cada passo levar-nos ao fundo. Bom é o que falta experimentar!

É claro que se iludem! Se bem que sejam sempre possíveis ajustamentos, o Governo dia a dia descobre novas razões para ter por certo que não pediu sacrifícios a mais, embora fosse em extremo agradável poder reconhecer que se enganou.

Ainda assim, nunca o Governo pôs em dúvida que seria limitado no tempo o sacrifício pedido. Bem pelo contrário, apontou perspectivas e desenhou horizontes. Sobre isso se debruçou hoje de manhã, com a autoridade que todos lhe reconhecemos, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Salvo seja!

O Orador: - Um pouco mais de paciência (ou de patriotismo?) e não tardam aí as aflorações da prometida recuperação, introdutória do programado desenvolvimento!

E desde já se pode o Governo credenciar, em matéria de mudanças de estrutura, de um punhado delas que, já em acto ou a caminho disso, confirmará a sua vontade política de, também aí, dar um sinal de decisão e coragem. Vale a pena referir algumas:

A abertura tão contestada, tão discutida e tão defendida à iniciativa privada de novos sectores da economia;

A criação - já proposta a esta Assembleia -
de um serviço de informações;

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A proposta de revisão em profundidade do re-
gime da renda urbana;

As propostas de revisão da competência das autarquias, da sua organização, da sua tutela e do regime das respectivas finanças;

A breve sujeição a discussão pública do plano

energético nacional;

Todo um conjunto de medidas de combate à corrupção, quebrando a rotina de uma resignação que no mínimo vem desde as descrições de Heródoto, Sócrates e Platão foram corruptos;

Todo um esforço diplomático e negocial no sentido da garantia e da aceleração da nossa adesão à CEE, acto histórico que no ano cor-
rente deixará de ser uma incógnita e que, só por si, representa a mais profunda reforma estrutural que conceber se possa, além de importantes apoios financeiros às necessárias medidas de adaptação das nossas estruturas e até dos nossos comportamentos.

Não é ainda um tornado, mas é já um vento novo! Não surpreende, assim, que o Grupo Parlamentar do PCP saia daqui mais frustrado e mais rombo, enquanto aríete da muralha governamental. E não se foge à sensação de que, o que leva o interpelante a com tanta sofreguidão interpelar, é precisamente o receio de que o Governo, de que não gosta, não caia em nenhuma semana seguinte e caia apenas, cada vez mais, no gosto dos portugueses.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegamos ao fim do debate, mas antes de encerrar a sessão queria fazer uma comunicação aos grupos parlamentares.

Como todos sabem, e particularmente as direcções dos grupos parlamentares, está prevista a deslocação de uma delegação parlamentar a Espanha no próximo dia 26. Para se evitar uma reunião dos líderes parlamentares ainda esta noite ou amanhã, pedia o vosso acordo para que esta delegação fosse constituída por 4 deputados do PS, 3 do PSD, 2 do PCP, 2 do CDS e 1 do MDP/CDE.

Se não houver qualquer oposição, a delegação será assim constituída e eu pedia aos grupos parlamentares que até às 18 horas de hoje, sexta-feira, me indicassem os nomes dos Srs. Deputados.

O Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa e que foram admitidos.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 284/III, da iniciativa do Sr. Deputado Horácio Marçal e outros, do CDS, sobre a elevação de Águeda à categoria de cidade, que foi admitido e baixou à 10.ª Comissão.

O Sr: Presidente: - O pessoal que esteve de serviço durante a sessão que agora termina, ficará dispensado do serviço no dia de hoje.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - É que deve ter havido um lapso ou um mau entendimento na conversa que tive com o Sr. Primeiro-Secretário da Mesa. O que eu transmiti ao meu grupo parlamentar, e sob reserva de consulta, é que estaríamos de acordo, em primeira análise, com uma proposta do MDP/CDE, transmitida pelo deputado Corregedor da Fonseca, que o último lugar seria atribuído, de acordo com uma sugestão feita, em tempos, pelo Sr. Deputado José Vitorino, que a rotatividade se faria pelos pequenos grupos parlamentares e agrupamentos parlamentares, e não é, exactamente, a mesma coisa.

O Sr. Presidente: - É nesse espírito que começa pelo MDP/CDE.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Não sei, Sr. Presidente, não sei!

O Sr. Presidente: - Não sei porque é que não sabe, a
reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, que terá lugar na próxima terça-feira, decidirá, em absoluto, sobre esse critério, porque, ainda não foi decidido.

Contudo, o urgente era eu poder comunicar, ainda hoje de manhã, para Espanha a constituição da comissão, ou seja, quantos Srs. Deputados fazem parte da delegação.

Portanto, esta delegação ficará assim constituída. Na próxima reunião dos presidentes dos grupos parlamentares será decidida essa rotatividade, que, aliás, já foi proposta e que mereceu o assentimento de todos.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, o lapso mantém-se. E suponho que o Sr. Deputado Magalhães Mota, melhor do que eu, poderia dar esclarecimentos. Suponho que o critério de rotatividade a ser aplicado, neste caso, não daria o resultado que foi anunciado.

O Sr. Presidente: - Eu não percebo, Sr. Deputado, a não ser que o Sr. Deputado Magalhães Mota me queira elucidar.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Suponho, Sr. Presidente, que aquilo que foi objecto de troca de impressões entre nós foi que o MDP/CDE já integrou uma representação oficial na actual Sessão Legislativa, precisamente, na deslocação que acompanhou o Sr. Presidente a França.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, houve um engano. O MDP/CDE não fazia parte da delegação.

Na sessão do próximo dia 21, terça-feira, os trabalhos iniciar-se-ão às 15 horas, haverá período de antes da ordem do dia e o período da ordem do dia, fixado pelo MDP/CDE, integrará a discussão e votação do projecto de lei n.º 261/III, sobre crédito em espécie à agricultura.

Está encerrada a sessão.

Eram 2 horas e 30 minutos.

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17 DE FEVEREIRO DE 1984

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Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):

António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. José de Almeida Valente.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Fernando José da Costa. Fernando Manuel Cardoso Ferreira. Manuel Ferreira Martins. Serafim Jesus Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida. João Lopes Porto.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. José Luís do Amaral Nunes. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. Manuel Alegre de Melo Duarte. Maria Margarida Ferreira Marques. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz. Fernando Monteiro do Amaral. Gaspar de Castro Pacheco. Manuel da Costa Andrade. Pedro Paulo Carvalho Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Mariana Grou Lanita. Paulo Simões Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

José Augusto Gama. José Vieira de Carvalho. Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos
enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 16 de Fevereiro de 1984, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa) por Luís António Pires Baptista (esta substituição é pedida para os dias 16 a 24 de Fevereiro corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido Comunista Portu-
guês:

Maria Alda Barbosa Nogueira (círculo eleitoral de Lisboa) por Paulo Simões Areosa Feio (esta substituição é pedida por um período não superior a 4 meses, a partir de 16 de Fevereiro corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma
vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP). - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Ruí Monteiro Picciochi (PS) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)- Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) -Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

As Redactoras: Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz - Cacilda Nordeste.

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PREÇO DESTE NÚMERO 220$00

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